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Ano X, n. 05 Maio/2014 - ISSN 1807-8931 Novo endereço: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica 199 Tática metodológica: a análise de conteúdo na pesquisa empírica em comunicação Juliano Paz DORNELLES 1 Vicente Reis MEDEIROS 2 Marcel Neves MARTINS 3 Resumo Este artigo tem como propósito a reflexão sobre a análise de conteúdo (AC) como tática metodológica para a pesquisa empírica em comunicação. A partir de preocupações pontuais dos autores e inseridas dentro de suas pesquisas em desenvolvimento no PPGCOM da PUCRS, procura aproximar o debate metodológico dos objetos de estudo e problemáticas de pesquisa, de modo a esclarecer tanto os próprios pesquisadores quanto os leitores acerca do potencial contido na análise de conteúdo. Entre a introdução e as considerações finais, o texto apresenta-se em três partes: análise de conteúdo da imprensa: a tática na estratégia (autoria de Marcel Martins), análise de conteúdo na internet: uma lógica ao estudo dos „vlogs‟ (de Juliano Dornelles) e análise de conteúdo da entrevista: a “decupagem” no gabinete (de Vicente Medeiros). Palavras-chave: Comunicação; Análise de Conteúdo; Imprensa; Vlogs; Entrevista. Abstract This article aims to reflect on the content analysis (CA) as a methodological tactic to empirical research in communication. From specific concerns of authors and inserted into their research in developing PPGCOM/PUCRS looking closer the methodological discussion of the objects of study and research issues in order to clarify both the researchers themselves as readers of the potential contained in content analysis. Between the introduction and closing remarks, the text is presented in three parts: content analysis of the press: a tactic in the strategy (authored by Marcel Martins), 1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS. E-mail: [email protected]. 2 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS. E-mail: [email protected]. 3 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS. E-mail: [email protected].

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    199

    Ttica metodolgica:

    a anlise de contedo na pesquisa emprica em comunicao

    Juliano Paz DORNELLES 1

    Vicente Reis MEDEIROS2

    Marcel Neves MARTINS3

    Resumo

    Este artigo tem como propsito a reflexo sobre a anlise de contedo (AC) como ttica

    metodolgica para a pesquisa emprica em comunicao. A partir de preocupaes

    pontuais dos autores e inseridas dentro de suas pesquisas em desenvolvimento no

    PPGCOM da PUCRS, procura aproximar o debate metodolgico dos objetos de estudo

    e problemticas de pesquisa, de modo a esclarecer tanto os prprios pesquisadores

    quanto os leitores acerca do potencial contido na anlise de contedo. Entre a

    introduo e as consideraes finais, o texto apresenta-se em trs partes: anlise de

    contedo da imprensa: a ttica na estratgia (autoria de Marcel Martins), anlise de

    contedo na internet: uma lgica ao estudo dos vlogs (de Juliano Dornelles) e anlise de contedo da entrevista: a decupagem no gabinete (de Vicente Medeiros).

    Palavras-chave: Comunicao; Anlise de Contedo; Imprensa; Vlogs; Entrevista.

    Abstract

    This article aims to reflect on the content analysis (CA) as a methodological tactic to

    empirical research in communication. From specific concerns of authors and inserted

    into their research in developing PPGCOM/PUCRS looking closer the methodological

    discussion of the objects of study and research issues in order to clarify both the

    researchers themselves as readers of the potential contained in content analysis.

    Between the introduction and closing remarks, the text is presented in three parts:

    content analysis of the press: a tactic in the strategy (authored by Marcel Martins),

    1 Mestrando no Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social da PUCRS. E-mail:

    [email protected]. 2 Mestrando no Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social da PUCRS. E-mail:

    [email protected]. 3 Doutorando no Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social da PUCRS. E-mail:

    [email protected].

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    content analysis on the Internet: a logical study of the 'vlogs' (of JulianoDornelles) and

    content analysis of the interview: a "decoupage" at the office (Vicente Medeiros).

    Keywords: Communication; Content Analysis; Press; Vlogs; Interview.

    Introduo

    A pesquisa emprica em comunicao demanda a eleio de tticas que possam

    auxiliar cada pesquisador para a abordagem do objeto estudo e para o enfrentamento da

    problemtica de pesquisa. Destarte, este texto rene preocupaes convergentes acerca

    das possibilidades contidas na anlise de contedo (AC) enquanto ttica metodolgica

    para a investigao cientfica. O escopo dos pesquisadores em objetos comunicacionais

    diferentes faz com que a anlise de contedo seja tratada em cada uma das trs partes

    deste artigo conforme ngulos especficos.

    De um modo geral, a lgica contida na construo deste artigo considera como

    fundamental a reflexo sobre a anlise de contedo no contexto da pesquisa emprica

    em comunicao e do debate epistemolgico relativo s metodologias mais apropriadas

    para os estudos na rea. Assim, a reflexo sobre a AC no aparece de forma isolada.

    Est envolvida na preocupao dos autores sobre a compreenso do fazer metodolgico

    em comunicao.

