144

2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito
Page 2: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Page 3: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Prefácio 3

CRÍTICA À TEORIA CLÁSSICA DOS

DIREITOS DA PERSONALIDADE

Page 4: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

4 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Capa: imagem do

https://siteat.files.wordpress.com/2013/09/mascara.jpg

Page 5: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Prefácio 5

Alessandro Severino Valler Zenni

Diogo Valério Félix

CRÍTICA À TEORIA CLÁSSICA DOS

DIREITOS DA PERSONALIDADE

Apresentação: Prof. Dr. José Francisco de Assis Dias

Prefácio:

Prof. Dr. Elimar Szaniawski

Segunda Edição

Editora Vivens O conhecimento a serviço da Vida!

Maringá-PR

2015

Page 6: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

6 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Copyright 2015 by

Alessandro Severino Valler Zenni Diogo Valério Félix

EDITORES: Daniela Valentini

José Francisco de Assis Dias CONSELHO EDITORIAL:

Dr. Daniel Eduardo dos Santos – Unicesumar Dr. José Beluci Caporalini - Uem

Dra. Lorella Congiunti – PUU – Roma REVISÃO ORTOGRÁFICA:

Prof. Antonio Eduardo Gabriel CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN:

Bruno Macedo da Silva Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os direitos reservados com exclusividade para o território nacional. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou

transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem

permissão escrita da Editora. Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida!

Rua Sebastião Alves, nº 232-B – Jardim Paris III Maringá – PR – CEP: 87083-450; Fone: (44) 3046-4667

http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]

Zenni, Alessandro Severino Valler.

Z54c Crítica à teoria clássica dos direitos da

Personalidade. / Alessandro Severino Valler

Zenni, Diogo Valério Félix; apresentação,

Prof. Dr. José Francisco de Assis Dias;

prefácio, Prof. Dr. Elimar Szaniawskii. - 2.

ed. - Maringá,PR : Humanitas Vivens, 2015.

144 p.; 14x21 cm.

ISBN 978-85-8401-030-1

Disponível em: www.vivens.com.br

1. Direito da personalidade. I.Título.

CDD 22.ed.346.013

Page 7: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Prefácio 7

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO............................................................. PREFÁCIO..................................................................... INTRODUÇÃO.............................................................. I - A CRISE DO HOMEM PÓS-MODERNO................... 1.1 MODERNIDADE DE PRIMEIRA FASE: CONTRATO SOCIAL E LIBERDADE NEGATIVA............ 1.2 MODERNINDADE DE SEGUNDA FASE: REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A SOCIAEDADE DO CONSUMO....................................................................... 1.3 MODERNIDADE DE TERCEIRA FASE: PÓS-MODERNIDADE – MUNDO GLOBALIZADO - IDEIA DE SOCIEDADE LÍQUIDA................................. II - O HOMEM ENQUANTO SER INTEGRAL: RESGATE AO HUMANISMO INTEGRAL...................... 2.1 QUESTÕES FENOMENOLÓGICAS............................ 2.2 A DIGNIDADE HUMANA EM CONFORMIDADE COM O HUMANISMO INTEGRAL.................................. 2.3 RESGATE HISTÓRICO DO RECONHECIMENTO DA DIGNIDADE HUMANA: UMA CONSTRUÇÃO CULTURAL..................................

13

15

19

25

26

34

42

51

51

56

62

Page 8: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

8 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

III - CRÍTICA À TEORIA CLÁSSICA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE..................................... 3.1 A CONSTRUÇÃO DE UMA TEORIA GERAL DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE: DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO................................... 3.2 DO DIREITO GERAL DA PERSONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.......................... 3.3 O DIREITO GERAL DA PERSONALIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL..................................... 3.4 CONCEITO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NAS DISPOSIÇÕES DA TEORIA CLÁSSICA............................................... 3.5 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE COMO UMA TEORIA JURÍDICA IDEOLÓGICA................. 3.6 EDUCAÇÃO: UM DIREITO PROPOSTO A CONSTRUIR PERSONALIDADE....................................... CONSIDERAÇÕS CONCLUSIVAS.................................... REFERÊNCIAS..................................................................

81

82

90

92

94

102

114

129

135

Page 9: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Prefácio 9

Este trabalho é dedicado a meu pai José Augusto Félix e

à minha mãe Fátima Valério Félix, que, por diversas vezes

abdicaram de suas próprias vontades para que o sonho

acadêmico deste aluno fosse concretizado; aos meus

irmãos Tiago e Juliana, que, diante das adversidades da

jornada acadêmica, sempre me impulsionariam à

consecução de minhas metas.

Page 10: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

10 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Page 11: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Prefácio 11

Agradeço...

... a Deus, finalidade última do homem que, dotado da centelha do Criador, galga a vereda da vida aspirando, constantemente, humanizar-se a partir do processo personificativo e transcendente; ... ao professor e amigo Alessandro S. V. Zenni, verdadeira figura do Mestre, que, com lições magnas, despertou neste discípulo paixão pela Filosofia, transformando de modo salutar a concepção de vida e de direito deste aluno; ... ao professor Mauro Siqueira, amigo e eterno professor, pelo incentivo determinante ao ingresso deste aluno à área acadêmica, bem como pelas preciosas lições de moralidade e fidelidade; ... a meu pai e à minha mãe, que, pelos esforços incansáveis, orações constantes e pelo amor incondicional, proporcionaram a este aluno todas as condições materiais e espirituais à minha formação educacional, possibilitando a consecução do sonho acadêmico.

Page 12: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

12 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Page 13: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

APRESENTAÇÃO

Com indizível alegria, recebi o honroso convite do Prof. Diogo a apresentar a presente obra; ao qual aceitei com “temor e tremor”. De fato, apresentar aos cultores da ciência jurídica, uma obra que é resultado de profunda pesquisa científica em parceria com o ilustre Prof. Dr. Zenni, é uma grande responsabilidade. A tarefa torna-se ainda mais grave quando se trata de uma obra prefaciada pelo ilustríssimo jurista Prof. Dr. Elimar Szaniawski.

A dignidade humana, enquanto o valor ôntico, inerente a todo indivíduo humano, desde a concepção até a morte, e após também após a morte (in memoriam), é aquele bem humano por excelência que precisa ser tutelado por todos os ordenamentos jurídicos que se pretendem instrumentos de justiça positiva.

É inadmissível que indivíduos humanos sejam, ainda hoje, coisificados por ideologias massificadoras que pretendem reduzir o seu ôntico valor individual a um simples “preço”: o homem não tem preço, exatamente porque não têm “utilidade”; ele tem “dignidade”, exatamente porque o seu valor é “em si” e não simplesmente “para nós”.

Immanuel Kant nos ensinou que preço é o valor daquilo que é substituível; e o indivíduo humano, enquanto “pessoa” não pode ser substituído, mas é único; precioso “em si mesmo”, independentemente da valoração que estamos dispostos a dar-lhe, neste ou naquele contexto cultural e histórico.

Portanto, com o Autor, podemos concluir que, em se tratando dos direitos personalíssimos da pessoa humana, é mister uma reflexão crítico-analítica sobre o fundamento ôntico do seu valor “em si”, “por si”, “para si” e, consequentemente, que se imponha “para nós”.

Prof. Diogo, estruturou sua pesquisa em três momentos harmoniosamente trabalhados, formando um

Page 14: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

14 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

tripé fundamental, interligado por um fio condutor chamado “dignidade humana”.

No primeiro momento, o Autor trabalha a “A crise do homem pós-moderno”, analisando a modernidade de primeira fase – contrato social e liberdade negativa; a modernidade de segunda fase - revolução industrial a sociedade do consumo; e também a modernidade de terceira fase – pós-modernidade – mundo globalizado - ideia de sociedade líquida.

No segundo momento, o Autor trabalha “O homem enquanto ser integral – resgate ao humanismo integral”, analisando as questões fenomenológicas; a dignidade humana em conformidade com o humanismo integral; e ainda um resgate histórico do reconhecimento da dignidade humana – uma construção cultural.

No terceiro e último momento, o Autor trabalha uma “Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade”, analisando a construção de uma teoria geral dos direitos da personalidade – desenvolvimento histórico; o direito geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito fundamental; conceito dos direitos da personalidade nas disposições da teoria clássica; os direitos da personalidade como uma teoria jurídica ideológica; e por fim, educação: um direito proposto a construir personalidade.

Desejo ao querido prof. Diogo, sucesso na sua carreira acadêmica; e a todos os leitores desta obra desejo a disposição espiritual para refletir sem preconceitos os graves problemas relacionados ao valor humano inerente a toda “pessoa”, onticamente multidimensional: corpo, alma e espírito.

Prof. Dr. José Francisco de Assis Dias Unicesumar-Maringá-PR

Abril de 2015

Page 15: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

PREFÁCIO Com a publicação do presente livro, Crítica à Teoria Clássica dos Direitos da Personalidade, DIOGO VALÉRIO FÉLIX traz a público a obra que representa a coroação, com brilhantismo, de sua pós-graduação no Programa de Pós-graduação em Direito, Mestrado, realizada no renomado Centro Universitário de Maringá – CESUMAR.

Trata-se de obra cujo pensamento transcende os estudos tradicionais dos direitos de personalidade, vindo a preencher a vasta lacuna existente na teoria geral dos direitos de personalidade, conclamando a comunidade jurídica à reflexão sobre a efetiva tutela e eficácia dos direitos de personalidade no universo humano contemporâneo.

O trabalho que temos a honra de apresentar, constituído por três grandes capítulos, nos quais o autor analisa criticamente a teoria dos direitos de personalidade que vem sendo construída a partir da modernidade, particularmente no Século XX, demonstrando sua discrepância com o homem real contemporâneo, cujo paradigma vivencial se direciona ao culto à materialidade pura, à estagnação na distribuição dos bens e no utilitarismo imediatista.

Inicialmente, DIOGO VALÉRIO FÉLIX denuncia a crise que macula a pós-modernidade, embora possa ser considerada uma fase ainda recente do longo curso do desenvolvimento da humanidade. Demonstra o autor que a fase atual da humanidade não se desvinculou dos paradigmas sedimentados a partir da modernidade, permanecendo viva a noção egoísta e antropocêntrica do ser humano, a racionalidade e o individualismo, divorciados da visão social do ser humano, como elemento constitutivo da sociedade e da natureza, inserido em ambas, como parte integrante.

Page 16: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

16 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

O autor vislumbra a pessoa na atualidade, como

um ser fragmentado pelas imposições da sociedade de consumo que lhe embaralha a noção de ser um ser consciente, livre e portador de dignidade, resultando, consequentemente, em prejuízos ao processo de personificação e transcendência.

A era moderna tendo valorado o utilitarismo, tomando-o como paradigma e concentrando a riqueza nas mãos de poucos, não consegue atingir a real dimensão do Estado Democrático do Direito, não permitindo que todos os segmentos da sociedade possam vir a ocupar seu lugar no espaço público.

A teoria dos direitos de personalidade, alicerçada sobre bases materialistas e patrimonialistas não consegue reconhecer adequadamente, nos excluídos do espaço público, a personificação, ficando estes impedidos de desenvolver livremente sua personalidade. A ausência de consciência, segundo demonstra o autor, afasta os preceitos fundamentais da existência humana, impedindo, sua realização e transcendência, por intermédio da cognição dos valores humanos tradicionais que permeiam a natureza humana, cujo resultado torna a teoria dos direitos de personalidade, segundo sua concepção tradicional, em categorias jurídicas que não alcançam eficazmente a promoção da dignidade das pessoas.

O autor, no entanto, encontra solução para suprir as deficiências da teoria clássica dos direitos de personalidade, na educação. DIOGO VALÉRIO FÉLIX defende a ideia de que a educação é a base da personalidade, uma vez que, segundo sua ótica, a teoria dos direitos de personalidade exora a educação do homem em todas suas dimensões, tanto na dimensão ontológica, como na teleológica. A educação será a única forma de combater o excessivo patrimonialismo e utilitarismo que ainda continua enraizado nos alicerces jurídicos de nossa época, e de combater a mais voraz manifestação do capitalismo, possibilitando à pessoa encontrar sua

Page 17: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Prefácio 17

liberdade e dignidade, na sua acepção legítima, promovendo o processo de personificação e de dignificação.

Para ser alcançada a eficiência da teoria dos direitos de personalidade, DIOGO VALÉRIO FELIX defende o resgate do humanismo integral e das teorias fenomenológicas e metafísicas as quais desvendam as dimensões da composição do homem e rompem com o processo de (des)personificação, resultante de equivocados valores econômicos e utilitários cinzelados pela modernidade. Segundo a lúcida percepção de DIOGO VALÉRIO FELIX, a “cognição, em processo de educação, da integralidade do homem, seu existir para transcender, poderá conferir ao ser humano seu dinamismo em dignidade, assegurando-lhe liberdade e isonomia, ser singular, mas não individualista, porque solidariamente consorciado aos demais, busca a realização do bem comum.”

Como ser livre, deverá o ser humano atuar com responsabilidade em direção aos seus fins, ser efetivamente um cidadão. Somente através da educação integral, toda pessoa poderá, efetivamente, exercer a cidadania, o livre desenvolvimento da personalidade e afirmar a dignidade. Como cidadão e ser humano, sujeito de direitos em pleno exercício, tornará autênticas as palavras contidas em nossa Constituição: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,...”.

Na presente obra, Crítica à Teoria Clássica dos Direitos da Personalidade, DIOGO VALÉRIO FÉLIX cumpre com louvor seu projeto inicial, trazendo de modo crítico, com proficiência e autoridade, uma releitura da teoria geral dos direitos de personalidade, denunciando as distorções e lacunas dos direitos de personalidade construídos a partir de um modelo individualista, patrimonialista e utilitarista, o qual, embora, atenuado pela teoria crítica e pelo paradigma social, ainda permanece

Page 18: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

18 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

eivado de vícios trazidos pela modernidade, propondo a reconstrução da teoria a partir do novo paradigma da repersofinicação do homem, compreendida como transformação do ser humano em pessoa, transpondo o materialismo e o utilitarismo, realizando-se no plano metafísico, segundo a noção de realização plena.

Ao finalizar resta-nos convidar os juristas, os sociólogos e os leitores, em geral, a partilhar das lições e propostas por DIOGO VALÉRIO FELIX, pontuadas pela preocupação com o ser humano integral, espiritual e metafísico, portador de personalidade e de dignidade.

Prof. Dr. Elimar Szaniawski1

1 Doutor e Mestre em Direito pela UFPR; Professor de Direito das Relações Sociais no Programa de Pós-Graduação em Direito, da Faculdade de Direito da UFPR; Professor Associado de Direito Civil e de Biodireito, da Faculdade de Direito da UFPR; Ex-Chefe do Departamento de Direito Civil e Processual Civil da Faculdade de Direito da UFPR – Advogado em Curitiba.

Page 19: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é oferecer um projeto que revele a ideologia constante na teoria dos direitos da personalidade, a qual nega a personificação do ser humano, privilegiando o sistema e o utilitarismo que o conota, estigmatizando o humano.

A contemporaneidade marca o hiato profundo ente a teoria dos direitos da personalidade e a miséria humana consorciada ao culto à materialidade pura e a estagnação na distribuição dos bens; a humanidade embotada no utilitarismo, crê em direitos personalíssimos, mas não é educada para o humanismo integral, de sorte que a personalidade que cada um haveria de desenvolver na construção de um todo composto de unidades é quimérica ante o processo de alienação e uniformização pulverizados; sem consciência de seus fins últimos, os seres humanos são guiados pela ideologia, que não passou à margem da teoria crítica que ora se registra no trabalho.

Imperioso explorar, antes mesmo da teoria que busca incrementar a personificação do homem, cuja finalidade é torná-lo sempre e cada vez mais humano, contando com bens jurídicos reconhecidos como essenciais, ou seja, ínsitos à própria característica humana, fazer incursão sobre qual ser humano haveria de se aplicar esta teoria.

Considerando a temporalidade da presente pesquisa, há que se identificar que a pós modernidade acaba por trazer profundas transformações no modus vivendi e a na consciência do homem.

Restando identificada a pós modernidade ou modernidade de terceira fase, houve, por bem, escrutar, na primeira etapa do presente trabalho, as três fases do referido período, tendo em vista a profundas e

Page 20: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

20 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

contundentes influências imprimidas na vivência do homem.

Inspirada pela ideia de progresso e liberdade, a modernidade de primeira fase acaba por ocasionar a contemplação de ideias racionalistas (iluminismo) em todas as suas dimensões, reputando o homem com sendo parte de uma entidade social e política, que busca sua participação no poder com intuito de fazer concretizar o exercício de sua vida e de seus bens.

A comunidade humana, preocupada com sua vida e preservação, identifica a necessidade da instituição do contrato social, passando conceber a liberdade não mais como uma faculdade de querer ou não querer, mais sim como limites objetivos dos quais o Estado e o próprio indivíduo não podem transpor a consecução de suas finalidades.

O Estado, agora identificado como uma entidade hierarquicamente superior, tem, enquanto função de buscar a solução dos conflitos sociais, o exercício do poder, pela vereda do direito positivado.

Na medida em que o direito é disposto como feixe de limites objetivos à atuação do indivíduo e do próprio Estado, a liberdade tende a ser tangenciada igualmente – isonomia formal - aos membros da sociedade através do próprio direito. O legalismo estabelecido pela respectiva concepção, onde passa a ser permitido tudo o que não é proibido, traduz o sentido negativo de liberdade.

Diante do respectivo fenômeno, a liberdade calcada na concepção estritamente permissiva, acabará por gerar o sentido negativo, inclusive na estrutura econômica, fomentando a livre concorrência, a exploração e alienação da mão de obra.

A substituição do modo de produção aliado ao crescente processo industrial, bem como a associação à força vinculante dos contratos, acabará por gerar a submissão e sujeição do operário ao burguês proprietário,

Page 21: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Introdução 21

transformando, através do formalismo jurídico, o ideal moderno emancipatório em servidão.

A fim de estabelecer novos paradigmas, imprescindíveis ao processo de alienação próprio do sistema capitalista selvagem, rompe-se com os valores tradicionais. A teoria capitalista do valor-trabalho-consumo, acaba por ocasionar a desvalorização dos valores, onde o salário passa a ser a moeda de troca pela mão de obra.

O trabalho desvencilhado dos valores tradicionais torna os homens indiferentes uns aos outros. A liberdade permissista, fomenta de modo veemente, o consumo, a fim de manter o próprio sistema de produção, alterando a estrutura funcional da subsistência do homem.

A sociedade do consumo produz afirmações ideológicas no sentido de conduzir todas às ciências à prosperidade financeira, fomentando o impulso de produzir e consumir bens de todas as generalidades, corrompendo com a concepção de liberdade, ainda em sentido negativo, bem como a própria existência ontológica do homem, onde a liberdade passa a ser manifestada com a possibilidade de aquisição de bens materiais.

Diante deste panorama, a pós modernidade transforma não só o modelo de produção e o modus vivendi do homem, posto que, ao contemplar valores periféricos que primam finalidades egoístas e a satisfação do prazer imediato, tolhe sua consciência, retirando-lhe, inclusive, o sentido de liberdade e igualdade, bem como do próprio existir teleológico, mostrando-o um ser nihilificado.

A fim de revelar uma teoria que busca a personificação do homem, se faz necessário resgatá-lo a partir das teorias do humanismo integral e fenomenológicas, identificando-o como um conjunto de fenômenos que ocasionam a necessidade de tutela de determinadas condições substâncias à sua existência.

Page 22: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

22 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Apresenta-se no corpo do texto um estudo sobre o

humanismo integral que denuncia quão fragmentado está o ser humano pós moderno, cuja engrenagem sistêmica o põe sempre como meio para (des)valores unicamente materialistas, ocasionando a processo inverso à humanização.

Neste sentido, a teoria fenomenológica ao estabelecer os respectivos fenômenos que concebem o ser humano como pessoa, gira em torno da dignidade da pessoa humana, concebida como axioma determinante de toda ordem jurídica, social, econômica e política.

A teoria dos direitos da personalidade, assim como dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, foram frutos do reconhecimento a partir da realização histórica das relações do homem, de condições e valores inerentes à sua natureza humana no que se refere a sua existência e desenvolvimento.

A barbárie ocasionada, máxime pela segunda guerra mundial, imprimiu uma nova concepção acerca dos valores concernentes à natureza humana, com repercussões jurídicas sintomáticas. O reconhecimento da dignidade humana como um valor inerente a sua caracterização, transformou de modo salutar toda ciência cujo objeto seja o homem.

A dignidade da pessoa humana e seus desdobramentos nas dimensões de direitos humanos fundamentais, permitem, no plano teórico, que haja exercício de tutelas no sentido de visar à humanização do ser, ou seja, não só o reconhecimento do homem como um ser pertencente à espécie humana, mas sim de dotá-lo da qualidade de pessoa.

Ao final da pesquisa, há que se identificar o Estado como ente revestido da função de dizer o direito, operado, ainda, por uma determinada classe que detêm o poder, qual seja, daqueles que represam a riqueza, utiliza-se do discurso ideológico para transpor interesses particulares como interesses comuns, os quais serão reproduzidos

Page 23: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Introdução 23

pelo Direito através da legislação, instrumento próprio da ideologia.

A tutela da dignidade da pessoa humana será revestida da observância de condições eminentemente materiais, privilegiando a classe que têm possibilidade de realizar as respectivas condições, negando-a, consequentemente, àqueles que não às têm, mormente porque a personalidade perpassa pela consciência do projeto humanizante, algo que só seria possível acaso a educação, enquanto bem personalíssimo, igualmente, pudesse dotar o ser humano de responsabilidade pelos seus fins imanentes.

A teoria dos direitos da personalidade, insculpida a partir da dignidade humana, liberdade e igualdade, será analisada sob a perspectiva da finalidade ideológica, considerando sua finalidade em manter às próprias desigualdades sociais e a uniformidade da espécie, embotada no querer alienante.

Page 24: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

24 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Page 25: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

- I -

A CRISE DO HOMEM PÓS-MODERNO A ideia de crise na pós-modernidade remonta aos

paradigmas sedimentados a partir da modernidade, a era das luzes e do Antropocentrismo, a racionalidade e o individualismo.

Tais caracteres, tão discrepantes, fixam os marcos de uma nova postura do homem diante do mundo e da natureza, e mesmo diante de si, tomando consciência de sua liberdade e inaugurando a filosofia do sujeito. A ruptura com o modelo de homem inserido na natureza e sendo parte dela se dá a partir do instante em que há a descoberta de que a verdade fixada até então, acerca do movimento de translação projetando a Terra no centro, derrui o realismo, enquanto método de conhecimento da verdade, e, nesse viés, a verdade passa a ser o pensamento sobre o valor verdadeiro, ainda que haja descoincidência entre o ser pensado e o ser pensante: eis a parêmia cartesiana cogito ergo sunt.

O ser humano existe se projetado às suas ideias, colocado como ser individual, fruto da teoria atomista naquele contexto reconhecida, consciente de si e de sua liberdade, propugnando pelo reconhecimento racional.

Esse é o panorama que gestará as novas perspectivas da modernidade.

Page 26: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

26 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

1.1 MODERNIDADE DE PRIMEIRA FASE: CONTRATO SOCIAL E LIBERDADE NEGATIVA

A análise política, social, econômica e cultural dos

fenômenos que permeiam o homem a partir da modernidade aniquila sua possibilidade de se personificar, tolhendo-lhe o sentido da vida.

Logo, o processo de transcendência, que se inicia a partir da tomada de consciência do homem de si e do outro no mundo (concepção ontológica), resta prejudicada na medida em que, movido pela ânsia de liberdade e pelo desenvolvimento cultural e econômico, desvencilhado da ideia de fim e valor (concepção teleológica), acaba por gerar um processo inverso ao pretendido, ocasionando a desconstrução dos valores, que acabará por ensejar a perda de consciência e de sua identidade e, consequentemente, da própria concepção de humanização.

Vale o registro de que a verdade desvelada em Copérnico e Galileu debuta o relativismo da verdade. Enquanto valor, o realismo metodológico será substituído pelo idealismo, e daí em diante, os valores passam a serem questões subjetivas, derrogando o Valor, tanto assim que expressão de exacerbação pode ser lida com Nietzsche, de que “o homem, em seu orgulho, criou Deus à sua imagem e semelhança”2.

Mas os paradigmas da modernidade encontram vestígios a partir do Iluminismo, no século XVIII, ou, também, denominado de “racionalismo”, caracterizado pelo pensamento filosófico relacionado à libertação da tradição e da autoridade ligada ao poder, volvendo vistas para o mundo, para a sociedade e para o indivíduo, que na

2 NIETZCHE, Friedrich Wilhelm. Assim Falou Zaratustra. São Paulo:

Editora Martin Claret, 2002, p. 100.

Page 27: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

A crise do homem pós-moderno 27

expressão kantiana, passa a ser a medida e o fim de todas as coisas.3

Embora Kant tenha ideias peculiares sobre o valor, mormente a ética que, no direito, tem um sentido singular, não deixou de assinalar que a capacidade humana para cognição se restringe ao fenômeno, enquanto que o noúmeno, a essência em si de qualquer objeto sob análise, é cegada ao homem, e, portanto, do mundo dos fatos, não se conduz ao mundo dos valores.4 Isso é o bastante para se rechaçar a metafísica da existência e dogmatizar os valores no plano das ideais.

Veja-se, neste sentido, que a análise do indivíduo em processo de interação com o mundo exterior passa a ser o foco das ideias racionalistas em todas as suas dimensões, ou seja, histórico-culturais, sociais, políticas, econômicas e jurídicas, acabando por engendrar uma nova mentalidade humana.

Inegavelmente, para tanto, o Iluminismo nega a natureza histórica do homem, pois, segundo suas concepções, como a razão é a mesma, sempre em todos os homens, não se compreende o que é histórico, orquestrando, a partir da autonomia individual: em política, a teoria dos direitos do homem, prevalência da razão de Estado e o bem comum; em Economia, a teoria do liberalismo e da livre competição.5

Em todas as questões práticas, em especial nas políticas, a liberdade humana é uma verdade evidenciada por si mesma, e é sobre essa suposição axiomática que as leis são estabelecidas nas comunidades humanas, que decisões são tomadas e que juízos são feitos.6

3 SOUZA, Wilson de; BATALHA, Campos. A Filosofia e a Crise do Homem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968, p. 54-55. 4 KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. 1ª ed., Edipro, São

Paulo, 2003, p. 211. 5 SOUZA, op. cit., p. 55. 6 ARENDT, Hannah. Entre o Passado e Futuro. 3ª ed. São Paulo.

