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2 Referencial Teórico
Situando o tema da identificação organizacional dentro do amplo espectro
da Administração, devemos reconhecer, segundo Aktouf (1994), que esta última
é uma área do conhecimento dominada pela ideologia antes da ciência. O autor
também aponta para uma circularidade na produção teórica neste campo de
estudo, no qual o caráter prescritivo e normativo sempre nos reconduz às
mesmas concepções fundamentais com relação à empresa, ao dirigente, ao
empregado, à motivação e ao comportamento. Assim, a Administração não se
basta em si mesma para analisar a realidade social em profundidade, fazendo
com que seus pesquisadores tenham que, cada vez mais, beber na fonte de
várias outras disciplinas, como a Antropologia, História, Economia, Sociologia,
Psicologia e a Lingüística, por exemplo.
Chanlat (1998), por sua vez, confessa que, como sociólogo e professor em
uma instituição de ensino de Administração, se sente profundamente
incomodado com três constatações que têm sido amplamente reforçadas nas
transformações vivenciadas pelas sociedades contemporâneas ao longo das
últimas décadas: a hegemonia do econômico, o culto à empresa e a influência
crescente do pensamento empresarial sobre as pessoas. Nesta “evolução”, a
literatura sobre Administração foi afastando o seu foco principal da questão
essencial de como a gestão trata os seres humanos, e nesse sentido o autor
apela para a retomada do projeto intelectual das ciências sociais, enfatizando a
necessidade da sua construção sob o enfoque ampliado de uma antropologia
geral.
Machado e Kopittke (2002), em seu estudo teórico sobre a identidade no
contexto organizacional, lembram que os indivíduos constroem representações
sobre as suas experiências e vivência nas organizações das quais fazem parte,
e que esses esquemas mentais contribuem para que conduzam as suas próprias
ações na esfera profissional. Os autores, então, apresentam quatro perspectivas
distintas de estudo da identidade, a saber: a pessoal; a social; a identidade no
trabalho e a identidade organizacional.
Referencial Teórico 21
As distinções existentes entre os quatro níveis de análise acima estão
sintetizadas no quadro 1:
Quadro 1 – Distinções entre níveis de estudo da identidade
Tipo de identidade
Objeto de estudo
Meios de realização
Ocorrência de acordo com as fases
Espaços de construção
Finalidades
Pessoal A construção do autoconceito ao longo da vida do indivíduo
Diversos relacionamentos sociais em diferentes esferas
Permanente, ocorrendo em todas as fases da vida
Múltiplos relacionamentos
Conformação do eu, em direção ao processo de individuação
Social A construção do auto conceito pela vinculação a grupos sociais
Interação a grupos sociais com finalidades diversas
Permanente na vida do indivíduo
Múltiplos grupos Orientar e legitimar a ação, por meio do reconhecimento e da vinculação social
Identidade no trabalho
A construção do eu pela atividade que realiza e pelas pessoas com as quais tem contato no trabalho
Interação com a atividade e com as pessoas no trabalho
Na juventude, na idade adulta e até a aposentadoria
Múltiplas atividades e grupos profissionais
Contribuir para a formação da identidade pessoal e atuar como fator motivacional
Identidade organizacional
A construção do conceito de si, vinculado à organização na qual trabalha
Interação com uma instituição (com seus valores, objetivos, missão e práticas)
A partir da juventude, enquanto estiver vinculado a alguma instituição
Pode ocorrer em uma ou em múltiplas organizações
Incorporar as instituições no imaginário, de forma a consolidar a identidade pessoal
Fonte: Machado e Kopittke, 2002.
Apesar das abordagens sintetizadas no quadro 1 não ocorrerem de forma
isolada na vida do funcionário de uma empresa pública, a presente dissertação
se concentra mais nos dois últimos tipos, ou seja, na identidade no trabalho e na
identidade organizacional.
A identidade de uma organização reflete a forma pela qual os seus
membros integrantes a constroem e a percebem coletivamente. Em um artigo
considerado por Foreman e Whetten (2002) como “seminal” para o estudo da
Referencial Teórico 22
identidade organizacional (Albert & Whetten, 1985) fazem referência a trabalhos
anteriores de diversos autores que estendem o conceito de identidade individual
ao universo das organizações, tratando-as também como atores conscientes sob
a forma de sistemas sociais. Eles também destacam três características
fundamentais em qualquer identidade organizacional: a centralidade, baseada na
real essência da organização, a singularidade, que se refere às características
que a fazem única perante qualquer outra organização, e a continuidade , que
representa o seu aspecto duradouro e consistente ao longo do tempo.
Para que se entenda o conceito de identidade organizacional e as
características inerentes ao processo de identificação dos indivíduos com a
organização, é necessário recorrer às teorias que tratam da noção de identidade
social, objeto do próximo segmento.
2.1. A Teoria da Identidade Social - TIS
A Teoria da Identidade Social (TIS), segundo Ashforth & Mael (1989),
apresenta uma perspectiva sócio-psicológica, desenvolvida, principalmente,
através dos estudos realizados por Henri Tajfel e John Turner, que chegaram a
trabalhar conjuntamente no seu desenvolvimento. A abordagem conceitual
empregada na TIS é fortemente influenciada por aspectos inerentes à Psicologia
Social, mais especificamente os relativos à definição do autoconceito no estudo
da personalidade humana. Segundo a TIS, o autoconceito de um indivíduo é
constituído em parte por uma identidade pessoal, que abrange seus atributos
idiossincráticos (jeito de ser, gostos e preferências, aspecto físico, estilos e
habilidades), e de uma outra parte correspondente à identidade social,
decorrente da sua autoclassificação dentro dos grupos sociais nos quais se
considera inserido (nacionalidade, sexo, raça, geração, profissão, postura
política, religião, etc.). Neste construto, Ashforth & Mael (1989) propõem a
existência de um “agrupamento psicológico”, definido como sendo “um conjunto
de pessoas que compartilham a mesma identificação social ou se auto definem
como pertencentes a uma mesma categoria social”. As pessoas teriam, então, a
necessidade de se autoclassificarem dentro de cada uma destas categorias, se
encaixando em diversos “grupos psicológicos” distintos, formados por elas e
Referencial Teórico 23
pelas outras pessoas do seu círculo de relacionamentos, também classificadas
segundo o mesmo critério.
Esta classificação social possuiria duas funções básicas. Primeiramente
possibilita o ordenamento do ambiente social através de um processo de
segmentação cognitiva (classificações), provendo o indivíduo com uma
sistemática estruturada para a definição do outro. Assim, uma pessoa passa a
ser vista a priori como possuidora dos mesmos atributos inerentes aos grupos
aos quais pertence, formando os protótipos. Em segundo lugar, a classificação
social capacita o indivíduo a se situar e mesmo se autodefinir perante a
sociedade.
Estes dois atributos cognitivos de classificação social formam a base do
conceito de identificação social (Ashforth & Mael, 1989), ou seja, a identificação
social pode ser definida como a percepção ou sensação de pertencimento a um
grupo, grupo este dotado de um senso de unicidade capaz de definir, em grande
parte, a identidade dos seus componentes. A identificação organizacional,
portanto, seria um caso particular de identificação social.
Por meio de sua identificação com um grupo, as pessoas se tornam
psicologicamente ligadas a ele e a seu destino futuro, passando, assim, a
vivenciar, de forma compartilhada, tanto os seus sucessos como os seus
eventuais fracassos.
O senso de pertencimento a um grupo será reforçado na medida em que
este possuir características compatíveis com a própria identidade individual dos
seus membros (Strauss, 1959, apud Child & Rodrigues, 2001). Desta forma,
estas características terminam por exercer uma forte influência na construção da
identidade dos seus integrantes. Tais peculiaridades também fazem com que o
grupo adquira uma uniformidade interna de caráter exclusivo, tornado-o
diferenciado perante outros grupos. Os grupos costumam diferir entre si em
termos de valores, experiências e comportamentos, e a dinâmica das relações
sociais contidas nas interações inter-pessoais entre os seus constituintes
estimula e retroalimenta o seu compromisso de afiliação.
Child & Rodrigues (2001) alertam para o fato de que a identidade individual
está relacionada à concepção que as pessoas fazem de si mesmas. A Psicologia
Referencial Teórico 24
geralmente associa a identidade àquelas características cognitivas, emocionais e
comportamentais que se mantêm estáveis ao longo da biografia e da carreira de
um dado indivíduo. A construção da identidade é vista como um processo
eminentemente informacional e seletivo, na medida em que retira do próprio
ambiente as fontes de informação consideradas relevantes para a formação do
autoconceito da pessoa, tais como suas habilidades, conhecimentos e
competências.
São vários os tipos de fontes de informação que contribuem para a
construção do autoconceito: as atividades que os indivíduos desenvolvem, os
papéis que desempenham em diferentes contextos, e os próprios grupos com os
quais interagem. Neste processo, os significados são retirados das fontes com
as quais conseguem estabelecer ligações emocionais de maior valor – “os outros
relevantes”, não importando se são outras pessoas, grupos, ou mesmo uma
completa escala de valores a serem seguidos (Foote, 1951, apud Child &
Rodrigues, 2001). Assim, a definição do autoconceito de um indivíduo teria como
base (ao menos em parte) o grupo ou as categorias sociais às quais a pessoa se
considera ligada. A construção da identidade social, de acordo com a TIS, é
predominantemente relacional e dependente do ambiente, no sentido de que o
autoconceito pode sofrer modificações decorrentes das interações dos próprios
indivíduos com outras pessoas e com o meio que os cerca (Ashforth & Mael,
1989).
2.2. Identidade Organizacional sob a Ótica das Práticas Discursivas
Apesar de haver uma predominância da Teoria da Identidade Social na
produção acadêmica a respeito do tema ao longo das duas últimas décadas,
cumpre ressaltar a existência de visões alternativas sobre a questão da
construção da identidade organizacional. Johansson & Rasmussen (2001) frisam
que o pensamento construtivista social, difundido especialmente por
Czarniawska, Sevón, Latour e Bruner no estudo das narrativas e sua tradução
para o processo de aprendizado, considera que as histórias dos membros da
organização são de vital importância para o processo de construção de suas
identidades. O pressuposto fundamental desta corrente reside no fato de que a
maior parte do que é aprendido pelos indivíduos é organizado sob a forma de
Referencial Teórico 25
narrativas (Bruner, 1986, apud Johansson & Rasmussen, 2001), nas quais os
atores, suas intenções e suas ações, assim como os contextos onde estão
inseridos, são todos considerados elementos essenciais. Os indivíduos baseiam
a construção da sua realidade pessoal e subjetiva nas interpretações e
negociações com os outros atores, buscando atingir, mesmo que a grosso modo,
um senso comum. Isto pode ser visto como sendo um processo de tradução, ao
longo do qual o conhecimento sobre o mundo social do qual se faz parte evolui
progressivamente. Os diferentes padrões de conduta estão sujeitos a múltiplas
interpretações, que podem ser questionadas e modificadas, e o processo de
tradução se mostra capaz de alterar não só o que é traduzido, como também
quem procede a tradução (Johansson & Rasmussen, 2001).
