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8/18/2019 1936-10 - Para-além do ´Princípio de realidade´ (Escritos) http://slidepdf.com/reader/full/1936-10-para-alem-do-principio-de-realidade-escritos 1/10 As atuais gera~oes dpsiquiatria terao dificuldade em imaginar que tenhamos sido, em nossa epoca de plantonistas, uns tres a nos engajar npsicanalise, e, sem sermos ingratos  para com esse grupo da Evolution Psychiatrique,  diremos que, ainda que tenha sido entre seus talentos que a psicamilise despontou, nem por isso ela recebeu deles urn questionamento radicalA ad  jun,<ao de uma ingerencia mu ndanapara esse fim, n lio Ihes a umentou nem a solidariedade nem a informa ,<ao. A bem da verdade, nenhum ensinoafora  0 apressado de rotina, veio  a  luz antes que, em 1951, inaugurassemos  0nosso a tftulo privado. Se, entretantoquantidade de recrutas com que se gera urn efeito de qualidadmodificou-se ap6s a guerra de ponta ponta, talvez a sala apinhada a nos ouvir so bre  A psicanti lise, didtitica  (com uma vfrgula dpermeio) seja uma lembran,<a a recordar que nlio dei xamos de ter algo a ver com isso. Ate ali contudo,  0 grande lugar a nos oferecer algumas conferencias publicas foi esse  College philosophique  onde se cruzavam, a convitJean Wahl, as febris agita,<oesde entlio. 6 Acrescentamos que esta n ota n addeve de biografico senlio a nosso desejde esclarecer  0leitor.  Ilara-alem do "Principio de realidad eETOR NO D ES SE PRINCIPIO FUNDAMENTAL  DA DOUTRINA DFREUD, A SEG UNDA GERAc; ::Ao DE SUA ESCOLA PO D E DEFINIR SUA DI VIDA E SEDEVER. I I Ira  0 psiquiatra o0 psic610go que se in icia, em nossos anos 1 0 ,  nme to do ps icanalftico,  jnao se trata de umdessas l'Olwers6es que rompem urn progresso menta quecomo tais, I I I 'starn menos uma escolha a ma d urecida na pesquisa dque a  j'xplosao de u ma secreta discordancia a.fetivaSedu~~o etic~o d,'votamento a u ma causa c on t rovertIda, somada sedu~ao \'l'onomi ca de uma especula ~a o c on t ra os valoreestabelecidos, IHIO  lasti ma mo s para a analise esses ape los por demais oferecidos 1I0Ss ubterfugios da  compenSQ9iio.  A nova ps icologia nao reco- IIllcce  a  psicanalise apenas  0direito de cidada ni a; r ecortando-a Illcessantemente no progresso de disciplinas o ri u ndas de outros Imbitosdemonst ra se valor de via pioneira. A ss i m, e, digamos, souma incidencia no rm al que a psicanalise e abordadpelo qllchamaremos, p assa ndo por cima da ar  bitrariedade d es s a 16rmula, a seguncia gera~ao analftica.  E  essincidencia que aqui qllerem os defi ni r, para a ponta0 caminho em que ela se reflete. IA  PSICOLOGIA  CO  NSTITUI-S E COMO C IENCIA QUA  NDO RELA TIVIDADE DE SEOBJETO  E  POR FREUD POSTULADA, AINDQUE RESTRITA AOS FA TOS DO DESEJO revolu~afreudiana, como todrevolu~ao, ganhsenti do po ,'lIas conjunturas,  isto e, pela psicologia ent ao reinanteora, qllalquer jufzo so  bre esta pressup6e uma ex egese dos ?ocume.ntos ,'que ela se afirmou. Fixamos  0contexto destartIgo pedmdo 6.  Ali produzimos, entre outrosurn mitindividual do neurotico,  infciu ma referencia estruturalista comforma  (0 primeirtexto de Cla udLevi-Strauss sobre  0mito)Set exto em estenciIpublicado sem ser corrigido pOl' n6sse rvini dt estemunhparumretomada ulterior.  

1936-10 - Para-além do ´Princípio de realidade´ (Escritos)

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As atuais   gera~oes d a   psiquiatria ter ao   dif iculdad e em

imaginar q ue tenhamos sido,   em   nossa e poca de plantonistas,

uns tr e s a nos enga jar na   psicanalise, e, sem sermos ingratos

 para com esse gru po da Evolution Psychiatrique,   diremos que,

ainda que tenha sido entr e seus talentos q ue a psicamilise

despontou,   nem por isso ela recebeu deles urn questionamento

rad ical.   A ad  jun,<ao de   uma ingerencia mundana,   para esse

fim,  n lio Ihes a umentou nem a solidariedade nem a informa,<ao.

A bem da verdad e,   nenhum   ensino,   af ora   0 apressado d e

rotina, veio  a   luz  antes que, em   1951, inaugurassemos   0 nosso

a tftulo pr ivado.

Se, entretanto,   a   quantidad e de recrutas com que se gera

urn efeito de qualid ad e   modificou-se ap6s a guerra de ponta

a  ponta, talvez a sala  apinhada a nos ouvir so bre  A  psicantilise ,

didtit ica   (com   uma   vfrgula d e   permeio) seja uma lembran,<a a

recordar que nlio deixamos   de ter algo a ver com isso.

Ate ali,   contudo,   0 grande lugar a nos oferecer algumas

conferenci as publicas f oi esse   College philosophique   onde se

cruzavam, a convite  d e Jean Wahl, as febr is agita,<oesde entlio.6

Acrescentamos   que esta  n ota  n ad a  deve de biografico senlio

a nosso dese jo   de esclarecer    0 leitor .

 Ilar a-alem do "Principio de realidad e" 

EM   TORNO DESSE PR I NCIPIO FUNDAME NTAL   DA DOUTRINA

DE   FREUD, A SE GUNDA GERAc;::Ao DE SUA ESCOLA PO D E

DEFI NIR S UA D IVIDA E SEU   DEVER .

II Ira   0 psiquiatra ou   0 psic610go q  ue se i nicia, em nossos anos

10,   no   metodo psicanalftico,   ja   nao se   tr ata d e uma   dessas

l'Olwer s6es que rom pem urn progresso mental   e   que,   como tais,

III 'star n menos uma escolha a ma d  urecid a na pesq  uisa   d o   que   a

 j'x plosao de uma secreta discor d ancia a.fetiva.   Sedu~~o etica   ~o

d ,'votamento a uma caus a c on tr overtIda, somada a   sed u~ao

\'l'onomi ca d e   uma especula~ao contr a os valores   esta belecid os,

IHIO   lastimamos para a analise esses apelos por d emais ofer ecidos

1I0Ssubterfugios   d a   compenSQ9iio.   A   nova psicologia   nao r  eco-IIllcce   a   psicanalise apenas   0direito de cidad ania; recortando-a

Illcessantemente no pr ogresso de disciplina s o ri und as d e outr os

Imbitos,   demonst ra s eu   valor   d e via pioneir a. Assim, e, d  igamos,

so b   uma incidencia   norm al que a psicanalise e a bordad a   pelo

qlle   chamaremos, p assa ndo por c ima da a r   bitrar ied ad e d es sa

16r mula, a seguncia gera~ao analftica.   E   essa   incid encia que aqui

q lleremos defini r, p ar a a pontar    0 caminho em q  ue ela se   reflete.