Editora Perspectiva S. A.: 1992, p. 189.

Page 28: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

28 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Dentro de uma comunidade humana, o fator que

rege as ações não é a liberdade propriamente dita, mas sim a necessidade da vida e a preocupação com sua preservação7. Foi por essa razão que Hobbes8 fixou com valor supremo e oponível contra o Leviatã, o bem da vida.

Ainda, cumpre esclarecer, segundo as lições de Hannah Arendt9:

Sempre que o mundo artificial não se torna palco para a ação e o discurso – como ocorre em comunidades governadas despoticamente que os banem para a estreiteza dos lares, impedindo assim acesso a uma estrutura pública – a liberdade não possui uma realidade concreta. Sem um âmbito público politicamente assegurado, falta à liberdade o espaço concreto onde aparecer. Ela pode certamente habitar ainda nos corações dos homens como desejo, vontade, esperança ou anelo; mas o coração humano, como todos sabemos, é lugar muito sombrio, e qualquer coisa que vá para a sua obscuridade não pode ser chamada adequadamente de um fato demonstrável. A liberdade como fato demonstrável e a política coincidem e são relacionadas à outra como dois lados da mesma matéria.

Cumpre estabelecer que esta busca pela liberdade resta marcada pela ideia de progresso, que ocupa um lugar intermediário, central, entre a ideia de racionalização, em que se almeja o triunfo da razão, e a de desenvolvimento, primando à política.10

Na Idade Moderna, o homem clama por participação no governo, não mais pelo exercício de parcela do poder, mas sim pela desconfiança naquele que o exerce sobre sua vida e seus bens.11

7 Ibidem, p. 194. 8 HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002,

p. 405. 9 ARENDT, op. cit., p. 195. 10 TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. 4. ed. Petrópolis: Vozes,

1997, p. 72. 11 ARENDT, op. cit., p. 197.

Page 29: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

A crise do homem pós-moderno 29

Diferentemente da Idade Média, onde a liberdade é

faculdade de querer ou não querer, independente da razão, na modernidade a liberdade se traduz no sentido negativo, constituindo, de alguma maneira, os limites que o governo não deve ultrapassar sob pena de jogar em derrocada a própria vida, necessidades e consectários imediatos.12

Tecendo críticas ao antigo regime, John Locke funda seus postulados acerca do poder político a partir da identificação do homem em seu estado natural, sendo absolutamente livre para estabelecer suas ações, dispor de seus bens e de suas posses como bem entenderem, dentro dos limites do direito natural, sem pedir autorização de outro homem nem depender de sua vontade.13

Locke opõe-se claramente ao antigo regime na medida em que o monarca retira a liberdade do homem e impõe os seus desejos, fazendo do Estado não um defensor de seus bens naturais, como a liberdade e a propriedade privada, concentrando neste um poder político e ideológico14.

Segue afirmando o pensador que, num Estado de igualdade, onde a reciprocidade determina todo poder e toda a competência, ninguém tendo mais que os outros; evidentemente seres criados da mesma espécie e da mesma condição, que, desde o nascimento, desfrutam juntos de todas as vantagens comuns da natureza e do

12 ZENNI, Alessandro Severino Vallér. A Crise do Direito Liberal na Pós-Modernidade. Porto Alegre: Antonio Sérgio Fabris Editor, 2006, p.

30. 13 LOKE, John. Segundo tratado sobre direito civil: ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do direito civil. Introdução

de J. W. Gouygh; tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. – Petrópolis-RJ: Vozes, 1994, p. 83. 14 PEREIRA, Jardel Costa. O conceito de liberdade no pensamento político de John Locke. Revista Eletrônica Print by FUNREI

http://www.funrei.br/revistas/filosofia, Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p. 7-15, jul. 1998/1999. Acessado em 10/03/2012.

Page 30: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

30 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

uso das mesmas faculdades, devem ser, ainda, iguais entre si, sem subordinação ou sujeição.15

Afirma, de resto, que o estado de liberdade não seria, então, um estado de permissividade:

O homem desfruta da liberdade total de dispor de si mesmo ou de seus bens, mas não de destruir sua própria pessoa, nem qualquer criatura que se encontre sob sua posse, salvo se assim exigisse um objetivo mais nobre que a sua conservação. O “Estado de Natureza” é regido por um direito natural que se impõe a todos, e com respeito à razão, que é este direito, toda a humanidade aprende que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens; todos os homens são obra de um único criador todo-poderoso e infinitamente sábio, todos servindo a um único senhor soberano, enviados ao mundo por sua ordem e a seu serviço; são portanto de sua propriedade, daquele que os fez e que os destinou a durar segundo sua vontade e de mais ninguém. Dotados de faculdades similares, dividindo tudo em uma única comunidade de natureza, não se pode conceber entre nós uma “hierarquia” que nos autorize a destituir uns aos outros, como se tivéssemos sidos feitos para servir de instrumento às necessidades de uns aos outros, da mesma maneira que as ordens inferiores da criação são destinadas a servir de instrumentos às nossas. 16

A própria concepção de liberdade traçada na sua filosofia revela limites objetivos ao seu exercício, sob pena de interferir na liberdade de outrem, qual seja, o próprio direito natural. O reconhecimento da igualdade natural entre os homens desponta para igualdade de exercício de sua liberdade que, no estado de guerra, para o fim de não exercer as arbitrariedades da própria razão, confere parte de sua liberdade de governança a uma terceira pessoa,

15 LOKE, op. cit., p.83. 16 Ibidem, p. 84.

Page 31: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

A crise do homem pós-moderno 31

surgindo, consequentemente a figura da sociedade política.

Divergindo de Hobbes, Locke traça a natureza benfazeja do homem, ou seja, não reconhece a visão pessimista da ontologia do homem, o estado de natureza não é essencialmente o estado de guerra, mas admite, de maneira veemente, que o exercício do poder pode deturpar a liberdade natural, fazendo por prevalecer o estado de guerra. Desta forma, a governança estabelecida por conta da fundação do Estado passa a ser a solução adequada, ou seja, uma necessidade à associação, visto, ainda, que o homem não foi destinado a viver isoladamente.17

Caberá ao artifício do contrato social conglomerar todos os seres individuais para que coexistam harmoniosamente.

O liberalismo ganha expansão na filosofia política e jurídica, na medida em que amplia as liberdades públicas instituídas pelo contrato social.

Há que se concluir que o pai do liberalismo admite que, no pacto original, os homens não abdicam de todos os seus direitos, mas, pura e simplesmente renunciam parte de liberdade natural tanto quanto seja necessário à preservação da sociedade.18

Rousseau, por seu turno, identifica que a passagem do estado da natureza, onde prevalece o bom selvagem, ao estado civil, assim por ele denominado, produz no homem uma mudança muito marcante, tendo em vista que se depara com necessidades e complexidades diversas de seu estado natural, havendo, portanto, a necessidade de associação para a satisfação destas respectivas necessidades. Neste estado (social), o homem se priva de determinados bens, como a liberdade natural e o direito ilimitado a tudo o que o tente e que pode

17 LOKE, op. cit., p. 17. 18 Ibidem, p. 22.

Page 32: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

32 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

atingir, ganhando, via de consequência, a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui.19

Cumpre identificar que, ao descrever a figura do bom selvagem, Rousseau afirma que o homem naturalmente livre e bom, já encontra ameaçada sua liberdade, seja pelo dinheiro ou pela ampliação da propriedade, contaminando-se a liberdade de consciência20, passando a se relacionar com a liberdade no sentido negativo, em que é livre aquele que exerce as possibilidades de aquisições de bens materiais.

A corrente contratualista traça a concepção estatal na modernidade e propriamente de um Direito derivado da vontade individual, calcado na atribuição de parcela da liberdade (individual) para fins de promoção social. A autonomia do sujeito estará limitada pela liberdade do contrato social, onde será possível ao cidadão fazer tudo que não seja defeso em lei em nome da liberdade civil e do direito.21

O Estado, então institucionalizado e funcionalista, exerce o poder pela vereda do direito, diga-se, formal. Projetado, hierarquicamente em posição superior, o poder emana comandos diretivos para exaurir os conflitos oriundos do estado civil, ou seja, das complexidades sociais. O Estado passa a ser a instituição legítima a proferir o direito, através de sua positivação, imbuído de sua finalidade de manter a ordem social, observando, ainda, as liberdades conferidas ao cidadão.22

19 ROUSSEAU. Jean Jaques. O Contrato Social. Tradução de J.

Cretella Jr. E Afnes Cretella. – 2ª ed. ver. Da tradução – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 35. 20 ZENNI, op. cit., p. 32. 21 Idem. O resgate da pessoa na tragédia histórica da humanidade – retorno ao direito natural clássico. E56a Encontro Nacional do

CONPEDI (20.: 2011 : Belo Horizonte, MG) Anais do [Recurso eletrônico] XX Encontro Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011, p. 10069-10093. Disponível em http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/XXencontro/Integra.pdf Acesso em 10/05/2012. 22 ZENNI, op. cit., p. 10069-10093.

Page 33: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

A crise do homem pós-moderno 33

Contudo, o formalismo indispensável ao direito, no

sentido de acobertar o cidadão em liberdades igualmente formais, se chocará com as necessidades materiais à consecução de tais liberdades conferidas pelo Estado a partir do pacto original, exigindo, portanto, uma flexibilização do modelo jurídico.23

Em última análise, a modernidade reconhece e propõe a igualdade de todos os cidadãos no que se refere às liberdades. Porém, o exercício do direito e, propriamente, da liberdade, paralelamente às obediências às normas postas pelo Estado, acaba por traduzir uma liberdade pejorativa na medida em que ao cidadão é conferido fazer tudo aquilo que não lhe seja proibido.24

Esta faculdade (negativa), aliada à propriedade privada e a acumulação de riquezas, legitimada pelo contrato social, acabará por gerar a falência da existência teleológica do homem, na medida em que exercita uma liberdade artificial desvencilhada da ideia de fim e valor, gerando o sentido negativo de liberdade.

Por derradeiro, não se pode olvidar que a modernidade alavanca a liberdade por intermédio da prosperidade econômica, não passando “in albis” arguta observação de que o dinheiro e sua posse conferem ao cidadão isonomia em liberdades25.

Portanto, minada de utilitarismo, a modernidade associa liberdade e propriedade privada, elegendo-a como o valor mais importante, criando a figura do homo economicus.

O Direito terá a missão de, a um só tempo, fundar o poder na soberania popular e vontade geral, pelo artifício do contrato social, garantindo as liberdades negativas,

23 Ibidem. 24 MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. (Introdução, tradução e notas

de Pedro Vieira Mota). 6ª Ed., São Paulo. Saraiva, 1.999, título XI, item 3. 25 IERING. Rudolf Von. A Finalidade do Direito. Vol. I. Campinas:

Brookseler. 2002, p. 173.

Page 34: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

34 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

entre elas a propriedade privada, e, de outra banda, impedir que o Estado leviatanesco se intrometa nos destinos sociais, priorizando a “mão invisível” das regras econômicas que se comunicarão pela via do contrato, o maior instrumento de manifestação de liberdade. 1.2 MODERNINDADE DE SEGUNDA FASE: REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A SOCIEDADE DO CONSUMO

A concepção de liberdade impressa pelo

Iluminismo, aliada às ideias de progresso, não ficou adstrita ao plano político e social, mas, inclusive, à dimensão econômica, de maneira a reestruturar o modelo de produção, substituindo o padrão artesanal pelo processo de produção industrial.

Há que se inferir, diante do respectivo fenômeno, que a liberdade calcada na concepção estritamente permissiva, acabará por gerar o sentido negativo, inclusive na estrutura econômica, fomentando a livre concorrência, a exploração e alienação da mão de obra.

Ao desenvolver a teoria do valor-trabalho, abrindo caminho à Revolução Industrial, Smith mostra que a riqueza não se origina do comércio, mas do trabalho, que gera valor. Fundamentalmente, a riqueza guarda relações com o aumento do trabalho, que decorre do grau crescente de especialização determinado pela complexificação da divisão do trabalho.26

A partir desta divisão, analisando as teorias de James Mill, Acácia Z. Kuenzer27, afirma que:

Começa-se aí o planejamento das ações do trabalhador pelos especialistas, exigindo-se deles determinadas destrezas, fruto de um treinamento rigoroso, definido pelas necessidades do processo produtivo; o

26 KUNZER, Acácia Zeneida. Pedagogia da Fábrica. 6ª Ed., São Paulo. Cortez 2002, p. 26. 27 Ibidem, p. 28.

Page 35: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

A crise do homem pós-moderno 35

trabalhador começa a perder o controle do ritmo de execução de seu trabalho, sendo os seus movimentos determinados externamente a ele, o que exige índices cada vez menores de qualificação. Alia-se desta forma, a fragmentação do trabalho à heterogestão, compreendidas ambas como processos de qualificação do trabalhador, que tem aumentada sua destreza, precisão e rapidez no desempenho da tarefa. E, evidentemente, sua capacidade de geração de trabalho excedente.

Contudo, foi com Taylor que a heterogestão ganha institucionalização pontual, na medida em que estabelece que a divisão do trabalho seguido da hierarquia, especialização, autoridade e controle, almejando o aumento da produtividade da mão de obra, exerce papel central, posto que este aumento de produtividade, determina a união entre o industrial empresário e o operário, na proporção em que seriam recompensados os empresários, com maiores lucros, e os operários com maiores salários.28

A fim de dar cobro a tais premissas, quais sejam, aumento dos lucros e do salário, Taylor acresce à fragmentação do trabalho a divisão entre gerência e trabalhador. Para acompanhar o processo tecnológico, a gerência (empresário) se responsabiliza pelo planejamento das tarefas a partir do conhecimento profundo do processo produtivo, ao passo em que, ao operário, cabe, somente, a execução das respectivas tarefas, acabando por expropriar do trabalhador o pensá-lo, criá-lo e, até mesmo, controlá-lo.29

Com o crescente processo industrial e, consequentemente, com a escassez das vagas de trabalho em razão da substituição do modelo de produção, associado à força vinculante dos contratos, geram-se a submissão e a sujeição pelo operário, e o ideal moderno emancipatório pelo formalismo jurídico se transmuta em

28 KUNZER, op. cit., p. 29. 29 Ibidem, p. 29-30.

Page 36: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

36 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

escravidão30; o produto do trabalho se traduz em puro meio de subsistência e não em uma atividade vital; o operário é separado do seu produto e dos meios de produção, que são apropriados pelo capitalista.31

Imprescindível à alienação, imposta pelo capital, o rompimento com os valores tradicionais. A desvalorização dos valores, como teoria do valor-trabalho-consumo, surge da incompatibilidade entre as ideias tradicionais, que haviam sido utilizadas como unidades transcendentes para identificar e medir pensamentos e ações humanas, e a sociedade moderna, que dissolvera todas essas normas em relacionamentos entre seus membros, estabelecendo-as como valores funcionais.32

Os valores, segundo considerações de Hannah Arendt33:

São bens sociais que não têm significado autônomo, mas como outras mercadorias, existem somente na sempre fluida relatividade das relações sociais e do comércio. Através dessa relativização, tanto as coisas que o homem produz para o seu uso como padrões conforme os quais ele vive sofrem uma mudança decisiva: torna-se entidades de troca, e portanto de seu “valor” é a sociedade e não o homem que produz, usa e julga. O “bem” perde seu caráter de ideia, padrão pelo qual o bem e o mal poder ser medidos e reconhecidos; torna-se um valor que pode ser trocado por outros valores, tais como eficiência e poder.

O ideal de progresso, seja, político, social e

econômico, dissociado da concepção de valor no sentido positivo, arquiteta um novo rumo na direção cultural ao romper com os princípios de bem e mal identificadores da ação humana, direcionados, inclusive, pelo progressismo

30 ZENNI, op. cit,. p. 10069-10093. 31 KUNZER, op. cit., p. 33. 32 ARENDT, op. cit., p. 60. 33 Ibidem.

Page 37: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

A crise do homem pós-moderno 37

jurídico, em que é permitido tudo que não é proibido, ocasiona a subversão dos valores, que passam a ser instituídos pelo novo modelo de produção, “um valor”, o trabalho, por “outro valor”, o dinheiro (salário), sendo, portanto moeda de troca, na medida em que o trabalho passa a ser sinônimo de subsistência.

Neste sentido, a concepção de trabalho, abdicado dos valores tradicionais, torna os homens indiferentes uns aos outros, pois suas relações não são mais determinadas pelo conteúdo de sua individualidade pertencente a cada ser humano, mas sim reduzidas a uma relação mediatizada pelo dinheiro (lucro e salário), que, por sua vez, são nada mais do que a expressão do valor de troca das mercadorias, cuja produção e consumo são a finalidade principal do capitalismo que impera sob sociedade pós moderna.34

Marx35, ao explorar a questão do trabalho aliado ao capitalismo, revela que:

O tempo de trabalho determinado é objetivado em uma mercadoria determinada e particular dotada de qualidades particulares e com particulares relações com as necessidades. Porém como valor de troca o tempo de trabalho de ser objetivado em uma mercadoria que expressa somente seu caráter de quota ou sua quantidade, que é indiferente das qualidades naturais, e pode por isso ser metamorfoseada em, ou seja, troca por qualquer outra mercadoria que seja objetivação de um mesmo tempo de trabalho. Como objeto ele deve possuir este caráter universal que contradiz sua particularidade natural. Esta contradição pode ser resolvida somente objetivando a própria contradição, isto é, se a mercadoria é posta de maneira dupla, uma vez em sua imediata forma natural e logo em forma mediata, ou seja, como dinheiro. Este último é possível

34 DUARTE, Newton. Vigostski e o “aprender a aprender”: críticas às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana.

3 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2004, p. 149. 35 Apud, idem, p. 149-150.

Page 38: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

38 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

somente na medida em que uma mercadoria particular torna-se por assim dizer a substância universal dos valores de troca, ou enquanto o valor de troca das mercadorias é identificado com uma substância particular distinta de todas as outras. Quer dizer que a mercadoria antes de mais nada, trocada por uma mercadoria universal, produto simbólico universal e objetivação do tempo de trabalho para ser depois valor de troca intercambiável à vontade e indiferentemente por todas as outras mercadorias e para metamorfosear-se convertendo-se em qualquer uma delas. O dinheiro é o tempo de trabalho como objeto universal, ou a objetivação do tempo de trabalho universal.

A subversão dos valores aliada à relação de troca

e alienação da mão de obra acaba por engendrar os postulados do consumo e da ideia do descartável, na medida em que o trabalho deixa de ser uma manifestação para a satisfação das necessidades da existência humana – homo laborans.

O homo laborans que, com o próprio corpo e ajuda de animais domésticos, nutre o processo da vital, de modo que, inserido e fazendo parte da natureza, tem na força de trabalho a manutenção da vida, onde o homem trabalha para sobreviver. A repetição do trabalhar relaciona-se às necessidades vitais.36

O homo faber, cuja fabricação é o trabalho, está alheio à natureza. Diferentemente do homo laborans, a repetição não está mais relacionada à manutenção da vida enquanto ordem natural, mas sim, da decorrente necessidade que tem o homem de ganhar os seus meios de subsistência, caso em que seu trabalho é labor.37

Esta guinada está relacionada aos meios e à finalidade, própria, do trabalho. O homo laborans, labora

36ARENDT, HANNAH. A condição humana. Tradução de Roberto

Raposo. 10 ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 152-156. 37 Idem, op. cit., p. 156.

Page 39: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

A crise do homem pós-moderno 39

para sobreviver enquanto ser pertencente a um meio natural, ao passo em que o homo faber labora para adquirir os meios de sua subsistência, enquanto ser modificador do meio natural.

O processo de fazer (trabalho do homo faber), segundo Hannah Arent38:

É inteiramente determinado pelas categorias de meios e fins. A coisa fabricada é um produto final no duplo sentido de que o processo de produção termina com ela (o processo desaparece no produto, como dizia Marx), e de que é apenas um meio de produzir esse fim. É verdade que o labor também produz para o fim do consumo, mas com esse fim, a coisa a ser consumida, não tem a permanência mundana dos produtos do trabalho, o fim do processo não é determinado pelo produto final e sim pela exaustão do “labor power”. No processo de fabricação, ao contrário o fim e indibutável: ocorre quando algo inteiramente novo, com suficiente durabilidade para permanecer no mundo como unidade independente, é acrescentado ao artifício humano. No tocante a coisa, ao produto final, da fabricação, o processo não precisa repetir-se. O impulso na direção da repetição decorre da necessidade que tem o artífice de ganhar os seus meios de subsistência, caso em que o seu trabalho é labor; ou resulta de uma procura da multiplicação do mercado, caso em que o artífice que cuida de satisfazer essa demanda acrescentou ao seu artesanato a arte de ganhar dinheiro, como dizia Platão. O importante é que, num caso ou outro, o processo é repetido por motivos alheios a si mesmo; difere da repetição compulsória inerente ao labor no qual o homem deve comer para trabalhar e deve trabalhar para comer.

A o processo industrial de fabricação, distingue-se

das demais atividades humanas em razão da

38 ARENDT, op. cit., p.156.

Page 40: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

40 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

predeterminação do início e do fim, sendo esta a característica primordial da fabricação.39

Ainda, acerca do processo de fabricação, segue Hannah Arendt40 afirmando de maneira lapidar:

O labor, preso a engrenagem do movimento cíclico do processo vital do corpo, não tem começo nem fim. E, (...) a ação, embora tenha um começo definido, jamais tem um fim previsível. Esta grande confiabilidade do trabalho reflete-se no fato de que o processo de fabricação, ao contrário da ação, não é irreversível: tudo o que é produzido por mãos humanas pode ser destruído por elas, e nenhum objeto de uso é tão urgentemente necessário ao processo vital que o seu fabricante não lhe possa sobreviver e permite-se destruí-lo. O homo faber é realmente amo e senhor, não apenas porque é senhor ou se arrogou o papel de senhor de toda a natureza, mas porque é senhor de si mesmo e de seus atos. Isto não se implica ao animal laborans, sujeito nas necessidades de sua existência (...). A sós, com a sua imagem do futuro produto, o homo faber pode produzir livremente; e também a sós, contemplando o trabalho de suas mãos, pode destruí-lo livremente.

Veja-se, neste sentido, que o novo modelo de

produção subverte a própria estrutura funcional da subsistência do homem. A produção, diga-se, trabalho, não está mais ligada à ideia de manutenção da vida, como no modelo artesanal, em que a repetição do trabalho relaciona-se com a manutenção das condições existenciais do homem. Na medida em que o processo industrial elege um novo modelo de produção (ideia de meio), há, consequentemente, uma nova eleição da finalidade do produto do trabalho. A repetição relaciona-se, não mais com a manutenção das condições existenciais, mas sim com a possibilidade de adquirir, a

39 Ibidem. 40 Ibidem.

Page 41: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

A crise do homem pós-moderno 41

partir do produto, os meios de manter as respectivas condições.

Diante dessa circunstância, o objeto do trabalho passa a ser o produto pelo qual o homo faber irá perquirir o seu fim. Contudo, ante a necessidade de satisfação das demandas engendradas pelo novo sistema de produção, o resultado do trabalho passa a ser efêmero enquanto que a finalidade passa a ser o dinheiro, seja o lucro, seja o salário.

O consumo passa a ser o ponto nuclear do novo sistema, pois quanto maior o consumo, maior o lucro e, consequentemente, maior o salário, tendo em vista a necessidade de aquisição de mão de obra.

É neste sentido que o homo faber cria e, ao mesmo tempo, destrói a própria criação para que, então, possa, novamente, adquirir o mesmo produto, ocasionando, consequentemente, o ciclo denominado de consumo.

Tais considerações consolidam a segunda fase da modernidade, marcada por uma filosofia positivista, até como dialética do idealismo fundado na primeira fase, com paradigmas como grupos, classes, categorias, e as transformações no mundo se supõem abstratas e coletivas, deixando o singular e o genuíno, inclusive do homem, à deriva de investigação.

A sociedade da produção e do consumo arregimenta um direito laboral para proteger o próprio ciclo produtivo, com a presunção absoluta da hipossuficiência de uma classe, a trabalhadora, requestando-se do Estado uma posição genuína de gestor ativo das liberdades, dotando os débeis de mínimas condições na construção de uma vontade social que se sobrepõe a quaisquer liberdades individuais.41

41 ZENNI, Alessandro S. Valler. OLIVEIRA, Claudio Rogerio T. (Re)Significação dos Princípios de Direito do Trabalho. Porto

Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2.009, segunda parte.

Page 42: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

42 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

1.3 MODERNIDADE DE TERCEIRA FASE: PÓS-MODERNIDADE – MUNDO GLOBALIZADO - IDEIA DE SOCIEDADE LÍQUIDA Com o advento da modernidade, engendrada pelo progressismo político e a obliteração do modelo artesanal pelo processo industrial, verificou-se a transformação não só da estrutura política e econômica, mas inclusive, do modus vivendi do homem moderno.

A subversão dos valores, aliada à nova sistematização do modo de manutenção da vida humana, acabará por gerar transformações substanciais na existência do homem a partir do seu processo de personificação enquanto ser imanente de liberdade, consciência e dignidade.

Assim, o projeto de transcendência, que tem sido traçado a partir do binômio ser e dever ser, sendo este entendido como a tomada de consciência entre a relação da própria existência ontológica e o existir teleológico, concebida a partir da compreensão das relações do homem, intrinsecamente ligada ao exercício de sua liberdade, inicia sua construção com a conscientização do homem acerca de seu existir ontológico.

Na pós-modernidade, ou também chamada modernidade de terceira fase, como difundem os sociólogos e filósofos contemporâneos42, a liberdade que galgou passos, inicialmente como consciência que o homem tem de si mesmo, sendo compreendida como ausência de limites e de coação, fazendo por traçar o sentido negativo de liberdade,43 posteriormente como alavanca e ação prestacional grupal em prol dos hipossuficientes e limitados44, veste-se como ação uniforme, algo bem diverso do sentido igualitário, mas

42ZENNI, op. cit., p. 13. 43 Ibidem, p. 29-30. 44 ZENNI; OLIVEIRA. Op. cit., p. 78.

Page 43: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

A crise do homem pós-moderno 43

como prète a porter, todos com as mesmas características, atônitos e guiados, seguindo a mesma trajetória45.

Evidente que o estágio inicial do processo de liquidez do homem tem como aspecto primeiro a relativização e subjetivação dos valores. Associa-se a isso a isonomia formal na comunicação das vontades, que se supõe igual a todos, desde que haja cumprimento de um papel social, como em uma técnica de engajamento social. E o direito, por derradeiro, distribuindo as funções sociais, seus direitos e deveres, neutraliza toda a possibilidade de os seres humanos responsabilizarem-se pelos seus atos e escolhas.

Segundo as lições de Alessandro S. V. Zenni:

[...] sendo o homem consciente de si mesmo e livre para agir, pode desempenhar o papel que bem entender, surgindo, por via de consequência, a sociedade complexa e desagregada, funcionalmente diferenciada, imprescindindo de uma organização.[...].46

Sob a ótica do sociólogo alemão Niklas Luhman, já

na modernidade, sobretudo com a sociedade pós revolução industrial, rompeu-se a ideia de bem referida ao indivíduo, que, apesar de tornar-se dependente da consciência de cada um, o subjetivismo da vontade se separa do subjetivismo da razão e da ciência, culminando com um corte entre consciência ética e verdade.47

Ou seja, o exercício da liberdade será conduzido a partir da tomada de consciência, mas que, separada da verdade e da própria natureza do homem, gera mecanismos capazes de propiciar distúrbios sociais.48

A figura da sociedade produtiva na afirmação do homo faber, conduz ao homo economicus, e todas as

45 ZENNI, op. cit., p. 43. 46 ZENNI, op. cit., p.30. 47 LUHMAN, Niklas. Sociologia do Direito I. [trad. Gustavo Bayer]. Rio

de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. 48 ZENNI, op. cit., p.31.

Page 44: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

44 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

ciências passam a ser meios para um fim comum de prosperidade financeira, que, ao final, continua concentrada. De qualquer maneira, o sistema – estrutura ou faber – coopta a sociedade no seu âmago, no processo de produzir e consumir, no sentido mais pleno possível, dos bens, serviços, até a imagem e as ideias.49

Enfim, estas possibilidades, engendradas pela sociedade de consumo, corrompem com a concepção de liberdade, bem como, com a da existência ontológica do homem. Ser é ter. A liberdade manifesta-se com a aquisição dos bens de consumo impostos como condição de reconhecimento como ente pertencente ao meio social. A liberdade, mais do que nunca, é sinônimo de possibilidade de aquisições materiais.

Inolvidável que alhures, na arquitetura do Manifesto do Partido Comunista, Marx concebe a liberdade, perante o sistema capitalista, como a possibilidade de comprar e vender. Esta liberdade se expressa a partir do exercício das possibilidades traçadas pela sociedade de consumo, as quais se sucedem continuadamente, gerando a ideia de descartável, tanto do que se produz quanto em relação a quem consome, agravando-se pelo fato de que o reconhecimento social somente se confere a quem tem capacidade de consumo.50

Nesta perspectiva, não há limites aos desejos, há a sensação de que tudo lhe é permitido e nada seja obrigado, perdendo a noção completa de limites e nos eventuais conflitos com os outros seres percebe-se a si como único e exclusivo, individualista, detentor de direitos absolutos, sem noção de hierarquia ou superioridade.51

49 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Liberdade de Fumar. Privacidade. Estado. Direitos Humanos e outros temas. São Paulo.

Manole, 2007, p. 539. 50 BAUMAN. Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução Plínio

Dentzien. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 2001, p. 28 e seguintes. 51 Ibidem, p. 47

Page 45: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

A crise do homem pós-moderno 45

Há que se identificar, ainda, que uma nova

infraestrutura econômica emerge a partir da década de 50, com o fenômeno denominado de globalização, capaz de inaugurar novos marcos, quebrando paradigmas e empanando a ontologia humana, partindo da mobilidade espacial aliada a relatividade temporal, sem a desagregação social.52

Dissertando acerca da globalização, Tercio Sampaio Ferraz53 Junior afirma que:

É, certamente, uma expressão ambígua e vaga. De um lado admite sentido conceituais distintos, de outro, aponta para distintos objetos. Na sua vagueza, refere-se ora a um entrelaçamento das economias nacionais em planos mundiais, ora para formas extensas de comunicação, ora para uma interpenetração cultural. Na sua ambiguidade, ora releva a simultaneidade in praesentia dos eventos, ora uma generalização dos sentidos prevalecentes inaugurando uma forma cultural diferente.

Certamente que com um fenômeno desta

magnitude, aliada a concepção de liberdade imprimida pela modernidade, bem como com o ideal consumista, a globalização engendra novos problemas de maneira e interferir, diretamente, na própria estrutura da sociedade moderna, que irá redundar em veementemente crise ocasionada pela ausência de consciência e liberdade na sociedade pós-moderna.

Economicamente, um novo modus operandi substitui o fordismo, em que o processo de produtivo é sequencial e integrado em um movimento temporal cronológico, ou seja, cada peça é produzida para que se criem condições de produção da peça subsequente.54

52 FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 541 53 Ibidem, p. 540. 54 FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 541.

Page 46: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

46 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Este novo modelo, denominado de just in time, em

razão da possibilidade de uma ação simultaneamente articulada e coordenada, ocasionada pela relativização de tempo e espaço, cada peça é produzida, simultaneamente, em locais deferentes, e montadas conforme um projeto único, fazendo da produção, um processo globalizado.55

Zygmunt Bauman aponta que a rapidez e eficiência na produção tecnológica aliada com a ideia de consumo faz eclodir enorme insegurança no ser humano no tocante ao mercado de trabalho, bem como abre-lhe possibilidades de consumo de bens que se sucedem continuadamente, sendo este o fator determinante à perspectiva do descartável, tanto do que se produz quanto em relação a quem consome, agravando-se, ainda, respectiva circunstância, pelo fato de que o reconhecimento social é conferido, somente, a quem tem capacidade de consumo.56

A otimização estrutural da produção massificada se solidifica pela comunicação cibernética do consumo, cambiando e integrando sobremodo as esferas dos espaços públicos e privados. Público passa a ser o marketing difundido na imagem da televisão ou na publicidade da internet, passando a manipular a opinião, chegando no âmbito privado sem que o sujeito saia de seu recôndito mais íntimo57.

As noções de consumo invadem a esfera estatal e o cidadão se torna consumidor dos serviços públicos, impondo prestação qualificada de serviços, o que justificou, inclusive, a inclusão do princípio da eficiência entre os valores da Administração Pública, recentemente. A inoperância do Estado conduz ao novel modelo do Estado Fiscal, que delega competências à iniciativa privada pela via das concessões e permissões, garantindo-lhes, inclusive, o lucro, sob invólucro da

55 Ibidem. 56 Apud ZENNI, op. cit., p. 10069-10093. 57 FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 548.

Page 47: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

A crise do homem pós-moderno 47

eficiência, mantendo sob seu controle a prestação qualificada dos ofícios mediante as agências reguladoras. Há uma profusão normativa, até pela competência de que gozam para regulamentar essa mercê, exigindo um gigantismo, também, do Poder Judiciário.58

De fato, a sociedade consumista revela-se por um amontoado de seres individuais manipulados e uniformizados que não fruem liberdade, sequer no sentido negativo. O direito a trata a partir do enfoque do homo economicus e para preservar o sistema incólume do caos, dá-lhe um sentido funcionalista, seja para garantir a gestão econômica da sociedade complexa, em visão política, seja para manter a ordem sistêmica. Mas a pessoa enquanto valor perseguido pelo jus foi neutralizada e imunizada pelas decisões legislativas e judiciais.59

Alessandro S. V. Zenni descreve que a consequência desta deturpação, é a criação de uma sociedade de massa, onde os diversos seres humanos cedem à aglomeração, passa-se da reprodução à produção, do estatuto ao contrato, da emoção ao cálculo.60

Esta teia em que modernidade de terceira fase foi arremessada, gera um sentimento de impotência e perplexidade próprio de um ser niilista, ilhado, solitário, que procura desfrutar o prazer momentâneo, cultuar os bens externos, diante do fatalismo e incerteza do futuro em um mundo de vida desigual.61

A sociedade do consumo passa a ser composta por um amontoado de seres individuais, manipulados e uniformizados, que não fruem liberdade, sequer no sentido negativo. O enfoque econômico acerca do homem lhe confere um sentido funcionalista, garantindo a gestão

58 CAPPELLETTI. Mauro. Juízes Legisladores. Porto Alegre. Sergio

Antonio Fabris Editor, 1.996, p. 87. 59 NEVES, Castanheira. O Direito hoje e com Que Sentido. O

problema atual da autonomia do direito. Lisboa. Instituto Piaget, 2002, p. 67. 60 ZENNI, op. cit., 47. 61 Ibidem, p. 48.

Page 48: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

48 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

econômica da sociedade complexa, por intermédio de uma visão política, bem como para manter a ordem sistêmica capitalista.62

Nesta perspectiva, o ser massificado é informo, não tem personalidade e se mostra indigno. A autonomia da vontade passa a ser utópica, restando neutralizada por completa, uma vez que, ao consumir, o sujeito ocupa seu papel do meio social, reconhecendo e fazendo-se por se reconhecer como membro pertencente a esse meio.63

A pós-modernidade revela-se pela incursão na esfera individual do homem, tolhendo o sentido e o exercício de sua liberdade e, consequentemente, de sua consciência, que passa a ser contemplada por valores periféricos, premida por metas eminentemente egoístas, primando pela satisfação do prazer imediato transvestido da premissa pela vivência do presente e do amor próprio.

Inegavelmente a existência humana busca sentido ao perfazer-se, conclamando os valores ontológicos e teleológicos dignificantes de sua natureza, que, uma vez ignorados, conscientemente ou não, acabam por gerar o sentido contrário, ou seja, o desvalor, pondo o homem em profunda angústia e tornando sua via anódina.

Segundo, ainda, as aspirações de Alessandro S. V. Zenni:

O ser mergulhou em crise avassaladora, mormente pelo desprestígio da metafísica, e cotidianamente foge de si em franca de-cadencia. Afigura-se próprio do home o questionar-se acerca do sentido da vida, como indagação fundamental de sua existência, e em modelo neoliberal capitalista de exacerbação consumeirista, busca demasiadamente pela acumulação, informação e comunicação globalizada, o ser humano não cala sua dor, bastando que se observe quanta neurose vem desenvolvendo como mecanismo de defesa para fazer cessar o permanente interrogar-se acerca da felicidade.

62 NEVES, op. cit., p. 68-69. 63 ZENNI, op. cit., p. 47 et seq.

Page 49: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

A crise do homem pós-moderno 49

O sentimento instalado no homem, malgrado a bandeira da modernidade, é de derrilição, inquietude e angústia, quando não tédio.64

Tercio Sampaio Ferraz Junior é enfático em afirmar

que essa liberdade negativa de não sofrer impedimento, na sociedade de massas, torna-se cada vez mais uma ilusão. Estamos submetidos a um bombardeio diário dos meios de comunicação. Estamos sujeitos à propaganda organizada, que no fundo estabelece um imenso controle também sobre a nossa liberdade negativa.65

Frisa-se que a solução para a imponente questão

não está em encontrar o sentido para a existência humana, mas sim em questioná-la, valendo-se da expressão heideggeriana de “o homem não é capaz de descobrir por si só o seu sentido, mas ao não indagá-lo, vive no nada”.66

A humanização se dá por conta da possibilidade de questionamentos constantes acerca da essência do ser do ente que cada homem é.67 Assim, o resgate de sua consciência revela-se como tarefe eminente, ao passo que a partir dela, a concepção ontológica do homem, a partir da experiência, mostra-se possível, almejando, ainda, a consecução do seu existir teleológico.

De ser humano que tem o direito primacial de existir o homem foi reificado e por consequência enquanto ente moral que suporta carga responsável também se substitui pelas cláusulas mínimas, sugerindo que o descumprimento da norma é questão de risco e cálculo.68

A liberdade conotada nos contratos de massa diz com uma aposta de riscos mínimos, algo que poderia ser

64 ZENNI. Op. cit., p. 56. 65 FERRAZ JUNIOR. Op. cit., p. 139;140. 66 HEIDEGGER, op. cit, 15. 67 ZENNI, op. cit., p. 56 68 ZENNI, op. cit., p. 10069-10093.

Page 50: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

50 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

precisado pela lógica simbólica, equações matemáticas, enfim, pelo recurso tecnológico que a cibernética oferece.69

Se a dignidade humana evoca como conteúdo jurídico a emancipação em autonomia e liberdade, o ser massificado e descartável da pós-modernidade está anódino e derrelicto.70 Construção de uma sociedade justa, fraterna e solidaria, como princípio fundante do Estado democrático não passa de utopia. O personalismo ético que constitui a dignidade humana não brilha no objeto descartável a que foi transformado o homem pós-moderno.71

Em síntese, a proposta de um Estado Democrático no plano político construído para edificar a pessoa humana no plano ético recruta um direito em perspectiva transdisciplinar, como o é a própria noção de ser do homem.72

Mas se nos albores da história se tecia a transdisciplinariedade entre direito, política e ética, na pós-modernidade as propostas valorativas positivadas no texto constitucional sob a veste do Estado democrático não passa de discurso adiáforo.73

Isso porque o direito, ao tratar de dignidade humana, cinge-lhe conteúdo relacionável com o mínimo existencial, no sentido de permitir-se ao ser o acesso ao consumo, sem sequer haver liberdade de escolha ou recusa a adquirir, como dito supra. A análise econômica dos fenômenos e do próprio direito aniquila a possibilidade de o homem se personalizar e transcender, tolhendo-lhe o sentido da vida.74

69 FERRAZ JUNIOR. Tercio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito. Reflexões sobre Poder, a Liberdade, a Justiça e o Direito.

3ª Ed., São Paulo. Atlas, 2.009, p. 143. 70 ZENNI, op. cit., p. 56. 71 Idem, op. cit., p. 10069-10093. 72 Ibidem. 73 Ibidem. 74 Ibidem.

Page 51: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

- II -

O HOMEM ENQUANTO SER INTEGRAL: RESGATE AO HUMANISMO INTEGRAL

2.1 QUESTÕES FENOMENOLÓGICAS

Ao aludir-se sobre o processo de personificação,

imantando a dignificação do homem, não restam quaisquer dúvidas quanto à importância e necessidade da consciência de sua natureza ontológica, para, então, ao galgar a vereda da existência teleológica, personificar-se ao longo de sua existência.

Para construir uma teoria jurídica que visa o reconhecimento de determinadas circunstâncias que têm o condão de atribuir ao ser humano a qualidade de pessoa, imprimindo, ainda, características propriamente de direito, se faz necessário, à investida, a compreensão dos fenômenos que compõe a natureza ontológica do ser humano.

Evidentemente, uma teoria que busca a garantia do processo de personificação do ser humano, deve transpor o plano material e, no metafísico, a partir da consciência e do exercício da liberdade (no sentido filosófico) romper com os paradigmas sedimentados pela modernidade.

O homem moderno, como apontado na primeira parte do presente trabalho, revela-se fragmentado e amórfico. Desvencilhado dos valores edificadores de personalidade, mergulha em profunda crise existencial e, sem sentido, diga-se, consciência, é impedido de questionar-se acerca de sua própria essência, e, consequentemente, de personificar-se a partir da conscientização entre ser e dever ser.75

75 FÉLIX, Diogo Valério; ZENNI, Alessandro Severino Vallér. Educação Para Construção De Dignidade: Tarefa Eminente Do

Page 52: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

52 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

A fim de apontar um novo rumo ao processo de

personificação já ideologizada por valores econômicos, utilitários e outros resultantes do meio ambiente, formulados em nome da estabilidade e da segurança, o ponto fulcral da vera personificação deve ser pinçado do interno, algo imantado no próprio ser do homem, uma espécie de imanência educacional que busca consciência para criar luzes à escuridão da modernidade, implementando que esse ponto de referência é certamente “a dignidade, esse valor intrínseco do próprio homem.”76

Para reafirmar compromisso do processo de personificação com a (re)construção do homem, um projeto em dignidade, é de curial importância lançar-se às teorias do humanismo integral, bem como as fenomenológicas e metafísicas que procuram especificá-lo por diferenças específicas.77

Desta maneira, firme-se, desde já, que o homem é ser que deve ser, potência que busca concretizar-se em ato, malgrado toda a complexidade do existir e do transcender.78

Compreender a vida é reportar-se à dignidade enquanto atributo ontológico da existência do homem, e está exatamente no processo de transcendência e construção da pessoa, a ação personificativa.

Também há de se quadrar na espécie humana porção material e espiritual, que se acessa pela expansão dos dotes afetivos, volitivos e racionais puros. À medida que o ser humano verticalize-se, transpassando o material para o espiritual, e no metafísico, horizontalize-se, desenvolvendo as faculdades da alma, sempre nas

Direito. Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, América do Norte, 11,

p. 169-192, mai. 2011. Disponível em:http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/view/1736. Acesso em: 02 Mai. 2012. 76ROHDEN, Humberto. Novos Rumos para a Educação. 4ª Ed., São

Paulo: Martin Claret, 1997, p. 52. 77 FÉLIX; ZENNI, op. cit., p. 169-192. 78 ZENNI, op. cit., p. 78.

Page 53: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 53

relações trinarias, com o Cosmo, com o “si” de seu “eu” e com o “alter”, no fenômeno da sociabilidade, constrói-se em dignidade e, a um só tempo, personifica-se, construindo-se enquanto pessoa.79

Certamente a ordenação cerebral do ser humano o põe destacado entre os seres da natureza, qualificando-o como um ser somático, mas não se pode relegar que a materialidade não esgota o contexto da vida, tanto assim que o ser, ereto, busca no movimento a superação e a transcendência, de níveis materiais a espirituais80 e o direito, diga-se, desde já, não pode ignorar esse processo que se afigura uma lei cravada no íntimo humano.81

Bem de ver que no estudo antropológico reconhecer caractere essencialmente humano na possibilidade de descoberta e concatenação das ideias, nos atributos lógicos que lançam o homem para além de outros seres da natureza fazem-no o homo sapiens. Alhures já se adjungia a razão, também, capacidades sensitiva e imaginativa.82

Analisado pelo aspecto da racionalidade pode-se afirmar que o homem é ser que possui a propriedade de passar o conhecimento para além de si mesmo, valendo alusão de Heidegger sobre o saltar para além da subjetividade em dinamização como a própria existência, sem olvido de que na mundanidade e na ciência do ambiente é que o conhecimento se expande e, por consequência, nesse fenômeno se explica o humano.83

79 FÉLIX, ZENNI, op. cit., p. 169-192. 80 MONDIN, Battista. O Homem, Quem é Ele? Elementos de Antropologia Filosófica. Tradução R. Leal Ferreira e M.A.S. Ferrari,

12ª Ed. São Paulo: Paulus, 2.005, p. 61. 81 FÉLIX, ZENNI, op. cit., p. 169-192. 82 Ibidem. 83 O existencialista frisa que há uma espécie de transfusão da pessoa no mundo que se conhece, enquanto ser que vive, e, simultaneamente, consciência de que se vive subjetivada, uma objetivação como conteúdo do sujeito, e esta é a produção de experiência. Martin Heidegger. Ser e Tempo. Parte I. Tradução de Márcia de Sá

Cavalcante. 10ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2.001, p. 94/95.

Page 54: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

54 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Pode-se averiguar como critérios substanciais ao

conceito de vida ou existir84, o dinamismo que se notabiliza como liberdade, a pulsão genuinamente humana que permite ao ser eleição de seus meios e valores, e o motor propulsor à elevação em dignidade com o trânsito dos valores úteis aos bens do espírito, especialmente ética, estética e verdade.

Esse ser histórico que conhece na temporalidade recruta bagagem da experiência, interpreta os fenômenos e realiza novas produções do vivido é adjetivado pelo dom da liberdade, esse constante ato de querer que faz do ser do homem um dever ser em responsabilidade.85

Demais disso, há no ser do homem uma espécie de premência livre, por mais que isso possa se afigurar paradoxal, no sentido de, por ação do trabalho e realização intelectual, transformar as ações em produto cultural.86

Reside em seu íntimo uma não indiferença, instigação do espírito que faz suas preferências, elege meios para executar fins, redundando em pré-ocupação, projetar-se ao compromisso de transcender no futuro, notando-se o sentido da afirmação heideggeriana de que o presente é sempre futuro já sido.87

Como consectário do existir, ser é dever ser, eis a constante ocupação antecipada com o futuro. Então a vida se retroalimenta pelo processo de personificação, uma força inteligente que, no mundo da existência reclama a realização de valores.88

Esclareça-se que por mais elastecido que seja o conteúdo de cultura, essa confluência das atividades humanas na ordem especulativa e na ordem prática, como

84 Em Heidegger a essencialidade da vida está na existência histórica, a presença como possibilidade. In Ser e Tempo. Parte I. Tradução de

Márcia de Sá Cavalcante. 10ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2.001, p. 77 e seguintes. 85 FÉLIX, ZENNI, op. cit., p. 169-192. 86 Ibidem. 87 Ibidem. 88 FÉLIX, ZENNI, op. cit., p. 169-192.

Page 55: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 55

leciona Mondin89, há no ser do homem o predicado metafísico, uma espécie de projeto perfectivo e perfectível,

90 e toda ação ética plasma no outro o amor que permanece vivo e o imortaliza, construindo a ambos.91

Viver é, ao final, permanente angústia marcada pelo conflito entre ser e transcender. Essa superação, que pode ser horizontal, dando-se sobre as faculdades da alma, e no sítio da verticalidade, na própria existência vital, cujo ponto de estagnação advém com a morte, foi bem estudada por Battista Mondin.92

A transcendência está banhada de um alcance subjetivo, social e místico, sendo coerentes os postulados do antropólogo ao mencionar que, nem o eu, tampouco o nós, pode precisar o sentido último da transcendência, algo que está fora e além, mas é possível detectar que o homem que transcende sai do si para algo e não em direção ao nada. Esse algo a que se lança é Deus, o fundamento e o fim último de seu existir, uma realidade imaterial que o conclama à subida e em riste no transcender vertical, capacitando-o, a conscientemente admitir que o mundano não o satisfaz e, nesse reconhecimento, experimenta-se essencialmente espiritual.93

Se no processo de personificação é que a capacidade cognitiva do ser do homem exprime-o como ente metafísico, que vislumbra fins e constrói a sua dignidade certamente tal fenômeno passa a exaurir

89 MONDIN, op. cite, p. 195. 90 O homo culturalis não pode representar o esgotamento do fenômeno humano, pois ainda que não houvesse no cerne de um ser humano a inter-relação e a vontade transformadora, não o esvaziaria à condição de nada, aqui precitada como tabula rasa, senão que haveria de ser reconhecida uma potência adormecida que relegou a convocação necessária para conversão da mesma em ato. Alessandro Severino Valler Zenni. A Crise do Direito Liberal na Pós-Modernidade. Porto

Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2.006, p. 90 e seguintes. 91 FÉLIX, ZENNI, op. cit., p. 169-192. 92 Ibidem. 93 MONDIN, op. cit., p. 272.

Page 56: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

56 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

criminalidade, estancar violência, canalizar energia para o bem e o ético, tornar a convivência uma união justa e humana, dando sentido, inclusive, às promessas constitucionais de edificação de sociedade justa, fraterna e solidária, bem como a manutenção da dignificação humana.94

Personificar-se é procedimento de busca o incansável do espírito humano a atirar-se ao infinito, algo que vem do âmago do homem, construindo-se em dignidade, um existente incorporado que, por liberdade e dinamismo, visa transcender e dirige-se ao outro, ao mundo, ao bem e a Deus, em síntese, “pessoa é a-ser; a única maneira de alcançá-la é fazê-la ser”(...) “um projeto de humanidade”.95 A vida imprescinde da personificação para ser entendida como digna.

2.2 A DIGNIDADE HUMANA EM CONFORMIDADE COM O HUMANISMO INTEGRAL

Restando identificado o homem em sua

integralidade enquanto um ser fenomenológico, observa-se que a busca incessante da (re)construção de sua dignidade esta plasmada no processo de transcendência, posto que o homem que transcende sai de si lançando-se para algo maior, que é Deus, o fundamento e o fim último de seu existir, construindo-se em dignidade.

A concepção dignidade passa a ter uma conotação primordial na existência do homem, tendo em vista que a própria dignidade é o valor que está consubstanciado na natureza do homem. O homem passa a ser a medida de todas as coisas, um fim em si mesmo. Então a própria ideia

94 FÉLIX, ZENNI, op. cit., p. 169-192. 95 Essa a expressão de Ricoeur, existencialista católico, trazida à baila por Mondin. In O Homem, Quem é Ele? Elementos de Antropologia Filosófica. (tradução de R. Leal Ferreira e M.A. S. Ferrari) São Paulo:

Paulus, 1.980, p. 297.

Page 57: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 57

de dignidade deve estar em consonância com a ideia da natureza do homem abordada no tópico anterior.

Considerando que o homem é Ser-Para, e contém em sua essência a centelha divina, como potência que deve tornar-se ato, e mesmo que seja atraído pelo Valor, diga-se, realização e construção em dignidade, pode negar-se à realização como homem por emprego equivocado de sua liberdade, deparando-se com o niilismo enquanto ser, como abordado anteriormente.96

Veja-se, então, que o processo de personificação é a ferramenta crucial na desenvoltura não só da formação do homem enquanto ser humano, mas, inclusive enquanto pessoa, pois uso equivocado de sua liberdade, valor este eminentemente humano, ou, ainda, sua própria ignorância, levá-lo ao nada, frustrando sua própria natureza de ser humano, renunciando, ainda que de forma inconsciente, a si mesmo.

Neste sentido, a própria noção de liberdade, bem como seu emprego, dá sentido a revelação e reconhecimento da dignidade do homem, pois a liberdade pode trazer sua redenção, recolocando-o em sua jornada rumo à sua transcendência, ou mantê-lo rumo e/ou junto ao nada.

O valor liberdade é quem imprime a trajetória da existência do homem. Da mesma maneira que pode tornar o homem nada, como já visto, quando ausente de consciência de sua utilização, também pode conclamá-lo a sua dignificação, tornando-se obra boa em rumo ao Criador, a partir de seu agir ético.

Jacques Maritain ensina que o agir ético supõe mais do que controle às paixões e questões atinentes à matéria e a vitalidade, requestando concorrentemente, mínimas condições de cidadania, para, então, propiciar-se

96 ZENNI, op. cit., p. 104.

Page 58: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

58 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

ao homem o encontro com o sentido da vida enquanto convívio, dando-lhe de dignidade enquanto pessoa.97

Neste mesmo sentido, Alessandro Zenni98 ensina que:

O dever ser jurídico coincide com o próprio dever ser humano. Elementar a concepção de dinamismo no ser, uma pulsão natural do homem, esse ser que é causa e fim em si mesmo. O homem, escoimado de sua liberdade, é ser material, causalidade pura, sem poder conjecturar a ideia de fim, enquanto que pesando em Bem, como fim, o homem atraído pelo valor, põe sua liberdade diante da convocação de seus fins, podendo aceitá-los ou negá-los no que convergirá para sua defeicação ou nihilificação.

O valor liberdade, então, é notado como uma

condição sine qua non para os demais valores, indispensável na realização do homem enquanto formação de sua própria natureza de ser humano, e consequentemente de sua dignidade.99

Veja-se, então, que a liberdade em sentido filosófico é a ponte para o reconhecimento por parte do homem dos demais valores que o tornam humano, a qual é formada através do processo personificação que o homem realiza ao longo de sua existência, posto que o homem é um ser para, construindo-se em dignidade.

Neste sentido, percebe-se que a concepção e fundamentação da dignidade do homem integral está calcada sob duas dimensões da mesma realidade essencial do homem, partindo dos fundamentos da ontologia e teleologia (fundamentação onto-teleológica), ou seja, daquilo que o homem “é” no já de sua existência, mas não se firma nela; projeta-se teleologicamente em

97 MARITAIN, Jacques. Elementos de Filosofia I: Introdução Geral à Filosofia. 18 ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001. P. 167. 98 ZENNI, op. cit., p. 107. 99 Ibidem.

Page 59: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 59

direção ao seu fim humano último, ou seja, a realização de sua dignidade. Resumidamente, a dignidade dita a todo homem, sendo o supremo princípio de “ser aquilo que é”, de realizar ao longo de sua existência aquilo que não é plenamente.100

Esta noção de dignidade é concebida a partir da fundação realista e metafísica dos direitos humanos, feita, ainda, em decorrência da noção da realidade ôntica do homem, para chegar, depois, à sua realidade teleológica.101

A dignidade, em seu sentido mais lato, trata-se da essência do homem, ou seja, a característica que torna o homem humano, ontologicamente falando, é aquilo que ele “é”. Todavia, cumpre estabelecer, que não basta a definição ontológica para definir que vem a ser dignidade, posto que o homem não é somente aquilo é, mas também, aquilo que deve-ser, devendo-se fazer, também, um resgate teleológico da dignidade humana.

Portanto, segundo as lições de José Francisco de Assis Dias, a dignidade é o que ontologicamente somos e teleologicamente devemos ser. É enquanto fundamento dos direitos humanos, aquela dimensão essencial do homem, ontologicamente radica de sua natureza, e, teleologicamente, posta como meta para o homem ao longo de sua existência.102

Tendo em vista que o homem é marcado (onto-teleologicamente) pela dignidade, sendo por isso considerado humano, há uma projeção de fim e valor na medida em que o respectivo axioma determina ações de caráter protetivo do mesmo, tanto materiais quanto formais, a fim de se tutelar a dignidade do homem,

100 DIAS, José Francisco de Assis. Direitos Humanos: fundamentação Onto-teleológica dos Direitos Humanos, Maringá-

PR: Unicorpore, 2005, p. 241. 101 Ibidem. 102 Ibidem, p. 242.

Page 60: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

60 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

estabelecendo princípios essenciais de toda a espécie humana.

Assim sendo, a dignidade não é somente uma propriedade essencial da natureza do homem, consubstanciando em um núcleo axiológico inalienável, mas também, principalmente, quando se deixa conhecer através da intelecção desta natureza mesma e se apresenta como fim último de todo homem. Como asseverado por José Francisco de Assis Dias, todo homem tende naturalmente a ser sempre e, cada vez mais humano.103

Segundo, ainda, o doutrinador acima mencionado, assim como o indivíduo humano não está pronto e acabado ao iniciar sua aventura humana, a partir da fecundação, a dignidade se apresente como fim último a ser atingido por ele, almejando sua construção.104

Pode-se dizer, a partir desta concepção, que o homem vive na tensão de um já-ser ontológico e de um ainda-não-ser teleológico. Enquanto “é”, de fato, homem, mas ainda-não o é plenamente. Assim, os direitos humanos, que da dignidade derivam, são valores que racionalmente o homem reconhece o dever de tutelar a sim e aos outros contra a agressão externa ao seu indivíduo e ao grupo social, para possibilitar a consecução de tal estatura de homem pleno.105

Só a dignidade onto-teleologicamente entendida, comum a todos os homens, explica a existência de alguma coisa a compartilhar, a comunicar e, sobretudo, da qual a pessoa é individualizada. A presença da dignidade no ser humano é o que torna os homens membros não só de uma mesma espécie biogenética, mas de uma mesma comunidade, qual seja, a família humana. Assim, como este componente natural é presente em todo homem,

103 Ibidem, p. 246. 104 DIAS, op. cit., p. 246. 105 Ibidem.

Page 61: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 61

torna todos iguais em dignidade, apesar de suas legítimas diferenças.106

Nesta perspectiva, considerando que a dignidade é aquilo que somos e que devemos ser, conclui-se que a dignidade do homem integral, em apertada síntese, é o reconhecimento de sua essência, bem como de certas condições mínimas de sua existência e desenvolvimento de sua personalidade, fazendo-se como homem existente (ser – é), e projetando-se para o homem que deve ser, saindo do plano material para o espiritual, em um projeto de transcendência.

Não se relegue que a construção de dignidade, como transcendência possível e derradeira do ser humano, é possível a partir da personificação do ser, posto que, como abordado anteriormente, todo o processo de transcendência e dignidade do homem, está calcada no reconhecimento de seu ser e de seu dever ser.

Nesta perspectiva, o valor liberdade é edificado pela própria personificação, que dará ao ser humano toda sua consciência, ou melhor, transformando sua mentalidade puramente sensitiva em uma consciência, conclamando a busca da finalidade de sua existência, perfazendo-se assim, em dignidade.

Se o homem é o fim e a medida de todas as coisas, a tutela de sua dignidade represente o fim último da sociedade como um todo, pois uma sociedade justa, fraterna e solidária realiza-se, somente, com o reconhecimento e respeito à dignidade transcendente do Ser Humano, tanto no plano material quanto espiritual, devendo ser, inclusive, matéria de reconhecimento e tutela por parte do direito em relação ao Estado.

106 Ibidem.

Page 62: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

62 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

2.3 RESGATE HISTÓRICO DO RECONHECIMENTO DA DIGNIDADE HUMANA: UMA CONSTRUÇÃO CULTURAL

No item anterior, restou identificado o homem como

um conjunto de fatores fenomenológicos que o atribuem a qualidade de homem, reconhecendo, via de consequência, que o mesmo é detentor de certas condições para existir e transcender. Estas condições, partindo-se de uma concepção geral, para o direito, são consideradas como direito humanos, sendo estes entendidos, em apertada síntese, como conjunto de bens jurídicos que torna possível a existência da pessoa humana e seu pleno desenvolvimento, diga-se, do próprio processo de personificação.

Referida concepção sobre direitos humanos é construída a partir do reconhecimento da pessoa humana historicamente considerada, posto que a própria concepção de direitos humanos se edifica em seu caráter histórico e contingente, ligados que são ao próprio desenvolvimento cultural da humanidade.107

Neste ponto, cumpre, por bem, identificar que uma das principais características da cultura é a ideia de fim e valor que a ela implica e que a distingue da natureza. Compreendida como a soma bens materiais e espirituais acumulados pela humanidade através de sua realização histórica, a cultura abarca uma realidade axio-teleológica, visto haver conexão entre valor e fim.108

O ser humano (espécie natural) encontra-se incluído no mundo da natureza, que, identificando determinados valores (axioma), projeta sua ação a fim de

107 CORRÊA, Marcos José Gomes. Direitos Humanos: Concepção e Fundamento . In: PIOVESAN, Flávia; IKAWA,

Daniela (coords.). Direitos Humanos: fundamento,proteção e implementação. Curitiba: Juruá, 2008, p. 47-51. 108 BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao direito: lições de propedêutica jurídica tridimensional. 11ª ed. ver. atual. São Paulo:

Saraiva, 2011, p. 59.

Page 63: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 63

realizá-los (teleológico). Esta é a característica mais notável, que distingue imediatamente, o homem dos animais e das plantas. Enquanto estes são dotados de um ser inteiramente produzido, pré-fabricado pela natureza e determinados pelo ambiente natural que os cerca, o homem é em grande parte artífice de si mesmo e capaz de cultivar o ambiente natural que o cerca e transformá-lo profundamente, adaptando-o às próprias necessidades.109

A cultura, portanto, não é algo acidental, vinda do nada e premida ao nada, mas sim, a própria natureza do homem, que, por ser um produto de si mesmo, tem na cultura um elemento constitutivo de sua própria essência.110

Os direitos humanos são considerados como uma categoria filosófica de direitos, reconhecendo a pessoa como dotada de determinados bens, como a liberdade e igualdade, de caráter fundamental. Esta categoria filosófica traz a possibilidade de identificação da categoria de direitos humanos, enquanto fundam os pilares para a construção, no âmbito do pensamento filosófico-jurídico, destes direitos enquanto faculdades pessoais, com suas notas ou atributos radicais da humanidade, da universalidade, da igualdade, da imutabilidade, da objetividade da indispensabilidade e da inviolabilidade.111

Neste retrospecto, há a necessidade de resgatar a historicidade do reconhecimento dos direitos humanos ao longo da existência do homem, de maneira a identificar os momentos históricos e culturais nos quais estes ditos direitos foram reconhecidos pelo JUS como condições inerentes de existência e sobrevivência do homem, a fim de, posteriormente, identificar a transmutação de tais direitos em contraposição com a teoria clássica que postula o absolutismo dos direitos da personalidade.

109 BETIOLI, op. cit., p. 57-59. 110 Ibidem, p. 57. 111 DIAS, op. cit., p. 17.

Page 64: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

64 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Cumpre, para tanto, remontar aos tempos da

Grécia Antiga, início do desenvolvimento e reconhecimento do pensamento filosófico no que diz respeito à (re)construção histórica do reconhecimento dos direitos humanos.

O pensamento Antigo não chegou a reconhecer o homem como portador de uma dignidade intangível aferente a todos os homens enquanto indivíduos, fazendo por fundamentar a existência da escravidão, a exclusão da mulher, o alheamento dos estrangeiros.

Entretanto, o reconhecimento de certos valores concernentes ao homem começou a ter suas primeiras aspirações na Grécia por volta dos séculos IV e III a.C., tendo como influência a filosofia.112

Segundo a melhor doutrina, o reconhecimento e proteção de tais valores eram entendidos sobre três ideias centrais: A primeira dizia respeito à injustiça; a segunda vedava toda e qualquer prática de atos de excesso de uma pessoa contra outra e a última proibia a prática de atos de insolência contra a pessoa humana.113

Apesar da existência da escravidão no período antigo, encontra-se ainda no século V a.C., com os Sofistas, a presença de uma doutrina pautada no reconhecimento da natureza humana como um dos princípios de orientação para a construção da sociedade. Esta concepção parte da ideia de que Deus fez todos os homens livres, fazendo por expor a eixo da reflexão filosófica da physis e do cosmos ao Homem e àquilo que concerne a vida do Homem enquanto membro de uma sociedade.114

112 RABINDRANATH, V. A. Capelo de Souza. O Direito Geral de Personalidade. Coimbra: Editora Coimbra,1995. p. 43. 113 SZANIAWISKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. 2ª

Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005 p. 24. 114 DIAS, op. cit., p. 19.

Page 65: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 65

Veja-se, desta maneira, que a base do pensamento

filosófico concernente a este período, consubstanciava-se na ideia de liberdade entre os homens, nascendo livres. Neste ponto, cumpre esclarecer, que a liberdade não era um direito absoluto para o homem da Antiguidade Clássica, pois, apesar de nascer livre, podia tornar-se escravo por alguma circunstância, por um acaso, ou seja, não havia escravos por natureza, consignando a doutrina filosófica deste período.

Porém, foi com os estoicos que se desenvolveu uma doutrina de igualdade entre os homens em sua antropologia e sua ética. A ideia principal posta com fundamento desta igualdade foi da existência do reino da razão junto à comunidade real. Pode-se dizer que, neste momento, surge um dos três eixos principais sobre os quais orbitará os direitos hoje designados de humanos.115

Atribui-se, desta forma, que o homem é equiparado aos outros homens, porque todos são participantes da razão universal, ou seja, do Logos, e porque são dotados, ainda, como os outros, da ratio. Assim, os homens são todos iguais, enquanto perseguem a mesma finalidade ética, devendo, desta forma, o próprio direito reconhecer esta igualdade como natural ao homem, vinculando a impossibilidade de o legislador suprimir as obrigações a que comete.116

Ainda neste período, o reconhecimento da igualdade entre os homens era fundado na filiação divina, ou seja, que todos os homens eram iguais porque têm em Deus o seu pai.

Nesta linha de pensamento, seguindo, ainda, as categorias filosóficas jurídicas, há que mencionar a importância que o Cristianismo atribuiu ao processo de reconhecimento da igualdade entre os homens como direito natural inerente a ele mesmo. Foi um passo decisivo na doutrina bíblica atribuir a criação do homem

115 Ibidem, p. 21. 116 DIAS, op. cit., p. 21 e 22.

Page 66: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

66 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

como ordem querida por Deus, e do Homem feito imago Dei.

Esta doutrina religiosa era baseada, também, com fundamento nos ensinamentos de Jesus de Nazaré, o qual proclamou a igualdade ontológica de todos os seres humanos, dizendo que todos os homens são iguais porque são filhos de um mesmo Pai: Deus.117

Socorre-se dos ensinamentos de Alain Supiot, com relação à concepção divina, ao mencionar que o homem é visto na cultura ocidental, como uma partícula elementar de toda a sociedade humana, como indivíduo em dois sentidos, qualitativo e quantitativo. Qualitativo no sentido de reconhecer o homem a imagem e semelhança de Deus, a imago Dei, sendo, então, um ser único e incomparável a qualquer outro, sendo para si mesmo o seu próprio fim, e, no plano quantitativo, como um ser indivisível e estável, idêntico a si mesmo e a todos os outros, concluindo, que todos os homens são necessariamente iguais uma vez que descendem da mesma origem divina.118

Este ideal proferido pela doutrina cristã imprimiu um novo e mais profundo sentido à liberdade e a igualdade entre os homens, pois tanto a concepção divina (todos os homens são filhos de Deus) quanto à pertencista (todos os homens pertencem a uma mesma família – Humana) foram triviais no sentido de romper as barreiras territoriais e culturais, dando ao homem uma conotação inteiramente, até então, inédita e específica, qual seja, de que a liberdade e a igualdade são atributos universais do homem, ou seja, todos são livres e iguais perante o outro, em razão de sua natureza (divina ou natural), passando a ser, então, valores considerados como intangíveis ao homem.119

117 Ibidem, p. 23. 118 SUPIOT, Alain. Homo Juridicus: Ensaio Sobre A Função Antropológica Do Direito. Tradução Maria Ermantina de Almeida

prado Galvão. – São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p. 83. 119 DIAS, op. cit., p. 23

Page 67: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 67

Percebe-se, desde já, que ao longo da existência

do homem, ele identificou certos valores concernentes a todos os seres considerados humanos, a partir do reconhecimento de que possui a mesma natureza, seja ela divina ou natural, compondo, via de consequência, ainda que de forma primitiva, um núcleo axiológico que será denominado de dignidade humana.

Porém, foi na Idade Média, que se lançaram as primeiras ideias de um conceito moderno de pessoa humana baseado na dignidade e na valorização do indivíduo enquanto ser humano acrescido de certa dignidade120, classificada, nesta perspectiva, como um valor do próprio homem.

São Tomás de Aquino, pensador deste período, definiu o homem como um composto de substâncias espiritual e corporal. O homem aparece como um ser dotado de um duplo compromisso, qual seja, por sua alma, pertencente à série dos seres imateriais (espírito), mas não uma inteligência pura, pois se encontra essencialmente ligada a um corpo, sendo, então, um liame substantivo do mundo, pois o homem é menos um elemento do mundo do que um novo mundo onde se resume a totalidade.121

A racionalidade para ser o elemento que reconhece a “forma do homem”, pois enquanto ela confere a perfeição para a pessoa, passa a ser, também, o pressuposto para sua dignidade. Evidente que a respectiva afirmação é pautada na concepção cristã de pessoa, a qual é concebida como uma substância racional122, ou seja, o homem é aquilo que ele próprio reconhece a partir da razão.

120 SZANIAWSKI, op. cit., p. 35. 121 PESSANHA, José Américo Motta. Tomás de Aquino. In CHAUÍ-BERLINCK, Marilena et alii, História das Grandes Idéias do Mundo Ocidental. São Paulo: Abril Cultura, 1973, p. 150. 122 SZANIAWSKI, op. cit., p. 36.

Page 68: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

68 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Partindo desta concepção de homem, o

pensamento filosófico do período medieval, passou a elaborar a proposta de igualdade essencial de todos os homens, apesar das diferenças étnicas, biológicas ou individuais, passando a valer com força principiológica.

Neste mesmo contexto histórico, cumpre mencionar a Magna Charta Libertatum de 15 de junho de 1215, a qual permitiu que continuamente, na Inglaterra a pretensão de liberdade fosse afirmada em relação ao soberano. Trata-se de um ato constitucional no qual o monarca renunciou a direitos novos por ele pretendidos, assegurando um espaço de liberdade aos representantes da comunidade britânica, confirmando, desta forma, os antigos direitos dos barões.123

A Magna Charta Libertatum consolidou o princípio de que nenhum homem livre poderia ser detido, aprisionado, privado dos seus bens, banido, exilado ou prejudicado em algum modo, senão por ventura de norma jurídica territorial ou em seguida a uma sentença legal emitida pelos iguais, ou seja, por cidadão de sua mesma classe social.124

Ainda que este ato de reconhecimento de igualdade entre os cidadãos não excluiu o sistema de classes sociais, beneficiando somente alguns cidadãos, observa-se que fora um ato de extrema relevância jurídica no que diz respeito ao reconhecimento de que o homem, não só em relação a sua liberdade decorrente de origem, mas também em relação a outras liberdades, como a liberdade de propriedade.

Vale mencionar, a partir dos escritos da teoria desenvolvida por Guilherme de Ockham, o reconhecido de que a liberdade e a propriedade eram direitos concedidos por Deus e pela natureza, estando intrinsecamente ligados à pessoa, não podendo o homem abdica-los, em razão de sua própria natureza, cabendo-lhe, via de consequência,

123 DIAS, op. cit., p. 28. 124 Ibidem.

Page 69: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 69

exercitá-los ou não, consubstanciando uma das características fundamentais dos direitos humanos, qual seja, a irrenunciabilidade.125

Ora, veja-se, uma vez mais, que um dos valores concernentes à natureza do homem fora exteriorizada a partir de seu reconhecimento. Na medida em que o homem é considerado igual ao seu semelhando, restaram reconhecidos, na mesma medida, outros direitos (ou valores) do homem, bem como uma das características essencial a estes direitos, a irrenuncialidade, pautada na ideia de que, uma vez que o indivíduo era considerado homem, não cabia a ele renunciar a certos direitos, em razão de sua natureza, por estar intrinsecamente relacionados a ele.

Apesar de todo avanço jurídico do reconhecimento de certos direitos e valores concernentes ao homem, destaca-se que não há, ainda, qualquer conotação dos direitos fundamentais atualmente concebidos, de maneira que, foram lançados os primeiros fundamentos dos direitos fundamentais, tendo em vista que restou reconhecido pelo homem da Idade Média, que ele, assim como seu semelhante, era dotado de uma dignidade pessoal, a qual era irrenunciável, traçando as primeiras características dos direitos considerados humanos.

Nesta esteira histórica do reconhecimento e consolidação de valores habitáveis ao homem, observa-se maior desenvolvimento no período moderno, quando desde a expansão do comércio Europeu, chegando ao Mundo Novo, até o período inicial à segunda Guerra Mundial.

Com a chegada do Europeu ao “mundo novo”, houve uma forte hostilização dos habitantes das novas terras a fim de ter a dominação total não só das terras, mas também da cultura, tendo em vista a tentativa de cristianização dos índios habitantes daquelas terras.

125 Ibidem, p. 30.

Page 70: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

70 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Defronte os métodos utilizados pelos

conquistadores e colonizadores do Continente Americano, Francisco de Vitória, um dos expoentes deste período, fundamentando suas posições nos postulados de Tomás de Aquino, observou e defendeu o princípio da igualdade entre os índios e os colonizadores, pautada, ainda, na doutrina estoica cristã da natural paridade e igualdade de todos os homens e da unidade essencial da espécie, firmando, ainda, posicionamento acerca da universalidade de todos os homens, destacando que a descrença (do homem nativo) não elimina nem o direito natural, nem o direito humano e vice-versa, a propriedade pertence a um ou ao outro, portanto, ela não pode ser perdida por causa da descrença.126

Nesta mesma linha, Bartolomé de Las Casas posicionou-se no sentido de que os direitos são comuns a todas as gentes e a qualquer etnia, independentemente da crença confessional ou localização geográfica.127

Tais concepções foram inovadoras diante do contexto cultural deste período, principalmente com relação à submissão do indígena ao homem europeu, considerado, por muitos pensadores da época, superiores ao próprio índio; isso representou um paradoxo doutrinário, contudo o vigor do Aquinate se apontava à defesa da igualdade entre os todos os homens, independentemente de sua crença, etnia ou localidade geográfica, construindo, paulatinamente, um princípio celebrador da igualdade entre os homens, em razão de sua origem, divina ou natural.

Neste panorama, a própria Igreja Católica era divergente quanto à igualdade do homem. Consubstanciando a proposta de que todo homem é igual por conter a característica da humanidade, os dominicanos firmavam o entendimento de que, também, os indígenas eram portadores da humanitas, devendo, via de

126 DIAS, op. cit., p. 36. 127 Ibidem.

Page 71: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 71

consequência, serem observados todos os direitos inerentes a eles, indicando traços de uma consciência própria do magistério em mérito à intangibilidade e inalienabilidade dos direitos das etnias violadas, negando sua inferioridade.128

Em análise ao entendimento desta facção da igreja, observa-se, claramente, a preocupação com a tutela de direitos que passaram a serem reconhecidos como inerentes a todos os homens, sendo-lhes essencial, tais como a vida, a propriedade e a liberdade, fazendo por imprimir as primeiras concepções dos direitos humanos.

O ponto crucial na construção dos direitos humanos no que se refere a este período é justamente o reconhecimento por parte de alguns pensadores, bem como de parte da Igreja Católica, da igualdade entre os homens, passando a caracterizar certos bens inerentes aos homens como valores, tais como a vida, a propriedade e a liberdade, seja qual for a sua etnia, crença ou localidade geográfica, reconhecendo a compleição da humanitas em todos os homens.

Veja-se que uma concepção de direitos humanos (ou naturais) ainda que primitiva, vinha sendo paulatinamente reconhecida desde o período das primeiras civilizações, na Grécia Antiga, passando por consideráveis reforços no decorrer da Idade Média e propriamente no início do período moderno. Porém, foi no âmago da Revolução Francesa, com os ideais insculpidos pelo Iluminismo de liberdade, igualdade e fraternidade, sacramentaram a igualdade e liberdade como uma essência originária do homem, fora da perspectiva divina.

Como anteriormente mencionado, de cunho iluminista e, ainda por influência direta da independência dos Estados Unidos da América, a Revolução Francesa teve como causa determinante a preocupação com resolução dos problemas do Estado que acometiam as pessoas que compunham as classes mais baixas da

128 DIAS, op. cit., p. 39.

Page 72: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

72 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

população, o que estava, diga-se de passagem, longe dos olhos da nobreza, do clero e da burguesia.129

Como consequência da referida revolução, ocorreu o que se chama de “consagração normativa dos direitos humanos fundamentais”, quando a Assembleia Nacional Francesa, promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, contendo 17 antigos, e que em seu início continha os ideais da revolução, quais sejam, Liberdade, Igualdade e Fraternidade.130

Na importante Declaração, restaram reconhecidos certos princípios dos quais o Estado deveria observar e proteger, sendo a igualdade, a legalidade, a liberdade, inclusive religiosa (Estado laico) propriedade, segurança, resistência à opressão, associação política, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria penal, presunção do estado de inocência, livre manifestação do pensamento131, fazendo, via de consequência, expressar o pensamento acerca do homem, bem como de seus valores, os quais devem ser reconhecidos e protegidos pelo próprio homem e pelo Estado.

Voltaire, um dos expoentes deste período, no intuito de esclarecer o sentido da liberdade do homem, afirma que significa conhecer os direitos do homem, tendo em vista que conhecê-los equivale já a defendê-los.132

Muito embora o pensamento exprimido por Voltaire seja, em boa medida, um ataque à monarquia absoluta e à Igreja Católica, que mantinha estreitas relações com o absolutismo, de uma maneira geral, observa-se, mediante um enfoque ontológico, a impressão da saga da busca do reconhecimento pelo homem de si mesmo, conhecendo

129 SIQUEIRA JR, Paulo Hamilton; OLIVEIRA, Miguel Machado de. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p.88. 130 SIQUEIRA JR, op. cit., p. 89. 131 Ibidem, p. 88. 132 DIAS, op. cit., p. 56.

Page 73: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 73

suas condições pessoais, as quais deveriam ser exprimidas pela ordem jurídica.

Ainda sob o enfoque da liberdade, Montesquieu, em sua obra principal denominada de O Espírito das Leis, traz a definição de liberdade consistente no poder que o cidadão tem de “fazer o que se deve querer e em não ser forçado a fazer o que não se tem o direito de querer”133, ou seja, a liberdade estaria calcada na possibilidade do cidadão poder fazer tudo o que a lei permitisse.

Respectiva concepção de liberdade, traçada por Montesquieu, demonstra, não só a questão da liberdade inerente ao homem (no singular), mas aos homens, reconhecendo a necessidade do respeito à liberdade do próprio homem, bem como de seu semelhante, e mais, devendo ser papel do direito o reconhecimento e resguardo da liberdade do homem social, ou seja, a liberdade do homem no Estado.

Neste mesmo patamar, Jean Jaques Rousseau, em sua obra o Contrato Social, afirma que o contrato social dá origem ao Estado, ao interno do qual o indivíduo pode pôr-se, pela primeira vez, como uma entidade moral completa e realizar-se como defensor do bem comum.134 Assim, segundo Rousseau,

o que o homem perde pelo contrato social, é sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que o tenta e que pode atingir; o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui.135 Neste sentido, a renúncia individual aos próprios

direitos, em favor da sociedade, concebe ao homem (cidadão) o status de liberdade civil, demonstrando o mesmo desenvolvimento exercido por Montesquieu, de que a liberdade não se trata de uma possibilidade de fazer-

133 MONTESQUIEU, op. cit., p. 73. 134 DIAS, op. cit., p. 57. 135 ROUSSEAU, op. cit., p. 35.

Page 74: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

74 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

se ilimitadamente, mas sim na medida da liberdade do seu semelhante.

Acolhendo e aprofundamentos as ideias concebidas pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, insculpida pelos ideais da Revolução Francesa, outros pensadores deste período se atreveram a desenvolver o valor da igualdade e liberdade do homem.

Os deveres supremos, segundo ele, são aqueles que cada um tem para consigo mesmo, porque o respeito de si, destinado a conservar a própria dignidade humana e a própria pessoa previne a humanidade dos ultrajes. A consideração profunda do direito humano, o reconhecimento dos direitos inatos, inalienáveis e de necessidade pertencentes à Humanidade, figura a liberdade, a igualdade e a segurança do próprio, sendo um conjunto no conceito central de pessoa.136

Em análise ao contexto das formulações kantianas, pode-se observar que o mesmo faz uma construção de valores pertencentes ao homem, ou seja, valores como a liberdade e igualdade, por exemplo, fazendo parte do conceito de homem, de pessoa, de toda e qualquer pessoa, visto que o homem detém valores que o dotam da qualidade de humano (Humanitas), e que tais valores são reconhecidos por intermédio da razão.

Veja-se que a igualdade, a liberdade, a vida, a propriedade, a liberdade religiosa, a personalidade, a segurança social, são alguns dos conteúdos principais, sobre os quais incidem as várias concepções de direitos humanos. Ao longo da história, constata-se que eles terminaram por fundir-se com outras solicitações, deduzidas destes ou embasadas neles.137 A inserção e proteção de cada um destes valores ao homem ocorreram em razão do reconhecimento, através do uso da razão, pelo próprio homem.

136 Ibidem. 137 ROUSSEAU, op. cit., p. 69.

Page 75: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 75

Nas décadas de trinta e quarenta do século XX, sob

a impressão dos crimes nazistas, teve início uma nova era na história da categoria filosófica dos direitos humanos, qual seja, um novo empenho pelas liberdades fundamentais.138

Com a ocorrência das duas guerras mundiais, em especial a segunda guerra, e, ainda com a transformação do Estado liberal em Estado social, resultou em uma profunda ruptura com o sistema arquitetado pelos estudiosos dos séculos XVII e XIX.

O total desrespeito pela vida humana e pela liberdade do homem, que predominava na Europa quando dos regimes totalitários que conduziram às guerras, acabou por despertar nos povos o sentimento e a necessidade de proteção dos valores concernentes ao homem, até então reconhecidos, em todos os seus aspectos. A partir deste ponto, as Constituições promulgadas a partir da segunda guerra mundial, passaram a tutelar em especial o indivíduo enquanto pessoa, ou seja, o indivíduo enquanto sujeito detentor de um valor (diga-se valores), bem como a salvaguarda destes valores, consubstanciado na dignidade humana, recolocando o indivíduo como ponto nuclear de todo o ordenamento jurídico. 139

Por oportuno, vale mencionar, que a própria Alemanha, quando da promulgação de sua Constituição de 1949 (pós-guerra) dispôs sobre a proteção em seus artigos 1º e 2º, sobre a proteção da dignidade da pessoa humana e o desenvolvimento da personalidade humana, a fim de criar um mecanismo do qual tutelasse os valores reconhecidos como do homem.

A Lei Fundamental alemã, denominada de Constituição de Bonn, passou a prever logo no artigo 1º que a dignidade da pessoa humana é inviolável, devendo, todo o poder estatal respeitar e proteger, sendo invioláveis

138 Ibidem. 139 SZANIAWSKI, op. cit., p. 56 e 57.

Page 76: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

76 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

e inalienáveis os direitos do homem, dispondo, ainda, como fundamento de toda comunidade humana, vinculando os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a aplicar diretamente este fundamento no que se refere aos direitos fundamentais que dele decorrerem. Restou acrescentado, ainda, pelo nº 1 do artigo 2º, que todos têm o direito ao livre desenvolvimento de sua personalidade, desde que não violem os direitos de outrem, a ordem constitucional ou a lei moral.140

Neste ínterim, com a constatação global e recíproca dependência de todos os povos, os contatos sempre mais frequentes entre nações ricas e nações pobres, a proximidade entre a fome a e abundância, as crescentes ameaças que a todos submete, pelas técnicas de destruição em massa de todo tipo.

Semelhantes fatores, em suma, passaram a incentivar a cooperação internacional, fazendo emergir, sob o plano humanitário, três tendências distintas, sendo ideias políticas e individuais, sociais e materiais acerca das liberdades fundamentais e os direitos humanos, bem como o desejo de chegar a um acordo juridicamente vinculante, que consolide e assegure a posição do indivíduo enquanto ser humano.141

Ao contrário do que ocorreu no passado, onde a sistematização dos direitos fundamentais e humanos eram de pertinência do Estado soberano, reservados unicamente aos governantes, nos tempos atuais, toda ordem do pensamento filosófico e jurídico, põe o homem junto e acima do Estado soberano, sendo ele (o homem) titular de direitos humanos, transformando-o em sujeito de direito internacional.142

Respectiva afirmação parte da conclusão de que o homem, como um todo, é composto de certos valores que o dotam da qualidade de humano, e, em razão do

140 SZANIAWSKI, op. cit., p. 85. 141 DIAS, op. cit., p. 70. 142 Ibidem.

Page 77: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 77

desenvolvimento social e tecnológico, e a consequente proximidade entre as nações do mundo todo, restou evidenciada a necessidade de proteção destes valores no âmbito internacional, ou seja, as preocupações que afligia todas as nações, independentemente do grau, no que diz respeito à existência de seus cidadãos e o seu pleno desenvolvimento, acabou por ordenar, de maneira universal, a tutela dos valores, reconhecidos, concernentes ao homem, designando-os como Direitos Humanos, sendo estes, o respeito aos valores que compõe o núcleo axiológico denominado de dignidade.

Como expressão deste do pensamento filosófico contemporâneo aos tempos atuais, principalmente em razão das barbáries presenciadas no holocausto no decorrer da 2ª guerra mundial, em 1948, houve a edição da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual acrescenta à categoria de direitos humanos uma nota à universalidade. De fato, esta declaração é a primeira com pretensão de universalidade, tanto em seu conteúdo, quanto em seu valor e força coercitiva. Começa com o reconhecimento da dignidade inalienável inata em todos os membros da família humana e dos seus direitos igualmente inalienáveis, que são o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.143

A referida declaração concilia os sistemas históricos e materiais dos direitos civis e políticos dos direitos sociais, podendo-se identificar, ainda, o caráter personalíssimo de tais direitos, bem como a estrutura do humanismo integral, o pacifismo e o federalismo, que enriqueceram a esfera da cultura do Homem na sua dignidade.

O caminho político-econômico-jurídico-social, da Humanidade não só tende a se estender a todo Homem, a todos os homens a participação plena e consciente aos vários aspectos da vida social, mas tende também a estender tais direitos, num processo circular que encontra

143 DIAS, op. cit., p. 74.

Page 78: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

78 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

a sua razão de ser no mais amplo gozo das liberdades diante das problemáticas do mundo.

Entre os direitos humanos, fundamentais, isto é, entre os direitos civis, políticos e sociais, entre as liberdades essenciais, existe um íntimo nexo, uma estreita relação de recíproca condicionalidade e de solidariedade, enquanto todos os direitos, todas as liberdades humanas são igualmente necessárias e concorrem igualmente à realização da plena afirmação, promoção e expansão da pessoa, da dignidade de todo ser humano, do seu direito de ser posto em condições de exprimir plenamente a própria individualidade potencial.144

Assim, a Declaração Universal dos Direitos do Homem iniciou um princípio-guia para as constituições da maioria dos países no âmbito do reconhecimento da titularidade dos direitos a todos os seres humanos, os quais exprimem a tutela da dignidade da pessoa humana.

Veja-se, então, que a disposição dos direitos humanos como uma categoria filosófica, em razão do pensamento concernente a cada período histórico e cultural de vivência homem, fora fruto do conhecimento do homem de si mesmo, passando a conhecer (e aí a questão do reconhecimento) as condições materiais e imateriais que necessita à sua existência e desenvolvimento.

Os valores concernentes ao homem, os quais constituem a dignidade humana, foram paulatinamente sendo reconhecidos pelo próprio homem em cada momento histórico-cultural. Em cada momento da história humana, o homem passou e identificar certas qualidades e valores dos quais o dotavam da qualidade de homem, de pessoa humana, sendo portador de uma dignidade pessoal, inata e inalienável.

Observa-se, claramente, que o fio condutor da construção dos direitos humanos está calcado nas concepções divinas, filosóficas e sociais ou políticas. Num primeiro momento, o reconhecimento do homem (pelo

144 Ibidem.

Page 79: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

O homem enquanto ser integral... 79

homem) de sua semelhança com a imagem divina, ou seja, Deus, construindo a figura do Imago Dei, fazendo por imprimir a existência, em razão desta identificação de que todo homem é feito a imagem e semelhança de Deus, a igualdade entre os homens, independentemente de sua origem, crença ou localização geográfica.

Posteriormente, em decorrência do pensamento filosófico acerca da ciência como um todo, o homem passa a desenvolver e reconhecer, longe do foco religioso, certas características e valores que compões o homem de maneira integral, construindo, assim, as liberdades e igualdades, bem como os demais valores decorrentes daquelas, de modo insculpir os primeiros traços dos direitos ditos como humanos.

Com o desenvolvimento do homem e da própria sociedade, bem como do Estado, os direitos do homem, passam a uma conotação social, tendo em vista que cabe não somente a ele, mas, inclusive, ao Estado, reconhecer e tutelar tais direitos, trazendo, agora, uma concepção política dos direitos humanos. Nesta perspectiva, não somente os Estados (no sentido singular), mas toda comunidade internacional, reconhece e protege tais direitos, imprimindo também, desta forma, o caráter universalista dos direitos humanos e consequentemente da dignidade humana.

Desta forma, resta identificado que os direitos humanos, assim como a dignidade do homem, foram historicamente reconhecidos ao longo de sua existência. Apontamento necessário e importe se refere à universalidade da dignidade, pois cada valor reconhecido no homem, era também inerente a todo homem, seja qual for sua cultura, crença, etnia, etc., independentemente da carga axiológica a ele imprimida.

Assim, não só os direitos humanos são de caráter universal, mas também a própria dignidade humana o é também, posto que o reconhecimento e a tutela dos

Page 80: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

80 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

direitos humanos, nada mais é, do que a exteriorização do reconhecimento e tutela da dignidade humana

Os direitos da personalidade, enquanto fragmento dos direitos humanos, incluem-se na categoria de direitos que visam à tutela da dignidade humana, sendo, portanto, produto cultural na mesma proporção disposta aos direitos humanos. Enquanto produto cultural, ainda que os valores reconhecidos concernentes e eles sejam absolutos, apreensão do homem em relação a eles é relativa, assim como com qualquer objeto, seja ele cultural ou natural.

Page 81: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

- III -

CRÍTICA À TEORIA CLÁSSICA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Até este momento, a presente dissertação se

preocupou em identificar o objeto dos direitos da personalidade, qual seja, o homem moderno, restando evidenciado sua falta de consciência e propriamente de liberdade, mostrando-se, então nihilificado. Partindo desta concepção de homem, houve, por bem, a necessidade resgatá-lo a partir do humanismo integral, ou seja, o homem entendido como um conjunto de fenômenos que lhe atribuem à qualidade de homem, reconhecendo, via de consequência, que o mesmo é detentor de certas condições para existir.

Na sequência, lançou-se às características fenomenológicas, a fim de se poder trabalhar a concepção e fundamento da dignidade humana, fazendo um resgate histórico dos valores constituintes da dignidade, os quais, como anteriormente mencionado, foram frutos do conhecimento pelo homem de si mesmo em relação à natureza, ao seu semelhante e consigo mesmo, ou seja, o reconhecimento de condições e valores concernentes ao homem os quais o dotam da característica humana e que o dão a possibilidade de existir e se desenvolver.

Todo pensamento filosófico acerca dos bens e valores concernentes a natureza humana, desde os tempos antigos, girou em torno de sua dignidade (humanitas), ou seja, um núcleo axiológico que dá a qualidade no homem de ser humano.

No intuito de estabelecer uma análise acerca dos direitos personalidade desenvolvida a partir do reconhecimento da dignidade humana como um valor inerente ao homem, há por bem, trazer a presente

Page 82: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

82 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

discussão a construção histórica dos direitos da personalidade, bem como a sua inserção no direito pátrio.

3.1 A CONSTRUÇÃO DE UMA TEORIA GERAL DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE: DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO

Inobstante a construção de uma crítica a teoria

clássica dos direitos da personalidade, se faz necessário estabelecer o desenvolvimento histórico destes direitos, bem como de seu reconhecimento no Direito contemporâneo, para, posteriormente, apontar as fragilidades da respectiva teoria ao homem e ao próprio direito na pós-modernidade.

O direito geral de personalidade começou a ter suas primeiras aspirações na Grécia por volta dos séculos IV e III a.C., tendo como influência a filosofia. O direito vigente da época reconhecia cada ser humano como possuidor de personalidade e de capacidades jurídicas, ativa ou passiva, sendo definida abstratamente, bem como, ainda, que as distinções entre as classes, mantidas pelos estatutos jurídicos, estabeleciam, tão somente, distinções quantitativas.145

Veja-se, neste sentido, que desde o período antigo, o direito vigente reconhecia características próprias do homem, as quais dotavam o mesmo de certas qualidades, capaz de individualiza-lo no meio em que vivia, sendo expressada, portanto, como um valor, restando, então verificada a necessidade de reconhecer e proteger estas características por serem reconhecidas como intrínsecas ao próprio homem, passando a firmar, desde então, uma ideia de um direito personalíssimo.

Diante disto, ainda, por influência de Aristóteles, passou-se a identificar e reconhecer a existência da igualdade entre as pessoas e a ideia de ter a lei o dever de buscar a regulamentação das relações humanas em

145 RABINDRANATH, op. cit., p. 43.

Page 83: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 83

sociedade, objetivando, sempre, o bem comum. Esta nova concepção, trazida pelos filósofos gregos, concretizou a proteção jurídica da personalidade humana, reconhecendo a existência de um direito geral de personalidade em cada ser humano, firmando-se, desta maneira, a noção de uma cláusula geral protetora da personalidade de cada indivíduo.146

Porém, apesar do direito geral de personalidade ter sido reconhecido desde a Grécia antiga, foi em Roma que passou a ser efetivada a proteção destes direitos, existindo ações específicas às quais tutelavam os direitos de personalidade.

Em Roma, para que um indivíduo fosse considerado como portador de personalidade, era necessário que o mesmo reunisse três status: o status civilitatis, sendo esta a categoria de cidadão, que era desde logo negada aos estrangeiros e escravos e cuja plenitude muito custou a alcançar os plebeus; o status libertatis, ou seja, a qualidade de pessoa livre, que era condição embora não suficiente da cidadania; e o status familiae, com a inerente qualidade de pater-familias.147

Uma vez reconhecida que a pessoa, em Roma, era portadora de certos direitos personalíssimos, como o direito à vida e à integridade física, necessário era a tutela efetiva dos referidos direitos, a qual era instrumentalizada por intermédio da actio inuriarum, quando houvesse ofensa por meio de injúrias cometidas à vida e à integridade física, evoluindo a jurisprudência, posteriormente, no sentido de tutelar as ofensas injuriosas. Observa-se, então, que desde o período romano já se verifica a tutela da personalidade humana através da actio inuriarum, que assumia a feição de uma verdadeira cláusula geral protetora da personalidade humana.148

146 Ibidem, p. 25. 147 Ibidem, p. 47. 148 SZANIAWSKI, op. cit., p. 32.

Page 84: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

84 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Observa-se, neste prisma, que desde a

antiguidade, diga-se, Grécia e Roma, o ser humano era reconhecido como portador de características únicas, as quais o dotavam da qualidade de pessoa, formando, via de consequência, sua personalidade jurídica, a qual era reconhecida e tutelada por instrumentos processuais que efetivavam sua proteção.

Contudo, apesar das transformações da sociedade ao logo da História, o direito geral da personalidade não deixou de ser reconhecido nas legislações posteriores, evoluindo desde sua concepção na Antiguidade, até os dias atuais.

Na Idade Média, lançaram-se as primeiras ideias de um conceito moderno de pessoa humana baseado na dignidade e na valorização do indivíduo enquanto ser humano acrescido de um valor designado de dignidade.149

A dignidade passou a ser identificada com a liberdade, partindo do pressuposto de que o homem é livre em suas ações, sendo esta ideia impressa pela concepção tomista.150

Neste ínterim, verifica-se a evolução das concepções jurídicas e filosóficas concernentes a denominação da pessoa humana enquanto indivíduo provido de dignidade, sendo a mesma, que denota a qualidade do homem enquanto ser humano, passando-se, a partir deste reconhecimento, a tutelar a dignidade da pessoa humana como o núcleo emanador do direito geral de personalidade.

Há que explicitar, ainda, firmando o contexto histórico da construção da teoria dos direitos da personalidade, a ocorrência das duas grandes guerras mundiais, acabando por modificar profundamente o contexto jurídico econômico e social dos povos.

Com a transformação do Estado Liberal em Estado Social em especial pela ocorrência das duas guerras

149 Ibidem, p. 35. 150 Ibidem, p, 36.

Page 85: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 85

mundiais, bem como com o fim das ditaduras totalitárias, que dominaram a primeira metade do século XX, acabou por resultar em uma profunda ruptura no sistema jurídico arquitetado pelos estudiosos dos séculos XVII e XIX. O direito civil clássico, que era o ponto nuclear do ordenamento jurídico, não mais correspondia aos anseios sociais, nem mesmo as necessidades do homem, dando lugar à Constituição, que tratou de insculpir a principiologia que regula as relações sociais.151

Elimar Szaniawski ensina:

O total desrespeito pela vida humana e pela liberdade do homem, que predominava ao tempo em que dominavam na Europa os regimes totalitários que conduziram as guerras, acabou por despertar nos povos a necessidade de proteção da dignidade do homem em todos os seus aspectos, invocando os valores concernentes a personalidade, considerando o homem como ser humano. A partir deste ponto, as Constituições promulgadas a partir da segunda guerra mundial, passaram a tutelar em especial o indivíduo enquanto pessoa, protegendo sua personalidade e a garantia da salvaguarda de sua dignidade enquanto ser humano, recolocando o indivíduo como ponto nuclear, como primeiro e principal destinatários da ordem jurídica. 152

Por oportuno, vale mencionar, que a própria

Alemanha, quando da promulgação de sua Constituição de 1949 (pós-guerra) dispôs sobre a proteção em seus artigos 1º e 2º, sobre a proteção da dignidade da pessoa humana e o desenvolvimento da personalidade humana, a fim de criar um mecanismo geral de tutela da personalidade naquele sistema jurídico.

A Lei Fundamental alemã, denominada de Constituição de Bonn, passou a prever logo no artigo 1º que a dignidade da pessoa humana é inviolável, devendo,

151 SZANIAWSKI, op. cit., p. 56. 152 Ibidem, p. 57.

Page 86: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

86 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

todo o poder estatal respeitar e proteger, sendo invioláveis e inalienáveis os direitos do homem, dispondo, ainda, como fundamento de toda comunidade humana, vinculando os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a aplicar diretamente este fundamento no que se refere aos direitos fundamentais que dele decorrerem. Restou acrescentado, ainda, pelo nº 1 do artigo 2º, que todos têm o direito ao livre desenvolvimento de sua personalidade, desde que não violem os direitos de outrem, a ordem constitucional ou a lei moral.153

Neste sentido, a Corte Federal de Justiça, o BGH, ou Bundesgrichtshof, rompendo com a antiga Suprema Corte do Reich, fundamentou uma decisão nas alíneas 1, dos artigos 1º e 2º, da Constituição (GG), ou Grund Gesetz, declarou, no célebre caso Schacht, a existência de um direito geral de personalidade nas relações privadas, dispondo a ementa no seguinte sentido:

“Uma vez que a lei fundamental tendo reconhecido o direito do homem ao respeito de sua dignidade também em conceito de direitos provados erga omnes, enquanto não infrinja os direitos de outros ou não contra contravenha a ordem constitucional ou a lei moral, o direito geral da personalidade tem de ser considerado como um dos direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição”. A partir desta decisão, passou o Tribunal Federal de Justiça entender que o direito geral de personalidade se constitui em uma categoria jurídica de hierarquia constitucional, em relação aos demais direitos que se refere o Código Civil Alemão. 154

Em decorrência do conteúdo do julgado

anteriormente mencionado, os tribunais alemães passaram a reconhecer de forma efetiva o direito geral da personalidade, de modo a reconhecer, inclusive, a

153 RABINDRANATH, op. cit., p. 85. 154 SZANIAWSKI, op. cit., p. 59.

Page 87: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 87

indenização por danos imateriais em razão da violação destes direitos.

Aos poucos, outras nações Europeias, passaram a reescrever em suas Constituições a proteção e o respeito à personalidade humana, inserindo em seu texto o princípio da dignidade da pessoa humana, passando a valer como fundamento de todo o ordenamento jurídico.155

A Suíça, por exemplo, onde o direito geral da personalidade é previsto, legislativamente, desde 1907, o artigo 28 do Código Civil era preciso ao tutelar o direito geral da personalidade, prevendo três espécies de medidas judiciais para a proteção da personalidade do homem, quais sejam, a pretensão de cessação da perturbação, a prestação da reparação por perdas e danos e a pretensão de reparação por danos morais.156 Posteriormente a Lei nº 16 de dezembro de 1983 veio completar a tutela do direito geral da personalidade.157

Neste mesmo contexto histórico, Rabindranath ensina que:

Mesmo na França, na comissão de Reforma do Código Civil francês foi discutido um projeto de Houin sobre os direitos de personalidade, pronunciando-se este autor a favor de uma cláusula geral relativa à proteção da personalidade e salientando a dificuldade de regulamentar com detalhe os direitos particulares. Assim, para além de disposições relativas ao começo e fim da personalidade, foi aprovada a seguinte redação: “toda ofensa ilícita a personalidade dá ao ofendido o direito de requerer que a ela seja posto fim, sem prejuízo da responsabilidade que dela pode resultar para o autor.158

155 Ibidem, p. 62. 156SZANIAWSKI, op. cit., p. 94. 157 RABINDRANATH, op. cit., p. 87. 158 RABINDRANATH, op. cit., p. 89.

Page 88: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

88 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Percebe-se que em decorrência da proteção da

personalidade como um todo, constitui-se, consistentemente, em uma cláusula geral de proteção a personalidade, sem prejuízo às disposições concernentes aos direitos específicos da personalidade.

Esta proteção ao direito geral de personalidade também pode ser vislumbrada no ordenamento jurídico português, uma vez que o Código Civil prescreve no n. 1 do artigo 70, a proteção aos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, permitindo sustentar a existência de um direito geral de personalidade. Este posicionamento está aliado ao fato de que a Constituição portuguesa de 1976, garante como valor social básico a dignidade da pessoa humana, dispondo que a estruturação do poder estatal, bem como de toda ordem jurídica deve estar calcada em observância aos direitos fundamentais do homem, que em sua maioria constituem-se em direitos constitucionais de personalidade, fazendo por concluir que, também em Portugal, há uma cláusula geral de direito de personalidade.159

Observa-se que na maioria dos países europeus vigorava uma cláusula geral da qual reconhecia e protegia os direitos de personalidade do homem, partindo do princípio da dignidade da pessoa humana. Havia, desde o início do reconhecimento dos direitos da personalidade, já entre os gregos, até os tempos atuais, com sua positivação e instrumentalização, a preocupação com o valor do homem enquanto indivíduo, reconhecendo a necessidade de tutela deste valor exteriorizado pela dignidade, estabelecendo uma principiologia no seu entorno, que passou a ser o fundamento dos ordenamentos jurídicos, qual seja, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Todo o aparato histórico acerca dos direitos da personalidade, bem como em relação às teses desenvolvidas no que concerne à necessidade de

159 Ibidem, p. 91.

Page 89: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 89

reconhecimento e tutela destes direitos, girou em torno de sua natureza, a fim de encontra um fundamento capaz de justificar sua inclusão, seja como princípio, seja como valor, como cláusula geral protetora do direito de personalidade.

A respectiva justificação, parte da própria concepção da composição da personalidade humana por três elementos fundamentais consubstanciados na dignidade, a individualidade e a pessoalidade, os quais constituem o indivíduo como portador de caráter próprio e de uma forma criadora transcendente, posta como potência, que lhe permite desenvolver-se para além dos limites internos, a fim de lhe alcançar sua realização humanizante.160

Elimar Szaniawski afirma que:

A dignidade humana consiste no elemento indicador da localização do ser humano no Universo, o qual, em virtude de sua natureza espiritual, é dotado de dons que possibilitam a construção de determinadas tarefas de criatividade cultural, da realização de valores éticos e de se auto-edificar-se. O segundo elemento é a individualidade, que consiste na unidade indivisível do ser humano, consigo mesmo identificada, que possui um caráter próprio, que todo o indivíduo traz consigo ao nascer. Este caráter próprio evolui e é complementado através da educação, do progresso moral e espiritual que cada indivíduo desenvolve no curso de sua vida. A individualidade permite a toda pessoa realizar a tarefa ética, sua evolução espiritual e seu auto-desenvolvimento. A Pessoalidade é o terceiro elemento, que se traduz pela relação do indivíduo com o mundo exterior, com outras pessoas, com toda a sociedade e com os seus valores éticos, onde o indivíduo se afirma como ser, defendendo a sua individualidade. 161

160 SZANIAWSKI, op. cit., p. 114. 161 Ibidem, p. 115

Page 90: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

90 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Neste sentido, há que se observar que a dignidade

é o ponto nuclear da esfera ética da personalidade humana, e, ao passo em que se reconhecem os valores concernentes a esta personalidade, se faz necessário à proteção permanente destes mesmos valores, objetivando, via de consequência, ao livre desenvolvimento da personalidade do homem.162

3.2 DO DIREITO GERAL DA PERSONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Tendo definido a ideia de uma teoria geral dos

diretos da personalidade, construída a partir do reconhecimento da dignidade da pessoa humana, torna-se por necessário a análise da teoria geral dos direitos da personalidade no âmbito da Constituição Federal do Brasil de 1988, uma vez que esta Constituição não dispõe de uma cláusula geral expressa, destinada a tutelar amplamente a personalidade do homem.

Porém, ainda que a Constituição Federal não faça uma previsão expressa no que diz respeito ao direito geral da personalidade, não significa dizer que a legislação brasileira não adote a teoria do direito geral da personalidade.

Muito embora o constituinte de 1988 tenha incluído determinadas categorias dos direitos da personalidade, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à intimidade, à honra, à imagem, não implica em afirmar que a Constituição Federal de 1988 não tenha absorvido a teoria do direito geral da personalidade, posto que, uma vez estabelecido como fundamento do Estado Brasileiro o princípio da dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos fundamentais do homem, há que se constatar, via de consequência, que o sistema jurídico brasileiro adotou um sistema de proteção à personalidade humana, tendo em seu caráter geral, definido pela dignidade da

162 Ibidem.

Page 91: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 91

pessoa humana estabelecida como princípio, bem como pelo seu caráter específico, uma vez que a própria legislação acaba por definir certos direitos específicos da personalidade.163

Ainda em observância a Constituição Federal de 1988, verifica-se, inseridos em seu preâmbulo, no inciso III do artigo 1º, no caput do artigo 5º, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, os quais constituem a base de todos os demais direitos, garantindo a proteção do homem em todas as suas projeções, implicando, desta forma, na cláusula geral do direito da personalidade no sistema jurídico brasileiro, sendo, ainda, garantida como um direito fundamental.164

Sobre este aspecto, Elimar Szaniawsk ensina que:

Embora a Constituição Federal não possua inserido em seu texto, um dispositivo específico destinado a tutelar a personalidade humana, reconhece a tutela ao direito geral da personalidade através do princípio da dignidade da pessoa humana, que consiste em uma cláusula geral de concreção da proteção da personalidade de desenvolvimento do indivíduo. Esta afirmação decorre do fato que o princípio da dignidade, sendo um princípio fundamental diretor, segundo o qual deve ser lido e interpretado todo o ordenamento jurídico brasileiro, constitui-se na cláusula geral de proteção dos direitos de personalidade, uma vez ser a pessoa natural o primeiro e o último destinatário na ordem jurídica. 165

Observa-se que a Constituição Federal tutela a

personalidade humana, alicerçando o direito geral de personalidade a partir do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como de alguns outros princípios fundamentais expressos na Constituição, espalhados pelos diversos títulos da mesma, garantindo o

163 SZANIAWSKI op. cit., p.137. 164 Ibidem. 165 Ibidem.

Page 92: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

92 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

desenvolvimento e livre exercício da personalidade humana.166 3.3 O DIREITO GERAL DA PERSONALIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Embora a nossa Constituição Federal não

contenha expressamente uma cláusula geral de tutela da personalidade, declara o artigo 1º em seu inciso III que a República Federativa do Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.

Esta proteção encontra fundamento ao entender-se que toda e qualquer pessoa humana é livre e igual, constituindo-se no bem supremo de toda ordem jurídica. Assim o princípio da dignidade da pessoa humana projeta-se em toda organização da vida econômica, cultural e social, bem como do poder estatal, uma vez que esta dignidade é inerente ao próprio homem, implicando no reconhecimento pelo ordenamento jurídico, da dignidade humana, tratando-a como um direito fundamental do homem.167

A respeito deste direito fundamental Rabindranath explica que:

Por força das normas e preceitos constitucionais, relativos aos direitos fundamentais, devem ser interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Acontece que no preâmbulo da Declaração considera que na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do homem, na sua dignidade e no seu valor da pessoa humana, na igualdade dos direitos dos homens e das mulheres que se declaram resolvidas a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma

166 SZANIAWSKI op. cit., p. 137. 167 RABINDRANATH, op. cit., p. 619.

Page 93: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 93

liberdade mais ampla e que o artigo 29, nº1, da Declaração, supõe o direito ao livre e pleno desenvolvimento da personalidade. 168

Desta forma, cumpre estabelecer que a proteção

do direito geral da personalidade é concebida pela Constituição Federal, através do princípio da dignidade humana, como um fundamento da República Federativa do Brasil, por ser um direito necessário, fundamental ao desenvolvimento e manutenção do homem enquanto ser humano, sendo dever do Estado reconhecê-los e protegê-los, considerando, ainda, que o objeto e fundamento do Direito é o próprio homem.

Tal afirmação decorre do avanço que o direito constitucional apresenta hoje é resultado, em boa medida da afirmação dos direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa humana e da visão de que a Constituição é o local adequado para positivar as normas asseguradoras dessas pretensões. Correm paralelos no tempo e o reconhecimento da Constituição como norma suprema do ordenamento jurídico e a percepção de que os valores mais caros da existência humana merecem estar resguardados em documento jurídico com força vinculativa máxima, indene às maiorias ocasionais formadas na efervescência de momentos adversos ao respeito devido ao homem.169

Assim, forçoso é o entendimento de que se trata o direito geral da personalidade, também, de um direito fundamental do homem, ao passo que a Constituição Federal declara ser protetora dos direitos humanos, proclamando ser um dos fundamentos do Estado Brasileiro, a dignidade humana.

Porém, cumpre esclarecer, segundo os ensinamentos de Gilmar Ferreira Mendes que:

168 Ibidem, p. 620. 169 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Gráfica Coimbra, 2000. p. 396.

Page 94: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

94 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Este posicionamento se refere especificamente ao direito geral da personalidade, entendido como o princípio da dignidade da pessoa humana, pois como ensina Canotilho, muitos dos direitos fundamentais são direitos da personalidade, mas nem todos os direitos fundamentais, são direitos da personalidade. Os direitos da personalidade abarcam certamente os direitos de estado, (como por exemplo, o direito à cidadania), os direitos sobre a própria pessoa, (como o direito à vida, à integridade moral e física, direito à privacidade), os direitos distintivos da personalidade (direito a identidade pessoal) e muitos dos direitos de liberdade (liberdade de expressão). Tradicionalmente, afastam-se dos direitos da personalidade os direitos fundamentais políticos e os direitos a prestações por não serem atinentes ao ser como pessoa. Contudo, data a interdependência entre o estatuto positivo e o estatuto negativo do cidadão, e em face da concepção de um direito geral da personalidade, cada vez mais os direitos fundamentais tentem a ser direitos da personalidade. 170

Assim, ao passo que o direito geral da

personalidade emana do princípio da dignidade da pessoa humana, incontroverso é o entendimento de que se trata o direito geral da personalidade como um direito fundamental. 3.4 CONCEITO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NAS DISPOSIÇÕES DA TEORIA CLÁSSICA

Inobstante a conceituação dos direitos tidos como

da personalidade, cumpre estabelecer a delimitação de tais direito com as demais normas previstas no ordenamento jurídico, a fim de ter a exata compreensão de sua natureza, características e amplitude destes direitos.

170 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. rev. e

atual. – São Paulo: Saraiva 2010. p. 307.

Page 95: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 95

No que se refere à especificação dos direitos da

personalidade, afirma-se que são os direitos inerentes à própria pessoa, necessários a obtenção de sua personalidade, regulando seus aspectos físicos, mentais e morais, tornando-o, desta forma, um indivíduo único no meio em que vive.

Neste sentido, Carlos Alberto Bittar ensina que:

Por direitos da personalidade consideram-se aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, os quais são previstos no ordenamento jurídico para a defesa de valores que são inatos ao próprio homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos. 171

Logo, pode-se concluir, segundo a teoria dos

direitos da personalidade, que se tratam, os mesmos, como aqueles ligados intimamente com o seu titular, ao ponto de confundir-se com a própria pessoa, pois, estes direitos, quais sejam, os da personalidade, individualizam o indivíduo no meio social, dotando-o de personalidade, tornando-o capaz de aquisição de direitos e obrigações.

No entanto, há que se afirmar que a personalidade não se identifica com os direitos e com as obrigações jurídicas, mas como a pré-condição a eles, ou seja, seu fundamento e pressuposto.172

Assim, tem-se, que os direitos da personalidade são pressupostos fundamentais à aquisição da personalidade jurídica do indivíduo, uma vez que, somente a partir da individualização do homem, tornando-o um ser único devido as suas atribuições físicas, psicológicas e normativas, por assim dizer, no que se refere à questão dos direitos inerentes a si mesmo, é que ele poderá

171 BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 1ª Ed. São

Paulo: Editora Forense Universitária, 1989. p. 1. 172 CUPIS, Adriano De. Os Direitos da Personalidade. Lisboa, 1961.

p. 15.

Page 96: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

96 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

adquirir direitos e obrigações no seu âmbito social. Neste mesmo prisma, Adriano de Cupis afirma que “não se pode ser sujeito de direitos e obrigações se não está revestido da qualidade de pessoa”. 173

Neste aspecto, leciona-se que existem certos direitos sem os quais a personalidade humana restaria inexistente, privada de todo seu valor, sendo direitos sem os quais todos os outros direitos subjetivos perderiam todo interesse para o indivíduo, concluindo, via de consequência, que se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal. São esses os chamados direitos essenciais, com os quais se identificam precisamente os direitos da personalidade.174

Nesta perspectiva, a função dos direitos da personalidade está consignada em sua própria estrutura, a qual consiste na satisfação das necessidades das pessoas, estando ligadas por um nexo muito estreito, orgânico por assim dizer, identificando-se com os mais elevados, entre todos, os bens susceptíveis de senhorio jurídico. Logo, os bens da vida, da integridade física, da liberdade, apresentam-se como bens máximos, sem os quais os demais perdem todo o valor. 175

Nesta esteira, poder-se-ia dizer, que sem a garantia e tutela dos direitos da personalidade, como aqueles anteriormente mencionados, tidos como bens máximos, não haveria qualquer necessidade de proteção das demais normas do ordenamento jurídico, tendo em vista que estes direitos visam à organização do homem no meio social, enquanto os direitos da personalidade têm a finalidade de proteger e garantir as características das quais são essências a formação do homem enquanto homem, pois se as normas têm como finalidade o homem

173 DE CUPIS, op. cit., p. 17. 174 Ibidem. 175 BELTRÃO, Silvio Romero. Os Direitos Personalidade de Acordo com o Novo Código Civil. Ed. Atlas, 2005, p.36.

Page 97: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 97

enquanto sujeito de direitos e obrigações, é necessário que se garanta a existência dele enquanto pessoa.

Acirradas discussões foram travadas acerca da natureza jurídica dos direitos da personalidade, argumentando, vários autores, que não podia haver direito do homem sobre a própria pessoa, porque isso justificaria o suicídio.176

O objeto desses direitos não é, portanto, exterior ao sujeito, diferentemente dos demais bens tutelados177, mas sim inerentes à própria pessoa, por determinados atributos ou qualidades físicas ou morais do homem, individualizados pelo ordenamento jurídico e que apresentam caráter dogmático.178

Estes direitos são tão ínsitos na pessoa, em razão de sua própria estruturação, diga-se física, mental e moral, que chegam a confundir-se com a própria pessoa sendo intransmissíveis e irrenunciáveis, se antepondo como limites das relações do Estado com o indivíduo, entre os particulares, e, inclusive, à própria ação do titular, o qual não pode dispô-los por ato de vontade.179

Porém, sob certos aspectos e circunstâncias, pode abdicá-los, a título de exemplo, da licença para uso de imagem, dentre outras hipóteses. No entanto, referido consentimento não corrompe o direito, uma vez que o próprio direito permanece incólume, tendo implicações no que se refere ao exercício do mesmo direito.180

Os autores que contestam os direitos da personalidade, em sua maioria, utilizam-se do argumento de que os direitos da personalidade têm os mesmos elementos que os direitos patrimoniais, ao passo que a necessidade de relação jurídica externa com o bem evidencia características próprias do direito da

176 BITTAR, op. cit., p. 4. 177 BELTRÃO, op. cit., p. 35. 178 BITTAR, op. cit., p. 05. 179 Ibidem. 180 Ibidem.

Page 98: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

98 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

propriedade, o que não se verifica aos direitos da personalidade.181

A separação e distinção das qualidades e necessidades essenciais do homem não podem ser obstáculos à aceitação e reconhecimento destes direitos pelo Estado, a fim de impedir que o próprio Estado, assim como terceiros interfiram na esfera da personalidade humana, garantindo à pessoa o exercício de todas as suas qualidades essenciais.182

O fato de os direitos da personalidade serem interiores ao indivíduo não significa afirmar que há sua permanência e conservação no homem, uma vez que devido às relações homem-mundo, diga-se relações do indivíduo com Estado e com os demais particulares, podem interferir diretamente nestes valores, gerando a necessidade da criação da defesa destes direitos.183

Conclui-se, desta forma, ainda que os direitos da personalidade sejam por sua essência, interiores ao indivíduo, pugna-se, de modo a garantir e efetivar a sua aplicação, pela sua proteção jurídica, ocasionada quando do reconhecimento dos direitos da personalidade, como objeto de direito.

Logo, identificam-se os direitos da personalidade como sendo direitos subjetivos, mas não podendo ser exauridos nessa categoria, uma vez que o entendimento de subjetividade está atrelado à presença de um valor, o que não é verificado nos direitos da personalidade.184

Por tais razões, Silvio Romero Beltrão ensina que: No direito da personalidade, ao contrário do que acontece com o direito de propriedade, o bem que o sujeito pretende defender ou adquirir, se encontra dentro do ser e não fora dele, sendo inerente a própria pessoa, a sua individualidade física, a sua experiência de vida

181 BELTRÃO, op. cit., p. 37. 182 Ibidem. 183 Ibidem. 184 BELTRÃO, op. cit., p. 37.

Page 99: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 99

moral e social, que impõe a conclusão de que estes direitos tutelam tudo que lhe é peculiar, caracterizando-o como direito subjetivo. 185

Quanto a subjetividade dos direitos da

personalidade anteriormente firmada, cumpre esclarecer que está ligada a ideia de que estes direitos preexistem ao Estado, afastando o entendimento de que são reconhecidos por ele, perfilhando a essencialidade destes direitos, uma vez que, entende-se, pelo simples fato do homem possuir personalidade, determinados direitos são considerados inatos, traçando, então, seu caráter subjetivo.186

Neste sentido, os direitos da personalidade são aqueles direitos inerentes ao próprio homem, inatos por sua natureza, considerando sua essencialidade à formação e manutenção do homem enquanto ser humano. Porém vale dizer, que alguns direitos não têm por parâmetro o simples pressuposto da personalidade, não sendo, em tese essencial, mas que, uma vez revelados, adquirem seu caráter de essencialidade.187

Desta forma não há como a natureza subjetiva dos direitos da personalidade, principalmente no que se refere ao valor político, devido ao fato dos Estados que se proclamavam autoritários, terem conferido nova dignidade aos direitos da personalidade, dando-lhes uma disciplina expressa, embora parcial e colocado no preâmbulo do corpus do próprio direito privado, desmentindo às teorias negativistas do direito subjetivo, que, como afirmado por Adriano de Cupis, “continuam a ser, mais do que nunca, o eixo de todo o sistema jurídico”. 188

Partindo desta concepção, salvo exceção de alguns poucos autores, a doutrina majoritária entende que

185 Ibidem, p. 38. 186 DE CUPIS, op. cit., p. 19. 187 Ibidem, p. 21. 188 CUPIS, op. cit., p. 22.

Page 100: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

100 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

os direitos da personalidade são direitos subjetivos, ao passo que esse entendimento deriva de que todos aqueles direitos que tem por finalidade dar conteúdo à personalidade jurídica do homem, são denominados de direitos da personalidade.189

No entanto, esta concepção foi ao longo dos tempos sendo adota pelos estudiosos do respectivo tema, ao passo que as grandes discussões no que diz respeito ao tratamento da natureza jurídica dos direitos da personalidade foram essenciais à formação dos conceitos destes direitos, bem como ao eixo teórico aos quais aqueles estudiosos se filiaram a fim de formarem a construção das teorias existentes.

Dentre os autores que adotam a concepção positivista, tomam posicionamento no sentido de que esses direitos constituem, em sua maior parte, em direitos inatos, mas que não podem ser reduzidos, pura e simplesmente a este entendimento, uma vez que alguns destes direitos não têm por base o pressuposto de personalidade, como anteriormente mencionado, mas que uma vez revelados, adquirem caráter de essencialidade.190

Os positivistas consideram que devam ser incluídos como direitos da personalidade apenas os reconhecidos pelo Estado, que lhes dá força jurídica, não aceitando a ideia de existência de direitos meramente inatos, posicionando no sentido de que todos os direitos subjetivos derivam do ordenamento positivo, dando a sua delimitação no direito positivo em cada caso.191

Em contrapartida, a concepção naturalista afirma que os direitos de personalidade correspondem aos atributos inerentes à própria condição humana, ao exercício normal das faculdades desempenhadas pelo homem.192

189 SZANIAWISKI, op. cit., p. 77. 190 BITTAR, op. cit., p. 6. 191 Ibidem. 192 Ibidem.

Page 101: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 101

Neste ponto, cumpre estabelecer, que direitos da

personalidade são direitos que transcendem o próprio direito objetivo, sendo inerentes ao indivíduo, cabendo ao Estado, reconhecê-los, de modo a efetivá-los no ordenamento jurídico.

Neste mesmo sentido, Carlos Alberto Bittar, ensina que:

Os direitos da personalidade constituem direitos inatos, cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los em um ou outro plano do direito positivo – a nível constitucional ou a nível de legislação ordinária – e dotando-os de proteção própria, conforme o tipo de relacionamento a que se volte, a saber: contra o arbítrio do poder público ou às incursões de particulares. 193

Assim, há que se concluir, em análise às

disposições do autor acima mencionado, que cabe ao Estado reconhecer e tutelar os pressupostos que dão ao ser humano a condição de pessoa, posto que, tais pressupostos existem independentemente do direito e, propriamente, ao Estado.

Na mesma medida Silvio Romero Beltrão descreve que os pressupostos, que conferem ao ser humano a qualidade de pessoa, são entendidos como um “conjunto de bens que são tão próprios do indivíduo que chegam a se confundir com ele mesmo, e, portanto, constituem as manifestações da personalidade do próprio sujeito”.194

Logo, há que se concluir, segundo a respectiva teoria, que os direitos da personalidade são aqueles direitos que compreendem toda a condição do homem enquanto ser humano, capaz de constituir todos os aspectos de sua personalidade jurídica, ao ponto de se confundir consigo mesmo195 em decorrência de sua natureza, bem como àqueles decorrentes de sua projeção

193 BITTAR, op. cit., p. 6. 194 BELTRÃO, op. cit., p.23. 195 Ibidem.

Page 102: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

102 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

no mundo exterior, exercendo, também, uma função de limite de atuação do Estado e os demais particulares, e, inclusive, do próprio indivíduo sendo, via de consequência, irrenunciáveis, intransmissíveis e inalienáveis, não podendo o homem dispor de quaisquer deles.

3.5 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE COMO UMA TEORIA JURÍDICA IDEOLÓGICA

Inobstante a construção de uma teoria que tem por

finalidade a contemplação do homem em todas as suas dimensões humanas, ou seja, daquele conjunto de bens que dotam o ser humano da qualidade de pessoa, desenvolvida a partir do reconhecimento da dignidade da pessoa humana enquanto valor, cumpre apontar, no presente trabalho, as fragilidades quer permeiam a teoria dos direitos da personalidade enquanto uma teoria jurídica.

A fim de galgar a presente finalidade, há que se estabelecer a própria definição de Direito dentro de uma perspectiva social e filosófica.

O estabelecimento de uma definição de Direito depende da identificação de que Estado, concretamente, está surgindo a legislação, ou seja, da própria identificação da classe dominante que comanda o processo econômico e a propriedade dos meios de produção.

Respectiva identificação se revela necessária a fim de poder constatar se o Direito ou teorias jurídicas, tais como a teoria dos direitos da personalidade se reveste de ideologia, utopia, ou, até mesmo de demagogia, na medida em que o Direito e propriamente o discurso jurídico é instrumentado como uma ferramenta de manutenção da dominação de uma classe sobre a outra.

Denota-se que o Estado ao dizer o Direito se reveste da aparência do interesse geral. Este fato se desponta na medida em que a classe burguesa assume o poder, acabando por surgir uma contradição entre os

Page 103: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 103

interesses individuais, ou de uma classe particular, e o interesse geral, ocasionando o conflito entre os proprietários e não proprietários.196

Este conflito engendrado pela luta entre as classes (proprietários e não proprietários) corrompe com inferência de interesse comum ou geral, uma vez que onde houver propriedade privada não pode haver interesse comum.197

Veja-se, então, que o Estado aparece como a própria realização do interesse comum, ou seja, tem por finalidade a manutenção do interesse geral, almejando, inclusive, a diminuição das diferenças sociais. Contudo, ele (o Estado) é a forma pelo qual os interesses da parte mais forte e poderosa, qual seja, os proprietários, ganham a aparência de interesses de toda a sociedade, uma vez que é o próprio Estado, enquanto poder distinto e acima dos interesses particulares, quem define o que é de interesse geral.198

O emprego do Estado como uma entidade soberana acima que qualquer interesse particular, revela a quimera da referida instituição, posto que, restando evidenciado que é o Estado quem determina o interesse comum, via de consequência, o respectivo interesse será reflexo do interesse da classe dominante, imprimindo, por intermédio do Estado, como interesse de toda a comunidade.

Marilena Chauí descreve, com propriedade, que: O Estado é uma comunidade ilusória. Isso não quer dizer que seja falso, mas sim que ele aparece como comunidade porque é assim percebido pelos sujeitos sociais. Estes precisam dessa figura unificada e unificadora para tolerar a existência das divisões sociais, escondendo que tais divisões permanecem através do

196 CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia. 7ª ed. ver. Atual. Editora

Brasiliense: São Paulo, 1980, p. 26-27. 197 Ibidem, p. 27 198 Ibidem.

Page 104: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

104 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Estado. O Estado é a expressão política da sociedade civil enquanto dividida em classes.199

Logo, há que se concluir que o Estado não existe

para minimizar as diferenças sociais entre proprietários e não proprietário, mas, para mantê-las a fim de sustentar o domínio de uma classe social sobre a outra.

Para manter a aparência de instituição que visa à preservação do interesse comum, ao invés de demonstrar sua real finalidade dominadora, o Estado precisa exercer esta dominação de maneira impessoal e anônima, qual seja, pelo Direito, pelas leis criadas por aqueles que estão no domínio, legitimados pela ideia de representação do próprio interesse comum.200

A ascensão da classe burguesa ao poder empunhou a bandeira do direito natural, sustentando um direito acima das leis, legitimando a transgressão da lei até então imposta, com fundamento na igualdade e a liberdade entre os homens, transpondo como interesse de toda uma comunidade. Contudo, após tomar o domínio, a manutenção do poder se dera pela instituição, mais uma vez, do positivismo jurídico, agora com o fundamento na necessidade de positivação dos interesses comuns, a fim de se estabelecer segurança jurídica.201

Neste sentido, a legitimação do Estado, bem como de suas finalidades, é instrumentada pelo Direito, propriamente pelas leis, que, transvestidas da ideia de proteção do interesse comum, preserva os interesses particulares da classe dominante.

Há que se revelar, desta forma, que a sociedade civil concebida como um indivíduo coletivo é uma das grandes ideias da ideologia burguesa para

199 CHAUÍ, op. cit., p. 27 200 Ibidem, p. 27-28. 201 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 11ª ed. Editora Brasiliense:

São Paulo, 1982, p. 02-04.

Page 105: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 105

ocultar que a sociedade civil é a produção e reprodução da divisão em classes e é luta entre as classes.202

Marilena Chauí define a ideologia como sendo:

Um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas e regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir a divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as diferenças, como de classes, e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento de identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nação ou o Estado.203

Veja-se, neste sentido, que o discurso ideológico

se pauta na necessidade de ocultar a real realidade, ou seja, a causa da realidade, fazendo por inverter a explicação de determinado fenômeno, ao passo em que justifica a diferença entre as classes a partir de conceitos pré-estabelecidos. A ideologia busca a explicação do fenômeno a partir de sua conclusão, tendo por finalidade, ocultar a consequência do fenômeno a partir de sua causa.

Trata-se do processo dialético invertido. A síntese é a condição de explicação da tese, ao invés da tese contraposta pela antítese formar a síntese. Assim,

202 CHAUÍ, op. cit., p. 30. 203 Ibidem, p. 43-44.

Page 106: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

106 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

nascida por causa da luta entre as classes e nascida da luta de classes, a ideologia é um corpo teórico (religioso, filosófico ou científico) que não pode pensar realmente a luta de classes que se deu origem.204 Desta forma, o discurso ideológico atua como uma

venda, impossibilitando que os membros de uma sociedade conheçam as razões determinantes das diferenças sociais, fazendo, ainda, por legitimar o respectivo discurso a partir da premência conceptiva das ideias particulares da classe dominante, como uma ideia comunitária.

Como anteriormente mencionado, um dos instrumentos de legitimação do discurso ideológico é o Direito, uma vez que, iludidos pela ideia de representação, onde classe dominada acredita estar exercendo o poder por intermédio de seus representantes, que é propriamente a classe dominadora, a lei se revela como um fato ocasionado da inspeção social, ou seja, a classe dominada acredita que os detentores do poder, analisando os anseios sociais, editam as leis para buscar o equilíbrio social, a partir do reconhecimento e da busca da igualdade entre os membros da sociedade em todas as suas projeções.

O Estado seria, para os dominados, a representação dos interesses comuns, legitimando, portanto, suas ações. No entanto, tendo em vista que o Estado é quem mantêm a ordem, resta claro e evidente, que o Estado nada mais é do que o porta voz da classe dominante.

Em razão da dominação entre as classes, outros projetos, assim como outras instituições, oriundas de outra classe ou grupo não dominante, são desprezados. O Direito surge como instrumento de controle social ligado a

204 Ibidem, p. 44.

Page 107: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 107

organização e manutenção do poder classístico, exprimindo-se através das leis.205

Roberto Lyra Filho descreve que as contradições resultantes da luta entre as classes:

Acabam reforçando a dominação, pois o que invoca o novo grupo do poder é a mesma ordem social, que entendia mal defendida pelos seus representantes. É assim como se o mandante cassasse os mandatos de seus procuradores, mais ou menos infiéis, com receio de que estes entreguem o ouro aos bandidos (do poder), isto é, os dominados, que “devem” continuar dominados. Vê-se, então, que as contradições à superfície representam uma coerência mais profunda (a da dominação, é claro).206

Cumpre explicitar que o Direito canoniza a ordem

social estabelecida, podendo, somente, ser alterada a partir de suas próprias disposições, ou seja, a ordem seria alterada, porém, sua fundamentação permaneceria a mesma, visto que, os arranjos estariam dispostos pela mesma ordem.207

Na medida em que o discurso jurídico idealiza o Estado enquanto uma instituição que mantêm os interesses comuns, legitima-o, na mesma proporção, a função de dizer o Direito.

A fim de sustentar a proposição do Estado como entidade provedora e protetora do bem comum, o Direto passa a ser idealizado como uma técnica de organizar a força do poder, sem deixar o poder sem justificação, ou seja, há uma justificação maquiada pela ideologia, cuja função, é determinar que esta “força” é para a realização da “paz social”, ocultando, deste modo, o fim dominativo e

205 LYRA FILHO, op. cit., p. 18. 206 Ibidem, p. 18-19. 207 Ibidem, p. 19.

Page 108: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

108 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

a manutenção da dominação classista e dos grupos associados a tais classes.208

O desenvolvimento de teorias jurídicas esculpidas a partir das respectivas premissas, quais sejam, da finalidade do Direito enquanto instrumento de dominação e manutenção da dominação, resta revestida, também, da mesma finalidade.

A teoria dos direitos da personalidade, reconstruída nos tópicos anteriores, revela, claramente, o discurso ideológico, vez que, imprime a ideia de liberdade e igualdade entre os homens a partir do axioma formado pelo reconhecimento da dignidade humana, tangenciando, ainda, determinadas circunstâncias materiais formadoras de sua personalidade jurídica, necessárias à realização da própria dignidade humana.

Inegavelmente o reconhecimento da dignidade enquanto valor essencial ao ser humano é um consenso entre os teóricos do mundo contemporâneo, capaz de influenciar toda ordem social, jurídica, econômica e política de uma civilização. Assim, a dignidade da pessoa humana é, de todas as circunstâncias tratadas pelo direito, a de maior fundamentalidade.209

O liberalismo político e econômico acaba por instaurar uma nova realidade na efetivação dos direitos fundamentais do indivíduo, deixando, o Estado, de ser o único opressor dos respectivos direitos na medida em que o homem passa a se deparar com a liberdade em sentido negativo210. A salvaguarda das circunstâncias necessárias à realização da dignidade da pessoa humana passa a ter uma vertente não mais, somente, frente às insurgências do Estado, mas inclusive, dos demais indivíduos.

208 LYRA FILHO, op. cit., p. 22. 209 BARCELOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 2ª ed.

amplamente revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 137. 210 Ibidem, p. 131.

Page 109: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 109

Cumpre identificar, diante desta realidade, que a

antinomia não se encontra na dignidade humana enquanto valor, mas sim na própria efetivação dos direitos que guarnecem o respectivo axioma, tendo em vista a necessidade da observância de circunstâncias materiais à sua consecução.

Educação, saúde, alimentação, informação, a vida, a integridade física e psicológica, bem como os demais direitos dispostos como fundamentais e personalíssimos, dependem, à sua efetivação, de um conteúdo eminentemente material.

No intuito de estabelecer a preservação e a realização da dignidade humana, ainda, em razão do determinado conteúdo material, o Estado apresenta um conjunto mínimo de circunstâncias entendidas como necessárias à inviolabilidade pessoal mínima que possibilite o desenvolvido de sua personalidade e o máximo de bem-estar possível, denominado de mínimo existencial.211

Desta forma, concebe-se “um direito a condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de interferência do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas”.212

Este conjunto de condições materiais mínimas reconhece como pressuposto não apenas do princípio da diferença entre os homens, mas, também, do princípio da liberdade, uma vez que, a carência deste mínimo existencial inviabiliza a utilização pelo homem das liberdades que a ordem jurídica lhe assegura.213

Assim, em tese, o mínimo existencial é indispensável à constituição de uma verdadeira condição

211 BARCELOS, op. cit., p. 142. 212 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. 1ª ed.

Rio de Janeiro: 2009, p. 08. 213 BARCELOS, op. cit., p. 144.

Page 110: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

110 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

da liberdade, garantindo a própria realização da natureza humana.214

Veja-se que a núcleo jurídico da tutela da dignidade da pessoa humana está centralizada na indispensabilidade de determinados bens materiais, fazendo por evidenciar, claramente, que a fundamentação jurídica da dignidade humana pressupõe condições materiais.215

Há que se concluir que o indivíduo que têm possibilidades de prover determinadas condições materiais, terá assegurada, de maneira íntegra, sua dignidade, negando-a, consequentemente, aquele que não têm.

Surge, então, a figura do Estado provedor dos direitos fundamentais do homem pautados no reconhecimento e tutela da dignidade humana, assegurando um mínimo de condições existências materiais àqueles que não têm possibilidades de provê-las.

Ao analisar o respectivo discurso identifica-se, mais uma vez, parcela ideológica na medida em que o instituto do mínimo existencial, além de negar a própria dignidade daquele que não tem quaisquer condições materiais de provê-la, mantém, na mesma proporção a diferença entre as classes.

A instituição do Estado provedor das condições mínimas de existência digna do homem converte-se em ferramenta de dominação e manutenção da dominação de uma classe sobre a outra.

O Estado, como anteriormente mencionado, é o meio pelo qual a classe dominante mantém o poder. O interesse particular desta classe, bem como os de seus associados, converte-se, ideologicamente, como interesses comuns. A tutela da dignidade humana a partir de elementos materiais, institucionalizada pelo Estado,

214 Ibidem, p. 155. 215 Ibidem, p. 155-156.

Page 111: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 111

privilegia a classe que têm plenas condições de adquirir estes determinados bens, negando-a, aos demais.

A fim de ocultar a respectiva realidade, a classe dominante, por intermédio do Estado, estabelece a ideia do mínimo existencial, tendo efetividade, apenas e tão somente, enquanto discurso ideológico, posto que, informa a classe dominada a existência de um valor essencial, qual seja, a dignidade, e que a mesma será preservada através da observância de determinadas condições materiais de existência, sendo, ainda, estas condições, direito fundamental de todo cidadão, devendo, portanto, ser provida pelo Estado.

Contudo, o Estado é gerido por uma determinada classe, que, para manter o poder e o status quo, necessita manter a distância entre a classe dominada, fazendo esta acreditar que os seus interesses estão sendo reconhecidos e observados.

Para tanto, na mesma medida em que o Estado reconhece a necessidade de observância de determinadas condições materiais mínimas à preservação da dignidade humana, estabelece que estas condições sejam observadas de acordo com a reserva do possível, ou seja, havendo proventos “disponíveis” para esta finalidade, determinado direito, entendido, como fundamental, será cumprido.

A fundamentalidade de tais direitos é relativizada a partir da (im)possibilidade material do Estado em garantir determinadas condições mínimas de existência, negando, portanto, a própria dignidade humana, posto que, concretamente. A ideia do mínimo existencial nega, diante da ausência de liberdade, a possibilidade da classe dominada em galgar tais condições em razão de seu cunho material, aniquilando a possibilidade do homem se personificar e transcender, tolhendo-lhe o sentido da vida, bem como, ante o Estado em invocar “princípios” de direito que impossibilitam a concessão destas condições.

Page 112: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

112 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Desta forma, a institucionalização da tutela da

dignidade da pessoa a partir de condições materiais bem como pela concepção do mínimo existencial desponta a ilusão arquitetada pela classe dominante, através do direito. A proteção da dignidade humana no intuído de estabelecer a liberdade e a igualdade entre os homens revela meros ideais com fins de manter a dominação de uma classe sobre a outra.

Como abordado na primeira parte do presente trabalho, ao perder o sentido, diga-se, consciência, o homem perde a liberdade. As imposições da sociedade de consumo arquitetam a pulsão humana. O homem é impelido a adquirir e alienar, constantemente, a fim de que se tenha a “concepção” de pertencimento e liberdade.

O discurso jurídico firma a liberdade de agir e pensar entre os homens, desde que se aja e se pense de acordo com as determinações da classe dominante. O Direito, utilizado como ferramenta à dominação e manutenção do poder, é o primeiro limite à ação do homem, sendo, ainda, de competência absoluta do Estado, que é dirigido pela classe dominante. Na mesma medida, considerando que o complexo social é gerido pela classe dominante, todo o modelo de pensamento será orquestrado segundo os seus interesses, que, manuseado ideologicamente, concebe os interesses particulares como interesses comuns.

Da mesma forma, a concepção de igualdade resta prejudicada a qualquer construção teórica. O Direito estabelece, a partir da própria Constituição Federal, a igualdade entre os homens, sem distinção de qualquer natureza, ou seja, independentemente de qualquer circunstância. Conclui-se, então, que se os homens são iguais, via de consequência, os interesses seriam iguais.

Contudo, restou identificada a cisão da sociedade entre proprietários e não proprietários, ou seja,

Page 113: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 113

exploradores e explorados, que separa intelectuais e trabalhadores, sociedade civil e Estado.216

Esta relação contraditória se reproduz da condição necessária suficiente à existência de proprietários privados, qual seja, a existência dos não proprietários. Ou seja, a existência da classe dos proprietários depende inteiramente da existência da classe dos não proprietários e esta última nasce do processo pelo qual alguns proprietários conseguem explorar todos os outros e conseguem reduzir todo o restante da sociedade em assalariados (não proprietários).217

Neste sentido, há que se denotar, uma vez identificada a existência de classes distintas no seio social e a própria luta constante entre ambas, os interesses serão igualmente distintos, havendo, consequentemente, a necessidade de manutenção desta distinção pela classe que detêm o poder.

O próprio princípio da isonomia, que prescreve o tratamento igual entre os homens na medida de suas desigualdades, revela a ideologia constante no respectivo discurso. Ao analisar o princípio da isonomia como premissa à obtenção da igualdade, percebe-se o reconhecimento de circunstâncias inteiramente distintas entre os membros que compõe a sociedade (“na medida de suas desigualdades”). Ora, se há, de fato, circunstâncias distintas, há desigualdade. Veja-se, então, que a igualdade se dará nas mesmas circunstâncias, ou seja, proprietários serão igualmente proprietários e não proprietários serão igualmente não proprietários.

A isonomia enquanto princípio concebe a falsa igualdade, uma vez que, mantém a própria desigualdade entre as classes, sustentando, portanto, a dominação de uma pela outra.

Da mesma incorre em ideologia os direitos da personalidade, uma vez identificado sua projeção a partir

216 CHAUÍ, op. cit., p. 29. 217 Ibidem.

Page 114: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

114 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade. 3.6 EDUCAÇÃO: UM DIREITO PROPOSTO A CONSTRUIR PERSONALIDADE

Tendo em vista que a presente pesquisa parte do

objeto dos direitos da personalidade, qual seja, o homem, fragmentado pelos pós-modernidade, encontra recobro a consciência a partir da educação, uma vez que, somente conhecendo as crises existenciais imprimidas pela sociedade do consumo, remonta à sua natureza ontológica para, então, compreender a sua existência teleológica.

Urge destacar que a educação é a única via para libertar o ser humano da alienação em que se encontra absorto, na compreensão de que a fetichização ao consumo lhe embota os sentidos nobres do existir, anotando uma paralisia no seu processo de construção em dignidade.

Também na autoconsciência do sujeito as portas para sair do eclipsar ideológico, conquanto haja uma teoria de direitos da personalidade notadamente rebuscada, o acesso à personalidade enquanto categoria real está concentrado às mãos de um reduzido número de pessoas.

Ao aludir-se à educação, comumente associa-se o tema ao entendimento de redução a um lapso de tempo em que o indivíduo frequenta os bancos escolares e acadêmicos.218

Trata-se de uma definição simplista e superficial deste processo natural e gradual denominado de educação. Na medida em que o homem compreende suas relações (com o outro, consigo e com o meio), modifica o meio primando pelo melhoramento da qualidade de vida, sendo esta a busca incessante do ser humano,

218 FÉLIX; ZENNI, op. cit., p. 169-192.

Page 115: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 115

fundamentados na dignidade, tanto enquanto valor, quanto princípio.219

Assim, a educação, passa a ser o mais sublime dos direitos da personalidade, uma vez que, é somente a partir dela que o homem retoma sua consciência, podendo, então, realizar-se em um projeto de dignidade.

A educação, entendida como um direito tanto fundamental quanto personalíssimo, carrega, enquanto direito, o cunho ideológico. Concebida, filosoficamente, como o processo pelo qual o homem passa de uma mentalidade sensitivamente comum a uma consciente, ou seja, sair de uma concepção fragmentária, incoerente, passiva e simplista, para assumir uma concepção unitária, coerente, articulada, intencional, ativa e cultivada. Educar é evoluir, capacitar à dignidade.

Rousseau, articulista incansável em prol da educação, advogava a natureza boa do homem e credenciava a espécie a atingir os seus fins mais elevados a partir do agir livre, de ética e justiça, independentemente de dogmas, fossem religiosos, jurídicos ou de qualquer espécie.

Foi com Emílio que o filósofo político propôs um tratado de filosofia educacional partindo do homem natural e de integralidade, vislumbrando-o nas mais ordinárias experiências em relacionamento desde a tenra idade, para que pudesse fazer a passagem à plenitude na formação de homem de bem. Educação seria a mediação existente entre natureza e sociedade permitindo o desenvolvimento de consciência plena no ser do homem de sua natureza e seus fins. 220

É esta consciência que deve ser trabalhada no sentido de conduzir a uma concepção de vida superior. Da mesma forma, deve a consciência do homem ser trabalhada para que o sentido da educação seja sempre mantido, visto como a essência que move sua consciência.

219 Ibidem. 220 ROUSSEAU, op. cit., p. 48.

Page 116: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

116 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Vale trazer à colação afirmação retumbante de Rousseau de que a educação não é viés para transformação do homem às exigências da sociedade, antes, o contrário, um processo pelo qual o forma para ser humano, recobrando boa fé e bom senso.221

A educação parte de três princípios básicos: a natureza, o homem, e as coisas. Assim, o desenvolvimento interno das faculdades do homem e de seus órgãos é a educação da natureza; o uso que o ensina a fazer desse desenvolvimento é a educação; e a aquisição de conhecimento dos objetos que o impressiona, por experiência própria, é a educação das coisas. Por isso, educação não é somente uma atividade, é, acima de tudo, a construção de um saber que ultrapassa o sentido escolar e se torna uma construção permanente na vida do ser humano.222

Inobstante as considerações acerca da educação propriamente dita, restando identificado às consequências da otimização da produção, bem como, do consumismo desregrado que tornando o homem anódino, como anteriormente abordado, e da constante luta entre as classes, este homem, depende, eminentemente, da educação para que possa transformar a consciência de si próprio, bem como do mundo que o rodeia, tendo em vista que se trata de um ser para, ou seja, o homem está em constante mudança e relação, e esta mudança dever ser corroborada no sentido de transformá-lo em um ser personificado, ou seja, íntegro em personalidade, humanidade e dignidade.

Educação como processo, é capacitar o ser humano a desenvolver-se resistindo às ideologizações, mantendo-se conectado à sua natureza, na construção de sua dignidade enquanto pessoa.

221 ROUSSEAU, op. cit., p. 54. 222 Ibidem.

Page 117: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 117

O sentido que se procura imprimir ao conceito de

educação é de inteligência, caractere recorrente nos estudos atuais de complexidade e da vida.

Educar é despertar para todas as capacidades humanas e possibilitar a transformação de uma hipótese em caso concreto, fenômeno que corresponderia à transfusão de humano à pessoa, transportando, desta maneira, a educação como algo além do mínimo existencial, o que somente será obtido (a consciência) por intermédio da educação.

Maria de Jesus Fonseca223 remonta à Paidéia grega, e ao termo paidagogos, período em que é desenvolvida uma filosofia de reflexão vinculada ao ato de educar, cujas matrizes se assentaram, em primeiro instante, na desmistificação dos fenômenos, com significações filosóficas e argumentações mitológicas.

No período socrático, todavia, observa-se salto qualitativo no incremento da educação, quando são desenvolvidos métodos e sistemas propugnando a transformação, por intermédio da educação, de homem a cidadão, estágio final de perfeição enquanto vida é convívio.

Portanto, está no cerne da educação propiciar métodos segundo os quais o ser humano possa desenvolver-se em suas potencialidades, expandindo-se a partir de centelhas imanentes. Não obstante, com a obliteração e estagnação no processo de educação, subsumido à informação e técnica (instrução), o homem moderno (pós-moderno) deixou adormecido o fio condutor do sentido da vida (ausência de valores), e presentemente se põe como ser premido ao nada, coisificado e derrelicto, empanado em ideologia utilitarista e corruptora do verdadeiro significado da vida.224

223 A Paidéia Grega Revisitada. Revista Milênio On-Line. In http://www.ipv.pt/millenium/Millenium_9.htm acesso em 29.01.2011, às 23:00h. 224 ZENNI, op. cit., p. 52.

Page 118: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

118 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Inimaginável, aperfeiçoar o sistema, propriamente

a vida humana sem resgatar compromissos com as bases da justiça, porquanto uma idiossincrasia entre o justo e o digno se nota pela uniformidade de seus elementos, ou seja, ao se definir dignidade como a construção de um homem livre que responsavelmente escala em direção do bem, belo e verdadeiro, na relação intersubjetiva, pinçam-se os requisitos da liberdade (devido – responsabilidade), isonomia (distribuição de bens, oportunidades e riquezas no espaço comum) e alteridade (justiça é relação).225

Contudo, há que se estabelecer que o compromisso com a educação necessária à emancipação do homem não está, pura e simplesmente, relacionado com a educação formal, como abordado anteriormente, havendo, para tanto, a identificação da educação como o processo em que o ser passa de uma mentalidade sensitiva a uma consciência.

Veja-se, então, que toda a ideia de educação implica em reconhecimento da própria natureza do homem bem como da vida em seu sentido filosófico, não havendo qualquer possibilidade de falar-se em educação, ignorando tais concepções, sob pena se incorrer em grave equívoco, impulsionando a compreensão e reprodução de maneira errônea acerca da educação, transformando o processo educativo em pura e simplesmente processo instrutivo eivado da ausência dos valores e abarrotado de ideologia.

Humberto Rohden ao estabelecer a diferença entre educação e instrução, especifica que a instrução tem por fim fornecer ao homem o conhecimento e uso dos objetos necessários para a sua vida, englobando outras áreas da ciência, ao passo que a educação tem por fim despertar e desenvolver no homem os valores da natureza humana, derivados da relação entre a educação e a consciência do sentido da vida como um processo de apropriação e reprodução que tem por finalidade a busca da harmonia do

225 FÉLIX; ZENNI, op. cit., p. 169-192.

Page 119: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 119

homem com o cosmo226, juridicamente falando, a harmonia entre o cidadão com demais e o Estado.

Com a instrução, pura e simplesmente, instituída ideologicamente como educação, apresentam-se os fatos de uma realidade criada para esta finalidade, enquanto que, com a educação, criam-se os valores, sendo esta a premissa para a afirmação de Humberto Rohden de que a finalidade da educação é “crear” o homem a partir de sua concepção ontológica para uma finalidade teleológica.227

Decorre, então, a necessidade de se buscar na filosofia a compreensão deste homem e de sua composição, para que, então, se possam estabelecer os postulados educacionais que o direito deveria tutelar, até mesmo como forma de buscar da transformação do homem em pessoa, mantendo-se em harmonia com sua consciência individual e consciência universal228 (cidadão e Estado), sendo esta a finalidade não só da educação, mas, inclusive, da própria teoria dos direitos da personalidade.

Ainda sob o enfoque exemplificativo, ao analisar o artigo 205 da Constituição Federal sob a abordagem da construção de valores como finalidade da educação, identifica-se o conflito relacionado com o próprio sentido e alcance imprimido pela norma constitutiva. Frise-se, neste sentido, que a norma constitucional, no que diz respeito à educação, “visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205, CF/88).

Importante notar que a Constituição Federal ao estabelecer os parâmetros da “educação”, não abarca as concepções próprias da educação em conformidade com seus postulados filosóficos, capaz de dar-lhe uma consciência que possibilite o reconhecimento dos valores inerentes a vida, tendo em vista, ainda, que a concepção

226 ROHDEN, op. cit., p. 29. 227 Ibidem. 228 Ibidem.

Page 120: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

120 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

de cidadania (de que trata a Constituição Federal) nada mais é do que o reconhecimento da dignidade humana (valor) em si e no outro em constante relação, mas trata sobre instrução, uma vez que do texto constitucional, bem como da legislação infra (LDB), observa-se a disposição em relação às normas do “ensino”, diga-se, de instrução, informação, não havendo o comprometimento com os valores dos quais o homem necessita à compreensão de si e do outro, menos ainda, da concepção de vida, rompendo com a educação no sentido filosófico à formação da consciência de cidadania no homem, e, consequentemente, de personificação e dignidade, sendo, portanto, instrumento ideológico.

O rompimento com os valores tradicionais, imprescindíveis à alienação, imposta pelo capital, conforme abordado na primeira parte da pesquisa, gera a desvalorização dos valores, como teoria do valor-trabalho-consumo, surgindo da incompatibilidade entre as ideias tradicionais, que haviam sido utilizadas como unidades transcendentes para identificar e medir pensamentos e ações humanas, e a sociedade moderna, que dissolvera todas essas normas em relacionamentos entre seus membros, estabelecendo-as como valores pura e simplesmente funcionais.229

A educação formal, assim como os demais “valores” trazidos e fomentados pela sociedade de consumo, passa a ser moeda de troca, na medida em que educar é capacitar para ter. Moral e ética passam a serem valores instituídos pelo meio e não mais pelo homem, sendo, portanto, passíveis de troca, “um valor por outro valor”.

Desta maneira, a própria finalidade da educação formal, como proposta de Direito, é corrompida ideologicamente, ao passo em que a qualificação para o trabalho é compreendida como valor de troca para a produção e consumação, aliado à ideia de que esta

229 ARENDT, op. cit., p. 60.

Page 121: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 121

qualificação é o mote de que o “cidadão” necessita ao exercício de sua liberdade (em sentido negativo), ou seja, aquisição de bens no mercado de consumo como satisfação das pulsões e busca de pertencimento.

Ora, evidentemente que a instrução desvencilhada dos valores tradicionais acerca da concepção do homem e de mundo, faz com que o mesmo mergulhe em profunda angustia e sofrimento, pois os valores, por serem bens sociais relativos, são banalizados e substituídos pelo capitalismo imperialista que invade a esfera individual e, como já mencionado, tolhe o sentido e o exercício de sua liberdade, escoimado de qualquer consciência, passando a contemplar valores periféricos, impulsionado por metas eminentemente egoístas que buscam a satisfação de suas paixões.

Nesta esteira, a própria concepção e sentido da educação formal é primazia engendrada pelo próprio capitalismo que, ao arquitetar seus próprios “valores”, utiliza desta educação como instrumento de manipulação de uma classe sobre a outra.

Ainda, há que se notar que uma das finalidades da educação apontadas pela Carta Constituinte, refere-se ao desenvolvimento da pessoa, sem, no entanto, precisar o sentido de “desenvolvimento”. Contudo, para esta finalidade, há que fazer o resgate na natureza ontológica do ser humano e, a partir desta consciência, utilizando a educação como ferramenta, galgar o sentido teleológico do homem, sendo esta a acepção contrária estabelecida pelo capitalismo, pois lhe o sentido e a consciência.

Para tanto, a educação, uma vez institucionalizada, deve ser posta de modo sistêmico, capaz de revelar resultado de uma atividade intencional comum, ou seja, induzir a transformação da mentalidade sensitiva em consciência.

