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Unidade 2O encontro clínico

Atividade 1Consulta Clínica na perspectiva da Política Nacional de

Saúde Integral da População Negra - PNSIPN

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O cuidado centrado na pessoa começa ou termina com a relação Profissional de Saúde-Cliente. Igualmente, a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN começa e termina no ponto-do-cuidado.

A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN começa e termina no ponto do cuidado porque, embora o racismo institucional seja evidenciado nos dados epidemiológicos desagregados por raça/cor (ou seja, um efeito), por meio de uma relação profissional de saúde-cliente centrada na pessoa, isenta de discriminação étnico-racial e inclusiva das práticas de saúde afro-brasileiras, o racismo institucional no SUS é desconstruído.

Para chegar n@ profissional de saúde, paciente e família precisam interagir com o “sistema” e se o “sistema” não tem como foco de sua atenção @ paciente e família muito pouco terapêutica serão as relações profissional de saúde-cliente.

Em que pese o trajeto bem sucedido de pacientes e família negra até o SUS e no SUS ser também fundamental para a desconstrução do racismo institucional, ele não será objeto desta Unidade uma vez que nosso foco é @ profissional de saúde e a atividade clínica na perspectiva da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN.

Mas, paciente e família negra uma vez dentro do “sistema de saúde”, é preciso lhes garantir a propriedade terapêutica da atividade fim: um encontro clínico isento de viés étnico-racial e cultural, inclusivo das práticas de saúde afro-brasileiras e com protagonismo do cliente e família.

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Unidade 2O encontro clínico

Atividade 1Consulta Clínica na perspectiva da Política Nacional de

Saúde Integral da População Negra - PNSIPN

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Saúde da População Negra Baseada em Evidência

Nosso curso é dirigido para os profissionais de saúde não-médicos e embora o estudo de GOMES et al (2012) tenha focalizado a relação médico-paciente podemos depreender que esta relação também não difere muito no âmbito da equipe multiprofissional como um todo.

Os autores reconhecem que a relação médico-paciente no contexto da atenção primária é um desafio para a implementação de práticas humanizadas em saúde, tal como recomenda a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN.

GOMES et al apontam três aspectos principais que influenciam a interação clínica na Estratégia Saúde da Família:

• As características pessoais do profissional;• O agir profissional;• Os problemas na organização dos serviços.Merece destaque a classificação que define os tipos de encontro clínico:• O encontro centrado no paciente;• O encontro sem entendimento;• O realizado a curto prazo.

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

(DES)ENCONTRO CLÍNICO NA PERSPECTIVA DA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE

INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN

Os achados do estudo permitiram que os autores recomendassem 4 mudanças:1. Na organização dos serviços, ponte para o acesso à saúde pela população

negra;2. Na formação profissional quanto à valorização da cultura, ponte para o acesso

à saúde pela população negra;3. Maior protagonismo do paciente & família, do cuidado em saúde na perspectiva

da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN4. Reflexão filosófica da convivência humana, visando à qualificação da atenção

primária, estratégia com potencial de demolição do racismo institucional na Unidade de Saúde.

Considerações da pesquisa para a prática clínica:(grau de recomendação C; nível de evidência 4)http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Diretrizes_portugues.pdf

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Atividade 1Consulta Clínica na perspectiva da Política Nacional de

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Referência da pesquisa: GOMES, Annatalia Meneses de Amorim et al. Relação médico-paciente: entre o

desejável e o possível na atenção primária à saúde. Physis, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, 2012. Available from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312012000300014&lng=en&nrm=iso . access on 02 July 2013.

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O encontro clínico terapêutico é uma equação:Profissional de Saúde + Cliente = Encontro Clínico O que mantém as iniqüidades étnico-raciais nos resultados terapêuticos no SUS

é o racismo institucional. Mas, se um efeito da relação profissional de saúde-cliente resulta em iniquidade étnico-racial em saúde, devemos parar, respirar e observar com muita atenção a cena. Identificar e corrigir o que impede o encontro clínico.

EtnocentrismoNo âmbito da relação interpessoal profissional de saúde-cliente, o etnocentrismo

(BOLLA et al, 2010) é um dos referenciais que (des)orienta o julgamento clínico e compromete, assim, o resultado de saúde, constituindo uma barreira ao acesso à saúde & bem-estar pela população negra.

Cabe observar que o etnocentrismo difere de “racismo”. No etnocentrismo, a cultura (biomédica ocidental, por ex) d@ profissional é o único parâmetro usado no julgamento clínico d@ paciente.

Na implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN, um é a integração das práticas tradicionais de matriz afro-brasileira no cuidado de saúde do SUS, para o alívio da dor e do sofrimento causado pelas doenças @ paciente, portanto, há que se considerar o etnocentrismo como uma barreira ao SUS para a população negra.

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

O QUE CAUSA O (DES)ENCONTRO CLÍNICO NA PERSPECTIVA DA POLÍTICA NACIONAL

DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN?

Se a sua formação já lhe garante a cultura biomédica ocidental hegemônica, que tal verificar de uma forma superdivertida o quanto de cultura negra você vive e manifesta?

Este teste foi elaborado pela professora Dilma de Melo Silva, do Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre o Negro Brasileiro (NEIMB) da USP.

Faça o teste:A cultura negra faz parte de suas raízes?http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/testes/a-

cultura-negra-faz-parte-de-suas-raizes.shtml

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Usuário, cliente ou paciente?A definição de cada termo está no nosso glossário e também na política de

humanização do SUS.A implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO

NEGRA - PNSIPN na Unidade de Saúde resgata o foco do cuidado da saúde para @ cliente, @ usuário ou @ paciente, a família, a comunidade e a população negra, com sua cultura de matriz afro-brasileira, reconhecendo-as como pessoa(s), cidadãs, plenas de direito à saúde e às quais nós, profissionais devemos, no mínimo, respeito e cordialidade.

Estereótipos e generalizações étnico-raciais sobre usuário, cliente ou paciente?Para que a implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA

POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN tenha sucesso no ponto do cuidado é preciso que as relações interpessoais sejam isentas de viéses étnico-raciais, principalmente.

É fato: para 84,8% da população negra, aproximadamente 82 milhões de pessoas negras, o Sistema Único de Saúde é realmente o único (ESTADÃO, 2011), da Atenção Básica à Quaternária.

Cabe ressaltar, porém, que os 82 milhões de negros e negras são clientes potenciais do SUS.

Há @s que nem conseguem entrar no SUS. Há muitas barreiras a serem vencidas por quem já vive em estado de vulnerabilidade social, restando apenas como opção a porta giratória da Emergência.

Por outro lado, dentre @s que são atendidos no SUS, nem tod@s obtêm o tratamento que necessitam, nos 4 níveis da atenção à saúde, como transplante renal, por exemplo (AYANIAN et al, 2004; MARINHO et al, 2011), em tempo hábil. Ou mesmo um simples analgésico (CRUZ, 2004) ou até mesmo anestesia (LEAL et al, 2005).

Isto porque os estereótipos influenciam a interpretação dos sintomas d@ paciente, assim como a decisão clínica do profissional de saúde;

A propósito, ainda que grande parte (47%) da população prisional seja negra (GOMES, 2012), vulneráveis entre os vulneráveis (KOLLING et al, 2013), você descobriu o impacto do estereótipo?

A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN dialoga com Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. Segundo CLARKE et al (2008), há estratégias que ajudam @ profissional de saúde a trazer à luz da consciência viéses e estereótipos étnico-raciais (e de outras naturezas, inclusive) visando a redução do impacto destas crenças na tomada de decisão clínica. Todas constituem estratégias com potencial de demolição do racismo institucional na Unidade de Saúde. A saber:

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• Educação permanente sobre os efeitos de viéses e estereótipos no tratamento clínico;

• Reflexão sobre a própria prática no encontro clínico (reconhecimento e prevenção quanto a presunções);

• Individualização do cuidado versus tratamento estereotipado. Na individualização @ profissional de saúde foca a pessoa d@ cliente. Por ex.:

Implementarei o protocolo da dor para garantir o conforto e a cooperação d@ paciente durante o procedimento.

O oposto seria o tratamento ao estereótipo e não à pessoa d@ cliente. Por ex.: Descendente de quem aguentou chicotada no pelourinho não sente tanta dor assim

que precise de analgesia para um simples procedimento.

É cuidado centrado no ser humano que tem uma identidade e cultura negra.

Sobre racismo e sentimentos consequentes...Pesquisas indicam que racismo, isto é, atitudes discriminatórias por

raça/cor, pode estar ligado a sentimentos negativos* que geram medo e o medo, por sua vez, deflagra preconceitos...

Cabe então citar Machado de Assis (negro – fundador da Academia Brasileira de Letras) e ressaltar que

O medo é um preconceito dos nervos. E um preconceito, desfaz-se - basta a simples reflexão...

Fonte: Christante, L. Medo deflagra preconceitos. Scientifican American – Mente & Cérebro, 20010.

Disponível em: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/medo_deflagra_preconceitos.html

Então reflita sobre o medo deflagrado pelo preconceito étnico-racial, que embora criado no período colonial-escravocrata persiste até os dias de hoje, em relação à periculosidade das pessoas negras (por serem incultas, imorais, não-civilizadas, enfim, diferentes [AZEVEDO, 1987]).

Aprofunde sua reflexão no sentido de examine suas experiências com estereótipos. Você já vivenciou isto?

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Ainda para ajudar a desfazer possíveis preconceitos e estereótipos em relação à população negra e sua cultura, faça ao menos uma visita virtual ao Museu Afro-Brasil (São Paulo-SP). Esta visitação lhe permitirá conhecer as origens históricas e culturais da população negra brasileira e lhe dará condições de aproximar o conhecimento técnico, científico, artístico e cultural afro-brasileiro ao cuidado em saúde e, seguramente, abandonar preconceitos, estereótipos, estigmas que tanto comprometem as relações interpessoais e são substrato da violência e do (des)encontro clínico.

Negro drama – Racionais MC em: http://letras.mus.br/racionais-mcs/63398/

Leia com bastante atenção a poesia e aprecie no vídeo a interpretação de Mano Brown ao desvelar o que só sabe quem sente: não ser visto e tratado como ser humano, mas “julgado” por um estereótipo.

E, aproveite a arte dos Racionais MC para observar também como a poesia desvela uma das formas de reação de quem se sente discriminado e a devolutiva desta emoção.

A outra forma de devolução da discriminação é o que os Racionais e tantos outros artistas fazem e fizeram: sublimação na forma de Arte, Música, Poesia, Dança. Pintura, Esporte, Etc.

Quem não sabe pode saber aprendendo: não há um caminho para a paz. A paz é o caminho.

NEINB (Nucleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro) oferece o livro: PERCEPÇÕES DA DIFERENÇA

Neste livro online você encontrará na pág 23 um quadro sobre a representação do negro ao longo da história. Na pág 24, os autores explicam os sentimentos de atração e repulsa que sentimos diante do “diferente”. Segue tratando da “hierarquia” das diferenças e modernamente sobre o “medo” do negro que é alimentado pela mídia.

Veja em: http://www.usp.br/neinb/?page_id=40

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Aprofunde sua reflexão e observe como acontece a representação da pessoa negra enquanto usuária do SUS, nos documentos, nos manuais, nas campanhas do Ministério da Saúde, nos livros didáticos das profissões da saúde, enfim, em tudo que contribui para a modelação da mente e da atitude profissional.

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O que está acontecendo aqui?

2. InfiraIsto é, faça este jogo mentalmente:Apresente-se ao profissional de saúde, Sr. José Cruz. Quem é você, qual sua

queixa ou expectativa de tratamento. Depois, apresente o profissional de saúde, Sr. José Cruz, a si própri@.

• Qual a primeira impressão? • Qual o movimento do profissional de saúde em relação a você, cliente: evitação

ou aproximação?Como não temos condição de saber sua resposta, e tendo em vista o propósito

deste curso que lhe é ajudar na implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN no ponto do cuidado, vamos inferir que o racismo institucional em relação à população negra ainda não foi desconstruído e que muito possivelmente o movimento d@ profissional de saúde foi o de evitação.

A evitação (BURATO et al, 2009) é um comportamento inconsciente de ansiedade social pelo qual física ou mentalmente a pessoa se afasta o se desconecta da fonte

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

BARREIRAS AO ENCONTRO CLÍNICO NA PERSPECTIVA DA POLÍTICA NACIONAL DE

SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN

Olá, sou José Cruz, seu...

Opções: dentista, enfermeiro, educador físico, Etc.

Olá, Sr. José! Somos seus clientes!

1. Observe a cena.

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de sensações e emoções. Uma vez que em condições ideais a relação profissional de saúde-cliente possui um potencial de geração de ansiedade, em um contexto de racismo institucional, o medo e a ansiedade são vivenciados tantos pel@s profissionais de saúde, quanto pel@s clientes, impedindo o estabelecimento de uma relação terapêutica.

É sempre necessário enfatizar que na sua origem o racismo institucional ou sistêmico não se manifesta como o senso comum entende ser o racismo: xingamentos ou exclusão óbvia do espaço físico comum.

O reconhecimento da discriminação étnico-racial precisa de um olhar muito bem treinado para verificar que ela opera em ações “neutras”, como a evitação, o cuidado clínico de baixa qualidade ou falta de acesso ao cuidado de saúde, por exemplo. Mas, a discriminação é identificada nas iniqüidades étnico-raciais em saúde (por ex, alta mortalidade de pessoas negras por causas evitáveis).

No caso das relações interpessoais, um ambiente onde predomina o racismo institucional provoca e evoca principalmente sentimentos ambivalentes em relação a quem é o foco da discriminação, principalmente. Assim, na Unidade de Saúde sob um contexto de racismo institucional, o encontro clínico não tem condições de acontecer e provocar um resultado terapêutico (nível individual) e equânime (nível de populações). De um lado da mesa do consultório pode haver o racismo ambivalente (ou de outros tipos como o aversivo ou o simbólico), tendo como possíveis comportamentos d@ profissional de saúde a falta de compaixão ou de profissionalismo, por exemplo. Do outro da mesa pode haver o racismo introjetado. Ambos os lados podem ainda expressar o mesmo comportamento de defesa: a evitação.

Por exemplo, você precisa cuidar, é sua profissão, mas sente um profundo desconforto com @ cliente negr@.

E, pior, não consegue encontrar uma causa “objetiva” para estes sentimentos (medo, raiva, confusão, Etc) que geram a evitação ou a falta de compaixão.

Por sua vez, @ cliente negr@ vivenciando sentimentos intensos causados pelo racismo e pelo problema de saúde também pode o mesmo comportamento de defesa em relação a você: evitação.

As conseqüências do (des)encontro clínico mais imediatas são:• Frustração (profissional);• Insatisfação (cliente).A médio prazo, por exemplo, as conseqüências do (des)encontro clínico podem

ser:• Tratamento inadequado por parte d@ profissional (negligência, imperícia,

omissão);• Por parte d@ cliente (não procura, não adesão à terapia ou abandono).

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A longo prazo, é possível detectar o racismo institucional nas estatísticas que denunciam a iniquidade étnico-racial em eventos preveníveis e tratáveis para as quais ninguém encontra uma “causa objetiva”, e o problema segue sem solução. Um exemplo, observe o gráfico a seguir:

O gráfico acima revela que o não acesso ao pré-natal ou o acesso a um pré-natal inadequado por mulheres negras (mesmo aquelas com alta escolaridade) tem como efeito a iniquidade étnico-racial na razão de mortalidade materna.

3. AjaUma ponte para o encontro clínico segundo a POLÍTICA NACIONAL DE

SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPNColoque-se na perspectiva d@ cliente negr@ e/ou pertencente à cultura afrobrasileira,

ouça, veja e sinta o que ele ou ela ouve, vê e sente. Em outras palavras, se fosse você, você cuidaria diferente?

Este é um exercício de reflexão que, muito provavelmente, ajuda a atura de forma isenta de estereótipos.

Imagine-se seguindo a trajetória d@ paciente pelo labirinto que é o SUS, em busca da saída e da saúde, há uma grande chance de você desenvolver a empatia (sentimento de entendimento da circunstância d@ paciente). E, neste processo de reflexão contínua e continuada, aumenta fortemente a possibilidade de se habilitar à prestação do cuidado de saúde resolutivo (CLARKE et al, 2008).

Razão de mortalidade materna (brancas, pretas & pardas)

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Uma estratégia com potencial de demolição do racismo institucional na Unidade de Saúde

- Consciência crítica sobre como o racismo institucional no SUS interfere nas relações profissionais com a clientela.

Sem o desenvolvimento da consciência crítica sobre as formas como o racismo institucional funciona e se perpetua nos processos da organização, há o risco de piorar as relações com manifestações de racismo aversivo e racismo simbólico.

