2. REPENSANDO OS DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM A PARTIR PHC

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    Psicologia em Estudo, Maring, v. 12, n. 3, p. 531-540, set./dez. 2007

    REPENSANDO OS DISTRBIOS DE APRENDIZAGEM A PARTIR

    DA PSICOLOGIA HISTRICO-CULTURAL

    Silvana Calvo Tuleski*

    Nadia Mara Eidt#

    RESUMO.A psicologia histrico-cultural assume que o fator biolgico determina a base das reaes inatas dos indivduos.Sobre esta base se constitui todo o sistema de reaes adquiridas, sendo estas determinadas mais pela estrutura do meiocultural da criana do que pelas disposies biolgicas. Se por meio do processo de apropriao da cultura que cada homemadquire as capacidades humanas, a compreenso atual acerca dos distrbios de aprendizagem pode ser reconfigurada,demonstrando que mediaes adequadas e consistentes podem ter carter revolucionrio para a aprendizagem, ao tornarempresente o talento cultural quando o talento biolgico no se revela como esperado.Palavras-chave: Psicologia histrico-cultural; distrbios de aprendizagem; problemas de escolarizao.

    RETHINKING LEARNING DISABILITIES SEEN FROM HISTORICALAND CULTURAL PSYCHOLOGY

    ABSTRACT. Historical and Cultural Psychology foregrounds that the biological factor determines the basis of theindividuals innate reactions. The entire system of acquired reactions, determined more on the structure of the childsenvironment than on biological presuppositions, is constituted on this basis. If all human beings acquire their capacitiesthrough the process of cultural appropriation, current understanding on learning disabilities may be re-designed. It may beshown that adequate and consistent mediations may be revolutionary when they concretize the cultural talent in the case thatthe biological talent fails to reveal itself as expected.

    Key words: Historical and Cultural Psychology, learning disabilities, school problems.

    REPENSANDO LOS TRASTORNOS DE APRENDIZAJE A PARTIR DE LAPSICOLOGA HISTRICO-CULTURAL

    RESUMEN. La psicologa histrico-cultural asume que el factor biolgico determina la base de las reacciones innatas de losindividuos. Sobre esta base se constituye todo el sistema de reacciones adquiridas, siendo stas determinadas, ms por la estructura delmedio cultural del nio, que por las disposiciones biolgicas. Si es por medio del proceso de apropriacin de la cultura que cadahombre adquiere las capacidades humanas, la comprensin actual respecto a los trastornos de aprendizaje puede ser reconfigurada,demostrando que mediaciones adecuadas y consistentes pueden tener carcter revolucionario para el aprendizaje, al hacer presente eltalento cultural cuando el talento biolgico no se revela como esperado.

    Palabras-clave:Psicologa histrico-cultural; trastornos de aprendizaje; problemas de escolarizacin.

    * Doutora em Educao Escolar pela UNESP, Araraquara. Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maring.# Mestre em Psicologia Escolar, vinculada ao Programa de Doutorado em Educao Escolar da UNESP, Araraquara.

    REPENSANDO OS DISTRBIOS DEAPRENDIZAGEM A PARTIR DA

    PSICOLOGIA HISTRICO-CULTURAL

    Fracasso escolar: fracasso de quem?

    Os ndices de evaso e repetncia escolar narealidade brasileira so expressivos e se mantm

    inalterados h dcadas, evidenciando a seletividade donosso sistema educacional, que exclui grande partedas crianas do processo de escolarizao. No Brasil,somente cerca de 27% das crianas que ingressam naprimeira srie terminam o primeiro grau (Helene,citado por Machado, 1997). A histria da Educao noBrasil tem registrado a democratizao do acesso

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    escola - traduzida no aumento do nmero de vagas -mas no da escolarizao. Isto pode ser verificado empesquisa recente divulgada pelo Ministrio da Educao(Inep/Mec, 2000)1 cujos dados demonstram que, emlngua portuguesa, somente 5% da amostra podem serconsiderados leitores competentes (com habilidades deleitura compatveis com a srie cursada e dominamalguns recursos lingsticos), e em matemtica, apenas7% conseguem resolver problemas de forma coerente.

    A anlise desse panorama permite-nos questionaro grande nmero de avaliaes psicoeducacionais queterminam por transferir um problema social deensinagem para o mbito individual, de aprendizagem.De acordo com Meira (2003), na grande maioria doscasos, essas avaliaes se restringem a diagnosticar oaluno. Agindo assim, aceitam a queixa ventilada comoreal como um dado concreto, verdadeiro, situada noindivduo. Queremos frisar que tais prticas legitimama culpabilizao da criana pelo no aprender,tornando-a facilmente alvo de rotulaes tais comoportadora de distrbios de aprendizagem.