Dermeval Saviani, ao lecionar sobre a formação de um sistema educacional, descreve que é fundamental o papel da teoria, e que sem uma teoria educacional será

Page 122: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

122 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

impossível chegar a uma atividade educacional intencional comum.230

Importante salientar que esta atividade educacional intencional comum, refere-se à finalidade consciente e comumente almeja à educação.

Assim, para se obter um sistema educacional, segundo as afirmações de Dermeval Saviani231:

É preciso ter consciência dos problemas da situação; conhecimento da realidade; e, formação de uma pedagogia. A consciência dos problemas é o ponto de partida necessário para se passar da atividade assistemática à sistematização; do contrário, aquela satisfaz, não havendo razão para ultrapassá-la. Contudo, captados os problemas, eles exigirão soluções; e como os mesmos resultam das estruturas que evolvem o homem surge a necessidade de conhecê-las do modo mais preciso possível, a fim de mudá-las; para esta análise das estruturas, as ciências serão um instrumento indispensável. A formulação de uma pedagogia (teoria educacional) integrará tantos os problemas com os conhecimentos (ultrapassando-os) na totalidade da práxis histórica onde receberão o seu pleno significado humano. A teoria referida deverá, pois, indicar os objetivos e meios que tornem possível a atividade comum intencional”.

Assim sendo, uma vez institucionalizada a

educação como direito fundamental e personalíssimo, sua utilização como ferramenta capaz de proporcionar o desenvolvimento da pessoa, inicia-se a partir da tomada de consciência pelo homem.

Com efeito, o homem comum, imerso em profunda angústia e sofrimento, premido no nada, é incapaz de transpor a barreira do utilitarismo prático para perceber as implicações e consequências de sua ação. Para ele, a

230 SAVIANI, Dermeval. Educação Brasileira: estrutura e sistema. 10

ed. Campinas-SP: Autores Associados. 2008. P. 86. 231 Ibidem, p. 87.

Page 123: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 123

prática (práxis) basta em si mesma, inoperando a atividade teórica, que passa a se tornar inútil, antiprática232, impossibilitando, portanto, o exercício das condições básicas a formação de um sistema educacional e, consequentemente, do próprio desenvolvimento da pessoa, uma vez que, não há consciência (requisito inicial), nem mesmo a tomada de conhecimento da realidade vivenciada.

Dentro da perspectiva do utilitarismo moderno, as vertentes utilizadas pela Constituição Federal, ao propor a educação como finalidade ao pleno desenvolvimento da pessoa, sua preparação para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, carece de alcance tanto em seu sentido formal quanto no sentido prático, tendo em vista que desenvolver implica no despertar (consciência) para todas as capacidades humanas e possibilitar a transformação de uma hipótese em caso concreto, fenômeno que corresponderia à transfusão de humano à pessoa.

Na mesma medida, premido de consciência e conhecimento, o indivíduo desarrima sua natureza humana, e consequentemente do valor dignidade presente em si e no outro, tornando-se indiferente, sendo esta a via oblíqua da concepção de cidadania.

Cedido dos valores naturais e sociais, ao passo em que trabalho é oferta, a qualificação passa a ser mais uma moeda de troca, relação esta mediada pelo consumo, tendo em vista que liberdade é sinônimo de possibilidade de aquisições de bens, nihilificando o indivíduo, bem como suas relações consigo e com o mundo externo.

Esta ausência de consciência do homem de si e do mundo, aliada a deficiência de conhecimento e pedagogias, impede a própria cognição do sentido do artigo 205 do Constituição Federal, e, via de consequência, de seu alcance, impedindo, ainda, a formação de um sistema educacional adequado.

232 SAVIANI, op. cit., p. 86.

Page 124: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

124 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Lauro de Oliveira Lima revela que a partir de uma

simples análise superficial da problemática educacional brasileira, é possível identificar algumas omissões da legislação que impede a formação de um sistema educacional:

Não há, na Lei, uma palavra sobre a formação da mão de obra de que necessita o País para o seu desenvolvimento; não cogita da criação dos quadros de cientista; não há qualquer ênfase aos técnicos de nível médio; o curso secundário (desinteressado e acadêmico) continua a ser o ponto nevrálgico das cogitações; não faz referências ao magno e cruciante problema do analfabetismo; na área do curso primário, não aflora a questão do preparo para o trabalho; não contém elementos para uma política permanente de investimento educacional, dividindo arbitrariamente as verbas em três parcelas iguais destinadas aos três graus de ensino; não toca no problema das famílias que se desintegram nas áreas altamente industrializadas; não estabelece relações entre o sistema universitário e o sistema de produção; a própria autonomia universitária é desfeita diante do hibridismo dos quadros funcionais controlados de fora.233

Analisando as questões levantadas, há que se

notar que as finalidades esculpidas pelas Constituição Federal em seu artigo 205, bem como da legislação infra (LDB) são meras generalidades, vagas e imprecisas, não havendo, sequer, uma concepção de homem que prestasse contas de sua condição existencial, liberdade e consciência.234

Destarte, embora a Constituição Federal tenha mencionado os desígnios da educação, as generalidades e imprecisões, tanto no aspecto formal quanto no material, acabam por indefinir seu sentido e alcance, pois sem a

233 Apud SAVIANI, op. cit., p. 102. 234 Idem, op. cit., p. 104.

Page 125: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 125

compreensão do sentido da educação, que se faz por intermédio da tomada de consciência e conhecimento acerca de si e do mundo, resta à impossibilidade de se traçar um sistema capaz de realizar transformações substanciais na vida do homem pós-moderno, sendo, portanto, ideológico.

Cumpre esclarecer, segundo disposição de Marilena Chauí, que:

Faz parte da ideologia burguesa, afirmar que a educação é um direito de todos os homens. Ora, na realidade sabemos que isto não ocorre. Nossa tendência, então, será a de dizer que há uma contradição entre a ideia de educação e a realidade. Na verdade, porém, essa contradição existe porque simplesmente exprimem sem saber outra: a contradição entre os que produzem a riqueza material e cultural com o seu trabalho e aqueles que usufruem dessas riquezas, excluindo dela os produtores. Porque estes se encontram excluídos do direito de usufruir os bens que produzem, estão excluídos da educação, que é um desses bens. Em geral, o pedreiro que faz a escola; o marceneiro que das as carteiras, mesas e lousas, são analfabetos e não tem condições de enviar seus filhos para a escolha que foi por eles produzida.235

As ideias, assim como a teoria dos direitos da

personalidade, podem parecer estar em contradição com as relações sociais existentes, porém essa contradição não se estabelece, de fato, entre as ideias e o mundo, mas é uma consequência de que o mundo social é contraditório. Porém, como as contradições reais permanecem ocultas pela ideologia, traz a falsa percepção de que estas contradições são emanações entre as ideias e o mundo.236

235 CHAUÍ, op. cit., p. 26. 236 Ibidem.

Page 126: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

126 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Assim, a contradição real entre a ideia de direito a

todos à educação e uma sociedade de maioria analfabeta ou instruída por ideologia, não se trata de uma contradição entre a própria ideia de educação e o mundo, mas sim, consequência da própria contradição social, ou seja, a divisão entre às classes a sua luta constante.237

Dentro da concepção de ideologia, a classe dominante, que ocupa o poder, necessita da instituição de modelos jurídicos à manutenção deste poder. A classe burguesa, como já mencionado, ao estabelecer seu domínio rompendo com a respectiva ordem jurídica, fundamentando um direito natural acima das leis do Estado, positiva, novamente, o modelo jurídico, a fim de manter as desigualdades entre as classes e manutenção no poder.

A caracterização do direito positivo se revela na medida em que as premissas de valor que se referem às condições sociais e nelas se realizam, só podem ser pressupostas como direito válido quando se decide sobre elas, ou seja, há, propriamente a eleição dos valores determinantes do interesse da classe dominante. Daí se entender por positivação do direito o fenômeno pelo qual todas as valorações, normas e expectativas de comportamento na sociedade têm de ser filtradas através de processos decisórios antes de poder adquirir validez jurídica.238

Este processo decisório parte da concepção de sistema social como uma estrutura complexa, sendo definida por Tércio Sampaio Ferraz Junior como:

O conjunto de acontecimentos possíveis, como a existência de alternativas, possibilidades de variação, de ausência de consenso, de conflitos, do que segue que a estrutura social institucionalizada, em certos limites,

237 Ibidem. 238 FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 524.

Page 127: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Crítica à teoria clássica... 127

contradições, mudanças e a possibilidade de ocorrência.239

Considerando que a sociedade é composta por

dominantes e dominados, pressupondo a sua sistematização e ordenação a partir do conflito entre as classes, sobressaindo-se a classe dominante, que detém o poder, a estabilização das expectativas sociais será obtida pela própria prevenção da possibilidade e alteração da ordem, sem alterar a estrutura (fundamentação), tendo em vista a necessidade da classe dominante em manter a dominação, e, consequentemente, o conflito.

A ideologia instrumentaliza o poder que aparece no sentido jurídico, quando, a partir de um campo de possibilidades normativas, uma delas é escolhida pela decisão movida por um interesse particular, que é aceita por outros (dominados) como premissa de suas próprias decisões. Assim a possibilidade de desdobramento do poder e de sua repartição no sistema, dependem de como as alternativas, que devem ser evitadas, deixam-se combinar umas com as outras ou umas contra as outras, mantendo-se a sobrevivência do sistema, ou seja, sua funcionalidade, como condição da decisão.240

A satisfação dos membros da sociedade pela crença na distribuição do poder, bem como a ideia de representação perante o Estado, é manobra arquitetada pela ideologia, uma vez que oculta a realizada real, onde o Estado, assim como o direito, é a própria manifestação da vontade da classe dominante, causando realidades quiméricas, e que a manutenção deste status, depende da manutenção das diferenças entre os membros e o estabelecimento da consecução do bem comum.

À luz desta concepção, normas jurídicas, ou, ainda, teorias jurídicas, constituem-se em meros modelos operacionais, isto é, não são pura e simplesmente

239 Ibidem. 240 Ibidem, p. 525.

Page 128: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

128 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

esquemas ideais, pois a normatividade que deles expressam abstratamente se articulam em fatos e valores engendrados a partir do interesse dos dominantes, selecionados, ainda, através de um resultado de aferição da previsibilidade do comportamento dos dominados e também necessário à sobrevivência do sistema. A operacionalidade do modelo significa, outrossim, que as regras de comportamento e os seus objetivos não são fixados a priori, o direito não constitui um a priori formal da vida social, mas é, ao contrário, resultado de um processo seletivo, eleito por aqueles que estão à frente do Estado.241

Assim sendo, a teoria dos direitos da personalidade compõe este sistema que mantém a efetivação dos interesses particulares da classe dominante, ocultando, via de consequência, as razões das desigualdades entre os homens, conferindo aos mesmos, direitos que somente poderão serão resguardados com a consecução de condições materiais, ou seja, uma teoria jurídica que prevê valores essenciais ao ser humano, bem como direitos que guarnecem a sua própria condição como pessoa (inatos) a partir da observância de determinadas condições materiais é preservar o interesse daqueles que detém respectivas condições, sendo, portanto, particulares, negando, consequentemente, os interesses comuns.

Com a ideologização dos direitos da personalidade há uma crença na proteção jurídica da pessoa, com a sua neutralização pelo mínimo existencial, e no fundo, os seres humanos são cooptados pelo sistema de produção, trabalho e consumo, e creem, piamente, que o sentido existencial se exaure no modelo.

Como seres uniformizados, a singularidade própria da personalidade, trata-se de um discurso ideológico.

241 FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 525-526.

Page 129: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

CONCLUSÃO Ao se tecer a presente crítica acerca da teoria dos

direitos da personalidade, houve por bem ao iniciar pesquisa, identificar o estereótipo do homem do pós-moderno, a fim de alçar a problemática existencial envolvendo o sentido da vida e as consequências de suas ações.

Tais apontamentos revelaram-se necessários a fim de entender as condições cognitivas que homem tem de sua própria natureza e de seu fim, ou seja, a consciência de seu existir ontológico e teleológico.

Tendo em vista que o homem da modernidade de terceira fase encontra-se fragmentado pelas imposições da sociedade de consumo, a qual lhe retira a concepção de ser provido de consciência, liberdade e dignidade, encontra prejudicado seu próprio processo de personificação e transcendência.

Ao passo que o capital manipula a desconstrução dos valores tradicionais, alçando valores periféricos, o ser humano, privado do exercício de sua liberdade, encontra sentido na satisfação do prazer imediato, tornando-se, via de consequência, anódino e inconsciente.

A ausência de consciência faz com que ignore os preceitos fundamentais de sua existência, impedindo, na mesma medida, sua realização e transcendência, por intermédio da cognição dos valores tradicionais que permeiam a natureza humana, restando, portando, improfícua a teoria dos direitos da personalidade, uma vez que, a mesma exige a educação pelo homem de todas as suas dimensões, ontológicas e teleológicas.

O texto procurou evidenciar que a educação é a base da personalidade, e o modus como ela se potencializa no mundo pós-moderno, com fixação vertida ao material puro, sem embargo de um represamento

Page 130: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

130 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

desvelado da riqueza, não apropria e capacita os seres humanos à sua edificação digna.

Lançou-se o trabalho a declinar as características fenomenológicas do existir humano, a fim de se poder trabalhar a concepção e fundamento da dignidade humana, fazendo um resgate histórico dos valores constituintes da dignidade, os quais, como anteriormente mencionado, foram frutos do conhecimento pelo homem de si mesmo em relação à natureza, ao seu semelhante e consigo mesmo, ou seja, o reconhecimento de condições e valores concernentes ao homem os quais o dotam da característica humana e que o dão a possibilidade de existir e se desenvolver.

Tendo em vista que a teoria dos direitos da personalidade propõe a atribuição da qualidade de pessoa ao ser humano a partir do reconhecimento e tutela de determinadas circunstâncias entendidas como essenciais, a personificação deve abarcar todas as dimensões inerentes à natureza humana.

Para tanto, há que se resgatar o humanismo integral, bem como as teorias fenomenológicas e metafísicas a fim de revelar as dimensões da composição do homem, rompendo com o processo de (des)personificação decorrente de valores econômicos e utilitários insculpidos pela modernidade que influência a teoria dos direitos da personalidade.

Logo, a personificação, entendida como transformação do ser humano em pessoa, deve transpor o materialismo e o utilitarismo, realizando-se no plano metafísico, cingida com os paradigmas delineados pela sociedade moderna.

Nesta perspectiva, a teoria dos direitos personalidade reconhece determinadas circunstâncias que são intimamente ligadas ao indivíduo, entendidas como necessária à própria aquisição da capacidade jurídica, individualizando o indivíduo e o transformando-o em pessoa, sendo, portanto, de cunho fundamental.

Page 131: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Conclusão... 131

Considerando a existência da dominação, e que

poucos exercem o controle social sob a batuta de seus interesses materiais, submetendo toda a maioria “as leis do consumo”, o direito enquanto instrumento ideológico sedimenta o processo de controle, que, não obstante, pelo apontamento cirúrgico de teorias, tais como a teoria crítica, permite uma fagulha de luz no niilismo social. O conflito social passa a ser inevitável nesse viés.

O mérito da teoria crítica está em denunciar o conflito entre as classes, a assunção do poder pela classe que domina e o papel do Estado sob controle de uma classe, onde sua própria função, que a rigor é de proporcionar o bem comum e minimizar as diferenças sociais, por intermédio do direito, acaba sendo manipulado, ideologicamente, para manter os interesses particulares da respectiva classe social.

Ora, se personalidade é singularizar-se na totalidade, mantendo pessoa e bem comum como propostas sintonizadas, um conflito de interesses soará como derruição do interesse comum, e na sociedade utilitarista uma classe almeja, constantemente, dominar a outra, transformando-a em meio para atingimento de seus fins.

A classe dominante, ou seja, os proprietários, para manter-se no poder, necessariamente, devem sustentar as diferenças constantes com os não proprietários. A fim de concretizar a respectiva finalidade, a classe dominante atribui ao Estado à realização do interesse comum. No entanto, o próprio Estado é forma pela qual a dominação é exercida e mantida. Se o Estado é quem diz o direito, logo, é o Estado quem define o que é de interesse comum.

Assim, se os interesses comuns são garantidos através do direito, que é dito pelo Estado, evidentemente, que os respectivos interesses serão reflexos dos interesses da classe que manipula o Estado, fazendo por instituir, ideologicamente interesses particulares em interesses comuns.

Page 132: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

132 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

A teoria dos direitos da personalidade, pautada na

realização da dignidade da pessoa humana, na liberdade e na igualdade, ganha elementos puramente materiais e econômicos, permitindo seu exercício somente àqueles que os têm.

A própria teoria dos direitos da personalidade é constituída para garantir a proteção dos interesses da classe dominante, pois reconhece valores inerentes a pessoa humana, sendo, portanto, de interesse geral, garantindo-os, aparentemente.

A dignidade humana, valor absoluto e núcleo axiológico da ordem jurídica, econômica, social e política, é garantida a partir de elementos materiais. O exercício da liberdade é tolhido na medida em que o homem perde sua consciência alçando valores periféricos, indispensáveis ao consumo desregrado dos bens produzidos pela classe dominante. A Igualdade, através do princípio da isonomia, é exercida para manter a desigualdade entre as classes, necessária à manutenção da dominação. Tudo o que se observa é um padrão, uma uniformização, muito distante da igualdade enquanto valor primeiro do princípio da dignidade.

A educação, sendo o mais sublime dos direitos da personalidade, pois é a ferramenta que tem o condão de formação de consciência, passa a ser utilizada como instrumento de alienação e dominação, tendo em vista o seu emprego de modo diverso de suas concepções tradicionais.

Nesta perspectiva, a classe dominada, massificada e desprovida de personalidade, não tem capacidade cognitiva de compreender a real realidade ocultada pelo discurso ideológico, negando-lhe, consequentemente a própria realização do processo personalíssimo, enquanto projeto de dignificação, libertação e igualdade entre os seres humanos.

Somente a cognição, em processo de educação, da integralidade do homem, seu existir para transcender,

Page 133: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Conclusão... 133

traduzidos em normas positivas, poderá conferir ao ser humano seu dinamismo em dignidade, assegurando-lhe liberdade e isonomia, ser singular, mas não individualista, porque solidariamente consorciado aos demais, busca a realização do bem comum.

Page 134: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

134 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Page 135: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

REFERÊNCIAS A Paidéia Grega Revisitada. Revista Milênio On-Line. In http://www.ipv.pt/millenium/Millenium_9.htm acesso em 29.01.2011, às 23:00h.

ARENDT, HANNAH. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10 ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

______. Entre o Passado e Futuro. 3ª ed. São Paulo. Editora Perspectiva S. A.: 1992.

BARCELOS, Ana Paula de. A eficácia dos Princípios Constitucionais: O princípio da dignidade da pessoa humana. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

BAUMAN. Zygmunt. Modernidade liquida. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 2001.

BELTRÃO, Silvio Romero. Os Direitos Personalidade de Acordo com o Novo Código Civil. Ed. Atlas, 2005.

BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao direito: lições de propedêutica jurídica tridimensional. 11ª ed. ver. atual. São Paulo: Saraiva, 2011.

BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 1ª Ed. São Paulo: Editora Forense Universitária, 1989.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Gráfica Coimbra, 2000.

CAPPELLETTI. Mauro. Juízes Legisladores. Porto Alegre. Sergio Antonio Fabris Editor, 1.996.

Page 136: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

136 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia. 7ª ed. ver. Atual. Editora Brasiliense: São Paulo, 1980.

CORRÊA, Marcos José Gomes. Direitos Humanos: Concepção e Fundamento . In: PIOVESAN, Flávia; IKAWA, Daniela (coords.). Direitos Humanos: fundamento,proteção e implementação. Curitiba: Juruá, 2008.

CUPIS, Adriano De. Os Direitos da Personalidade. Lisboa, 1961.

DIAS, José Francisco de Assis. Direitos Humanos: fundamentação Onto-teleológica dos Direitos Humanos, Maringá-PR: Unicorpore, 2005

DUARTE, Newton. Vigostski e o “aprender a aprender”: críticas às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 3 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.

FÉLIX, Diogo Valério; ZENNI, Alessandro Severino Vallér. Educação Para Construção De Dignidade: Tarefa Eminente Do Direito. Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, América do Norte, 11, p. 169-192, mai. 2011. Disponível em:http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/view/1736. Acesso em: 02 Mai. 2012.

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. Manole: Barueri, 2007.

______ . Estudos de Filosofia do Direito. Reflexões sobre Poder, a Liberdade, a Justiça e o Direito. 3ª Ed., São Paulo. Atlas, 2009.

Page 137: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Referências 137

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. 10ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2.001

HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.

IERING. Rudolf Von. A Finalidade do Direito. Vol. I. Campinas: Brookseler. 2002.

KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. 1ª ed., Edipro, São Paulo, 2003.

KUNZER, Acácia Zeneida. Pedagogia da Fábrica. 6ª Ed., São Paulo: Editora Cortez, 2002.

LOKE, John. Segundo tratado sobre direito civil: ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do direito civil. Introdução de J. W. Gouygh; tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. – Petrópolis-RJ: Vozes, 1994.

LUHMAN, Niklas. Sociologia do Direito I. [trad. Gustavo Bayer]. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983.

LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 11ª ed. Editora Brasiliense : São Paulo, 1982.

MARITAIN, Jacques. Elementos de Filosofia I: Introdução Geral à Filosofia. 18 ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva 2010.

Page 138: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

138 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

MONDIN, Battista. O Homem, Quem é Ele? Elementos de Antropologia Filosófica. Tradução R. Leal Ferreira e M.A.S. Ferrari, 12ª Ed. São Paulo: Paulus, 2005.

MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. (Introdução, tradução e notas de Pedro Vieira Mota). 6ª Ed., São Paulo. Saraiva, 1999.

NIETZCHE, Friedrich Wilhelm. Assim Falou Zaratustra. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.

NEVES, Castanheira. O Direito hoje e com Que Sentido. O problema atual da autonomia do direito. Lisboa. Instituto Piaget.

PEREIRA, Jardel Costa. O conceito de liberdade no pensamento político de John Loke. Revista Eletrônica Print by FUNREI http://www.funrei.br/revistas/filosofia, Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p. 7-15, jul.

PESSANHA, José Américo Motta. Tomás de Aquino. In CHAUÍ-BERLINCK, Marilena et alii, Histótia das Grandes Idéias do Mundo Ocidental. São Paulo: Abril Cultura, 1973.

RABINDRANATH, V. A. Capelo de Souza. O Direito Geral de Personalidade. Coimbra: Editora Coimbra,1995.

ROHDEN, Humberto. Novos Rumos para a Educação. 4ª Ed., São Paulo: Martin Claret, 1997.

ROUSSEAU. Jean Jaques. O Contrato Social. Tradução de J. Cretella Jr. E Afnes Cretella. – 2ª ed. ver. Da tradução – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008

______. Emílio ou da educação. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1.968.

Page 139: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Referências 139

SAVIANI, Dermeval. Educação Brasileira: estrutura e sistema. 10 ed. Campinas-SP: Autores Associados. 2008.

SIQUEIRA JR, Paulo Hamilton; OLIVEIRA, Miguel Machado de. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007

SOUZA, Wilson de; BATALHA, Campos. A filosofia e a crise do homem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

SUPIOT, Alain. Homo Juridicus: Ensaio sobre a função antropológica do direito. Tradução Maria Ermantina de Almeida prado Galvão. – São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.

SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. 2ª Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. 1ª ed. Rio de Janeiro: 2009.

TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. 4. ed. Petropolis: Vozes, 1997.

ZENNI, Alessandro Severino Vallér. A Crise do Direito Liberal na Pós-Modernidade. Porto Alegre: Antonio Sérgio Fabris Editor, 2006.

______. O resgate da pessoa na tragédia histórica da humanidade – retorno ao direito natural clássico. E56a Encontro Nacional do CONPEDI (20. 2011: Belo Horizonte, MG) Anais do [Recurso eletrônico] XX Encontro Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011, p. 10069-10093. Disponível em http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/XXencontro/Integra.pdf Acesso em 10/05/2012.

Page 140: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

140 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

______; OLIVEIRA, Claudio Rogério T. (Re)Significação dos Princípios de Direito do Trabalho. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2.009, segunda parte.

Page 141: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Referências 141

OS AUTORES:

ALESSANDRO SEVERINO VALLER ZENNI possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (1991), mestrado em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (1997) e doutorado em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004). Pós-Doutorando na Universidade de Lisboa. Atualmente é professor titular da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel Univel, professor titular - Faculdades Maringá, professor da União de Faculdades Metropolitana de Maringá, professor t-40 do Centro Universitário de Maringá. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, Direito e Processo do Trabalho, atuando principalmente nos eguintes temas: transdisciplinariedade, contemporaneidade, trabalho, prova e dignidade.

DIOGO VALÉRIO FÉLIX possui graduação em DIREITO

pelo Centro Universitário de Maringá (2008). Mestrado em

Direito pelo Centro Universitário de Maringá (2012), tendo

como linha de pesquisa os direitos da personalidade e seu

alcance na contemporaneidade. Defendeu a dissertação

Crítica a Teoria Clássica dos Direitos da Personalidade.

Atualmente é professor da UNICESUMAR - Centro

Universitário de Maringá e da FCV - Faculdade Cidade

Verde. É membro do grupo de pesquisa schmittianos, o

qual propõe a analisar o pensamento político-jurídico de

Carl Schmitt, vinculado a UNIVEM – Centro Universitário

Eurípedes de Marília. É membro do grupo de pesquisa de

Bioética e Direitos Humanos, o qual problematiza e

questiona assuntos e pesquisas relacionados à vida

humana, de maneira a agregar abordagens

interdisciplinares sobre a temática em questão, vinculado

a UNIVEM – Centro Universitário Eurípedes de Marília.

Page 142: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

142 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade

Page 143: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

Referências 143

Page 144: 2 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade · 2015. 5. 22. · geral da personalidade na constituição federal de 1988; o direito geral da personalidade como direito

144 Crítica à teoria clássica dos direitos da personalidade