I.   A   PSICOLOGIA   CO NSTITUI-S E COM O CIENCIA QUA NDO

A   R ELA TIVIDADE DE SEU   OBJETO   E   POR FREUD   POSTULADA,

AI NDA   QUE   RESTR IT A A OS F ATOS DO DESEJO

A   r evolu~ao   f reudiana, como tod a   r evolu~ao,   ganha   senti do por 

,'lIas   con juntur as,   isto   e,   pela psicologia ent ao r  einante;   or a,

qllalquer jufzo so br e esta pr essup6e   uma exegese   dos ?ocume.ntos

,'m   que ela s e af  irmou. Fixamos   0contexto d este   artIgo pedmd o

6.   Ali pr od uzimos, e ntre   outros,   ur n  mit o   ind ividual do neur ot ico ,   infcio d e uma

refer encia estrutur alista   como   forma   (0   primeir o   texto de Claud e   Levi-Str auss

so br e   0 mito).   Seu  t exto em estenciI,  p u blicado   sem   ser corrigido pOl'n6s, servini

d e  t estemunho   par a   uma   retomada ulter ior .   f 

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q ue n os d ee m c redito, ao   menos pr ovisoriamente, pOl'   esse

trabalho fundamental, pa ra nele d esenvolver    0momento da crftica   .

que nos parece   0essencial.   Com   ef eito, se tom am os pOl' legftimo

fazer prevalecer    0 metoda hist6rico no estudo em si dos fatos

do conhecimento,   nao fazemos d ele urn pretexto para eludir a

crftica intrfnseca que levanta a q uestao de seu valor: uma tal

crftica, fundamentada na ord em segund a conferida a esses fatos

na hist6ria pelo papel de ref lexao q ue eles comportam, e imanente

aos dados reconhecidos pelo   metodo, ou se ja, em nosso caso,

as formas expressas da   d outrina e da tecnica, se ela simplesmente

requer cad a uma das formas em questao por ser   0q ue se apresenta

com o sendo. Assim , verem os que, a psicologia que no fim do

seculo XIX apresentava-se como cientffica, e que, tanto por seu

aparato de objetividade quanto por sua afirma<;:ao de materiaIis-

mo, impressionava ate mesmo seus adversarios, faltava simples-

mente ser positiva,   0 que elimina na base a objetividade e   0

materialismo.

Podemos sustentar, com efeito, que essa psicologia baseia-se

numa chamada concep<;:ao associacionista do psiquismo, nao

tanto por formula-I a c omo d ou tr in a, m as p or r ec eb er d el a, e

com o dados do senso com um , uma serie de postulados que

determinam os problemas em sua pr6pria formula<;:ao.   Sem

duvida, evidencia-se d esd e   0 come<;:o que os contextos em que

ela classifica os fenomenos como sensa<;:oes, percep<;:oes,   ima-

gens, cren<;:as, opera<;:oes 16gicas, jufzos etc., san tornados de

emprestim o, tal equal, da psicologia escolastica, que por sua

vez os extraiu da elabora<;:ao de seculos de filosofia. Convem,

 pois, reconhecer que esses contextos,   longe de terem sido fOl jados

 por uma concep<;:ao objetiva da realidade psfquica, san apenas

o produto de uma especie de   d esgaste conceitual, on de se veem

os tr a<;:osdas vicissitudes de   ur n   esfor<;:o especff ico que impeleo hom em a buscar, para seu   pr6prio conhecimento, uma   garantia

de verdade:   garantia q ue, como se percebe, e transcendental por 

sua posi<;:ao e continua a se-Io, pOltanto, em sua forma, mesmo

quando   0 fil6sofo vem a negar sua existenc ia . Q ua l e   0 mesmo

aspecto de transcendencia   q ue   os  c onceitos,   r esfduos dessa b usca,

conservam? Isso equivaleria a d ef inir    0que   0 associacionismo

introduz de nao- positivo na constitui<;:ao m esma do objeto da

 psicologia. Que se ja di f  fcil deslinda-Io   nesse nfvel, eis   0 que   [751

com pr eend ere mos a o l embr ar que a psicolo gi a a tu al   conserva

Illuitos desses conc ei to s, e qu e a purifica<;:ao dos princfpios e,

em   toda ciencia,   0 que mais tardiamente se conclui.

Mas as peti<;:oes de princfpio florescem na economia   geral

<los   problem as que caracteriza a cada m om ento   0  ponto   d e

d ctcn<;:ao de uma teoria. Assim considerado em conjunto,   0 q ue

(- f acilitado pelo   r ecuo do tempo,   0 associacionism o nos revel a

suas   implica<;:oes metaffsicas com brilhante c1ar eza:   para o po-Io,

simplesmente, a uma concep<;:ao que se define mais ou menos

 judiciosamente nos f  undamentos te6ricos de diversas escolas

contemporaneas so b   0 nome de   funriio do real,   digamos q ue   a

Icor ia associacionista e dominada pela   funriio do verdadeiro.

Essa   teoria fundamenta-se em dois conceitos: urn mecanicista,

() d e   engrama ,·   outro falaciosamente tido como dado pela expe-

r icncia,   0da   ligariio associativa   do fenomeno mental.   0 primeiro

C   uma f6rmula de pesquisa, alias bastante flexfvel, para designar 

()   elem ento psicoffsico, e que introduz apenas uma hip6tese,

cmbora fundamental:   a da produ<;:ao passiva desse elemento.   EIlotavel que a escola tenha acrescentado   0 postulado do carater 

atomfstico desse elemento. Com efeito, foi esse postulado que

limitou   0olhar de seus defensores, a ponto de faze-Ios "passar 

ao  l argo" dos fatos experimentais em que se manifesta a ativid ad e

d o   sujeito na organiza<;:ao da   forma,   fatos, por outro lado,   tao

compatfveis com uma interpreta<;:ao mater ialista, q ue seus inven-

tores posteriormente nao os conceberam de outro modo.

o   segundo dos conceitos,   0 de   ligariio associat iva,   funda-

menta-se na experiencia das rea<;:oesdo ser vivo, mas e estendid o

aos   fenomenos mentais,   sem que se cr itiquem de maneira alguma

as   peti<;:oes de pr incfpio que ele retira, precisamente, do dado

 psf quico, em particular aq uela que supoe dada a for ma   mentalda   similitude,   entretanto, tao delicad a,   em si, de ser analisada.

Ass im s e   introduz no conceito explicativo   0 pr6prio dad o do

f cnom eno que se pretende explicar .   Trata-s e d e v e rd ad eiros

 passes   d e m agica conceituais, cu ja inocencia nao desculpa   a

gr osseria e q ue , c omo su blinhou   urn Janet, qual verdad eiro   vf cio

mental pr6prio de   uma escola, transformam-se real mente   no pau   [761

 para toda obra das reviravoltas da teoria.   E   desnecessario d izer 

q ue assim se po de desconhecer    total mente a  necessidad e   d e uma

cs pecie de analise,   que sem   d uv id a e xige sutileza,   mas cuja

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ausencia tor na caduca   qualquer explica~ao em psicologia, e quese chama   analise jenomenol6gica.