    A ESCOLA E SEU PAPEL NODESENVOLVIMENTO DAS FUNES

    PSICOLGICAS SUPERIORES

    Para Leontiev (1978), a aprendizagem tem

    extrema relevncia, pois o processo de apropriaoda experincia produzida pela humanidade atravs dostempos que permite a cada homem a aquisio dascapacidades e caractersticas humanas, assim como acriao de novas aptides e funes psquicas.Vigotski (1999) postula, tambm, que as funespsicolgicas superiores - como memria, ateno,abstrao, aquisio de instrumentos, fala epensamento - tero condies de se desenvolvermediante a aquisio de conhecimentos transmitidoshistoricamente, os quais, necessariamente, para seremapropriados pela criana, precisam da mediao dosindivduos mais desenvolvidos culturalmente. Ou seja,o desenvolvimento das funes psicolgicassuperiores se d na interao social e por intermdiodo uso de signos.

    Os signos2 so entendidos aqui comoinstrumentos psicolgicos, cabendo-lhes a funo deatuar sobre o psiquismo humano, modificando-o. Tal

    1 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas EducacionaisAnsio Teixeira.

    2 Entre os signos esto a linguagem, os vrios sistemas de

    contagem, as tcnicas mnemnicas, os sistemas simblicosalgbricos, os esquemas, diagramas, mapas, desenhos etodo o tipo de signos convencionais (Vigotski, 1999).

    modificao se d na medida em que o signomediatiza no s o pensamento, mas tambm a prpriaproduo e reproduo da sociedade humana. Alinguagem considerada um dos signos maisimportantes empregados para impulsionar odesenvolvimento psicolgico, pois graas generalizao verbal que a criana torna-se possuidorade um novo fator de desenvolvimento a experinciahumano-social que se transforma no elementofundamental da sua formao mental (Leontiev, 1978).

    Para a Psicologia Histrico-Cultural, as funespsicolgicas superiores existem concretamente naforma de atividade interpsquica nas relaes sociaisantes de assumirem a forma de atividade intrapsquica.Mediante o processo de internalizao ocorre atransformao do contedo das relaes sociais emfunes psicolgicas superiores, especificamentehumanas. Assim sendo, a Psicologia Histrico-Cultural assume que o fator biolgico determina abase das reaes inatas dos indivduos e sobre estabase todo o sistema de reaes adquiridas vai seconstituir, sendo determinado muito mais pelaestrutura do meio cultural onde a criana cresce e sedesenvolve (Vigotski, 2001).

    A educao escolar tem um importante papel nesseprocesso de transformao das funes psicolgicaselementares em superiores, por meio do ensino dos

    conhecimentos cientficos. Leontiev (1978) expressa aimportncia da aquisio da leitura, escrita, clculo e dosfundamentos das cincias pela criana, na medida em quetais processos permitem a apropriao de uma vastaexperincia humano-social. Assim entendemos que aoprofessor cabe a funo de mediao entre oconhecimento j existente e os alunos, sendo que oscontedos trabalhados por ele no processo educativocriam, individualmente, nos aprendizes, novas estruturasmentais, decorrentes dos avanos qualitativos nodesenvolvimento de cada criana.

    Nesta mesma linha, Duarte (2000) defende que o

    conhecimento cientfico deve ser apropriado por todosos membros da sociedade. Quando a escola nofavorece tal apropriao, colabora para a manutenoda ordem vigente, na medida em que o sabercontinuar sendo propriedade de uma determinadaclasse.

    Assim, quanto mais se tornam complexas asrelaes sociais de produo, mais complexos aindatornam-se os mecanismos ideolgicos de manutenodestas condies, sendo a escola, como demonstraSaviani (2003), um espao ora implcito, ora explcitopara a luta de classes na sociedade capitalista. Nestaarena pode ser predominante uma prxis educativatransformadora ou revolucionria ou uma prxis

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    educativa mantenedora ou reacionria, que, em nossoentendimento, precisam ser reveladas.

    DISTRBIOSDE APRENDIZAGEMOUDEENSINAGEM: UMA QUESTO

    CONTROVERTIDA.

    Uma reviso da literatura procurando enfocar osdiferentes termos usados para identificar o aluno queno aprende apontou tanto a falta de concordnciasobre as definies e conceitos, quanto uma formaconfusa e contraditria na apresentao de parmetrosque permitam compreender que fatores podem serconsiderados como causais intrnsecos ou extrnsecosnas mais diferentes obras e autores que tratam do

    assunto (Rocha, 2004). A definio mais aceita naatualidade entende que

    Distrbio de Aprendizagem um termogenrico que se refere a um grupoheterogneo de desordens, manifestadas pordificuldades na aquisio e no uso daaudio, fala, escrita e raciocnio matemtico.Essas desordens so intrnsecas ao indivduoe presume-se serem uma disfuno desistema nervoso central. Entretanto, odistrbio de aprendizagem pode ocorrerconcomitantemente com outras desordens

    como distrbio sensorial, retardo mental,distrbio emocional e social, ou sofrerinfluncias ambientais como diferenasculturais, instrucionais inapropriadas ouinsuficientes, ou fatores psicognicos.Porm, no so resultado direto destascondies ou influncias (Hammill, citadopor Ciasca, 1994, p. 36, grifos nossos).