Venha!Meu coração está com pressa

Quando a esperança está dispersaSó a verdade me liberta

Chega de maldade e ilusão

A partir de um trecho da poesia Perfeição, de Renato Russo, precisamos dizer que a verdade que nos liberta é:

1. O reconhecimento de que enquanto profissional de saúde nós também contribuímos para a iniquidade étnico-racial, entre outras iniqüidades, dos resultados de saúde, por meio de uma prática clínica automatizada, ideológica, inconsciente, influenciada por visões hegemônicas e hierarquizadas de mundo;

2. A auto-crítica contínua de nossos viéses e estereótipos étnico-raciais (entre outros), assim como de nossas “certezas” clínicas diante d@ cliente que tem práticas culturais afro-brasileiras de cura e alívio da dor e da doença;

3. O reconhecimento de nossa posição nesta estrutura de poder, privilégio & oportunidades e de quanto nos sentimos ameaçad@s com a implantação de políticas de equidade e de democratização dos recursos.

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Uma vez que o (des)encontro clínico, como conseqüência de um ambiente referenciado pelo racismo institucional, é uma barreira ao cuidado de saúde culturalmente responsivo às necessidades da população negra, reiteraremos algumas intervenções clínicas que emergiram da busca de evidências científicas (CLARKE et al, 2008) por serem de exclusiva responsabilidade d@ profissional de saúde realizar ou não. Estas intervenções são pontes para o acesso à saúde pela população negra:

• Construir o rapport e a confiança na relação com @ cliente;• Examinar e respeitar as crenças, valores, significado da doença/problema de

saúde, preferências e necessidades d@ paciente.

Rapport e confiançaCom base no estudo de Dimenstain (2000), podemos considerar que são muito

freqüentes os entraves na comunicação entre a equipe profissional, clientes e familiares, devido:

• Aos diferentes estilos discursivos;• À diversidade de crenças e valores em relação ao problema de saúde. Consequentemente isto gera uma baixa contratualidade e adesão dos clientes

ao tratamento e prescrições terapêuticas, o que tem implicações sérias no que diz respeito aos cuidados em saúde.

As evidências sugerem que as diferenças sobre as expectativas quanto ao encontro clínico, o entendimento sobre a doença ou problema de saúde e tratamento entre pacientes e profissionais de saúde podem contribuir para resultados terapêuticos precários (ASSIS et al, 2010), em geral, e na população negra em especial em razão de estereótipos, por exemplo.

Uma vez que a diferença de expectativas é uma barreira ao encontro clínico, uma ponte para o acesso à saúde da população negra é a construção do rapport e da confiança como bases da relação profissional de saúde-cliente, visando a satisfação de amb@s com o encontro clínico, a tomada de decisão compartilhada quanto ao tratamento e excelentes resultados de saúde.

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

COMO PROMOVER O ENCONTRO CLÍNICO NA PERSPECTIVA DA POLÍTICA NACIONAL

DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN?

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O ambiente do encontro clínicoÉ aquele no qual @ cliente e profissional de saúde se sentem confortáveis e

segur@s (BRASIL, 2013) para garantia do contato olho-a-olho. Este é o tanto para a Unidade de Saúde quanto para os espaços de cuidado nos domicílios e na comunidade.

Cabe ressaltar a o dever profissional de se garantir a privacidade da conversação e do exame físico, mesmo nos espaços não convencionais.

Preliminares do encontro clínico

Lave as mãos, cumprimente, lave as mãos de novo, se necessário (e explique porque lavou)...

Pode parecer óbvio e ululante, mas o é o cumprimento e a apresentação mútua. Eles são obrigatórios em qualquer espaço no qual acontece o encontro clínico. E, uma vez que estamos trabalhando para a desconstrução do racismo institucional na Unidade de Saúde, estas atividades preliminares assumem uma dimensão totalmente nova e incomum na relação entre profissional de saúde-cliente negr@.

1. Pergunte ou confirme o nome d@ cliente. Dirija-se a el@ pelo nome e de modo formal: Sr ou Sra.

Evite o uso de termos como “querido/a”, entre outros. O Padrão Ouro é a relação de confiança, condição para a troca de informações

precisas e completas que se estabelece a partir de um tratamento respeitoso.2. Avalie para potenciais barreiras à comunicação e ao entendimento: problemas

da fala, visão, audição ou cognição?Uma estratégia com potencial de demolição do racismo institucional na Unidade

de Saúde é a antecipação da possibilidade de diferenças de expectativas entre você e @ cliente. Portanto:

3. Informe, com linguagem simples sem jargões profissionais, sua função no que interessa para @ cliente & família, em termos de equipe multiprofissional.

4. Explique as etapas do seu processo de trabalho (entrevista, exame físico, diagnóstico e plano de tratamento) no que interessa para @ cliente & família e no que este processo difere do trabalho do médico.

5. Informe o tempo previsto para a consulta e pergunte sobre a expectativa do(a) cliente quanto à mesma.

Devido ao contexto de racismo sistêmico, uma barreira ao cuidado de saúde para a população negra pode ser @ cliente se sentir desconfortável em fazer perguntas a

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figuras que sugerem autoridade, tal como @ profissional de saúde. Portanto:Uma estratégia com potencial de demolição do racismo institucional na Unidade

de Saúde é ir além de informar e explicar que:• Ns perguntas e dúvidas d@ cliente e da família são bem-vindas, sendo parte

de seu trabalho (e d@s colegas) explicar e demonstrar sobre o cuidado de saúde e o tratamento até que el@ e a família entendam plenamente o cuidado e/ou tratamento e o executem adequadamente.

• Na medida que seja da vontade d@ cliente, o envolvimento da família no cuidado é desejável.

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- Tod@s os pacientes, sem exceção, tem um entendimento diferente do profissional sobre sua doença (ou problema de saúde) e suas causas.- Tod@s os pacientes, sem exceção, tem um entendimento diferente do profissional sobre sua saúde e suas causas.- Tod@s os pacientes, sem exceção, tem um entendimento diferente do profissional sobre as formas de tratamento da doença. E, vale lembrar, o modelo biomédico ocidental é apenas uma das opções possíveis (OLIVEIRA, 2002).

Com base no exposto, a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN ressalta para os profissionais de saúde as especificidades da população negra e suas culturas afro-brasileiras.

Para tanto, é preciso construir uma competência clínica bastante peculiar: “Traduzir” ou decodificar o problema de saúde relatado pel@ cliente em um

diagnóstico de saúde/doença, conforme o sistema de referência d@ profissional de saúde, e vice-versa.

Por exemplo, nas Comunidades de Terreiro, pesquisadas por ALVES et al (2009), a concepção de saúde é pensada e produzida na relação entre o simbólico e o concreto, o natural e o tecnológico, o mítico e o empírico que se complementam e constituem o sentido de integralidade vivido nessa comunidade. Então, surge uma questão central, segundo OLIVEIRA (2002), no encontro clínico de profissional de saúde e cliente oriundo de uma Comunidade de Terreiro:

- É possível haver conciliação entre modelos explanatórios (ou explicativos) diferenciados sobre saúde & doença?

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

HISTÓRIA DE SAÚDE TRANSCULTURAL CONFORME A POLÍTICA NACIONAL DE

SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN

Figura 2 - Encontro entre profissionais e pacientes, cada um recorberto por uma

“membrana da sua cultura”.

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De modo geral e didático, há 5 elementos envolvidos em qualquer modelo explanatório sobre a doença:

1. Etiologia do problema; 2. Duração e características dos sinais e sintomas iniciais; 3. Fisiopatologia do problema; 4. Evolução natural e prognóstico; 5. Tratamento indicado para o problema.

Consequentemente, no modelo explanatório da doença uma pessoa da Comunidade de Terreiro pode descrever seu problema de saúde assim:

1. Não estou me sentido bem, acho que peguei uma friagem...2. De vez em quando dá uns calafrios, uma tosse...3. Meu pulmão ta fraco por causa do cigarro.4. Logo melhora, não dá para morrer disso!5. Vou tomar um passe e fico bom em 2 tempos.

Com base nesta análise a pessoa então só procurará uma unidade do SUS caso o passe recebido não ajude a resolver o mal-estar.

Portanto, antes de sabermos se é possível conciliar os diferentes modelos explanatórios de doença entre profissional de saúde e cliente e descobrirmos as conseqüências nos resultados de saúde quando ignoramos a existência desses modelos, é preciso:

• Quebrar em nós, profissionais de saúde, a ilusão de que o modelo biomédico é hegemônico ou, pior, o único modelo!

• Ouvir @ cliente por meio de roteiro(s) de entrevista clínica culturalmente orientado(s).

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Modelos para a anamnese ou entrevista clínica culturalNunca é demais lembrar que tanto o estereótipo quanto a generalização étnico-

racial são nefastos para a saúde da população negra. Mesmo sendo pertencentes à mesma cultura, há abordagens que podem ser mais adequada à pessoa conforme sua fase no ciclo vital ou estilo de vida ou origem geográfica.

Aprendendo com artePara ter idéia de várias culturas dentro de uma cultura e de várias

culturas em uma única pessoa, não deixe de assistir a este divertidíssimo vídeo I love my hair (é legendado e dura uns 3 min).

Link: http://estimativa.org.br/home/index.php/multimidia/galeria-de-videos/vervideo/20/trancando-ideias/i-love-my-hair

Diferentes clientes ou situações, diferentes roteiros...Então, diante de vários modelos explanatórios, considere aquele que pode ser o

mais adequado para sua habilidade de explicitar o entendimento d@ paciente negr@ sobre a doença e preferências de tratamento. Inclusive esta condição é necessária para a tomada de decisão compatilhada e o autocuidado efetivos.

Cabe observar que algumas pessoas podem ficar relutantes em dar suas impressões sobre sua doença ou sobre sua saúde por entenderem que diagnóstico é trabalho do profissional de saúde, afinal @ cliente enquanto parceir@ do cuidado de saúde ainda não está devidamente naturalizado. Neste sentido, pode ajudar o uso de frases preparatórias para estas questões que também são sensíveis, sendo uma estratégia com potencial de demolição do racismo institucional na Unidade de Saúde.

Experimente esta forma de abordagem:Eu geralmente aprendo muito quando ouço as idéias das pessoas sobre porque elas

estão doentes e sobre o que elas acham que deve ser feito a respeito.Se @ paciente não consegue dar uma explicação sobre o seu problema de saúde,

considere perguntar: O que lhe preocupa sobre o problema?Ou se @ paciente não consegue implementar o plano terapêutico, considere

perguntar:Você gostaria de saber por que eu penso que você tem problema em manter sua PA

em 12x8?Considere acrescentar às suas técnicas clássicas de entrevista clínica e semiologia,

um dos modelos apresentados a seguir para a inclusão no roteiro da história clínica (WARREN, 2010), para que o encontro clínico aconteça na perspectiva da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN.

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Modelo explanatório “ADERE”ADERE é um recurso mnemônico (correspondente ao em inglês “LEARN”, versão de

Isabel Cruz) que pode ser usado para promover a comunicação entre o(a) profissional e o(a) paciente com diferentes visões de mundo.

Este é um dos modelos mais utilizados por incluir até a fase da tomada de decisão compartilhada sobre o cuidado de saúde. Os itens para a entrevista são:

Avaliação da necessidade de tratamento junto com @ paciente;

Diálogo sobre potenciais estratégias ou opções de tratamento (incluindo práticas tradicionais);

EExplicitação de quaisquer dúvidas ou preocupações que o paciente possa ter sobre o tratamento; assim como exame do grau de alfabetismo funcional em saúde, a o entendimento sobre o propósito do tratamento e sobre as barreiras e facilitadores à participação ou adesão;

Recomendação sobre o tratamento de forma negociada (tomada de decisão compartilhada), revisando o plano terapêutico com o paciente;

Empoderamento do paciente por meio da negociação de seu compromisso com o plano terapêutico e do aprendizado efetivo (explicação & demonstração) sobre o autocuidado.

AD

ER

O “ADERE” é simples e completo, pois serve para sistematizar em qualquer momento da prestação do cuidado de saúde a coleta de informação sobre as percepções d@ cliente e família.

Modelo explanatório ESFTO acrônimo “ESFT” ajuda a coletar informações sobre o modelo explanatório d@

paciente (sentimentos e pensamentos sobre a saúde ou a doença), fatores sociais e ambientais, medos e preocupações, assim como sobre o plano terapêutico adequado. O “ESFT” ajuda ao profissional de saúde a se assegurar que @ paciente entende e aceita o tratamento. Os itens para a entrevista são:

E: Explanação do Modelo de Saúde e Doença. Considere as seguintes perguntas psicossociais como:

• O que lhe preocupa mais? • Qual tipo de tratamento (ou cuidado ou medicamento) você pensa que deve

receber? • Como sua família se sente sobre...(a gestação, por ex)? S: Social e Ambiente. Considere as seguintes perguntas psicossociais como: • Como seus medicamentos estão arrumados na sua casa?

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F: Fobia (medo = fears) e Preocupações. Considere as seguintes perguntas psicossociais como:

• Como você sente sobre tomar esta medicação? (importante pergunta para a gestante devido sua preocupação com a segurança do feto. Mas também é importante para qualquer outro cliente)

• Você está preocupada(o) com a dosagem? • Você ouviu algo a respeito desta medicação? (por exemplo, medo da vacina

da gripe) • Quais suas preocupações com efeitos colaterais? • Você avalia que o medicamento irá interferir na sua vida? Como?T: Tratamento (contrato). Considere as seguintes perguntas psicossociais como:• Você entendeu sobre como tomar o medicamento? Ou melhor: Você tem

perguntas sobre como tomar o medicamento? • Como você se sente quanto ao seu plano de tratamento ou de cuidados? • • Você pode repetir para mim as instruções sobre o tratamento em suas

próprias palavras?

Modelo explanatório “ETHNIC(S)”O mnemônico em inglês “ETHNIC(S)” é utilizado colher informações sobre as

crenças de saúde do(a) paciente e ajudar ao profissional de saúde a entender como a cultura (ou a discriminação cultural) impacta no processo saúde-doença.

Os tópicos de interesse são:E: Explicação. obtém-se a informação do paciente com perguntas como:• Como você explica sua doença? ou o que faz você pensar que tem esta doença?

O que familiares e amigos dizem sobre estes sintomas? Etc.T: Tratamento. Considere fazer perguntas psicossociais como:• O que você tentou para esta doença? ou Quais tratamentos você tentou?

OBS: não é incomum @ profissional de saúde se sentir “ofendid@” em ser o último recurso d@ paciente - e puní-l@ recusando o tratamento ou não se responsabilizando pelos resultados.

Uma reflexão sobre suas experiências com estereótipos na saúde. Você já vivenciou ou testemunhou isto?

• Quais tipos de medicamentos, remédios caseiros ou outros tratamentos você tentou para esta doença?

• Há algo que você come, bebe, faz ou evita, de modo regular, para manter-se saudável?

• Qual tipo de tratamento(s) você está buscando nesta Unidade de Saúde (ou de mim, profissional de saúde)?

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H: Terapeutas comunitários ou curandeiros. Considere fazer perguntas psicossociais como:

• Quem mais você buscou para lhe ajudar com esta doença?• Você buscou ajuda de curandeiros, benzedeiras, mateiros, amigos ou outras

pessoas que não são profissionais de saúde para tratar seu problema?N: Negociar. Mutuamente se estabelece uma tempestade cerebral com as opções

aceitáveis para as partes perguntando questões como: • Qual a melhor forma para eu lhe ajudar?• Quais são as opções que seriam melhores na sua perspectiva?Lembre-se de que em suas negociações é a inclusão dos cuidadores do(a) cliente

e/ou familiares ou outras pessoas dependendo do contexto cultural do encontro clínico. A negociação deve buscar uma solução que seja consenso para TODOS os participantes no cuidado do(a) paciente ou no processo de tomada de decisão.

I: Intervenção. Intervenção acordada, culturalmente pertinente, e que incorpora as informações das etapas anteriores. Isto pode incluir a incorporação de tratamentos alternativos, espiritualidade/religiosidade e terapeutas tradicionais, assim como outras práticas culturais (por ex, alimentos a serem ingeridos ou evitados quando doente).

C: Colaboração. Colaboração d@ profissional de saúde com @ cliente, família e/ou terapeutas tradicionais para executar a intervenção. Considere fazer perguntas psicossociais como:

• “Como podemos trabalhar juntos nisto e com quem mais?”Pode-se acrescentar Espiritualidade. No caso, considere o uso destas perguntas:• Fale-me sobre sua vida espiritual.• Como suas crenças espirituais podem lhe ajudar com seu problema de saúde?

