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121 Revista de divulgação técnico-científica do ICPG Vol. 2 n. 8 - jan./jun./2006 ISSN 1807-2836 1 INTRODUÇÃO Brincar, para a criança, é a mais clara expressão de sua realidade, pois é por meio dessa ação que ela desenvolve seus raciocínios lógicos, suas habilidades, seus pensamentos e sua criatividade. Além disso, também usa o brincar para se comunicar, se entender e se desenvolver. Vygotsky (1988, apud KISHIMOTO,1999, p. 63) afirma que, “Para a criança com menos de três anos, o brinquedo é coisa muito séria, pois ela não separa a situação imaginária da real. Dessa forma, o brinquedo tem grande importância no desenvolvimento, pois cria novas relações entre situações no pensamento e situações reais”. Segundo Freud (apud KISHIMOTO, 1999, p.57), “Cada criança em suas brincadeiras comporta-se como um poeta, enquanto cria seu mundo próprio ou, dizendo melhor, enquanto transpõe os elementos formadores de seu mundo para uma nova ordem, mais agradável e conveniente para ela.” Assim, para que a criança cresça e se desenvolva com liberdade de expressão, criatividade e autonomia, é importante que se faça presente em seu desenvolvimento um suporte capaz de permitir diversas experiências e a utilização de recursos que possibilitem a satisfação de suas necessidades prioritárias, a expressão de seus anseios, desejos, sentimentos, vontades e desagrados, bem como a interação ao meio coletivo com crescente autonomia e socialização.(MAUDIRE, 1988). Para Barreto (2000), ao brincar, a criança desenvolve, entre outros, o seu lado emocional e afetivo, estando em constante momento de experimentação e aprendizagem. A brincadeira, apesar de não possuir natureza determinada, com regras e atividades dirigidas, permite explorar os processos capazes de fazer o brincar funcionar de verdade, favorecendo, dessa forma, a construção do conhecimento e o desenvolvimento emocional, social e cognitivo das crianças. Tendo em vista o exposto, consideramos de grande importância que o adulto tenha amplo conhecimento sobre o brincar do dia-a-dia da criança. Assim, este artigo pretende fazer uma abordagem teórica sobre a importância do brincar para o desenvolvimento infantil e ressaltar o papel do adulto no sentido de contribuir para que isso aconteça efetivamente. A CRIANÇA E O BRINCAR Linacir Oedmann Pasdiora Ivan Carlos Hort Resumo Toda criança, para ser feliz e transformar-se em um adulto feliz, necessita muito de momentos de alegria. Nada melhor para o adulto do que oportunizar a ela diversos tipos de brincar e com ela brincar muito para atingir tal objetivo. Este artigo tem a finalidade de conscientizar os adultos sobre a importância do brincar no desenvolvimento infantil. A criança deve ser estimulada a brincar porque, por meio do brincar, se socializará, aprenderá a dividir, a ser criativa, a compartilhar momentos diferentes, a experimentar novos sentimentos e, até mesmo, dependendo da faixa etária, a demonstrar a sua personalidade e a sua própria opinião. Palavras-Chave: Brincar, desenvolvimento, criança, adulto. 2 O BRINCAR Consideramos que o brincar seja inato ao ser humano: brincamos quando crianças, quando adultos e quando idosos, pois brincar é uma ação contínua que envolve pensamento-ação- reação. O universo infantil está presente em cada um de nós. As experiências da infância deixam profundas marcas em nossas vidas e, mesmo sem sabermos disso, as trazemos nos gestos, nas falas e nos costumes. Os brinquedos, as brincadeiras e o brincar integram esse leque de experiências vividas. O ato de brincar alimenta o espírito imaginativo, exploratório e inventivo do faz-de-conta. Brincar tem o sabor de desconhecer o que se conhece, pois cada brincadeira é um universo a ser sempre redescoberto, revivido, reaprendido. O faz-de-conta tem um sentido muito profundo e repleto de significados em nossa vida, principalmente na vida da criança, sendo que “[...] a identidade de uma pessoa e de um povo começa nos rituais de infância” (ERIKSON apud PEREIRA, 2002, p.7). Para o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), brincar é fundamental para o pleno desenvolvimento da autonomia e identidade da criança. Os fatos de o ser humano poder comunicar-se desde muito cedo por meio de sons, gestos e, logo após, poder representar um papel na brincadeira, ajudam a desenvolver sua imaginação. Ainda de acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), por intermédio do brincar, podemos observar a coordenação das experiências prévias das crianças e as reações tomadas por elas frente a diversas situações que surgem no decorrer das brincadeiras. Brincando a criança desenvolve importantes capacidades, torna-se criativa e atenciosa, imita, memoriza, imagina e amadurece, também, algumas capacidades de socialização por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis sociais. No brincar, a criança ocupa o papel do sujeito, interpretando, muitas vezes, situações reais que já presenciou e marcaram o momento. Nessas brincadeiras, ela, como sujeito principal, usa sua imaginação e criatividade e, por vezes, até coloca em prática a sua fantasia para solucionar os problemas que