    Assim, pode-se afirmar que a disfunoneurolgica a caracterstica fundamental quediferencia crianas com distrbio de aprendizagemdaquelas com dificuldades de aprendizagem (Rocha,2004). Tomando-se como base esta definio, possvel considerar que as dificuldades deaprendizagem so facilmente removveis, por seconstiturem em problemas no processo ensino-aprendizagem, e no relacionados a fatores biolgicosresultantes de disfunes do sistema nervoso central(SNC). No que se refere incidncia, encontramos40% da populao em idade escolar indicada comoportadora de dificuldade de aprendizagem, enquantosomente 3% a 5% apresentariam distrbio deaprendizagem (Campos, citado por Rocha, 2004). Noentanto, no mbito escolar e nos servios deatendimento especializado, esse ndice muito maiordo que 3 a 5%.

    Os elevados ndices de dificuldades e distrbiosde aprendizagem existentes na realidade brasileira nosconvidam a pensar nos desdobramentos dediagnsticos indevidos, resultantes, em nossa opinio,de concepes negativas sobre a criana e seudesenvolvimento e de prticas educacionais eavaliativas que desconsideram a poltica educacionaldo pas; a qualidade da escola oferecida aos seususurios; a relao professor-aluno; a metodologia deensino, a adequao de currculo e o sistema deavaliao adotado; diferenas sociais e culturais queno so respeitadas no sistema de ensino; a famlia -que ainda vista como aquela que desvaloriza aeducao formal em detrimento do trabalho, etc.,responsabilizando a criana pelo no-aprender. Estasconcepes, pautadas numa viso organicista enaturalizada de homem e sociedade s pode concebero no-desabrochar das capacidades humanas tomadascomo espontneas como doena, patologia,inabilidade e incapacidade.

    Concordamos com Souza (2000) quando afirmaque se faz necessrio uma ruptura na forma de anlisepolarizada dos fenmenos, vindo a assumir umreferencial terico que d conta de articular osdiversos nveis at ento geralmente entendidos comoseparados (no caso, a subjetividade e a realidadesocial) e inclua o entendimento dos processos de

    escolarizao e a complexidade neles envolvida comosendo construdos em uma sociedade de classes ondeas crianas so tratadas de acordo com o grupo socialdo qual fazem parte. Ou seja, as crianas devem serentendidas como indivduos que se desenvolvem ouno, a partir do que o meio sociocultural lhesdisponibiliza no s concretamente, em termos deoferta dos instrumentos materiais necessrios para aaprendizagem, mas tambm dos processos deraciocnio que o homem adquiriu ao longo de milharesde anos de evoluo.

    O enfoque no processo de escolarizao e no nos

    problemas/distrbios de aprendizagem pretenderomper com a atribuio da responsabilidade pelo no-aprender criana ou a distrbios de aprendizagemcuja origem entendida muitas vezes unicamentecomo psicolgica, biolgica ou emocional. Ainterveno do psiclogo deveria, ao contrrio,favorecer a reflexo, junto ao professor e criana,sobre as relaes estereotipadas existentes na escola,pautadas em crenas que atribuem a dificuldade noprocesso de escolarizao criana, tendo comoresultado nmeros elevados de repetncia, evaso,excluso e rotulao.

    necessrio, portanto, desenvolver mudanas nabase do ensino ao invs de mudanas fragmentadas

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    que objetivam atingir a criana de forma individual.Como conseqncia, o enfoque no seria mais ensinara criana a aprender, mas sim, aprender comoensinar a criana. Isto possibilitaria que rtulosfossem evitados antes que ela tivesse oportunidade de,ao menos, apropriar-se dos fundamentos bsicos daaprendizagem escolar (Ciasca & Rossini, 2000).

    Dificuldades no mbito individual comodistrbios de aprendizagem s deveriam se tornar umahiptese quando fossem esgotadas todas asinformaes e anlises sobre a escola onde a queixafoi produzida, e como resultado deste trabalho deinvestigao e interveno, fosse constatada aadequao da escola (Souza, 2002), tarefa difcil aotomarmos como base os dados do INEP/MEC, queatestam os vrios problemas que comprometem aqualidade do ensino em nosso pas.