Modelo explanatório “HOPE”“HOPE” pode ser usado para explorar aspectos que influenciam o bem-estar d@

cliente e seu plano terapêutico.É flexível e ajuda na avaliação da espiritualidade e religiosidade. H: Recursos esperança, significado, conforto, força, paz, amor e conexão.

Considere fazer perguntas como:• Quais são suas fontes de esperança, significado, conforto, força e paz?• O que lhe mantém de pé e faz seguir em frente?O: Papel da organização religiosa. Considere fazer perguntas como:• Quão importante é a religião para você?• Você faz parte de alguma comunidade religiosa ou espiritual? P: Práticas espirituais. Considere fazer perguntas como:• Você tem crenças pessoais de espiritualidade que são independentes de sua

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religião?• Quais aspectos de sua espiritualidade ou práticas espirituais se mostram mais

úteis para você? (por ex, meditação, ler a Bíblia ou o Damapada, frequentar o serviço religioso, Etc)

E: Efeitos sobre o tratamento clínico / crise existencial. Considere fazer perguntas como:

• Enquanto profissional de saúde, há algo que eu possa fazer para lhe ajudar com os recursos que lhe são úteis?

• Você tem preocupação quanto aos conflitos possíveis entre suas crenças e a decisão sobre o cuidado de saúde?

• Há qualquer prática ou restrição religiosa que eu deva saber para a prestação do cuidado de saúde? (por ex, restrições dietéticas, uso de hemoderivados, adereços sagrados, Etc)

Há outros modelos de roteiro para a entrevista clínica, além destes, que atendem ao propósito da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN: estabelecer uma relação profissional-cliente terapêutica a partir da cultura afro-brasileira e isenta de viés étnico-racial-religioso.

Perguntas sensíveisUma estratégia com potencial de demolição do racismo institucional na Unidade

de Saúde é a habilidade de fazer pergunta sensível.Pergunta sensível é aquela que toca em assuntos, no mínimo, difíceis de serem

tratados tanto para quem pergunta quanto para quem responde, como por ex:- Uso de drogas ilícitas;- Posse de armas;- Orientação sexual, inclusive;- O quesito raça/cor, entre outros.Por esta razão, até o método de coleta pode interferir no resultado (MILLER, sd).

E se mal formulada ou evitada pode ajudar na perpetuação do racismo institucional.Da parte d@ cliente, as reações possíveis a uma pergunta sensível são:1. Não responder à questão. Cabe ressaltar que, na área da saúde, muitas destas informações são mandatórias,

como o quesito raça/cor, em especial e por exemplo, outros não. No caso específico do quesito raça/cor, é inaceitável (e nem deve existir no formulário) as opções tipo “09”, a saber: ignorado ou não informa.

2. Distorcer discretamente a verdade, ou seja, responder de uma forma que @ cliente percebe como uma informação desejada pela sociedade.

Não é incomum cliente de cor preta autodeclarar-se branc@. Como também não é incomum uma pessoal homossexual se autodeclarar heterossexual. Ou ainda uma

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pessoa alcoólica declarar que bebe socialmente. Ou uma mulher vítima de violência responder que seu ferimento não foi causado pel@ parceir@ e sim porque caiu.

3. Reagir desfavoravelmente com irritação, agressividade, curiosidade, desconfiança, dúvida, constrangimento, entre outras formas.

A vantagem de saber com antecedência o que pode acontecer está em se preparar para o possível evento. Há técnicas que ajudam a garantir que @ cliente informe fidedignamente. Ainda que estas técnicas não sejam objeto deste curso, você deve conhecê-las para que se evitem as falhas na Unidade de Saúde quanto à coleta destas importantes informações para o processo saúde-doença da população negra, em especial. Sinteticamente, ajuda muito quando:

• O SUS faz campanhas informativas quanto à coleta de informações sobre tópicos sensíveis em diversos veículos de comunicação. Assim, @ cliente entende que a coleta da informação sobre raça/cor é uma política institucional e não uma questão “pessoal, preconceituosa ou discriminatória”.

• Na Unidade de Saúde há cartazes e materiais com a política da Unidade sobre a coleta de informações sobre tópicos sensíveis (raça/cor, em especial), independente de campanhas pontuais.

• Toda a equipe não só é treinada para a coleta sobre tópicos sensíveis (o que inclui interessantes técnicas de entrevista, muito úteis para a entrevista clínica).

• Toda a equipe é supervisionada e regularmente atualizada sobre o método e sobre os resultados da coleta e a qualidade das informações sobre tópicos sensíveis, assim como o tratamento dos dados raça/cor de forma desagregada para redução das iniqüidades étnico-raciais em saúde.

No que se refere à entrevista propriamente dita, de modo geral, recomenda-se que:

- Garanta para @ cliente o sigilo da informação.- Na metade da entrevista clínica aborde o(s) tópico(s) sensível (is), mesmo que seja

um dado “sócio-demográfico”. Assim, você terá tempo para o necessário preâmbulo, para explicações e para trabalhar uma base de confiança.

E o que requer de você uma grande habilidade e empatia:- Faça @ cliente se sentir confortável e segur@ em compartilhar com você

informações de natureza íntima ou falar a verdade.E num contexto no qual o racismo institucional está em franca operação, temos

de reconhecer: - Não é simples que @ cliente negr@ revele sua visão de mundo de matriz africana

de modo confortável! Mas, não é impossível e já existem algumas técnicas úteis neste caso. Por exemplo:- A pergunta deve ser apresentada com uma consideração ou argumento de

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modo que uma resposta “fora da pretensa expectativa” pareça mais aceitável. 1. Observe a cena.

No Brasil, as pesquisas mostram que há doenças e agravos prevalente (ou mais comuns) na população negra, eu agora rotineiramente pergunto a todos os meus pacientes como se auto-classificam. Como a Sra. Dna. Brasilina, se auto-classifica: branca, preta, amarela, parda ou indígena?

Outra fala possível (quesito orientação sexual):A orientação sexual, a raça/cor, entre outros, são assuntos que geralmente

deixam as pessoas desconfortáveis. Mas, o Brasil tem políticas de saúde para atender às necessidades de saúde d@s clientes e prevenir discriminações e preconceitos. Para nós, na nossa Unidade de Saúde, estas informações são importantes para garantir um melhor cuidado de saúde e, no nosso entendimento, não há certo ou errado nas respostas d@ paciente. Assim, Dona Brasilina, a senhora pode, por favor, escolher entre estas opções de resposta sobre...

Outra fala de interesse (investigação sobre violência íntima):Dona Brasilina, a senhora é casada há 10 anos, isto é um fenômeno nos dias de

hoje... Parabéns! A gente bem sabe que todo casal tem suas rusgas. Diga para mim,

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alguma vez nestes 10 anos, a senhora chegou durante uma discussão a ter medo do seu marido? (e nos últimos meses? Nas últimas semanas?)

Outra fala importantíssima (inclusão de práticas tradicionais de saúde):Dona Brasilina, o SUS tem agora uma área que inclui a política de práticas

alternativas, a etnofarmacologia, as práticas de medicina tradicionais de tradição africana e indígena, assim como a colaboração de curandeiros,mateiros, entre outros sistemas diferentes do médico ocidental. Nós gostaríamos de saber se a senhora confia em curandeiros ou tratamentos populares quando tem um problema de saúde? E se está fazendo uso de algum tratamento neste momento.

2. InfiraA habilidade de entrevista fica melhor à medida em que se faz mais e mais

entrevistas e se constrói a competência clínica quanto ao diálogo e a parceria com @ cliente no processo de cuidar.

3. AjaEm vez de barreira, o tópico sensível pode ao contrário se tornar uma a ponte

para o estabelecimento do rapport e da confiança na relação profissional-cliente. E, é bom lembrar que, nesta relação profissional-cliente estão o coração e a mente da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN.

Apontamos como uma barreira à relação profissional-cliente, a burocracia em torno da coleta de informações importantes sobre @ cliente e sua cultura de matriz afro-brasileira. A ponte para a coleta desta informação é empatia. A regra básica é simples o tópico é sensível, então a coleta da informação tem que ser empática, isenta de julgamentos.

Dentre as orientações gerais, cabe a dica:- Observe o tom de sua voz e sua postura corporal. Afinal, na atividade da

entrevista clínica, não há a menor possibilidade de anonimato para @ cliente.E, para finalizar, partindo do pressuposto que você foi capaz de coletar informações

sensíveis por ter construído uma relação de confiança com @ cliente, não se esqueça do principal:

Agradecer a confiança del@ em compartilhar esta informação íntima e pessoal com você (aqui representando todo o SUS).

Quesito raça/cor – mais um rápido reforçoSucintamente, o método consagrado pelo IBGE de coleta desta informação é a

autoclassificação ou autodeclaração pel@ usuári@ que indica a sua “cor ou raça/etnia” entre as cinco categorias possíveis (também consagradas pelo IBGE após negociação com o Movimento Negro, inclusive), a saber:

• Branca: descendentes de europeus/ocidentais.• Preta: descendentes de africanos/afro brasileiros.

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• Parda: inclui-se nesta categoria: morena, mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça.

• Amarela: pessoa de origem oriental: japonesa, chinesa e coreana, entre outras.

• Indígena: pessoas que se declaram indígenas ou índio e que vivem em aldeamento ou fora do aldeamento.

Foi justamente para padronizar o que antes tinha 135 cores para descrever quem negro no Brasil ( JORNAL DO BRASIL, 1991), que se chegou ao consenso das 5 categorias do IBGE.

A partir da padronização é factível, a partir da análise de dados com desagregação do quesito raça/cor, verificar imediatamente as iniqüidades étnico-raciais entre os 5 grupos populacionais, com destaque para as diferenças entre pret@s e pard@s em relação ao grupo hegemônico: branc@s!

Uma das formas do racismo institucional agir para neutralizar o impacto da informação sobre raça/cor nas decisões políticas em saúde é:

- Desrespeitar o método consagrado pelo IBGE e, por ex, aglutinar pretos e pardos e apresentar a informação com uma “nova categoria”: negros.

Na figura abaixo, ainda que os gráficos tratem de eventos diferentes, mostramos como se consegue esconder a disparidade étnico-racial ao aglutinar as categorias preta e parda, exibindo apenas a categoria “negra”.

Brancas (amarelo), pretas (vermelho) e pardas (verde).

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Outras formas do racismo institucional agir para neutralizar o impacto da informação sobre raça/cor nas decisões políticas em saúde são:

• Retirar o quesito raça/cor dos sistemas;• Incluir à revelia da ciência e do movimento social a categoria “ignorado” ou

“não informado” nos formulários;• Não capacitar ou não supervisionar os coletadores desta informação;• Não monitorar a coleta e, finalmente;• Não apresentar os dados desagregados conforme determina o método

pactuado inclusive com o movimento negro.Cabe ressaltar ainda que só em situações especiais e específicas se usa a

heteroclassificação e, neste caso, preferencialmente um membro da família define a cor ou raça/etnia d@ usuári@ (declaração de nascidos vivos, declaração de óbito, registro de pacientes em coma ou quadros semelhantes) (DIAS, 2009).

Não deixe de ler a Portaria que regulamenta a coleta do quesito raça/cor nos sistemas de informação em saúde do município de São Paulo. Os considerandos e a metodologia estão muito bem descritos. Verifique se seu município possui legislação a respeito. Se não tem, que tal propor?Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/legislacao/index.php?p=6290

Brancas (lilás), negras (vinho).Fonte: Comitê Estadual de Prevenção e Controle de Morte Materna e Perinatal do Rio de Janeiro (CEPCMM-RJ) - Relatório anual, Maio de 2013. Disponível em:http://arquivos.proderj.rj.gov.br/cedim_imagens/SCSEditaImprensa/arquivos/uploads/Apresen-tacao%20Comite.pdf

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É fundamental identificar as barreiras étnico-raciais ao encontro clínico culturalmente responsivo para a população negra e estabelecer pontes que o promovam.O tratamento de saúde bem sucedido exige planejamento e atuação sistematizada de modo a construir a confiança na relação profissional-cliente necessária à outra etapa fundamental do encontro clínico: a tomada de decisão compartilhada sobre o cuidado de saúde.O leque de modelos explanatórios, dos quais destacamos o ADERE pela sua simplicidade e possibilidade de roteirizar a fase de negociação do cuidado de saúde, oferece roteiros para a entrevista clínica. Habilite-se em cada um deles de modo que possa escolher aquele que pode ser o mais adequado para explicitar o entendimento d@ paciente sobre a doença e preferências de tratamento. E nunca é demais repetir: a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN começa ou termina no encontro clínico. Portanto, a mudança depende também de você.

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

SÍNTESE SOBRE A CONSULTA CLÍNICA CONFORME A POLÍTICA NACIONAL DE

SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN

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GLOSSÁRIO

Etnocentrismo: Consiste em julgar como certo ou errado, feio ou bonito, normal ou anormal, os comportamentos e as formas de ver o mundo dos outros povos a partir dos próprios padrões culturais.

Cliente: O termo incorpora a ideia de poder contratual e de contrato terapêutico efetuado. Nos serviços de saúde, o uso do termo cliente, pois implica em capacidade contratual, poder de decisão e equilíbrio de direitos.

Paciente: É aquele que sofre, conceito reformulado historicamente para aquele que se submete, passivamente, sem criticar o tratamento recomendado.

Usuário: Isto é, aquele que usa, indica significado mais abrangente, capaz de envolver tanto o cliente como o acompanhante do cliente, o familiar do cliente, o trabalhador da instituição, o gerente da instituição e o gestor do sistema de saúde.

Racismo simbólico: “As atitudes contra os negros decorrem menos da percepção por parte do grupo dominante de que os negros constituem uma ameaça econômica concreta, e mais da percepção dos negros como uma ameaça simbólica, ameaça aos valores e à cultura do grupo dominante. Os negros são percebidos como violadores dos valores que mantêm o status quo das relações inter-raciais.”

Racismo aversivo: ”Indivíduos que se distinguem pela força com que adotam os valores do igualitarismo e tentam se auto-apresentarem como pessoas igualitárias e sem preconceito racial; estes são os racistas aversivos, os que têm, ou melhor, parecem ter, aversão ao racismo.”

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Unidade 2O encontro clínico

Atividade 1Consulta Clínica na perspectiva da Política Nacional de

Saúde Integral da População Negra - PNSIPN

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

Na perspectiva da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN, para a desconstrução do RI no ponto do cuidado é absolutamente indispensável que a comunicação seja isenta de viéses étnico-raciais em razão de seu potencial iatrogênico.

Pelo aspecto político, os ruídos na comunicação com @ cliente constituem barreiras ao cuidado de saúde culturalmente responsivo para a população negra. Precisam ser identificados e removidos ou pontes para o acesso precisam ser construídas.

Concordamos com PONTES et al (2007) quando afirmam que a comunicação deve ser entendida como um processo que pode ser utilizado como instrumento de ajuda terapêutica.

Para que a comunicação possa fluir bem, é @ profissional de saúde desenvolver habilidades,tais como: escutar, falar quando necessário, dar abertura para realização de perguntas, ser honest@, mostrar respeito, dispensar tempo suficiente para a conversa e mostrar interesse, entre outras.

Para o alcance da meta deste curso que é lhe ajudar na implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN, discutiremos neste capítulo algumas técnicas de comunicação terapêutica que, na nossa avaliação, têm o potencial de fortalecer tanto as relações interpessoais d@profissional de saúde com @ cliente, famíla e comunidade a partir da cultura negra quanto o empoderamento desta clientela, visando a tomada de decisão compartilhada e o autocuidado.

INTRODUÇÃO

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN começa e termina na relação profissional de saúde-cliente.

E na implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN, @ profissional de saúde tem um papel na desconstrução do racismo institucional e no empoderamento d@ cliente negr@ no ponto do cuidado.

Mas, em um ambiente no qual o racismo institucional ainda está em franca atividade, @ profissional de saúde pode de forma inadvertida contribuir para manutenção de barreiras à saúde da população negra. Assim, os resultados terapêuticos desiguais, são efeitos do racismo institucional no nível do cuidado direto para @ paciente negr@ que pode ser evidenciado, segundo CRUZ (2004) como:

• Conversa depreciativa sobre @ paciente• Rudeza/descortesia/destrato/humilhação no trato d@ paciente• Paciente não é ouvid@ em sua queixa ou é ignorad@• Paciente percebe que lhe olham com desconfiança • Paciente é atendid@o sem ser olhad@ • Paciente vivencia dor ou desconforto por falta de atenção do serviço. (p=0,059,

ou seja, as pessoas negras vivenciam mais esta situação).