Desta forma, Johansson & Rasmussen (2001) concluem que esta corrente
teórica preconiza o conceito de identidade organizacional como advindo do fato
da identidade ser fruto das interações dos indivíduos com o ambiente por meio
das suas práticas de narrativa. Na construção da identidade, a relativização
precede a individualidade, e a identidade deixa de possuir sentido como
propriedade fixa ou estática. Ao invés disso, ela é negociada, aceita e rejeitada
pelos atores que se auto-apresentam e reagem às apresentações alheias.
Outra visão importante no contexto da identidade social é a de Pages et al.
(1993), que utilizam uma linha alternativa para conhecer o indivíduo e a
realidade, na qual afirmam que o discurso alia, simultaneamente, informação
sobre uma realidade objetiva exterior ao indivíduo e a respeito do seu universo
mental. Assim, o discurso de cada indivíduo seria, ao mesmo tempo, coletivo e
individual. O lado coletivo abrange a revelação das estruturas e relações entre
fenômenos que afetam os membros de uma dada coletividade e aborda tanto as
similaridades quanto às complementaridades dos diferentes discursos individuais
dos diversos integrantes.
2.3. O Processo de Identificação
No seu estudo sobre identificação (tema do presente trabalho), Ashforth &
Mael (1989) chamam a atenção para diversos aspectos importantes e peculiares
Referencial Teórico 26
deste processo. Segundo a definição postulada pela Teoria da Identidade Social,
a identificação social é a percepção de unidade com ou o pertencimento a algum
dado agrupamento humano. Quando uma pessoa se define como homem,
brasileiro, engenheiro, flamenguista e católico, por exemplo, ela passa a se
perceber como membro efetivo ou simbólico destes grupos, assumindo os
destinos de cada um deles como sendo o seu próprio. Assim, a identificação
social do indivíduo procura trazer respostas para a pergunta “Quem sou eu?”.
Este processo é eminentemente relacional e comparativo (Tajfel & Turner,
1985), afinal a categoria dos “magros” deixa de fazer sentido sem a dos
“gordos”, ou seja, o indivíduo se auto-define sempre em comparação com os
componentes de outras categorias. Apesar de marcadamente categórico, o grau
de identificação de cada indivíduo pode variar drasticamente dentro de cada
categoria.
Uma decorrência imediata do processo classificatório de identificação é a
imagem que indivíduo adquire ou busca adquirir. Assim, as diversas identidades
são vistas de forma positiva tanto quanto se aproximem das características
apreciadas pela escala de valor daquele indivíduo, normalmente já fortemente
influenciadas pelos grupos dos quais faz parte.
Segundo Ashforth & Mael (1989), a literatura sobre identificação com
grupos aborda quatro tópicos considerados fundamentais. O primeiro é seu
aspecto puramente cognitivo, sem ser necessariamente associado com estados
de emoção ou comportamento, vistos somente como potenciais antecedentes ou
conseqüências da identificação. Desta forma, segundo esta linha, fica clara
distinção entre identificação, dedicação (esforço para o bem do grupo) e
lealdade (ligação afetiva com ele). Esta é uma questão de muita controvérsia
entre os estudiosos da TIS.
O segundo aspecto relevante nesta visão de identificação é o da vivência
compartilhada pelos integrantes dos eventuais sucessos ou fracassos de um
determinado grupo. Por isso se explica o fato da identificação do indivíduo não
se alterar mesmo em casos de grande perda, sofrimento, ou falhas.
O terceiro tópico diz respeito à distinção entre os conceitos de identificação
social e internalização. No primeiro caso, o indivíduo se referencia em termos de
Referencial Teórico 27
categorias sociais (eu sou), enquanto no segundo é levada em conta a
incorporação de valores, atitudes e outros atributos de alta significação para que
a pessoa elabore os seus “princípios de vida” (eu acredito). Esta distinção é
necessária para o entendimento de que a aceitação de uma determinada
classificação social (grupo) para a formação do autoconceito não
necessariamente implica na tácita concordância pelo indivíduo com os valores
ou atitudes deste mesmo grupo. Um funcionário pode se definir como
identificado com a empresa em que trabalha, mesmo não concordando com
seus valores fundamentais, estratégia ou estrutura de comando, por exemplo.
A quarta noção importante apontada pela literatura sobre a identificação
com grupos é a de que os processos de se identificar, tanto com um dado grupo
como com uma pessoa ou mesmo com um determinado papel de reciprocidade
(marido e mulher, pai e filho, médico e paciente), têm a mesma importância na
construção do autoconceito de um indivíduo como instrumentos de referência
social.
A TIS preconiza que um dos motivos pelos quais o indivíduo se identifica
com categorias sociais é a busca pelo aumento de sua auto-estima. Através da
identificação social e dos processos de comparação, a pessoa se “associa” aos
sucessos e ao status pertinentes àquele determinado grupo. Isto é comprovado
por estudos que indicam que as comparações entre diferentes grupos, tanto
positivas quanto negativas, terminam por afetar a auto-estima dos seus
integrantes da mesma maneira (Ashforth & Mael, 1995).
Cumpre ressaltar que o indivíduo pode se sentir identificado não só com a
organização como um todo, mas também com o seu grupo de trabalho (colegas
mais próximos), departamento, sindicato, categoria profissional, colegas com o
mesmo tempo de empresa, etc. Sobre organizações, Albert & Whetten (1985)
propõem duas classificações em termos de estilos de identidade: as
organizações holográficas e as ideográficas. Organizações holográficas seriam
aquelas nas quais os indivíduos, independente das subunidades às quais
estejam vinculados, compartilham da mesma identidade organizacional.
Organizações ideográficas, por sua vez, seriam aquelas nas quais cada uma de
suas subunidades possui uma identidade característica, vivenciada somente por
seus integrantes.
Referencial Teórico 28
Pratt (1998) associa o processo de identificação social a quatro aspectos:
segurança psicológica – a identificação funciona como um mecanismo de cópia
que as pessoas utilizam para resolver suas inconsistências emocionais; afiliação:
associada à necessidade do indivíduo se perceber como membro de um grupo
(agregação), a fim de vencer o isolamento social; auto-valorização: o indivíduo
busca imitar o comportamento daquele que ele julga importante para o seu
engrandecimento, para a construção de um autoconceito positivo; significado: o
indivíduo busca referência de valores para incorporar ao seu comportamento,
como forma de atribuir um propósito à sua vida.
Ashforth & Mael (1989) alertam para uma confusão muito comum nos
diferentes estudos dentro deste campo, no que tange aos conceitos de
identificação com a organização e comprometimento. Alguns teóricos não fazem
distinção entre estes conceitos, tratando-os como sinônimos, enquanto outros
estudiosos consideram a identificação como sendo um dos componentes do
comprometimento.
Autores do Organizational Commitment Questionnaire (OCQ) –
Questionário de Comprometimento Organizacional - instrumento popularizado
nos EUA ao longo da década de 80, Mowday, Steers & Porter definiam
comprometimento como “a força relativa com que um indivíduo se identifica e se
envolve em uma dada organização”. Na sua visão, o comprometimento se
caracteriza pela (a) crença e aceitação pelo do indivíduo das metas e valores da
organização; (b) disposição para se sacrificar em prol da organização e (c)
desejo de manter sua afiliação com a organização.
Citando este exemplo, Ashforth & Mael não vislumbram a presença de
identificação (na forma como é definida na TIS) no construto do OCQ, mas sim
de internalização, intenções comportamentais e afeto. A identificação é um
atributo específico de cada organização, enquanto internalização e
comprometimento nem sempre o são, uma vez que os objetivos e valores de
uma dada organização podem ser compartilhados por outras organizações.
Analisando o questionário mais profundamente, o que não está no escopo direto
do presente trabalho, estes autores alegam que uma pessoa pode obter uma
nota alta no quesito de comprometimento, segundo o OCQ, mesmo sem possuir
uma percepção de compartilhar o seu destino com o da organização, mas sim
porque a organização se presta aos seus objetivos de carreira pessoal. Se, por
Referencial Teórico 29
acaso, surgir outra organização que ofereça condições mais vantajosas, este
indivíduo poderia se transferir para lá sem sacrifício algum. Para um outro
indivíduo realmente identificado com a organização onde está, entretanto, uma
transferência deste tipo envolveria, necessariamente, um forte impacto
psicológico de sensação de perda. Desta forma, concluindo a argumentação,
Ashforth & Mael lamentam que esta confusão conceitual tenha impedido a
aplicação de importantes contribuições da TIS nas organizações.
Para Turner (1985), a maior contribuição que a Teoria da Identidade Social
fornece à literatura sobre o comportamento organizacional talvez seja o
reconhecimento de que um grupo psicológico é muito mais do que uma extensão
dos relacionamentos interpessoais. A identificação com uma coletividade pode
surgir mesmo na ausência de coesão, similaridade, ou interação entre as
pessoas, além de possuir um forte impacto tanto afetivo como comportamental.
Ainda segundo este autor, a identidade social é o mecanismo cognitivo que torna
o comportamento grupal possível.
Na mesma linha, Ashforth & Mael (1989) exemplificam que, ao perceber
uma categoria social como psicologicamente real, ou seja, como incorporadora
das características consideradas peculiares aos seus membros, o indivíduo pode
se identificar com ela por si só (ex: eu sou um servidor público). Assim, a
identificação provê um mecanismo pelo qual um indivíduo pode continuar a
acreditar na integridade da sua organização apesar dos desmandos ou
irregularidades de quem está na administração ou permanecer fiel ao seu
departamento, mesmo com a troca de pessoal.
Finalizando o seu artigo, estes autores sugeriram que novas pesquisas na
área investigassem o papel que a socialização, através da observação
estruturada dos processos de interação simbólica e gerenciamento emblemático,
exerce na formação das identidades sociais. Outros temas para os quais os
autores chamavam a atenção eram o efeito que a identificação provoca na
internalização dos valores da organização por uma pessoa, assim como a
reificação da organização por parte desta. Eles também sugeriram pesquisas
sob o ponto de vista das organizações, como a respeito dos meios que a TIS
propicia para a redução dos conflitos entre grupos, tais como a valorização da
identidade da organização para o aumento da solidez do seu conjunto, ou pelo
Referencial Teórico 30
menos para legitimar as diferenças intergrupais necessárias ao seu bom
funcionamento.
Whetten & Foreman (2002) fazem uma resenha da produção acadêmica
sobre o tema da identificação, na qual observam que o conceito de identidade
organizacional tem sido empregado para mostrar como as empresas e seus
administradores interpretam diferentes demandas, identificam ameaças,
percebem e resolvem conflitos, estabelecem vantagens competitivas, conduzem
a mudança e moldam estratégias e respostas. Apesar de reconhecer a
importância desses estudos para o aprofundamento teórico sobre o tema,
Whetten se queixa da falta de trabalhos empíricos a respeito da Teoria da
Identidade Social.
Além disso, a identidade organizacional, associada à TIS, vem sendo
muito utilizada no auxílio da compreensão dos fenômenos que regem os
processos de identificação dos indivíduos com as organizações das quais fazem
parte. A partir da obra de Ashforth & Mael (1989), um grande número de
pesquisadores passou a empregar as conexões entre identidade e identificação
no afã de explicar uma série de processos e comportamentos que se
desenvolvem nas organizações em geral, incluindo cooperação e cidadania
corporativa, lealdade, práticas de controle e comprometimento (Whetten &
Foreman, 2002).
Dentro do caráter comparativo e cognitivo que envolve o processo de
construção das identidades, Whetten & Foreman (2002) apontam para dois
caminhos distintos. O primeiro, e mais tradicional, parte da avaliação que os
integrantes fazem da organização baseados em suas próprias identidades
pessoais (autoconceito), linha defendida por Ashforth & Mael (1989) e
denominada por Pratt (1998) como seguidora dos mecanismos de
autoclassificação humana. Existe, entretanto, pelo menos uma segunda
abordagem, baseada na comparação que os membros da fazem entre a
identidade organizacional vigente e a que consideram ideal, ou seja, como sendo
extensões de suas próprias identidades.
Ambos os processos descritos acima possuem uma forte componente de
avaliação, que surge da necessidade dos indivíduos em reduzir as dissonâncias
cognitivas existentes entre as questões “quem sou eu?” e “quem somos nós?”.
Referencial Teórico 31
Além disso, esses modelos propõem sempre uma pressão ou intenção
disfarçada por congruência ou aderência entre as suas concepções e as da
organização, que terminam por moldar certas atitudes e comportamentos. Nos
casos onde é percebido um abismo neste alinhamento de identidades, as
respostas mais comuns incluem uma redefinição dos valores negociados entre
as partes, pressionando a organização a fazer mudanças em suas práticas
rotineiras ou mesmo resultando numa séria reavaliação pelo indivíduo da sua
relação para com a organização.
Whetten & Foreman (2002) adotam a segunda visão no seu estudo: os
processos de identificação em organizações de múltiplas identidades, assumindo
a congruência como sendo um pressuposto fundamental nesses casos.
Assim, os autores propõem que a identificação possa ser definida como o
nível de congruência entre a percepção que os membros possuem sobre a
identidade da organização e as suas expectativas, influenciando diretamente o
seu grau de envolvimento com ela.
Utilizando a definição acima, Whetten & Foreman (2002) passam, então, a
discorrer sobre as conseqüências trazidas pela identificação para a organização,
com destaque para o comprometimento dos seus funcionários. O autor
apresenta um estudo empírico realizado junto a organizações multifacetadas em
termos de identidade (o que é, em certa dose, o caso da FINEP, empresa
focalizada no presente estudo), comparando a identificação como grau de
congruência e a visão mais tradicional preconizada pela Teoria da Identidade
Social. Os resultados do trabalho indicam que, em geral, neste tipo de
organização, os preceitos da TIS também se confirmam. Entretanto, a pesquisa
mostra evidências quanto à influência que o processo comparativo entre as
percepções e expectativas de identidade organizacional das pessoas exerce
sobre o seu grau de comprometimento com a empresa.
Sobre as contribuições do estudo para avaliação do tema, Whetten &
Foreman (2002) apontam, além do aspecto empírico, para a revelação de que
muitos integrantes de organizações híbridas se identificam com ambos os
aspectos desta identidade dual, e isto, por sua vez, implica em assumirem
objetivos incompatíveis entre si, bem como apresentarem preocupações
associadas a aspectos pertinentes a cada uma destas identidades.
Referencial Teórico 32
Em um outro artigo sobre reputação organizacional, também apresentado
em 2002, David Whetten, agora associado a Alison Mackey, faz questão de
diferenciar os conceitos de identidade da organização e identidade na
organização. O cerne desta distinção conceitual reside na diferença de
tratamento da identidade como resultado das percepções compartilhadas pelos
membros da organização versus o do conjunto das aspirações institucionais
disponibilizadas pela organização a seus integrantes. A identidade na
organização pressupõe que as organizações sejam vistas como agregados
sociais – coletividades ou grupos de indivíduos. Esta perspectiva suscita
questões importantes a respeito de como os participantes enxergam a
organização, bem como de quais indivíduos exercem uma influência real na
definição ou interpretação do que seja identidade organizacional (Hogg & Terry,
2000). Os defensores do conceito de identidade da organização, por sua vez,
vêem as organizações como atores sociais legítimos e engajados em uma
participação ativa no desenvolvimento social em geral, e que, apesar de
coletividade, possuem direitos e responsabilidades tanto quanto um simples
individuo (Whetten & Mackey, 2002).
Whetten & Mackey (2002) também abordam a questão da identidade
organizacional sob o ponto de vista da Teoria Institucional. De acordo com esta
teoria, as organizações não são formadas apenas com base em instituições
sociais previamente consolidadas; ao invés disso, à medida em que crescem e
se tornam maduras, as organizações se tornam instituições em si, ou seja,
representantes autênticas dos seus mais íntimos interesses, legitimadas por
suas competências distintivas. Assumindo e sendo reconhecida por estas
características distintivas, a organização adquire um caráter estruturado, ou seja,
uma identidade.
Outra visão presente no artigo é a de Brewer & Gardner (1996, apud
Whetten & Mackey, 2002). Eles sugerem que os estudos contemporâneos do
autoconceito social têm destacado dois componentes: o autoconceito coletivo
(características demográficas compartilhadas, raça, sexo, etc.) e o autoconceito
relacional (laços interpessoais relacionados a papéis assumidos na vida
cotidiana). O autoconceito coletivo se tornou matéria de estudo da TIS (Ashforth
& Mael, 1989; Tajfel, 2000), enquanto o autoconceito relacional está alinhado
conceitualmente com uma teoria de identidade de caráter mais sociológico, que
Referencial Teórico 33
enfoca os requisitos dos papéis desempenhados pelo indivíduo. Coerentes com
a visão teórica dominante de que a identificação com grupos é a principal fonte
de sentido no processo de formação da identidade social de um indivíduo,
Brewer & Gardner perceberam que o autoconceito social surge das similaridades
verificadas nas interações entre os grupos aos quais se é afiliado e das
identidades comuns (características demográficas, por exemplo) compartilhadas
entre os companheiros que integram estes mesmos grupos.
Ashforth & Mael (2001) também apresentaram uma revisão teórica sobre o
tema da identificação com a organização, doze anos após lançarem os pilares
conceituais que serviram direta ou indiretamente como base para várias outras
pesquisas sobre identificação até os dias atuais. Alguns pontos de destaque
neste trabalho são de particular interesse para a presente dissertação. O
primeiro diz respeito às diferenças de visão que os teóricos sobre o tema ainda
apresentam quanto a alguns pressupostos básicos da TIS. A identificação social
pressupõe que haja necessariamente, ao longo do seu processo de formação,
uma empatia ou afiliação com alguém ou alguma coisa externa ao self que
motive o indivíduo a se integrar no desfrute dos sucessos alcançados pela
organização visada, cruzando a linha demarcatória entre a pessoa e a entidade.
Entretanto, enquanto Tolman (1943, apud Ashforth & Mael, 1989) e tantos outros
descrevem este fenômeno como uma extensão positiva do autoconceito, outros
teóricos consideram este mesmo processo como a sua diminuição, ou seja, uma
abdicação da essência da mente e da alma da pessoa em favor dos outros.
Este aparente conflito pode ser o resultado da confusão existente entre
dois processos que, apesar de distintos, são comumente rotulados como
identificação. Além do conceito de identificação social (com o grupo), Tolman
faz referência ao termo “identificação imitativa” como sendo o processo onde o
indivíduo tenta copiar – para adotar seu padrão ou modelo – alguém mais
experiente e que de alguma forma seja por ele admirado ou invejado. Ashforth &
Mael (2001) explicam que esta noção de identificação foi motivo de uma certa
controvérsia entre alguns teóricos, citando Kelman, que considerava esta
definição como sendo a “identificação clássica”, e Sanford, que, por sua vez, na
sua diferenciação entre identificação social com o grupo e identificação clássica,
dizia que a primeira expressava “a identificação do self com o objeto”, e que a
segunda representava “a identificação do objeto com o self”. Pratt (1998) utiliza
esta mesma distinção para os termos afinidade e emulação. Na identificação
Referencial Teórico 34
clássica, o indivíduo limita ou suprime a sua própria identidade em favor da
entidade focalizada, ao passo que na identificação social, o escopo da
identidade pessoal do indivíduo se expande de forma a fazer com que os atos
dos outros sejam atribuídos ao grupo como um todo. A identificação clássica,
portanto, normalmente é vista como um sinal de fraqueza do indivíduo, enquanto
à identificação social é atribuída uma visão mais positiva.
A principal novidade apresentada por Ashforth & Mael (2001) vem a ser,
entretanto, uma descrição detalhada dos benefícios decorrentes do processo de
identificação para a organização e, mais do que isso, a especificação dos meios
pelos quais isso pode ser alcançado pelas instituições. Dentre eles, os autores
destacam:
- Reforço da Auto-Estima: Pode ser alcançado se a organização visada é
bem sucedida e admirada, quando a conexão entre a instituição e o
indivíduo é visível para os outros e, se possível, o sucesso daquela
entidade puder ser, no mínimo parcialmente, atribuído àquele indivíduo;
- Transcendência do Autoconceito: Pode ser satisfeita se algum grau de
envolvimento ou altruísmo estiver envolvido, se os benefícios para o
indivíduo forem de caráter intangível e se a pessoa não tiver um caráter
individualista, considerando a si mesma e aos outros como integrantes
anônimos da organização;
- Senso de Significância: Seu atingimento fica facilitado em situações onde
a organização em questão possui ou persegue metas e valores altamente
elogiáveis, quando a instituição ostenta uma longevidade ou mesmo um
caráter perene no mercado onde atua e se sua essência se mantém
consistente a despeito de estar na liderança de seu segmento ou não, se
mostrando incapaz de trair, desiludir ou rejeitar quaisquer dos seus
colaboradores a qualquer tempo;
- Senso de Pertencimento: Ocorre normalmente nas organizações que
valorizam fortemente a afiliação, provêem fóruns de interação direta e
indireta para os seus membros e que preferem a participação à
admiração por parte dos seus integrantes;
Referencial Teórico 35
- Elevação as Aspirações: Pode funcionar melhor nos casos em que a
instituição incorpora objetivos considerados nobres, possui um líder
capaz de personificar esses valores e servir de exemplo e estímulo aos
demais e quando o vínculo com a organização confere um caráter
emblemático ao participante.
Os autores afirmam que, do ponto de vista puro e simples de processo, o
indivíduo se identifica com a empresa onde trabalha da mesma forma com que
pode se identificar com um país, agremiação esportiva, ou entidade religiosa. As
organizações de trabalho favorecem as contribuições desinteressadas, o
engajamento com a instituição e o compartilhamento de ideais e objetivos. A
identificação com a empresa, entretanto, se levada ao extremo, também pode
trazer conseqüências nefastas, como quando gerentes profundamente
identificados com a empresa, por exemplo, se tornam tão obcecados a ponto de
ver com maus olhos os funcionários que tenham fortes vínculos com alguma
religião ou outra afiliação qualquer.
2.4. A Identidade Social Percebida x Imagem Externa Percebida
Outro artigo que referencia teoricamente esta dissertação, datado de 1994,
é o intitulado Organizational Images and Members Identification, escrito por Jane
Dutton, Janet Dukerich e Celia Harquail. Nesta obra, as autoras propõem um
modelo explicativo para a influência exercida pelas imagens que uma pessoa
possui da organização da qual faz parte no seu grau de identificação para com
ela. O modelo utiliza o pressuposto de que a atratividade do indivíduo pela
organização através destas imagens está diretamente relacionada com o grau
pelo qual estas consigam preservar a continuidade do seu autoconceito, prover
singularidade à organização e aumentar a sua auto-estima.
As autoras diferenciam as imagens em dois tipos básicos, que serão
adotados no presente trabalho. O primeiro tipo de imagem, que aborda o que um
indivíduo considera distintivo, central e duradouro a respeito da organização, é
denominado de identidade organizacional percebida. O segundo tipo de imagem,
que reflete o que um indivíduo acredita ser o conceito que as pessoas externas à
Referencial Teórico 36
organização fazem da mesma, é dito imagem organizacional externa percebida.
Esta terminologia foi adotada na presente dissertação, e aparece em diversos
trechos ao longo do seu desenvolvimento.
A identificação organizacional passa a ser definida neste construto como o
grau com que um indivíduo define a si mesmo pelos mesmos atributos que, na
sua visão, definem a organização. Assim, uma pessoa se torna fortemente
identificada com a organização quando a sua identidade como integrante desta
organização se destaca perante as outras identidades que possui, e também
quando o seu autoconceito tem muitas das características que ela atribui como
fundamentais na definição daquela organização como grupo social. Ou seja, o
indivíduo será tão mais identificado quanto mais “tenha a ver” com a organização
avaliada por ele.
Apesar do conceito de organização holográfica, mencionado anteriormente
e proposto por Albert & Whetten (1985) possuir validade teórica, na prática se
nota que é muito rara a ocorrência desta situação, ou seja, onde todos os
empregados, independentemente das subdivisões existentes na empresa,
compartilhem da mesma percepção de identidade organizacional. As imagens
que os indivíduos mantêm das organizações onde trabalham são únicas para
cada membro do grupo, e as suas crenças individuais podem ou não se alinhar à
identidade organizacional disseminada internamente, que busca traduzir o que é
distintivo, central e duradouro por parte da organização. Além dos aspectos
internos, a imagem externa que cada membro constrói sobre a organização pode
ou não ser idêntica à reputação a ela atribuída pelos não-membros. Isso talvez
explique porque se verifica um número maior de organizações ideográficas do
que holográficas, principalmente entre as grandes corporações.
Outro dado importante apontado por Dutton, Dukerich & Harquail (1994) é
que quando abordamos a questão da identidade e da identificação
organizacional, normalmente o que se espera discutir são os aspectos positivos
daquela organização. Devemos lembrar, entretanto, que o simples fato de uma
pessoa pertencer a uma organização também pode lhe conferir diversos
atributos negativos decorrentes desta vinculação. Se os integrantes do grupo
interpretam a imagem externa da empresa como sendo negativa, sua
associação pode trazer, para eles mesmos, conseqüências ruins, tais como
irritação, depressão ou stress. Estes efeitos, por sua vez, podem acarretar
Referencial Teórico 37
situações de impacto desagradável na própria convivência dentro da
organização, como o aumento da competição interna entre os colegas ou a falta
de motivação para tarefas de longo prazo, por exemplo. A manutenção deste
quadro ao longo do tempo pode levar ao desprezo pelas normas
tradicionalmente vigentes na empresa e, no limite, inclusive à saída do
funcionário da organização. As mesmas autoras afirmam que Isto foi verificado
empiricamente nos seus próprios estudos realizados em 1991 junto aos
funcionários do Porto de Nova Iorque (organização acusada de desprezar e
maltratar a população sem teto que procurava abrigo nos seus armazéns) e por
Fanning, que publicou naquele mesmo ano um artigo sobre o impacto negativo
provocado pelo terrível acidente ecológico decorrente do afundamento do
petroleiro Exxon Valdez junto aos funcionários da Esso. A condenação da
instituição pela opinião pública se transfere, quase que automaticamente, à
imagem externa dos seus funcionários, e isto tem se verificado de forma
generalizada, mais recentemente, também com relação a diversas empresas
públicas brasileiras, conforme atesta Egler (2001), em sua contextualização do
ambiente de ciência, tecnologia e inovação nas últimas duas décadas.
As empresas vêm reconhecendo cada vez mais a importância do
fortalecimento de suas identidades enquanto organizações, e, para isso, suas
principais lideranças têm se engajado intensamente em ações de comunicação
institucional, no sentido de criar uma identidade coletiva para os seus
funcionários. Fatores básicos da cultura organizacional, como rituais, símbolos,
mitos, cerimônias e outras histórias, são empregados para traduzir e comunicar
os aspectos fundamentais desejáveis para uma identidade organizacional
coletiva junto aos seus empregados. Esta perspectiva ajuda a explicar o
interesse crescente que as organizações passaram a dedicar a temas como
gerenciamento emblemático e liderança transformadora (Dutton, Dukerich &
Harquail, 1994).
Os atributos que conferem distinção à organização geralmente
permanecem ocultos aos seus integrantes até que sua identidade organizacional
coletiva seja colocada sob ameaça (Albert & Whetten, 1985), ou que alguma
circunstância leve a atuação ou mesmo o desempenho da companhia a um
questionamento mais sério (Ginzel, Kramer & Sutton, 1993, apud Dutton,
Dukerich & Harquail, 1994). Mudanças no ambiente organizacional, tais como
alterações de marcos regulatórios ou movimentos dos competidores, por
Referencial Teórico 38
exemplo, podem fazer aflorar a identidade organizacional coletiva de uma
instituição. Da mesma forma, graves inconsistências por parte da companhia
podem gerar grandes questionamentos e redimensionamentos da identidade
organizacional pelo lado dos seus funcionários, afetando o seu grau de
aderência àquela organização.
Enquanto a identidade organizacional coletiva representa o conjunto das
convicções compartilhadas pelos membros de uma dada organização (Albert &
Whetten, 1985), a identidade organizacional percebida (Dutton, Dukerich &
Harquail, 1994) se refere apenas às crenças específicas de cada um dos
indivíduos que a compõem. Estes dois níveis de referência de identidade
organizacional (coletivo e individual) podem até se distanciar, uma vez que o
processo de socialização de cada integrante, no sentido de se adquirir um senso
coletivo de identidade, normalmente possui limitações, não sendo, portanto,
necessariamente perfeito e equânime. Sabe-se, contudo, que a percepção
individual de cada integrante a respeito do que seja distintivo, central e
duradouro sobre a organização é o marco inicial do seu processo de
identificação.
Dutton, Dukerich & Harquail (1994) também lembram que, dentro das
características psicológicas que propiciam a formação da identidade
organizacional percebida, as pessoas tendem a processar prioritariamente as
informações relevantes para o autoconceito, em detrimento às não relevantes.
Este processo de tratamento das informações acaba fazendo com que as
identidades organizacionais consideradas mais alinhadas ao autoconceito do
indivíduo sejam por ele aceitas, e as consideradas mais afastadas do
autoconceito, por sua vez, rechaçadas.
Além disso, quando a identidade organizacional percebida pela pessoa
possui muito em comum com o seu autoconceito, ela é atraída para a
organização por entender que ali terá boas condições de se auto-expressar, ou
seja, de exibir mais de si mesma respeitando os valores que lhe são
fundamentais.
Dutton, Dukerich & Harquail (1994) fazem uma distinção clara entre os
conceitos de reputação organizacional e imagem organizacional externa
percebida. A reputação organizacional diz respeito ao conceito que esta mesma
Referencial Teórico 39
organização possui junto a indivíduos externos a ela, ou seja, o seu foco é
eminentemente externo. A imagem organizacional externa percebida, por sua
vez, trata da percepção que os membros da organização possuem sobre as
impressões dos não membros em relação a ela, em outras palavras, à visão que
os seus integrantes têm de como está a reputação da organização. A segunda
definição possui, portanto, um enfoque notadamente interno à organização.
Tal distinção adquire importância na medida em que as pessoas de dentro
e de fora da organização têm acesso a fontes diferentes de informação a
respeito dela, bem como interpretam estas mesmas informações por diferentes
atributos de valor e com diferentes propósitos.
Quando a imagem organizacional externa percebida é considerada atrativa
pelos integrantes da organização, ou seja, quando estes percebem que aquela é
vista de uma forma positiva e socialmente valorizada, isto acaba por reforçar a
sua identificação para com ela.
Conforme Ashforth & Mael (1989) colocam em sua revisão teórica sobre a
TIS, as pessoas tentam manter uma identidade social positiva porque isso
possibilita a criação de oportunidades socialmente autogratificantes, um aumento
do prestígio social, uma melhor interação social e maior credibilidade. Assim, se
a imagem organizacional externa percebida for valorizada pelo público externo,
criará condições francamente favoráveis de afiliação para os membros daquela
organização, aumentando a superposição entre a forma com que a definem e a
noção que possuem da definição de si mesmos.
Quando as pessoas estão visivelmente associadas com uma organização,
elas são mais freqüentemente lembradas da sua afiliação organizacional. Assim,
afiliações visíveis como as de quem exerce funções públicas pela organização
são tidas como altamente representativas do seu grau de envolvimento, e
potencializam a organização como fonte inspiradora para a definição de si
próprio. Para a identidade organizacional percebida, o grau de atratividade desta
imagem exercerá uma forte influência na identificação deste integrante com a
sua organização.
Dutton, Dukerich & Harquail (1994) se apóiam nas pesquisas de Steele
sobre os processos de auto-afirmação, e de Staw, a respeito da auto-
Referencial Teórico 40
legitimação, para concluir que as pessoas se esforçam para preservar um senso
de integridade e amor próprio. Estas convicções com respeito ao autoconceito
são sustentadas através da valorização dos grupos com os quais uma pessoa
busca se identificar, inclusive a organização. À medida que o indivíduo vai se
sentindo identificado com a organização, o seu juízo com relação a ela tende a
se tornar cada vez mais positivo. Este processo se retroalimenta, fortalecendo
paulatinamente tanto a identidade organizacional percebida como a imagem
organizacional externa percebida.
Quando as pessoas se sentem fortemente identificadas com as empresas
onde trabalham, o seu senso de sobrevivência passa a se confundir com a
própria sobrevivência da organização. Esta ligação traz duas conseqüências de
imediato: a primeira envolve a própria dinâmica interpessoal, na qual uma forte
identificação acarreta um aumento na colaboração com os colegas em nome do
companheirismo, aliado a uma maior postura de competição contra os não-
membros, cada vez mais vistos como adversários; o segundo efeito se reflete no
aumento do esforço dedicado às tarefas que tragam benefícios para os colegas
e para a organização como um todo.
A revisão de trabalhos empíricos de outros autores citados por Dutton,
Dukerich & Harquail, 1994, mostra que o perfil classificatório da estrutura
cognitiva humana no processo de construção da identidade favorece o
surgimento de comportamentos competitivos entre diferentes grupos. Embora a
diferenciação entre grupos não acarrete necessariamente um processo de
competição, esta é uma tendência que se verifica marcadamente no ambiente
empresarial moderno. A Teoria da Identidade Social indica que o simples fato de
classificar as pessoas em diferentes grupos tem se mostrado suficiente para
provocar competição entre os integrantes de grupos distintos. Além disso, as
pesquisas dos autores supracitados indicam que, em situações de
interdependência social onde um grupo “conquista” algo valorizado quando os
demais grupos envolvidos “perdem”, os membros identificados com seu grupo ou
organização possuem uma maior consciência coletiva dos efeitos de uma
“vitória” deste tipo do que os membros que não possuem esta identificação.
Referencial Teórico 41
2.5. A Cidadania Organizacional do Funcionário (OCB)
Uma forte identificação entre o indivíduo e a organização da qual faz parte
também traz uma série de outras implicações, algumas já estudadas pelos
pesquisadores em Administração. Um dos conceitos explorados na literatura é o
da cidadania organizacional do funcionário, ou ainda da postura cidadã de um
colaborador em relação à sua organização (organizational citzenship behavior –
OCB). A cidadania organizacional do funcionário é definida como o
desenvolvimento de uma série de atividades pelo indivíduo que excedem as
atribuições normalmente especificadas para a função que exerce, em benefício
da organização e para as quais não existe contrapartida contratual garantida
(Organ & Near, 1985). Quando as pessoas se sentem fortemente identificadas
com a organização onde trabalham, elas se dispõem a executar tarefas que
tragam benefício à organização como um todo, acima de quaisquer interesses
pessoais que possam estar envolvidos. Este cenário também potencializa, por
parte dos funcionários, atos de obediência, lealdade e participação, tais como
passar uma parte de seu tempo ajudando os novos funcionários, se engajar em
projetos corporativos de longo prazo, cobrar dos superiores um nível de
desempenho mais alto ou dar sugestões para a melhoria da organização (Van
Dyne, Graham & Dienesh, 1994, apud Dutton, Dukerich & Harquail, 1994).
2.6. O Impacto das Mudanças na Identificação
Nas suas sugestões sobre futuras pesquisas no campo da identificação
organizacional, Dutton, Dukerich & Harquail (1994) propõem o estudo de como
tanto as imagens antigas como as mais recentes sobre a organização se
conectam ao autoconceito particular de cada um dos seus membros e a
influência que isso exerce sobre os seus comportamentos. Outra recomendação
diz respeito à pesquisa sobre como as condições e circunstâncias de mudança
afetam a imagem da organização junto aos seus integrantes, e que
comportamentos surgem a partir daí. Mudanças de estrutura, cultura,
desempenho, fronteiras de atuação ou mesmo da estratégia da empresa podem
fazer com que os funcionários reavaliem os seus conceitos sobre a identidade
Referencial Teórico 42
organizacional percebida e a imagem organizacional externa percebida. Estas
reconfigurações costumam ser de forte impacto psicológico sobre os indivíduos,
trazendo efeitos que podem ser tanto positivos como negativos para a
corporação. Não por acaso esta é justamente a principal motivação desta
dissertação de mestrado.
As autoras ainda alertam os pesquisadores sobre a necessidade de se
efetuarem estudos a respeito da relação existente entre a identidade
organizacional percebida pelos integrantes da organização e as suas
expectativas em relação a ela, o que poderia nos auxiliar a compreender, por
exemplo, como eles atuam em resposta às atitudes da organização quando
excedem ou frustram estas expectativas, bem como todas as decorrências
destas atitudes sobre uma série de fatores organizacionais, como a identificação
e a cidadania organizacional do funcionário.
A principal mensagem que estas autoras desejam passar em seu artigo é
que a conexão entre uma empresa e seus funcionários é muito mais do que
relações transacionais e econômicas entre as duas partes. Os laços de ligação
entre as pessoas e suas corporações têm, isso sim, fundamentalmente a ver
com as percepções que elas possuem sobre o real significado da organização,
tanto do seu ponto de vista como do ponto de vista externo.
Silva & Vergara (2002) apresentam uma abordagem mais abrangente
acerca do processo de reconstrução de identidades em momentos de mudança
organizacional. Através do estudo de casos em cinco diferentes organizações,
nos quais utilizam a análise das narrativas dos empregados colhidas por meio de
entrevistas, tal qual o presente trabalho, os autores estabelecem um quadro de
análise sobre o conjunto de relações envolvidas na comunicação organizacional,
exprimindo os diversos contextos de mudança nos quais os indivíduos se situam
para reconstruir as suas identidades. Este quadro resumo das diversas
relações, chamado de “Roda das Relações”, está na figura 1 abaixo:
Referencial Teórico 43
Figura 1 – A Roda das Relações
EU E A DIRETORIA
EU E A GERÊNCIA/OS SUBORDINADOS
EU E OS MEUS GRUPOS
EU E OS CLIENTES
EU E OS OUTROS GRUPOS
EU E
O T
RABA
LHO
EU E
A O
RGAN
IZAÇÃ
OEU
E O
MERCA
DO DE
TRAB
ALHO
EU E A SOCIEDADE
NÓS E A ORGANIZAÇÃO
A ORGANIZAÇÃO E O MERCADOA ORGANIZAÇÃO E A SOCIEDADE
EU E EU
EU E OS OUTROSEU E
O CONTEXT
O
NÓS E O CONTEXTO
O NÍVEL DA
SOCIEDADE
O NÍVEL DA
ORGANIZAÇÃO
O NÍVEL
IMEDIATO
DA AÇÃO
EU
NÓS E OS OUTROS GRUPOS
EU E OS COLEGAS QUE SAÍRAM
EU E
OS
ENTE
S QU
ERID
OS
Fonte: Silva e Vegara, 2001
Os autores, com base na figura acima, concluem o seu trabalho sugerindo a
adoção de uma abordagem interpretativa para a teia de relações envolvidas no
cenário de mudança organizacional, na qual a comunicação sirva de arena para
que os indivíduos redescubram as suas identidades e construam um sentido
para a realidade em todas as suas dimensões. Desta forma, Silva & Vergara
chamam a atenção para a importância da comunicação nesse processo, onde o
seu papel se torna muito mais do que um simples mecanismo de transmissão de
mensagens e de convencimento quanto às intenções da organização para com
os seus integrantes, ao contrário do que vem sendo preconizado por vários
modelos de gestão de mudanças organizacionais ao longo das últimas décadas.
Referencial Teórico 44
2.7. As Novas Relações Empregado x Empresa
Os novos tempos globalizados trouxeram uma grande mudança na relação
funcionário x empresa: por um lado, o fim da garantia de emprego para o
funcionário, e, por outro, uma sensível baixa da lealdade deste para com a
empresa. A gestão burocrática tradicional, operada segundo um tipo implícito de
contrato social ou psicológico entre a organização e o empregado e apoiada em
uma pretensa estabilidade no emprego em troca da dedicação e do desempenho
do funcionário, passou a dar lugar a um modelo no qual a empregabilidade não
mais é assegurada e o trabalhador se torna o responsável por encontrar formas
de atuação que agreguem valor à organização, num processo descrito por
O’Reilly (1994, apud Ashforth & Mael, 2001) como o “new deal”.
A explosão do número de fusões e aquisições entre empresas,
reestruturações organizacionais, a terceirização de diversas atividades antes
feitas internamente, a eliminação de diversos níveis hierárquicos, o progresso
tecnológico desempregador da mão-de-obra menos qualificada, bem como o
surgimento das corporações virtuais e da mão-de-obra temporária, são exemplos
dos processos de mudança que alteraram completamente e permanecem
ameaçando a noção de estabilidade no emprego, da qual o processo de
identificação do indivíduo com a organização de trabalho sempre foi e ainda é
muito dependente (Ashforth & Mael, 1996).
Esta nova tendência tem sido descrita como sendo um movimento para um
estilo pós-burocrático, também conhecido como adocrático, pós-industrial ou
ainda “high-tech” (Rousseau & Wade-Berzoni, 1995). Este “novo acordo” tem
sido visto por muitos como benéfico para os trabalhadores mais jovens, de maior
mobilidade e de custo mais baixo, em detrimento dos empregados mais antigos
e relativamente mais estabilizados, especialmente para os que resolveram se
especializar nas atividades específicas das empresas onde construíram suas
carreiras, ao invés de valorizar um perfil mais generalista e de maior atratividade
para o mercado de trabalho.
Os empregados vêm, então, reagindo a este movimento por meio de uma
queda do seu senso de lealdade para com as organizações onde trabalham
Referencial Teórico 45
(Rousseau & Wade-Berzoni, 1995). O lado mau do novo panorama de gestão
tem abalado fortemente o processo de identificação dos indivíduos com suas
empresas, resultando no crescimento dos indicadores de queda de satisfação e
envolvimento no trabalho, na perda de distinção da empresa onde se trabalha e
no aumento do nível de competição e conflito entre os colegas, que tem tomado
ares de guerra, no caso de fusões e aquisições, mais recentemente.
Também tem se verificado que políticas corporativas de desprezo ou
deslealdade para com funcionários podem ser altamente danosas a estas
instituições, afetando a confiança dos seus consumidores e a sua imagem
perante a opinião pública, com potencial até mesmo para enfraquecer o
empreendimento como um todo (Ashforth & Mael, 2001).
A repercussão desta mudança nas relações de trabalho junto aos
indicadores das vantagens da identificação dos funcionários com as empresas
foi verificada, segundo Ashforth & Mael (2001), por diversos outros autores, em
seus estudos sobre o comportamento dos empregados no mercado norte-
americano. Os custos da queda de lealdade dos funcionários puderam ser
medidos de várias formas, como pelo absenteísmo, baixo desempenho na
função, rotatividade no emprego e mesmo pelos índices de roubos no local de
trabalho. O reforço de auto-estima antes proporcionado ao indivíduo pela
organização fica muito vulnerável à queda da sua empregabilidade, à falta de
distinção da empresa em relação às outras ou mesmo aos danos provocados à
sua reputação no caso de publicidade negativa, por exemplo.
Ashforth & Mael (1996) apontam para o risco de que a transcendência do
autoconceito do indivíduo, por sua vez, que se baseia no senso coletivo da
organização, seja profundamente abalada pelo fim das relações de longo prazo
entre patrões e empregados, em um quadro onde um comportamento egoísta
pode ser até privilegiado em nome do imediatismo de resultados.
Os autores alertam que o senso de significância do trabalhador só será
mantido caso a empresa o convença de que o que está sendo valorizado vai
além de pura e simplesmente ganhar dinheiro, e se alinhe a princípios que o
indivíduo julgue inegociáveis.
Referencial Teórico 46
Da mesma forma, o senso de pertencimento do funcionário também tende
a desaparecer em um ambiente de disputa interna cada vez mais intenso e
comum nas corporações “sobreviventes” no mercado, assim como a
identificação com líderes de alto desempenho ou fundadores legendários só
reforçará as aspirações dos empregados se a dissolução do contrato social não
vier acompanhada de um clima de cinismo e desconfiança na empresa. Se o
regime de recompensas e promoções for visto, por exemplo, como uma
legitimação para apadrinhamentos, será difícil arregimentar empregados que se
identifiquem com as “histórias de sucessos” da companhia.
Numa visão de futuro para a questão da lealdade do indivíduo em relação
à organização de trabalho, Haughey (1993, apud Ashforth & Mael, 2001) prevê
que esta lealdade pode e vai sobreviver, só que sob novas condições, devendo
ser menos tribal ou dependente de grupos externos e internos, lugares ou
pessoas. As premissas que a empresa deve propor em contrapartida à lealdade
dos funcionários deverão ser baseadas em algo mais profundo do que a sua
mera sobrevivência, o domínio do mercado ou que o aumento do valor para os
acionistas. Este autor também alerta que, caso as empresas se mostrem
incompetentes em satisfazer à necessidade de identificação de seus
funcionários, estes podem vir a escolher outras entidades que cumpram este
papel de forma perene (religiões), mais controlável (família, atividades
comunitárias) ou simplesmente que sejam percebidas como sendo de maior
valor.
Ashforth & Mael (2001), entretanto, discordam desta última parte, pois
acreditam que, em função da grande dose de tempo e esforço que os indivíduos
alocam no desempenho dos seus papéis junto às organizações onde trabalham,
é muito improvável que consigam substituir a empresa como fonte de
identificação. O investimento psicológico requerido pelo trabalho leva a pessoa a
uma busca por atributos minimamente edificantes para justificar a manutenção
de sua posição. Embora um contra-cheque alto possa trazer uma motivação
extrínseca para o trabalho, ele por si só não preenche os requisitos da motivação
intrínseca.
Assim, Ashforth & Mael (2001) especulam que, caso as empresas não se
mostrem inspiradoras o suficiente para fazer com que seus funcionários com
Referencial Teórico 47
elas se identifiquem, os indivíduos tenderão cada vez mais a eleger como objeto
para a sua identificação a sua própria ocupação – o trabalho per si.
2.8. Identidade Organizacional x Cultura Organizacional
Como se percebe pelo material teórico exposto até agora, identidade e
cultura são conceitos que estão intimamente ligados, e, mesmo na literatura
sobre o tema da identidade organizacional, muitas vezes se verifica a dificuldade
quanto à forma pela qual poderiam ser distinguidos. Albert & Whetten (1985, p.
265-6), comentam:
“Considere a noção de cultura organizacional......A cultura faz parte da identidade organizacional ? A relação da cultura ou qualquer outro aspecto da organização com relação ao conceito de identidade pode ser vista tanto como uma questão empírica (será que a organização a inclui entre as coisas consideradas centrais, distintivas e duradouras ?) como teórica (será que a caracterização teórica da organização em questão é capaz de predizer que a cultura será um de seus aspectos centrais, distintivos e duradouros ?).”
Já Machado-da-Silva & Nogueira (2001) entendem cultura organizacional
como o conjunto de crenças, valores, artefatos, práticas e significados
concebidos, aprendidos e compartilhados pelos membros de uma organização,
propiciando-lhes sentido e permitindo, assim, a interpretação da realidade:
“....é possível entender que uma cultura estabelece uma identidade, uma marca reconhecível, quer pelos que dela participam, quer pelos que com ela interagem. Essa identidade corresponde a uma visão de mundo, a um modo particular de fazer as coisas, de interagir e de ser. Dessa maneira, a identidade organizacional pode ser considerada como resultante de uma representação compartilhada pelos membros de uma organização, em face daqueles com quem ela interage. Em conseqüência, a identidade organizacional pode ser vista como elemento-chave interpretativo do senso compartilhado de realidade”. (p.37)
Schein (apud Fleury, 1989) atribui aos fundadores das organizações a
criação e moldagem do que poderá vir a ser a cultura de uma organização.
Nessa linha de raciocínio, constrói o conceito de cultura organizacional como:
“Conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender a lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados aos novos membros como a forma correta de perceber,
Referencial Teórico 48
pensar e sentir, em relação a esses problemas” (Schein, 1986, apud Fleury, 1989, p.20).
Este mesmo autor afirma que a cultura de uma organização pode ser
captada em três níveis: o nível dos artefatos visíveis (ambiente, arquitetura, lay-
out, padrões de comportamento, vestuário, documentos); o nível dos valores que
governam o comportamento das pessoas (valores manifestos em entrevistas,
relatos); e o nível dos pressupostos inconscientes (como os membros percebem,
pensam e sentem, a partir de valores conscientemente construídos, e que
gradualmente são absorvidos pelo inconsciente). Para Schein alguns aspectos
não parecem relevantes por não expressarem consenso, e, portanto, não serem
compreendidos sob uma mesma ótica cultural: a dimensão do poder, como
agente de legitimação e ocultação; e a ideologia vivenciada pelos membros da
organização.
A visão de Fleury (1989), influenciada por autores como Schein, Berger &
Luckmann e Pagès, concebe cultura organizacional como um conjunto de
valores e pressupostos básicos expressos em elementos simbólicos, que em sua
capacidade de ordenar, atribuir significações e construir a identidade
organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso como
ocultam e instrumentalizam as relações de dominação. Diferentemente de
Schein, portanto, Fleury incorpora o componente poder aos estudos culturais.
Chatman, Caldwell & O’Reilly (1991) apresentam uma outra abordagem na
questão cultura x identidade organizacional. Eles defendem a idéia de que as
culturas organizacionais são passíveis de atrair, em maior ou menor grau, certos
tipos de indivíduos. Reconhecendo a evolução histórica do estudo desta
temática, que passa por teorias da Antropologia, Sociologia, Psicologia Social,
utilizando conceitos como semiótica, rituais, cerimônias, histórias e linguagem,
estes autores apontam que, de uma forma geral, os pesquisadores da área
concordam que a cultura pode ser pensada como um conjunto de cognições
compartilhadas pelos membros de uma dada unidade social.
Analisando as diversas definições apresentadas por pesquisadores do
tema, Chatman, Caldwell & O’Reilly (1991) concluem que os valores básicos que
norteiam uma cultura podem ser vistos como as crenças normativas
internalizadas capazes de orientar o comportamento dos seus membros.
Quando os indivíduos que compõem uma unidade social compartilham valores,
Referencial Teórico 49
eles podem formar a base para expectativas sociais ou normas. Este quadro
pode ser ampliado até formar uma cultura organizacional ou sistema de valores.
Daí surgem as duas correntes dominantes de pesquisa: a dos estudiosos que
investigam a cultura com um enfoque nas normas, através da análise dos
elencos de expectativas baseados em valores; e a dos pesquisadores que
estudam a cultura através dos seus rituais, histórias ou mitos, pela análise dos
aspectos fenotípicos emergentes, que trazem em seu bojo as crenças e valores
imersos naquela cultura.
Ashforth & Mael (1989) chamam a atenção para o fato de que a
disseminação e importância dos valores de uma cultura organizacional estão
intimamente ligados ao processo de formação da identidade, no qual os
indivíduos estão à procura de uma identidade social que forneça significância e
conectividade.
Albert & Whetten (1985) propõem que os indivíduos podem se sentir
atraídos para organizações que eles percebam como tendo os mesmos valores
que eles próprios. Os novatos passam por um processo de socialização e são
assimilados, e aqueles que não se adaptam acabam saindo. Desta forma,
valores básicos do indivíduo ou preferências por determinados modos ou
condutas são expressos nas suas escolhas por organizações e posteriormente
reforçados dentro do contexto das próprias organizações. Por isso, Chatman,
Caldwell & O’Reilly (1991) acreditam que a congruência de valores entre o
indivíduo e a organização seja crucial para o casamento pessoa x cultura
organizacional.
Hatch & Schultz (2000), por sua vez, afirmam que os conceitos de
identidade e cultura organizacionais são tão entrelaçados devido ao fato da
primeira prover uma série de padrões de comportamento, aliados a uma forma
de avaliar estes mesmos padrões, que faz com que isso acabe produzindo uma
maneira peculiar de fazer as coisas, que vai se firmando ao longo do tempo e
sendo absorvida como marca registrada da cultura da própria organização.
Hatch & Schultz (2002) propõem que a relação entre cultura e identidade
organizacional seja tratada de forma análoga à utilizada por Mead para a
identidade de um indivíduo. Mead (apud Hatch & Schultz, 2002) trata a
identidade (o self) como um construto relacional, ou seja, ela deve ser vista
Referencial Teórico 50
como um processo social, processo esse que, por sua vez, pode ser
decomposto em duas partes distintas: o “eu” (I) e o “mim” (me).
“O eu é a resposta do organismo às atitudes dos outros; o mim é um conjunto organizado de atividades dos outros que um indivíduo assume para si mesmo. As atitudes alheias constituem o mim organizado, e o indivíduo responde a elas como eu” (Mead 1934, apud Hatch & Schultz 2002, p.992)
Na teoria proposta por Mead (apud Hatch & Schultz, 2002), o eu e o mim
são simultaneamente distinguíveis e interdependentes. Eles são distinguíveis na
medida em que o mim é o self consciente da pessoa, enquanto o eu é alguma
coisa que não está no mim; e eles também se inter-relacionam, uma vez que o
eu é a resposta que o indivíduo adota aos atos que os outros tomam com
relação a ele quando ele assume uma dada postura frente a esses outros.
Assim, o eu tanto invoca como responde ao mim, e, combinados, formam uma
personalidade que se revela na experiência social.
Hatch & Schultz (2002), então, aplicam a mesma característica existente
entre o eu e o mim de Mead para a relação entre a cultura e a identidade
organizacionais, ou seja, propõem que a cultura organizacional está para a
identidade organizacional assim como o eu está para a identidade do indivíduo.
Assim, da mesma forma que os indivíduos formam as suas identidades em
relação às definições tanto externas como internas do autoconceito, as
organizações formam as suas identidades com relação à cultura e à imagem. E
mesmo que as definições internas e externas do autoconceito sejam puramente
analíticas, essas construções e suas relações permanecem intrínsecas à
questão da identidade como um todo. Se o indivíduo não reconhece as
diferenças entre as definições internas e externas do autoconceito, ele não
consegue formular os conceitos de sua identidade individual. Da mesma forma,
se uma organização não consegue distinguir os sinais embutidos em sua cultura
e na sua imagem, será incapaz de definir a sua própria identidade (quem somos
nós x como somos vistos pelos outros). Com este raciocínio, os autores
justificam as variáveis do seu modelo representativo da dinâmica da identidade
organizacional: identidade, cultura e imagem.
Referencial Teórico 51
2.9. A Questão da Comunicação
Um outro aspecto importante, ainda que negligenciado, entre os
instrumentos de gestão para o estabelecimento do processo de identificação, é a
comunicação organizacional voltada aos funcionários. O conteúdo da
comunicação voltada ao empregado pode facilitar o processo de identificação,
uma vez que esta é voltada para destacar os objetivos, valores e realizações da
organização. Smidt’s, Pruyin & Van Riel (2003) abordam esta questão no seu
teste de hipóteses de que a adequação das informações sobre a organização
fortalece a identificação de seus membros com ela, assim como o clima de
comunicação vigente na empresa afeta a disposição dos seus empregados em
com ela se identificarem.
Um clima positivo de comunicação não somente é benéfico por si só, como
também pode fornecer informações sobre se um indivíduo é aceito como um
colega de valor em sua organização. Os autores também propõem como uma de
suas hipóteses o fato de que quando os empregados recebem informações
claras e suficientes sobre o que é esperado deles no desempenho de suas
funções no trabalho e da importância da contribuição proporcionada por seus
papéis para a corporação, a sua compreensão quanto aos valores e normas da
organização, bem como o sentido da sua vinculação à empresa, aumentam.
Os resultados da pesquisa que os autores fizeram em três grandes
corporações holandesas (uma entidade de assessoramento de consumidores
sem fins lucrativos, uma concessionária de serviços essenciais recém
privatizada e um banco tradicional), indicaram que a identificação com a
organização é afetada tanto pelas variáveis de comunicação com os
empregados (propostas em seu modelo teórico) como pela percepção que eles
têm do prestígio externo da companhia (algo como o conceito de imagem
organizacional externa percebida, proposto por Dutton, Dukerich & Harquail,
1994). Os resultados também confirmaram uma forte influência do clima de
comunicação no processo de identificação dos funcionários, mostrando que
quando existe abertura de comunicação na empresa, os empregados sentem
que são levados a sério pela alta administração e pelos colegas, e que quando
Referencial Teórico 52
entendem possuir voz ativa dentro da organização, sua identificação para com
ela se amplia.
2.10. A Questão da Lealdade
Em um recente estudo sobre a questão da identidade social face ao
problema da lealdade em organizações intensivas em conhecimento, cujo maior
ativo passa a ser o capital intelectual de seus funcionários, Alvesson (2000) traz
“insights” para a questão da identificação destes com a organização. Ele aborda
a inter-relação existente entre as qualidades intrínsecas do trabalho (função ou
atividade), as normas do grupo, a reciprocidade como parte do contrato
psicológico entre o empregado e a empresa e a identidade particular de cada
trabalhador, que acontece de várias formas. Se as pessoas são designadas para
tarefas consideradas pouco interessantes, tais como fazer o mesmo tipo de
projeto várias vezes, isso pode enfraquecer a identificação baseada em tarefas
do grupo e levar o trabalhador a achar razoável a idéia de não mais se
empenhar tanto na sua condução, diminuindo a força da empresa como fonte de
inspiração para a sua identidade. Por outro lado, se a identidade como membro
da organização for forte, ela poderá reforçar as normas de trabalho e fará as
pessoas sentirem que elas têm de fazer alguma coisa pela companhia, mesmo
se o trabalho não for “uma maravilha” o tempo todo, facilitando a construção das
tarefas normalmente consideradas mais simples e repetitivas de maneira
positiva: elas poderão ser encaradas como eficientes, lucrativas e fáceis de
executar, ao invés de ser vistas como irritantes e de baixo nível.
Outra consideração feita por Alvesson (2000) é a de que a questão da
lealdade para com o empregador deveria ser vista como tendo pouco a ver com
a questão da motivação para o trabalho. A pessoa pode sentir pouca lealdade
com relação à empresa, mas trabalhar bastante – ela pode gostar do tipo de
trabalho ou ser mais comprometida com a qualidade de seu trabalho para o
cliente do que para a companhia em si. Da mesma forma, um indivíduo que se
julgue profundamente leal a seu empregador pode ser preguiçoso ou se esforçar
moderadamente no trabalho em qualquer circunstância, mesmos em situações
de crise, nas quais se espera um esforço adicional de quem é tido como leal à
organização.
Referencial Teórico 53
Completando, Alvesson (2000) identifica diferentes formas de se tentar
alcançar a lealdade do funcionário no contexto corporativo moderno. A oferta de
altos salários e benefícios adicionais é um dos caminhos apontados. Planos de
carreira claros e bem estruturados, envolvendo as regras para aumentos e
promoções ou eventualmente até a participação acionária na corporação,
também têm a ver com esta linha, denominada lealdade instrumental, no longo
prazo. Outros tipos de lealdade apelam para aspectos emocionais e sociais,
como o sentimento de orgulho e a sensação de pertencimento social. Grupos
sociais, assim como a companhia (vista como instituição), podem, como já foi
visto, ser fontes de identificação social e auto-categorização para os seus
integrantes.
A abordagem da lealdade do indivíduo para com a sua corporação e o
processo de construção da identificação deste, nos remetem a outro tópico
fundamental para o entendimento desta dissertação: o contrato psicológico.
2.11. O Contrato Psicológico
A noção de contrato psicológico foi originalmente idealizada por Argyris
(1960, apud Smithson & Lewis, 2000), ao se referir às expectativas existentes
entre empregado e empregador ao longo de sua relação profissional, marcadas
por obrigações mútuas, valores e aspirações que se colocam muitas vezes
acima do estabelecido formalmente no contrato de trabalho.
Smithson & Lewis (2000) ressaltam que, historicamente, este conceito
pode ser encarado como uma extensão dos princípios filosóficos da Teoria do
Contrato Social. O contrato social pressupõe que os indivíduos se dispõem
voluntária e consensualmente a pertencer a uma sociedade organizada,
sujeitando-se a uma série de direitos e obrigações. Segundo as autoras, Argyris
procurou se valer do mesmo princípio para descrever os acordos implícitos que
existiam na relação entre os trabalhadores e o seu supervisor. Outros autores,
no entanto, utilizaram este conceito também para descrever o elenco de
expectativas e obrigações sobre os quais os trabalhadores falavam nos relatos
Referencial Teórico 54
de suas experiências profissionais. Eles identificaram vários tipos diferentes de
expectativas que os empregados possuíam, tanto conscientemente (quanto à
performance no exercício da função, segurança e compensação financeira, por
exemplo), como inconscientemente (se sentirem resguardados pelo
empregador). Desde essa época se verificava a dinâmica potencial dos contratos
psicológicos, ou seja, a evolução ou mudança que eles apresentam ao longo do
tempo em decorrência de novas necessidades e expectativas que surgem tanto
do lado da empresa como dos funcionários.
A abordagem teórica mais recente sobre o tema do contrato psicológico,
principalmente sob influência da onda globalizante que varreu o mundo durante
as duas últimas décadas, tem sido marcada, de forma destacada, pela obra da
psicóloga americana Denise Rousseau (1989; 1995; 2001). Rousseau preconiza
que o contrato psicológico utiliza as premissas de uma promessa e que, com o
passar do tempo, adquire a forma de um modelo mental ou “schema”
relativamente estável. A concepção utilizada por Rousseau (1989) para o
contrato psicológico é focada fundamentalmente do ponto de vista do
empregado e nas suas crenças subjetivas a respeito da sua relação profissional
com o empregador. Nesta relação podem surgir ocasiões onde empresa e
empregado venham a discordar profundamente sobre o que o contrato
realmente trata, e se o trabalhador entender que a promessa tenha sido
quebrada, diz-se que o contrato psicológico foi violado ou rompido.
Rousseau (1989), desde o início dos seus estudos sobre o tema, faz
questão de apresentar uma distinção entre dois tipos preponderantes de contrato
psicológico. O contrato psicológico é dito relacional quando está implicitamente
baseado na noção de confiança, lealdade e segurança no emprego que o
funcionário nutre em relação à empresa. O outro tipo de contrato psicológico,
denominado transacional, ocorre quando o empregado não está tão preocupado
em manter um vínculo prolongado com a organização empregadora, mas sim em
conferir um caráter de transação, ou custo-benefício, à sua relação profissional
com ela, onde, por exemplo, longas jornadas e serviços extras são fornecidos de
sua parte em troca de um alto salário, treinamento, ou no desenvolvimento na
sua própria carreira individual.
Smithson & Lewis (2000) lembram que é importante reconhecer, contudo,
que não há um perfeito consenso entre as definições de contrato psicológico
Referencial Teórico 55
empregadas pelos teóricos desta área (ex: Rousseau, Robinson, Morrison,
Kraatz, Guest e Turnley), mas que certos aspectos são comuns a todas essas
definições, tais como:
- Incorporação de crenças, valores, expectativas e aspirações, tanto do
empregado como do empregador, inclusive as que dizem respeito às
promessas e obrigações implícitas, e a dimensão pela qual estas são
consideradas cumpridas ou violadas, mediadas pelo nível de confiança
estabelecido nesta relação;
- Essas expectativas não são necessariamente explicitadas. Podem estar
contidas no acordo implícito entre patrões e empregados, e normalmente
têm a ver com justiça e boa fé;
- Um aspecto importante da noção de contrato psicológico é que este pode
ser continuamente renegociado, à medida que as expectativas do
funcionário e do empregador vão mudando ao longo do tempo, em
decorrência das diferentes contingências e necessidades que vão
surgindo no decorrer da relação estabelecida entre eles. Não se trata,
portanto, de um elemento estático, mas sim possuidor de uma dinâmica
própria, e muitas vezes característica, o que, por si só, dificulta as
pesquisas a seu respeito, normalmente pontuais no tempo.
- Por ser baseado em percepções individuais, o contrato psicológico pode
assumir diversos padrões dentro de uma mesma organização ou
ambiente, assim como as atitudes de ambos os lados podem vir a ser
interpretadas de várias formas diferentes, e até mesmo opostas,
influenciando sobremaneira a sensação de cumprimento ou rompimento
do compromisso moral embutido no acordo.
Rousseau (2001) conclui, resumindo o corpo de teoria desenvolvido a
respeito do contrato psicológico, que o tema vem atraindo cada vez mais a
atenção tanto do meio acadêmico como do empresarial, sendo utilizado de forma
crescente no aprofundamento da compreensão de uma série de atitudes e
situações relacionadas à questão do trabalho e do desempenho profissional do
homem moderno. Debates recentes quanto à prevalência de contratos
relacionais sobre os meramente transacionais, bem como sobre a existência de
outras espécies de contratos, são pontos a serem ainda esclarecidos pelos
pesquisadores nesta área, na visão da autora.
Referencial Teórico 56
2.12. A Pesquisa Sobre o Tema no Brasil e Fora dos Estados Unidos
Vergara e Hemais (2001), em sua pesquisa sobre o jeito brasileiro de
publicar em estudos organizacionais, alertam, com muita propriedade, para o
risco que trabalhos como a presente dissertação correm quando têm sua base
de informações em uma cultura acadêmica alheia e que não retrata os valores
locais de onde a organização estudada se insere. A predominância de autores
norte-americanos como referência teórica para a pesquisa organizacional
realizada no Brasil é flagrante, como o próprio estudo aponta, muito embora isto
também ocorra em boa parte do mundo e seja, em parte, devido à ainda baixa
produção acadêmica brasileira no amplo espectro de assuntos organizacionais
que surgem e desafiam os pesquisadores nacionais, bem como às dificuldades
que todos nós encontramos para ter acesso a uma base atualizada de dados de
trabalhos brasileiros neste âmbito.
O presente trabalho, dentro das suas limitações, se alia à iniciativa
apontada pelas autoras, no sentido de procurar contribuir com dados reais para
a formação de um modelo teórico que contemple as especificidades da cultura
brasileira.
Um caso interessante de visão alternativa à norte-americana a respeito da
questão da identificação e comprometimento do funcionário com a organização é
o apresentado por Wasti (2003). O autor estudou a influência moderadora
exercida pelos aspectos individualistas e coletivistas das culturas americana e
turca na relação entre o comprometimento do indivíduo com a organização e sua
intenção de deixar a empresa.
A primeira constatação do seu trabalho indica que, a despeito das
diferenças de concepção existentes a respeito e do reconhecimento crescente
de que o comprometimento com a organização se trata de um construto
multidimensional, a maior parte da pesquisa empírica a respeito do assunto é
focada somente na sua perspectiva afetiva. Wasti (2003) sugere que esta
preferência pelo aspecto afetivo e, em menor dose, por um certo caráter
calculista para o comprometimento, seja um reflexo da predominância de
Referencial Teórico 57
pesquisas empíricas sobre o tema, ambientadas no contexto individualista da
sociedade norte-americana, onde a atitude e uma visão do custo-benefício
envolvidos na relação empregado x empresa suplantam largamente qualquer
caráter normativo como determinante dos comportamentos sociais. O autor
também menciona o trabalho de Meyer & Allen, que propõem que o
comprometimento normativo possa ser um melhor indicador do comportamento
do indivíduo com relação ao trabalho em sociedades coletivistas que enfatizem
fortes laços sociais e obrigações morais como valores fundamentais para os
seus cidadãos.
No seu estudo abrangente envolvendo quase 3000 respondentes turcos,
com duas fases de refinamento do instrumento de pesquisa, Wasti (2003)
comprova que o comprometimento normativo não é tão importante para as
pessoas de perfil mais individualista, da mesma forma que certos fatores sociais,
como a desaprovação da família em relação à mudança de emprego, são
levados muito a sério em sociedades coletivistas como a turca.
Os choques culturais verificados em processos de fusões e aquisições
entre empresas de diferentes países têm sido noticiados, como o é o caso da
Nissan com a Renault ou da Damler Benz com a Chrysler, e inclusive no Brasil,
nos recentes processos de privatização das empresas estatais e
concessionárias de serviços públicos nacionais, como a Embratel (Rodrigues,
1991), a Telepar (Machado-da-Silva e Nogueira, 2001) ou do Banestado
(Jacometti et al., 2001) A questão do contrato psicológico aflora como de suma
importância nesta problemática. Não é bem esse, talvez, o caso do presente
estudo, uma vez que os funcionários da FINEP, mesmo não sendo estatutários
(estáveis no emprego), não sofrem risco de demissão.
Finalmente, não se pode encerrar o referencial teórico da presente
pesquisa sem se verificar e mencionar a produção acadêmica brasileira sobre os
temas relacionados à questão da identificação com a organização.
Os trabalhos brasileiros focados ou relacionados à identidade
organizacional e à questão da identificação do funcionário com a empresa
ocuparam posição de destaque nas publicações especializadas da área de
Administração (ANPAD, RAE, RAP, RAC) de 1997 a 2003. Muitos destes
trabalhos são decorrência de pesquisas feitas sobre os efeitos do recente surto
Referencial Teórico 58
privatizante das empresas estatais, de bancos a concessionárias de serviços
essenciais, em se falando de empresas públicas, bem como de fusões e
aquisições de empresas nacionais por grandes corporações nacionais ou
multinacionais. Não se verifica, nas fontes citadas, a ocorrência de pesquisas
como a presente, feita fora do ambiente de privatização e numa empresa pública
sem fins lucrativos e sem interface direta com o consumidor, ainda mais se
tratando da área de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Cumpre ressaltar um estudo etnográfico encomendado pela FINEP -
“Precários Equilíbrios – Um estudo de valores culturais da FINEP” (Rocha,
2000), que está sendo de grande valor para o presente trabalho. O estudo foi
realizado em 2000, antes, portanto, dos dois últimos concursos públicos
realizados pela empresa, que, associados a um Plano de Demissão Incentivada
proposto pela FINEP, fez com que aproximadamente 30% do quadro funcional
fosse renovado. A presente dissertação, de certa forma, cumpre um papel de
continuidade em relação a esse estudo, pois apesar de ter um enfoque temático
diferente, também se vale de entrevistas abertas como instrumento de coleta das
impressões dos funcionários e utiliza muitas das informações obtidas no estudo
como fonte para a compreensão e estabelecimento da contextualização histórica
da relação FINEP x finepianos ao longo do tempo. Assim, menções a esse
trabalho se farão presentes em diversos trechos desta dissertação.
Suzana Rodrigues aborda a relação entre identidade, cultura corporativa e
poder na Telemig (companhia telefônica de Minas Gerais) no estudo do seu
processo de privatização (Rodrigues, 1997). Seu estudo descreve, neste caso,
que a administração da empresa, no afã de difundir uma cultura corporativa,
terminou por impor valores conflitantes em relação aos previamente
internalizados pelos funcionários. Assim, ao invés de criar união, a estratégia da
empresa estimulou o distanciamento e o desligamento dos empregados em
relação à organização, dando margem à sua divisão em subculturas e ao
surgimento de uma contracultura.
Ainda sobre a privatização da Telemig, Alexandre Carrieri apresenta um
trabalho de descrição de todo o processo por parte dos funcionários sob a forma
de metáforas (Carrieri, 2001). O processo narrativo da análise dos funcionários
a respeito da transformação de identidade da empresa de antes para depois da
privatização é descrito mediante o acompanhamento das metáforas
Referencial Teórico 59
representadas nas tirinhas do jornal do sindicato dos telefônicos – O Bodim – ao
longo de toda a década de 90.
Machado-da-Silva e Nogueira (2001) apresentam um estudo de caso
comparativo entre duas empresas públicas, onde em uma, a Alfândega (área de
Aduana da Secretaria da Receita Federal), a identidade se mantém, enquanto na
outra, a privatizada Telepar (Telecomunicações do Paraná S.A), há uma
mudança radical.
Nesse trabalho profundamente focado na interface cultura x identidade
organizacional, Machado-da-Silva e Nogueira (2001) concluem que a leitura do
ambiente organizacional pelos funcionários, em ambos os casos, está
fortemente vinculada à trajetória histórica de cada empresa e à cultura
organizacional. Além disso, verificou-se a grande influência exercida pelo
contexto institucional sobre as identidades organizacionais, seja em caso de
mudança como no caso de manutenção. Especificamente sobre as empresas
analisadas no estudo, os autores constataram que a Alfândega é um tipo de
organização menos sujeita a pressões ambientais para mudanças significativas
do que a Telepar, traduzindo que a idéia de duradouro parece ser sensível ao
ritmo e à intensidade das transformações no ambiente onde a empresa está
inserida, ao próprio caráter de organização e ao seu tipo de atividade, levando
em conta o grau de competição do mercado onde atua.
Davel e Machado (2001) abordam a dinâmica existente entre identificação
e liderança nas organizações contemporâneas. Tal dinâmica envolve a interação
entre processos políticos, cognitivos e emocionais, gerando, em contrapartida,
um ordenamento significativo da realidade e consentimento da parte dos
liderados. Os autores apresentam uma abordagem sobre a questão da emoção
no processo de identificação dos funcionários, como mostra o trecho abaixo:
“As emoções indicam o grau de valor que as pessoas atribuem às situações no processo de identificação: dizem-nos o quão importante é a identificação, refletem o significado emocional da identificação (Harquail, 1998), sugerem e ratificam a forma pela qual as pessoas pensam, se comportam e tomam decisões. Apesar de ser um terreno teórico que começa a ser explorado nos estudos sobre administração e organizações, pesquisadores da problemática adiantam que as emoções desempenham papel central na vida organizacional...” (Davel e Machado, 2001, p.115)
Referencial Teórico 60
Ainda segundo os autores, emoção e cognição não são processos
lineares, e certamente, no contexto da dinâmica entre liderança e identificação,
terminam por interagir com os aspectos políticos.
2.13. A Síntese Teórica que Norteia o Presente Trabalho
Esta dissertação trata do processo de construção da identificação dos
funcionários com uma empresa pública sob um quadro de mudanças freqüentes
em sua estrutura organizacional. A empresa estudada no caso é a Financiadora
de Estudos e Projetos – FINEP – e representa, apesar de suas especificidades,
de certa maneira, o quadro atual dos trabalhadores de diversas empresas
públicas no país. A tônica da identificação foi analisada sob duas linhas teóricas
principais: a Teoria da Identidade Social e o modelo de identidade organizacional
percebida x imagem externa percebida, proposto por Dutton, Dukerich &
Harquail (1994).
No caso da TIS, foi adotada a linha proposta por Albert & Whetten (1985),
reforçada pelos conceitos apresentados por Ashforth & Mael (1989), que tratam,
basicamente, da questão da centralidade, singularidade e continuidade como
pressupostos básicos para o processo de identificação funcionário x empresa.
Dentro da linha de continuidade proposta por Dutton, Dukerich & Harquail
(1994), esta pesquisa trata de como as imagens do passado e do futuro da
organização se conectam ao autoconceito de seus membros e influenciam o seu
comportamento, bem como aborda a questão de como as mudanças de
estrutura, cultura e desempenho organizacional podem levar os funcionários a
revisar a sua identidade organizacional percebida e imagem externa que
constroem da empresa.
Os demais temas tratados no referencial teórico auxiliam a estruturar o
trabalho, como é o caso da comunicação, da cultura e do contrato psicológico.
Cumpre frisar, entretanto, que este é um trabalho sobre o funcionário da FINEP,
e não sobre a empresa em si e, embora às vezes seja difícil essa dissociação, a
Referencial Teórico 61
organização é vista pelo autor do presente trabalho como pano de fundo para as
discussões que realmente interessam à questão de pesquisa