Por conseguinte,   convem indagar   ,0 que significam essas

carencias no desenvolvimento de uma disciplina que se coloca

como objetiva. Sera isso obra do materialismo,   como se permitiu

que uma certa crftica d issesse? Pior ainda,   sera a propria obje-

tividade impossfvel de ser atingida em psicologia?Denuncia-se 0 vfcio teorico do associacionismo ao se reco-

nhecer em sua estrutura a formula~ao do problema do conheci-

mento do ponto de vista filosOfico.   Com efeito, e justamente a

formula~ao tradicional   desse problema   que,   por ter sido herdada

sob a primeira camuf lagem das chamadas formulas empfricas

de Locke,   encontra-se nos dois conceitos fundamentais da dou-

trina.   A saber ,   a ambigiiidade de uma crftica   que, sob a tese do

"nihil erit   in intellectu quod non prius juerit in sensu",   reduz

a a~ao do real   ao ponto de contato da mftica  sensariio pura,   isto

e,   a nao ser mais que 0 ponto cego do conhecimento,   ja que

nada nele e reconhecido   -   e que impoe ainda mais fortemente,

explicitad a ou nao no   "nisi intellect us ipse" ,   como a antinomiadialetica de   uma tese incompleta,   a   primazia do espfrito puro,

na medid a   em que, pelo decreto essencial da identifica~ao,

reconhecendo 0 objeto ao mesmo tempo que 0 afirma, constitui

o   momenta verdadeiro   do conhecimento.

Eis a fonte dessa concep~ao atomfstica do engrama de onde

 provem   as cegueiras da doutrina em rela~ao   it   experiencia, ao

 passo q ue   a   ligariio associativa,   por suas implica~oes nao criti-

cad as, nela veicula uma   teoria basicamente idealista   d os feno-

menos do conhecimento.

Este ultimo ponto, evidentemente paradoxal   numa doutrina

cu jas pretensoes saD as   de urn materialismo ingenuo, aparece

c1aramente   a  partir do m omenta em que tentamos dele f ormular uma exposi9ao urn pouco sistematica,   ou seja,   submetida   it

coerencia propr ia de seus  co nceitos.   0de Taine, que e 0 de u r n

divulgador, porem conseq iiente, e precioso nesse aspecto.   Nele

seguimos uma constr u~ao   so bre os fenomenos do conhecimento

que tern por desfgnio reduzir  as atividades su perior es a complexos

d e rea~oes elementares,   e q ue fica red uzida a buscar   no controle   [771

d as atividades su per iores   os cr iterios d iferencia is d as   r ea~oes

elementares. Basta   nos   r eferirmos para captar plenamente esse

 paradoxo,   it   impressionante def ini~ao que e fornecida da percep-

\ 110   como   uma   "alucina~ao verdadeira".

Tamanho, portanto, e 0 dinamismo d e  c onceitos   extrafdos de

11111 (\   d ialetica tr anscendental que,   por neles se fundamentar,   a

 psicologia associacionista fracassa,  e 0 faz aind a mais f atalmente

lIa  me dida em   que   os recebe esvaziados   d a   ref lexao que eles

l'omportam, par a   constituir seu ob jeto   em ter mos   positivos: comt'r 'ito,   a partir d o   momenta em que os   fenomenos se definem

('Ill run~ao d e sua  v erdade,   eles ficam submetid os, em sua propria

t'once p~ao, a uma   classifica~ao de valor .   Tal hierarquia nao

Ipenas  vicia,   como vimos, 0 estudo objetivo   dos fenomenos, no

que   tange a sua   importancia no proprio conhecimento, como

tllln bem, subordinando   it   sua perspectiva todo 0 dado psf quico,

lalsei a a analise e   Ihe empobrece 0 sentido.

Assim   e  q ue, assimilando   0 fenomeno d a  alucina~ao   it  ordem

sensor ial, a  psicologia associacionista so faz reproduzir   0alcance

IIbsolutamente mftico que a   tradi~ao filosOfica conferia a esse

rcnomeno   na   questao academica referente ao erro dos sentidos;

sem d uvida, 0   fascfnio proprio desse papel de escandalo te6rico

'x plica   esses verdadeiros desconhecimentos na analise do feno-

meno, q ue per mitem a perpetua~ao,   ainda tenaz em mais de urn

'Ifnico, de uma formula~ao tao en"ada de seu problema.

Consideremos agora os pro blemas da  imagem.   Esse fenomeno,

d ecerto 0 mais impor tante da psicologia pela riqueza de seus

dados concretos,   0e tambem pela complexidade de sua f un~ao,

complexidade esta que nao   se pode tentar abarcar   num unico

lermo, a  nao ser 0 dejunriio de injormariio.   As diversas acep~oes

desse   termo, q ue,   d a vulgar    it   arcaic a, visam   it   n09ao   d e ur n

even to,   it   marca   d e uma impressao ou   it   organiza~ao por uma

ideia, efetivamente ex primem bastante bem os papeis da imagem

como forma   intuitiva do o b jeto, forma plastica do engrama e

r or ma geradora do desenvolvimento. Esse fenomeno extraordi-nar io, cujos problemas vao  d a fenomenologia   mental   it   biologia,

e  c uja a~ao repercute desde as cond i~oes do espf rito ate deter -

minismos organicos de   uma profundeza talvez insus peitada,

a parece-nos,   no associacionismo, red uzid o   it  sua f un~ao d e ilusiio.

Sendo a imagem, segund o 0 es pfrito do sistema, consid er ada   [78]

lima sensa~ao   enjr aqt £ecid a,   na   medid a em que atesta menos

seguramente   a realid ad e,   ela   e tomad a por eco e sombra da

sensa~ao, e portanto,   id entificada com seu tra~o, com 0 engr ama.

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A concepc;ao do espfr ito como urn   "polipeir o de   imagens",

essencial ao associacionismo, foi cr  iticada sobretudo por afirmar 

urn mecanicismo puramente metaffsico; assinalou-se men os que

seu absurdo essencial resid e no empobrecimento intelectualista

que ela impoe a imagem.

De fato, urn   imenso numero de fenomenos psfquicos e tido,

nas concepc;6es dessa escola, como nao significando nada. Isso

os excluiria do ambito de uma psicologia autentic a, q ue s ab e

que uma certa intencionalidade e fenomenologicamente inerente

a seu objeto. Para   0 associacionism o, isso equivale a   toma-Ios

 por insignificantes, isto e, a rechac;a-Ios, seja para   0 nada do

desconhecimento, seja para a fatuidade do "epifenomeno".

1 1 1 1 1   vidor    q ue   cOlTesponde a   incerteza com que a exper iencia

I  'Idll   do homem e fenomenologicamente marcada, e que a busca

d  I 1'1datlc anima historicamente, sob a rubrica do espiritual, os

1I11111\)OSdo   mfstico e as regras do moralista, as sendas do asceta

I   11'   d 'scobertas do mistagogo.

I' ~sa busca,   impondo a toda   uma cultura a pri mazia da verdade

1 1 1 1   II'slcmunho, criou uma atitude m oral que foi e continua a

II,   para a   ciencia, uma condic;ao de existencia.   Mas a verdade,

I III  S'li   valor especffico, e alheia a ordem da ciencia:   a ciencia

I",tll'   honrar-se de suas alianc;as com a verdade; pode propor~se

I11l1 iOob jeto seu fenomeno e seu valor; mas nao pode de manelra

Itl pllll1a   identifica-Ia como seu fim pr6prio.

S  ' parece haver nisso algum artiffcio, detenhamo-n os p or u rn

11I,'lnntc   nos criterios vividos da verdade e perguntemo-nos   0

'1 l1l',   nos   vertiginosos relativismos a que chegaram a ff sica e as

IIltllCmaticas contemporaneas, subsiste dos mais concretos desses

I Iilcrios: o nd e e s ta o a  certeza,   prova do conhecimento mfstico,

I(' videncia,   fundamento da especulac;ao filos6fica, e a pr6pria

1 / 17 o-cont radirao, mais modesta exigencia da construc;ao empf -Iico-racionalista? Mais ao alcance de nosso jufzo, podemos dizer 

(l"C 0d outo se pergunta se  0arco-fris, por exemplo, e  verdadeiro.