RACISMO INSTITUCIONAL (RI) NO PONTO DO CUIDADO: MANIFESTAÇÕES

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

...do mesmo: racismo institucional no SUSAtente para a denúncia sobre a falta de profissionalismo de alguns

profissionais de saúde que no SUS avaliam que @ cliente adept@ do candomblé está com o diabo no corpo.

Respeito culturalE é assim que o racismo institucional se perpetua: uma ação aparentemente

pontual (indiferença ou distanciamento profissional em uma determinada US, por ex) é capaz gerar conseqüências negativas para os resultados de saúde de todo um grupo populacional.

Por isso, afirmamos reiteradamente que a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN é um processo que começa no ponto

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

do cuidado (encontro/[des]encontro clínico), vai até o Ministério da Saúde (equidade/iniquidade étnico-racial em saúde) e, retornando, termina no ponto do cuidado (encontro?/[des]encontro clínico?).

O ruído na comunicação profissional-cliente (uso de jargão ou gíria profissional, por ex) é uma barreira ao cuidado de saúde, a ponte a ser construída para a promoção do acesso da população negra é o respeito cultural (cultural por que além do respeito à pessoa, inclui o respeito à sua cultura e religiosidade de matriz africana).

Diferenças culturaisVivemos um tempo no qual a afirmação das diferenças - étnicas, de gênero,

orientação sexual, religiosas, entre outras - manifesta-se de modos plurais, assumindo diversas expressões e linguagens. E, cabe observar, a diferença não se opõe à igualdade e sim à padronização, à produção em série, à uniformização ou à generalização e ao estereótipo.

Alguns em nome da igualdade com relação à branquidade ( JESUS, 2012), sem entender que a igualdade não está oposta à diferença, e sim à desigualdade, acabam suscitando diferentes manifestações de preconceito, discriminação, inclusive diversas formas de violência - física, simbólica, bullying -, homofobia, intolerância religiosa, estereótipos étnico-raciais e de gênero, exclusão de pessoas deficientes, entre outras (CANDAU, 2012). No SUS, parte desta sociedade, não é diferente.

E, por conta das diferenças culturais, assim como devido à iniquidade étnico-racial no cuidado de saúde, o movimento negro, por sua vez, diuturnamente tem denunciado o racismo institucional e atuado pela implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN e pela equidade em saúde.

Interculturalidade ou tudo junto, mas não misturadoA afirmação das diferenças culturais (étnico-raciais, em particular) é proposta no

entendimento de uma sociedade baseada no multiculturalismo aberto e interativo, que acentua a interculturalidade crítica por considerá-la a mais adequada para a construção de sociedades democráticas. Com a articulação de políticas de igualdade com políticas de identidade e o reconhecimento dos diferentes grupos culturais, identitários e populacionais (CANDAU, 2012).

Comunicação terapêuticaMuito brevemente, conceituamos como comunicação terapêutica aquela que

ocorre entre profissional de saúde e paciente com o objetivo de ajudá-l@ a enfrentar seus problemas, relacionar-se com os demais, ajustar o que não pode ser mudado e enfrentar os bloqueios à autorrealização (SILVA, 2009). Para os propósitos da implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN, a comunicação é terapêutica quando isenta de viéses em relação à pessoa negra e às culturas de matriz africana.

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

Segundo SILVA (2009), toda comunicação humana, face-a-face, interpessoal, também se faz através da comunicação não-verbal, ou seja, de todas as formas de comunicação que não envolvem diretamente as palavras. E além do modo como falamos, há as expressões faciais, as nossas posturas corporais diante do outro, a maneira como o tocamos, as distâncias interpessoais que mantemos com essa outra pessoa.

Num contexto no qual o racismo institucional está operando, verifica-se no plano das relações interpessoais a incongruência entre o verbal e o não-verbal.

O que a incongruência entre o verbal e o não-verbal pode revelar para @ cliente é, talvez, a nossa insatisfação com o que fazemos profissionalmente (burnout?). de qualquer modo, temos, neste caso, uma barreira ao estabelecimento do rapport e da confiança tão necessários ao encontro clínico.

A incongruência entre o verbal e o não-verbal também se mostra pela desconsideração da própria apresentação pel@ profissional e da explanação sobre sua função e se esta função corresponde às expectativas d@ cliente e da família. Não basta portar um crachá.

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

BARREIRAS POTENCIAIS À COMUNICAÇÃO TERAPÊUTICA CONFORME A POLÍTICA

NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN

#oláeumechamoEsta foi uma campanha lançada no Twiter por uma médica que no

momento era uma paciente, após vários profissionais da equipe de saúde não se apresentarem antes de prestar o cuidado. Ela também concluiu que a apresentação adequada do profissional de saúde é mais do que um ato de cortesia, é fundamental na prestação de um cuidado seguro e de excelência.

Saiba mais em: GRANGER, K. Healthcare staff must properly introduce themselves to patients BMJ 2013; 347:f5833.

Disponível em:http://www.bmj.com/content/347/bmj.f5833

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

Ainda segundo SILVA (2009), outro aspecto da incongruência entre o verbal e o não-verbal é o tratamento pretensamente carinhoso prestado para @ cliente e família. Termos como “queridinho”, “mãezinha”, “tiazinha”, evidenciam que @ profissional de saúde ignora que @s pacientes têm nomes próprios e não devem ser infantilizad@s ou anulad@s em sua autonomia.

A falta de honestidade na comunicação é também uma barreira ao estabelecimento de uma relação terapêutica profissional-cliente impedindo a consolidação da confiança e criando uma sensação de insegurança para o cliente, assim como a potencial perda da credibilidade para todo o sistema de saúde.

Técnicas de comunicação terapêuticaReiteramos que a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO

NEGRA - PNSIPN começa e termina no encontro clínico. Na perspectiva da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO

NEGRA - PNSIPN, uma ponte para o cuidado de saúde da população negra são as técnicas de comunicação terapêutica. Segundo OLIVEIRA et al (2005), as técnicas de comunicação são um meio de promover o relacionamento terapêutico, necessário ao cuidado de saúde de boa qualidade, por permitir a identificação das necessidades d@s pacientes. Neste capítulo, relacionamos algumas.

RapportRapport é uma daquelas palavras intraduzíveis, mas cujo significado pode ser

“estabelecimento de vínculo profissional de saúde-cliente”. E para estabelecer o rapport (o olhar nos olhos), a introdução e a conclusão do encontro clínico são etapas fundamentais para a construção da parceria com @ cliente no cuidado de saúde.

Portanto, no início do encontro clínico não deixe de (WARD, 2012):• Cumprimentar @ paciente e família• Apresentar-se e explicar sua função profissional em especial no que for

necessário às necessidades d@ pacienteQuando finalizar o encontro clínico:• Despeça-se d@ cliente e família• Informe explicitamente sobre sua disponibilidade ou da Unidade quanto ao

próximo encontro clínico ou atendimento.

Escuta ativaEm sua pesquisa realizada em uma Unidade de Saúde da Família, OLIVEIRA et

al (2008) sobre as percepções de trabalhadores e usuários quanto ao acolhimento viram emergir como uma das categorias: a escuta qualificada, ou seja, os usuários explicitaram sua expectativa de contar com profissionais qualificados para uma escuta acolhedora e resolutiva. A seguir, listamos algumas técnicas de escuta ativa:

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

• Mantenha uma postura relaxada, porém atenta;• Participe ativamente da conversa, esteja receptiv@ e disponível a escutar;• Evite escutar e digitar ou escrever ao mesmo tempo;• Use incentivos verbais como “Fale mais”, “Ah?” “Verdade”;• Mantenha um contato visual eficiente, procure não desviar o olhar a toda hora;• Balance a cabeça ou sorria;• Fuja à tentação de interromper a pessoa no meio do discurso;• Faça perguntas para validar o que foi dito; se necessário, parafraseie e confirme

sua compreensão;• Use a empatia.Fonte: Ministério Público do Ceará – Núcleos de Mediação Comunitária. A escuta

ativa e a mediação. 2010. Disponível em:http://www.pgj.ce.gov.br/nespeciais/nucleomed/pdf/NMC_Informe_43.pdf

Consciência da linguagem corporalNão é demais repetir que o racismo institucional como contexto das relações

interpessoais não se manifesta por xingamentos, todavia, seguramente pode ser expresso por meio da linguagem corporal negativa ou da mensagem não-verbal. Assim, o recurso da linguagem corporal tem o potencial de ser usado para, no mínimo, constranger, deixando à pessoa ofendida sem condições “objetivas” de defesa.

Concordamos com SILVA et al (2000) quando afirmam que a linguagem corporal é uma forma complexa de interação interpessoal da qual temos pouca consciência, ocorrendo por vezes à margem do nosso controle. As autoras ressaltam ainda que a linguagem corporal tem por função expressar sentimentos, emoções e transmitir mensagens, cujos significados são influenciados pelo contexto.

E, na perspectiva da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN, conforme o contexto a linguagem corporal pode ser uma barreira ao cuidado de saúde da população negra ou uma ponte para o fortalecimento do vínculo profissional de saúde – cliente.

Para efetiva implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN no ponto do cuidado, é crucial o desenvolvimento da consciência crítica d@ profissional de saúde o conhecimento quanto à sua linguagem corporal no encontro clínico. É fundamental que você examine sistematicamente suas atitudes, crenças e comportamentos em relação às pessoas negras e sua cultura de matriz africana, assim como o contexto social e o sistema de prestação do cuidado de saúde.

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

Contato ocularOs comportamentos têm significados culturalmente reconhecidos e validados,

porém o que é mais lembrado como discriminatório pel@ paciente é o olhar d@ profissional.

Olhar distante durante a conversação denota

desinteresse

O olhar distante é uma barreira ao cuidado de saúde da população negra.

Uma ponte para a saúde da população negra, no âmbito da relação profissional de saúde-cliente, é o olho-no-olho pelo simples fato que quando alguém olha para nós, nós acreditamos que somos do interesse desta pessoa.

Saúde da População Negra Baseada em Evidência

Os encontros clínicos são uma forma de engajamento social. Um componente crítico e implícito de engajamento significativo com @s pacientes é o contato ocular. Pesquisadores no rapidamente crescente e multidisciplinar campo da neurociência social descobriram um fato relevante sobre este “primeiro-contato” no relacionamento humano que é de relevância prática e direta para o exercício do profissional de saúde. Os achados revisados neste artigo, incluem aspectos da neurobiologia de atenção social, o papel de certos neuroquímicos (por ex, serotonina, oxitocina) no contato ocular, a importância diagnóstica do contato ocular e do “olhar”(gaze) em várias entidades diagnósticas.

Implicações para a prática clínica(grau de recomendação B; nível de evidência 3A)

http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/tabela_nivel_evidencia.pdf Clinicamente, estes achados enfatizam a importância do papel do contato ocular

em:1. Estabelecer rapport significativo2. Suprir @ profissional com informações implícitas sobre o estado emocional

d@ paciente

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

3. Prover indícios diagnósticos para problemas comuns de saúde mental4. Fornecer mensagens clínicas impactantes; e5. Proporcionar esperança e expressar empatia. A pesquisa atual de neurociência nesta área destaca que a consciência crítica e

reflexiva (mindfull attention) é parte das habilidades clínicas efetivas d@ profissional de saúde empátic@.

Referência da pesquisa: MacDonald, K. Patient-clinician eye contact: social neuroscience and art of clinical

engagement. Postgrad Med. 2009 Jul;121(4):136-44. doi: 10.3810/pgm.2009.07.2039

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

A implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN no ponto do cuidado reitera o modelo de atenção à saúde centrada na pessoa, de forma multiprofissional e baseado em evidência. Deste modo, a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN começa e termina no encontro clínico.

E, tendo em vista que muitos dos problemas de saúde prevalentes na população negra (albinismo, vitiligo, diabetes e hipertensão, por ex) estão enraizados em determinantes sociais como o racismo, o encontro clínico deve criar as condições para a tomada de decisão compartilhada, assim como a implementação de intervenções que provoquem a motivação d@ cliente negr@ para o autocuidado. Estas intervenções demandam forte capacidade de negociação da parte d@ profissional de saúde (MENDES, 2012, pg 177) a partir do reconhecimento de que @ cliente é parceir@ no processo de cuidar. Para o alcance deste propósito, as abordagens preconizadas são:

• Modelo transteórico de mudança• Entrevista ou comunicação motivacional• Grupos operativos• Processo de solução de problemas Cabe ressaltar que, conforme a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA

POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN, a aplicação de cada uma destas tecnologias leves de cuidado de saúde deve integrar as práticas tradicionais de matriz africana.

Boas práticas – comunicação terapêutica em EADO processo de solução de problemas (self-management) pode ser ensinado para @

cliente inclusive por meio de educação a distância em saúde, entre outras tecnologias de informação e comunicação (TICs). A seguir 2 cursos em EAD para cliente & família:

• Parto sem dor, ativo e natural – Amamentação• Controle do Diabetes (tipo 2)http://www.nepae.uff.br/eso/Visite o site e faça você os cursos (são grátis) para entender como funciona esta

estratégia para a clientela.

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

AS INTERVENÇÕES PARA PREVENÇÃO DAS CONDIÇÕES DE SAÚDE RELATIVAS AOS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

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Para a efetiva implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN, o modelo de atenção centrada na pessoa se aplica porque inclui o empoderamento d@ paciente e família de modo que se tornem proativ@s durante o encontro clínico também.

A qualidade da comunicação entre paciente e profissional tem relação direta com a qualidade do cuidado de saúde e sua segurança. Neste sentido, ANVISA (2013) destaca a estratégia “Ask me 3™” de comprometimento de pacientes e familiares no encontro clínico e, no nosso entender, isto tem um potencial de demolição do racismo institucional na Unidade de Saúde.

Com base na POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN, propõe-se algo muito semelhante para incentivar e capacitar @ cliente para a participação ativa no encontro clínico:

“3 cutucadas”

QUANDO @ PACIENTE COMUNICA TERAPEUTICAMENTE

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

Assim, no encontro clínico, cliente e família empoderados garantem ao menos sua segurança clínica por meio de “3 cutucadas”. São perguntas simples, mas que ajudam:

• A entender o problema;• A solução e, em especial, sua relação com as práticas de saúde de matriz afro-

brasileira;• O grau de participação esperado para @ cliente no cuidado de saúde. Uma ponte para o empoderamento d@ cliente e família no encontro clínico é

educação em saúde (capacitação) sobre as “3 cutucadas”. Explique cada tópico:

QUAL É O MEU PROBLEMA PRINCIPAL?

O QUE EU PRECISO FAZER?

PORQUE É IMPORTANTE EU FAZER ISSO?

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

1. Quem precisa cutucar: cliente, família2. Porque cutucar: manutenção da saúde, promoção do bem-estar

(compatibilização com a prática de saúde afro-brasileira) e prevenção de erros no cuidado;

3. A quem cutucar: médic@, enfermeir@ e farmacêutic@;4. Quando cutucar: consulta com médic@, enfermeir@ (e também antes de

exames e procedimentos); no caso de tratamento concomitante com terapeuta ou medicamento tradicional de matruz afro-brasileira, e antes da dispensação de seu medicamento (farmacêutic@);

5. O que fazer quando cutuca e não entende a resposta: “Dá para explicar novamente” e outras soluções.

6. Quem quer ser cutucad@: médic@, enfermeir@ e farmacêutic@; manutenção da calma e do foco do encontro clínico (cartazes espalhados na Unidade de Saúde e consultórios apresentam esta política de atendimento)

7. Como se preparar para cutucar no encontro clínico: cartão com as “3 cutucadas”; familiar acompanhante; lista de problemas de saúde e/ou dúvidas sobre tratamento; lista dos medicamentos; lista do tratamento concomitante com terapeuta ou medicamento tradicional de matruz afro-brasileira e Etc.

Contudo, não podemos perder de vista que, nas nossas instituições de saúde, o racismo institucional em operação mantém a ambivalência no que se refere à comunicação a partir d@ paciente:

• Ou há a crença de que @ paciente não tem condição de entender o que @ profissional deve para explicar;

• Ou, pior: a proatividade d@ cliente é percebida pel@ profissional como uma ofensa.

E a reação d@ profissional às “3 cutucadas” pode ser desde:“Colocar @ cliente no seu devido lugar...”Até a imposição de sofrimento físico (analgesia sub-clínica, por ex) e/ou psicológico

(alta à revelia, por ex).A desconstrução do racismo institucional não admite ingenuidade. Por esta razão, o empoderamento d@ cliente e família, na perspectiva da

POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN, exige d@ profissional de saúde tanto o desenvolvimento da consciência crítica e de uma atitude de testemunho ético contra a discriminação por parte d@ profissional (ISHIYAMA , 2006).

É, no nível micro, no (des)encontro clínico, que o racismo institucional, um efeito, tem a sua causa, sua origem.