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121Revista de divulgaçãotécnico-científica do ICPG

Vol. 2 n. 8 - jan./jun./2006ISSN 1807-2836

1 INTRODUÇÃO

Brincar, para a criança, é a mais clara expressão de suarealidade, pois é por meio dessa ação que ela desenvolve seusraciocínios lógicos, suas habilidades, seus pensamentos e suacriatividade. Além disso, também usa o brincar para se comunicar,se entender e se desenvolver.

Vygotsky (1988, apud KISHIMOTO,1999, p. 63) afirma que,“Para a criança com menos de três anos, o brinquedo é coisamuito séria, pois ela não separa a situação imaginária da real.Dessa forma, o brinquedo tem grande importância nodesenvolvimento, pois cria novas relações entre situações nopensamento e situações reais”.

Segundo Freud (apud KISHIMOTO, 1999, p.57), “Cadacriança em suas brincadeiras comporta-se como um poeta,enquanto cria seu mundo próprio ou, dizendo melhor, enquantotranspõe os elementos formadores de seu mundo para uma novaordem, mais agradável e conveniente para ela.”

Assim, para que a criança cresça e se desenvolva comliberdade de expressão, criatividade e autonomia, é importanteque se faça presente em seu desenvolvimento um suporte capazde permitir diversas experiências e a utilização de recursos quepossibilitem a satisfação de suas necessidades prioritárias, aexpressão de seus anseios, desejos, sentimentos, vontades edesagrados, bem como a interação ao meio coletivo com crescenteautonomia e socialização.(MAUDIRE, 1988).

Para Barreto (2000), ao brincar, a criança desenvolve, entreoutros, o seu lado emocional e afetivo, estando em constantemomento de experimentação e aprendizagem.

A brincadeira, apesar de não possuir natureza determinada,com regras e atividades dirigidas, permite explorar os processoscapazes de fazer o brincar funcionar de verdade, favorecendo,dessa forma, a construção do conhecimento e o desenvolvimentoemocional, social e cognitivo das crianças.

Tendo em vista o exposto, consideramos de grandeimportância que o adulto tenha amplo conhecimento sobre obrincar do dia-a-dia da criança. Assim, este artigo pretende fazeruma abordagem teórica sobre a importância do brincar para odesenvolvimento infantil e ressaltar o papel do adulto no sentidode contribuir para que isso aconteça efetivamente.

A CRIANÇA E O BRINCAR

Linacir Oedmann PasdioraIvan Carlos Hort

Resumo

Toda criança, para ser feliz e transformar-se em um adulto feliz, necessita muito de momentos de alegria. Nada melhor para o adultodo que oportunizar a ela diversos tipos de brincar e com ela brincar muito para atingir tal objetivo. Este artigo tem a finalidade deconscientizar os adultos sobre a importância do brincar no desenvolvimento infantil. A criança deve ser estimulada a brincarporque, por meio do brincar, se socializará, aprenderá a dividir, a ser criativa, a compartilhar momentos diferentes, a experimentarnovos sentimentos e, até mesmo, dependendo da faixa etária, a demonstrar a sua personalidade e a sua própria opinião.