Illlpor ta-lhe apenas que esse fenom eno seja comunicavel em

IIlguma linguagem (condic;ao da   ordem menta!),   registravel.de

IIlguma   forma (condic;ao da   ordem experimental)   e que con~~ga

illscr ir -se na cadeia das   identificac;6es simb61icas on de sua Clen-

cia   unifica a diversidade de seu objeto pr6prio (cond ic;ao da

o ,.dem racional).Deve-se convir que a teoria f f sico-matem<itica, no fim do seculo

XIX, ainda recorria a fundamentos tao intuitivos, depois elimi-

nados, que se pode hipostasiar neles sua prodigiosa fecundidade,

c   assim Ihes foi reconhecida a oni potencia implicada na ideia

t1a   verdade. Por outro lado, os sucessos pratic os d essa ciencia   [801

conferiam-Ihe, per ante as massas,   0 prestfgio q ue cega e que nao

t1eixa de se relacionar com   0 f enomeno d a ev id encia.   Assi m, a

ciencia estava bem posicionad a para s ervir de objeto   ultimo a

 paixao pela verdade, despertand o no vulgo a prostemac;ao   d iante

do   novo fdolo   que se chamou   de   cienti f icismo   e,   no "Ietr ado" ,

cs se etemo pe dantismo   que, por ignor ar    0 q uanto sua verdade

e   relativa as   muralhas   d e sua   torr e , mutila   0 que   d o real Ihe e

d ado apreender .   Interessando-se apenas p elo a to d o s aber ,   por 

Tal concepc;ao, pOltanto, distingue duas ordens nos fenomenos

 psfquicos: de urn lado, os que se inserem em algum nf vel das

operac;oes do conhecimento racional, e de outro, todos os demais,

sentimentos,   crenc;as, delf r ios, assentimentos, intuic;oes, sonhos.

as primeiros exigiram a analise   associacionista   do psiquismo;

os ultimos devem explicar -se por algum determinismo estranhoa sua" aparencia" e cham ado de   "org{mieo",   por reduzi-Ios,

quer ao suporte de urn objeto ffsico, q uer a relac;ao de urn fim

 biol6gico.

Assim, nos fenomenos psfquicos nao se reconhece nenhuma

realidade pr6pria: aqueles q ue   nao pertencem a realidade   verda-

deira   nao tern realidade senao ilus6ria.   Essa realidade verdadeira

e constitufda pelo sistema de referencias que e valido para a

ciencia ja e stabelecid a: isto e, mecanismos tangfveis para   as cien-

cias ffsicas, aos quais se   junta m motivac;oes utilitarist as nas

ciencias natur ais. 0 papel da psicologia e apenas   0de reduzir a

esse sistema os fenomenos psfq uicos e   verified -lo,   determinando

atraves dele os pr6prios fenomenos que constituem seu conhe-

cimento.   E   na med ida em que e func;ao dessa verdade   que tal

 psicologia   nao constitui   uma ciencia.

Que s e entenda bem nosso   pensamento   neste ponto. Nao   estamos

 jogando c om   0 par a do xo d  e negar q ue a cienc ia n ao t enha   que

conhe cer a ver dad e.   M a s nao nos e'squec;amos   q ue a   ver d ad e e

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sua propr ia atividad e d e s a bio, e essa a mutila~ao que comete 0

 psicologo associacionista, e, em bora seja especulativa, ela nao

tem para 0 ser vivo e para 0 humane conseqUencias menos crU(~is.

III  1111"no sentido do ilusor io;   logo, 0 q ue tem significa~ao

"" IIsintoma, pOl' conseguinte, so pode ser psicologico   "na11'"1llr ia",   e   ha   de se distinguir do registro comum da vid a

I'   ItI"icl\ pOl' algum   tra~o discordante onde se mostre   bem   seu

I  Illlll'!'   "gr ave" .   .l'I!'lllJ compreendeu que era essa propria escolha que tornava

IIII valor 0   depoimento do d oente. Se quisermos reconhecer 1111111I'calid ade  c aracterfstica das rea~oes psfquicas, nao convem

'tlllll','lIrmos   por escolher entr e   elas: e precise come~ar por nao

I  1 11111'r .   Para   aquilatar sua   eficiencia, ha que respeitar   sua

1III'SSaO.Decerto nao se trata de restituir -Ihes a cadeia atr aves

till   11·lato,mas 0 momento mesmo  d o depoimento pode constituir 

11111f  I'agmento significativo delas, desde que se exija a fntegra

tli   ell   texto e   que se 0 liberte dos   grilhoes do relato.

Assim se   constitui 0 que podemos chamar   e xperiencia   ana-

IIIlt 'l/:   sua   pr imeira condi~ao formula-se numa   lei de niio-omis-

\'/11,   q ue   promove ao nfvel do interesse, reservado ao notavel,

1111 10   aquilo   que "se compreende pOl'si", 0 cotidiano e 0 comum;

IIIIIScia e  i ncompleta sem a segunda, ou   lei de niio-sistematiza-\ 11(1,  que, postulando a incoerencia como condi~ao da experiencia,

1111i bui   uma   presun~ao de s ignifica~ao a qualquer rebotalho da

Vida   mental,   ou seja, nao apenas as representa~oes das   q uais a   [821

 psicologia de escola ve apenas 0 absurdo   -   roteiro do sonho,

 pl'csscntimentos, fantasias do devaneio, deHrios conf usos   ou

III'idos   -,   mas tambem aos fenomenos que, pOl' serem   total-

III'nte   negativos,   nao tem, pOl' assim dizer, estado civil:   1a psos

II .  linguagem e lapsos da a~ao. O bserve-se q ue essas d uas leis,

Oil   melhor, regras da experiencia,   a primeira das quais foi isolad a

 pm Pichon,   aparecem em Freud   em uma so, que ele far mulou,

s 'gundo 0 conceito entao reinante,   como   lei da associa(:iio livre.

E   um ponto de vista semelhante,   com ef eito, que impoe ao

medico esse espantoso desprezo pela realidade psfquica, cu jo

escandalo, perpetuado em nossos dias pela manuten~ao de todauma forma~ao academicista, exprime-se tanto na parcialidade da

o bserva~ao quanto na bastardia de concep~oes como a de  pitia-

tismo.   Mas, pOl' ser no med ico, isto e, no cHnico pOl' excelencia

da vida fntima, que esse ponto de vista aparece da maneira mais

flagrante,   como uma nega~ao sistematica, era tambem de um

med ico que teria que vir a nega~ao desse proprio ponto de vista.

 Nao a nega~ao puramente crftica que na mesma epoca f10resceu

como especula~ao sobre os "dados imediatos da consciencia",

mas uma nega~ao eficaz, par se afirmar como uma nova posi-

tividad e. Freud deu esse passe fecundo, sem duvida porq ue,

como nos testemunha em sua autobiografia, foi   determinado a

isso pOl'sua   preocupa~ao de curar, isto e, pOl' uma atividade emque, contrariando os que se comprazem em relega-Ia a categoria

secundaria de uma "arte", ha que reconhecer    0 entendimento

mesmo da realidade humana,   na med id a em que ela se em penha

em   transforma-Ia.

o   primeir o sinal   d essa atitud e   d e submissao ao real   em Freud 

foi r econhecer q ue, dado q ue a maior ia dos fenomenos psfquicos

no homem r elaciona-se,   a parentemente , co m   uma f un~ao   d e

rela~ao  s ocial, nao   ha por  que  excluir a via q ue, por   isso   mesmo,

abre-Ihe   0acesso   mais comum: a sa ber,   0testemunho   d o propr iosujeito   d esses fenomenos.

Per guntamo-nos, alias, em que   0 med ico   d e entao f undamen-

tava   0 ostracismo de   pr incipio com   que er a marcad o, par a ele,

o testemunho   d o doente, a   nao ser na irr ita~ao de   reconhecer 

neste,   por vulgares, seus   proprios   preconceitos. Essa   foi,   com

efeito, a atitud e comum   a toda uma cultura   que   guiou tanto   a

abstra~ao analisad a acima   quanta   ad os doutos: para   0 doente,

assim   como par a   0 medico, a psicologia er a   0 campo   do   "ima-

(~cssa mesma exper ienc ia q  ue   constitui   0elemento d a   tecnica

lcr a peutica, mas   0medico pode pro por -se, se tiver ur n pouco d e

senso teorico, definir    0 que ela traz a o bserva~ao.   Nesse   caso,

ter a   mais de   uma o por tunid ade d e se   maravilhar,   s e e essa   a

for ma de espanto que cor r es pond e,   na pesq uisa, ao a parecimento

LIe   uma rela~ao tao simples que parece f ur tar -se ao pensamento.

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o d ad o dessa experiencia e, primeir amente, a  Iin guagem,   uma

lingua ge m, i st o e , u rn signo. Qua o c om plexo e   0 problema do

que ela significa, quando   0 psicologo a relaciona com   0su jeito

do conheciment o, isto e, com   0  pensamento do sujeito. Que

relac;:ao ha entre este e a   linguagem?   Nao e e le a penas uma

linguagem, porem secreta, ou nao e ela apenas a expressao   d e

urn pensamento puro, nao formulado? Onde encontrar    0 deno-

minador comum aos dois ter mos desse pr oblema, isto e, a unidade

d a q ua l a   linguagem e   0 signo? Estara contido na palavr a:   0

substantivo,   0 verba ou   talvez   0 adverbio? Na densidade de sua

historia? POl'  que   nao nos m ecanismos que a com poem foneti-

camente? Como escolher, nesse dedalo para onde nos arrastam

filosofos e lingiiistas,   psicoffsicos e fisiologistas? Como escolher 

uma referencia q ue, a medida que a dizemos mais elemental',

 parece-nos mais mftica?

Mas   0   psicanalista,   pOl' nao desvinc ul ar a ex pe ri en ci a d a

linguagem da situac;:ao que ela implica, a do interlocutor ,   toea

no fato simples de q ue a linguagem, antes de significar alguma

coisa, significa para alguem.   Pelo simples fato de estar presentee escutar, esse hom em que fala d ir ig e- se a e le , e , ja q ue e le   [8 .1 1

impoe a seu discurso nao querer dizer nada, resta   0 que esse

homem   quer [he dizer.   0 q ue ele diz, com efeito, pode "nao tel'

nenhum senti do" , mas   0 que ele   [he   diz contem urn sentido.   Eno movimento de responder    que   0ouvinte   0sente; e suspendend o

esse m ovim ento que e le compreende   0 sentido do discur so.

Entao, reconhece   neste uma intenc;:ao, dentre aquelas que repre-

sentam uma certa   tensao da relac;:ao social: intenc;:ao reivind ica-

tor i a, intenc;:ao punitiva,   intenc;:ao propiciatoria, intenc;:ao demons-

trativa,   intenc;:ao puramente agressiva. Sendo essa intenc;:ao assim

compreendida, q ue s e ob se rv e c om o a tr ansmite a   linguagem.

De duas maneiras, das quais a analise   e   rica em ensinamentos:

ela se' exprime, mas sem ser compreendida pelo su jeito,   naquilo

que   0 discurso relata do vivido, na m edida em que   0 su jeito

assume   0 anonimato moral d a expressao: e a forma do sim bo-

lismo; ela e concebid a, m as   negada pelo su jeito, no q ue   0discurso

afirma do vivid o , n a me di da e m q ue   0 sujeito sistematiza sua

concepc;:ao: e a forma da denegac;:ao.   Assim, a intenc;:ao revela-se,

na experiencia, inconsciente enquanto express a, consciente en-

quanta   reprimid a. Ao pa sso q  ue a   linguagem, pOl' se;' abordad a

 pOl' sua func;:ao d e   expr essao   social,   r evela a o m esmo t em po sua

1I111d lld csignificativa na intenc;ao e sua ambigiiidade constitutiva

Illlllll  cx pr essao subjetiva, depondo contra   0 pensamento, sendo

1111IIIirosa com ele. Note-se de passagem que essas relac;:oes, que

Inil 'ricncia oferece aqui ao aprofundamento fenomenologico,

illl  r icas em diretrizes para qualq uer teoria da "consciencia",

I   Ill' 'ialmente a morbida, vindo seu reconhecimento incompleto

111/11111'cad uca a maioria dessas teorias.

Mils   prossigamos na decomposic;:ao da experiencia. 0 ouvinte

11111'11nela, portanto, na situac;:ao de   interlocutor.   Esse papel,   0

,IIkilO   the   solicita que   0sustente, a princlpio i mplicitamente, e

IlIl'o   de   maneira explfcita.   Silencioso, pOl'em, e furtando-se a te

Illl'smo as reac;:oes de seu rosto, alem de pouco discernido em

1I:t pessoa,   0 psicanalista r ec us a-se pacientem ente a isso.   Nao

""vera   u r n l imi te e m q  ue essa atitude deva fazer cessar    0

IIlOnologo? Se   0 sujeito pr ossegue   nele, e em virtud e d a le i da

!'x pcriencia;   m as, acaso continua ele a se dirigir ao ouvinte

Il':dmente presente,   ou   antes, agora, a algum outro, imaginario

I!or cm mais real: ao fantasma da lembranc;:a, a testemunha da   [84]

~olidao,   a   estatua do dever, ao mensageiro do destino?

Contudo, em sua propr ia reac;:ao a recusa do ouvinte,   0sujeito

Irai a   imagem   com que   0substitui. POI' sua suplica, suas impre-

l'lI«oes, suas insinuac;:oes,   suas provocac;:oes e seus   artiffcios, pelas

oscilac;:oes da intenc;:ao com   que   0  visa e que   0 analista registra,

imovel m as nao impassfvel, ele Ihe comunica   0 desenho dessa

ill1agem. E ntretanto, a m edida q ue essas intenc;:oes tornam-se

ll1ais express as no d iscurso,   elas sao entremeadas de testemunhos

rom   que   0  su jeito as apoia, as reforc;:a, fazend o-as recobrar    0

mlego: ele formula aquilo de que   sofre e   0 q ue q  uer superar 

aq ui, confia   0 segredo   d e seus fracassos e   0 sucesso de seus

 pl'o jetos, julga seu carateI' e suas relac;:oes com outrem.   Assim,'Ie   informa sobre   0 con junto de sua c on du ta a o analista, que,

d e   mesmo testemunho de urn momento desta, encontra af uma

hase para sua crftica.   Or a,   0que essa cond uta   mostra ao analista

apos tal cr  f tica e que   ne la a tua,   per manentemente, a pr opria

imagem   que   ele ve surgir    no atual.   Mas   0 analis ta n ao chegou

ao   cabo de sua desco berta, pois, a medida   que a   petic;:ao assume

a   f orma de   ur n pleito,   0 d e poimento   se am plia   pOl' seus   apelos

a   testemunha;   sao relatos pur o s e q  ue   par ecem   "for a   d o assunt o" ,

" hors du sujet" , q ue   0sujeito agor a joga   no f ]uxo d e seu   d iscur so,

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eventos sem inten9ao e fragmentos das lembran9as que consti-

tuem sua historia,  e, dentre os mais disjuntos, aqueles que afloram

de sua infancia.   Mas,   eis que entre estes   0 analista reencontra a

mesma   imagem   que, com suas jogadas, ele havia suscitado no

sujeito, cujo rastro reconhecera impressa na pessoa dele, essa

imagem que ele decerto sabia ser essencialmente humana, ja que

 provoca paixao, ja que exerce opressao, mas que, como faz ele

mesmo para   0 sujeito, furtava suas fei90es a seu olhar .   Essas

fei90es, ele as descobre num retrato de famflia: imagem do pai

ou da mae, do adulto onipotente, terno ou terrfvel, benevolente

ou pun;itivo, imagem do irmao, filho rival, reflexo de si ou

companheiro.

