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APOSTILA Primeira Edição - Setembro/Outubro de 2012 Realização: CAFÉ ponto TUR

1º ponto CAFÉ TUR - ufjf.br · Para os primeiros, a liberdade e a alterida-de se encontram no fluxo, em um ... em que um filme era ... uma última provação inspirada em grandes

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APOSTILAPrimeira Edição - Setembro/Outubro de 2012

Realização:

CAFÉpontoTUR

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Equipe organizadora:Prof. Msc. Humberto Fois-Braga (Departamento Turismo – UFJF)

Lucas Gamonal Barra de Almeida (Discente do Curso de Turismo e bolsista do GET-Turismo)

Thomas Gomes Sant’Ana de Castro (Discente do Curso de Turismo e bolsista do GET-Turismo)

Design e Produção Gráfica:Tainah Curcio

Referência bibliográfica para citação:PENAVIA - NÚCLEO DE ESTUDO E PRÁTICA EM PERFORMANCE E NARRATIVAS DE VIA-GENS. I CAFÉpontoTUR - Circuito de Cinema Temático: Mochileiros e Intercambistas. Universidade Federal de Juiz de Fora, MG: Departamento de Turismo, 2012. 47p. (Apostila).

www.ufjf.br/[email protected]

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Mochileiros e Intercambistas: heróis em uma narrativa contemporânea de viagem?

Viajar, viajar... cada um de nós tem seu estilo e seus destinos preferidos. Porém, certos estilos são mais almejados do que outros, sendo romantizados e alavancados à categoria de “performances sonhadas e desejadas para a próxima viagem”. E dentre estas categorias de viajantes estilizados, temos aqueles interpretados como arquétipos do contra--fluxo de uma sociedade imediatista e de consumo em massa. A estes viajantes, expoentes de uma socie-dade que se quer multicultural e harmônica, termos como “liberdade”, “vivência cultural” e “experiências de vida” colam-se a eles, alçando-os a um patamar de inspiração, capaz de ditar padrões comportamentais.

Nesta sociedade às vezes sedenta por escapar com classe de suas rotinas entediantes, temos duas catego-rias de viajantes que reivindicam para si este estilo-outro: os mochileiros e os intercambistas.

Aos mochileiros, a estrada. Já para os intercambistas, o destino. Para os primeiros, a liberdade e a alterida-de se encontram no fluxo, em um eterno ir; para os segundos, o outro está presente no sedentarismo que vem após a estrada. Em seus deslocamentos e estadias, estes dois personagens do turismo constroem um discurso antagônico ao turismo de massa, colocando-se ao lado do local visitando. Sugerem para si um olhar de dentro.

Por sua vez, determinados produtos culturais – como os filmes – que abordam o universo destes mochi-leiros e intercambistas, constroem discursos que muitas das vezes reforçam certos rituais de viagem: ao mesmo tempo em que é fuga do cotidiano e busca de uma vida-outra, a viagem se torna uma inquietação em que o viajante que parte não é o mesmo que retorna (quando retorna!).Sendo assim, o “I CAFÉpon-toTUR – Circuito de Cinema Temático: Mochileiros e Intercambistas” buscou refletir sobre a seguinte questão: “como os filmes representam as performances de viagem dos mochileiros e intercambistas?”. Em outras palavras: “como o cinema constrói um enredo sobre o ‘ritual da viagem’ para estes tipos de viajantes contemporâneos?”

Os filmes escolhidos para o debate foram: “Na Natureza Selvagem”; “Diários de Motocicleta”; “Albergue Espanhol” e “Bonecas Russas”. Se os dois primeiros aproximam-se de uma discussão sobre os mochilei-

Introdução

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Humberto Fois-BragaProf. Departamento de Turismo da UFJF

Coordenador do Núcleo de Estudo e Prática em Performance nas Narrativas de Viagenswww.ufjf.br/penavia

[email protected]

ros, os dois últimos (mais especificamente o Albergue Espanhol) se posicionam dentro do contexto das viagens de intercâmbio.

Para responder a esta questão, ao longo de um mês (todas as quartas-feiras à tarde), alunos de diversos cursos da Universidade Federal de Juiz de Fora participaram do encontro, em que um filme era exibido e, posteriormente, professores e alunos-pesquisadores do tema compunham uma mesa para debater a temá-tica expressa na narrativa cinematográfica. O intuito do evento realizado foi gerar um ambiente informal, ainda que acadêmico, que incentivasse o diálogo e as trocas de percepções.

As intervenções dos participantes, gravadas e transcritas, encontram-se neste material que estamos dispo-nibilizando gratuitamente. O intuito é de propagar o conhecimento construído, ao mesmo tempo em que proporciona uma continuação da discussão, agora em outras plataformas. Enquanto evento anual, outras temáticas sobre o universo da viagem serão percebidas e discutidas nas próximas edições do CAFÉpontoTUR. Por ora, esperamos que todos os interessados possam aproveitar a leitura para se posicionarem vis-à-vis à temática e, quem sabe, repensar certos hábitos de viagem.

Juiz de Fora, 11 de julho de 2012

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Sinopse

Em 1990, com 22 anos e recém--formado, Christopher McCan-dless, ao terminar a faculdade, doa todo o seu dinheiro a uma instituição de caridade, muda de nome (passa a se autodeno-minar Alexander Supertramp) e parte em busca de uma experi-ência genuína capaz de transcen-der o materialismo do cotidiano. Abandona, assim, a próspera casa paterna e, sem que ninguém sai-ba, mete-se à estrada. Deambula por uma boa parte da América do Norte pegando carona na boleia de caminhões, a pé, ou até mes-mo de canoa, arranjando empre-gos temporários sempre que o dinheiro lhe falta, mas nunca se fixando muito tempo no mesmo local. Desconfiado das relações humanas e influenciado pelas suas leituras, que incluem Tols-toi e Thoreau, anseia por chegar ao Alasca, onde poderá ficar lon-ge do homem e em comunhão com a natureza selvagem e pura. O que lhe acontece durante este percurso transforma o jovem num símbolo de resistência para inúmeras pessoas. Christopher dá igualmente início a uma aven-tura que mais tarde viria a encher as páginas dos jornais ao terminar com a sua morte no Alasca.

Ficha Técnica

Título original: Into the WildDiretor: Sean Penn

Elenco: Emile Hirsch, Marcia Gay Harden, William Hurt, Jena Malone, Brian Dierker, Catherine Keener, Vince Vaughn,

Kristen Stewart, Hal Holbrook, Dan Burch e Joe Dustin.Gênero: Drama - Baseado em livro homônimo.

Duração: 140 min.Lançamento: 2007 (EUA)

1. NA NATUREZA SELVAGEM

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Gotham Awards: Melhor filme.Palm Springs International Film Festival:Melhor ator (Emile Hirsch).Melhor diretor (Sean Penn).Mill Valley Film Festival e National Board of Review: Melhor ator (Emile Hirsch).Oscar 2008: Melhor ator coadjuvante (Hal Holbrook).

Foi indicado para outras 40 premiações nacionais e internacionais e considerado pela crítica de cine-ma, de uma maneira geral, como o melhor filme (atuação e direção), do ano de 2007.

Para filmar as cenas no Alasca, o ator de apenas 22 anos chegou a perder 15 quilos, atingindo o peso de 52 Kg.

Sean Penn buscou uma oportunidade para obter os direitos de filmagem da história durante muito tempo. Foram 10 anos de espera até a família MacCandless se sentir preparada para reviver aquele período em suas vidas.

A família McCandless decidiu lançar um livro, acompanhado de um DVD, com todo o diário e as principais fotos da vida do filho. O dinheiro arrecadado com a obra, que ganhou o título de Back to the Wild, está sendo todo revertido para a Fundação Christopher Johnson McCandless, que ajuda crianças carentes em várias partes do mundo.

PRÊMIOS

CURIOSIDADES

Jornal O Globo

A jornada de McCandless acaba no Alasca, uma última provação inspirada em grandes escritores, especialmente Leon Tolstói, Henry David Thoreau e Jack London, que enfrentaram a natureza e as pressões da alma. O “New York Times” considerou McCandless uma espécie de alter-ego de Penn.Sean: Mas ele é uma espécie de alter-ego de muita gente - rebateu o diretor, em meio a baforadas de cigarros, que ajudam a aumentar as marcas de seus 47 anos no rosto. - McCandless me fascinou. O rito de passagem que escolheu para si me tocou muito. Por isso foi importante eu ir a todos os luga-res reais e absorvê-los. (O GLOBO ONLINE, janeiro de 2008):

Movies Online

Você acha que Chris no filme (personagem de Emile) é admirável, de dar pena, trágico, heróico? Kristen: “Eu acho que ele se torna um monte de coisas diferentes. Eu falo com um monte de pessoas que leram o livro que estão simplesmente super frustradas ou ainda as pessoas que realmente sen-tem uma conexão forte com ele e podiam se identificar com isso o que o influenciou a fazer o que ele fez, mas, ultimamente, eles estão frustrados com as decisões que ele fez, com o que ele poderia ter feito diferentemente. O que eu gosto do filme é que vem em um ciclo completo. No final, o que o influenciou no início não é o que ele necessariamente concorda no final. Ele é corajoso, mas não apenas corajoso. Isso realmente diz algo sobre a forma que ele foi educado. Eu pude me identificar com ele em níveis tão diferentes. Eu apenas não sei se eu seria levada a fazer algo tão radical quanto o que ele fez”. (MOVIES ONLINE, agosto de 2007).

O QUE FOI DITO

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Exibição: 14 de setembro de 2011

Comentarista 01: Prof. Msc. Humberto Fois-Braga (Departamento Turismo – UFJF)Comentarista 02: Prof. PhD. Euler David de Siqueira (Departamento de Turismo – UFJF)

Mediador: Thomas Gomes (Discente do Curso de Turismo – UFJF)

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Eu acho que o que mais nos surpreende “Na natureza selvagem” é, na realidade, o final. A gente não co-meça o filme achando que ele vai morrer - a verdade é esta. E por isto julgo que é o final que dá sentido ao filme. Logo, temos que nos colocar algumas questões, como: Por que Chris resolve empreender esta viagem? Por que ele morre? Qual o significado desta morte no contexto do filme?

A partida é muito clara. Ele parte, na verdade, porque não consegue perdoar a família, passando o perdão a fazer parte de toda a narrativa. Então, como não consegue perdoar, acaba fugindo e ao longo do caminho vai contando porque quer viajar: ele quer sair da sociedade, não quer mais fazer parte disto. Ele quer largar todas as coisas, não quer ter e nem acumular. Na verdade, ele não quer comprar. O que Chris deseja, de certa forma, é ganhar coisas. São estas coisas que ganha ao longo da viagem que conta pra ele, e que lhe serão úteis no Alasca.

Então, Supertramp está fugindo da sociedade que o sufoca, está fugindo da família. Como se fosse possível esta fuga! E, nessa viagem, ele contará, o tempo inteiro, com a ajuda de outras pessoas que vai encontran-do ao longo do caminho. Estas pessoas se relacionam com Chris a partir daquilo que podemos denominar como sendo “dádivas da estrada”: é muito interessante como cada uma destas pessoas que passa por ele lhe faz algum tipo de contribuição, de doação.

Na verdade, Chris supre uma ausência na vida destas pessoas - ele é o filho pra uma, o neto pro outro. Ele é alguém que se posiciona como representante da falta ao longo do caminho - a contribuição dele na vida dos outros, enquanto andarilho, é a de preencher um vazio, mas ao mesmo tempo perturbar, fazendo com que tais pessoas se desloquem ao menos um pouco daquele seu estado de letargia, de passividade cotidia-na. Quando Chris fala com o senhor “levante sua bunda daí”, temos uma passagem / frase bastante meta-fórica de como ele vai perturbar positivamente a vida destes sujeitos de “beira de estrada”, conferindo-lhes um movimento sob a inércia em que se encontram.

Por outro lado, é interessante também porque a preparação pra viagem dele ocorre ao longo da própria viagem. Percebemos que todos os presentes que ele ganha ao longo da viagem, as chamadas dádivas da estrada, serão utilizados posteriormente em sua estadia no “ônibus mágico”. Então, temos tais dádivas de trânsito: a touca, o conhecimento de como matar um alce, os equipamentos de caça, a bota, o cinto que ele mesmo faz.

E vamos percebendo que no momento de despedida daquelas pessoas que ele encontra ao longo do ca-minho, há sempre uma promessa de reencontro que fica em suspenso: é a menina que ele pode vir a na-morar, a adoção que, quem sabe, pode acontecer. Nessa suspensão, fica implícita a possibilidade de um reencontro, mas este retorno não se concretiza. É uma viagem só de ida.

Percebemos que enquanto relato de mochileiros, há todas estas relações de estrada. Relações que ele vai construindo para que, no final, o personagem chegue à conclusão de que não há muito sentido viajar a procura de si (fugindo da sociedade) se não tivermos contanto com as pessoas - só se é feliz também den-tro e a partir de um aparato social. Porém, quando Chris adquire tal consciência, e decide empreender o caminho de volta para casa, para concretizar estas promessas de reencontro, ele já não consegue mais - a natureza selvagem, e por isto imprevisível, do Alasca o aprisiona.

ANÁLISES REALIZADAS PELOS COMENTARISTAS DA SESSÃO:

Comentarista 01: Prof. Msc. Humberto Fois-Braga (Depto de Turismo – UFJF)

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Também temos que no perguntar: por que o Alasca? Creio que quando Chris idealiza o Alasca como pa-raíso a ser alcançado, há muito de um certo imaginário selvagem envolvido nesta escolha - é a ideia de uma parcela territorial estadunidense ainda não devastada, que comporta determinada pureza que a sociedade de consumo ainda não conseguiu totalmente cooptar. Sendo assim, é lá que ele poderia se encontrar com seu “verdadeiro eu”, nesta visão de que a felicidade está sempre geograficamente distante e próxima da natureza pura e não violada pelo homem.

Podemos, aqui, aproveitar para realizar uma análise sobre a alegoria da água que aparece no filme, espe-cificamente no momento de banho e travessia do rio. Mas qual o sentido de tanta água? A água tem todo um significado de batismo, de renascimento e de pureza. Mas, no entanto, é esta água que vai impedi-lo de retornar pros seus parentes e amigos. Além disso, temos outro ponto que dialoga com a questão da água. Não fica muito claro em qual estação se passa a história, mas fica subentendido que o desfecho ocorre na primavera, por causa do desgelo que enche os rios. E é interessante, porque ele morre na época do renas-cimento, o que não deixa de significar uma nova vida - a do perdão e da consciência de suas descobertas.

Voltando à questão inicial dessa discussão, ou seja, ao discurso do perdão, é interessante observar que, no fi-nal, ele perdoa; e, assim, ele volta metaforicamente pra casa. A viagem o faz perdoar o cotidiano que o tanto atordoava no início de sua saga ao Alasca. Creio que essa passagem fica clara, metaforicamente, no cinto que ele usa: o cinto que ele mesmo confeccionou e de-corou contém toda a história de sua vida, representada por desenhos. Quando, no final, Chris vai emagrecen-do e apertando o cinto, é como se ele estivesse voltando pro primeiro furo, pra origem de tudo. Neste sentido, o cinto é uma alegoria da volta pro lar. E, pra reforçar tudo isto, quando ele está delirando pra morrer, ainda tem as imagens que o mostra retornando para os bra-ços de seus pais e sendo bem acolhido, em uma clássica referência ao retorno do filho pródigo.

Enfim, acho que o filme é uma metáfora da vida: como que os desconhecidos ao longo da estrada vão contri-buindo para a construção do nosso lugar no mundo. Assim, vamos nos descobrindo nos outros. O filme narra a ida do filho pródigo, suas experiências de exílio. Porém, a volta deste filho é somente no campo do de-lírio e das alegorias.

O verdadeiro cinto que Chrisconfeccionou ao longo de sua viagem até o Alasca.

Uma observação importante que também aparece no final: ele diz que só é possível ser feliz no meio das coisas verdadeiras. É neste momento que ele abandona o seu apelido - Supertramp - e passa a adotar, a assinar, o seu nome de batismo: Christopher McCandless. É a sua forma de dizer que alcançou a plenitude do real, chegou à essência do seu ser.

Podemos perceber como a história é contada pela angústia de “quem ficou”. Este filme, assim como o “Diários de Motocicleta”, é baseado nos diários que ele deixou. Mas, o que é interessante neste filme é a estética narrativa, que tenta colocar em cena como aquela família, pessoas que perderam contato com este “deslocado”, se sentem.

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.Leed, em seu livro “A mente do viajante” (sem tradução para o português), diz como toda viagem se asse-melha, para aqueles que ficam (que de certa forma são “deixados para atrás”), ao ritual da morte, já que há a angústia da separação de um corpo social, o que é exatamente o que ocorre com Chris. E, para quem fica, isto é muito dolorido.

Aliás, a irmã que narra o filme diz exatamente isto: que os pais passaram pela angústia, pelo desespero, até chegarem à dor. Enfim, uma discussão do que acontece em casa quando ocorre a angústia das viagens alheias - é um processo dolorido de aceitação da partida alheia, que é pouco apresentado nos filmes de road movies. E, enquanto road movie, vemos que o personagem apresenta um motivo declarado para partir (a vontade de fugir da sociedade), que vai ser desfeito ao longo do trajeto, fazendo com que ele descubra o motivo real da partida (neste caso, perdoar os pais e perceber que só se é feliz em relação com os outros).

Enfim, o filme é uma metáfora da viagem enquanto transformação de si. E como ocorre esta transformação? A partir das pessoas que ele vai encontrando aleatoriamente pelo caminho, no estilo de viagem mochileiro: carona e acolhida de pessoas que, até então, ele desconhecia. E cada uma destas pessoas, ao doar e receber algo de Chris gera laços sociais e promessas de reencontro.

Comentarista 02: Professor PhD. Euler David de Siqueira (Depto. de Turismo – UFJF)

Pensando o filme de um ponto de vista sociológico e antropológico, o ponto que mais me chamou a aten-ção foi o final do filme: a morte do personagem principal. Não tenho dúvidas de que todo mundo, de certa forma, se transporta para o personagem, coloca-se no lugar dele e se pergunta: o que tudo isto significa? Porque, em um primeiro momento, tudo isto parece um absurdo: um jovem, com carreira brilhante, joga tudo pela janela e vai embora. Como podemos dar sentido a uma tragédia? Então, indagamo-nos esta questão: qual o significado desta morte? Ela nos faz pensar em quê?

Claro, que é o final do filme que me faz pensar nas outras cenas que, de alguma forma, se repetem - ao longo dos capítulos que vamos vendo, nós temos um tipo de recorrência de uma mesma narrativa, que quer ser construída e transmitida. Obviamente, depende das pessoas que estão assistindo ir interpretando estas imagens, mas se formos ler algumas destas cenas em uma perspectiva estruturalista, vamos ver uma mesma mensagem, que é uma relação de rompimento que é recorrente ao longo do tempo.

Do ponto de vista sociológico, nós nos interessamos por estas relações conflituosas que se instauram entre sujeito e sociedade, entre indivíduo e coletividade. Estas relações são tensas porque envolvem uma possibilidade da integração e do pertencimento, mas também do rompimento e da separação. E isto apa-rece ao longo de todo o filme - Chris estabelece inúmeras relações ao longo de sua trajetória, do seu ca-minhar. Todavia, estas relações são efêmeras: não duram no tempo. Ele está sempre a criar uma barreira, uma fronteira nestas relações - fronteiras estas que ele nunca chega a desafiar e a ultrapassar, justamente porque ele está fazendo uma viagem de afastamento e de rompimento com a sociedade, e no caso a famí-lia dele representa este tipo primeiro de sociedade. De certa maneira, ele busca um rompimento máximo com a sociedade, que seria a sua integração com a natureza. Mas, justamente aí, pra encontrar uma respos-ta, pra encontrar um sentido para aquilo que ele não consegue compreender em um primeiro momento, que é este conjunto de relações que foram postas pra ele e que desencadearam sua saída, ele realiza seu afastamento do ciclo familiar.

Então, Chris busca na natureza um tipo de relação, mas que ao mesmo tempo aponta para o seu eu inte-rior. Para ele, a sociedade é marcada pela artificialidade, pela não veracidade

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E a gente vê isto ao longo do filme, de uma maneira sincrônica - não é o sentido da linearidade do tempo narrativo que nos passa este tipo de mensagem, mas a sobreposição e recorrência cíclica deste tipo de re-lação em que ele se encontra inserido em um grupo e, em seguida, rompe com este.

Por exemplo, no momento em que ele encontra com o casal de hippies, que também vivenciaram uma perda do filho - o que reforça este tipo de mensagem. Depois, ele encontra novamente com o casal de hip-pies, quando surge a garota - neste momento, alguns podem ter se colocado a questão: na hora que surge a oportunidade de uma relação sexual, ele não a concretiza. Mas, de fato, é esta mensagem do não querer se integrar sendo novamente posta para nós, agora a partir de outro tipo de relação. De alguma forma, ele evita a todos. Em seguida, quando ele encontra com o senhor solitário, que também se separou de sua sociedade, de seu ciclo familiar (ele perdeu sua esposa e família) - de alguma forma, Chris representa, para o senhor que o acolhe, esta perda. Nestas relações de rompimento, percebemos que Chris se torna um presente: a sua presença supre para aqueles que lhe acolhem a ausência da pessoa querida que não se encontra mais lá.

Finalmente, ao chegar ao Alasca, ele se encontra no meio da natureza, relacionando-se intensamente com ela. E aí é interessante pensar que, na verdade, ele nunca sai da sociedade. Apesar de estar no meio da natureza, ele nunca rompe com a sociedade, porque ele precisa da cultura, da linguagem, da técnica e da tecnologia para se relacionar com esta natureza. E quando esta tecnologia falha, ele se vê em maus lençóis - ele não interpretou corretamente estas informações do livro, e acabou se alimentando de uma planta venenosa que será decisiva para o desfecho final. E é só no final que ele compreende que as experiências devem ser compartilhadas - que o indivíduo, só no mundo, perde seu sentido. Qual o significado da vida se não for a partilha e a construção conjunta das experiências? Na morte, Chris compreende e renasce, para talvez, em algum outro momento, unir-se a seus familiares.

Mediador: Thomas Gomes (discente do Curso de Turismo – UFJF)

Fazendo algumas amarrações finais, esta questão que o professor Euler falou sobre a fuga de Chris, que quer encontrar o seu eu, largando a sua vida urbana e civilizada, fica bem representada quando ele queima as notas de dólares, passando uma ideia de independência plena. Só que é uma grande hipocrisia, porque quando ele chega à natureza - nua, crua e selvagem - ele acaba se abrigando onde? Logo em um ônibus que é um grande símbolo da vida urbana - um ônibus que, enquanto espaço da coletividade, representa a própria vivência e comunhão social que ele tanto buscava largar para trás com a sua fuga.

Outra questão é sobre a crueldade que ele aponta como um dos fatores que o impulsiona a agir contra aquela sociedade que o oprime. Em uma passagem do filme, ele comenta que não aguenta mais ver as pessoas sendo cruéis uma com as outras. Todavia, não estaria ele sendo cruel, privando sua família de notícias, fugindo sem deixar rastros?E outro ponto é sobre as dádivas que encontra ao longo do caminho - sejam elas materiais ou imateriais. Ele quase sempre as retribui, mesmo que não seja de forma material, apenas a partir de diálogos com seus anfitriões, às vezes, apenas com o olhar, rompendo com uma ideia de que as dádivas são estritamente materiais.

E, por fim, esta busca tão intensa que Chris assume com seus gestos, atitudes e palavras ao longo do filme, nos faz pensar: ele teria tomado esta atitude de viajar, de largar tudo, se não tivesse uma relação tão confli-tuosa dentro de casa? Esta vontade de fugir partiu dele ou foi gerada pelos problemas familiares? Cada um possui uma motivação singular em relação às viagens, daí o não esgotamento dos temas que falam sobre as mesmas, pois todos buscam um novo diferente, um novo desafiador.

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CONTRIBUIÇÕES E APONTAMENTOS DA PLATEIA:

PlateiaQuando o comentarista Euler disse que Chris não quis se envolver mais profundamente com a me-nina, não me parece somente um medo de se envolver. Creio que tem a ver com os princípios dele.Para mim, o viajante é um ser que não se reconhece onde está. Por isto, ele escapa e busca reconhe-cimento na estrada e na natureza. E a cena do urso, para mim, simboliza isto: agora ele pertencente àquele lugar. E o urso não o ataca porque o reconhece como pertencente aquele lugar. E assim como Chris não matou o alce à toa, este urso também não o matará por nada, somente em caso de necessidade e de sobrevivência.

EulerUma vez que você é socializado na sociedade moderna, não há volta. Não é possível retornar, de fato, para a natureza. Assim, é uma luta de Chris com a natureza, para que ele também consiga se envolver com ela. Mas ele não a apreende plenamente. Enfim, não é mais possível realizar esta volta à natureza selvagem - e a prova disso é justamente o desfecho (é a planta que ele não reco-nhece e ingere e é também o ciclo das águas que o isola) que deixa isto claro: ao não conseguir manipular a natureza, ele morre.

Na verdade, ele não podia sair porque a natureza lhe coloca uma mensagem: você vai pra lá, mas sabe controlar e manipular o meio natural? Sabe lidar com os imprevistos? Houve o desgelo, o rio subiu, ele não tinha mais como sair, e antes já havia ingerido semente errada. Em outras palavras: uma sequência de erros em relação ao convívio com o meio natural que o matou. Quem o mata, não é a sociedade, mas a natureza, que é selvagem.

PlateiaAliás, tem uma parte do filme que diz: ele se libertou da sociedade, mas se tornou prisioneiro da natureza. Em determinado momento, Chris deixa claro o medo que ele tinha da água. E esta água, além de ser o símbolo da purificação, representa, ao longo do filme, o enfrentamento do meio na-tural.

HumbertoSó pra recordar, o filme é dividido em ciclo de vida: (1) nascimento, quando ele escreve o seu novo nome no espelho do banheiro - Supertramp; (2) idade adulta; (3) tornando-se sábio, que é a velhice e a morte. A questão da água. Na verdade, se pensarmos bem, ele não morre envenenado, mas simbolicamente afogado.

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EulerAinda sobre a água, vemos que ele chora no final. As lágrimas enquanto água.

HumbertoÉ interessante, porque o filme nos mostra como somos dependentes das técnicas, da estratificação social do trabalho e das especializações. Neste sentido, não podemos mais dominar todo o pro-cesso produtivo, e dependemos de uma rede social para fazer por nós aquilo que estamos inaptos.

Fazendo um paralelo com o livro Robson Crusoé, vemos que o náufrago e ilhado dá conta de todo o processo de produção dos equipamentos necessários para sua sobrevivência. Ele sabe fazer de tudo: mesa, plantação, abrigo, pão, etc. De certa forma, o livro é uma crítica à sociedade industrial, que fez surgir a produção e o homem fragmentados. Robson Crusoé, por não ser desta sociedade fragmentada, domina o processo de produção de tudo aquilo que lhe é necessário para sua sobre-vivência, já Chris não está apto a isto - ele tem o conhecimento, mas não a técnica (a carne que ele não consegue preparar para comer, a semente que ele não identifica. Chris tem as informações contidas em livros e anotações, mas isto não o auxilia no momento em que ele mais necessita). En-fim, nos mostra como em nossa sociedade possuímos as informações necessárias para sobreviver, mas não somos capazes o suficiente para manuseá-las.

PlateiaEu acho que Chris começou como prisioneiro do sistema social, tentou se libertar dele a partir da jornada que fez, mas terminou novamente como prisioneiro da natureza. E outra questão que me chamou a atenção particularmente foi o presente final, a bota, que foi doada pelo homem que lhe deu carona no início do filme. A bota, de certa maneira, se torna uma sentença pro Chris, quando o motorista diz: “se você conseguir sobreviver e retornar, meu telefone está dentro da bota”.

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TRECHOS DO FILME:

Christopher Johnson McCandless, também conhe-cido como Alexander Supertramp ou Alex Super-tramp: a real inspiração para a produção da obra literária e cinematográfica “Na Natureza Selvagem”.

“Há dois anos ele caminha pelo mundo. Sem telefone, piscina, carros, nem cigarros. A liber-dade máxima. Um extremista. Um viajante es-teta cujo lar é a estrada. [...]. E agora, depois de dois anos errando, vem a última e maior aventura. A batalha culminante para matar o falso ser interior e concluir com vitória a revo-lução espiritual [...]. Sem continuar a ser en-venenado pela civilização, ele foge e caminha solitário pelo mundo para se perder no meio à natureza – Alexander Supertramp (maio de 1992)” (11’27” a 13’35”)

Chris: “É inegável que viver sem lenço nem documento sempre nos alegrou. Isso está as-sociado em nossas mentes com fugir do passa-do, da opressão, da lei e de obrigações maçan-tes. A liberdade absoluta. E a estrada sempre conduziu ao oeste” (22’13” a 22’35”). O oeste é a Califórnia.

Em um banheiro público, encontra um ba-tom no lixo. Ele o pega e diz: “Preciso de um nome”. E, em seguida, escreve com o batom no espelho da pia: “Alexander Supertramp (Julho de 1990)”. (24’30” a 24’47”). E as-sim ele se batiza enquanto viajante solitário, olhando para si no espelho e com o seu novo nome estampado no reflexo.

“[...] E também sei como é importante na vida não necessariamente ser forte, mas sentir-se forte. Confrontar-se ao menos uma vez, achar--se ao menos uma vez na mais antiga condição humana. Enfrentar a pedra surda e cega a sós, sem outra ajuda além das próprias mãos e ca-beça” (35’12” a 35’40”).

Irmã narrando: “Tendo passado quase um ano do desaparecimento de Chris, a raiva, o desespero e a culpa dos meus pais deram lugar à dor. E ela pareceu aproximá-los. Até o rosto deles mudaram” (1h22’08” a 1h22’35”).

“o dia do ônibus mágico”

Cena do filme que retrata o cenário da estrada como palco para as diversas dádivas que Chris rece-beu durante sua aventura.

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Matéria jornalística na época do escândalo america-no, quando o corpo foi encontrado dentro do ônibus mágico.

Ron Franz: - O que é este “N”?Alex: - Norte.Ron Franz: - Alasca? Filho, de que diabos está fugindo?Alex: - Posso lhe fazer a mesma pergunta! Só que já sei a resposta!Ron Franz: - Sabe mesmo, né? Alex: - Sei, Sr. Franz. O senhor precisa vol-tar ao mundo! Deixe aquela sua casa solitária, aquela sua oficina. Volte para a estrada! Falo sério! [...] As novas experiências são tudo para o espírito humano. E eis você, um velho teimo-so, que não tira a bunda do lugar. (1h59’39” a 2h)

Ron Franz: - Vou sentir saudades quando você se for.Alex: - Eu também, Ron. Mas está errado ao pensar que a alegria da vida tem sua principal fonte nas relações humanas. Deus a colocou a nossa volta. Ela está em tudo. Em tudo que podemos vivenciar. As pessoas só precisam mudar o jeito como veem as coisas. Ron Franz: - Vou me lembrar disso. Falo sé-rio. Vou, sim. Mas quero te dizer uma coisa. Pelo que entendi das coisas que me contou sobre sua família, sua mãe e seu pai. E sei que também teve problemas com a igreja. Mas existe algo maior que todos nós podemos apreciar e, me parece, você não se importa de chamar isso de Deus. Mas quando você per-doa, você ama. E quando ama a luz de Deus brilha em você. (2h02’20” a 2h03’55”)

Importante cena do filme em que se con-tracenam os personagens Ron Franz e Alex.“Fui literalmente aprisionado

pela natureza”Christopher Johnson Mccandless

Já nos últimos momentos do filme, aquele que ante-cede a sua morte, ele escreve entre as linhas de um livro: “A felicidade só é de verdade quando compar-tilhada”.

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Anotações reais de Christopher, as quais en-riqueceram e possibilitaram tanta riqueza de informações sobre sua aventura.

Ilustrações promocionais do filme “Na Nature-za Selvagem”.

Suas últimas palavras foram: “Para chamar cada coisa pelo seu nome. Pelo seu nome correto”. E, em uma volta as suas origens, assina o nome verdadeiro na seguinte citação: “Eu tive uma vida feliz e agradeço ao Senhor. Adeus e que Deus abençoe a todos! Christopher Johnson Mccandless” (2h18’48” a 2h19”).

Esta citação e sua assinatura final podem signi-ficar que ele perdoou a sua família? Ou seja, que ele agora está realmente em paz com sua vida, e encontrou aquilo que buscava? Foi, assim, uma alegoria para a reconciliação familiar, expressa no delírio pré-morte: “Se eu estivesse sorrindo e correndo para seus braços? Vocês então veriam o que vejo agora?” (2h19’47” a 2h20’20”)

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Sinopse

Em 1952, o futuro líder da Revo-lução Cubana, Ernesto Guevara (Gael García Bernal), era um jovem estudante de Medicina. Ele e seu amigo Alberto Granado (Rodrigo de la Serna) viajam pela América do Sul em uma velha moto, que acaba quebrando depois de oito meses. Mas eles seguem em frente, arran-jando caronas e fazendo longas caminhadas. Depois de passar por Machu Pichu, chegam a uma colô-nia de leprosos na Amazônia Peru-ana, onde começam a questionar o valor do progresso econômico, que privilegia apenas uma parte da população, deixando muitos em si-tuação precária. As experiências de viagem e na colônia foram decisivas para o surgimento das personalida-des históricas que, posteriormente, se engajariam na Revolução Cuba-na.

Ficha Técnica

Título original: “The Motorcycle Diaries”.Diretor: Walter Salles.

Elenco: Gael García Bernal, Susana Lanteri, Mía Maestro, Mercedes Morán.

Gênero: Drama.Duração: 130 min.

Lançamento: 2004 (EUA).

2. DIÁRIOS DE MOTOCICLETA

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Oscar de 2005: Melhor Canção por “Al Otro Lado del Rio”, do compositor uruguaio Jorge Drexler (Primeira canção cantada em espanhol a ser indicada ao Oscar).Indicado na categoria de Melhor Roteiro Adaptado.Festival de Cannes 2004, França: Indicado à Palma de Ouro.BAFTA 2005 (Reino Unido): Melhor Filme em Língua não Inglesa e ainda recebeu o prêmio Anthony Asquith pela música.

A viagem ocorreu entre os dias 04/01/1952 e 26/07/1952, com Che e Alberto percorrendo mais de 12.425 km pelos países: Argentina, Chile, Peru, Colômbia e Equador.

Che Guevara foi um dos ideólogos e comandantes que lideraram a Revolução Cubana (1953-1959).Morreu em 9 de outubro de 1967.

Lutou no Congo e na Bolívia, onde foi capturado e assassinado de maneira clandestina e sumária pelo exército boliviano, em colaboração com a CIA.

Primeiro filme dirigido por Walter Salles cuja língua predominante não é a portuguesa.

Baseado nos relatos de viagem de Ernesto Guevara e Alberto Granado, além do testemunho de Gra-nado, na época com 82 anos.

Produção multinacional: EUA, Peru, Chile, Inglaterra, Argentina e Brasil.Locações na Argentina, no Chile e no Peru.

PRÊMIOS

CURIOSIDADES

“Para continuar na metáfora futebolística, Salles faz um gol. É seu melhor longa, porque, lidando com um mito, não cede à tentação de sair com uma solução mágica no final, antes oferece um paradoxo. Sentimental, no caso: deixamos o cinema alegres, pensando em tudo o que Che queria e viria a fazer, mas cínicos, pois vivemos o tempo depois daquele, em que já sabemos que tudo deu irremediavel-mente errado. Em “Diários”, há dois roteiros a percorrer. O primeiro é do próprio Che em sua viagem iniciática com um amigo pela América Latina, que despertará no jovem de classe média o instinto re-volucionário. É cinema de grande qualidade, e para isso ajudam o roteiro do porto-riquenho José Ri-vera, a fotografia indecentemente bonita de Eric Gautier e a dupla central, Gael García Bernal (Che) e Rodrigo de la Serna (como o amigo Alberto Granado), este o grande ator do filme. O outro é o do diretor, que a cada um de seus cinco longas vem reforçando a máxima de Leon Tolstói e se torna mais universal cantando suas aldeias, do renegado “A Grande Arte” (1991) ao visceral e glauberiano “Abril Despedaçado” (2001). Nesse périplo progressivamente globalizante, não por acaso “Diários” é falado em espanhol e revive o sonho da união latino-americana, e o próximo, o inédito “Dark Water”, vem em inglês, com atores anglo-americanos e origem japonesa. Da Central ao Nordeste, do Nordeste ao Mercosul, deste ao mundo” (FOLHA DE SÃO PAULO, maio de 2004).

O QUE FOI DITO

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“Família Guevara elogia novo filme de Walter Salles”

“Depois de fazer sucesso no Festival de Cinema de Sundance, nos Estados Unidos, o novo filme de Walter Salles, Diários de Motocicleta, foi elogiado pela família do líder revolucionário argentino Er-nesto “Che” Guevara. A fita, com estreia prevista no Brasil para 16 de julho, foi apresentada pelo produtor dela, o ator Robert Redford, à viúva de Guevara, Aleida, e aos filhos do casal em uma sessão particular em Cuba. Um companheiro de guerrilha de Che, Ramiro Valdés, que combateu ao lado do revolucionário na guerra civil que antecedeu a tomada do poder pelos comunistas na década de 50, também assistiu o filme.

‘O filme é excelente’, disse Aleida Guevara, que cedeu os diários do marido ao diretor Walter Salles.

‘Se você ler o livro que meu pai escreveu sobre a viagem dele pela América Latina, vai ver que o filme é muito fiel ao original’, elogiou Célia, filha de Che” (BBC BRASIL, janeiro de 2004).

Exibição: 21 de setembro de 2011

Comentarista 01: Thomas Gomes (Discente do Curso de Turismo – UFJF)Comentarista 02: Profª. Anne Bastos Martins Rosa (Departamento de Turismo – UFJF)Mediador: Lucas Gamonal Barra de Almeida (Discente do Curso de Turismo – UFJF)

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Para a análise do filme de hoje, já temos um pouco mais de material para fazer um paralelo com o outro fil-me já apresentado e discutido – “Na Natureza Selvagem”. Primeiramente gostaria de fazer um link com o tema atual das minhas pesquisas acadêmicas sobre os mochileiros: O Projeto Nova Origem, formado por três mochileiros de Juiz de Fora que pretendem dar a volta ao mundo utilizando a bicicleta e propagando a sustentabilidade nos lugares em que passam. A principal diferença que eu vejo entre este filme e o outro é a viagem no modelo de “mochilão”. No primeiro filme, temos um processo de viagem mais egoísta - Chris viaja pra se conhecer, e por acaso se relaciona com as pessoas ao longo da estrada. Para ele, não há o pressuposto de ajudar as pessoas que en-contra ao longo do caminho. Já no Projeto Nova Origem e no filme Diários de Motocicleta, vemos outro pressuposto, mais altruísta, em que a partida é motivada pelos encontros e as possibilidades de ajudar, de alguma forma, estes outros que vão sendo encontrados ao longo do caminho. Neste sentido, a transfor-mação destes viajantes é consequência da ajuda ao próximo.

Ao longo da viagem, dois personagens principais são: a estrada e o meio de transporte, neste caso a bi-cicleta e a moto. Sobre o meio de transporte, com a moto, os viajantes vão tendo maior possibilidade de contato com a população; ou seja, eles têm mais facilidade de parar, e em outros diversos momentos eles devem consertar a moto, pois a mesma é ao mesmo tempo suas casas e o objeto viabilizador de suas via-gens. E se eles estivessem, em um carro, ônibus ou avião, eles não teriam esta chance de maior interação com as comunidades.

E tais interações se intensificam quando a moto quebra. Depois que isto ocorre, os personagens começam a ter que caminhar com as próprias pernas, sofrendo com o peso da mochila, e assim ter estas vivências mais intensas com a alteridade e as paisagens. Volto então a destacar o cenário da estrada. Aqui, temos as “dádivas de estrada” - ao longo do caminho, enquanto vão passando com a moto, eles vão cativando as pessoas, vão recebendo vários tipos de dádivas, como comida, abrigo, empregos, conversas informais, informações, entre outras. As pessoas não querem nada em troca, simplesmente querem ajudar.

Ressalto como ponto principal do filme o fato de como uma viagem, que a gente observou, pode ser tão transformadora do eu. Estes viajantes não saíram de casa com o intuito de fazer uma revolução, e muito menos de se envolver com a política - Che era um médico e pretendia uma vida normal, pautada na ajuda aos mais necessitados. Mas, no final daquela viagem, ele descobriu as mazelas da América Latina, aquela que não é mostrada nas mídias, e assim ele se transforma internamente para, posteriormente, fazer a re-volução cubana.

Assim, podemos indagar: haveria a Revolução Cubana caso Che não tivesse realizado tal viagem? Qual foi o verdadeiro papel transformador da viagem no processo da Revolução em Cuba?Durante todo o filme, quase ninguém o chama de Che, só de Ernesto ou de Fuser, e principalmente seu amigo Alberto não usa este apelido. E só no final, depois que ele sofre este processo de transformação da viagem, que o Alberto o chama de Che. Enfim, é só depois da viagem que ele se torna o conhecido Che.

E outro ponto interessante que eu destaco, é que mesmo sendo um filme que mostra a tristeza da Amé-rica Latina, a pobreza, a desigualdade, a diferença entre os povos e ausência de uma política justa para a sociedade, o filme consegue mostrar as paisagens naturais, transmitindo também uma mensagem positiva

ANÁLISES REALIZADAS PELOS COMENTARISTAS DA SESSÃO:

Comentarista 01: Thomas Gomes (Discente do Curso de Turismo – UFJF)

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sobre a América Latina. Apesar do leprosário, e das cenas tristes, o continente consegue ser visto como um bom local pra se viver.

Fazendo ao final dessa minha análise uma conexão entre o conteúdo dos dois filmes até agora apresen-tados a vocês, deixo clara a busca de ambos pela liberdade. A gente percebe que Che compartilhou no final, com suas mensagens de justiça social, as suas vivências, inquietações e alegrias. Já Supertramp, ele não compartilhou, até porque morreu. A temática trazida para discussão no filme passado, sobre a água, como purificação e alegoria para superação dos medos, nós também a percebemos em “Diários a América Latina. Apesar do leprosário, e das cenas tristes, o continente consegue ser visto como um bom local pra se viver.

Comentarista 02: Profª. Msc. Anne Bastos Martins Rosa (Depto de Turismo – UFJF)

Como eu percebo este filme? Acho que se a gente começa a assisti-lo, sem saber que é a história do Che Guevara, o filme começa da seguinte maneira: um rapaz de 23 anos, que faz faculdade de medicina, vai sair numa viagem com seu amigo motoqueiro. Basicamente, o filme é isto. E este enredo nos aproxima da realidade do filme, pois já fomos alunos de faculdade e já fizemos viagens com nossos amigos. Assim, a pri-meira base do filme nos aproxima muito desta realidade. Porém, em outros momentos, com o avançar do filme, começa o distanciamento, quando iniciam as situações mais apuradas, com algumas questões que fogem da nossa realidade. Porém, no início, é possível criar uma identificação entre o espectador e o filme. Vou fazer agora alguns apontamentos que me chamaram mais atenção.

No início do filme, quando Alberto apresenta pra família do Che o mapa, e eles vão usar este mapa pra traçar o itinerário, sobre o qual o filme vai se desenrolar. À medida que eles vãos percorrendo cada ponto marcado naquele mapa, a gente vai encontrando paisagens diferentes, pessoas com hábitos, costumes e condições sociais diversas. Cada passo deste itinerário, cada avanço, Che vai se modificando, vai se tor-nando outra pessoa. Daí eu me questiono até que ponto estes turistas - porque, naquele momento, Che é um turista - até que ponto o turista se envolve de tal forma com aquilo que ele está enxergando, possibi-litando que este engajamento gere nele uma transformação. Claro que eu não creio que todos os turistas se tornarão revolucionários, e aí são questões pontuais que ocorrem no mundo, mas mesmo em uma proporção reduzida, é interessante quando o turista se depara com pessoas, com acontecimentos e com espaços diferentes daqueles que eles estão habituados, e que esta diversidade lhe faça internalizar alguma mensagem além da mensagem turística simplesmente. O turismo que eu faço ele é baseado em fatos reais, com pessoas que possuem vidas reais, com acontecimentos bonitos ou feios, felizes ou tristes, fazem parte da realidade de uma comunidade. Eu acho que o filme mostra isto muito claramente, e o Che se apropria disto de alguma forma que o impulsiona a fazer uma mudança: de um futuro médico a um revolucionário.

Outro ponto no filme é a fotografia. Esta exerce dois papéis: no primeiro, a fotografia situa geograficamen-te o espectador; mas esta fotografia também exerce a função de denunciar a condição de exploração de alguns países da América. Daí, podemos pensar o quanto a imagem da América Latina, que possui carên-cias, influencia a região enquanto destino receptor de turistas. Até que ponto o reforço desta imagem de falta coloca estes países enquanto concorrentes do ponto de vista turístico dos países que possuem uma estrutura social mais avançada?

Ainda falando desta fotografia, logo no final do filme, quando Che está voltando pra sua casa, no avião, existe também um retorno de imagens. As imagens em preto e branco, como se fossem fotografias, no sentido inverso: mostrando do final da viagem ao seu início. Daí eu me questiono: Che, quando voltava para casa, voltava para o mesmo ambiente físico que ele deixou? Ele também diz uma frase no final, que

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me chamou muito atenção, que por fora ele era o mesmo, mas que por dentro, todas aquelas imagens em preto e branco, que talvez tenham sido a memória dele percorrendo suas vivências, o quanto que aquelas pessoas, que são pessoas reais, até que ponto tudo isto mexeu e transformou o viajante.

Este filme mostra não somente a história de dois amigos que saíram em viagem, mas eles mostram a his-tória de uma revolução. Até onde eu sei, estas revoluções socialistas possuíam um caráter personificado, começando por uma revolução individual, porque alguém resolveu agir diante desta subalternização que se tinha, seja com potências europeias ou norte-americana, com esta condição sub-humana que o povo vi-via. Então, temos a história de dois viajantes, temos uma história que é de viagem e turismo, mas também temos uma história que vai mexer com a revolução e como estas aconteciam.

Quero também destacar, quando Che está no leprosário ou quando ele está dentro do avião, ele está len-do um livro que é do Eduardo Galeano, “As veias abertas da América Latina”, que é um livro que completa 40 anos, mas ainda é atual e mencionado. Tal livro também tem o propósito de fazer estas denúncias que Che viu ao vivo, que nós não vimos, a não ser pelo filme. A denúncia da exploração, do sofrimento, o abu-so daqueles que detêm o dinheiro e o poder, tornando-se dono do destino de vida alheia.

No começo, quando ele diz que o método de organização de sua viagem foi o improviso. Aí, estamos nós, os turismólogos, para pensarmos no imprevisto: uma viagem que iria percorrer 8 mil quilômetros de iní-cio, e que depois acaba percorrendo mais de 10 mil quilômetros. E quando a gente pensa em uma viagem dessa feita na moto carinhosamente chamada de A Poderosa, e o método de organização foi nenhum, o improviso.

A viagem enquanto realização de um sonho. Quando o pai de Che, naquele momento de despedida, diz que se fosse alguns anos mais novo, iria com ele - um sonho que o pai também tinha, mas que por questões outras, não pôde realizar. O momento da despedida também é importante. O turismo, por mais interes-sante que seja, possui um momento de despedida e de emoção provocada pela separação. E, no filme, a gente percebe estes momentos de angústia no início, com a mãe; e lá no final, quando aquelas pessoas no leprosário se despedem de Che com uma grande carga de emoção. Então, a despedida faz parte do turis-mo, ocorre ao longo de toda a viagem.

A gente sempre acha a rotina cansativa. E se a rotina nos pesa, a gente quer vivenciar alguns momentos de lazer que nos tirem deste cotidiano cansativo. Na primeira carta que Che manda para sua mãe, ele diz que havia deixado pra trás um lugar “x” e que também havia deixado pra trás uma vida chata. Pra ele, a viagem era a forma de se afastar temporariamente do dia a dia e da vida chata. Logo adiante, no filme, ele começa a ter saudades da vida chata, ele vai começar a faz alguns apontamentos que vão dizer o seguinte - “este meu tempo de viagem está ótimo, mas eu sei que só ele não me sustenta. Que eu tenho um ponto, lá de origem, que hoje me deixa com saudades”. Ainda sobre rotina, talvez a gente pense que nossa rotina é chata, mas vemos a rotina da comunidade visitada como sendo interessante. Lembram da cena em que ele fotografa um camarada com peixe lá no mercado? É a rotina daquele camarada, é a rotina daquele mercado. Mas, pra ele, aquela rotina era interessante, a ponto de fotografá-la e de torná-la mais um registro da sua viagem.

A mina: o viajante encontra pessoas em situações que vão alterar a vida dele, e na mina ele está presenciando aquela exploração, e alguém lhe pergunta o que ele está fazendo ali. É quando Che responde que não está fazendo nada, só olhando, e um funcionário da mina lhe manda sair daquela região, porque aquilo não é atração turística. Isto nos marca, porque é como se em uma territorialidade houvesse espaços para os turistas, apropriados pelo lazer, e lugares que são da comunidade local, mas que não são tão belos e que devem ser protegidos da visão alheia. Devemos ter senso crítico a este respeito: o quanto que, enquanto turistas, conse-guimos recortar uma territorialidade que nos dá uma impressão romântica do destino, e não nos possibilita

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compreender os problemas que lhes perpassa.

O casal que foi expulso, e pergunta pra Che: “então, se vocês não estão viajando para arrumar trabalho, vocês estão viajando para quê?”. E eles não sabem dar uma resposta, e respondem que estão viajando por viajar. Aqui, temos o contraponto entre a viagem por necessidade (emprego, por exemplo) e aquela por vontade.

Mediador: Lucas Gamonal Barra de Almeida (Discente do Curso de Turismo – UFJF)

Primeiro, vou começar fazendo um link sobre a fala da Anne. Quando o casal de mineiros pergunta por que os dois estão viajando, e depois de pensarem muito eles dizem que estão viajando por viajar. Enfim, não há um motivo. E apesar dele ainda não saber, ou talvez saber meio que inconscientemente (sem expressar), como esta viagem foi responsável por toda aquela saga, transformando-o naquele revolucionário.

Podemos pensar também na questão da razão declarada pra ir, que é a obtenção de experiências profissio-nais na área da medicina e da bioquímica, e a viagem é o momento de praticar e de estudar os casos raros de doenças que ainda se conhecia pouco na literatura médica. Já enquanto razão verdadeira para ir, temos o fortalecimento da amizade entre os dois viajantes, mas, principalmente, a vontade de transformar a re-alidade da América em que passam, gerando um herói, este ícone que fez a revolução: como a realidade destas comunidades, como este conhecimento de campo formou o caráter revolucionário de ambos.

Como meio de locomoção, o que mais me chamou a atenção foi o nome da moto: “A Poderosa”. Como um veículo precário e que constantemente dava problema poderia ser chamado de “A Poderosa”? Mas, sim, a moto era poderosa, porque toda vez que ela estragava, havia aí uma justificativa para eles pararem em deter-minado destino, permanecer um tempo até a moto ser consertada, e a partir desta espera eles passavam a ter diversas vivências. Quer dizer, por esta moto estar em estado tão precário, havia as paradas e vivências nos destinos. No mais, vejamos como esta viagem no improviso, e com uma moto que quebrava constantemente proporcionou experiências tão ricas e fortes, capazes de construir os dois revolucionários.

Ainda sobre o mineiro, temos a questão do dinheiro doado pelos viajantes. Em momento algum, Ernesto usou o dinheiro em seu benefício, mas não pensou duas vezes ao doá-lo para alguém mais carente - assim, ele abre mão dos benefícios pessoais em favor do próximo (este foi o caso do dinheiro, mas também do remédio que doou para a senhora).

Para iniciar a discussão, gostaria de lançar uma questão: o que a travessia do rio, a nado, significa para o enredo do filme?

CONTRIBUIÇÕES E APONTAMENTOS DA PLATEIA:

PlateiaEu acho que a travessia representa o rompimento entre o discurso e a prática, quando ele chega à colônia de leprosos e se envolve com os doentes.

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Lucas Eu interpreto a travessia do rio, mais uma vez trazendo a água como simbolismo na narrativa do filme, como a ruptura principal dele em se dedicar ao outro: antes, ele tinha uma posição muito de contemplação (por exemplo, quando ele diz na mina que estava observando), e a partir do mo-mento da travessia do rio, ele se torna um agente no processo.

PlateiaA questão da superação com o seu problema de asma, sentindo a falta de ar ao atravessar o rio, só nos mostra mais uma vez a sua garra e luta para com seus próprios desafios, refletindo, assim, na posição dele com o próximo. Há também a questão da zona turística comentada pela Ane: de um lado, a festa preparada para ele (a região turística frequentável). Do outro lado, a região dos leprosos, a ser escondida do olhar do viajante. Mas, ele enfrenta a fronteira, representada pelo rio, e vai visitar e festejar naquela região tida como “não frequentável”.

PlateiaA cena da mina. Eu acho que a gente tem uma visão muito romântica porque já vai assistindo o fil-me sabendo quem foi o Che. Mas, eu fiz um link com a realidade turística: por exemplo, o turismo de favela. No turismo, as pessoas vendo o sofrimento e a miséria como sendo o exótico, e as pes-soas que lá vivem não trabalhando para os turistas verem, mas para se sustentarem e sobrevivem. Enfim, o turista como espectador, “só olhando” a angústia alheia. Retomando o filme “Na Natureza Selvagem”. Enquanto o Chris não se sente pertencente a lugar nenhum, o Che se sente pertencente a todos os lugares por onde passa. Ele se sente da América Latina. Na verdade, o Che não sente a necessidade de se encontrar (ele já sabe onde está), mas de unir/unificar. Chris não se envolvia, já Che se envolve intensamente com todos: se cada chegada e partida é um nascimento e uma morte, quantos nascimentos e mortes Che vivenciou?

HumbertoRealmente, se a gente pensa, Che tenta unir uma América Latina. Já Chris, de sua maneira, realiza uma viagem de unificação dos EUA: ele experimenta a fronteira com o México, já a sua passagem pelo Canadá não existe, e nós já o vemos no Alasca, que é EUA. Então, o trajeto de um é de união de uma América, de outro é de união dos EUA: lá, um continente olhando pra si e tentando se constituir como iguais, no outro, uma nação olhando pra dentro de si. No Chris, temos o viajante estético, o viajante centrado na estética - o prazer em si da viagem e da contemplação: neste pro-cesso estético, o que prevalece mais é o que eu sinto, e não tanto o que os outros sentem. E o Che vai por outro caminho.

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A fotografia, que começa a aparecer no final do filme, e que faz uma viagem “rebobinada” (do fim em direção ao início do percurso de Che e seu amigo), também nos lembra o ato do Chris de aper-tar seu cinto, retornando metaforicamente para casa. Nos dois filmes, temos o caminho de volta re-presentado no final, seja pela fotografia seja pelo cinto. Assim, vemos que a viagem remete, simbo-licamente, a alguma coisa da casa e do retorno. E a relação do rio, que há nos dois filmes, o que nos faz pensar na seguinte questão: talvez, Che inicia sua revolução na travessia do rio (quando ele sai do discurso pra prática). Sendo assim, será que Chris, caso não fosse impedido de atravessar o rio por causa das enchentes, chegaria do outro lado e também faria uma revolução externa, americana, no sentido de EUA? No caso de Chris, o rio que ele não atravessa, é a revolução que ele não faz.

ThomasAmbos os filmes são reais, e pautados nos diários. Nestas viagens em conjunto, a identidade indi-vidual é, em algum momento, esfacelada na coletiva. Porém, no diário, eles possuem o momento de introspecção, de olhar para si novamente e se destacar do outro que o acompanha no trajeto.

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TRECHOS DO FILME:

Os personagens Che Guevara e seu amigo, Alberto Granado no filme “Diários de Motocicleta”.

“Esse não é um relato de façanhas impressio-nantes. É uma parte de duas vidas registradas num momento que cursaram juntas um deter-minado trecho com identidade de aspirações e conjunções de sonhos.Nossa visão foi muito estreita? Muito parcial? Muito precipitada?Nossas conclusões foram rígidas demais? Talvez.Mas esse vagar sem rumo por uma América maiúscula me mudou mais do que eu pensei.Eu já não sou eu.Pelo menos já não sou mais o mesmo em meu interior.”(Diários de Motocicleta/Che Guevara).

Che: “É a primeira vez que sai do país?Granado: Claro que sim!Che: Olhe, Mial, quando estivermos velhos e cansados de viajar, poderemos voltar e instalar uma clínica neste lago!Granado: É uma boa ideia!Che: Atendendo todo mundo...Se é que virá alguém!Granado: Conte comigo irmão! (27’27” a 27’51”). Frias Lake – Argentina.

“Querida velha, o que se perde ao cruzar uma fronteira. Cada momento parece partir-se em dois. Melancolia pelo que ficou para trás e por outro lado todo o entusiasmo por entrar em terras novas” (26’59” a 27’18).

“Lo que teníamos en común: nuestra inquie-tud, nuestro espíritu soñador, el incansable amor por la ruta” Che Guevara

Cena do filme “Diários de Motocicleta” em que Ernesto Guevara (Gael García Bernal) e Alberto Granado (Rodrigo de la Serna) entram na fase final da viagem pela América do Sul, a bordo da balsa “Mambo Tango”.

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O espírito desbravador dos dois amigos que viajavam a bordo da moto nomeada de “A Poderosa.’’

Granado: Talvez seja a hora de tomar juízo. Sim, teremos um trabalho estável, uma namo-rada...Criar barriga. E você, vai voltar e termi-nar a faculdade?Che: Não sei, não sei se consigo voltar a Bue-nos Aires, sim?Granado: Faz 24 anos na semana que vem Fuser...Che: Já é hora de fazer algo, certo?” (1h33’04’’ a 1h33’38’’)

Alberto Granado entre os atores Rodrigo de La Serna e Gael García Bernal que representaram Granado e Guevara no filme Diários de Motoci-cletas.

A famosa e caricata imagem do revolu-cionário Che Guevara.

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Sinopse

Fugindo de Paris e das pressões de sua namorada e de sua família, Xavier passa seu último ano de fa-culdade em Barcelona, como parte de um programa Erasmus de inter-câmbio estudantil na União Euro-peia. Logo após sua chegada, Xavier se vê em um caldeirão de misturas culturais quando se muda para um apartamento repleto de alunos es-trangeiros tão singulares quanto as línguas que falam. Ao lado de seus novos amigos, Xavier aprende uma hilária e esclarecedora lição sobre como viver, amar, rir e festejar em uma república de estudantes em in-tercâmbio.

Ficha Técnica

Título Original: L’Auberge EspagnoleDiretor: Cédric Klapisch

Elenco: Romain Duris, Judith Godrèche, Audrey Tautou, Cécile De France, Kelly Reilly, Kevin Bishop, Xavier De Guillebon.

Gênero: Comédia.Duração: 124 min.

Lançamento: 2002 (França).

3. O ALBERGUE ESPANHOL

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Prêmios César (Festival francês de cinema)Vencido: “Mais Promissora Atriz”: Cécile de France (Isabelle).Indicações: “Melhor Filme”, “Melhor Diretor”, “Melhor Atriz em um papel de apoio: Judith Go-drèche (Anne Sophie), “Melhor Roteiro” e “Melhor Edição”: Francine Sandberg.

Cédric Klapish tem as primeiras ideias para o roteiro de “Albergue Espanhol” quando visita sua irmã que estava participando do programa de intercâmbio Erasmus em Barcelona. Quando foi visitá-la por uma semana, ela dividia um apartamento com cinco pessoas, cada uma de um país diferente.

PRÊMIOS

CURIOSIDADES

“Adoravelmente divertido... uma delícia!” – The Wall Street Journal

O QUE FOI DITO

“Engraçado, inteligente e sexy” – The Washignton Post

Exibição: 28 de setembro de 2011

Comentarista 1: Prof. Msc. Edwaldo Sérgio dos Anjos Junior (Depto. de Turismo – UFJF)Comentarista 2: Prof. Msc. Humberto Fois Braga (Depto. Turismo – UFJF)

Mediador: Lucas Gamonal Barra de Almeida (Discente do Curso de Turismo – UFJF)

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Um filme com muitas nuances e questões para serem discutidas. Convido vocês a pensar um pouco no tí-tulo do filme, sobre quem o conduz e como há um movimento muito sofisticado, alterando a forma como entendemos o meio de hospedagem, com relação à referência do título, mesmo sendo um apartamento, e sobre o aeroporto, que é o local onde tudo começou. O que isso quer dizer? No filme, esses espaços de passagem, hospedagem e desembarque, que segundo autores são não-lugares (sem relações afetivas, desprovidos de identidade, de senso de reconhecimento, vistos como espaços assépticos e neutros), são transformados pelo diretor em ambientes de convivência intensa – ele nos chama a atenção para o fato de ser no terminal onde tudo começa e no albergue onde Xavier conhece as pessoas. Locais onde toda a narrativa será desencadeada.

A meu ver esse, é um movimento muito sofisticado justamente se tratando dos pontos espaciais. Dividin-do minha exposição em 4 eixos, temos:

O espaço: Como o autor usa e, de certo modo, reverte e dinâmica que imaginamos. Relações ocorrem em espaços não imaginados, como, por exemplo, quando Xavier conhece o casal que depois virá a hos-pedá-lo, dentro do avião. Onde ele conhece a moça que vai se apaixonar e viver um relacionamento? No terminal e no avião. Se formos pensar no termo de Marc Augé, sobre a teoria dos não-lugares, isso não aconteceria no filme.

Sobre a questão do espaço, o filme tendo como cenário a Espanha, em 2002. Voltando a esse ano, temos que o que acontecia na Espanha e no conjunto de outros países, nesse ano, se referia muito à integração tardia à União Europeia. De certo modo, o uso da cidade de Barcelona é uma síntese de como essa chega-da tardia vai desencadear reações. Quais? Quando a Anne Sophie vai andando e criticando a cidade e na reação preconceituosa do irmão de Wendy sobre os espanhóis, por exemplo. Em poucos filmes que vi o autor usa o espaço como mecanismo para a transmissão de mensagens.

Não penso que Barcelona é apenas fortuita, mas é uma síntese da discussão que havia em 2002, como uma nova diversidade de hábitos, costumes, tradições, idiomas e visões de mundo, que, de certo modo, vai ajudar a construir esse mosaico extremamente difícil. O diretor faz um favor de nos apontar esse viés, como no nosso próprio curso vemos muitas vezes.

Sobre o intercambista e o segmento de viagem do intercâmbio: o indivíduo que viaja é, dentro de todos os segmentos, o que tem mais consciência de incompletude, a sensação de que falta algo, como é o caso de Xavier, que sente a falta do domínio avançado do idioma espanhol. E, no fundo, todos que optam por uma viagem de intercâmbio, ainda que inconscientemente, reconhecem que falta uma aptidão, ou uma capaci-dade ou que pode desenvolver uma capacidade inata, seja de domínio de idioma ou de aperfeiçoamento de seu curso, expansão da sua convivência interpessoal ou consigo mesmo. Neste sentindo, o intercâmbio é uma viagem construída e motivada pela incompletude do viajante, pela falta a ser preenchida.

Em uma obra de Jean Jack Rousseau, “Da educação”, pouquíssimo estudada por nós, o autor apontou uma espécie de intercambista moderno. Há mais de 200 anos o estudante era levado a visitar lugares que não conhecia como aperfeiçoamento educacional. O filme me evidencia isso, um retorno da própria no-ção da viagem, como surgiu com o Grand Tour, também a cerca de 200 anos.

ANÁLISES REALIZADAS PELOS COMENTARISTAS DA SESSÃO:

Comentarista 01: Prof. Msc. Edwaldo Sérgio dos Anjos Junior (Depto. de Turismo – UFJF)

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A dimensão pedagógica do aperfeiçoamento e que muito se perde na discussão. Quantos de nós aqui via-jamos e temos consciência de que não voltamos iguais a quando partimos? E, sobretudo, quem aqui viaja e consegue distinguir o que aprendeu, o que viveu, se viu uma questão nova que não conhecia? Quantos de nós têm essa consciência? O filme retoma isso, por ser uma discussão moderna; retoma a questão edu-cativa da viagem, que acabou se perdendo por causa da massificação da viagem e da atividade turística. É um convite que nós pensemos nisso.

Tratando dos idiomas, quando havia uma discussão, uma falta de entendimento, com qual idioma as si-tuações eram resolvidas? Com o espanhol? Não, com o inglês. Em poucos momentos temos o espanhol como mediador das dificuldades. O único momento, talvez, seja quando o irmão de Wendy chega e o alemão vai conversar com a britânica sobre este seu irmão, mas nos demais momentos, quando havia falta de compreensão, é uma enorme contradição, por ser o inglês a mediar as diferenças e as divergências entre as pessoas estando-se na Espanha.

Acho isso muito rico e muito bonito, porque no fundo a discussão do filme se concentra em França e Espanha, mas é algo muito maior, um mosaico de diferenças. Se formos pensar no protagonismo do idio-ma, mesmo que por razões econômicas, isso está posto no filme novamente, e chamo a atenção para uma questão muito profunda no filme: no início, a belga pede ao professor para que as aulas sejam em espa-nhol, pois você tem um choque entre idiomas, dialetos, ou seja, essa questão está muito forte no filme. Acho que os idiomas são muito ricos para evidenciar os preconceitos quanto a questão econômica, por ser o inglês o mediador e isso, de certo modo, representa uma ordem econômica também. Acho que o idio-ma, para quem vai ver o filme pela segunda vez, é o que vai encarnar esse mosaico enorme que é a União Europeia hoje.

Aponto que o quarto eixo, em minha opinião, é o que o Humberto também vai abordar sobre a questão das relações entre os povos. É muito rico que a gente pense o seguinte: vou viajar pelo continente do Ve-lho Mundo, mas não sei se todos percebem que o filme de certo modo representa justamente o choque entre franceses e espanhóis, britânicos e franceses. O filme vai apontar alguns estereótipos da União Eu-ropeia que nós, muitas vezes, pensamos ser homogênea. O filme evidencia isso, sobretudo quando Anne Sophie, andando pelas ruas, dizendo que Barcelona a remete ao Terceiro Mundo e quando o irmão de Wendy chega e evidencia um conjunto de preconceitos com as demais nações. Isso é uma questão que me parece importante, porque nós, do canto de cá do oceano, temos uma tendência de tornar ideal tudo que vem do Velho Mundo.

Acho que o filme faz uma síntese, após passar por esses quatro eixos, como é a descoberta, como é o apren-dizado e quais são as contradições de um viajante que chega ao novo destino. Então, numa parte mais poética do filme, quando Xavier desembarca do ônibus e começa a caminhar pelas ruas tentando achar o apartamento, um conjunto de sequências muito poéticas diz que ele irá passar 20, 100..., 1000 vezes por essas ruas e que após retornar para sua casa, todas as dificuldades, todas as divergências e todos os obstá-culos vão ser motivo de risada e vão ser as coisas que vão ser contadas às pessoas no seu retorno à cidade de onde partiu.

Para terminar, acho que uma das questões para reflexão está em o filme desmontar a ideia de uma via-gem ideal, sem dificuldades, mas, sobretudo, de nos convidar a pensar que preconceitos, obstáculos e divergências nós temos que enfrentar. A trama se passa na Espanha, mas poderia ser aqui, caso o filme se chamasse “O Albergue de Minas” ou “O Albergue da Bahia”. Seria muito diferente do que foi passado? Acredito que não. Penso que devemos estar aptos enquanto estudantes a manejar a questão das identida-des outras e das diferenças.

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Há diferentes formas de se viajar porque há formas diferentes de se ver o mundo, de se manifestar no mun-do. O filme faz pensar sobre nós, como nós enxergamos tudo isso, porque se não fizermos essa reflexão crítica, o filme será esquecido e daqui a 15 dias nem nos lembraremos mais do que foi visto e comentado. Enquanto profissionais e estudantes, temos uma responsabilidade ainda maior, talvez de não assumir os mesmos erros ou restrições expostas no filme.

Comentarista 2: Prof. Msc. Humberto Fois Braga (Depto. de Turismo – UFJF)

Analisando o filme, eu tentei dividi-lo em 4 partes de análise: acho que a primeira coisa que gostaria de pensar é sobre a motivação. Que motivação perpassa essa viagem? O professor Edwaldo bem colocou so-bre a falta, uma motivação de falta. Falta um conhecimento que o pai impõe, sugerindo que Xavier fizesse o intercâmbio para aprender o idioma espanhol. Uma motivação de falta que, por um lado, é a relação dele com o pai, a relação paterna vinculada à questão do trabalho e uma relação de excesso com a mãe, que sufoca Xavier em alguns momentos. Ele tem duas motivações: falta pelo pai e excesso pela mãe, aparente-mente as duas principais motivações que o protagonista tem para viajar.

Ao longo da viagem essas duas motivações o perturbam muito e o filme tenta mostrar isso. Como conci-liar uma motivação de trabalho com uma motivação de prazer e liberdade? Uma imagem bastante ilustra-tiva desse dilema entre trabalho e lazer vivenciado pelos intercambistas em Barcelona está no quadro ao lado da porta da república: vemos um pôster do Erasmus, que representa a educação, sua motivação de estudo por estar ali, mas, ao mesmo tempo, há uma pichação na parede, em forma de balão, escrito “VIVA LA FIESTA”. É o jogo do duplo, representando o que o faz ficar preso e dividido entre o Erasmus (que é o trabalho e o que o pai lhe propõe) e a sensação de “Viva La Fiesta” (toda a questão que fora reprimida e que Xavier almejava experimentar).

O cartaz do Erasmus e a inscrição “Viva La Fiesta” contrapondo-se na parede do aparta-mento.

Outro traço que expressa tal dialética é a sonorização de “Fac” e “Fuck”, representando a faculdade e, de outro lado, o “dane-se”.

Tanto o cartaz quanto a linguagem truncada são dois elementos que mostram muito bem dentro do filme como Xavier se coloca numa situação de ter que ne-gociar os interesses de trabalho com os interesses de prazer e diversão.

E, na volta à Paris, no final do intercâmbio, ele não se adapta, pois vira um número: sua sala é a 2038. Ele vira um número dentro de uma sociedade, uma so-ciedade burocrática, como mostra muito bem o iní-cio e a estética do filme. Um rapaz falando devagar e o outro falando rápido: ele não se encaixa mais, algu-ma coisa mexeu com ele no tempo do intercâmbio e agora ele não sabe mais se posicionar. Por quê? Por-que ele tem que obedecer aos trabalhos do pai, ter o número em uma sala e ter que lidar com os prazeres velados. E ele deixa aquele local correndo, numa ten-tativa de se libertar.

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Ele não irá realizar outro intercâmbio, porque talvez não tenha mais idade para uma nova experiência do Erasmus, mas ele vai escrever e tentar sublimar isso na forma da escrita. Sobre seus lares, temos que Xavier vive em três casas, três alojamentos. Um é muito rápido e foi indicado pela mãe, sendo exatamente o tédio da sopa, da casa, do que ele estava fugindo.

Em seguida, vai para a casa do casal francês que conhece no meio de transporte e que, de certa forma, remete muito à sua casa, uma casa tradicional francesa, deslocada em Barcelona, assim como seus mora-dores. Já na república tudo é diferente e ali ele se encontra, onde destaco no momento de sua entrevista de admissão como morador: “É exatamente esse caos que eu estava procurando”. Tudo o que sempre sentiu ali se encontra, o caos e a perturbação que ele teve que controlar em toda sua vida.

Quando realiza passeios turísticos com Anne Sophie por Barcelona, paisagens e locais turísticos mostram muito como eles se posicionam enquanto turistas dentro de uma cidade, com um olhar “de fora”. Por sua vez, quando Xavier está na república, se coloca com um olhar “de dentro”, ele vai se afundando cada vez mais na sociedade. Num primeiro momento ele tem um contato com alguém que lhe remete muito a casa, a educação da mãe. Num segundo momento ele já se solta um pouco, mas ainda está em uma so-ciedade francesa, representada pela casa do casal e, num terceiro momento, o protagonista mergulha em uma república em que se solta e se engaja. Mas ele só irá aprender a língua local, tratando da língua como identidade, como colocou o professor Edwaldo, quando começar a frequentar os bares, ou seja, quando for para a rua, e viver a realidade local.

A república é babélica, ou seja, são várias e diferentes línguas que geram uma confusão entre traduções e negociações. Interessante também porque Anne Sophie, a francesa casada, trata Xavier somente de ma-neira formal, utilizando o “vous”, ou seja, “senhor”, nos passeios que realizam, tal fato ilustra o afastamen-to entre os personagens.

Por sua vez, a bagunça dentro da geladeira da república nos fornece duas interpretações: mesmo no caos existe uma suposta ordem, porque cada um tem sua etiqueta. É bagunçado, é caótico, mas ainda existe uma ordem naquela república que nós não entendemos, mas que eles são capazes de interpretar. E mostra uma busca de individualidade, que é muito difícil de se conseguir. Martine, sua namorada, não quer ficar com ele no quarto porque tem a impressão de que as outras pessoas estão ouvindo; o telefone que é cole-tivo e que fica na sala, tem que ser usado em baixo tom porque as pessoas estão ouvindo.

Em outras palavras, a república mostra a questão de como negociar o coletivo com a individualidade de cada um, que, talvez, represente também a União Europeia e seu slogan: “a união na diversidade”. Cada um tem suas características e suas individualidades, mas eles têm que se encontrar em algum momento naquela república, para fazer algo coletivo, o que acaba, em alguns momentos, complicando as relações.

Finalmente, trato a relação de distância com quem fica. Existem dois fortes momentos: os contatos que são feitos a todo tempo por telefone, uma presença simbólica do outro, ou pela carta, que ele se obriga a escrever para Martine. Além desse, a visita in locus, pois os intercambistas são visitados pela família ou por namorados(as) que vão até Barcelona para matar a saudade. Nessa última situação, é curioso notar que na presença de seus pares, automaticamente, o intercambista é jogado para fora do grupo. É muito claro quando chega a namorada de Isabele, jogando Xavier para o “escanteio” coloca-o em uma posição secun-dária: “A gente não conversa muito”, ou seja, Isabele acaba se afastando muito do grupo para dar atenção à sua namorada. A mesma coisa acontece com Xavier quando Martine vem o visitar. O único que não afasta é Willian, irmão de Wendy. De certa forma, aqueles intercambistas formam um corpo social que se

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movimenta por Barcelona e quem chega para visitar acaba tirando um desses intercambistas do grupo e o isola numa rotina, para depois, quando for embora, voltarem a se reintegrarem.

Fica claro o descompasso, demonstrando como quem faz o intercâmbio se posiciona em outro ritmo com quem não o faz. A cena em que Xavier vai se despedir de Martine no aeroporto é emblemática: subindo as escadas rolantes, ela olha para trás e ele não está vendo; e depois é a vez dele de olhar e ela não perceber. Estão em outro nível agora, alguma coisa aconteceu que os faz não funcionar mais juntos, e obviamente, isso irá resultar em traições. É o caso da inglesa com o norte-americano, da belga com a espanhola e do francês com a francesa.

Por fim, trato da ideia do idealizado e do vivido, em que as coisas não saem como o esperado, que ficam muito claras no filme. Edwaldo comentou isso e eu devo concordar, quando se fala no início do filme, no “Mundo de Martine”, livro infantil em que as coisas acontecem perfeitamente, de forma romantizada. A Martine da vida real é chata como namorada de Xavier, e ela fala: ‘Não sei porque meus pais me colocaram o nome de Martine’, ou seja, ela é rabugenta, o mundo de Martine dela é o mundo real, é o mundo em que as coisas (não) acontecem, enquanto no mundo idealizado pelo livro, tudo era muito romântico.

Vejo o “O Albergue Espanhol” como sendo uma grande metáfora para a construção da União Européia. E a primeira vez que vi o filme pensei em Stuart Hall, que cita três itens para construção de uma nacionali-dade: um território, uma língua e uma história. Ou seja, uma nação necessita de uma história a ser narrada e divulgada por um sistema linguístico, gerando uma literatura nacional.

Acredito que isso acontece o tempo todo no filme. Temos uma nacionalidade da União Européia que é babélica, a língua é a babélica, e a experiência é a de intercâmbio. Estes viajantes, quando de retorno ao lar, vão contar para “aqueles que ficaram” suas experiências multiculturais. Por exemplo, o que Xavier faz no final, quando retorna à Paris e se recusa a trabalhar na burocracia? Ele escreve um livro denominado “Albergue Espanhol”: pensando em Stuart Hall, vemos que ele tem que publicar, tem que divulgar no território francês sua experiência europeia de intercâmbio. Assim, ele senta em frente ao computador e escreve a história da experiência que viveu, para que seja lida por outras pessoas.Vejo que o filme passa a seguinte mensagem: se existe uma Comunidade Europeia, essa comunidade vai ser construída a partir do momento em que esses povos, essas diversas naciona-lidades, se visitarem e tiverem experiências de intercâmbio; e, para isso, existe o Erasmus. É como se a modalidade do intercâmbio fosse a experiência necessária de circulação dentro da zona do Euro, capaz de construir esse sentimento de pertencimento a uma grande comunidade europeia.

Por fim, podemos indagar: por que o filme se passa em Barcelona e não em Madri? Tradicionalmente, a Catalunha, cuja capital é Barcelona, sempre buscou sua independência em relação à Espanha. Neste sentido, o espaço de filmagem é um território deslocado dentro da União Europeia, sugerindo que a “co-munidade europeia” não deve mais se prender às fronteiras nacionais, devendo gerar uma territorialidade híbrida, com uma língua babélica e uma literatura (e demais expressões culturais) co-produzidas por dife-rentes nações – como é o caso do próprio filme “Albergue Espanhol”.

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Mediador: Lucas Gamonal Barra de Almeida (Discente do Curso de Turismo – UFJF)

Tenho um papel difícil de ser realizado, em tentar articular as duas colocações, dos professores Humberto e Edwaldo. Vou começar falando sobre a motivação de Xavier, que tinha uma razão declarada para ir, que era estudar e fazer o curso da pós-graduação em Economia Espanhola, o que precisava para conseguir o trabalho que o pai havia indicado. Porém, a viagem se torna algo muito maior, que foi a abertura de suas ideias para várias coisas que ele não conhecia, para uma série de coisas que ele queria fazer e não fazia, mas acho que, principalmente pelo desfecho da viagem, que é quando ele abandona o emprego e vê que aquilo não era o que ele deveria fazer e decide realizar o sonho de infância. Como Xavier mostra no final do filme, desde a infância ele dizia: “Eu quero escrever livros”. A partir de tudo que viveu, Xavier decide abandonar tudo que era imposto a ele e viver tudo que ele realmente queria fazer.

Sobre a questão de estereótipos, acho muito interessante a forma como o personagem Willian rotula a to-dos: trata o alemão como um nazista, zomba da espanhola falando de forma extremamente rápida, dentre outras situações. Essas cenas também dialogam com a conversa que Isabele e Xavier têm com colegas de faculdade após pedirem para que o professor falasse em espanhol e ele ter respondido que não aceitaria. Os dois alunos da própria Espanha falam da dificuldade em se trabalhar com as múltiplas identidades, por terem uma identidade negra e, ao mesmo tempo, uma identidade catalã.

Também é interessante falar do dono do bar que Xavier frequentava, como grande aproximador dele com a localidade. Como o professor Humberto falou, ele não tinha muito contato com os espanhóis e acaba sendo esse dono de bar a pessoa que lhe apresenta as gírias do local, mostra-lhes vivências outras que não se resumiam ao cenário do albergue ou até mesmo universitário.

Encerrando, acredito que uma viagem sempre causa uma transformação, como o Edwaldo falou: “Talvez a gente não tenha a consciência de que toda viagem que a gente faz nos transforma e como isso aconte-ce.” Acho que o principal para Xavier foi, a partir de tudo o que ele viveu, tudo que ele construiu, não ter previsto o que ia acontecer, como a viagem o impulsionaria a de fato viver coisas que ele realmente queria, como ser escritor e não seguir na carreira de economista, para, também, se tornar essa pessoa mais sensível e aberta para o mundo.

Xavier e Martine se despedem, no aeroporto de Barcelona.

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CONTRIBUIÇÕES E APONTAMENTOS DA PLATEIA:

PlateiaVejo nos três filmes, e principalmente com o personagem Xavier, um grande grito de liberdade, a busca do eu, de se livrar daquela opressão que acontecia nos seios de suas famílias.

O Edwaldo comentou a questão dos não-lugares e isso me remeteu à outros filmes que também mostram como esse conceito está caindo. Como em ‘O Terminal’, em que o tempo toda se mostra como relações podem acontecer ali. O tempo todo se utiliza do terminal para o desenvolvimento de toda a logística do filme, toda a história. E também o programa “Chegadas e Partidas”, em que se analisa o que acontece no aeroporto, no momento da chegada e da partida dos viajantes. Para o programa, não importa o que acontece na viagem, o que eles viveram, apenas aquele momento, as partidas e as chegadas.

Edwaldo Acho que é uma visão muito perniciosa ver esses espaços de trânsito como estando isentos de rela-ções de afeto, de identidades. A viagem começa muito antes daquele momento de partir. A pessoa já começa a buscar informações sobre o lugar, etc. Sobre o terminal, apesar de você não ter chegado à cidade de destino, você já está viajando.

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TRECHOS DO FILME:

Cena do filme que apresenta Xavier conhecendo a cidade de Barcelona.

“Quando você chega a uma cidade, você vê ruas, construções estranhas. Tudo é desco-nhecido, virgem. Um dia você terá morado aqui, vai conhecer essas ruas de cor. Terá mo-rado nesses edifícios, e vivido histórias com o povo. Uma vez que tiver morado nessa cidade, cruzado essa rua 10, 20, 1000 vezes... Fará par-te de você depois de ter vivido lá.” (14’ 17” a 15’ 18”)

“- Me parece contraditório defender o catalão no momento em que estamos criando a União Europeia.- Eu não concordo. Primeiro porque estamos discutindo identidades e não existe uma única identidade válida, mas uma grande varieda-de delas, perfeitamente compatíveis. É uma questão de respeito. Por exemplo, eu tenho pelo menos duas identidades. Minha identi-dade de Gâmbia, que carrego internamente, e minha identidade catalã. Não é contraditório combinar duas identidades.- Você é francesa, não é marciana.” (28’43” a 29’28”).

“Sou francês, espanhol, inglês. Sou francês, espanhol, dinamarquês. Não sou um, sou vários. Sou como a Europa. Sou tudo. Uma grande bagunça.” (1h57’ 09” a 1h57’ 18”)

O caos do albergue e de sua geladeira, descritos na explanação do professor Humberto.

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Os moradores do Albergue Espanhol, das mais variadas nacionali-dades.

Os passeios turísticos realizados por Xa-vier e Anne Sophie.

Os intercambistas aproveitando a noite de Barcelona, cantando com americano que haviam acabado de conhecer.

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Sinopse

Cinco anos após a experiência em Barcelona, agora com trinta e pou-cos anos, Xavier trabalha como escritor de telenovelas e jornalista freelancer, porém sonha poder ser livre para escrever suas próprias histórias. Ele continua em conta-to com sua ex-namorada Martine, agora mãe solteira. Dividido entre Wendy, a amiga britânica, e uma modelo, Xavier conta com a ajuda de Isabelle, sua amiga lésbica, para encontrar o verdadeiro amor. Em meio às aventuras amorosas de Xa-vier, há espaço para o encontro do grupo de amigos que há cinco anos dividiu o “Albergue Espanhol” em Barcelona. Agora, todos estão na Rússia, para participar do casamen-to de Wiliam, irmão de Wendy, com Natasha, uma bailarina russa.

Ficha Técnica

Título Original: Les Poupées RussesDiretor: Cédric Klapisch.

Elenco: Romain Duris, Audrey Tautou, Cécile De France, Kelly Reilly, Kevin Bishop, Lucy Gordon, Evguenya Obraztsova.

Gênero: Comédia.Duração: 115 min.

Lançamento: 2005 (França).

4. BONECAS RUSSAS

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Ficha Técnica

Título Original: Les Poupées RussesDiretor: Cédric Klapisch.

Elenco: Romain Duris, Audrey Tautou, Cécile De France, Kelly Reilly, Kevin Bishop, Lucy Gordon, Evguenya Obraztsova.

Gênero: Comédia.Duração: 115 min.

Lançamento: 2005 (França).

Prêmios César (Academia das Artes do Cinema – França):César de Melhor Atriz Coadjuvante: Cécile de FranceCésar de Melhor Atriz Coadjuvante: Kelly Reilly (Indicação)César de Melhor Edição (Indicação)

PRÊMIOS

“[...] para fazer “Albergue Espanhol” e “Bonecas Russas”, tive de me colocar questões sobre a Euro-pa, uma vez que filmei em Londres, São Petersburgo e Barcelona. E de um momento para o outro, estas cidades passaram a ter pontos em comum, é a identidade da Europa, ligada aos conflitos, mas também à modernidade.” (Cédric Klapisch em entrevista ao portal Euronews, em 18 de maio de 2007).

O QUE FOI DITO

Exibição: 05 de novembro de 2011

Comentarista 1: Lucas Gamonal Barra de Almeida (Discente do Curso de Turismo – UFJF)Comentarista 2: Karine de Aquino Angelim (Discente do Curso de Turismo – UFJF)

Mediador: Thomas Gomes Sant’Ana de Castro (discente do Curso de Turismo – UFJF)

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Vou procurar falar um pouco de todos os temas, fazendo alguns apontamentos gerais sobre o filme. O principal que vejo em todos os personagens, mas principalmente no Xavier, é o sujeito transformado pós--viagem. No final do filme “Albergue Espanhol”, vemos que ele decidiu largar sua formação, o emprego que era o ideal, para fazer aquilo que realmente queria, mas, ao mesmo tempo, agora já voltou para a rotina e já se vê sem um objetivo de vida tão grande. Nesse filme, “Bonecas Russas”, a principal busca de Xavier é por um amor, que ele nunca consegue encontrar, e também por uma estabilidade na carreira, pois apesar de estar trabalhando como escritor, não consegue publicar o que ele realmente queria, o filme que ele es-creveu sobre o Albergue Espanhol, e tem que permanecer com trabalhos em que não sente tanto prazer, mas que são a única forma que tem de se manter escrevendo.

Suas frustrações ficam explícitas nas brigas que tem com a Martine, pois sua ex-namorada “joga na cara” a realidade que ele está vivendo e como ele está frustrado por ela. Xavier está perdido, procurando um novo motivo para viver. A vivência em Barcelona trouxe de volta o ânimo, mas parece que o protagonista o perdeu de novo por ter caído na rotina do retorno. Talvez o que ele precise para se reanimar seja esse outro amor.

Outro paralelo que eu vejo, que é muito frequente nos discursos de venda do intercâmbio, é sobre a dife-renciação frente ao mercado de trabalho. Todos os personagens têm algum reflexo na carreira a partir da experiência que tiveram com o que estudaram na Espanha. Isabele, por exemplo, estudou Economia na Espanha e é uma importante jornalista da área. Xavier, por ter tido essa experiência na Espanha e, tam-bém, outros tipos de experiência, domina vários idiomas, bem como Wendy. Para todos eles, de alguma forma, essas experiências foram agregadoras para que também pudessem se diferenciar frente ao mercado de trabalho. Além da importância do networking: Xavier conhece Wendy, que era justamente a escritora que a BBC tinha indicado para continuar escrevendo o romance. Então, por ela conhecer Xavier, acaba lhe indicando para o trabalho conjunto. É interessante perceber como, na prática, os discursos de venda de um pacote de intercâmbio, por exemplo, acabam se concretizando.

Outra cena importante é a da festa de casamento de Wiliam, no barco, em que todos falam um pouco so-bre as alterações que sofreram, ficando claro como todos acabaram mudando e como aquela experiência que viveram juntos no albergue foram importantes para essa mudança. Nesse momento, o personagem alemão comenta sobre Wiliam: “Ah, quando eu conheci o Wiliam, ele era retardado, porque ele achava que eu era nazista por ser alemão...”, enfim, por afirmar certos estereótipos e ser criticado no outro filme, William consegue alterar seus pressupostos e os seus amigos percebem tais mudanças.

Mas, ao mesmo tempo, podemos ver que o britânico ainda permanece com alguns resquícios desses es-tereótipos. Na cena em que estão os quatro personagens juntos, Wiliam com a noiva Natasha, Xavier e Wendy, o personagem começa a falar das proporções da rua em São Petersburgo, fala como os russos têm fixação por coisas ideais, por medidas extremamente iguais, são perfeccionistas e, em contrapartida, fala como ele também se enquadra dentro de um estereótipo, falando que os ingleses pedem desculpas por tudo. Ou seja, apesar de já ter mudado, por já conseguir conviver melhor com essas diferenças, ainda exis-tem resquícios, como quando ele chega a Paris para se encontrar com o Xavier e começa a brincar com os passantes de forma totalmente estereotipada.