É também no (des)encontro clínico que o racismo institucional se perpetua,

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

escudado pela confidencialidade que o atendimento clínico exige. E assim, o cuidado sem qualidade que resulta em iniquidade étnico-racial em saúde deixa de ser um incidente crítico e torna-se um padrão.

Porém, quando se entende que o encontro clínico, sem risco de invasão de privacidade, é um momento político, de engajamento social pela saúde e pela desconstrução do racismo institucional, profissional e cliente empoderad@s constroem as condições necessárias para uma relação interpessoal genuinamente terapêutica.

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

Neste capítulo foram arroladas algumas tecnologias leves que ajudam na implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN no ponto do cuidado mais a título de exemplo. Há muitas outras que devem ser acrescidas a estas. O fundamental é que a tecnologia tenha o potencial de:

• Desconstruir o racismo institucional;• Empoderar cliente, família, comunidade e população negra, assim como:• Integrar as práticas tradicionais de cuidado e cura.Se atender a todos estes critérios, teremos tanto a população negra como a

sociedade como um todo no centro da atenção à saúde.

SÍNTESE SOBRE COMUNICAÇÃO CULTURALMENTE EFETIVA E TERAPÊUTICA

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

GLOSSÁRIO

Modelo transteórico de mudança (MTT): Essa teoria postula que as mudanças de comportamento se dão em estágios sequenciais de estados psicológicos e comportamentais que vão desde uma falta de motivação até um novo comportamento sustentado.

Entrevista motivacional (EM): Tem foco na mudança de comportamentos das pessoas, especialmente aquelas que não desejam mudar ou fazer um tratamento ou, ainda, que estejam numa situação de ambivalência entre mudar e não mudar. Pode ser feita numa única entrevista, mas é mais comum que seja realizada num conjunto de 4 a 5 encontros individuais.

Grupo Operativo (GO): Para que um conjunto de pessoas constitua um grupo é preciso que ele se vincule e interaja no sentido de alcançar o objetivo comum. Um grupo implica: um sistema em que as partes se interrelacionam; a instituição de uma nova entidade que seja mais que um somatório de pessoas, com normativas e mecanismos próprios e específicos; o grupo é maior que a soma de suas partes; e a existência de uma interação afetiva. Disso, derivam dois princípios organizadores do GO: vínculo e tarefa.

Processo de solução de problemas: constitui uma das principais habilidades que as pessoas devem adquirir para conviver bem com uma condição crônica porque, afinal, ela vive, por um tempo significativo ou definitivamente, com essa condição de saúde. A pessoa deve estar preparada para solucionar os problemas que surgem cotidianamente em sua vida em função de uma condição crônica (self-management).

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

• BRANDÃO, Ana Paula. (Coord.). Saberes e fazeres: modos de sentir: caderno de atividades. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2010. (A cor da cultura, v.2). • BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Assistência segura: uma reflexão teórica aplicada à prática. Brasília: ANVISA, 2013. 168 p. (Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de Saúde). Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/hotsite/segurancadopaciente/documentos/junho/Modulo%201%20-%20Assistencia%20Segura.pdf>. • BRASIL. Ministério da Saúde. Carta dos direitos dos usuários da saúde: ilustrada. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 8 p. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/livros/cartaaosusuarios01.pdf>.• CANDAU, Vera Maria Ferrão. Diferenças culturais, interculturalidade e educação em direitos humanos. Educ. Soc., Campinas, v. 33, n. 118, mar. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010173302012000100015&lng=en&nrm=iso>.• CRUZ, I. C. F. da. Práticas institucionais no tratamento da hipertensão arterial: estudo sobre acesso e qualidade do cuidado e assistência na perspectiva do cliente. In: Programa de Combate ao Racismo Institucional no Brasil. Subprojeto Situação de Saúde da População Negra Brasileira e Recomendações para Políticas, Ações e Programas. Brasília: DFID/UK, 2004. [Relatório da Pesquisa do Componente Saúde].• ISHIYAMA, F. I. Active witnessing for prejudice reduction and community development: trainers’ manual for facilitating anti-discrimination response training (A.R.T.). [S.l.]: University of British Columbia, 2006. Disponível em: <https://www.academicvideostore.com/sites/default/files/video-attachments/220%20ART%20trainer%20manual%20protocol%20v4.1.pdf>.• MENDES, Eugênio Vilaça. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília: OPAS, 2012. 512 p. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cuidado_condicoes_atencao_primaria_saude.pdf>. • OLIVEIRA, Adriano de et al. A comunicação no contexto do acolhimento em uma unidade de saúde da família de São Carlos, SP. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 12, n. 27, dez. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832008000400006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21 nov. 2013.• OLIVEIRA, Poliéria Santos de et al. Comunicação terapêutica em enfermagem revelada nos depoimentos de pacientes internados em centro de terapia intensiva. R. Eletr. Enferm., v. 07, n. 01, p. 54–63, 2005. Disponível em: <http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen>.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Atividade 2Comunicação culturalmente efetiva e

terapêuticaUnidade 2O encontro clínico

• PONTES, Alexandra Carvalho; LEITÃO, Ilse Maria Tigre Arruda; RAMOS, Islane Costa. Comunicação terapêutica em enfermagem: instrumento essencial do cuidado. R. Bras. Enferm., Brasília, v. 61, n. 3, jun. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672008000300006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 20 nov. 2013.• SILVA, Lúcia Marta Giunta da et al. Comunicação não-verbal: reflexões acerca da linguagem corporal. R. Latino-Am. Enferm., Ribeirão Preto, v. 8, n. 4, ago. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692000000400008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21 nov. 2013. • SILVA, M. O papel da comunicação na humanização da atenção à saúde. R. Bioética, Brasília, v. 10, n. 2, nov. 2009. Disponível em: <http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/215/216>. Acesso em: 20 nov. 2013.• WARD, J. Creating a partnership: building rapport with your patients. 2012. Disponível em: <http://www.nursetogether.com/creating-a-partnership-building-rapport-with-your-patients#sthash.GobsqdKx.dpuf>.

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Atividade 3Práticas tradicionais de saúde da

População NegraUnidade 2O encontro clínico

O foco do curso é o enfrentamento do racismo institucional (RI) pela implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN na qual se prescreve a integração das práticas tradicionais de matriz afro-brasileira no processo de cuidar no SUS.

Diante da riqueza de conhecimentos construídos e validados ao longo de séculos por diversas etnias negras para mitigar a dor e o sofrimento e promover a saúde e o bem-estar de toda a humanidade, temos o dever de alertar para os limites deste curso e desta atividade.

Aqui, apresentaremos informação e evidência científica para sua reflexão e conseqüente anulação de eventuais estereótipos ou estigmas associados às práticas tradicionais afro-brasileiras de cura as quais podem ser ainda percebidas como crendices ou atividades demoníacas (PINTO et al, 2011) e até mesmo consideradas crime de exercício ilegal de medicina, negando ou rejeitando, no mínimo, o crédito aos reais construtor@s de um recurso terapêutico que já é efetivamente utilizado dentro do SUS, inclusive.

A implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN no ponto do cuidado efetiva uma parceria na qual @ usuári@ expert ensina as práticas tradicionais de saúde da população negra para @ profissional de saúde.

Por sua vez, @ profissional de saúde integra as práticas tradicionais de saúde da população negra à política de cuidado da Unidade de Saúde e se habilita na negociação do contrato terapêutico entre medicina hegemônica & medicina tradicional.

INTRODUÇÃO

A Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde é uma instância de articulação da sociedade civil que envolve iniciad@s nas religiões de matriz africana, gestores e profissionais de saúde, integrantes de organizações não governamentais, pesquisadores e lideranças do movimento negro visando a promoção da saúde do povo de santo e simpatizantes das religiões de matriz africana, com a finalidade de valorizar o saber dos terreiros em relação a educação e a saúde, assim como estabelecer parcerias com o Sistema Único de Saúde.

Visite em: http://renafrosaude.com.br/

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O Departamento de Atenção Básica (DAB, sd) em sua página no Portal da Saúde - MS refere que:

O campo das práticas integrativas e complementares contempla sistemas médicos complexos e recursos terapêuticos, os quais são também denominados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de medicina tradicional e complementar/alternativa (MT/MCA).

Com a publicação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), a homeopatia, as plantas medicinais e fitoterápicas, a medicina tradicional chinesa/acupuntura, a medicina antroposófica e o termalismo social-crenoterapia foram institucionalizados no Sistema Único de Saúde (SUS).

Ainda que muitas políticas públicas em saúde valorizem a interculturalidade em seus textos, até a presente data as práticas tradicionais afro-brasileiras de cura e cuidado, muito além das ervas medicinais, não foram incluídas na PNPIC, por exemplo.

E cabe observar ainda, mesmo no Programa Nacional Plantas Medicinais e Fitoterápicos (BRASIL, sd), em cujo Comitê há uma representação de comunidades tradicionais, não se dá o devido e merecido crédito às culturas afro-indígenas-brasileiras na construção de um conhecimento empírico que, atualmente, tem um imenso valor patrimonial.

Se não se reconhece o patrimônio de um grupo populacional, é possível reconhecer dentro do grupo discriminado, o gênero que também é objeto de discriminação?

Isto porque, conforme pesquisa de ALMEIDA et al (2011), são as mulheres negras que têm um papel fundamental nas práticas de cura da medicina tradicional afro-indígena-brasileira, sejam como pajés, curandeiras, parteiras e raizeiras, as mulheres com outras identidades étnicas também são praticantes e guardiãs desses saberes.

Com a conjunção de gênero e raça nas práticas tradicionais de cura, identificamos a sobreposição do racismo e do sexismo institucional que em sinergismo, acentuando conflitos e disputas de poder, constituem barreiras à integração tanto das práticas tradicionais quanto d@s terapeutas de matriz afro-brasileira ao SUS.

Neste contexto não há interculturalismo, o que temos é, no mínimo, multiculturalismo assimilacionista, estando alguns anos-luz do que é a interculturalidade crítica (CANDAU, 2012).

Superar o racismo e também o sexismo institucional é a grande tarefa. No que se refere à discriminação de gênero, destacamos a pesquisa de ARAÚJO

(2000) sobre medicamentos populares e maternagem tendo observado que a maioria das mães não informou o uso de ervas medicinais ao médico em razão de o

INTEGRAÇÃO DE PRÁTICAS TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRO-BRASILEIRA NO SUS?

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

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profissional não ter perguntado ou “não ver necessidade de informá-lo” ou ainda não ter retornado ao médico após uso da terapia complementar. Uma parcela declarou acreditar que o médico não aprovaria a terapia

Assim, quanto à prática tradicional de saúde, no ponto do cuidado racismo e sexismo institucional operam sinergicamente por meio de uma barreira ao cuidado de saúde:

- Experiência prévia negativa d@ cliente com exclusão sumária (e talvez de forma pejorativa) de sua prática cura de matriz afro-brasileira no seu plano terapêutico.

Diante da mútua exclusão entre a medicina hegemônica e medicina tradicional de matriz afro-brasileira ou da classificação hierárquica imposta a ambas, @ cliente negr@ tende a procurar o SUS só e somente só quando não consegue resolver os problemas de saúde com o auxílio dos curandeiros tradicionais.

E uma vez que @ cliente negr@ acessa o SUS ou:• Não se pergunta sobre o uso de medicina tradicional de matriz afro-brasileira • Ou quando perguntado a respeito @ cliente nega a informação sobre o cuidado

tradicional de saúde, ficando em risco de interações indesejáveis entre os tratamentos e sinergismo de efeitos adversos.

Uma ponte para o cuidado de saúde é a utilização no encontro clínico de um roteiro sobre o modelo explanatório de saúde e doença para explicitação das práticas culturais de cura, assim como a capacitação ou atualização d@ profissional de saúde sobre terapias tradicionais afro-brasileiras para poder julgar a adequação ou não da prática utilizada (ARAÚJO, 2000)

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Na perspectiva da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN e dos marcos civilizatórios da população negra, o cuidado integral compreende a saúde e o bem-estar de corpo, mente e espírito da pessoa, da família e da comunidade, a partir de uma cosmovisão mítica e religiosa.

Deste modo, um chá de capim-santo (prática individual, introspectiva) ou a dança e o canto na roda de samba ou no xirê (prática coletiva, extrospectiva) tem igualmente efeitos terapêuticos.

Profissionais de saúde têm um papel na desconstrução dos estereótipos vivenciados pela população negra e na colaboração com as formas da população negra gerenciar seus problemas de saúde e planos terapêuticos.

Mas, num contexto de racismo institucional, profissionais de saúde inadvertidadmente podem contribuir para a perpetuação de estereótipos e estigmas quanto às práticas de cura de matriz afro-brasileira. Isto pode ser em razão de:

- Não estar atualizad@ quanto às evidências científicas segundo as quais @ cliente, para aumentar as chances de resultados terapêuticos ótimos, pode ser parceir@ no tratamento, compartilhando a tomada de decisão quanto ao gerenciamento de sue problema de saúde e terapias.

- Não estar atualizad@ quanto às evidências científicas segundo as quais práticas como fitoterapia, exercício, relaxamento, espiritualidade/religiosidade, entre outras, são tão reais como terapias clínicas como os medicamentos ou procedimentos médicos.

É oportuno lembrar que, o conhecimento práticas tradicionais, o ofício de curador popular e a sociedade como clientela vêm de longe no espaço (África) e no tempo. O registro desta habilidade técnico-científica está documentado nesta imagem de Debret que foi capa do Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial (2005).

O registro do artista Jean Debret, em 1820, no Rio de Janeiro, sobre os negros exercendo práticas de cura também foi constatado por SÁ et al (2011) na pesquisa histórica que evidenciou um relato que na cidade da Parahyba, barbeiro era visto como um auxiliar do médico. Um deles teve tanto destaque que chegou a ser descrito pelo o médico Oscar de Castro da seguinte forma:

“(...) existia um barbeiro de elite e que também cantava no coro das novenas de Nossa Senhora das Neves. Era chamado de Antonio Leite. Era um preto baixo barrigudo de enorme papada e um toitiço de Zebu, de fraque e colete preto e calça branca bem engomada, correntão, relógio e anelão de ouro. No seu estojo o ilustre barbeiro conduzia o “boticão”

QUAIS SÃO AS PRÁTICAS TRADICIONAIS AFRO-BRASILEIRAS PARA CURA E CUIDADO

DE SAÚDE?Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

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para extrair dentes, a lanceta para sangrar e vacinar, as campanhas de vidro e o aparelho apropriado para o caso de aplicação de ventosas. E, ao que parece, o ofício passava para as gerações tendo em vista que os filhos Elysio e Manoca Leite também fossem barbeiros.“

Pela ilustração e relato histórico, vimos que sangrias e aplicação de ventosas foram incluídas ao conjunto de práticas tradicionais afro-brasileiras para cura e cuidado de saúde.

Outras práticas identificadas na literatura foram: arte de partejar; banhos; benzimentos; costuras de rendidura; crenças e vínculos com o transcendente; curas; esfregações; massagens; orações; plantas medicinais; puxados; rezas; ritos e simpatias, entre outras

Quanto às formas dos medicamentos tradicionais, identificamos: lambedor, óleos, chás, infusões, emplastros, garrafadas, Etc

Há ainda as manifestações culturais que unem saúde e fé, tais como novenas, mesadas de anjo, danças de São Gonçalo, procissões, recomendas, lavagens de igrejas, entre outras.

Os locais de prática tradicional de cura podem ser as feiras públicas, os centros de romaria, as casas dos curadores nos bairros populares, as comunidades indígenas ou quilombolas, os terreiros de umbanda e candomblé, entre outros.

No que se refere às comunidades tradicionais de terreiro, ALVES et al (2009) as definem como territórios comunitários que além da preservação e culto das religiões de matriz africanas e afro-brasileiras constituem são espaços de acolhimento e aconselhamento de grupos historicamente excluídos.

Quanto aos quilombos como locais de prática de cura, GOMES et al (2012) inventariaram as plantas medicinais utilizadas na comunidade quilombola Casinhas, município de Jeremoabo-BA, localizada numa região de Caatinga, tendo identificado 87 espécies com destaque para a Poincianella pyramidalis (catingueira), que apresentou maior freqüência de citação cultural. O sistema digestório teve o maior número de indicações de plantas relacionadas às suas afecções (21 espécies); as folhas (36%) e as cascas (30%) foram as partes mais citadas nas indicações terapêuticas; o chá foi a forma de uso mais indicada (49%). A comunidade estudada depende diretamente dos recursos vegetais para suas práticas de cura. Os autores concluíram reconhecendo o patrimônio de conhecimento da comunidade e recomendaram que os resultados dessa pesquisa podem servir como base para bioprospecção bem como subsídio para seleção de espécies da caatinga prioritárias para estudos posteriores de ecologia de populações, visando o seu uso e manejo sustentável.