    Nesse contexto, partimos de um plano mais geral no item anlise de contedo

    da imprensa: a ttica na estratgia, com o relato de um percurso metodolgico feito at

    o encontro da AC em sua potencialidade ttica como chave num posicionamento

    estratgico para o estudo da construo do sentido popular da Copa do Mundo pela

    imprensa de Porto Alegre (RS). J na segunda parte, em anlise de contedo na

    internet: uma lgica ao estudo dos vlogs, entramos nos pormenores da anlise de

    contedo, na medida em que tratamos de suas fases metodolgicas para o entendimento

    de processos comunicacionais na web. Por fim, em anlise de contedo da entrevista: a

    decupagem no gabinete, vamos especificamente ao encontro do rigor metodolgico

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    que, necessariamente, deve acompanhar o trabalho cientfico e o uso de tticas como a

    da anlise de contedo.

    A eleio da anlise de contedo como metodologia para a pesquisa em

    comunicao se deve ao fato de estar consolidada nos estudos na rea das cincias

    sociais aplicadas, apresentando possibilidade de combinao entre a pesquisa de carter

    qualitativo e a quantitativa. A AC possibilita o destacamento de um desses tipos de

    pesquisa sem perdas ao estudo, dado seupotencial ajustamento s necessidades dos

    objetos empricos dos pesquisadores. Ainda, a diversidade de tcnicas para investigao

    que permite tambm incide sobre sua escolha como metodologia de pesquisa.

    Anlise de contedo da imprensa: a ttica na estratgia

    Para que compreendamos a(s) lgica(s) da construo do sentido popular da

    Copa do Mundo Fifa, no Brasil, na sociedade contempornea pela imprensa de Porto

    Alegre (RS), vimos percorrendo uma trilha de preocupaes epistemolgicas,

    metodolgicas e operacionais. Ainda que a anlise de contedo, enquanto ttica de

    pesquisa, tenha sido apropriada ideologicamente durante o trajeto de pesquisa, iniciado

    em maro de 2013, somente emerge de forma cristalizada como ferramenta potencial

    para uso metodolgico na pesquisa (LOPES, 1999) quando visualizada em consonncia

    com as demandas do objeto de estudo em sua configurao plena, ainda que no

    esgotada contudo inaugurada como recorte dentro de uma realidade fenomenolgica

    complexa.

    At a lapidao do problema de pesquisa em seu potencial de znite para a

    compreenso da formao de consensos sociais no contemporneo via mdia, passamos

    por trs fases, a saber, de proposio dedutiva (SANTAELLA, 2001) de uma hiptese

    acerca da realidade miditica da Copa do Mundo do Brasil; de explorao do emprico

    pela aproximao ao objeto de estudo (representao noticiosa do Mundial de 2014); de

    conformao de um mapa epistemolgico da pesquisa para fins metodolgicos no

    sentido de uma cartografia dos agenciamentos epistmicos possveis ao entendimento

    de um fenmeno em sua singularidade. Com a emergncia da estratgia de pesquisa,

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    vemos a capacidade intrnseca ao objeto de estudo de deixar-se compreender pela

    anlise de contedo enquanto ttica de investigao.

    Referindo-se a Lakatos e Marconi (1992), Santaella (2001) fala em mtodo de

    abordagem e mtodo de procedimento, que entendemos como dispositivos lgicos

    constituintes da orientao metodolgica do pesquisador, isto , conformadores da

    metodologia de pesquisa prpria a cada problema cientfico em sua singularidade. Para

    Lopes (1999), a metodologia situa-se no plano do paradigma, que nas Cincias Sociais

    fornece tanto modelos tericos (determinada concepo do social), como modelos

    metodolgicos (determinada concepo de investigao do social) (p. 81).

    Nesse sentido, emerge a metodologia da pesquisa, o que no significa a

    metodologia na pesquisa; diferena explicada pela autora: Enquanto a primeira indica

    o domnio do estudo dos mtodos numa cincia particular, a segunda constitui o mbito

    da aplicao desses mtodos numa determinada pesquisa. Enquanto a primeira a teoria

    metodolgica, a segunda a prtica metodolgica (LOPES, 1999, p. 85).

    As instncias metodolgicas propostas por Santaella (2001) no coincidem

    exatamente com as duas formas metodolgicas apresentadas por Lopes (1999). A

    metodologia da pesquisa corresponderia ao nvel de uma certa generalidade, pois

    mtodos classificatrios, descritivos, exploratrios, empricos, experimentais e outros

    mais repetem-se de modo relativamente similar em quaisquer cincias (SANTAELLA,

    2001, p. 130). Assim, coloca-se num segundo nvel, em que habitam os mtodos

    particulares dos tipos de cincias e dos estratos das cincias (SANTAELLA, 2001,

    idem).

    A metodologia na pesquisa aparece num terceiro nvel, em que tem-se a

    interferncia do pesquisador e de suas escolhas frente s metodologias que sua rea

    cientfica lhe apresenta e s exigncias que lhe faz o tipo especfico de pesquisa que

    realiza SANTAELLA, 2001, pp. 130/131). Com isso, o primeiro nvel aquele prprio

    ao mtodo de abordagem, em que predominam abstraes relativas ao mtodo cientfico

    empregado; campo de mobilizao do raciocnio dedutivo, hipottico-dedutivo, indutivo

    e dialtico. O nvel fundamental geral, universal, sustentado nas principais classes de

    raciocnios ou argumentos. Demo (1985: 13) iniciou seu livro com a constatao de que

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    regras lgicas do conhecimento so as mesmas para todas as cincias [...]

    (SANTAELLA, 2001, p. 130).

    Nesse contexto, a primeira fase da pesquisa sobre a construo miditica do

    sentido popular da Copa 2014 objetivou uma proposio dedutiva. Segundo Santaella

    (2001, p. 137), o tipo de raciocnio dedutivo parte de premissas gerais, teorias e leis

    para predizer a ocorrncia dos fenmenos particulares. Assim, propomos que a

    realizao da Copa do Mundo de 2014, no Brasil, teria como efeito a emergncia na

    imprensa brasileira de linguagens e discursos hbridos, dado o fato de que, por ser

    realizada em casa, a Copa demandaria esforos para sua organizao e, por isso, as

    atenes miditicas no ficariam restritas s questes relativas seleo brasileira ou

    aos jogos nos estdios.

    Na abordagem metodolgica feita para a estruturao da proposta de projeto,

    trabalhamos, fundamentalmente, com o dado emprico sobre o qual lanamos a

    hiptese, inaugurando um problema (os modos de presena da Copa do Mundo nas

    pginas dos jornais Correio do Povo e Zero Hora). Para Ferrara (2010, p. 59), [...] o

    domnio emprico tornou-se indispensvel, de sorte que no mais possvel atuar no

    convicto territrio abstrato do conceito, ao contrrio, tudo deve estar submisso

    observao e anlise, quando no constatado a partir de rigoroso protocolo

    experimental.

    Na passagem para a segunda fase da pesquisa, dada a aprovao da proposta de

    estudo, iniciamos o procedimento metodolgico. Basicamente, fizemos pesquisa

    bibliogrfica e estudos de caso considerando como casos determinadas coberturas

    jornalsticas do jornal Zero Hora, de Porto Alegre (RS), sobre a Copa de 2014. De um

    modo geral, na explorao do emprico descrevemos os observveis (matrias

    jornalstica de ZH), analisamos textos e imagens e demos salincia s significaes

    contidas no comportamento da imprensa frente aos assuntos destacados por ela mesma.

    Esta fase subdividiu-se em dois estgios reflexivos, dada a localizao de um ponto de

    mutao no amadurecimento do problema de pesquisa deslocado da preocupao

    sobre os modos de presena da Copa do Mundo na imprensa construo do sentido

    popular da Copa do Mundo por jornais de Porto Alegre (RS).

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    No primeiro estgio, trabalhamos no artigo A Copa em pauta: a leitura de Zero

    Hora sobre a reforma do estdio Beira-Rio4 para refletirmos sobre a hiptese da

    emergncia de linguagens hbridas atravs das mdias no tratamento dos assuntos do

    Mundial. A confirmao da hiptese incutiu-nos a necessidade de avano na pesquisa

    pela lapidao do problema. Com isso, vimos nessa diversidade discursiva a

    possibilidade de um hipertexto na imprensa acerca da Copa ainda que no tivssemos

    explorado outros jornais , transcendente a cada publicao em particular.

    O ponto de mutao ocorreu a partir do momento em que ficou explcito o

    carter coesivo dos significantes mobilizados para dar sentido ao acontecimento

    esportivo. Assim, emergiu como problema o potencial hipertexto da Copa do Mundo na

    imprensa de Porto Alegre (RS). Mesmo com a virada paradigmtica do que mltiplo

    ao que coeso na pesquisa, o problema apresentou-se um tanto vago e, ainda,

    abstrato. Na tentativa de apreenso da unidade significante e com a necessidade de

    dilogo com o mundo emprico, chegamos via abduo, e na esteira do hipertexto

    como um sedimento discursivo problemtica da fomentao no social do sentido

    popular do acontecimento pela imprensa. Destarte, o problema de pesquisa configurou-

    se em sua potencialidade mxima para investigao cientfica de um processo

    comunicativo na sociedade contempornea.

    No segundo estgio, mantemos a pesquisa exploratria, porm com o intuito de

    perceber e compreender os operadores jornalsticos mobilizados na construo do

    sentido popular do megaevento esportivo. Na esteira da teoria da folkcomunicao,

    desenvolvemos os artigos Jogada complexa sobre o Mundial de 2014: o agendamento

    do popular em Ruy de Todas as Copas e Folkjornalismo: aconstruo do sentido

    popular da Copa do Mundo de 2014 com o intuito de calibrar nossa visada acerca dos

    processos miditicos de engendramento de certo consenso sobre o megaevento

    esportivo. Ainda, para efeito de contextualizao do objeto de estudo, no artigo

    Folkcomunicao em trnsito: o transporte coletivo urbano na convocao para a Copa

    4 Artigo publicado em http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/cm/article/view/16201.

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    do Mundo de 2014 no Brasil reconhecemos que a construo do sentido popular do

    megaevento esportivo desencadeada institucionalmente por operaes do Governo

    (nvel nacional, estadual e municipal) e da Fifa, transcendendo as organizaes

    miditicas.

    Na terceira fase da pesquisa, realizamos uma cartografia do processo

    comunicacional, que se realiza em dois sentidos: pelas emanaes do objeto de estudo

    conforme a lapidao do problema a partir da explorao do universo emprico e da

    pesquisa bibliogrfica; pelas nossas tentativas metodolgicas de modulao esttica da

    arquitetura epistemolgica da pesquisa conforme nosso potencial cognitivo predisposto

    inteligibilidade do real. Assim,

    a cartografia defendida no como mtodo, e sim como filosofia essencial

    para a reflexo metodolgica e a articulao dos procedimentos para

    encaminhar cada problema de pesquisa. O cartgrafo constri um mapa do

    que observa, considerando foras, movimentos, aberturas, articulaes e

    linhas de fuga verificados no terreno. sempre o mapa de um determinado

    momento, e sob determinada tica (o tempo e a viso do pesquisador)

    (FISCHER, 2008, p. 222).

    Com a visualizao da pesquisa atravs da emergncia do mapa, encaminhamos

    a compreenso do problema pela definio de uma estratgia metodolgica de pesquisa.

    Nesse sentido, entre a condio cognitiva e sua realizao, interpe-se uma relao

    suscetvel de permitir a flexibilizao ou a adaptao da exigncia de princpio s

    circunstncias especficas de uma situao (SODR, 2006, p. 9). Segundo o autor,

    essa relao o que normalmente se conhece como estratgia (ibid., p. 10). Estratgia

    que se encaminha a partir do paradigma da sociologia compreensiva como metodologia

    da pesquisa (LOPES, 1999) pertinente ao nosso objeto de estudo.

    Para a operacionalizao da investigao, vamos ao encontro de tticas que

    permitem o encontro com o objeto emprico. Faz-se necessria uma distino entre a

    natureza da estratgia e a da ttica. Sodr (2006, p. 10) afirma que a estratgia para ser

    efetiva, ela tem de calcular os aspectos de comeo e de fim da ao e no se confinar ao

    detalhamento concreto da manobra a que se dispe. Esta ltima cabe ttica,

    responsvel pela contingncia do agir e confinada ao tempo presente.

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    A ttica que elegemos para a pesquisa emprica a da anlise de contedo.

    Conforme Bardin (2011, p. 37), a anlise de contedo um conjunto de tcnicas de

    anlise das comunicaes. Ainda, no se trata de um instrumento, mas de um leque de

    apetrechos; ou, com maior rigor, ser um nico instrumento, mas marcado por uma

    grande disparidade de formas e adaptvel a um campo de aplicao muito vasto: as

    comunicaes (BARDIN, 2011, p. 37). De modo geral, Fonseca Jnior (2008, p. 280)

    afirma que a Anlise de Contedo (AC), em concepo ampla, se refere a um mtodo

    das cincias humanas e sociais destinado investigao de fenmenos simblicos por

    meio de vrias tcnicas de pesquisa.

    No contexto da anlise de contedo em jornalismo, e propriamente em relao

    ao trabalho dos pesquisadores, Lago & Benetti (2010, p. 127) afirmam que esses

    sujeitos so como detetives em busca de pistas que desvendem os significados

    aparentes e/ou implcitos dos signos e das narrativas jornalsticas, expondo tendncias,

    conflitos, interesses, ambigidades, ou ideologias presentes nos materiais examinados.

    Lago & Benetti (2010) sugerem ainda tpicos jornalsticos para a anlise de contedo;

    dentre os quais destacamos, sobretudo, aqueles que esto mais intimamente

    relacionados com nossa problemtica de pesquisa: o enquadramento dado aos grandes

    temas na mdia, como meio ambiente, corrupo, segurana, sade pblica, educao,

    trabalho escravo etc. (LAGO E BENETI, 2010, p. 139); o agendamento do noticirio

    em seus mais diversos gneros e formatos (LAGO E BENETI, 2010, p.139); critrios

    de noticiabilidade na imprensa (LAGO E BENETI, 2010, p. 140).

    Anlise de contedo na internet: uma lgica ao estudo dos vlogs

    Com a popularizao da internet no mundo a partir da dcada de noventa, e

    com o surgimento dos canais de compartilhamento de vdeos na primeira dcada do sc.

    XXI, a produo audiovisual por pessoas comuns iniciou um processo de crescimento

    vertiginoso. Tal produo de extrema importncia uma vez em que funciona como um

    registro histrico de uma poca especfica, agindo assim diretamente na construo da

    memria social.

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    Na sequncia da evoluo, os computadores e as redes de comunicao

    passam por uma evoluo acelerada, catalisada pela digitalizao, a compreenso dos

    dados, a multimdia, a hipermdia (SANTAELlA, 2001, p. 83). Neste contexto, os

    vdeos compartilhados na rede so multimiditicos, sendo que (em muitos casos)

    agregam textos (legendas e crditos), udio complementar (trilhas e efeitos sonoros) e

    hyperlinks.

    Os vdeos so construdos com muitas diferenas e particularidades entre si.

    Em se tratando de vdeos do tipo vlog, por exemplo, as caractersticas de diferenciao

    e especificidade so ainda mais delimitadas. Cada vlogger, da mesma forma que os

    bloggers, retrata um recorte do contexto cotidiano conforme sua prpria viso do real.

    Conforme a prpria experincia e vivncia no cotidiano.

    A linguagem gesticular e gestual, alm da verbal, se tornam objetos de

    singularidade das subjetividades. Somada linguagem multimdia, diretamente

    influenciada pelos elementos inseridos por via de edio. Alm do fato de que a

    produo audiovisual na internet faz uma conexo entre o regional, o local e o global.

    Tudo isso, somado a outros fatores, faz com que os vdeos compartilhados na internet se

    tornem um objeto de estudo de acentuado valor.