ANÁLISES REALIZADAS PELOS COMENTARISTAS DA SESSÃO:

Comentarista 01: Lucas Gamonal Barra de Almeida (Discente do Curso de Turismo – UFJF)

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Finalizando, podemos perceber uma alegoria sobre a crise na União Europeia e, no caso específico da Rússia, da questão sobre a entrada deste país na Comunidade. O casamento de Wiliam, um inglês, com uma russa, é mais uma metáfora para fazer essa análise sobre a possibilidade da Rússia em unir-se com a União Europeia.

Comentarista 2: Karine de Aquino Angelim (Discente do Curso de Turismo – UFJF)

Começaria as análises pelo significado do título, “Bonecas Russas”, que por ser a procura de algo perfeito. E ele está sempre procurando (e nós também) alguma coisa de melhor na vida, a felicidade, uma melhora na carreira, no amor, estamos sempre tentando ser melhor a cada dia, e acho que isso remete às “Bone-cas Russas”. Xavier está sempre procurando a mulher perfeita, um amor perfeito, mas ele mesmo não demonstra ser um homem perfeito, era apaixonado pela namorada Martine, e ainda assim a traía, ele era impaciente com a mãe, gritava, brigava.

Outro ponto que acho interessante está em “Bonecas Russas” vir traçando o trajeto de cada personagem cinco anos após o intercâmbio em Barcelona, a vivência pós-intercâmbio, como estão e como realmente eram. A realidade é bem diferente, a maturidade chegou e a realidade dos dois filmes mostra dois extre-mos.

Começando a misturar a história com o que eu vivi nos EUA por um ano e meio, acredito que, em “Albergue Espanhol”, Xavier estava mais aberto às pessoas, talvez por não conhecer a língua. Chegamos muito humil-des em um país, queremos entender, aceitamos o que é oferecido porque precisamos. Você está em um país diferente, em um lugar totalmente distante de sua casa e sozinho, a realidade. O protagonista estava aberto a qualquer coisa, disposto a fazer parte daquele grupo e, para fazer a vida dele ali em Barcelona ser a melhor possível, via que dependia das pessoas para ser feliz, via que aquilo não era tão fácil assim e que ele dependia das pessoas para que aquilo fosse realizado, senão não daria certo e ele teria que acabar voltando.

Você realmente sente a solidão e às vezes você sai até com quem você não gosta para não se sentir sozi-nho, e isso acontecia muito lá nos Estados Unidos comigo. Xavier estava tentando ser o melhor ali, estava tentando ser aceito no lugar que ele viu ser o ideal para ele, que era o albergue espanhol. O paralelo que quero fazer com “Bonecas Russas” é que ele mudou totalmente, passou da pessoa humilde para aquela pessoa indiferente.

Em “Bonecas Russas”, Xavier, aos olhos de seus amigos que lhe conheceram em Barcelona, demonstra ser rude e impaciente, porque estes possuem uma imagem congelada de 05 anos atrás. No entanto, o tempo passou, e ele não é mais o Xavier de “Albergue Espanhol”: ele simplesmente mudou, as circunstâncias também mudaram, e ele não pode (não consegue) mais assumir aquela postura conhecida pelos seus antigos companheiros de república. O Xavier intercambistas e o Xavier de 5 anos depois não se encaixam mais, o que gera conflitos não só no personagem mas em todos os seus velhos companheiros que agora devem buscar novas formas de se posicionar no relacionamento de amizade.

Mediador: Thomas Gomes Sant’Ana de Castro (discente do Curso de Turismo – UFJF)

Finalizando as discussões, no primeiro filme, “Albergue Espanhol”, vemos o choque de culturas muito em evidência entre as línguas, entre os costumes. Já o que vemos em “Bonecas Russas” é um tratamento de convivência, de exceção, e é interessante notar esse processo de hibridização cultural. Muito se fala

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em perdas entre culturas, como “se eu como um Mc Donald’s, se eu experimento um hábito americano, estou perdendo a minha cultura brasileira para os Estados Unidos”, mas, como a Karine apontou, ela teve trocas, ela levou hábitos, levou costumes brasileiros para os americanos, mas também os adquiriu.

Outra elemento que me chamou a atenção e que quero levantar foi a questão do título “Bonecas Russas” remetendo ao inesperado da viagem, aos imprevistos da vida. Xavier estava acostumado com uma vivên-cia, mas de uma hora para outra isso se transformava e ele se deparava com outra pessoa, com um outro amor, com outros hábitos.

CONTRIBUIÇÕES E APONTAMENTOS DA PLATEIA:

ThomasKarine, fale um pouco sobre a sua volta do intercâmbio. No outro país, você criou uma rotina, com novos amigos, hábitos e etc... Então, como ocorreu esta descoberta da volta? Conte-nos a respeito de suas percepções sobre essas mudanças e como tudo ficou depois de seu intercâmbio.

KarineCheguei aos EUA na mesma época em que outras pessoas chegaram, então nós vivemos tudo aqui-lo intensamente, e também fomos embora praticamente juntos, estávamos vivendo os mesmos momentos. Quando eu cheguei aqui no Brasil, fiquei tanto tempo fora, que não lembrava quem eu era, não lembrava nem como ligar a cobrar. Tudo parecia tão antigo, parecia que eu estava em ou-tro mundo e com uma idade muito superior a minha. Quando eu voltei para as aulas na faculdade, por exemplo, a sensação é a de que eu estava vindo fazer um mestrado, que eu estava há uns cinco anos fora daqui, parecia tudo tão antigo, parado, e eu não via ninguém da minha turma, porque o tempo passou, não tinha mais ninguém que eu conhecia e eu me senti bastante sozinha de novo.

Então vem outro conflito, porque ninguém te entende, mas não é culpa de ninguém. E, na verdade, por uma ou duas semanas, eu forcei, eu voltei duas ou três semanas atrasadas, justamente para eu não sentir, para eu não deixar a minha cabeça somente com pensamentos ruins de saudade. Porque eu tinha que voltar, eu adorava a faculdade, eu não queria largar, eu não queria fazer lá. Mas, na ver-dade, eu me senti um E.T. aqui nas primeiras semanas, só que eu não falei isso nem para o meu pai.

As suas percepções de mundo ficam diferentes também, mas em relação aos amigos que eu fiz, por exemplo, fiz amigos para a vida inteira e mantenho contato todos os dias, praticamente tudo acontece bem rápido quando você está no intercâmbio, a vida passa... voa, e quando a gente volta é a mesma rotina de sempre. As necessidades mudam também e você tem que se habituar a isso, procurando os amigos... sempre com eles.

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LucasVocê falou de tempo... Os personagens ficaram um ano na Espanha. Você ficou quanto tempo no seu intercâmbio nos Estados Unidos?

KarineUm ano e meio. Mas em um ano eu já estava louca, porque eu não sabia quem eu era mais, como me comportar. Eu morava com uma família americana, então parecia que eles me conheciam mais que meu próprio pai.

PlateiaEu sei que você teve um reencontro. Então, eu gostaria que você falasse um pouco desse reencon-tro com a sua família de lá.

KarineEu tive duas famílias americanas. Com a primeira eu fiquei um mês/um mês e meio, em Nova Jer-sey. Eles eram britânicos e super frios, eu nunca sequer os toquei. Não deu certo por vários moti-vos. Então eu fui morar no Texas, em Hilton. Chegando lá, eu mudei, eu criei um “casco” em mim, uma proteção. Estava contra qualquer pessoa fria, contra qualquer coisa ruim. Eu fiquei com raiva de ir pro Texas porque morava ao lado de Nova York. Então eu pensei: “Lá eu vou ser eu mesma, não vou seguir o padrão da família, não vou ficar tentando agradar, vou ser eu mesma!”. Fui e me adoraram, estavam gostando muito de mim e eu fiquei assustada, porque ainda tinha um “casco”, não estava conseguindo ser eu mesma, porque eu ainda estava sendo fria.

E depois eu pensei: “Como eu posso ser fria assim, se eu estava criticando alguém que era? E eles me adoraram, me compararam com outras meninas que moraram na casa, e que nunca tinha acon-tecido isso com eles. A nossa situação foi perfeita: saí do programa de intercâmbio e estava quase voltando para o Brasil pela minha situação, se não encontrasse uma família. Chegaram a comprar um carro para mim e falaram: “A gente não queria nem emprestar o nosso para as outras meninas e para você nós queremos comprar, queremos te agradar!”Agora em 2011 eles vieram para o Brasil e fui encontrá-los. Foi a melhor sensação que eu já tive desde o intercâmbio, e nós ainda mantemos contato, eu os amo de verdade.

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PlateiaEu acho que um paralelo com o filme “Bonecas Russas”, que representa a relação de carinho abor-dada pela Karine é o momento em que Xavier se encontra com Wendy por acaso, quando ela entra no quarto. O sentimento que eles têm de compaixão pela situação que ela está vivendo é remanes-cente da história que eles viveram juntos, esse sentimento só existe pela vivência compartilhada que eles já tiveram em algum momento.

KarineNão acaba, parece que não acaba, sabe, nunca, não esfria. Não é uma amizade que esfria, porque a distância sempre vai acontecer, sempre vai estar ali, aquele já não era o seu lugar natural, você não a conheceu na sua cidade, então sempre que você a encontrar já vai estar em uma amizade muito intensa.

PlateiaEu acho que essa questão de você ir e ter a necessidade do reencontro é muito forte. Eu, por exem-plo, fui para os Estados Unidos e depois tive a necessidade de reencontrar os meus amigos do Peru. A necessidade do reencontro que temos é justamente resultado da mudança que sofremos. Na viagem a gente se transforma e quando a gente volta, parece que a gente perde um pouco dessa essência que ganhou lá, então temos essa necessidade de se reencontrar para sentir isso de novo.

Karine Parece que só eles vão entender quem a gente é, porque eles viveram as mesmas coisas.

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PlateiaEu acho que isso acontece em todo tipo de viagem. No intercâmbio você mora naquele lugar, mas quando você vive coisas com algumas pessoas, o resto do seu mundo, o que você conhece, parece que só aquelas pessoas vão entender uma piada... Você olha para o lado e não tem ninguém para compartilhar, chega a ser desesperador.

PlateiaO engraçado é que quando você chega, você quer falar alguma coisa, mas não tem nenhum brasilei-ro para fazer uma piada em português. Porém, quando você volta, também não tem ninguém para fazer a piada que você fazia lá, ninguém vai entender.

KarineÉ o que eu sentia. Eu não me sentia em casa lá, via que nunca mais na minha vida ia estar satisfeita. Eu estava muito bem no Brasil, morri de chorar para me despedir, porque eu estava no meu melhor momento com os meus amigos aqui, só que a gente nunca quer se despedir das pessoas, mas eu vi que ao mesmo tempo em que eu estava super feliz lá, tinha alguma coisa que me deixava super tris-te... Mas o que me fez ir até lá, era alguma coisa que estava me faltando também e que eu precisava. Ou seja, eu não estava completa aqui e eu fui buscar algo na viagem. Lá eu supri essa necessidade que eu buscava e encontrei outra, então estamos sempre procurando outra coisa, uma coisa me-lhor, a boneca russa.

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TRECHOS DO FILME:

“Você é um parasita. Fica deitado na sua rede, contando as suas histórias, e se sente bem as-sim. Não mude nada, você parece satisfeito.” (32’03” a 32”19”)

Xavier e Wendy se reencontram para es-creverem profissionalmente, contratados por uma emissora de TV.

As reviravoltas entre Xavier e Wendy, que após cinco anos da experiência de intercâmbio que viveram, se apaixonam.

Após se conhecerem em Barcelona, Xa-vier e Isabelle tornaram-se grandes ami-gos, permanecendo sempre em contato.

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“Desculpe, Xavier, mas a mulher que está procurando não existe. Cresça! Você quer uma princesa ou uma heroína de novela.” (41’50” a 42”03”)

“Quando conheci William, achei que fosse retardado. Por eu ser alemão, ele achava que eu era nazista. Muitas pessoas acham isso. Mas a Alemanha mudou, a Rússia mudou e William também mudou. As pessoas mudam”. (1h56’07” a 1h56’28”)

“- Aprendemos que essa rua tem proporções ideais. A altura dos prédios é igual à largura da rua. Ela tem 250m.- Esta rua tem proporções ideais: 25m de altu-ra, 25m de largura e 250m de extensão. Pesso-almente, não acho que seja o ideal. Os russos são obcecados por coisas ideais.- Isso não é verdade!- É, sim, querida! Não é uma coisa ruim. Os ingleses também têm manias. Wendy, lembra daquele seu namorado americano? Como se chamava? Bruce? Um dia estávamos conver-sando e ele disse: “O problema dos ingleses é que vivem se desculpando. O tempo todo! Desculpe isso, desculpe aquilo!” É verdade, eu vivo me desculpando. O que eu poderia dizer? Me desculpe, mas ninguém é perfeito.” (1h35’08” a 1h35’44”)

O casamento de Wiliam e Natasha, respon-sável por fazer com que todos os amigos do “Albergue Espanhol” se reencontrassem, trans-formados pelo tempo.

Na celebração do casamento de William e Natasha, todos se reencontram e expressam o quanto mudaram e como as vivências que compartilharam foram importantes para isso.

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