Diante do exposto, avaliamos que esta é uma área na qual a implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN acontece por meio de ações intersetoriais com os órgãos responsáveis, por exemplo, pela estimulação de hortas familiares, entre outras atividades.

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Exercício práticoQuerendo aprender contigo a forma de se viverAs coisas estão no mundo só que eu preciso aprender (bis)Paulinho da Viola – Coisas do Mundo, Minha Nega (1978)

1. Conheça a cena.

PINTO et al (2011) durante a realização de uma Oficina de Capacitação viram os profissionais de saúde que professam as religiões evangélica retirarem-se do anfiteatro, recusando-se permanecer no mesmo lugar no qual estavam os pais e mães de santos. PINTO et al constataram que esses profissionais classificam os pais e mães de santos como a própria encarnação do inimigo de Cristo, isto é o demônio.

- O que está acontecendo aqui? 2. InfiraA intolerância religiosa em ação.Qual a razão de garantir o respeito cultural? Na raiz da intolerância religiosa,

do racismo, do sexismo, da homofobia, do adultismo, enfim, de qualquer forma de discriminação, está a desumanização do Outr@ para fins de exploração econômica e social, ou seja, é pessoa para pagar impostos (deveres sociais), mas é “demonizado” para que não tenha direitos sociais. Os benefícios sociais então são apenas para @s escolhid@s), a saber:o lado opressor das ideologias de opressão. O respeito cultural é importante porque se trata da defesa incondicional do direito humano de ser, de existir e de co-existir em paz. Além disso, o racismo institucional deve ser desconstruído e não “substituído” por outra forma de discriminação contra a população negra e sua cultura de matriz africana.

Qual efeito a intolerância religiosa pode ter sobre a saúde d@ pessoa pertencente ao grupo socialmente vulnerável, como a população negra, por exemplo? O efeito pode variar do constrangimento até a morte (PAMELA et al, 2012). Embora a religiosidade de origem africana seja reconhecida como uma importante característica da identidade nacional, os praticantes da umbanda e candomblé ainda são vítimas do preconceito no Brasil contemporâneo. Para alertar a sociedade para esse fato, o 21 de janeiro foi incluído no calendário cívico como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.

A data é uma homenagem à memória de Mãe Gilda, yalorixá do Terreiro Abassá de Ogum, um dos mais tradicionais da Bahia. Ela teve sua fotografia publicada em um jornal evangélico de grande circulação, associada ao charlatanismo. Depois de sofrer a invasão e depredação de seu templo religioso, a mãe de santo apresentou problemas de saúde que culminaram com a sua morte, provocada por um infarto, em 21 de janeiro de 2000.

Como você se sente sobre este contexto? (1) Indignação com a manifestação de discriminação; (2) preocupação com a falta de consciência crítica das pessoas o que as

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torna instrumento e motor das ideologias de opressão; (3) compaixão em relação à vítima e @ perpetrador@ da violência que me leva a defender os direitos humanos e exigir nos espaços competentes justiça e desconstrução de ideologias.

O que mais lhe toca na cena apresentada? Além de tudo e por tudo, a falta de profissionalismo. Sugestivo de que esta atitude também aconteça em relação a clientes, famílias e comunidades negras ou mesmo não negras, mas que professam religiões de matriz africana. Fica evidente que a implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN implica no monitoramento e avaliação contínuos e regulares para garantia do cuidado de saúde culturalmente pertinente.

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Vislumbra-se uma ponte ao acesso da população negra à saúde conforme se estrutura a organização social d@s detentor@s de ofícios tradicionais de cura junto ao SUS.

Segundo MASA (2012) @s curadores tradicionais se posicionam como sujeitos deste processo organizativo e lutam contra todas as formas de repressão e marginalização dos conhecimentos e saberes tradicionais de cura associados ao uso sustentável da biodiversidade como estratégia de manutenção e repasse de tais conhecimentos.

Na literatura, identificamos como @s detentor@s de ofícios tradicionais de cura: Aprendizes de benzedura, benzedeiras, benzedores, costureir@s de rendidura e/

ou machucadura, curadores, massagistas tradicionais, pajés, parteiras, mezinheir@s, remedieir@s, babalorixás, yalorixás, médiuns (caboclos, pretos-velhos, por ex), Etc.

OLIVEIRA (2002) apresenta estas conceituações • Curandeir@ é alguém que detém um saber de curar por meio de remédios

populares, de preparação caseira, utilizando preferencialmente “garrafadas”, feitas de acordo com receitas especiais e sigilosas, que são meizinhas compostas de raízes, ervas medicinais, Etc. Sabe quais as meizinhas adequadas (do reino vegetal, animal ou mineral) para cada doença, mas necessariamente não precisa conhecer ou preparar os remédios.

• Raizeir@ é uma profissão mais próxima d@ curandeir@, mas é diferente. Dr@ Raiz é alguém que conhece profundamente e prepara os chamados “remédios do mato”, isto é, feitos de planta.

• Rezador ou rezadeira é alguém que possui, “de nascença”, o “dom” da cura por meio de suas orações.

As técnicas de ofício e os cuidados são transmitidos de geração em geração por meio de ricas narrativas, canções, receitas e rezas.

QUAIS SÃO @S TERAPEUTAS TRADICIONAIS AFRO-BRASILEIR@S?

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

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Como preparar “cientificamente” um cháO PROGRAMA FARMÁCIA DA TERRA, atividade permanente

de extensão da UFBA desde 1998, tem como objetivos fortalecer a relação ensino/pesquisa/extensão; através da identificação de plantas medicinais utilizadas em comunidades; otimização do preparo, consumo, armazenamento, plantio e coleta de plantas medicinais; entre outros. Com a implantação das práticas integrativas e complementares no SUS, inicialmente da fitoterapia no SUS no estado da Bahia, o Farmácia da Terra está iniciando atividades de capacitação para os profissionais de nível superior da saúde, para as ações destinadas a atenção básica a saúde , principalmente o PSF e orientações às agentes do PACS.

Cartilhas em:http://www.farmaciadaterra.ufba.br/arquivos/como_preparar_um_

cha.pdf (preparação)Orientações sobre Fitoterapia no PSF: http://www.farmaciadaterra.ufba.br/producoes_tecnicas.htmlhttp://www.farmaciadaterra.ufba.br/arquivos/plantas_medicinais.

pdf (cuidados com as plantas medicinais)

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O lidar com a gestação, o parto e o puerpério e amamentação (cuidados [ou restrições] específicos para a gestante, a parturiente, a puérpera e a nutriz; cuidados específicos com a criança [umbigo, moleira, dentição, Etc.]).

Neste tópico, Tomeleri et al (2009) verificaram em seu estudo que as mães adolescentes utilizam várias práticas populares que fazem parte da cultura local e familiar, tais como amamentação cruzada, utilização de benzimentos, xaropes, chás e orações para tratar intercorrências, além de algumas crenças relacionadas com o coto umbilical, soluços e alteração no sono do bebê. As autoras recomendam aos profissionais de saúde que identifiquem as crenças e práticas das mães adolescentes para então planejar, da melhor forma possível, a assistência a ser prestada ao binômio mãe-filho.

Remédios tradicionais e respectivos problemas de saúde: chás, banhos, infusões, garrafas, Etc.

Neste aspecto, Macedo et al (2004) mapearam os medicamentos de comunidades tradicionais e quilombolas, registrando na Coleção de Referência de Plantas Medicinais no UFMT, Herbário Central. Foram identificadas 36 espécies utilizadas no tratamento de doenças como afecções, feridas e úlceras, erisipelas, herpes labial e verrugas. Destacam-se espécies como: Astronium fraxinifolium Schott.; Bixa orellana L.; Brosimum gaudichaudii Tréc.; Cassia grandis Lf.; Heliotropium indicum L.;Jacaranda brasiliana (Lam.) Pers.; Macrosiphonia velame (St. Hil.) Mull. Arg.; Pistia stratiotes L.; Senna alatal. Roxb., entre outras. Estes vegetais são frequentemente usados na forma de banhos e chás. O órgão vegetal mais utilizado foi as folhas, seguido de cascas do caule, frutos, óleo, raiz, planta inteira, seiva e sementes.

Ainda quanto a medicamentos tradicionais, em sua pesquisa Gentil et al (2010) verificaram que as mães de crianças assistidas em um hospital universitário faziam uso de terapias complementares, tais como chás, benzimento, simpatias, remédios/xaropes caseiros, oração/promessa, tratamento espiritual/parapsicológico, mistura de substâncias desconhecidas/garrafada, entre outras. As ervas mais utilizadas foram: erva-doce, camomila e hortelã. A maioria das mães teve uma percepção de melhora e houve relato de apenas dois casos de efeitos adversos.

OUTRAS PRÁTICAS DE CURA E CUIDADO DE MATRIZ AFRO-BRASILEIRA

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

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Em que pesem os conflitos e as disputas de poder entre as práticas tradicionais de cura e a medicina hegemônica, ilustração e relatos históricos apenas comprovam o que sempre faltou além da interculturalidade:

A busca de evidências científicas sobre os tratamentos tradicionais com os sujeitos destas práticas e a integração ou não das terapias, com base em evidência, assim como dos terapeutas tradicionais no sistema de saúde formal.

Provavelmente por falta de parceria nesta construção, POSSE (2007) tenha constatado em seu estudo sobre plantas medicinais utilizadas por usuári@s do SUS que apenas 6% das plantas citadas no levantamento etnobotânico constam nos Fitoterápicos produzidos pelo Programa de Fitoterapia. A autora concluiu que a falta de identificação cultural com as formas farmacêuticas apresentadas e as indicações pode ser um dos motivos para a pouca adesão dos entrevistados.

Saúde da População Negra Baseada em EvidênciaA pesquisa verificou que as plantas medicinais são as principais formas de

tratamento para a grande maioria dos entrevistados, mesmo diante da disponibilidade de medicamentos alopáticos. Foram evidenciadas: a utilização de plantas como automedicação antes da consulta ao médico, assim como o uso concomitante com o medicamento alopático e, em muitos casos, substituindo-o, sem o conhecimento do médico. A pesquisa destaca a falta de conhecimento dos profissionais da área de saúde sobre a cultura de utilização das plantas medicinais pela população e critica a preferência destes profissionais por terapias alternativas que não fazem parte da cultura popular brasileira, como a acupuntura.

Implicações para a prática clínica:(nível de evidência C recomendação 4)

http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/tabela_nivel_evidencia.pdf- A automedicação um dos principais riscos para a população. - A perda potencial do conhecimento sobre a identificação e a função das plantas

medicinais uma vez que somente as pessoas mais idosas detêm o conhecimento destas ervas.

- O risco à saúde que existe para o cliente ao adquirir uma planta de fontes não certificadas e a substituição do medicamento alopático pelos extratos de plantas medicinais, ou seu uso concomitante sem notificação ao médico.

TRADIÇÃO X HEGEMONIA?

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

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Atividade 3Práticas tradicionais de saúde da

População NegraUnidade 2O encontro clínico

Fonte: VEIGA JUNIOR, V. F da. Estudo do consumo de plantas medicinais na Região Centro-Norte do Estado do Rio de Janeiro: aceitação pelos profissionais de saúde e modo de uso pela população. Rev. bras. farmacogn., João Pessoa, v. 18, n. 2, June 2008 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-695X2008000200027&lng=en&nrm=iso>. access on 17 June 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-695X2008000200027.

Boas Práticas Lei reconhece benzedeiras de Triunfo, PRNum processo de continua luta e organização social das benzedeiras articuladas

no Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA), em 22/02/2012 o Presidente da Câmara Municipal de São João do Triunfo promulgou a lei municipal nº 1.370/11, a qual reconhece a identidade coletiva das benzedeiras de Triunfo, regulariza o livre acesso as plantas medicinais por parte dos detentores de ofícios tradicionais de cura e propõe a construção de política municipal especifica de acolhimento das práticas tradicionais de cura nos sistema formal de saúde.

As benzedeiras comemoraram a conquista da segunda lei de reconhecimento das benzedeiras no Brasil, sendo que a primeira foi conquistada pelas benzedeiras de Rebouças em fevereiro de 2010.

Saiba mais em http://www.parana-online.com.br/colunistas/67/92252/

Saiba mais…Recomendações da OMS para integração de práticas tradicionais de cura no

sistema de saúde formal, complementadas pela POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN.

• Apoiar e integrar a medicina tradicional de matriz afro-brasileira no sistema de saúde nacional em combinação com políticas e regulação de produtos, práticas e curadores.

• Assegurar o uso de produtos e práticas de matriz afro-brasileira seguros, eficazes e de qualidade com base nas evidências disponíveis.

• Reconhecer a medicina tradicional de matriz afro-brasileira como parte da atenção básica de saúde, aumentando o acesso ao cuidado e a preservação do conhecimento e dos recursos de terapeutas tradicionais de matriz afro-brasileira.

• Aumentar a disponibilidade e a credibilidade da medicina tradicional de matriz afro-brasileira, conforme apropriado, com ênfase no acesso para as populações negras.

• Assegurar a segurança d@ paciente por meio da atualização das habilidades e conhecimento dos curadores tradicionais de matriz afro-brasileira.

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Atividade 3Práticas tradicionais de saúde da

População NegraUnidade 2O encontro clínico

As práticas tradicionais de matriz afro-brasileira para a cura e o cuidado de saúde estão intimamente relacionadas às religiões de matriz africana, indígenas e européias. Por conta do vínculo ou origem religiosa, as práticas de saúde tradicionais também sofrem a mesma discriminação vivenciada pelas pessoas que professam as religiões de matriz africana e têm no racismo institucional (incluindo a intolerância religiosa) uma barreira à sua integração no SUS.

Defendemos o Estado laico e a coexistência pacífica e harmoniosa de tod@s: ateus e atéias, religios@s, e espiritualizad@s, então:

Felizmente, uma ponte para o acesso ao SUS já está sendo construída à medida em que Detentores de Ofícios Tradicionais de Cura se organizam para regulamentar o livre acesso dos curadores tradicionais aos postos e hospitais de saúde a fim de realizar suas práticas aos pacientes que as demandam de forma complementar aos seus tratamentos convencionais de saúde.

Outra ponte ao acesso e à integração destas práticas é o desenvolvimento de uma forte linha de pesquisa em etnobotânica no Brasil em parceria com os terapeutas tradicionais de matriz afro-brasileira.

Profissionais de saúde devem ajudar no diálogo da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil, em seus municípios, assim como para a efetivação da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e da Política Nacional das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde no Sistema Público de Saúde, possibilitando a participação efetiva dos Detentores de Ofícios Tradicionais de Cura e outras representações da população negra no controle social.

SÍNTESE SOBRE PRÁTICAS TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRO-BRASILEIRA

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

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Atividade 3Práticas tradicionais de saúde da

População NegraUnidade 2O encontro clínico

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Atividade 3Práticas tradicionais de saúde da

População NegraUnidade 2O encontro clínico

GLOSSÁRIOMedicina tradicional africana: “É um campo extramédico que se inscreve nos marcos de uma cultura tradicional – não integrante das chamadas medicinas alternativas ou paralelas – quando comparada à medicina oficial (ou hipocrática, ou alopática, ou ocidental ou erudita)”. Por sua vez, as medicinas alternativas ou medicinas ditas paralelas são terminologias sinônimas traduzidas por um conceito que engloba todas as práticas de médicos oficiais (egressos de uma escola de medicina alopática) que não são ensinadas em uma escola de medicina oficial, porém gozam de reconhecimento oficial, isto é, são especialidades paralelas, como homeopatia, acupuntura, etc.

Interculturalidade: Modo de coexistência no qual os indivíduos, grupos e instituições, com características culturais e posições diferentes, convivem e interagem de forma aberta, inclusiva, horizontal, respeitosa e se reforçam mutuamente, em um contexto compartilhado.

Multiculturalismo assimilacionista: Uma política assimilacionista vai favorecer que todos (indígenas, negros, homossexuais, deficientes, etc) se integrem na sociedade e sejam incorporados à cultura hegemônica. No entanto, não se mexe na matriz da sociedade, procura-se assimilar os grupos marginalizados e discriminados a valores, mentalidades, conhecimentos socialmente valorizados pela cultura hegemônica (branquidade).

Multiculturalismo diferencialista: Ênfase no reconhecimento da diferença e, para garantir a expressão das diferentes identidades culturais presentes num determinado contexto, garantir espaços em que estas se possam expressar. Afirma-se que somente assim os diferentes grupos socioculturais poderão manter suas matrizes culturais de base.