    Conforme Santaella (2001, p. 77),

    o papel desempenhado pelos meios de comunicao passou a ser uma tal

    ordem a ponto de se poder afirmar que, sem os meios de comunicao

    teleinformticos, o complexo fenmeno da globalizao, tanto nos seus

    aspectos econmicos e polticos quanto certamente culturais, no teria sido

    possvel.

    Da mesma forma, a construo e compartilhamentos dos vdeos postados na

    internet ganham importncia acentuada na construo social da realidade, da

    inteligncia coletiva e do estabelecimento de laos sociais entre indivduos pertencentes

    a tribos temticas e comunidades virtuais. Neste contexto, se torna crucial a anlise de

    contedo dos vdeos online.

    A anlise de contedo em vdeos na internet no muito diferente da anlise de

    contedo de outros formatos de mdia. distribuda nas mesmas fases que a grande

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    maioria das pesquisas sobre outros objetos de estudo. Conforme Bardin (2011, p. 125),

    as diferentes fases da anlise de contedo, tal como o inqurito sociolgico ou a

    experimentao, organizam-se em torno de trs polos cronolgicos: 1) a pr-anlise; 2)

    a explorao do material; 3) o tratamento dos resultados, a interferncia e a

    interpretao.

    A pr-anlise uma fase de organizao em que as ideias iniciais so

    operacionalizadas e sistematizadas, de maneira a conduzir a um esquema preciso do

    desenvolvimento das operaes sucessivas (BARDIN, 2011, p. 125). esta fase inicial

    que ir nortear toda a pesquisa a partir de um cronograma e da definio do que ser

    observado e analisado.

    Contudo, a principal fase da anlise de contedo a explorao do material.

    na explorao que sero averiguados os tpicos de estudo e confirmadas as hipteses

    especulativas. Esta fase, longa e fastidiosa, consiste essencialmente em operaes de

    codificao, decomposio ou enumerao, em funo de regras previamente

    formuladas (BARDIN, 2011, p. 131).

    Durante a explorao feito um tratamento do material. Tratar o material

    codific-lo. A codificao corresponde a uma transformao efetuada segundo regras

    precisas dos dados brutos do texto (BARDIN, 2011, p. 133).

    Um dos principais pontos a serem observados nos vdeos o tema. O tema,

    enquanto unidade de registro, corresponde a uma regra de recorte (do sentido e no da

    forma) que no fornecida, visto que o recorte depende do nvel de anlise e no de

    manifestaes formais reguladas (BARDIN, 2011, p. 135).

    A anlise de contedo dos vdeos, assim como em outras mdias, tambm se

    divide em duas partes elementares. Uma qualitativa e outra quantitativa. Conforme

    Bardin,

    a abordagem quantitativa e qualitativa no tm o mesmo campo de ao. A

    primeira obtm dados descritivos por meio de um mtodo estatstico. Graas

    a um desconto sistemtico, esta anlise bem mais objetiva, mais fiel e mais

    exata, visto que a observao mais bem controlada. Sendo rgida, esta

    anlise , no entanto, til nas fases de verificao das hipteses. A segunda

    corresponde a um procedimento mais intuitivo, mas tambm mais malevel e

    mais adaptvel a ndices no previstos, ou evoluo das hipteses

    (BARDIN, 2011, p. 145).

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    Dentre os infinitos modelos de pesquisa e as mais distintas configuraes de

    aes, um exemplo o qual pode ser utilizado e adaptado pesquisa sobre contedo

    audiovisual na internet o modelo utilizado pelo GJOL (Grupo de Pesquisa em

    Jornalismo On-line - UFBA).

    Nesta metodologia o pesquisador percorre trs etapas: 1) Reviso preliminar

    da bibliografia, acompanhada de anlise de organizaes jornalsticas

    relacionadas ao objeto de estudo; 2) Delimitao do objeto com formulao

    das hipteses de trabalho e estudos de caso com pesquisa de campo

    (participante ou no) nas organizaes jornalsticas e 3) elaborao de

    categorias de anlise, processamentos do material coletado e definio

    conceitual sobre as particularidades dos objetos pesquisados (MACHADO E

    PALACIOS, 2007, p. 201).

    Na anlise de contedo sobre vdeos da internet, um dos fatores merecedores

    de ateno o carter de registro histrico dos arquivos audiovisuais. Cada vdeo

    carregado de uma linguagem especfica que denota uma poca. Assim como o tema, os

    cenrios e o figurino. Tudo influencia e constitui o produto final como arquivo de

    memria social de um tempo.

    Conforme Bonin (2009), enel contexto de lamediatizacion de lasociedad, los

    mdios de comunicacintambinactanenlaconstitucin de las memorias sociales,

    realidade que nos invita a pensar, por la via de lainvestigacin, enlas particularidades de

    esta accin configuradora (p. 55). Ainda,

    la memoria individual se estabelece y se organiza em cuadrossociales; pose

    ela dimensin social dada por ellenguaje, por lainsercindel individuo enun

    contexto social y en relaciones de pertenencia; se ampara y constituyeenlas

    relaciones que el indivduo mentieneconlosotros membros de su grupo

    (BONIN, 2009, p. 57).

    Em relao memria coletiva e a conscincia do passado, cada individuo

    puedeimponersu prprio estilo, dependendo de sutrayectoria, de los contextos vividos,

    entre otros fatores (BONIN, 2009p. 58). Desta forma, no s o contedo, mas

    principalmente a recepo e interpretao deste contedo so fatores determinantes da

    memria social. A anlise de contedo , de certa forma, uma anlise histrica da

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    memria, uma vez que o contedo registrado uma forma de arquivamento de um

    momento registrado em um formato de mdia especfico.

    Levando em conta a importncia da produo audiovisual amadora na internet,

    podemos acrescentar um elemento chave de diferenciao na pesquisa e, sobretudo, na

    anlise de contedo desta mdia especfica: a experincia prtica de produo e

    interao do pesquisador com o objeto de estudo.

    A experincia do pesquisador com o objeto estudado pode influenciar na hora

    de construir as consideraes sobre o tema. Conforme Teixeira (2005),

    na pesquisa qualitativa o pesquisador procura reduzir a distncia entre a

    teoria e os dados, entre o contexto e a ao, usando a lgica da anlise

    fenomenolgica, isto , da compreenso dos fenmenos pela sua descrio e

    interpretao. As experincias pessoas do pesquisados so elementos

    importantes na anlise e compreenso dos fenmenos estudados (TEIXEIRA,

    2005, p. 137).

    Desta forma, na analise de blogs e vlogs, bloggers e vloggers tm potencial

    particular observao do respectivo objeto de estudo, carregando na anlise a

    experincia emprica da construo de contedo similar ao analisado.

    Sobre a importncia da pesquisa emprica (a qual tambm pode ser relacionada

    influncia do conhecimento emprico do pesquisador sobre o tema), Maldonado

    (2006) afirma que:

    Na produo de conhecimento em comunicao a pesquisa emprica um

    recurso metodolgico indispensvel para a realizao de investigaes que

    gerem propostas estratgicas, polticas e saberes tericos consistentes para a

    transformao das condies e dos modos de produo miditicos

    (MALDONADO, 2006, p. 278).

    Assim sendo, os vdeos amadores na internet constituem um importante objeto

    de estudo no campo da Comunicao. A pesquisa sobre tais objetos pode nos ajudar a

    entender melhor a construo da memria da sociedade atual, as interaes virtuais, a

    construo de contedo e os relatos a partir de narrativas do cotidiano. Neste sentido, se

    torna fator diferencial o empirismo do pesquisador em relao ao objeto de estudo.

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    Anlise de contedo da entrevista: a decupagem no gabinete

    Antecipadamente classificao dos contedos recolhidos no campo de

    pesquisa, faz-se necessrio executar o processo de conceituao, i.e., especificao dos

    conceitos com preciso, estabelecendo indicadores, dimenses e atributos a fim de que o

    pesquisador e qualquer agente envolvido na decupagem ou leitura final do estudo

    conhea de antemo as categorias escolhidas para aquele trabalho. Em seguida,

    estabelece-se a definio operacional que aponta como o conceito ser medido na

    amostra. Com isso, o pesquisador demarca de maneira abstrata os limites e significados

    constituintes do seu estudo, permitindo, sobretudo, a validao de seus resultados num

    confronto entre o coletado e o pressuposto.

    Contudo, a validade em anlise de contedo pode se referir a diferentes

    instncias, como at o grau em que o resultado representa corretamente o texto, ao grau

    de correspondncia entre uma categoria de anlise e o conceito abstrato que a representa

    maneira pela qual uma medida se relaciona com outras medidas dentro do sistema de

    anlise (HERSCOVITZ, 2007). Um estudo tambm pode aumentar sua validao por

    meio da corroborao de resultados de pesquisas anteriores, pela prtica de refinao de

    conceitos abstratos, pela utilizao de mais de uma medida para evitar distores, pelo

    apoio de teorias que fundamentem a mensurao proposta, pela certeza de que se

    trabalha com uma amostra de tamanho adequado.

    Para afirmar que um estudo tem validade preciso garantir que os resultados

    da anlise no extrapolam a amostra nem foram obtidos em razo de outros

    fatores como erros sistemticos ou casuais provocados por interferncias de

    outras variveis no-controladas (HERSCOVITZ, 2007, p. 136).

    As proposies aprofundadas em Lopes (2010) tambm se mostram

    fundamentais para toda a validade e execuo da pesquisa. Com o conceito de

    reflexividade, defende a constante atitude consciente e crtica em relao s operaes

    metodolgicas realizadas ao longo da investigao, com questionamento da construo,

    observao e anlise do objeto de pesquisa. O processo age concretamente por

    operaes de vigilncia sobre o conhecimento que se est produzindo.

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    Ser capaz de entender e comunicar a diferena cultural entre sujeito e objeto da

    investigao um dos modos de refletir epistemologicamente sobre o processo de

    observao, segundo a autora. Trata-se da ruptura com o senso comum no de forma

    teoricista , mas pela via da experincia do trabalho de campo, em que so relativizados

    o senso comum do informante e o ponto de vista cientfico do pesquisador. Com essa

    atitude, evitar-se-ia dois obstculos ao conhecimento encontrados nas pesquisas

    empricas em comunicao: o vcio teoricista de pressupor a passividade do objeto de

    investigao; o vcio etnocntrico de confundir o desejo sobre o que a realidade deve ser

    com o que .

    A superao desseteoricismo racionalista residiria em duas orientaes: os

    modelos de anlise no podem resultar apenas de uma problematizao terica prvia,

    devendo ser reelaborados quando se encontra em campo; e as construes terico-

    interpretativas no podem opor-se s construes interpretativas comuns dos atores

    sociais. Estes, de fato, funcionam como postulados tericos mais abstratos que

    permitem comparar e sistematizar conhecimentos sobre diferentes contextos sociais.

    Nesse quadro, criam-se condies para que as teorias sociais estejam

    prximas no s dos investigadores, sem se limitarem apenas s construes

    simblicas dos atores sociais, mas tambm da j referida capacidade de

    reflexividade prtica ou social dos atores sociais comuns, admitindo que

    estes decidam incorporar interpretaes cientficas por serem adequadas e

    plausveis face conscincia prtica que j tm sobre os seus contextos de

    vivncia (LOPES, 2010, p. 38).

    Os dois aspectos da reflexibilidade propostos pela autora se configuram,

    primeiramente, numa desnaturalizao do trabalho de campo atravs da crtica falsa

    neutralidade das tcnicas. Pelo fato de o objeto da cincia no ser dado, mas construdo

    por teorias e mtodos, exigido do pesquisador a permanente vigilncia epistemolgica

    (uso da reflexividade epistmica aplicada ao conhecimento que est produzindo).

    Quase sempre, apresentam-se apenas as tcnicas escolhidas e sua justificativa a

    posteriori, quando os dados empricos j foram colhidos e construdos, geralmente com

    um baixo grau de conscincia quanto s dimenses epistemolgicas implicadas

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    (LOPES, 2010, p. 42). Na verdade, quanto menos consciente seja a teoria implcita,

    maiores as possibilidades do seu mau controle e desajuste ao objeto.

    O segundo aspecto trata da objetivao da relao comunicacional no contexto

    da pesquisa de campo. Aqui o trabalho de campo entendido como campo dinmico de

    relaes, configurando processos de negociao, colaborao e resistncia. Sua crtica

    reside no fato de que raramente os processos de comunicao envolvidos no trabalho de

    campo so referenciados e tomados como objeto de reflexo epistmica em toda sua

    complexidade. Assim, cada situao social sofre a interveno de, pelo menos, trs

    elementos: um conjunto limitado de atores sociais, as aes e comportamento desses

    atores e um evento ou conjunto de eventos que referencia a situao social a um

    determinado momento. Com isso,

    o trabalho de campo configura um espao de interao de diferentes

    finalidades e sistemas de representao em que se pe em jogo no somente o

    interesse acadmico e sua relevncia cientfica, mas, igualmente, e de

    maneira cada vez mais acentuada, a necessidade de compreender a demanda dos outros construdos como objetos de pesquisa (LOPES, 2010, p. 46).

    A ruptura epistemolgica com o empirismo ingnuo, proposto por Rossetti

    (2010), tambm um contributo ao desenvolvimento da pesquisa em comunicao. De

    posse de seus dados, fruto do trabalho de campo, o pesquisador se encontra desafiado

    pelo empirismo que postula que o real emprico em si mesmo e independente do olhar

    cientfico do pesquisador. Para a autora, o objeto no o emprico em si, mas o dado

    emprico revestido de teoria e objetivado pelo pesquisador.

    Outro enfrentamento que o pesquisador deve superar o da experincia

    primeira, i.e., a experincia colocada antes e acima da crtica e que no se constitui

    como base segura. Esse obstculo se enraizaria na iluso de que existe uma realidade

    emprica anterior e independente das teorias cientficas. Na verdade, o conhecimento

    cientfico no imediato, todo dado e toda ideia cientfica so resultados de um trabalho

    de construo e retificao racional (ROSSETI, 2010, p. 84). A experincia primeira

    no pode existir porque, na cincia, nada vale por si s, nada dado, tudo construdo,

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    contrariando, assim, o empirismo ingnuo segundo o qual possvel a apreenso direta

    do dado emprico pela percepo.

    Com isso, destaca Rossetti (2010), o que h para ser procurado no campo dos

    fenmenos da comunicao um objeto cientfico revestido de teoria, no o emprico

    que a pesquisa tem a pretenso de apreender de forma imediata. No possvel o

    acesso direto realidade emprica da comunicao, sem a mediao do prprio

    observador-pesquisador, que j carrega em seu olhar um enfoque terico e que,

    portanto, no momento em que recebe o dado emprico, o constri (ROSSETI, 2010, p.

    85).

    Globalmente, podemos segmentar a anlise de contedo em trs polos

    cronolgicos: a pr-anlise, a explorao do material e o tratamento dos resultados

    (BARDIN, 2009). A primeira fase composta pela escolha dos documentos a serem

    submetidos anlise, pela formulao das hipteses e dos objetivos e a elaborao de

    indicadores. A segunda, por sua vez, trata-se da aplicao sistemtica das decises

    tomadas durante a pr-anlise. E a terceira pode ser realizada por operaes estatsticas

    simples ou complexas, que permitem estabelecer quadro de resultados, diagramas,

    figuras e modelos.

    Essa fase de organizao da anlise precede outras trs etapas, ainda segundo

    Bardin (2009). Na codificao, efetua-se a transformao dos dados em bruto do texto

    por recorte, agregao e enumerao, atingindo uma representao do contedo ou da

    sua expresso. A categorizao permite conhecer ndices invisveis ao nvel dos dados

    em bruto por meio de uma operao de classificao de elementos constitutivos de um

    conjunto por diferenciao e, em seguida, por reagrupamento segundo o gnero com

    critrios previamente definidos. E a inferncia se constitui numa interpretao

    controlada, mas de natureza muito diversa, que pode dar-se atravs de polos como, e.g.,

    emissor, receptor e mensagem. Por outras palavras, trata-se de realizar uma anlise de

    contedo sobre a anlise de contedo! (BARDIN, 2009,p. 167).

    No que compete s tcnicas de anlise de contedo, cronologicamente a etapa

    seguinte no percurso de investigao, Bardin (2009) aponta seis fases, que explicaremos

    de forma sucinta. A primeira delas, e mais elementar, a anlise categorial, regida por

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    operaes de desmembramento do texto em categorias segundo reagrupamentos

    analgicos. Em seguida a autora traz a anlise de avaliao, cuja finalidade medir as

    atitudes do locutor quanto aos objetos de que ele fala. Uma atitude uma pr-

    disposio, relativamente estvel e organizada, para reagir na forma de opinies (nvel

    verbal), ou de atos (nvel comportamental), em presena de objetos (pessoas, ideias,

    acontecimentos, coisas etc.) de maneira determinada (BARDIN, 2009,p. 201).

    A tcnica seguinte a anlise da enunciao, que carrega duas caractersticas:

    apoia-se numa concepo da comunicao como processo e no como dado e funciona

    desviando-se das estruturas e dos elementos formais. Ela assenta numa concepo do

    discurso como palavra em ato, enquanto a anlise de contedo clssica considera o

    material de estudo um dado, algo imobilizado.

    Se o discurso for perspectivado como porcesso de elaborao onde se

    confrontam as motivaes, desejos e investimentos do sujeito com as

    imposies do cdigo lingustico e com as condies de produo, ento o

    desvio pela enunciao a melhor via para se alcanar o que se procura

    (BARDIN, 2009,p. 216).

    Outra tcnica apresentada a anlise proposicional do discurso, que procura

    resolver algumas insuficincias da diviso em categorias. Adapta-se especialmente ao

    material verbal produzido por entrevistas e procura identificar como e atravs de que

    estrutura argumentativa se exprimem as questes e as aes dos agentes. A tcnica

    seguida pela anlise da expresso, que por sua vez carrega indicadores de ordem formal

    e aplicada em setores como investigao da autenticidade de um documento,

    psicologia clnica, discursos polticos ou os que so suscetveis de veicular uma

    ideologia. Por fim, a autora apresenta a anlise das relaes, dividida em anlise das

    co-ocorrncias (procura extrair do texto as relaes entre os elementos da mensagem),

    anlise estrutural (procura a ordem imutvel sob a desordem aparente) e anlise do

    discurso.

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    Consideraes finais

    Em Fonseca Jnior (2008), citando Krippendorff (1990) vemos como

    fundamental a considerao de seis premissas para pesquisas cientficas que se

    apropriem da anlise de contedo como ttica de procedimento metodolgico: (a) os

    dados, tais como se apresentam ao analista; (b) o contexto dos dados; (c) o

    conhecimento do pesquisador; (d) o objetivo da anlise de contedo; (e) a inferncia

    como tarefa intelectual bsica; (f) a validade como critrio de sucesso.

    Como toda ttica ou mesmo estratgia, a anlise de contedo apresenta suas

    vantagens e desvantagens. Os pontos fortes e os fracos da AC consideram, entre

    diversos fatores e variveis inerentes s pesquisas, outros mtodos, ferramentas e

    tcnicas predispostos a investigao cientfica.

    Com relao s vantagens. A anlise de contedo permite um empreendimento

    metodolgico ao pesquisador desprovido de recursos financeiros. No requer,

    necessariamente, uma equipe de trabalho. Como os produtos esto prontos, o objeto de

    estudo no afetado diretamente pelo pesquisador, embora este possa falhar na

    interpretao dos materiais. Permite com relativa facilidade a reviso do experimento e

    uma nova codificao dos textos. Ainda, possibilita o trabalho com uma grande carga de

    informaes por longo perodo de tempo. Por fim, permite tambm a interseco entre

    os tipos de pesquisa quantitativa e qualitativa para a gerao de inferncias mais

    complexas (LAGO E BENETI, 2010).

    Em relao s desvantagens, mais que reivindicar bastante tempo e ateno do

    pesquisador, limita-se s informaes previamente registradas pelos meios de

    comunicao, e, portanto, no pode analisar o que est ausente (LAGO E BENETI,

    2010, p. 139). Principalmente quando apoiada apenas na contagem de palavras por

    computador, pode gerar falsas interpretaes pelo investigador. um trabalho solitrio,

    de exausto. No pressupe a existncia de arquivos com dados brutos para anlise

    secundria nem bancos de dados com categorias armazenadas sobre diferentes tipos de

    estudo que permitam replicaes (LAGO E BENETI, 2010, p. 139).

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    Apesar de permitir o exame para alm dos significados imediatos, a anlise de

    contedo possui apenas regras de base e no um modelo pronto e acabado para ser

    aplicado. Tanto que Bardin (2009) refora que seria melhor falar de anlises de

    contedo. Em seu processo de trabalho, o investigador se envolve com vestgios: efeitos

    so analisados em busca da sua causa. E procura obter conhecimento deduzindo de

    maneira lgica (inferncia).

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