Mas essa mesma imagem que   0 sujeito presentifica por sua

conduta e que nela se reproduz sem cessar,   ele a ignora,   nos

dois sentidos da palavra, ou seja: ignora que aquilo que ele repete

em sua conduta, quer   0 tome ou nao por seu, ele nao sabe que

essa imagem   0explica; e ignora que desconhece essa importancia   1 M

da imagem quando evoca a lembran9a que ela representa.

Pois bern, enquanto   0   analista acaba de reconhecer essa

imagem,   0sujeito,   pelo debate que conduz, acaba de the impor 

o papel dela.   E   dessa posi9ao que   0analista extrai   0 poder de

que ira dispor para sua a9ao sobre   0sujeito.

A partir daf, com efeito,   0analista age de maneira a que   0sujeito

tome consciencia da unidade da   imagem   que nele se refrata em

efeitos dfspares, conforme ele a represente, a encarne ou a

conhe9a.   Nao descreveremos aqui como procede   0analista em

sua interven9ao. Ele opera em dois registros,   0 da elucida9ao

intelectual, pela   interpreta~ao,   e   0 da manobra afetiva, pela

transferencia;   mas, fixar os tempos delas e uma questao de

tecnica,   que as define em fun9ao das rea90es do sujeito; ajustar sua velocidade e uma questao de   tato,   pelo qual   0 analista e

alertado sobre   0 ritmo dessas rea90es.

Digamos apenas que,   a   medida que   0  sujeito prossegue na

experiencia e no processo vivido onde se reconstitui a imagem,

a conduta deixa de imitar sua sugestao, as lembran9as retomam

sua densidade real, e  0 analista ve  0 fim de seu poder, doravante

inutilizado pelo fim dos sintomas e pelo arremate da personal i-

dade.

'I   imea   descr i9ao fenomenol6gica que podemos dar do que

1   passa  na  serie de experiencias que compoem uma psicanalise.

IIl!lalho   de ilusionista, poderia se dizer , se   nao tivesse como

J   11110   justamente resolver uma ilusao.   Sua a9ao terapeutica,   ao

Illllln'ir io,   deve ser essencialmente definida como urn duplo

IlIllvimento pelo qual a imagem,   a principio difusa e fragmentada,

I It' 'ressivamente assimilada ao real, para ser progressivamente

Ili'snssimilad a do real, isto e, restaurada em sua realidade propria.

,110   q ue   testemunha a eficiencia dessa realidade.

Mas,  s e nao trabalho ilusorio, entao simples tecnica, dirao, e,

111I110   exper iencia, a menos propfcia   a   observa9ao cientffica,

Jlllr que  baseada nas condi90es mais contrarias   a   objetividade.

I'ois essa experiencia, acaso nao acabamos de descreve-la como

1111111  constante   intera~ao   entre   0   observador e   0   objeto? Com

I'   'ito,   e   no proprio movimento que   0 sujeito Ihe comunica,

Iiilives de sua inten9ao, que   0observador e   informado desta, e

lilt insistimos na primordialidade dessa via; inversamente, pela

\,'simila9ao   que   0   observador propicia   entre ele mesmo e a

IIIiIgem,   ele subverte ja na origem a fun9ao desta no sujeito;

Ill'll, ele   so identifica a imagem no pr6prio progresso dessa

lIhversao, e tampouco encobrimos   0carater constitutivo desse

 pr ocesso.

Essa f alta   de uma referenda fixa no sistema observado e esse

IIS0,   para   a   o bserva9ao, do pr6prio movimento subjetivo, que

"Ill  Lodos os outros lugares e eliminado como fonte de erro, sao

dt'saf ios,   ao que parece, ao metoda sadio.

E mais, deixem-nos dizer do desafio que af se pode ver para

!lOin uso.   Na observa9ao mesma que nos relata,   0 observador 

 pod e   esconder aquilo que empenha de sua pessoa: as intui90esd l' suas   descobertas tern, em outros lugares,   0nome de delfrio,

t'  sof r emos por entrever de que experiencias provem a insistencia

II' sua   perspicacia. Sem duvida, as vias por onde a verdade se

It'vela sao insondaveis, e houve ate matematicos que confessaram

Ic-Ia   visto em sonho ou nela esbarrado numa colisao trivial

qllalquer .   Mas, e decente expor sua descoberta como oriunda de

III\)   processo mais conforme   a   pureza da ideia.   A ciencia, como

II Inulher   de Cesar, nao deve ser alvo de suspeita.

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Alias, f az muito   tempo   que   0 born r enome d o sa bio ja   nao

corre r isco s; a   natur eza   nao   mais poderia   d esvelar -se so b nenhu-

ma figura human   a,   e cada progr esso da ciencia apagou dela ur n

trac;o antr opomor fico.

Se acreditamos poder tratar com certa ironia   0que essas objec;6es

traem de resistencia afetiva, nao nos acreditamos dispensados

de responder a seu peso ideologico.   Sem nos perdermos   no

terre no e pistemologico, diremo s d esd e   logo q ue a ciencia f  f sica,

 pOl'  mais   depurada q ue parec;a, em seus pr ogr e ss os m od ernos,

de q ualq uer categor ia intuitiva, nao   d eixa de tr air, e de   maneir a

ainda mais   impr essionante, a estrutu ra d a in te li ge nc ia q  ue a

construiu. Se   urn Meyerson   pode demonstra-I a s ub metida, em

todos os seus pr ocessos, a forma da   identificariio   mental,   for ma   1 1 1 1

tao constitutiva do c on he ci me nt o huma ne q ue e le a re encontr a

 pOl'   ref lexao nos cam inho s c omu ns   d o p ensamento   -   se   0

fenomeno da luz,   para Ihe   f ornecer    0 padrao de referencia e   0

<llomo de ac;ao, revela nela uma relac;ao m ais obscura com   0

sensor ia   humane   -, e ss es   pontos, decer to   ideais, pelos q ua is af f sica se liga ao   homem,   mas q ue sa c o s p alos e m t or  no dos

q uais ela gira,   por ventura   nao   mostram   a   mais   inquietante   ho-

mologia   com os eixos   que   confer e   ao conhecimento   humano,

como evocamos acima,   uma t rad ic;ao ref lexiva   sem   r ecurso a

experiencia?

Se ja como f or ,   0 antropomorf ismo   q ue reduziu   a   ff sica,   na

noc;ao  def orra   pOl' exem plo,   e  ur n   antropomor fismo   nao   noetico,

mas psicologico, ou se ja,   essencialmente a pro jec;ao da   intenriio

humana.   Trans por    a   mesma exigencia   d e   r educ;ao   par a   uma

ant r o pologia   nascente,   im pond o-a ate   mesmo   em   seus objetivos

mais   longfnquos,   e   d esconhecer seu o b jeto e   manifest ar auten-

ticamente'l   ur n   antro pocentr ismo   d e   outr a   ord em, a   d o   conheci-

mento.

o   homem,   d e fato,   mantem   com   a   natur eza relac;6es   q ue

es pecif icam,   d e   urn lado,   as pr  o pr ied ad es   de urn   pensamento

id enti f icat6 rio,   e   de outr o,   0 usa   d e   instrumentos ou utensflios

artif iciais.   Suas   r elac;6es com   seu   semelhante   proced em pOl' vias

 bem mais diretas:   nao estamos designand o aqui a   linguagem,

nem   as   instituic;6es sociais elementar es que,   seja qual for    sua

genese, sac mar cadas   em   sua   estr utura pe lo ar tificialismo;   esta-

mos pensand o   nessa comunicac;ao afetiva, essencial   ao grupa-

11111110social, q ue se   manifesta   d e maneira bastante   imediata   nos

I IIII~ d e   q ue   e seu semelhante   que   0 home m e xplora, de   que e

IIIII' quc   se   reconhece, e de que   e a ele que se liga pelo vfnculo

I' (q llko   indelevel   q ue perpetua a miseria vital, realmente es pe-

I1 1 1 1   I I,   de   seus primeiros anos de vida.

I\ssas   r elac;6es podem ser opostas as q ue constituem, no sentido

I   lillo,   0   conhecimento,   como   relaroes de co-naturalidade:'1"1'1'  'mos   evocar com esse termo sua homologia com as for mas

1I1,IISimediatas, m ais globais e   mais ada ptadas q ue   caracter izam

I IllS   'U conjunto as relac;6es psfquicas do animal com seu meio

11111mal, e   pelas quais estas se distinguem   das mesmas relac;6es

1 1 1 1   homem. Voltaremos a falar do valor desse ensinamento da

1'~It'ologia   animal.   De qualquer modo, no homem,   a ideia de urn [88]

1IIIIndo unido a ele pOl' um a relac;ao   harmoniosa   d eixa adivinhar 

1111 base   no antropomorf ismo   d o mi to da   natur eza;   a med ida

'ill'   se   realiza   0esfor c;o q ue   im pulsiona essa   ideia , a re alid ade

d l'ssa   base   revela-se na subversao cad a vez m ais vasta da natureza

II"C  c   a   hominizariio   do planeta:   a "natureza " do   homem e sua

I"'i1(,:ao com  0

homem.

() ob jet o da psicologia define-se

('III   ter mos essencialme nt e r  elativistas

E ncssa   realid ad e es pecf fica   d as   relaroes inter-humanas   que uma

 psicologia po d e   d efinir    seu   o bjeto proprio e seu metodo d e

Invcstigac;ao.   Os conceitos   que e sse o bjeto e esse   metod o   impli-

l'lImnao sac sub jetivos, mas   relat ivist as.   Por ser em   antr opomor-

!'icos   em seu   f und amento, esses conceitos, se sua extensao   a

I'sicologia   animal,   indicad a acima,   d emonstr a-se valid a, pod em

d csenvolver-se em f ormas   generic   as   d a   psicologia.

Alias,   0valor o bjetivo d e u ma pesq uisa   e   demonstr ado como

a r ealic;lade   do movimento:   pela ef icacia   de seu progr esso.   0q ue

II1clhor confir ma a excelencia   da   via   def inida   pOl' Freud par a a

a bor dagem   d o fen6meno, com uma   pureza   que   0 disti ngu e d  e

lod os os outros psicologos, e   0avanc;o   prodigioso que   0co]ocou

nunc   "de   ponta",   em r elaC;ao   a   todos   os outr os, na   r ealidad e

 psicol6gica.Demonstrar emos esse ponto   numa   segund a parte deste artigo.

Ex poremos, ao   mes mo tem po,   0usa genial que ele   soube   fazer 

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d a   no<;:ao de   imagem.   Se, sob   0 nom e de   imago ,   el e na o a

desvinculou plenamente do estado confuso da intui~ao comum,

f oi para usar magistr al m ente seu   alcance   concreto, tud o   conser -

vand o   de sua   fun<;:ao infor mat iva   na intui~ao, na memor ia e no

d esenvolvimento.

Ele d emonstrou   essa fun~ao d esven da nd o na ex per iencia   0

 processo da   id entificariio:   bem difer ent e do d a   imit ar iio,   que

distingue sua   f orma   pela apr oxima<;:ao parcial   e   tatea nte , a

id ent ificariio   op6e-se   a   ela nao somente como   a assimila~ao

global   d e u ma   estrutura,   mas   como   a   assimila<;:ao   vir t ual do

desenvolvimento   implicado por essa estrutura em estad o   ainda

ind iferenciado.

Assim,   sabe-se   que   a crian~a per cebe   certas situa~6es afetivas,

como, por    exemplo, a   uniao particular    de dois individ uos num

gr upo, com uma   per spicacia bem mais imed ia ta q ue a  do   adulto;

este, c om   efeito,   malgrado sua   maior diferencia~ao psiquica, e

inibido, tanto no   conhecim ento humano   quanta na   condu~ao de

suas   r ela~6es, pelas   categorias   convencionais que   os   censuram.

Mas a   ausencia dessa s categorias   serve m en os a c r ian<;:a, ao Ihe

 permitir per ceber mel ho r o s s inais   (signos), do que   0  fa z   a

estr utura primaria   d e seu psiquismo,   que   0leva a ser   prontamente

 penetr ad o p el o sentid o essencial da situa~ao.   Mas nao   esta   nisso

t od a a s ua s uper io ri da de : e le l ev a a in da a v an ta ge m, c om a

impressao significativa, do germe, q ue desenvolver a   em toda a

sua,   riqueza, d a   int erariio   social que   ali se exprime.

E por isso que   0car at er d e ur n homem pode desenvolver uma

id entificariio   par ental q ue d ei xo u d e s e ex er ce r d esde a idade

limite de sua   lembran<;:a. 0que   se tr ansmite por essa via   psiquica

saD   os tra~os que,   .0 indivfduo, d ao   a forma particular d e   suas

rela~6es humanas,   ou, dito de outr a   maneira, sua   per sonalidade.

Mas,   0que a conduta do hom em reflete entao nao saD apenas

esses tra~os,   embor a eles freqtientemente estejam entre os maisocultos, pOl"em a situa<;:ao efetiva   em que se encontr ava aquele

dos pais que foi objeto da identif ica~ao quand o ela se produziu

- u ma s it ua ~a o d  e   conflito ou de inf erioridade no grupo con- jugal, por exemplo.

R esulta desse processo que   0 comportamento individual do

homem traz   a   marca de urn certo numero de rela~6es psfquicas

tfpicas, onde   se   exprime uma certa   estrutura social: no minima,

a   constelariio   que, nessa estrutur a, d omina m ai s e specialmente

os primeiros   anos d a   infiincia.   '

I   IS   rcla<;:6es  psfquicas fund amentais   revelaram-se a expe-

II IIII' '   r or am d efinidas pela doutrina atraves do termo   com-

\/11   d 've-se   ver   af   0conceito mais concreto e mais fecundo

llllllllll/.id o   no estudo do comportam ento hum ano,   em contraste

till 11   'onceito   d e   instinto, que   ate entao se revelara, nesse

"111111110,laD   inad equado quanto   esteril.   Se a doutr ina   efetiva-

1111   IItl   I   'r er iu   0complexo ao instinto,   a teor ia parece   esclarecer-se

III I   P '10   pr imeiro   do que apoiar -se no segundo.

I'   por   intermedio do   complexo   que se instauram no psiquismo   [90]

I   IlIlllgens   que   d ao forma   as mais vastas unidades do compor -

I 1I1lt'IIIO: imagens   com que   0   sujeito se identifica alternadamente,

II"   t l'nccnar, como ator unico,   0 drama de seus contlitos.   Essa

,   111111   dia,   situada pelo espfrito d a   especie sob   0 s igna do riso e

" I   1 1 1   rr imas, e   uma   commedia d ell'arte,   no senti do de que cada

1111"v(duo   a impr ovisa e a torna mediocre ou sumamente   expres-

I   II, con f orme   seus   dons, e clar o, m as tambem segundo uma lei

I' "  td oxal q ue   par ece m ostrar a fecundidade psiquica de toda

II llricicncia vital.   Commedia d ell'arte,   alem disso, por se en-

I I IIltr segundo   ur n roteiro   tipico   e   papeis tradicionais. Ali pode-IIIPN r cconhecer os me smos personagens que tipificaram   0   fol-

t   111 1' "   os   contos e   0   te at ro i nf an ti l o u a du lt o - a o gr a,   0

Itlcho- pa pao,   0 avarento,   0  pai nobre   -,   que os complexos

I   primem por    nomes mais eruditos. Reconheceremos,   numa

1IIIltgem para   a qual nos levani   a outra vertente deste trabalho,

/I   l'igura do a rlequim.

(  '11m   efeito,   depois de haver valorizado a realiza~ao fenomeno-

I p)'ica   do freudismo, passamos agora a critica de sua metapsi-

Illiogia.   Ela   come<;:a, muito precisamente, na introdu~ao da no~ao

Ill'   li bido.   A psicologia freudiana, de fato, exacerbando sua

IlId u<;:ao com uma audacia proxima da temeridade, pretende

Il'rnontar    d a   rela<;:ao in ter-humana,   tal com o ela a isola com o

dl"ler minada em nossa cultura,   a fun<;:ao biologica que seria seu

substrato:   e aponta essa fun~ao no   desejo sexual.

Convem distinguir, no entanto, dois usos do conceito de libido,

:di{lS incessantemente confundidos na doutrina:   como   conceito

 I '  /  I er gitico,   regendo a equivalencia dos fenom enos, e como

lt ip6 tese substancialista,   referindo-os a   materia.

Designamos a  hip6tese   de   substancialista,   e nao materialista,

 porq ue   0r ecurso   a   id eia   d e materia e apenas uma forma ingenua

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8/18/2019 1936-10 - Para-além do ´Princípio de realidade´ (Escritos)

http://slidepdf.com/reader/full/1936-10-para-alem-do-principio-de-realidade-escritos 10/10

e ultrapassada de urn autentico materialismo. Seja como for, e

no metabolismo da funvao sexual no homem que Freud aponta

a base das "sublimav6es", infinitamente variadas que seu com-

 portamento manifesta.

 Nao discutiremos aqui essa hipotese, porque ela nos parece

extern a ao campo proprio da psicologia. Sublinharemos, nao   1 9

obstante, que ela se fundamenta numa descoberta clfnica de valor essencial: a de uma correlavao que se manifesta   constantemente

entre   0 exercfcio,   0 tipo e   as anomalias da funvao sexual e urn

grande numero de formas e de "sintomas" psfquicos. Acrescen-

te-se a isso que os mecanismos em que se desenvolve a hipotese,

 bem diferentes dos do associacionismo, levam a fatos que se

ofere cern ao controle da observavao.

Se a teoria da libido efetivamente afirma, pOI' exemplo, que

a sexualidade inf antil passa pOI' uma fase de organizavao anal,

e confere urn valor erotica a funvao excretoria e ao objeto

excrementfcio,   esse interesse   pode ser observado na crianva no

 proprio lugar que nos e apontado para tal.

Como   conceito energitico,   ao contrario,   a libido e apenas anotavao simbolica   da equivalencia   entr~ os dinamismos que as

imagens investem no comportamento. E a propria condivao da

identificariio simb6lica   e a entidade essencial d a   ordem racional,

sem as quais nenhuma ciencia poderia constituir-se. Atraves

dessa notavao, a eficiencia das imagens, sem poder    ainda ser 

relacionada com uma unidade de medida, mas ja provida de urn

sinal positivo ou negativo,   pode exprimir-se pelo equilfbrio que

elas produzem entre si   e, de certa maneira, pOI' urn metodo de

dupla pesagem.

A novao de libido, nesse emprego, ja nao e metapsicologica:

e  0 instrumento de urn progresso da psicologia em direvao a urn

saber positivo. A combinavao, pOI' exemplo,   dessa novao de

investimento libidinal com uma estrutura tao concretamente

definida quanto a   dosupereu   representa, tanto em relavao   a

definivao ideal da  consciencia moral   quanto a abstravao funcional

das chamadas reav6es de  oposiriio   ou de  imitariio,   urn progresso

som ente com paravel ao trazido a ciencia ffsica pelo uso da

relavao   peso-volume,   quando ela substituiu as categorias quan-

titativas do pes ado e do leve.

Os elementos de uma determinavao   positiva   foram assim

introduzidos entre as realidades psfquicas que uma definivao

 I  f ' { (llivista permitira objetivar .   Essa determinavao e dinamica ou

It'lativa   aos   Jatos do desejo.

Foi assim que se po de estabelecer uma escala da constituivao,

110   homem,   dos objetos de seu interesse,   e especialmente daque-

II-s, de   prodigiosa diversidade, que permanecem como urn enigma

qlland o   a psicologia afirma como princfpio a realidade tal como

l'ollstitufda pelo conhecimento: anomalias da emovao e da pulsao,

tdiossincrasias da atravao e da repulsa,   fobias e panicos, nostal-

~~iase   vontades irracionais, curiosidades pessoais, colecionamen-

los   eletivos,   invenv6es do conhecimento ou vocav6es da ativi-

dade.

POl'outro lado,   definiu-se uma divisao do que podemos chamaI'

d e   lugares imaginarios   que constituem a personalidade,   lugares

quc se   distribuerf i   e nos quais se comp6em, conforme seus tipos,

liS   imagens anteriormente evocadas como formadoras do desen-

volvimento: sao eles   0isso   e   0eu,   as instancias arcaica e secun-

uaria   do   super eu.

Aq ui se colocam duas quest6es: atraves das imagens, objetos

do interesse,   como se constitui essa   realidade   em que se conciliaIIlliver salmente   0conhecimento do homem? Atraves das identi-

l'icav6es   tfpicas do sujeito, como se constitui   0 [eu],   onde e que

-Ie  s e   r econhece?

A essas duas quest6es, Freud novamente responde de passa-

'cm   no terreno metapsicologico. Ele formula urn   "principio de

r ealidade"    cuja crftica, em sua doutrina, constitui 0 final de

1l0SS0trabalho. Mas antes devemos examinar que contribuivao

trazem,   n o q ue t an ge a   realidade da imagem   e as   Jormas do

t onhecimento ,   as pesquisas que, com a disciplina freudiana,

concorrem para a nova ciencia psicologica. Essas serao as duas

 partes de nosso segundo artigo.