Multiculturalismo interativo (ou interculturalidade): Adequado para a construção de sociedades democráticas que articulem políticas de igualdade com políticas de identidade e reconhecimento dos diferentes grupos culturais.

Interculturalidade crítica: Trata-se de questionar as diferenças e desigualdades construídas ao longo da História entre diferentes grupos socioculturais, étnico-raciais, de gênero, orientação sexual, entre outros. Parte-se da afirmação de que a interculturalidade aponta à construção de sociedades que assumam as diferenças como constitutivas da democracia e sejam capazes de construir relações novas, verdadeiramente igualitárias entre os diferentes grupos socioculturais, o que supõe empoderar aqueles que foram historicamente inferiorizados.

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Atividade 3Práticas tradicionais de saúde da

População NegraUnidade 2O encontro clínico

• ALMEIDA, M. C. et al. Gênero e saúde: o papel das mulheres negras nas práticas de cura da medicina tradicional africana – um estudo da comunidade negra em Palmeirândia-Maranhão. In: CONGRESSO LUSO AFRO BRASILEIRO, 11., Salvador-BA, 2011. Anais... Salvador: UFBA, 2011. Disponível em: <http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/anais/3/1307670119_ARQUIVO_GENEROESAUDE-EncontroLusoafro.pdf>. • ALVES, Miriam Cristiane; SEMINOTTI, Nedio. Atenção à saúde em uma comunidade tradicional de terreiro. R. Saúde Públ., v. 43, supl. 1, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102009000800013&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102009000800013>.• ARAÚJO, Melvina Afra Mendes de. Bactrins e quebra-pedras. Interface (Botucatu), v. 4, n. 7, p. 103-110, ago. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832000000200008&lng=en>.• BRASIL, Ministério da Saúde. Programa Nacional Plantas Medicinais e Fitoterápicos. [201-]. Disponível Em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1336>.• CANDAU, Vera Maria Ferrão. Diferenças culturais, interculturalidade e educação em direitos humanos. Educ. Soc., Campinas, v. 33, n. 118, mar. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010173302012000100015&lng=en&nrm=iso>.• GENTIL, Luiza Borges; ROBLES, Ana Carolina Couto; GROSSEMAN, Suely. Uso de terapias complementares por mães em seus filhos: estudo em um hospital universitário. Ci. saúde coletiva, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232010000700038&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 17 jun. 2013.• MACEDO M.; FERREIRA, A. R. Plantas medicinais usadas para tratamentos dermatológicos, em comunidades da Bacia do Alto Paraguai, Mato Grosso. R. bras. Farmacogn., v. 14, sup. 0, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-695X2004000300016&lng=en>. • MOVIMENTO APRENDIZES A SABEDORIA. Carta das Benzedeiras. In: ENCONTRO DAS BENZEDEIRAS DO CENTRO SUL DO PARANÁ, 2., 2012, Paraná. Disponível em: <http://www.novacartografiasocial.com/downloads/Noticias_PNCSA/carta%20das%20benzedeiras%20_%202%20encontro%20das%20benzedeiras%20do%20centro%20sul%20do%20parana.pdf>.• NOSSA capa. J. BRAS. PATOL. MED. LAB., Rio de Janeiro, v. 41, n. 1, fev. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-24442005000100001&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 13 jul. 2013.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Atividade 3Práticas tradicionais de saúde da

População NegraUnidade 2O encontro clínico

• OLIVEIRA, Fátima. Saúde da população negra no Brasil. Brasília: OPAS/OMS, 2002. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/0081.pdf>.• PINTO, E. A. et al. O diabo mora ao lado: representações sociais de profissionais de saúde e adeptos do candomblé sobre as práticas de saúde desenvolvidas em terreiros de candomblé no município de São Francisco do Conde, Bahia. SEMINÁRIO NACIONAL SOCIOLOGIA & POLÍTICA, 2011. Anais... [S.l. : UFPR], 2011. v. 2. Disponível em: <http://www.seminariosociologiapolitica.ufpr.br/anais2011/12_461.pdf>. • POSSE, Juliana Costa. Plantas medicinais utilizadas pelos usuários do SUS nos bairros de Paquetá e Santa Teresa: uma abordagem etnobotânica. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. • SÁ, L. et al. Práticas terapêuticas e praticantes de cura na cidade da Parahyba – 1889 a 1920. HERE, v. 2, n. 2, 2011. Disponível em: <http://www.abennacional.org.br/centrodememoria/here/vol2num2artigo10.pdf>.

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Atividade 4O cuidado na perspectiva da PNSIPN

Unidade 2O encontro clínico

A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA-PNSIPN é transversal a todas as ações e programas de saúde centrados n@ paciente e, consequentemente, é também referencial para a aplicação das tecnologias de cuidado de saúde promotoras da autonomia d@ cliente, tais como:

• A comunicação terapêutica;• O alfabetismo em saúde;• O autocuidado apoiado;• A tomada de decisão compartilhada.

Autonomia d@ pacienteSegundo CAMPOS et al ( 2009 ), o princípio da autonomia d@ paciente tem

colocado desafios aos preceitos éticos da prática d@ profissional de saúde na relação com @ paciente.

Por exemplo, há profissionais que se contrapõem à autonomia d@ paciente fazendo valer em sua prática alguma ideologia discriminatória (tal como, sexismo, racismo, heterosexismo, entre outras) camuflada no princípio da beneficência (BRASIL-ANVISA, 2013, pg 168).

A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA-PNSIPN aponta que a desconstrução do racismo institucional está fundada no princípio da autonomia d@ paciente. A autonomia d@ paciente refere-se à responsabilização pelas próprias escolhas como consequência direta de um processo de consentimento informado sobre os cuidados de excelência disponíveis (incluindo as práticas tradicionais afro-brasileiras de cura), sintetizado como tomada de decisão compartilhada.

Assim, o processo de decisão clínica deve ser compartilhado (isento de viés étnico-racial ou outro) entre os profissionais de saúde, @s pacientes e, sempre que necessário, a sua família, sendo esta uma condição fundamental para o gerenciamento do problema de saúde e seu tratamento. Por meio da tomada de decisão compartilhada, @ paciente está dizendo:

“Nada pode ser feito por mim sem eu.”

Saúde da População Negra Baseada em EvidênciaNo âmago da autonomia encontra-se a resiliência. Neste sentido, a pesquisa

de YUNES et al (2007) revelou, por exemplo, um descompasso entre as crenças de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) sobre possibilidades de resiliência (ou seja de

INTRODUÇÃO

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Atividade 4O cuidado na perspectiva da PNSIPN

Unidade 2O encontro clínico

autonomia e capacidade de superação dos problemas,) em famílias monoparentais e de baixa renda e as estratégias de enfrentamento das adversidades que emergem nas histórias de vida destas famílias, ou seja, de autonomia e capacidade de superação dos problemas. YUNES et al concluem chamando a atenção para a necessidade de supervisão direta do trabalho de modo que se transforme e adeque as percepções dos ACS acerca de grupos que vivem situação de pobreza e vulnerabilidade social.

Considerações da pesquisa para a prática clínica:(grau de recomendação C; nível de evidência 4)

http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/tabela_nivel_evidencia.pdf

Os achados do estudo recomendam nomear o fenômeno caracterizado como um “descompasso entre a percepção do ACS sobre a (in)capacidade do(a) usuário(a) superar um problema e a real ação do(a) usuário(a) de modo a se poder tratá-lo efetivamente.

Para se garantir que o cuidado de saúde seja prestado à pessoa e não ao estereótipo é imperioso manter uma supervisão intensiva e continuada do trabalho dos ACS e outros profissionais da US para efetiva implementação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA-PNSIPN e desconstrução do RI.

Referência da pesquisa: YUNES, Maria Angela Mattar; GARCIA, Narjara Mendes; ALBUQUERQUE, Beatriz

de Mello. Monoparentalidade, pobreza e resiliência: entre as crenças dos profissionais e as possibilidades da convivência familiar. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 20, n. 3, 2007 . http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722007000300012&lng=en&nrm=iso.

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Atividade 4O cuidado na perspectiva da PNSIPN

Unidade 2O encontro clínico

Na perspectiva da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN, a comunicação, verbal e não-verbal, adequada demonstra respeito à pessoa negra e sua herança cultural afro-brasileira.

3 dicas de comunicação na perspectiva da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN

1. Cumprimente e apresente-se (#olámeunomeé). Se possível, sorria. Trate @ paciente pelo nome. Pessoas mais velhas:- trate por senhor ou senhora.

2. Olhe nos olhos de forma atenciosa durante a conversação.3. Explique o que faz ou irá fazer, como por exemplo, a coleta do quesito raça/cor.

Experiências prévias negativas com o SUS e outras barreiras ao acesso à saúde por pessoas negras podem torná-las relutantes na prestação das informações.

Não é demais ressaltar que sem respeito não há como superar toda e qualquer barreira ao cuidado de saúde, principalmente o racismo institucional.

O gráfico a seguir sintetiza a atuação profissional conforme a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN no ponto do cuidado de saúde.

COMUNICAÇÃO TERAPÊUTICA DESCONSTRUINDO O RACISMO

INSTITUCIONAL (RI)Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

Conhecimento da Cultura Negra & Consciência sobre o racismo como Determinante Social da Saúde

Prática baseada em evidência sobre a saúde da população negra, centrada na pessoa & família, orientada para a comunidade, integrando a tradição de saúde

de matriz africana ao cuidado

Satisfação d@ clienteRealização profissional & US de excelência

Resultados terpêuticos equânimes & responsivos

Relação profissional-cliente terapêuta

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Atividade 4O cuidado na perspectiva da PNSIPN

Unidade 2O encontro clínico

Adaptado de: Cultural Respect Framework for Aboriginal and Torres Strait Islander Health 2004-2009, Australian Health Ministers’ Advisory Council p10. In: NSW Health. Cultural respect and communication guide, Australia, 2009.

Comunicação terapêutica baseada em evidênciaFontanella et al (2011) em seu estudo observaram a escassez de estudos sobre

as decorrências da diversidade brasileira de hábitos, costumes, valores e tradições no dia a dia dos serviços de saúde. Os autores consideraram que é desejável que @ profissional de saúde, o médico em particular (enquanto formulador de diagnósticos nosológicos), se assegure de que entende o que seus pacientes dizem e, igualmente, de que seus pacientes entendem o que ele, o profissional, diz.

Considerações da pesquisa para a prática clínica:(grau de recomendação B; nível de evidência 3A)

http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/tabela_nivel_evidencia.pdf

Os achados do estudo recomendam que a comunicação terapêutica, enquanto habilidade clínica, tenderia a diminuir o que é “perdido na tradução”, estando a serviço da competência clínica, devendo, portanto, ser desenvolvida por meio de estudos, atualizações e treinamentos.

Referência da pesquisa: FONTANELLA, Bruno José Barcellos et al . Os usuários de álcool, Atenção

Primária à Saúde e o que é “perdido na tradução”. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 15, n. 37, June 2011 . Available from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832011000200020&lng=en&nrm=iso.

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Atividade 4O cuidado na perspectiva da PNSIPN

Unidade 2O encontro clínico

CAMPOS et al (2009) argumentam que para uma decisão clínica efetiva, a informação é fundamental: ela dá poder de controle para @ cliente e é confortante, pois @ cliente sabe o que esperar e age conscientemente pela sua saúde.

Todavia, SANTOS et al (2012) alertam para o fato de que no Brasil há uma péssima correlação entre letramento geral, letramento (ou alfabetismo) em saúde e níveis de escolarização dentre os usuários do Sistema Único de Saúde. Há sérias limitações em entender (não necessariamente ler) informações básicas de saúde como, por exemplo:

@ paciente administrar a dose correta de insulina corretamente no horário correto, sem episódio de hipoglicemia!

O precário alfabetismo em saúde pode ser uma barreira ao cuidado de saúde e isto impacta desfavoravelmente nos custos (aumento das hospitalizações, por ex) e acarreta desfechos clínicos negativos (comprometimento da participação ativa no tratamento, por ex).

Controle social, empoderamento e alfabetismo em saúdeNo contexto da implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA

POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN, o empoderamento d@ paciente é uma estratégia fundamental tanto para sua segurança clínica e desconstrução do RI no ponto do cuidado quanto para a garantia de resultados terapêuticos equânimes. E o processo de empoderamento inclui o alfabetismo em saúde. Para tanto, profissionais de saúde e gestores devem contar com a parceria das instâncias de controle social e de lideranças da comunidade.

O alfabetismo em saúde tem o potencial de melhorar e tornar equânimes os resultados terapêuticos (SANCHEZ et al, 2012), portanto, deve também ser institucionalizado e fazer parte do plano estratégico das Unidades de Saúde quanto à implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA-PNSIPN.

Por ser reconhecido como um recurso poderoso de empoderamento, o alfabetismo em saúde foi incluído como uma estratégia no programa simplificado de educação d@ paciente “Ask me 3™” (BRASIL-ANVISA, 2013).

Uma estratégia para a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN podem ser as:

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

ALFABETISMO EM SAÚDE NA PERSPECTIVA DA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE

INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA-PNSIPN

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Atividade 4O cuidado na perspectiva da PNSIPN

Unidade 2O encontro clínico

QUAL É O MEU PROBLEMA PRINCIPAL?

O QUE EU PRECISO FAZER?

PORQUE É IMPORTANTE EU FAZER ISSO?

“3 cutucadas”

Com as “3 cutucadas”, @ paciente inicia um diálogo fundamental com qualquer profissional de saúde no encontro clínico, tornando-se membro ativo da equipe de saúde.

Recomenda-se que profissionais e organizações de controle social em saúde da população negra encorajem @s pacientes a darem “3 cutucadas” em todo e qualquer evento clínico (consulta, internação, etc).

Além disso, para superar o precário alfabetismo em saúde enquanto uma barreira ao cuidado, recomenda-se também a adesão do profissional a seguinte precaução universal (AHRQ, 2010):

Presuma que todo e qualquer paciente pode ter dificuldade no entendimento da informação de saúde e crie um ambiente no qual tod@ paciente possa ser bem sucedid@.

“Papo reto” – linguagem simples e direta em saúde

Gráfico 2 - Média de anos de estudo da população de 10 anos ou mais, por gerações (grupos de idade), segundo a cor ou raça. Brasil, 2000.

Méd

ia d

e an

os d

e es

tudo

10,0

3,1

até 1920(80 a +)

1920 - 1930(70 a 79)

1930 - 1940(60 a 69)

1940 - 1950(50 a 59)

1950 - 1960(40 a 49)

1960 - 1970(30 a 39)

1970 - 1980(20 a 29)

1980 - 1990(10 a 19)

1,21,7

2,3

3,4

4,8

5,76,3

4,63,84,5

5,8

7,37,9

8,3

5,9

Brancos/as

Pretos/as

Gerações (grupos de idade)

8,0

6,0

4,0

2,0

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Atividade 4O cuidado na perspectiva da PNSIPN

Unidade 2O encontro clínico

O gráfico acima, extraído da pesquisa de FERRARO (2010), evidencia que no Brasil as desigualdades educacionais entre branc@s e negr@s aparecem de forma acentuada.

O gráfico também revela o baixíssimo nível de escolarização da população como um todo o que igualmente impacta sobre os resultados de saúde.

Consequentemente, tod@s pacientes se beneficiam (ou beneficiarão) de uma comunicação terapêutica, simples e direta (sem infantilizações). De um “papo reto”.

Então, na perspectiva da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN, além da precaução universal para desenvolvimento do alfabetismo em saúde é preciso que @ profissional de saúde evite a estereotipização étnico-racial ou cultural e estabeleça um diálogo com linguagem simples e direta com @ paciente, incluindo na sua entrevista clínica perguntas, tais como:

- Dona Maria, eu não estou familiarizado com suas crenças religiosas e valores culturais. A senhora pode me dizer o que eu preciso saber de modo que eu possa tratar da senhora melhor?

- Como você chama a sua doença? Pulso aberto...

Ou...

Ou...

- O que você considera que causou a doença de sua criança?Friagem...

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Atividade 4O cuidado na perspectiva da PNSIPN

Unidade 2O encontro clínico

Ou...- Como o senhor gostaria de ser tratado/cuidado?Ou...- Algum terapeuta tradicional (raizeiro, rezadeira, parteira leiga, etc) ou

liderança religiosa (babalorixá, pastor, padre, etc) lhe aconselhou sobre sua saúde?

Em síntese:• Foque a sua atenção na pessoa (não aos estereótipos étnico-raciais e

culturais ou sociais) e nas suas necessidades de alfabetismo em saúde para o autocuidado.