Palavras-Chave: Brincar, desenvolvimento, criança, adulto.

2 O BRINCAR

Consideramos que o brincar seja inato ao ser humano:brincamos quando crianças, quando adultos e quando idosos,pois brincar é uma ação contínua que envolve pensamento-ação-reação.

O universo infantil está presente em cada um de nós. Asexperiências da infância deixam profundas marcas em nossasvidas e, mesmo sem sabermos disso, as trazemos nos gestos, nasfalas e nos costumes. Os brinquedos, as brincadeiras e o brincarintegram esse leque de experiências vividas.

O ato de brincar alimenta o espírito imaginativo,exploratório e inventivo do faz-de-conta. Brincar tem o sabor dedesconhecer o que se conhece, pois cada brincadeira é umuniverso a ser sempre redescoberto, revivido, reaprendido. Ofaz-de-conta tem um sentido muito profundo e repleto designificados em nossa vida, principalmente na vida da criança,sendo que “[...] a identidade de uma pessoa e de um povo começanos rituais de infância” (ERIKSON apud PEREIRA, 2002, p.7).

Para o Referencial Curricular Nacional para a EducaçãoInfantil (BRASIL, 1998), brincar é fundamental para o plenodesenvolvimento da autonomia e identidade da criança. Os fatosde o ser humano poder comunicar-se desde muito cedo por meiode sons, gestos e, logo após, poder representar um papel nabrincadeira, ajudam a desenvolver sua imaginação.

Ainda de acordo com o Referencial Curricular Nacionalpara a Educação Infantil (BRASIL, 1998), por intermédio do brincar,podemos observar a coordenação das experiências prévias dascrianças e as reações tomadas por elas frente a diversas situaçõesque surgem no decorrer das brincadeiras.

Brincando a criança desenvolve importantes capacidades,torna-se criativa e atenciosa, imita, memoriza, imagina e amadurece,também, algumas capacidades de socialização por meio dainteração e da utilização e experimentação de regras e papéissociais.

No brincar, a criança ocupa o papel do sujeito,interpretando, muitas vezes, situações reais que já presenciou emarcaram o momento. Nessas brincadeiras, ela, como sujeitoprincipal, usa sua imaginação e criatividade e, por vezes, até colocaem prática a sua fantasia para solucionar os problemas que

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ocorrerão com base na brincadeira em que está inseridaO brincar permite à criança resolver conflitos internos,

muitas vezes imperceptíveis aos olhares dos adultos, além degarantir que o cérebro mantenha o corpo ativo, descubra odesconhecido, amplie o seu mundo.

Para a criança, brincar é o modo mais construtivo parapassar o tempo. Brincar é divertimento. O brincar para acriança é a oportunidade de obter inúmeros benefícios, dentre osquais se incluem:

a) sentir prazer, não importando o papel que desempenha nabrincadeira;

b) estar livre dos comandos dos adultos, podendo, assim,elas próprias, comandarem, escolherem, formularem regrase assumirem o seu espetáculo da maneira que for melhorpara elas;

c) descobrir o mundo;d) sentir-se feliz e estimulada a descobrir o mundo,

investigando, testando, analisando, identificando,interpretando e explorando relações de causa e efeito;

e) aprender brincando em qualquer área da vida;f) desenvolver a auto-estima.

O tempo utilizado pela criança para brincar só contribuipara o seu bem-estar e para as suas experiências futuras.

As crianças têm as suas preferências ao brincarem.Escolhem brincar do que melhor sabem fazer para que possamobter os melhores resultados, sentindo-se realizadas ao poderemcriar regras e obterem sucessos, principalmente quando nãohouver adultos apontando falhas. Ao perceberem sozinhas essasfalhas, se sentirão livres para experimentar e errar e tentarnovamente sem se sentirem constrangidas.

“Pesquisas mostram que crianças que brincam mais - tantosós como em grupo - são mais criativas do que as que poucobrincam. E as que brincam regularmente com outras crianças têmmenos problemas de ajuste social quando atingem a idade adulta”.(SMITH)

Segundo Winnicott (1991, p. 63) ,O brincar é o fazer em si, um fazer que se requer tempo eespaço próprio, um fazer que se constitui de experiênciasculturais, que é universal e próprio da saúde, porque facilitao crescimento, conduz aos relacionamentos grupais,podendo ser uma forma de comunicação consigo mesmo ecom os outros.

São muitas as formas de brincar e isto tem a ver com algoque difere entre as pessoas, seja um pedaço de pau, uma pedra,uma fogueira, um som, uma pessoa. Esses “materiais” estãoplenos de sugestões, de idéias e de possibilidades que podemvirar brinquedos.

Quem brinca sabe que a alegria se encontra precisamenteno desafio e na dificuldade. Alves (1999) nos mostra queprofessores e pais bons são aqueles que transformam a matériaem brinquedo e seduzem o aluno e o filho a brincar. Depois deseduzido, não há quem segure.

O brincar é, pois, uma das atividades fundamentais para odesenvolvimento e a educação das crianças. Proporcionando obrincar, cria-se um espaço no qual as crianças podem experimentaro mundo, interpretar, significar e compreender de maneira ativa eprática os comportamentos, usos, costumes e sentimentos dohomem. De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a

Educação Infantil (BRASIL, 1998, p. 158), “as práticas culturaispredominantes e as possibilidades de exploração oferecidas pelomeio no qual a criança vive permitem que ela desenvolvacapacidades e construa repertórios próprios.”

Segundo Leontiev (1991, p. 79), “Brincando a criança irápouco a pouco aprendendo a se conhecer melhor e a aceitar aexistência dos outros, organizando suas relações emocionais e,conseqüentemente, estabelecendo suas relações sociais.”

Podemos observar que brincar não significa simplesmenterecrear-se. Isso porque é a forma mais completa que a criança temde comunicar-se consigo mesma e com o mundo. O ato de brincarpode incorporar valores morais e culturais, sendo que asatividades lúdicas devem visar à auto-imagem, auto-estima,autoconhecimento e cooperação porque estes conduzem àimaginação, à fantasia, à criatividade, à criticidade e a uma porçãode vantagens que ajudam a moldar suas vidas como crianças ecomo adultos.

Além do que já foi apresentado sobre o brincar, queremosenfatizar ainda que:

• brincar desenvolve aptidão para o convívio social: acriança se prepara para obter um convívio social por meiodas brincadeiras quando ela utiliza seres inanimados einofensivos, como ursinhos e bonecas, com os quaispratica a sua capacidade de interação. Logo após, ampliaessa capacidade com brincadeiras em grupo com as quaispoderá aprender seus direitos e respeitar os alheios. Nadamelhor do que brincar com os pais para que possa refinarsuas habilidades sociais e obter uma melhor interaçãosocial;

• brincando a criança pode elaborar sentimentos: a criançapode trabalhar os diversos tipos de emoções que fazemparte dos seus momentos, pois, conforme a brincadeiraem que estiver inserida, ela experimenta diversossentimentos que são manifestados no decorrer das suassituações vivenciadas;

• brincar estimula o desenvolvimento da linguagem: nodecorrer de uma brincadeira, a criança emite sons paraconseguir comunicar-se com o colega ou para melhorrelacionar-se com o brinquedo. Até mesmo os bebês quemal começaram a falar ou balbuciar já emitem sons aobrincarem, o que mostra que o seu brincar é uma situaçãomais prazerosa;

• ao brincar a criança pode transcender a própria idade:no seu cotidiano, ao brincar, a criança utiliza váriasimitações, as quais, na realidade, lhe são negadas por sermuito pequena, mas que, no jogo da fantasia, do faz-de-conta, a deixam eufórica e fazem crescer a auto-estima,ajudando-a a criar uma identificação com o adulto;

• brincar estimula a criatividade e a imaginação: nosmomentos de brincadeiras, de fantasia, criatividade e faz-de-conta, a criança amplia os seus limites e experimentaos prazeres da fantasia.

3 O BRINQUEDO E A BRINCADEIRA

Segundo Japiassu, o[...] termo ‘brinquedo’ - polissêmico - tem sido utilizadoindistintamente para designar tanto os objetos dos quais

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se servem as crianças para brincar quanto determinadasmodalidades de jogo praticado por elas, e mais: a ação debrincar propriamente dita.

Kishimoto (apud JAPIASSU) sugere utilizar a expressãobrinquedo exclusivamente para “objeto, suporte de brincadeira”,visto em sua concretude material sem, contudo, deixar de trazer anoção

[. . . ] não só brinquedos criados pelo mundo adulto,concebidos especialmente para brincadeiras infantis, comoos que a própria criança produz a partir de qualquer materialou investe de sentido lúdico. No último caso, colheres,pratos e panelas têm servido como suporte de brincadeira,adquirindo o sentido lúdico, representando, por exemplo,instrumentos musicais, pente, entre outros. (KISHIMOTOapud JAPIASSU)

Em relação aos brinquedos vistos como objetos, a criançanão precisa que lhe sejam dados, já que os cria a partir de tudo oque lhe cai nas mãos.

Já a palavra brincadeira não deixa dúvidas quanto ao seusignificado: significa o ato ou efeito de brincar, divertimento,sobretudo entre crianças; brinquedo, jogo. (FERREIRA,1999, p.332)

A criança exercita a sua vida social por meio do brinquedo(visto aqui como brincadeira), e é por meio dele que ela inicia suaintegração social aprendendo a conviver com os outros eposicionando-se frente a situações do mundo que a cerca.

Para as crianças de 0 a 1 ano, os brinquedos são,primeiramente, forma de estímulos visuais gustativos e táteis para,mais tarde, serem utilizados como meio de jogos simbólicos, pormeio dos quais aprenderão a criar regras enquanto brincam comoutros ou, até mesmo, quando brincam sozinhas. São, para elas,uma parte do universo que conhecem e que, inicialmente, elasexploram para, em seguida, expandirem o seu conhecimento.

Os brinquedos são matéria-prima das crianças para arealização de descobertas. Ao brincarem, procuram seus lugaresno mundo, ou seja, as crianças utilizam seus brinquedos paragrandes descobertas: é por meio deles que descobrem eidentificam o seu próprio eu.

Por intermédio do brinquedo, elas conquistam suasprimeiras relações com o mundo exterior e entram em contatocom os objetos que lhes possibilitam experimentar e criar pormeio da sua imaginação.

A princípio, o primeiro meio de brincar para o bebê é adescoberta de seu próprio corpo e, à medida que vai sedesenvolvendo, amplia a capacidade para perceber todas asoutras formas que a cercam. No entanto, é por meio do brincarque as crianças conquistam o seu espaço e se constituem comoindivíduos (WINNICOTT, 1991).

De acordo com Vygotsky (1989), a criança passa a criaruma situação ilusória imaginária como forma de satisfazer seusdesejos não-realizáveis. Esta é, aliás, a característica que define obrinquedo de uma forma geral: a criança brinca pela necessidadede agir em relação ao mundo mais amplo dos adultos e não apenasno universo dos objetos a que ela tem acesso.

A brincadeira representa a possibilidade de solução doimpasse causado, de um lado, pela necessidade de ação da criançae, de outro, por sua impossibilidade de executar as operaçõesexigidas por essas ações.

Por meio da atividade lúdica, a criança se prepara para a

vida, assimilando a cultura do meio em que vive, a ele se integrando,adaptando-se às condições que o mundo lhe oferece eaprendendo a competir, cooperar com seus semelhantes econviver como um ser social e cultural. Winnicott (1991, p.127)faz a seguinte colocação: “[...] as brincadeiras servem de elo entre,por um lado, a relação do indivíduo com a realidade interior e, poroutro lado, a relação do indivíduo com a realidade externa oucompartilhada”.

O brinquedo e a brincadeira podem representar um desafioe provocar o pensamento reflexivo da criança, levando-a aconstruir o conhecimento. O brincar não significa simplesmenterecrear-se, pois é a forma mais completa de comunicar-se consigomesmo e com o mundo. É por meio da brincadeira que a criançasatisfaz grande parte de seus interesses, necessidades e desejos,propiciando a liberação de energia, a expansão de criatividade,fortalecendo a sociabilidade e estimulando a liberdade edesempenho.

4 A CRIANÇA, O BRINCAR E O ADULTO

Muitos pesquisadores, entre eles Pereira (2002), Alves(1990) e Winnicott (1991), têm buscado, por meio de pesquisas eobjetos, fotografias e pinturas, a origem dos brinquedos. Algunsmuseus têm exemplares de brinquedos encontrados emescavações em diversas partes do mundo, oriundos de épocasbastante remotas. Com os dados encontrados, é possível tentarinterpretar o fenômeno brinquedo e o ato de brincar no contextohistórico dos diversos grupos sociais.

Redescobrir os procedimentos que tínhamos quandocrianças, retomar os métodos de criação do nosso modo de brincaré colocado aqui como condição para “olhar a criança a nossafrente, sabendo que ela, na maioria das vezes, não é aquela queimaginamos ser, pois a criança real é diferente daquela quepintamos em nossa fantasia” (PEREIRA, 2002, p. 7).

Os brinquedos têm relevante papel educativo em todosos estágios de desenvolvimento, mas, cabe a nós, adultos,acompanhar o brincar de nossas crianças para que ela, inclusive,não corra risco de utilizar brinquedos perigosos e nãorecomendáveis.

Quem de nós já não se deparou com uma criança olhandoadmirada e encantada seu reflexo no espelho. Algumas ensaiamaproximar-se, passam vagarosamente ou rapidamente peloespelho, tentam tocar. Esse processo de assombro, sonho, medoe anseio em conhecer o novo faz com que as crianças se tornemcorajosas e autônomas.

Quando uma criança brinca, pensa, cria, elabora, mesmoque só imaginariamente, cenários em que pode ser uma bailarina,uma princesa ou uma dona-de-casa, ela é capaz de, em uma fraçãode segundo, passar de rainha a bruxa. Ao realizar essastransformações, ela expressa o mais íntimo de seus sentimentos,desejos e anseios. Se, nesses momentos, o adulto, em especial oprofessor, estiver atento, apto e participante, poderá investir emuma nova forma de aprendizagem.

No que se refere a uma alteração de papéis, a criança mudaseus cenários que, quando visíveis aos olhos do adulto, poderiamser aproveitados para análise de cores, formas, estruturas,questionamentos. Brincando também se aprende, mas boa partedepende da colaboração do adulto.

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Inúmeras vezes, em aulas de artes, os professores pedemque as crianças reproduzam o que estão vendo na figurademonstrada. E não menos comum é surgirem rosas azuis,pássaros diferentes: é a imaginação em sua essência mais pura eclara.

Então, em algumas situações, os admiradores de tais obrasaté elogiam, mas bitoladamente acabam por pensar que flores(rosas) azuis e pássaros dessas formas não existem e esquecemque a criatividade e o brincar desse aprendiz está aflorada e quedeve ser respeitada. Muitas vezes, a realidade que pensamosque as crianças vivem é a mesma em estamos inseridos, mas nemsempre isto é verdade.

Precisamos lembrar e reconhecer que nós, adultos,vivenciamos com a criança uma parte significativa da sua vida eque precisamos nos inteirar dessa realidade, bem como oferecera ela materiais variados, tintas, misturas, manuseio de texturasdiferenciadas que lhe permitam enfocar o trabalho com maisempenho, gratificação e criatividade. Trabalho necessita decriatividade. Com muita freqüência, nos esquecemos dos mini-mundos que as crianças criam e queremos que elas se transportemimediatamente para o nosso, frustrando sua liberdade deexpressão.

Pode-se dizer e resumir em poucas palavras o quepoderíamos classificar como criativo: a criatividade é inata ao serhumano e aflora em diversos momentos; brincar é ser criativo;ser criativo é saber brincar.

É dever do adulto defender o brincar como umacontecimento relevante para o pleno desenvolvimento dacriança. Assim sendo, é preciso deixar que nossas criançasdesfrutem cada vez mais e melhor dos benefícios e prazeres dobrincar.

Para Souza, nós, adultos, devemos deixar a criança[...] explorar livremente o brinquedo, mesmo que aexploração não seja a que esperávamos. Não nos cabeinterromper o pensamento da criança ou atrapalhar asimbolização que está fazendo. Devemos nos limitar asugerir, a estimular, a explicar, sem impor nossa forma deagir, para que a criança aprenda descobrindo ecompreendendo, e não por simples imitação. A participaçãodo adulto é para ouvir, motivá-la a falar, pensar e inventar.

Nessa relação do adulto, do brincar e da criança, éincalculável a importância desempenhada pelos pais na vida dascrianças. Smith explica que os pais são tão importantes porquepodem ser considerados os primeiros brinquedos dos bebês,tendo em vista que, ao pegar os dedos do pai ou da mãe ouobservar a expressão facial dos pais, o bebê se diverte ao mesmotempo em que desenvolve suas habilidades motora e visual.

Nessa relação, não menos importante é o papel dosprofessores. Para Piaget (apud SOUZA),

Os professores podem guiá-las proporcionando-lhes osmateriais apropriados, mas o essencial é que, para que umacriança entenda, deve construir ela mesma, devereinventar. Cada vez que ensinamos algo a uma criançaestamos impedindo que ela descubra por si mesma. Poroutro lado, aquilo que permitimos que descubra por simesma, permanecerá com ela.

Ressaltamos que os adultos não devem ficar inibidos aomanifestarem suas próprias formas de brincar, pois as melhoresbrincadeiras são aquelas que parecem envolventes a quem brinca.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Brincar é uma ação essencial no cotidiano da criança e,para que ela desenvolva plenamente as suas mais importanteshabilidades, cabe a nós, adultos de seu convívio, não só lhe daroportunidade para brincar, como também incentivá-la a brincar,propiciando-lhe momentos de alegrias, descontração e da própriaaprendizagem. A criança que não brinca se tornará um adultovazio e frustrado que encontrará dificuldades em resolversituações com as quais nem na imaginação ou fantasia aprendeua lidar.

A maneira mais natural de a criança aprender é por meioda brincadeira. Antigamente, não se dava muita importância aobrincar, pois era visto como espaço vazio que poderia serpreenchido com qualquer atividade. Hoje, isto já mudou muito,sendo que muitas pessoas já reconhecem que o brincar é o meioresponsável pelo qual as crianças adquirem a maioria dashabilidades dos adultos, particularmente a social.

Ninguém melhor do que nós, adultos – sobretudo pais eprofessores – para darmos esse respaldo às crianças, pois é nossodever e responsabilidade fazer com que brinquem, e brinquemcada vez mais, aprendendo, assim, a conquistar seu espaço peranteo seu “eu”, os seus amigos e a própria sociedade.

Observando o brincar de uma criança, temos aoportunidade de conhecê-la melhor e, dependendo da situação,podemos até mesmo identificar os tipos de momentos que estáexperimentando, pois é no brincar que, na maioria das vezes, eladeposita e interpreta todas as suas alegrias, frustrações, desejos,vontades, angústias, seu crescimento e sua busca pelo novo.

Observar as crianças brincando a nossa volta nos leva arefletir sobre a importância dos brinquedos e brincadeiras no seudesenvolvimento. Leva-nos, também, a refletir sobre a forma comopoderemos contribuir com o seu desenvolvimento pessoal esocial, ou seja, como poderemos oportunizar um processo detroca, partilha, confronto e negociação; gerar momentos dedesequilíbrio; propiciar novas conquistas individuais e coletivas;levar a aprender a competir, a cooperar e a conviver como sersocial; e a ter a oportunidade de vivenciar concretamente aelaboração e negociação de regras de convivência.

Queremos concluir este artigo ressaltando que,independente do termo que utilizemos para designar o ato debrincar – brincar, brinquedo, brincadeira ou outro similar – umadas atitudes mais importantes que o adulto pode assumir emrelação à criança, para contribuir com o seu desenvolvimento, épermitir que ela seja criança, nada mais nada menos que criança,e que brinque, brinque muito.

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