    Leontiev (1978) esclarece que a fora dessepreconceito segundo o qual o desenvolvimento dosprocessos cognitivos dos indivduos tem origem em simesmo to grande que a psicologia no-marxistacolocou o problema ao contrrio, na medida em queconsiderava, por exemplo, que as aptides cientficaseram condio para a apropriao do conhecimentocientfico, ao invs de considerar que a apropriaodos progressos da cincia que seria responsvel pelaformao das aptides cientficas. Ou ainda, o talentoartstico seria a condio para a apropriao da obrade arte. A partir de uma perspectiva materialista-histrica e dialtica, entendemos que a apropriao daarte justamente a condio para o desenvolvimentodo talento artstico. O ser humano, para ser aquilo que, depende daquilo que aprende, do que conhece eutiliza a cultura acumulada, e no de uma essncia daqual os homens seriam dotados desde o nascimento.Quando se compreende o homem como um ser social,que se humaniza ou desumaniza de acordo com asprticas desenvolvidas ou no no seio das relaessociais de produo, este quadro se altera

    radicalmente. Na sntese realizada por Leontiev (1978,p. 283), temos que:

    O verdadeiro problema no est, portanto, naaptido ou inaptido das pessoas para setornarem senhores das aquisies da culturahumana, fazer delas aquisies da suapersonalidade e dar-lhe a sua contribuio. Ofundo do problema que cada homem, cadapovo tenha a possibilidade prtica de tomar ocaminho de um desenvolvimento que nadaentrave.

    Deste modo, as possibilidades para ahumanizao dos indivduos em uma sociedade de

    classes devem ser pensadas a partir do lugar que elesocupam nas relaes sociais que foram criadas peloshomens ao longo da histria e no, como queria apsicologia no-marxista, em decorrncia de atributosindividuais, surgidos por uma dotao natural, pelaqual o desenvolvimento espiritual do homem temorigem nele mesmo. Em consonncia com essepensamento, Vigotski (2004, p. 3) afirma que

    Do mesmo modo que a vida de umasociedade no representa um nico euniforme todo, e a sociedade ela mesma subdividida em diferentes classes, assimtambm, no pode ser dito que a composiodas personalidades humanas representa algohomogneo e uniforme em um dado perodo

    histrico, e a psicologia tem que levar emconta [...] o carter de classe, natureza declasse e distines de classe que soresponsveis pela formao dos tiposhumanos. As vrias contradies internas queso encontradas nos diferentes sistemassociais encontram sua expresso tanto no tipode personalidade quanto na estrutura dapsicologia humana naquele perodo histrico.

    Outra limitao da perspectiva maturacionista enaturalizante do psiquismo refere-se ao papel daescola no desenvolvimento do psiquismo. bastante

    freqente, no meio educacional, o argumento de queos alunos seriam dotados de muita ou poucainteligncia e que j carregariam, ao nascer, umconjunto de habilidades ou inabilidades que teriamquando se tornassem adultos, e nesta perspectiva, afuno da educao escolar ficaria limitada a um meiode acelerar ou retardar a maturao natural.

    Contrariando essa perspectiva, Leontiev (1978)defende que o papel da educao escolar o de criarnas novas geraes aptides que no so dadasmediante a hereditariedade. Para tanto, faz-senecessrio que as condies de educao e de vida

    possibilitem aos homens o acesso culturahistoricamente produzida. Neste sentido, de acordocom Saviani (2003), a funo da escola a detransmisso-assimilao do conhecimento clssicoacumulado pela humanidade atravs dos tempos.

    REDIMENSIONANDO A QUESTO: DOPRODUTOAOPROCESSODE APRENDIZAGEM

    As mediaes acima elencadas, tanto extra-escolares quanto intra-escolares, no podem ser

    entendidas como se ocorressem no vazio, isto , comoabstratas, mas sim, tendo como pano de fundo uma

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    determinada sociedade, em um tempo histricoespecifico. Embora seja de fundamental importncia aanlise dos determinantes histrico-sociais queconstituem o psiquismo na sociedade capitalistacontempornea, no ser possvel desenvolver estadiscusso nos limites desse trabalho3.

    Vale frisar que somente quando se buscaapreender o desenvolvimento humano a partir de umaperspectiva histrica possvel compreender aimportncia da mediao do adulto desde a formaoe desenvolvimento dos conceitos espontneos,adquiridos assistematicamente em seu meio familiar esocial e, posteriormente, na aquisio sistematizadados conceitos cientficos no interior da escolamediatizada pelos educadores, como o fator queconduz a criana, gradativamente, regulagem de seuprprio comportamento e formao da conscincia,o que caracterizado por Vigotski (1991) comoprocesso de humanizao.

    De acordo com Luria (1994), as ferramentas(externas e internas, instrumentos e signos) usadaspelo homem, no s geram alteraes radicais em suascondies de existncia, mas agem sobre eleefetuando uma mudana em sua condio psquica.Nas inter-relaes complexas com o ambiente, em suaorganizao, esta est sendo refinada e diferenciada; amo e o crebro vo assumindo formas definidas e vai

    evoluindo tambm uma srie de mtodos complexosde conduta, com a ajuda dos quais o homem se adaptamais perfeitamente ao mundo circundante. Nenhumdesenvolvimento - o da criana includo - numasociedade civilizada moderna pode ser reduzido aodesenvolvimento de processos inatos naturais e amudanas morfolgicas por eles condicionadas, masse deve considerar a mudana como resultante dainsero em grupos sociais e em formas de condutacivilizadas, pois a apropriao dos seus mtodos vaiajudar a criana a se adaptar s condies dacomunidade que a cerca, processo em que a educaoescolar tem papel fundamental, como j vimos. Assim,exigindo-se da criana que trabalhe formas novas deadaptao, criam-se sbitas transformaes em seudesenvolvimento, obtendo-se formaes indubitvel-mente culturais que tm o papel mais importante emsua evoluo.

    Neste enfoque, impossvel considerar apenas osprodutos da aprendizagem demonstrados nashabilidades ou inabilidades externalizadas pelascrianas, mas impe a necessidade de compreensodas novas formas de conduta que fazem parte do

    3 Um estudo inicial sobre o assunto foi feito por Eidt (2004).

    processo de aculturao ou de instrumentalizaocultural da criana, o que veremos a seguir.

    Processos de aquisio da leitura e escrita

    Vigotski (1998) alerta para o fato de que, emmuitos casos, a aprendizagem da leitura e escritaconverte-se em uma tarefa mecnica e sem sentidopara as crianas. Na psicologia tradicional, a escrita sereduziu a uma complicada habilidade motora, e napsicologia ps-moderna, embebida do neoliberalismo, encarada como um objeto de conhecimento de que acriana pode apropriar-se sozinha, de forma quaseespontnea4. Vigotski (1998) afirma que, ao contrrio,o domnio de um complexo sistema de signos provocaum longo desenvolvimento de funes complexas, que

    prenuncia um ponto crtico de todo odesenvolvimento cultural da criana (p. 120). Luria(1998) demonstra tambm que a criana deveapropriar-se do uso funcional da escrita, o que s podese dar atravs da sua insero na escola e da atuaodireta do professor para que compreenda osmecanismos de um sistema to complexo criado pelahumanidade.

    Luria (1998, p. 99) apresenta como a criana vaise apropriando de seu uso funcional ou instrumentalantes mesmo de dominar a tcnica em si. Para ele,um adulto escreve algo se ele quiser lembrar-se dele

    ou transmiti-lo aos outros, mas na criana a funotransmissora de informaes desenvolve-se bem maistarde, enquanto a primeira a precede em seudesenvolvimento funcional. No entanto, este primeiropasso na rota da cultura, ligando o objeto relembrado aum signo, precisa ser aperfeioado no sentido dadiferenciao, para que possa expressar umdeterminado contedo, possuindo um significadoobjetivo e comum a todos. Assim, linhas e rabiscosfeitos antes espontaneamente, por imitao dosadultos, vo dando lugar a figuras e imagens, e estas, asignos, transformando um signo-estmulo em signo-

    smbolo, o que constitui o salto qualitativo nodesenvolvimento das formas complexas decomportamento cultural.

    Luria (1998) assinala que este perodo primitivoda capacidade de ler e escrever chega ao fim quando oprofessor d um lpis criana, estabelecendo o limiteentre as formas primitivas de inscrio, de carterespontneo ou no-sistematizado (pr-histrico) e asnovas formas culturais exteriores, que serodesenvolvidas atravs do ensino sistematizado eorganizado. Mas ele acrescenta que o

    4 Para maior aprofundamento sobre esta questo consultarDuarte (2000).

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    desenvolvimento posterior da escrita no ocorre comouma linha reta, de crescimento e aperfeioamentocontnuo e linear:

    Como qualquer outra funo psicolgicacultural, o desenvolvimento da escritadepende, em considervel extenso, dastcnicas de escrita usadas e equivaleessencialmente substituio de uma tcnicapor outra. O desenvolvimento, neste caso,pode ser descrito como uma melhoria gradualdo processo de escrita, dentro dos meios decada tcnica, e o ponto de aprimoramentoabrupto marcando a transio de uma tcnicapara a outra. Mas a unicidade profundamentedialtica deste processo significa que atransio para uma nova tcnica inicialmente

    atrasa, de forma considervel, o processo deescrita, aps o que ele se desenvolve mais atum nvel novo e mais elevado (Luria, 1998,p. 180)

    Do exposto acima, possvel compreender que,ao ingressar na escola e no processo de alfabetizaopropriamente dito, a criana, segundo Luria (1998),retrocede em alguns aspectos no que tange ao usoinstrumental da notao anteriormente desenvolvido.Ela passa a conhecer as letras isoladamente, sabe queelas servem para registrar um contedo; mas apreende

    a sua utilizao, a princpio, externamente, isto , anova tcnica recm-adquirida no-diferenciada e suarelao com ela quase como mgica. Odesenvolvimento da habilidade motora para escreverletras, portanto, no coincide com a relao funcionalda criana com estes mesmos smbolos. Para Luria(1998), isto ocorre porque ainda no existe acompreenso do sentido e do mecanismo de uso dasmarcas simblicas, condio que somente sersuperada com o desenvolvimento posterior alfabetizao, envolvendo a assimilao dosmecanismos da escrita simblica, o uso dos

    expedientes para exemplificar e apressar o ato derecordao e de transmisso de informaes esignificados a outrem..

    importante salientar que Luria (1998) deixaclaro, em seus estudos sobre o desenvolvimento dossignos e suas origens na criana, que no acompreenso que gera o ato, mas o ato que gera acompreenso, da mesma forma que a diviso dotrabalho, a ao do homem sobre a natureza, gerou anecessidade do desenvolvimento da linguagem e oaprimoramento do pensamento mediado por ela. Talfato deve ser levado em conta pelo educador para que

    no fique esperando que a criana compreendasozinha os processos de leitura e escrita - que so

    sociais mas, ao contrrio, planeje e organizesituaes diferenciadas em que a criana exercite aao de escrever e interpretar smbolos escritos,ensinando a ela o mecanismo de tal mgica, isto , arelao grafema-fonema, to importante na escritaalfabtica. Quando a escola no ensina este processo,esperando que a criana o descubra sozinha, gera oimpasse gentico constatado por Azenha (1997), quepode desencadear um estancamento ou retrocesso nodesenvolvimento da criana.

    Quando a criana comea a utilizar letras demaneira aleatria, desconhecendo seu valor sonoro, huma regresso em termos de funcionalidade da escrita,pois isto no a ajuda na evocao dos contedos, oque constitui um paradoxo: um produto mais prximoda conveno se associa a um funcionamentopsicolgico primrio e a inelegibilidade leva a umanegao da escrita e ao retorno ao desenho. Este oimpasse gentico que s pode ser superado com oensino dos modos pelos quais o sistema convencionalda escrita indica precisamente o contedo doenunciado oral, isto , a relao grafema-fonema.

    preciso tomarmos como base de nossa anlise,no as vertentes psicolgicas que naturalizam ousubjetivizam as funes psicolgicas superiores, massim, a Psicologia Histrico-Cultural, segundo a qualtais funes se desenvolvem a partir das mediaes

    sociais e, sendo as relaes sociais na atualidade cadavez mais complexas, tais mediaes, que permitem aapropriao dos instrumentos e signos, necessitam deum alto grau de planejamento e sistematizao paraproporcionar o acesso ao saber a todos os indivduos.Essa Psicologia considera ainda que os sistemasfuncionais de alta complexidade se estabelecem apartir das tarefas que o meio proporciona s crianas,as funes corticais superiores podem desenvolver-seou no, de acordo com o grau de qualidade dasmesmas.

    Nesta tica, fica um tanto difcil considerar

    disfunes corticais vinculadas a habilidades culturaisto complexas como resultantes apenas de maturaodo SNC, pois assim a frmula posta invertida. ParaVigotski (1991), as funes corticais superiores so,em princpio, funes extracorticais, ou seja,desenvolvidas no e pelo intercmbio da criana comos indivduos mais desenvolvidos culturalmente, paradepois se tornarem intracorticais ou individuais. Nessemesmo sentido, Leontiev (1975) afirma que as funespsicofisiolgicas so sempre subordinadas s relaesobjetais, isto , so extracerebrais, uma vez que

    dependem do contedo da atividade do sujeito. Nestecaso, so as tarefas propostas criana que

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    possibilitaro a maturao e o estabelecimento dossistemas funcionais de alta complexidade.

    Outro problema est em considerar com relativaindependncia processos to intimamente ligadoscomo a leitura e a escrita, a ponto de configurarem-seem dislexias, disgrafias e disortografias. Ainda, quantoa estas classificaes, encontramos autores que lhesfazem subdivises, conforme o que se observa naescrita ou leitura da criana, isto , considerando oproduto final ou aspecto externo. Tem-se ento adislexia visual, a auditiva, a combinada. Na escritatem-se a disgrafia, a disortografia, o distrbio deformulao e sintaxe, entre outros (Jonhson &Myklebust, 1987; Lecours & Parente, 1997; Snowling& Stackhouse, 2004, entre outros).

    Entendemos como fundamental a compreenso deLuria (1998) sobre o desenvolvimento de habilidadesculturais na criana, focalizando, principalmente, odesenvolvimento da escrita e do processo decontagem, para a despatologizao de um processoque se constitui na apropriao, por parte da criana,do que o meio cultural lhe oferece. Ele expe que noindivduo adulto, em que tais habilidades j foramdesenvolvidas, o processo de ler e escrever, porexemplo, no executado por nenhuma aopsicolgica complexa, pois reproduzidoautomaticamente por tcnicas j aprendidas em

    estgios anteriores do desenvolvimento. No entanto,durante a apropriao de tais habilidades por parte dacriana, este processo no automtico, mas passa pordiversos estgios, que envolvem mudanassignificativas nas funes psicolgicas, partindo-se detarefas e atividades planejadas e sistematizadas paraque a aprendizagem tenha sucesso.

    Processo de aquisio do clculo

    Analisando o processo de ensino, podemosafirmar que existe pouca continuidade entre o que ensinado na escola e o que existe fora dela, no que

    tange ao conhecimento matemtico. Alm disso, oconhecimento adquirido fora do contexto escolar nemsempre serve de base para a aprendizagem formal(Moyss, 1997). Pesquisa realizada por Schoenfeld(citado por Moyss, 1997), objetivando verificar oconhecimento matemtico de alunos secundaristas nosEstados Unidos, apontou que 70% deles realizaram asoperaes matemticas necessrias para a resoluo deum problema de forma correta, mas no souberaminterpretar os resultados obtidos, considerando asituao-problema. Estes dados evidenciam a falta de

    sentido, para a criana, que perpassa a aprendizagemdestes contedos.

    Os pressupostos da Teoria Histrico-Cultural, noentanto, podem fornecer importantes contribuies sestratgias de ensino-aprendizagem (Moyss, 1997),bem como ao repensar da contribuio da matemticapara as transformaes sociais (Duarte, 1990).

    Vigotski defende que a aprendizagem dosconceitos deve partir das prticas sociais,evidenciando a necessidade de contextualizar oensino. Isto porque, de acordo com Moyss (1997, p.68), a anlise do contexto favorece a aprendizagem, namedida em que ela permite que no se perca o fio doraciocnio ao se resolver um problema matemtico.Aautora prope que se faa uma articulao entre aaprendizagem formal e situaes a serem resolvidasno cotidiano, para que as noes adquiridas na escolaganhem sentido fora dos muros escolares e asimbologia matemtica - as sentenas, regras esmbolos possam ser aprendidos pelos alunos deforma a conseguirem atribuir-lhes significado. Docontrrio, a escola continuar a negar ao aluno umadas formas mais importantes de ler e analisar omundo.

    Se considerarmos, ainda, que a sociedadecapitalista em que vivemos pauta-se, em grande parte,pelos conhecimentos matemticos que possibilitam acriao de ndices, impostos, quantificao de lucros eprejuzos, entre outras transaes econmicasnacionais, internacionais e cotidianas, o impedimentode grande parcela da populao ao acesso a esteconhecimento configura-se como mais uma forma deexcluso a que expe a ligao dialtica entreconhecimento sistematizado (cientfico) e as relaessociais de produo. Dito de outra forma, a alienaodos indivduos em relao a este conhecimento ostorna, indubitavelmente, mais vulnerveis explorao no mercado de trabalho, na compra evenda de mercadorias, entre outras transaeseconmicas comuns na sociedade atual.

    Duarte (1990) alerta para o fato de que, em muitos

    casos, devido ao objetivo de no desvincular amatemtica dos problemas sociais cotidianos, o ensino damatemtica enquanto cincia acaba ficando em segundoplano, sendo desenvolvido assistematicamente. Isso nocontribui para a socializao de seu contedo einviabiliza o acesso desta ferramenta cultural scamadas populares. O ensino, portanto, deve partir docontexto onde o indivduo se insere, mas devecaminhar para o conjunto das relaes mais abstratas,que permita o entendimento de como a sociedade atualfunciona e como ela dispe deste conhecimento parasua manuteno.

    A transmisso do contedo matemtico de formaestanque e imutvel, como algo que existe por si

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    mesmo, descaracteriza todo o processo de construodesta cincia pelos homens atravs dos tempos,enquanto expresso das estratgias empregadas parasatisfao de suas necessidades e assim, retirada a suahistoricidade, torna-se pouco atraente aos aprendizes.Alm disso, na medida em que o ensino de umacincia no permite que os alunos compreendam seuprocesso de evoluo, estamos contribuindo para quese mantenha uma viso de imutabilidade social, ouseja, de que a sociedade e os homens so estticos.Duarte (1990, p. 81) afirma que

    Se pretendemos contribuir para que oseducadores sejam sujeitos dastransformaes sociais e do uso daMatemtica nessas transformaes,

    necessrio que contribuamos para que elesdesenvolvam um modo de pensar e agir quepossibilite captar a realidade enquanto umprocesso, conhecer as leis internas dodesenvolvimento desse processo, para podercaptar as possibilidades de transformao doreal.

    compactuando com esta posio, isto ,enfatizando o processo, que as transformaesdescritas por Luria (1998) - tanto em relao apropriao da escrita quanto dos processos decontagem pela criana - esclarecem que sob as formas

    mais primitivas desenvolvidas pela criana em seucotidiano sero reconstrudas as novas e complexasformas culturais que revolucionam as funespsicolgicas, atravs do ensino escolar sistematizado.Caberia ao educador, portanto, compreender emovimentar este processo crescente dedesenvolvimento dialtico das formas complexas eessencialmente sociais de comportamento.

    O desenvolvimento das habilidades culturaisde contagem e escrita envolvem uma srie deestgios nos quais uma tcnica

    continuamente descartada em favor da outra.Cada estgio subseqente suplanta o anterior;s aps ter passado pelos estgios em queinventa seus prprios expedientes eaprendido os sistemas culturais queevoluram ao longo dos sculos, ela acriana chega ao estgio dedesenvolvimento caracterstico do homemavanado, civilizado.No entanto, uma criana no se desenvolveem todos os aspectos no mesmo ritmo. Elapode aprender e inventar formas culturais deenfrentar problemas em uma rea, mas

    permanecer em nveis anteriores e maisprimitivos quando se trata de outras reas deatividade. Seu desenvolvimento cultural

    freqentemente desigual, e os experimentosindicam que traos do pensamento primitivosurgem muitas vezes em crianas bastantedesenvolvidas.

    Para aqueles envolvidos nas tarefas prticasda criao e educao de crianas, adescoberta desses resduos peculiares dosprimeiros estgios do desenvolvimentocultural constitui tarefa de importnciafundamental. (Luria, 1998, p. 101-102)

    As consideraes expostas acima, se bemcompreendidas pelos educadores, possibilitam umnovo entendimento de como se d o desenvolvimentoinfantil a partir da insero da criana no ensinosistematizado, ou seja, permitem entender que estedesenvolvimento no ocorre de forma linear, nem sed como um acmulo quantitativo de informaes ehabilidades. Compreendendo-se o desenvolvimentoinfantil dialeticamente, como Luria (1998) prope, isto, com avanos e retrocessos, saltos e recuos a cadaatividade introduzida pelo professor, torna-se possvelsuperar a viso que muitas vezes respalda oencaminhamento de crianas com supostos distrbiosde aprendizagem, erroneamente atribudos a umdesnvel na aquisio de determinadas habilidadesescolares como leitura, escrita, aritmtica, entre outras.

    Partindo-se de tal perspectiva possvel reconsiderartambm o conceito de discalculia, que caracterizada poruma dificuldade na compreenso dos princpiosmatemticos, expressa pela inabilidade da criana emrealizar operaes matemticas, classificar nmeros ecoloc-los em seqncia (Fonseca, 1995). Primeiramente,portanto, devemos perguntar como a escola vemoferecendo os conhecimentos matemticos e a partir dequais mtodos pedaggicos a criana se v inserida nomundo dos smbolos matemticos, para depois pensar seesta portadora de um dficit de clculo.

    FINALIZANDO...

    Como demonstramos anteriormente, grande parteda produo cientfica atual acerca dos problemas deescolarizao tem centrado suas anlises, unicamente,nas caractersticas individuais - tomadas comonaturalmente patolgicas, descolando o sujeito dasociedade na qual ele est inserido. Alm disso, ascaractersticas humanas muitas vezes so entendidascomo anistricas, pois so apresentadas comoconstantes, comuns a todas as pocas e a todos oshomens (Paiva, 2001). Contrariando essasperspectivas, o que queremos postular quedistrbios/dificuldades de aprendizagem precisam serdatados - analisados a partir das condies sociais e

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    econmicas de uma determinada poca histrica - ecompreendidos no interior da sociedade em que sedesenvolvem. Deste modo, de fundamentalimportncia analisarmos a qualidade das mediaesestabelecidas em diferentes contextos sociais (como afamlia e a escola), considerando que o esfacelamentodas relaes entre os indivduos se tornou umacaracterstica da ps-modernidade, na qual se verificao surgimento de verdadeiras epidemias de desordensde aprendizagem.

    Quando se postula que mediaes adequadas econsistentes podem ter carter revolucionrio para oprocesso de desenvolvimento e aprendizagem dosalunos, tornando presente o talento cultural queredimensiona as funes psicolgicas estabelecendoos sistemas funcionais de alta complexidade,entendemos que aquilo que as funes primitivas oubiolgicas no conseguem realizar, as funessuperiores ou culturais o conseguem, atravs daampliao ilimitada das capacidades humanas, como o caso da memria cultural (mnemotcnica),percepo, ateno voluntria, entre outras que sereestruturam sobre a base dos mediadores culturais. Adiscusso, portanto, deve deslocar-se para o que asociedade atual vem ou no fazendo para que ossistemas funcionais de origem cultural no seconstituam a contento em muitas crianas.

    Em nosso entender, somente uma teoria como aPsicologia Histrico-Cultural, que compreende ohomem no somente como mais um animal na escalaevolutiva biolgica, mas sim, como um ser capaz desuperar os limites dados pelo seu organismo atravs dodesenvolvimento de instrumentos externos quemodificam suas condies de vida e de instrumentospsicolgicos (signos) que lhe permitem controlar seuprprio comportamento, capaz de auxiliar na crticae superao de algumas vertentes explicativas queservem muito mais manuteno da atual sociedadeexcludente do que sua transformao.

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    Recebido em 15/03/2006

    Aceito em 07/06/2006

    Endereo para correspondncia: Silvana Calvo Tuleski. Rua Francisco Glicrio, 517, apto 22, Zona 07, CEP 87030-050.Maring- PR.E-mail: [email protected]