• Confirme o entendimento d@ paciente sobre o problema de saúde e/ou tratamento, incluindo em cada encontro clínico o método “ensine de volta ou “mostre-me” ou “diga para mim o que entendeu com suas palavras” (teach back), pelo qual você solicita que @ paciente lhe explique o que entendeu sobre conceitos ou instruções recém discutidos, repetindo, se necessário este processo até que você confirme que a mensagem principal foi corretamente entendida.

• E esteja atent@ ao fenômeno da evitação (de ambas as partes): avalie regulamente o grau de participação no tratamento (SANTOS et al, 2012).

Boa prática no SUSReceita médica com colagem e ditado:“Lara Rodrigues Felix, médica do Programa de Saúde da Família de Tiradentes,

em Minas Gerais, inverteu a lógica de atendimento do Posto de Saúde onde trabalha. (...)A população idosa tem uma grande dificuldade para compreender as razões de suas dores e, principalmente, para organizar os horários das medicações. Embora encontre resistência da equipe médica e dos próprios pacientes que a cada hora se somam à fila, ela insiste em gastar no mínimo 30 minutos em cada atendimento. Para contornar o analfabetismo agressivo que existe na comunidade, ela usa desenhos, símbolos e colagens nas receitas médicas.

Leia em http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/receita+medica+com+colagem+e+ditado/n1237768999584.html

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Unidade 2O encontro clínico

Pesquisas evidenciaram que 40-80 % das orientações d@ profissional de saúde são esquecidas imediatamente e metade do que restou de orientação de saúde é retido incorretamente.

NEGARANDEH et al (2013), em sua pesquisa com grupo controle e randomizado de pacientes com diabetes tipo 2 e com baixo grau de alfabetismo em saúde, constataram que também a técnica “ensine de volta” aumentou o conhecimento, assim como a adesão aos medicamentos e dieta. Os autores recomendam o uso da técnica “ensine de volta” conforme as condições dos pacientes.

É fácil superar esta barreira de comunicação cultural, inclusive, com o método “ensine de volta” ou “mostre-me” ou “diga para mim o que entendeu com suas próprias palavras” (teach back).

Por este método você, profissional de saúde, em todo e qualquer encontro clínico você solicita que @ paciente lhe demonstre o que apreendeu sobre o que você acabou de demonstrar (administração de insulina, por ex). Ou você solicita que @ paciente lhe diga o que entendeu sobre o que você acabou de explicar (horários, e efeitos da antibioticoterapia, por ex). Assim, o entendimento ou habilidade d@ paciente é verificado quando el@ explica ou mostra de volta para você. Se necessário este processo é repetido, buscando formas alternativas de promover o aprendizado, até que você confirme que a mensagem principal foi corretamente entendida.

Cabe ressaltar: “ensine de volta” não é um teste de conhecimento para @ paciente, é na realidade um teste de como você explica e demonstra de forma simples e correta o conceito ou o cuidado de saúde.

“Saiba Mais”Sugerimos o estudo para o desenvolvimento de habilidade de comunicação

terapêutica, em especial a comunicação não-verbal que muito se relaciona com as formas modernas de racismo e outras discriminações. Este estudo lhe será extremamente útil no cuidado de saúde e em sua carreira profissional. Saiba mais em:

Ceron, M. Habilidades de comunicação: abordagem centrada na pessoa. Módulo Psicossocial. Estratégia Saúde da Família. Disponível em http://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/modulo_psicossocial/Unidade_17.pdf

Sobre letramento em saúde e teach back, sugerimos a leitura de: SANTOS, Luanda T. M. et al . Letramento em saúde: importância da avaliação em nefrologia. J. Bras.

ALFABETISMO EM SAÚDE & MOSTRE-ME (TEACH-BACK)

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

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Unidade 2O encontro clínico

Nefrol., São Paulo , v. 34, n. 3, Sept. 2012 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-28002012000300014&lng=en&nrm=iso>. access on 05 July 2014. http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20120014.

“Atividades integradas” Ter como profissão o valioso trabalho de aliviar a dor e o sofrimento da pessoa

pode também ser gerador de profundo estresse para o profissional.Desenvolver tanto a habilidade de reconhecer o sofrimento, como a habilidade

de enfrentá-lo é uma condição para o encontro clínico (estado de serenidade mental, segundo CERON, [sd]) quanto chegar à aposentadoria mentalmente saudável e orgulhoso(a) com a trajetória profissional percorrida. No sentido de ajudar você a cuidar cada vez mais e melhor sugerimos que assista a este vídeo (tem legendas em português).

Compartilhe com seus colegas suas impressões sobre o vídeo e suas estratégias para a resolução do estresse profissional.

Autocuidado apoiadoSe o senso comum nos leva a crer que é motivar as pessoas a assumirem

comportamentos saudáveis é uma tarefa árdua e frustrante, as evidências científicas mostram que o choque cultural entre paciente e sistema de saúde é uma e importante barreira à adesão ao cuidado de saúde, seja ele preventivo ou curativo.

Na perspectiva da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA-PNSIPN, tanto a desconstrução do racismo institucional quanto o alcance de resultados terapêuticos equânimes podem ser obtidos com a garantia da autonomia d@ paciente e do respeito à sua herança cultural de matriz afro-brasileira. É com esta compreensão que se avalia a motivação d@ paciente para a mudança ou adesão ao tratamento.

A implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN no ponto do cuidado se concretiza à medida em que o plano terapêutico é proposto de forma negociada e tem as suas metas pactuadas entre paciente e profissional de saúde, incluindo no acordo o monitoramento periódico, a garantia de habilidade d@ paciente em resolver problemas, entre outras.

Considerando que as crenças culturais exercem um papel no processo de cuidado em saúde, uma tecnologia leve de cuidado como a entrevista motivacional (EM), por exemplo, já se mostrou eficaz, segundo BANDINELLI et al ( 2013 ), em situações clínicas como AVC, diabetes, exercícios físicos, adesão aos medicamentos, entre outras, tratadas em áreas como a internação hospitalar, ambulatório hospitalar, clínica e postos de saúde (nestes casos, uma forma simplificada da EM: a comunicação motivacional).

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Unidade 2O encontro clínico

Boas práticas no SUS – Autocuidado apoiadoSMS-Curitiba/PR – Autocuidado apoiado. É possível realizar: http://www.saude.

curitiba.pr.gov.br/index.php/programas/saude-adulto/autocuidado.

Contra - exemploGOMES, Annatália Meneses de Amorim; NATIONS, Marilyn K.; LUZ, Madel

Therezinha. Pisada como pano de chão: experiência de violência hospitalar no Nordeste Brasileiro. Saude soc., São Paulo , v. 17, n. 1, Mar. 2008 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902008000100006&lng=en&nrm=iso>. access on 09 Nov. 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902008000100006.

Autocuidado apoiado: saiba maisNeste manual feito pensando no profissional que atua na Atenção Básica, você

terá informações detalhadas e práticas sobre estratégias, tais como: motivação para a mudança, entrevista motivacional, resolução de problemas, prevenção de recaídas e grupo operativo. O manual tem ainda de uma parte dedicada ao Apoio ao autocuidado e outra sobre a Oficina de Reeducação Alimentar.

CAVALCANTI, AM et al - Autocuidado apoiado: manual do profissional de saúde -- Curitiba : Secretaria Municipal da Saúde, 2012. Disponível em http://apsredes.org/site2012/wp-content/uploads/2012/11/manual_auto-cuidado_curitiba.pdf

Saúde da População Negra Baseada em EvidênciaA pesquisa revelou que quanto maior a convicção d@ pacientes negr@ na

integração de sua cultura pel@s profissionais de saúde ao tratamento do HIV, melhor era o relato de saúde (F1,138=0.151, P=0.05) e mais @s pacientes aderiam ao aconselhamento e ensino de seus profissionais de saúde (autocuidado clínico; F1,138=0.029, P=0.05).

Participantes que confiavam em seus profissionais de saúde engajaram-se em mais ações de autocuidado (F1,138=0.280, P=0.01).

Mais decisões clínicas compartilhadas foram relatadas entre participantes que tinham maior nível de escolarização (F1,127=0.337, P=0.05).

Considerações da pesquisa para a prática clínica (grau de recomendação B; nível de evidência 2B)

http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/tabela_nivel_evidencia.pdf

1. Os achados da pesquisa indicam é possível o encontro clínico isento de discriminação.

2. Os achados da pesquisa indicam que o encontro clínico isento de discriminação é terapêutico.

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Além disso, há necessidade de aumentar a atenção para o papel da competência cultural d@ profissional de saúde no cuidado d@ paciente portador de HIV/AIDS.

Foi evidenciado que o entendimento das crenças e percepções d@ paciente pel@ profissional de saúde culturalmente competente tem o potencial de aumentar a adesão ao tratamento do HIV e os resultados de saúde.

Fonte: GASTON, GB. African-Americans’ perceptions of health care provider cultural competence that promote HIV medical self-care and antiretroviral medication adherence. AIDS Care. 2013;25(9):1159-65. doi: 10.1080/09540121.2012.752783.

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Unidade 2O encontro clínico

Segundo CAMPOS et al (2009), existem • A decisão clínica: que compreende tanto o diagnóstico como a avaliação clínica

e a deliberação daquilo que vai ser executado e, complementarmente, • O processo de tomada de decisão compartilhada, ou seja, uma série de

decisões tomadas pel@ profissional de saúde em interação com @ cliente quanto:

• Ao tipo de observações a serem feitas referentes à sua condição,• À avaliação dos dados observados e consequente derivação de significados

(diagnóstico) • Ao conjunto de cuidados ou tratamentos que devem ser implementados com

ou pel@ cliente, observando suas preferências. Cabe notar que que para a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA

POPULAÇÃO NEGRA-PNSIPN uma Unidade de Saúde isenta de racismo institucional tem como referencial de prática o cuidado de saúde centrado na pessoa negra e culturalmente responsivo às suas necessidades. Neste contexto, além da autonomia, do alfabetismo em saúde e do autocuidado como tecnologias fundamentais, também é preciso que a tomada de decisão compartilhada seja do atendimento em saúde.

Para a tomada de decisão compartilhada, enquanto uma técnica fundamental de cuidado, Elwyn et al (2012) propuseram um modelo sobre como implementá-la em 3 etapas:

a) apresentação da escolha;b) descrição das opções, geralmente incluindo o sistema de apoio d@ cliente

familiar, por ex);c) ajuda na exploração das preferências e tomada de decisão.Na perspectiva da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO

NEGRA-PNSIPN no ponto do cuidado, a tomada de decisão compartilhada como prática institucional deve compreender as seguintes etapas:

1. Apresentação da escolha; 2. Descrição das opções tanto da medicina ocidental quanto da medicina de

matriz afro-brasileira;3. Ajuda na exploração das preferências e tomada de decisão, geralmente

incluindo o sistema de apoio d@ cliente (familiar e religioso, por ex) e solicitação do “ensine de volta”;

4. Autocuidado apoiado.

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

TOMADA DE DECISÃO COMPARTILHADA & A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL

DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN

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A desconstrução do racismo institucional no SUS e o alcance de resultados terapêuticos étnico-raciais equânimes podem ser alcançados com o cuidado de saúde baseado em evidência científica, acessível à população negra e culturalmente adequado, incluindo como opção as práticas tradicionais de matriz afro-brasileira.

No ponto do cuidado, a implantação da POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN está fortemente relacionada à sua consciência profissional e crítica sobre o racismo como um determinante social da saúde, ao seu conhecimento sobre cultura negra e, principalmente, ao seu papel social na manutenção de ideologias de poder & privilégio.

Isto porque todas as tecnologias de cuidado de saúde necessárias também à saúde da população negra já existiam antes da política. Em termos de cuidado de saúde, nada de novo está sendo proposto para a saúde da população negra.

O que a POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA-PNSIPN propõe não é novo, é somente revolucionário:

Cuide d@ paciente, não do estereótipo étnico-racial, cultural ou religioso de origem afro-brasileira, da seguinte forma:

• Respeite as crenças culturais d@ paciente.• Entenda que a sua visão d@ paciente pode ser distorcida por estereótipos

étnicos-raciais e culturais relacionados à população negra.• Esteja consciente de seus próprios viéses e preconceitos.• Identifique suas limitações quanto à abordagem clínica dos determinantes

sociais da saúde, como o racismo institucional, e procure corrigí-las por meio da educação permanente, por exemplo, e da colaboração com a implantação da . POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA-PNSIPN na sua Unidade de Saúde.

Autora: Isabel Cristina Fonseca da Cruz

SÍNTESE SOBRE O CUIDADO CULTURAL NA PERSPECTIVA DA POLÍTICA NACIONAL DE

SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA - PNSIPN

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GLOSSÁRIO

Princípio da beneficência: Refere-se à obrigação ética de maximizar o benefício e minimizar o prejuízo. O profissional deve ter a maior convicção e informação técnica possíveis que assegurem ser o ato médico benéfico ao paciente (ação que faz o bem). Como o princípio da beneficência proíbe infligir dano deliberado, esse fato é destacado pelo princípio da não-maleficência. Esse, estabelece que a ação do médico sempre deve causar o menor prejuízo ou agravos à saúde do paciente (ação que não faz o mal). É universalmente consagrado através do aforismo hipocrático primum non nocere (primeiro não prejudicar), cuja finalidade é reduzir os efeitos adversos ou indesejáveis das ações diagnósticas e terapêuticas no ser humano.Fonte: CREMESP. http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Publicacoes&acao=detalhes_capitulos&cod_capitulo=53

Diferença cultural: Há quem afirme que toda “identidade é um assunto de contingência política e não ontológica”, por isso, a atitude mais efetiva contra o racismo seria estar conscientemente sempre se transformando por meio da incorporação da diferença. Fonte: MARTINS, et al Conflitos e ambiguidades sobre diferença cultural: alguns impactos para a arteeducação pós-moderna e a cultura visual. Revista Digital do LAV - Ano III – Número 04 – Março de 2010. Disponível em http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/revislav/issue/view/137

Alfabetismo em saúde (health literacy): É a habilidade de obter, processar e entender a informação de saúde para a tomada de decisão informada sobre o cuidado de saúde. Compreende o uso do letramento como o de outras habilidades (por ex, ouvir) para a realização do autocuidado.

Etnofarmacologia: Estudos etnobotânicos de registro de plantas, seus usos e formas terapêuticas (plantas medicinais) por grupos humanos têm oferecido a base para diversos estudos básicos e aplicados, especialmente no campo da fitoquímica e farmacologia, inclusive como ferramenta para o descobrimento de novas drogas. Nesse contexto insere-se a Etnofarmacologia, como um ramo da Etnobiologia/Etnobotânica que trata das práticas médicas, especialmente remédios, usados em sistemas tradicionais de medicina.Fonte: LEITÃO, S. A etnobotânica e a etnofarmacologia como ferramentas para a busca de novas drogas de origem vegetal. FIOCRUZ/ENSP. 2002. Disponível em http://www6.ensp.fiocruz.br/visa/?q=node/5509

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• AGENCY FOR HEALTHCARE RESEARCH AND QUALITY. Health literacy universal precautions toolkit [S.l.], 2010. Disponível em: <http://www.ahrq.gov/professionals/quality-patient-safety/quality-resources/tools/literacy-toolkit/index.html>. • BANDINELLI, L. et al. A entrevista motivacional e sua aplicabilidade em diferentes contextos: uma revisão sistemática. Diaphora, v. 13, n. 1, 2013. Disponível em: <http://www.sprgs.org.br/revista/ojs/index.php/diaphora/article/viewFile/48/53>.• BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Manual segurança do paciente e qualidade em serviços de saúde: uma reflexão teórica aplicada à prática. Brasília: Anvisa, 2013.• CAMPOS, Diana Catarina Ferreira de; GRAVETO, João Manuel Garcia do Nascimento. Papel do enfermeiro e envolvimento do cliente no processo de tomada de decisão clínica. R. Latino-Amer. Enferm., Ribeirão Preto, v. 17, n. 6, dez. 2009.• ELWYN, G. et al. Shared decision making: a model for clinical practice. J. Gen. Intern. Med., v. 27, n. 10, p. 1361- p. 1361-67, out. 2012. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3445676/#!po=63.3333>.• FERRARO, Alceu Ravanello. Escolarização no Brasil: articulando as perspectivas de gênero, raça e classe social. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 36, n. 2, ago. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022010000200006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 09 nov. 2013.• SANCHEZ, Raquel Maia; CICONELLI, Rozana Mesquita. Conceitos de acesso à saúde. R. Pan-Amer. Salud Publ., Washington, v. 31, n. 3, Mar. 2012. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1020-49892012000300012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 09 nov. 2013. • SANTOS, Luanda T. M. et al. Letramento em saúde: importância da avaliação em nefrologia. J. Bras. Nefrol., São Paulo, v. 34, n. 3, set. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-28002012000300014&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 09 nov. 2013.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS