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1956-3096-1-PBprpr
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Revista gora, Vitria, n.11, 2010, p.1-19.
PERMITIDO PROIBIR: O POLICIAMENTO POLTICO E O IMAGINRIO ANTICOMUNISTA NO NORTE-PARANAENSE.
Vernica Karina Iplito*
Angelo Aparecido Priori*
Resumo: Esse trabalho tem por objetivo enfatizar o impacto do anticomunismo sobre a dinmica institucional da Polcia Poltica Paranaense DOPS/PR, bem como sobre o imaginrio policial em relao aos comunistas no perodo compreendido entre os anos de 1945 a 1953. Procura-se compreender a trajetria do pensamento anticomunista, tentando desvendar o que dava fundamento as autoridades policiais em compartilhar desse imaginrio e justificar suas aes. O pensamento poltico averiguado buscando-se perceber como esse imaginrio possibilitou polcia construir a sua identidade, dar sentido e legitimar suas aes de policiamento poltico, destacando-se a principalmente a influncia estadunidense no aparato da polcia poltica a nvel nacional. Palavras-chave: anticomunismo; DOPS-PR; PCB. Summary: This work aims to emphasize the impact of anticommunism about the dynamical institution of the Political Police of the Parana State DOPS-PR and about the police imaginary related to the communists in the period between the years 1945 to 1953. It is important to notice the rout of the anti-communism thought, in order to understand what motivates the police authorities to share this imaginary and what points justify their actions. The police imagery is checked in order to notice how it gave the police the opportunity to construct their identity, how to give them sense and became truth their actions of political police. It is mainly important to highlight the North American influence in the system of political police in the national setting. Keywords: anticommunism; DOPS-PR; PCB.
Revista gora, Vitria, n.11, 2010, p.1-19.
O perodo de 1945 a 1953 contempla o fim do regime ditatorial estadonovista e o
incio da democratizao inaugurada, segundo a historiografia tradicional, no governo do
General Eurico Gaspar Dutra. Nesse momento, o Partido Comunista Brasileiro (PCB)1
consegue dois anos de legalidade poltica (1945-1947), mas no fundo, o governo continuava
alimentando os organismos repressores e contradizendo a Constituio de 19462. Em 1953 foi
promulgada a Lei de Segurana Nacional (LSN) que centralizava ainda mais o controle da
sociedade civil nas mos do Estado. Com esse cenrio e tendo como pano de fundo o contexto
de expanso do comunismo, e em contraposio, do anticomunismo, tomaremos como objeto
de anlise o setor correspondente a represso poltico-ideolgico da poca corporificada na
polcia poltica e o anticomunismo presente nessas instituies. Trataremos especificamente
da Delegacia de Ordem Poltica e Social do Paran (DOPS-PR), a qual, utilizando-se da
lgica da suspeio3, via qualquer indivduo como suspeito em potencial.
Em fins da dcada de 1940 e incio dos anos de 1950 o Estado do Paran foi marcado
pela efervescente organizao dos trabalhadores rurais, sobretudo sintetizado na luta pela
terra, como foram os casos da "Guerra de Porecatu" (1948-1951) e a "Revolta do Sudoeste
(1957), e por uma luta poltica cotidiana nas cidades, sejam pelos debates polticos do final da
Segunda Guerra Mundial, do processo de legalizao do PCB e sua posterior proscrio ou
dos constantes movimentos sociais urbanos.
A atuao da polcia poltica nesse perodo configura-se ainda pelo controle poltico-
cultural ou de qualquer forma de expresso que contenha ou signifique ameaa ordem social
estabelecida. A idia e o pensamento eram os objetos de censura e de investigao. Nessa
perspectiva, o rgo censor apresenta-se mais eficaz. Entidades ou instituies cinemas,
teatros, clubes, meios de comunicao, bares, bordis, etc passam a ser alvo de vigilncia
permanente, tornando-se objeto de investigao policial, sejam porque agregam um nmero
significativo de indivduos, sejam porque atuam como formadores de opinio, ou por
adotarem uma postura contrria ao regime, atentando ainda contra a moral e os bons
costumes.
O fim do Estado Novo e o incio da democratizao no deixaram dvidas de que o
Brasil no era o mesmo da Revoluo de 1930. O modelo de substituio das importaes4
praticado pelo Estado Novo criou uma nova realidade brasileira, fazendo com que o pas
alcanasse o capitalismo industrial. Essas alteraes modificaram o contexto poltico
nacional, onde os trabalhadores urbanos ganham maior importncia. As reformas implantadas
por Vargas inauguraram uma fase da expanso dos direitos sociais, com a introduo e
melhoramento da legislao social, nas reas sindical, trabalhista e previdenciria (GOMES,
Revista gora, Vitria, n.11, 2010, p.1-19.
1988). O que marcou essa transformao foi a passagem de um sistema de base agro-
exportadora para uma sociedade urbana e industrial. O Estado voltou-se para o fortalecimento
de uma indstria de base5, sendo o agente primordial da modernizao econmica.
Mas, ao lado dessas mudanas substantivas no pas o regime adotou uma srie de
medidas repressivas. Vargas adquiriu poderes excepcionais, a ponto de extinguir os partidos
polticos, dissolver o Parlamento e limitar as liberdades polticas. A represso policial se
tornou constante ainda mais quando o comunismo foi eleito inimigo potencial. Com essas
prticas, Vargas buscou diminuir a autonomia dos estados para que esses no ficassem
vulnerveis a penetrao de ideologias revolucionrias. Procurou ainda, ampliar o sistema de
vigilncia e os mtodos coercitivos com relao aos suspeitos. Consolidando o inimigo nos
primeiros dias do novo regime, o Estado negou qualquer eficcia a algum tipo de soluo
poltica e iniciou a prtica de solues fsicas (CANCELLI, 1993). Seguindo sua lgica, fazia-
se necessrio o uso de instrumentos de violncia para assegurar a ordem e garantir sua prpria
existncia.
Por isso, delimitamos nossa temtica aos anos de 1945 a 1953 por se tratar de um
momento contraditrio. Com o fim do Estado Novo em 1945, inaugura-se um perodo de
democratizao, a qual possibilitou ao PCB, dois anos de legalidade (1945-1947). A
Constituio de 1946 garantia a liberdade de manifestao do pensamento, de conscincia,
crena e de defesa mediante qualquer acusao, mas no era colocada em prtica. Smbolo
dessa inaplicabilidade foi a promulgao, em 1953, da Lei de Segurana Nacional, que
centralizava ainda mais o controle da sociedade civil nas mos do Estado.
Marcado pelo fim tanto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) quanto da ditadura
do Estado Novo (1937-1945), o ano de 1945 foi palco inaugural do perodo de
democratizao, momento acolhido para os trabalhadores com esperana de justia e
liberdade. Mesmo com essas expectativas, a volta da democracia significava tambm o
retorno ou a permanncia da inveno de direitos6, a qual implicava a necessidade de seu
cumprimento, que por sua vez dependia da participao e organizao dos trabalhadores.
No mbito poltico os antecedentes no eram nada animadores. Aps o levante
comunista de 1935 foi promulgada a Lei de Segurana Nacional, a Constituio deixou de
vigorar e o pas tomou a direo do fechamento do sistema poltico, culminando com o golpe
de 1937, que instaurou a ditadura. Partidos polticos foram proibidos, declarou-se a censura
imprensa, liberdades pblicas foram contidas, as tendncias de oposio de diferentes tons
foram reprimidas com mo-de-ferro, por fim, o poder centralizou-se na Presidncia da
Repblica e estabeleceu-se a prtica de governar por meio de decretos-lei.
Revista gora, Vitria, n.11, 2010, p.1-19.
No entanto, o aparato repressor no um legado de Vargas. A censura no Brasil
remonta a tempos coloniais. Em 1547, sob a ordem do Infante D. Henrique, publicou-se uma
lista de livros proibidos, inaugurando o controle e a represso na divulgao de idias. Essa
herana foi mantida e institucionalizada nos anos precedentes. As Delegacias de Ordem
Poltica e Social surgem na dcada de 1920 e sua principal funo era vigiar os opositores do
Estado e evitar a formao de movimentos operrios. A partir de ento, a prtica da vigilncia
tornou-se rotina e os inimigos do pas variavam de acordo com o governo e a conjuntura
mundial do momento.
Pode-se afirmar que tanto no campo trabalhista quanto no ideolgico, o Estado Novo
foi sinalizado pela opresso poltica, arbitrariedade patronal, deteriorao nas condies de
vida e perda de direitos. Enquanto o empresariado recebia apoio contra tudo que taxavam
como atos indesejveis, estavam livres da fiscalizao dos rgos pblicos e dos sindicatos,
os trabalhadores reclamavam da estreiteza da lei, limitada apenas a algumas categorias
profissionais cerca de 3% dos trabalhadores de todo o pas , enquanto que o pagamento do
imposto sindical, institudo por Vargas em 1940, era obrigao de todos os trabalhadores
(DARAJO, 2003).
Alm do mais, a Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), presente de Vargas aos
trabalhadores em 1943 e ostentada como a mais avanada legislao social do mundo,
beneficiou apenas uma minoria urbana. Os trabalhadores rurais ficaram margem desse
processo. Somente em 1963, com a criao do Estatuto do Trabalhador Rural, Lei n 4.214, de
03 de maro, o homem do campo passou a receber garantias trabalhistas como o trabalhador
da rea urbana. Estrategicamente, essa extenso dos direitos trabalhistas no incluiu os
trabalhadores do campo porque esses eram a maioria no pas. E como a preocupao de
Vargas era desenvolver o setor industrial, o fato de a legislao contemplar os trabalhadores
urbanos tornou-se atrativa aos olhos de quem morava no campo. Ento, muitos desses
migraram para as cidades em busca de melhores condies de trabalho. Em contrapartida, os
que permaneceram no campo ficaram sem o amparo de uma legislao que garantisse seus
direitos.
Nesse contexto, o PCB, posto na ilegalidade aps participar da insurreio de 1935 ao
lado da Aliana Nacional Libertadora na luta para depor o governo, tenta se reorganizar e
volta a atuar no incio dos anos de 1940, com uma participao ativa no combate ao nazi-
fascismo e na luta pelas liberdades democrticas. Conquista a legalidade em 1945, procurando
ser um partido de massas, malevel e democrtico. Os comunistas se revelaram geis na
organizao de vrios Comits Populares e Democrticos. Nas cidades, procuravam discutir
Revista gora, Vitria, n.11, 2010, p.1-19.
temas como habitao, instruo e sade pblicas, custos dos gneros de primeira
necessidade, etc. Criaram ainda os comits profissionais, os quais tinham a funo de atuar
em sindicatos, pois o partido no fazia parte da diretoria dessas agremiaes.
nessa dcada tambm que o Partido comea a se engajar na luta pela questo
agrria, que ganhou foras, principalmente no perodo de sua legalidade, entre os anos de
1945 a 1947. inegvel que a sua principal preocupao sempre foi o movimento operrio,
muito embora houvesse interesse do partido em organizar o campesinato. Mas o empenho por
essa questo s foi despertado, na prtica, em fins da dcada de 1940, quando houve sinais de
agitao no norte do Paran envolvendo brigas pela posse da terra. Esse movimento,
conhecido como Revolta de Porecatu (1948-1951), iniciou as atividades do PCB no campo.
Da em diante houve uma seqncia de conflitos nos quais o PCB iria atuar como a Revolta
do Sudoeste (1957), tambm no Paran; Trombas e Formoso em Gois; Demnios de
Catul em Minas Gerais e Santa F do Sul, em So Paulo.
No entanto, no dia 7 de maio de 1947, por deciso do Tribunal Superior Eleitoral, o
PCB colocado na ilegalidade, contradizendo a Constituio de 1946. Considerada por
muitos como smbolo da democracia, consagrando as liberdades previstas na Constituio de
1934, a Constituio de 1946, marcou para a histria a recuperao da liberdade e a
restituio dos rgos democrticos. Diante desse paradoxo, procuramos interpretar a prtica
do sistema democratizado, interpretando a aplicao dessa Carta de maneira dualstica. De um
lado, para assegurar os direitos e de outro, para limitar o pluralismo poltico. Desse modo,
trabalhamos com a perspectiva de que a represso, em termos, continuou, chegando a adotar
formas superiores de violncia, exemplificadas na intensificao da represso aos movimentos
sociais, em particular, s organizaes polticas de esquerda. Por isso, uma de nossas
pretenses foi cogitar o fato de que esse momento no era to democrtico quanto se pensava.
A Lei de Segurana Nacional de 1953 confirma essa hiptese. Afinal, se estvamos
mesmo em um perodo democrtico, por que houve a necessidade de elaborar mais uma Lei
de Segurana Nacional? Formulada inicialmente com o anteprojeto de 1947, a LSN de 1953
s foi promulgada pelo Congresso em 5 de janeiro de 1953, no segundo governo Vargas, sob
a vigncia da Constituio de 1946. Essa lei definia crimes contra a segurana externa ou
interna do Estado e tambm contra a ordem poltica e social. Em outras palavras, veio
arrematar as leis de 1935 e de 1938, as quais, respectivamente, definiam crimes contra a
ordem poltica e social e crimes contra a personalidade internacional do Estado, a estrutura e
segurana do Estado e contra a ordem social (REZNIK, 2004). importante ressaltar que
muitos pases criaram legislao semelhante Lei de Segurana Nacional aplicada no Brasil.
Revista gora, Vitria, n.11, 2010, p.1-19.
Essas leis tinham a funo de proteger o pas e foram criadas com o objetivo de contribuir na
defesa contra os inimigos externos. Mas, contradizendo a regra, as Leis de Segurana
Nacional eram utilizadas contra inimigos internos.
Paralelo a esse problema, analisamos os principais mtodos de fiscalizao e de
coero arquitetados pela Delegacia de Ordem Poltica e Social contra os comunistas na
regio norte do Paran, procurando apresentar a estrutura institucional da Dops, examinando
os meios utilizados por esse rgo para vigiar, censurar e reprimir os militantes comunistas e
os movimentos sociais que esses promoviam ou participavam.
Procuramos trabalhar a ao da polcia poltica no Paran, como estudo de caso, a fim
de pensarmos a contradio na qual um Estado, dito efetivamente republicano e democrtico,
utiliza-se de uma organizao policial capaz de legitimar e amparar prticas comuns em
regimes autoritrios, principalmente com relao aos militantes e simpatizantes do
comunismo. Os comunistas eram considerados os principais inimigos do Estado nesse
momento. A eles reputava-se a responsabilidade pela ao e existncia da polcia poltica.
Como doutrina, o comunismo questionava os preceitos do capitalismo, dos seus idelogos e,
fundamentalmente dos representantes da burguesia. Alm do mais, tentaram se organizar
internacionalmente, com o objetivo de mudar o mundo de acordo com as suas vises polticas,
sendo por isso, considerados uma ameaa a ser combatida, ainda mais aps a tentativa por
eles ensaiada de tomar o poder no pas em 1935.
Nesse sentido, pensar a Repblica no Brasil, no perodo aqui proposto (1945-1953),
requer ponderar as prticas voltadas ao interesse pblico, na medida em que, as autoridades
influenciadas ou no por organismos externos ou internos visam transmitir a imagem na
qual, enquanto governantes, estariam contribuindo para uma vida social, livre e democrtica.
As relaes do Estado brasileiro com os movimentos de esquerda, particularmente
com o comunismo, bem como as formas e instituies de represso, so temas amplamente
estudados pela academia brasileira. Muito se tem escrito sobre o PCB, mas essas anlises se
detm a uma perspectiva nacional, se preocupando em expor seus antecedentes e realizaes,
privilegiando apenas o eixo Rio-So Paulo. E mesmo assim, foram poucos os que
conseguiram vislumbrar o universo de interesses ocultos nas entrelinhas da Histria. Se
formos fiis a autores como Jos Antnio Segatto, Gregrio Bezerra, Astrojildo Pereira e
muitos outros, veremos que as abordagens circundam, no campo da militncia poltica. Alm
desses trabalhos, outros, como os de Gildo Maral Brando e Ronald Chilcote no
privilegiam as abordagens regionais, as diferenas e semelhanas de um Estado para outro e
sua comparao em mbito nacional.
Revista gora, Vitria, n.11, 2010, p.1-19.
Como se trata de primeiras produes sobre o partido no Brasil, natural que essas
abordagens sejam produzidas por militantes, incluindo ativistas polticos de esquerda e
tambm jornalistas ou advogados ligados de alguma forma ao movimento comunista.
De certo modo, vrias produes, principalmente a militante, privilegiam uma
descrio cronolgica dos feitos do partido. Descrevem o movimento e as organizaes em
que ele esteve presente, como greves, congressos, lanamentos de publicaes, fundaes de
associaes, organizao poltica, hegemonia nos movimentos sindicais e populares, sempre
sob uma perspectiva nacional. So raros os trabalhos que se prope a analisar o PCB e sua
relao com a polcia poltica nacional nos estados. At mesmo a produo militante deixa a
desejar. Poucos dirigentes comunistas estaduais transcreveram suas experincias. Quando
muito, a prtica militante desses dirigentes est registrada em depoimentos concedidos a vinte
ou vinte e cinco anos do auge de sua militncia no partido.
Essa ausncia de uma trajetria historiogrfica infelizmente uma realidade no
Paran. Embora haja abundante material de pesquisa documentos, reportagens,
depoimentos, etc poucos se debruaram sobre o tema e sistematizaram a experincia do
PCB-PR7.
O pouco que se sabe que o PCB passou a existir no Paran aps 1930, mais
precisamente depois de 1945, quando da I Conferncia Estadual que levou direo do
partido no Paran os comunistas como: Meireles, Walfrido Soares de Oliveira, Dario, Jacob
Schmidt e outros que construram a histria do partido no estado. A situao mais crtica
ainda quando nos referimos ao norte do Paran. O que se conhece sobre a atuao do PCB
nessa regio, apenas direcionado Revolta de Porecatu, onde os militantes tiveram um
importante papel na luta dos camponeses pela permanncia da posse da terra. Nomes de
muitos comunistas tambm a se popularizaram: Manoel Jacinto Correa, Newton Cmara e
Flavio Ribeiro so apenas alguns exemplos. Sem falar nos militantes reconhecidos
nacionalmente, e que tambm estiveram deliberando o episdio, que so o caso de Gregrio
Bezerra e Joo Saldanha.
Assim, evidente a falta de uma histria dos partidos no Paran, principalmente com
relao ao PCB. Uma histria que contemple as vrias especificidades da atuao do PCB nas
diversas regies do estado. Nesta perspectiva, pretendemos contribuir para essa ausncia,
direcionando o estudo do partido no Paran com o cotidiano da polcia poltica paranaense.
Analisando-os como atores sociais, observamos ainda a identificao dos principais
grupos, movimentos e instituies sociais que mais tiveram suas atividades influenciadas pelo
Partido Comunista e controladas pela Dops-PR.
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Um dos princpios norteadores dessa investigao a concepo de que o poltico no
s emerge como se justifica atravs do conjunto das atividades humanas. Portanto, o campo
poltico pode ser notado na esfera das relaes sociais. Dessa forma, ao propormos analisar as
aes sociopolticas construdas coletivamente, por integrantes de diferentes classes e
camadas, acreditamos que esses so capazes de formar um organismo poltico de fora social
na sociedade civil. Se o objeto da anlise dos movimentos sociais o homem em sociedade e
as suas diversas formas de ao, a poltica se destaca pelo fato desses movimentos sempre
estarem envolvidos ou ligados a relaes de poder (BERSTEIN, 1996). De tal modo,
procuramos levar em considerao as vivncias ideolgicas, os valores, as tradies e a
cultura, bem como o arcabouo socioeconmico e poltico-autoritrio em que esses
personagens sociais esto inseridos.
A estrutura da polcia poltica no Estado do Paran.
O Paran, sobretudo nas dcadas de 1940 e 1950, era considerado uma terra de
prosperidade, smbolo do progresso e da modernizao. No entanto, sendo cone de
oportunidades, atraiu bons e tambm maus elementos, muitos dos quais, de acordo com
Moyss Lupion, governador do Estado no perodo de 1950 a 1955, interessados na fertilidade
das terras ou por outros negcios8. Alis, o comportamento poltico de Lupion, est
vinculado, assim como a maior parte dos partidos polticos da poca a uma linhagem do
pensamento conservador, uma vertente de poder que representava os interesses empresariais
do setor madeireiro, e alm do mais, ligado s estratgias e lideranas do PSD, partido
oposicionista ao PCB. Diante desse cenrio, encoberto de tenses tanto sociais quanto
polticas, o poder pblico ir desenvolver e aplicar diversos pontos que assegurem a ordem.
Assim, por parte dos detentores do poder poltico entendia-se que somente esse aparato
poderia reorganizar a sociedade mediante as ameaas desarticuladoras dos desajustados,
mendigos, criminosos comuns e infratores dentre esses, principalmente os proliferadores de
ideologias exticas, com destaque aos comunistas, principal alvo da polcia poltica no
perodo trabalhado.
Como afirma Rivail Carvalho Rolim (2000: s/p.), as primeiras medidas tomadas nesse
processo de organizao da polcia poltica no Paran, foi o desligamento da Chefatura de
Polcia da Secretaria do Interior e Justia e a formulao de um cargo comissionado para o
Chefe de Polcia no mbito geral do servio funcional pblico civil do Estado, argumentando
Revista gora, Vitria, n.11, 2010, p.1-19.
que deveria existir autonomia nos servios policiais. Durante toda a dcada de 1950 sempre foi
assinalada pelos governantes a necessidade de criao de delegacias regionais. Em fins dos
anos de 1950 foram criadas duas em Ponta Grossa e mais doze Delegacias em vrios
municpios do interior do Estado. Construram-se tambm Delegacias em Bandeirantes, So
Jernimo da Serra, Porecat, Jaguapit, Cruzeiro do Oeste, Toledo, Palmas, Santo Antnio da
Platina, Palmeira, Reserva, So Jos dos Pinhais e Bocaiva do Sul.
Ao que tudo indica essa preocupao em instalar Delegacias Regionais uma resposta
organizao comunista paranaense. Desde fins dos anos de 1940 os membros do PCB tinham
construdo duas estruturas de direo intermedirias9, alm de uma estrutura estadual
centralizada e uma forte organizao nos municpios. A polcia temia as conseqncias do
forte controle poltico empenhado pelo partido, principalmente pelo carter centralizador das
clulas, a qual era a forma poltica mais utilizada entre os militantes. A organizao do PCB a
nvel nacional acontecia a partir da clula ou organismos de base , seja ela do local de
trabalho e estudo. Ainda assim, eram reforadas e na maioria das vezes atuavam na
clandestinidade, j que corriam riscos de serem abordados pela polcia. No Paran, a exemplo
de outros estados, as clulas se organizavam de acordo com reparties, como: clulas de
empresas, sindicatos, associaes, diretrios municipais, um dos dois comits distritais e por
ltimo, o Diretrio Regional. (GONALVES, 2004: 49-50).
Apesar do policiamento repressivo, ao observarmos as prticas dos comunistas e
trabalhadores urbanos e rurais, em geral, nos damos conta de que eles efetuaram uma espcie
de alargamento do espao da poltica. Resistindo a poltica de coao e tradicionalmente
instituda, politizaram as questes do cotidiano na busca de direitos igualitrios em um
momento considerado democrtico. E isso, de certa forma, foi resultado no s das prprias
aes dos trabalhadores, mas tambm de sua interao com outros agentes e principalmente a
facilidade ao acesso de organizaes esquerdistas no estado, as quais sobreviveram apesar da
poltica anticomunista praticada pelas autoridades policiais. Ambos mostraram que havia
recantos do real desconhecidos pelo discurso estabelecido e no explcitos no palco da vida
pblica. Formaram, ento, um espao pblico alm do sistema de representao poltica.
A Lei de Segurana Nacional: instrumento jurdico anticomunista.
A Lei de Segurana Nacional foi fundamentada por um conjunto de idias,
comumente denominada de Doutrina de Segurana Nacional10, responsvel por abranger,
Revista gora, Vitria, n.11, 2010, p.1-19.
teoricamente, elementos ideolgicos e de diretrizes para a infiltrao, coleta de informaes
e planejamento poltico-econmico de programas governamentais. Sua influncia foi
marcante no Exrcito brasileiro, sobretudo pela relevncia no treinamento profissional e
ideolgico dos militares, tanto aqueles de alta patente quanto os dos importantes tecnocratas
da burocracia do Estado.
Um instrumento importante para compreendermos essa associao entre Doutrina de
Segurana Nacional, Lei de Segurana Nacional e Exrcito, conhecermos a forma de agir
do aparato policial-militar. Isso porque, alm de contribuir para a expanso da doutrina a
outros centros de treinamento de civis e militares, as esferas poltico-militares, em especial, a
Escola Superior de Guerra (ESG), acrescentaram em seus ensinamentos uma viso ampla de
segurana nacional que evoluiu de uma definio parcial de segurana interna e externa
para uma viso mais abrangente da segurana nacional integrada ao desenvolvimento
econmico (ALVES, 1984, p. 34).
Os militares, no imediato ps-guerra, receavam um conflito de propores a um novo
conflito mundial entre os dois blocos de pases capitalistas e socialistas. Duvidavam da
capacidade das Naes Unidas de intervir e amenizar as relaes entre os mesmos, sobretudo
entre soberanias conflitantes. To logo, temiam a eficincia do direito internacional em
mediar possveis relaes colidentes entre os pases. Diante disso, a definio do conceito de
segurana nacional, assumiu caractersticas novas e extremamente complexas.
Curiosamente, os comunistas tambm temiam a possvel ecloso de um novo conflito.
Atentavam para as perdas humanas, caso isso viesse a acontecer, ao contrrio dos militares,
que se viam no direito de arbitrar as relaes internacionais e com isso evitar a guerra com
medidas drsticas e enrijecimento das leis repressoras. Veja um panfleto comunista no qual a
caracterstica central baseia-se em apelaes humanitrias:
Paz, SIM! Guerra, NO! So muitas as famlias paranaenses que tem seus filhos sepultados (...). Levantemo-nos contra a Terceira Guerra Mundial! Podemos e devemos ganhar a grande batalha da paz! (ARQUIVO PBLICO DO ESTADO DO PARAN DOPS/PR. Pasta 0326, caixa 038 Congresso Estadual Pr-paz).
De incio, quando do perodo da democratizao e legalizao do PCB, o clima
generalizado de aceitao de todas as correntes polticas obrigou at mesmo os militares mais
direitistas a adotar posies de cunho democrticas. At mesmo o general Dutra, to
empenhado em cassar o PCB em 1947, aderiu preleo em favor das liberdades. Em 31 de
Revista gora, Vitria, n.11, 2010, p.1-19.
dezembro de 1944, Dutra afirmou num discurso que a nao ansiava por se embriagar do
ideal de liberdade e das esperanas de um mundo onde operem a lei e a justia, e referindo-
se aos soldados brasileiros, mencionou que eles estavam vertendo o sangue e dando a vida,
no por uma ordem material, que se alcana facilmente, mas por uma ordem ntima e de
conscincia que s se obtm atravs da segurana dos instrumentos do direito.
(DICIONRIO HISTRICO-BIOGRFICO BRASILEIRO, CPDOC-FGV Disponvel em:
. Acesso em: 25 de abril de 2008).
No mbito militar, a partir de 1946 ocorreram vrias mudanas, principalmente no
Exrcito, no qual a organizao, treinamento e armamento foram ajustados ao modelo
norte-americano (MOURA, 1991: 67). Ao contrrio do que Dutra havia dito, o Exrcito
brasileiro se aproximou muito mais dos Estados Unidos e de sua influncia, muito embora
essa aproximao tenha iniciado antes de sua gesto, precisamente em 1941, quando o Brasil
passa a comprar material blico do Exrcito estadunidense, afastando-se cada vez mais do
Exrcito alemo.
J em 1942, marcando essa justaposio, firmado um acordo poltico-militar
secreto entre os dois pases. Por meio deste, forma-se duas comisses militares conjuntas,
uma localizada em Washington e outra no Rio de Janeiro, as quais tinham por objetivo
compartilhar estratgias de defesa para o Nordeste e elevar a capacitao das Foras
Armadas Brasileiras. (REZENDE, 2006: 12)
Alm do mais, a Fora Expedicionria Brasileira (FEB) contribuiu para o reatamento
dos dois exrcitos j que todo seu processo de criao se remete fundamentalmente a
iniciativa norte-americana. Isso porque o governo dos Estados Unidos via o envio das tropas
da FEB para a Segunda Guerra Mundial como mecanismo importante para aumentar a
influncia sobre as Foras Armadas Brasileiras, sobretudo no ps-guerra.
Tudo isso sustenta, grosso modo, que os militares teriam feito a unio entre a
Doutrina de Segurana Nacional e a geopoltica anterior a ela formulando, dessa forma, a
base cientfica e doutrinria necessria para legitimar a aplicao dos objetivos de um Estado
autoritrio e militarista concretizado em 1964, mas que j se criava em momento prvio, no
perodo conhecido como interregno democrtico.
bom lembrar que o anticomunismo norte-americano surgiu ainda na dcada de
1920 com o temor da Revoluo Bolchevique em seu territrio11. Somente depois de 1940
que as foras anticomunistas se voltaram para a mdia estadunidense. No Brasil no foi
diferente. mais provvel que os Estados Unidos usasse como estratgia o treinamento das
polcias estrangeiras e dentre elas a brasileira como instrumento a fim de ter para si o
Revista gora, Vitria, n.11, 2010, p.1-19.
controle dos sistemas de segurana interna dos pases favorecidos e no o de promover a
divulgao da democracia (HUGGINS, 1998: 22). Assim, no s a propaganda em geral
passou a ser cerceada. Todas as formas de expresso, as concepes e ideologias contrrias
ao regime eram punidas.
Mas, ser que podemos dizer, ento, que as Leis de Segurana Nacional, e em
particular, a Lei de Segurana Nacional de 1953, seria resultado da influncia e da poltica de
boa vizinhana norte-americana?
Cairamos no simplismo se responsabilizssemos apenas as autoridades policiais
estadunidenses na formulao da Lei de Segurana Nacional de 1953, muito embora seja
inegvel a sua influncia por interesses anticomunistas na formulao dessa lei. Como
demonstra a autora Martha Huggins (1998: 25), a partir de 1930 institui-se uma nova forma
de controle estadunidense na Amrica Latina. A ajuda passou a ser indireta j que os
Estados Unidos passaram a defender a poltica da boa vizinhana e o respeito pela
soberania dos demais pases do continente. Executando um trabalho minucioso de penetrao
quase invisvel nesses pases, a polcia poltica norte-americana firmava tratados e acordos
para troca de informaes e o pas interessado poderia pedir auxlio ao FBI para montar seu
servio secreto.
A base da polcia poltica norte-americana, em Washington, mantinha contato com o
aparato policial no Rio de Janeiro atravs da embaixada norte-americana no Brasil. E como
de praxe o tema comunismo predominava nas correspondncias, como no relatrio abaixo:
(...) O relatrio traa, e avalia os resultados das estratgias e tticas Comunistas no Brasil desde a ilegalizao do partido, em 1947. No tem as informaes recebidas de outras fontes, indicando um declnio na fora Comunista do Brasil, mas parece ser produtivo em relao ao movimento comunista Brasileiro, o qual est destinado desintegrao absoluta, e no est longe o dia em que essa ideologia extica tornar-se- o objeto de formal repdio pelos brasileiros. 12 (ARQUIVO PESSOAL DE TERESA URBAN. Departament of State Office of American Republic Affairs, American Enbassy, 18 july, 1949 (CONFIDENTIAL). n: 832.00B/7-| 849).
Esse relatrio uma transmisso elaborada pelo Departamento de Polcia do Rio de
Janeiro e trata da ilegalizao do Partido Comunista Brasileiro. Observa-se a o repdio e at
mesmo a convico de que os brasileiros possivelmente iriam sentir aps a cassao do
Partido.
No entanto, em relatrio de 8 de julho de 1951, os agentes da DOPS paranaense da
regional de Londrina demonstram que a reao no Estado no foi nada parecida ao esperado
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pela polcia poltica estadunidense h dois anos antes. Afirmam que o PCB estava
desrespeitando as ordens do Superior Tribunal Eleitoral, o qual havia retirado os direitos de
exercer atividades poltico-partidrias. Como conseqncia, tudo isso gerou uma situao
complexa, de desajustamento e incompreenso, da qual se apoderou a agitao comunista,
agravando o mal e estabelecendo, em toda essa zona, um clima de insurreio e subverso da
ordem. (ARQUIVO PBLICO DO ESTADO DO PARAN (DOPS/PR). Delegacia de
Polcia de Londrina (1941 a 1943, 1961,1976, 1978, 1981) Pasta 544d; caixa 61). Mais do que
desordem, o relatrio aponta ainda que ao invs de ser tratado com repdio como esperado
pelo aparato policial norte-americano no documento de 1949 , os comunistas aproveitaram a
situao do cancelamento do partido, para se auto-pronunciarem como vtimas da oposio:
No apenas em todo o Pas, mas em todo o mundo, a propaganda comunista se distingue pela mentira e pelo embuste. No Brasil, especialmente depois que lhe cassaram uma legalidade conferida por distrao do Superior Tribunal Eleitoral, serve-se o Partido Comunista de uma srie de rtulos, cada qual mais inocente, convergindo todos para a dupla finalidade de iludir os incautos e mascarar suas atividades subversivas, proibidas por lei. (...). (ARQUIVO PBLICO DO ESTADO DO PARAN (DOPS/PR). Delegacia de Polcia de Londrina (1941 a 1943, 1961,1976, 1978, 1981) Pasta 544d; caixa 61).
No prprio relatrio preparado pela Diviso de Poltica e pela Polcia Especial do
Departamento de Polcia do Rio de Janeiro houve reao anticomunista ao transmitirem o
comportamento do PCB mediante sua proscrio. O partido, em resposta ao cancelamento de
sua legenda poltica adota uma postura mais agressiva, oculta durante os tempos de
democratizao e que resultou no Manifesto de 1948:
Imediatamente aps o fechamento do Partido, seus membros e diretores se viram em um tal estado de apreenso pela nova lei e pela severa represso da polcia poltica que eles foram forados a procedimentos cautelosos. Agindo sob instrues contidas em um manifesto de seu lder, LUIZ CARLOS PRESTES, nos ltimos trs meses de 1948, agitadores comunistas comearam a operar em aberto. Abandonaram a posio pacifista que supostamente tinham tomado anteriormente, e se tornaram agressivos, ousados e ameaadores.13 (ARQUIVO PESSOAL DE TERESA URBAN. Departament of State Office of American Republic Affairs, American Enbassy, 18 july, 1949 (CONFIDENTIAL). n: 832.00B/7-| 849).
Presses e influncia direta dos Estados Unidos tambm contriburam para a
ilegalizao do PCB. A perspectiva era que a interferncia no s no Brasil como nos outros
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pases da Amrica Latina garantisse os interesses estadunidenses atravs da segurana
interna do pas onde as foras armadas fossem fracas e envolvidas demais na poltica, ou at
mesmo inexistentes; os norte-americanos criaram foras policiais cuja primeira lealdade seria
para com os Estados Unidos (HUGGINS, 1998: 31). Na dcada de 1930 a ajuda Amrica
Latina passou a ser indireta, j que os Estados Unidos se ps em defesa poltica de boa
vizinhana, respeitando a soberania dos demais pases da Amrica. Desde ento as formas de
penetrao se tornaram praticamente invisveis.
Esta forma de influncia, a qual Huggins, chama de internacionalizao pela porta
dos fundos, foi muito praticada durante o perodo de Getlio Vargas. A colaborao entre a
polcia poltica brasileira e a embaixada americana no embate ao comunismo era tamanha que
a Dops do Rio de Janeiro permitia o acesso a documentos que negava inclusive ao Ministrio
das Relaes Exteriores (HUGGINS, 1998: 54). Esse intercmbio, feito principalmente pelos
agentes do Federal Bureau of Investigation (FBI) contribuiu para organizar e centralizar as
foras policiais na Amrica Latina j no momento anterior Segunda Guerra Mundial,
sobretudo no Brasil.
E foi por meio dessa interferncia que, como nos Estados Unidos, a sociedade
brasileira e a exemplo disso, tambm a paranaense , principalmente as elites e classes
mdias dos tempos de Guerra Fria, estiveram marcadas por uma forte e organizada presena
do anticomunismo. Como conseqncia da perspectiva de desenvolvimento defendida para o
anseio de determinados grupos sociais, entre eles a esfera institucional da polcia poltica, o
anticomunismo veio impedir a expanso dos direitos democrticos para os demais campos da
sociedade, agravando o quadro de contradies e desigualdades sociais presentes na mesma.
A represso as constantes tenses registradas no norte do Paran, como a Revolta de Porecatu
e a movimentao por uma luta poltica cotidiana nas cidades, comprovam a atitude
anticomunista herdada por grupos ou instituies no Estado e, principalmente, a intensidade
de tal combate e a forma como ele funcionava.
Por isso, podemos considerar o anticomunismo, presente nas esferas governamentais e
expandidos para a populao de modo geral, como uma herana estadunidense, visto que o
comunismo antes de ser concebido como inimigo nmero um da nao era oponente mortal
dos Estados Unidos. Nesse sentido, para os norte-americanos a nica via de se obter
progressos na luta contra o comunismo era modernizar, internacionalizar e coordenar de
maneira centralizada o planejamento e as operaes dos servios norte-americanos de
inteligncia. (HUGGINS, 1998: 83). A soluo seria, portanto, treinar as polcias latino-
americanas a fim de que tivessem esse mesmo objetivo. Assim, alm de serem convencidos
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do perigo eminente, os governos latino-americanos deveriam ser persuadidos da hiptese de
que somente o reforo da segurana interna propiciaria o desenvolvimento econmico do pas.
Adotando essa postura, a polcia poltica brasileira, em particular a paranaense, tomaram
como misso impedir a manifestao de opositores, com destaque ao monitoramento e
represso as insurreies e aos comunistas.
Partindo da tentativa em compreender o comportamento poltico da polcia poltica
paranaense entre os anos de 1945-1953, procuramos demonstrar que o aparato policial do
Paran se identificou com os projetos polticos a nvel nacional e mundial reagindo de forma
repressiva principalmente contra os comunistas, taxados como inimigos da ordem. Isso no
ocorreu em funo de alguma presena de violncia social que ameaasse os planos polticos,
mas porque foi partilhada de valores, atitudes e crenas de um imaginrio anticomunista,
construo essa que precede a tentativa de tomada do poder, feita pelos comunistas em
novembro de 1935.
Dessa forma, o PCB, em oposio s autoridades policiais, exerce o papel de
mediao poltica procurando interpor s necessidades da sociedade at elas serem
atendidas na esfera pblica. no espao entre o problema e o discurso que se situa a
mediao poltica, e esta obra das foras polticas, que tm como uma de suas funes
primordiais precisamente articular, na linguagem que lhes prpria, as necessidades e ou as
aspiraes mais ou menos confusas das populaes (BERSTEIN, 1996: 61).
Ainda hoje, podemos notar que os partidos tentam exercer essa mediao poltica. Da
mesma forma, percebemos atualmente a tenacidade dos modelos autoritrios de polcia e,
como conseqncia, do isolamento dessa instituio para com a sociedade. questo de se
pensar a violncia policial na ordem do dia e se essa represso no tem heranas, ligaes ou
persistncia nas prticas abusivas constantemente exercitadas pelas autoridades policiais em
fins da dcada de 1940 e incio dos anos de 1950. As leis de segurana nacional nos ltimos
anos tm acentuado seu carter totalitrio e antidemocrtico, ratificando o fato de que a justia
militar se transforma num poder repressivo terrvel que trabalha contra a democratizao do
pas. Vivemos agora novos tempos. H hoje, conscincia nacional da necessidade urgente de
reformulao do aparato poltico e policial, os quais devem ser submetidos s exigncias
fundamentais da defesa do Estado num regime de liberdade.
Notas finais: * Universidade Estadual de Maring (UEM). Mestre em Histria. Linha de pesquisa: Poltica e Movimentos Sociais (UEM). E-mail: [email protected].
Revista gora, Vitria, n.11, 2010, p.1-19.
* Universidade Estadual de Maring (UEM). Doutor em Histria (UNESP). Professor associado do Departamento de Histria/UEM. E-mail: [email protected]. 1 De 1922 a 1960, o nome correto era Partido Comunista do Brasil, cuja sigla era PCB. No entanto, em fins da dcada de 1940 a oposio alega que o nome Partido Comunista do Brasil sugeria uma extenso do Partido Comunista Internacional (comandado pela Unio Sovitica) no pas. Nesse sentido, acreditava-se que o partido no defendia os interesses brasileiros, mas os interesses internacionais. Em 1960, o PCB, buscando retornar legalidade, muda o nome para Partido Comunista Brasileiro e a sigla continua a mesma. Nesse mesmo ano, dividiu-se em duas alas: a dos reformistas, que pretendiam mudar o nome para Partido Comunista Brasileiro, visando a obteno de uma situao eleitoral legal e convencer o Tribunal Superior Eleitoral de que o partido era verdadeiramente nacionalista por natureza e no um instrumento da Unio Sovitica, como havia afirmado o Tribunal em 1947, quando da proscrio do PCB; e a ala dos revolucionrios, que queriam manter a radicalizao implantada no Partido desde o Manifesto de Agosto de 1950. A partir da ciso do PCB, foi criado em 1962 um novo partido, denominado, nesse momento em diante, de Partido Comunista do Brasil. Portanto, a partir de 1962 teremos dois partidos comunistas: o tradicional e objeto de nossa anlise, que passou a se chamar Partido Comunista Brasileiro (PCB) e outro, o Partido Comunista do Brasil (PcdoB), criado em 1962 e fruto da ciso de 1960. 2 A qual garantia a liberdade de manifestao do pensamento, de conscincia e crena e de defesa mediante qualquer acusao. 3 Lgica da suspeio: todos os indivduos estavam sujeitos subverso e era papel da DOPS investigar e fichar os suspeitos de praticar a perturbao da ordem pblica. 4 A industrializao por substituio de importaes foi particularmente importante entre o incio da dcada de 1930 e fim dos anos de 1970 no Brasil. Na prtica, esse sistema procura estimular o crescimento da produo industrial com a expanso da demanda interna, ao mesmo tempo em que prope uma reduo do coeficiente de importaes da indstria. Sobre esse tema, consultar: SIMONSEN, Mario Henrique; CAMPOS, Roberto de Oliveira. A nova economia brasileira. Rio de Janeiro. Biblioteca do exrcito - J. Olympio, 1975. Outro trabalho relevante para compreender a importncia dessa temtica no contexto aqui proposto : FISHLOW, Albert. Origens e conseqncias da substituio de importaes no Brasil. In: VERSIANI, Flvio Rabelo; BARROS, Jos Roberto Mendona de (orgs.). Formao econmica do Brasil: a experincia de industrializao. So Paulo: Saraiva, 1977, p. 7- 40. 5 A decadncia da agricultura cafeeira provocada, principalmente, pela quebra da Bolsa de Nova York em consonncia com as mudanas geradas pela Revoluo de 1930 modificou os rumos da poltica econmica, que passou a buscar uma fundamentao nacionalista e industrial. Logo que assume o governo, Getlio Vargas anuncia a implantao de indstria de base, a fim de que produzissem as matrias-primas e as mquinas a serem utilizadas no processo industrial. Com essa medida, o governo pretendia reduzir a importao do pas e, consequentemente, estimular a produo nacional de bens de consumo. Vargas investiu firmemente na infra-estrutura industrial de base e energia, criando rgos como Conselho Nacional do Petrleo (1938), Companhia Siderrgica Nacional (1941), Companhia Vale do Rio Doce (1943) e a Companhia Hidreltrica do So Francisco (1945). Sobre a histria da indstria brasileira, consultar: SUSIGAN, Wilson. Indstria brasileira: origem e desenvolvimento. So Paulo: Brasiliense, 1986. 6 ngela de Castro Gomes (1988) trabalha essa questo afirmando que o caminho da cidadania no Brasil perpassa pela questo dos direitos sociais e pela luta para a expanso da participao poltica, que deve envolver a classe trabalhadora e os vnculos que ela estabelece com o Estado. 7 Uma anlise sobre a atuao de comunistas na regio de Curitiba pode ser encontrada no trabalho: GONALVES, Mrcio Mauri Kieller. Elite vermelha: um perfil scio-econmico dos dirigentes estaduais do Partido Comunista Brasileiro no Paran (1945-1964). Dissertao (Mestrado em Sociologia). Departamento de Cincias Sociais, Universidade Federal do Paran, Curitiba, 2004. 8 Para maiores informaes, consultar o artigo: ROLIM, Rivail Carvalho. A reorganizao da polcia no Estado do Paran nos anos 1950. Revista de Histria Regional, vol. 5 n 1 vero 2000.
Revista gora, Vitria, n.11, 2010, p.1-19.
9 Essas estruturas intermedirias localizadas eram o CD1 e o CD2. A primeira era responsvel pelas atividades comunistas no norte do Estado, especificamente em Londrina, e a outra, para o sul do Estado, em Curitiba. 10 Maria Helena Moreira Alves (1984, p. 33) afirma que as origens da Doutrina de Segurana Nacional na Amrica Latina, e mais especificamente no Brasil, remontam ao sculo XIX e so caracterizadas por teorias antimarxistas e at tendncias conservadoras do pensamento social catlico. Essa teoria consolida a legislao que garante a autoridade militar e governamental, fazendo com que os direitos fundamentais fiquem a merc do sistema. O que vale a vigilncia do possvel inimigo, que muda conforme a conjuntura. No momento aqui especificado (1945-1953), o alvo a ser combatido , principalmente, o comunismo. 11 Ver: CHOMSKY, Noam. Novas e velhas ordens mundiais. So Paulo: Scritta, 1996 e BURLINGAME, Roger. A sexta coluna. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1964. 12 (...) The report outlines, and appraises the results of, Communist strategy and tactics in Brazil since the illegalization of the party, in 1947. It bears out information received from other sources, indicating a decline in Communist strength in Brazil, but appears to be highly optimistic in its prodiction that the Brazillian Communist movement is destined for the most absolute disintegration, and the day is not far off when that exotic ideology will become the object of the most formal repudlation by the Brazilian people. 13 Immediately after the closing of the Party, its members and directors were thrown in to such a state of aprehension by the new law and by the severe repression from the Political Police that they were forced to proced cautiously, Acting upon instructions contained in a manifesto from their leader, LUIZ CARLOS PRESTES, in the last three months of 1948, Communist agitators began to operate in the open. Abandoning the supposedly pacifist stand they had previously taken, they became agressive, and boldly threatening. This ohange in policy, wich reached its clmax in december, 1948.
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