2007 Educacao Para Todos e Sucesso de Cada Um

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educação para todos

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  • Meireles-Coelho, Carlos; Izquierdo, Teresa; Santos, Camila (2007). Educao para todos e sucesso de cada

    um: do Relatrio Warnock Declarao de Salamanca. J. M. Sousa (Org.). Actas do IX Congresso da

    SPCE: Educao para o sucesso: polticas e actores. Vol. 2. Universidade da Madeira, 26 a 28 de abril de

    2007. (Porto): SPCE, 178-189. ISBN 978-989-8148-21-6.

    Actas do IX Congresso da Sociedade Portuguesa de Cincias da Educao Vol. 2 ISBN 978-989-8148-21-6 Depsito Legal 285758/08

    Temtica 1:

    Histria(s) do sucesso educativo

    Educao para todos e sucesso de cada um:

    do Relatrio Warnock Declarao de Salamanca

    Carlos Meireles-Coelho, Teresa Izquierdo e Camila Santos

    Universidade de Aveiro

    Em 1977 um documento da Unesco descrevia a evoluo da humanidade na sua

    relao com os deficientes em cinco estdios: filantrpico, de assistncia

    pblica, dos direitos fundamentais, da igualdade de oportunidade e do direito

    integrao. Em 1978 o Relatrio Warnock prope que se substitua o paradigma

    mdico pelo educativo, de forma a garantir sucesso e plena integrao em esco-

    las regulares, sendo objectivo da educao apoiar todas as crianas a superar as

    suas dificuldades. Em 1994 a Declarao de Salamanca incita todos os gover-

    nos a conceder a maior prioridade, atravs das medidas de poltica e oramentais,

    ao desenvolvimento dos seus sistemas educativos, de modo a que possam incluir

    todas as crianas, independentemente das diferenas ou dificuldades indivi-

    duais. Aborda-se o desenvolvimento do sistema educativo portugus luz des-

    tes documentos.

  • Actas do IX Congresso da SPCE

    Educao para o sucesso: polticas e actores. (Porto): SPCE. 179

    O Relatrio Warnock

    Em 1977 o documento da Unesco Table ronde international sur le thme: Ima-

    ges du handicap proposes au grand public (Unesco, 1977) descrevia a evolu-

    o da humanidade de acordo com a forma como o deficiente fora tratado e con-

    siderado. Um primeiro estdio filantrpico caracteriza-se pelo conceito dominan-

    te de doena, enfermidade e incapacidade constante, caracterstica do sujeito

    anormal, que pode ser objeto de compaixo por parte da comunidade ou dela

    ser segregado. Num segundo estdio de assistncia pblica institucionaliza-se a

    ajuda aos invlidos necessitados e pode proceder-se ao seu internamento como

    medida de higiene social. O terceiro estdio dos direitos fundamentais a poca

    da noo de direitos universais, estando entre eles o direito educao, mas que

    podia ter excees sobretudo nos casos de QI muito baixos. O quarto estdio da

    igualdade de oportunidade pe em questo a noo de norma e normalidade,

    privilegia as relaes entre o indivduo e o seu meio e considera o estatuto

    socioeconmico e sociocultural das famlias como determinante do sucesso esco-

    lar e social. O quinto estdio do direito integrao apontado como atual, mas

    no caracterizado.

    Em 1978 o Relatrio Warnock / Warnock Report elaborado pelo Comit de

    Investigao, presidido por Helen Mary Warnock, que estudou, de setembro de

    1974 a maro de 1978, o processo educativo das crianas e jovens com deficin-

    cia fsica e mental em Inglaterra, Esccia e Pas de Gales prope que se aban-

    done o paradigma mdico (classificao pela deficincia) e se adopte o para-

    digma educativo (identificao, descrio e avaliao das necessidades educati-

    vas especiais), de forma a garantir sucesso e uma plena integrao em escolas

    regulares, sendo o objectivo da educao apoiar todas as crianas a superar as

    suas dificuldades, sejam de carter temporrio ou permanente, atravs de mlti-

    plos meios ou tcnicas especiais, mtodos de ensino especializado para que o

    aluno possa aceder ao currculo normal, modificao do currculo e adaptao s

    suas necessidades, apoio educativo e materiais especficos face problemtica

    apresentada, modificaes arquitetnicas, reduo do nmero de alunos por tur-

    ma, possibilidade do aluno frequentar a tempo parcial uma instituio de ensino

    especial, o que exige uma mudana e flexibilidade das escolas regulares e da

    formao dos professores. O Relatrio Warnock introduz pela primeira vez o

    conceito de Necessidades Educativas Especiais, englobando no s alunos com

  • Meireles-Coelho, Carlos; Izquierdo, Teresa; Santos, Camila (2007)

    Educao para todos e sucesso de cada um: do Relatrio Warnock Declarao de Salamanca 180

    deficincias, mas todos aqueles que, ao longo do seu percurso escolar possam

    apresentar dificuldades especficas de aprendizagem (Warnock, 1978: 36).

    O Relatrio chama a ateno para as crianas em idade pr-escolar com menos

    de trs anos de idade que nascem com deficincia ou a desenvolvem aps o nas-

    cimento, a chamada interveno precoce, principalmente para as crianas com

    problemas graves, que precisam de ajuda em determinadas funes bem como os

    seus pais, ajuda de que as outras crianas no precisam. O Relatrio chama

    igualmente a ateno para os jovens com Necessidades Educativas Especiais que

    terminam a escolaridade obrigatria sem terem desenvolvido as competncias

    necessrias sua autonomia e plena integrao social, para que possam continuar

    no meio escolar e assim consolidem aprendizagens e desenvolvam outras, ao

    mesmo tempo que frequentam/desenvolvem atividades fora da escola, na chama-

    da transio para a vida ativa/adulta.

    O Relatrio refere a importncia da implementao de um servio de orientao

    e apoio educao especial, em cada comunidade educativa, constitudo por

    docentes de educao especial especializados, com a finalidade de ajudar as

    escolas, os docentes, os pais e at intervir com os prprios alunos com NEE. A

    funo destes servios seria de avaliar as necessidades dos alunos com NEE,

    registar os alunos com NEE de forma a garantir a melhor interveno possvel,

    aprovar os formulrios dos alunos (dossier individual), acompanhar o processo

    educativo dos alunos de forma a garantir a mxima eficcia.

    O Relatrio recomenda cinco nveis de avaliao: 1) A avaliao contnua da

    responsabilidade do docente do ensino regular deve avaliar as reas onde o aluno

    consegue ter sucesso e as reas nas quais o aluno tem dificuldade, comea a ter

    insucesso, fica aqum dos contedos programticos propostos, mostra incios de

    necessidades educativas especiais; neste caso, o docente comunica as dificulda-

    des detectadas gesto pedaggica da escola a qual deve recolher toda a infor-

    mao que exista (mdica, social, ou outra), solicitar a ajuda dos pais e decidir

    sobre as estratgias de interveno mais adequadas para com o aluno dentro da

    escola. 2) Caso as medidas implementadas no surtam efeito, pedida a inter-

    veno do docente especializado em educao especial, a quem compete decidir

    se o aluno deve ou no ter algumas medidas do programa especial e ter o acom-

    panhamento do docente de educao especial. 3) Se as dificuldades do aluno se

    agravarem ou houver necessidade da observao/avaliao por outros tcnicos

    exteriores escola (mdicos, psiclogos, terapeutas, tcnicos de servio social e

  • Actas do IX Congresso da SPCE

    Educao para o sucesso: polticas e actores. (Porto): SPCE. 181

    outros), sempre na presena do docente de educao especial, so duas as

    opes: ou o aluno passa a usufruir de medidas especiais dentro da escola ou o

    aluno encaminhado para uma avaliao multiprofissional. 4) A avaliao mul-

    tiprofissional do aluno e de todas as medidas implementadas na escola de forma

    a garantir a integrao feita por tcnicos da comunidade educativa (recursos

    locais). 5) A avaliao multiprofissional feita por tcnicos externos com a pre-

    sena dos docentes e tcnicos intervenientes no caso.

    O Relatrio considera ainda a importncia do processo individual do aluno o

    qual deve conter todos os registos importantes da sua vida escolar e estar dis-

    posio, com carter confidencial, de todos os intervenientes do processo educa-

    tivo do aluno (pais, docentes, tutores, outros); considera igualmente importante a

    participao dos pais em todos os momentos da avaliao e nas tomadas de deci-

    ses em relao aos seus educandos e de lhes ser facilitada toda a documentao

    e informao.

    O ano de 1981 foi designado pela ONU o Ano Internacional das Pessoas Porta-

    doras de Deficincia. 1983/1992 foi declarada a A Dcada das Pessoas com

    Deficincia. A Resoluo 37/52 de 3 de dezembro de 1982 da Assembleia-geral

    das Naes Unidas adoptou o Programa Mundial de Ao Relativo s Pessoas

    Deficientes e a Rehabilitation International adoptou a Carta para os anos 80.

    A Conveno das Naes Unidas sobre os Direitos da Criana em 1989 estipula

    que todos os direitos devem ser aplicados a todas as crianas sem discrimina-

    o (art. 2) e reconhece criana mental e fisicamente deficiente o direito a

    uma vida plena e decente em condies que garantam a sua dignidade, favore-

    am a sua autonomia e facilitem a sua participao ativa na vida (art. 23). Em

    1990 o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a UNICEF,

    a UNESCO e o Banco Mundial organizaram a Conferncia Mundial sobre

    Educao para Todos em Jomtien (Tailndia), onde foram estabelecidas metas

    a atingir no ano 2000, relativas expanso da educao pr-escolar, generali-

    zao do acesso educao primria, ao desenvolvimento do sucesso escolar,

    reduo do analfabetismo na populao adulta, expanso do ensino de compe-

    tncias capazes de promover o emprego, o bem-estar e a sade dos jovens e adul-

    tos; e, de forma especfica, foi estipulado que deviam ser tomadas medidas para

    se poder garantir a igualdade de oportunidades no acesso educao para todas

    as pessoas com deficincia, iniciando-se o desafio para abrir a educao escolar

    diversidade com contedos, mtodos e modalidades de ensino e aprendizagem

  • Meireles-Coelho, Carlos; Izquierdo, Teresa; Santos, Camila (2007)

    Educao para todos e sucesso de cada um: do Relatrio Warnock Declarao de Salamanca 182

    diferentes de modo a garantir o sucesso educativo de todos os alunos (Unesco,

    1990). Podemos assim dizer que a filosofia do Relatrio Warnock estava adopta-

    da a nvel mundial.

    A Declarao de Salamanca

    Em 1994, no seguimento da Conferncia de Jomtien, a Declarao de Salaman-

    ca (Unesco, 1994) preconiza que cada criana tem caractersticas, interesses,

    capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe so prprias, os sistemas

    de educao devem ser planeados e os programas educativos devem ser imple-

    mentados tendo em vista a vasta diversidade destas caractersticas e necessida-

    des, as crianas e jovens com necessidades educativas especiais devem ter

    acesso s escolas regulares que a elas se devem adequar, atravs duma pedago-

    gia centrada na criana, capaz de ir ao encontro destas necessidades, as escolas

    regulares, seguindo esta orientao inclusiva, constituem os meios mais capazes

    para combater as atitudes discriminatrias, criando comunidades abertas e solid-

    rias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a educao para todos

    (Unesco, 1994, n. 2) e incita todos os governos a: conceder a maior priorida-

    de, atravs das medidas de poltica e atravs das medidas oramentais, ao desen-

    volvimento dos respectivos sistemas educativos, de modo a que possam incluir

    todas as crianas, independentemente das diferenas ou dificuldades indivi-

    duais, adoptar como matria de lei ou como poltica o princpio da educao

    inclusiva, admitindo todas as crianas nas escolas regulares, a no ser que haja

    razes que obriguem a proceder de outro modo, desenvolver projetos demons-

    trativos e encorajar o intercmbio com pases que tm experincia de escolas

    inclusivas, estabelecer mecanismos de planeamento, superviso e avaliao

    educacional para crianas e adultos com necessidades educativas especiais, de

    modo descentralizado e participativo, encorajar e facilitar a participao dos

    pais, comunidades e organizaes de pessoas com deficincia no planeamento e

    na tomada de decises sobre os servios destinados s pessoas com necessidades

    educativas especiais, investir um maior esforo na identificao e nas estrat-

    gias de interveno precoce, assim como nos aspectos vocacionais da educao

    inclusiva, garantir que, no contexto dum intercmbio sistemtico, os programas

    de formao de professores, tanto a nvel inicial como em-servio, incluam as

    respostas s necessidades educativas especiais nas escolas inclusivas. (Unesco,

    1994, n. 3).

  • Actas do IX Congresso da SPCE

    Educao para o sucesso: polticas e actores. (Porto): SPCE. 183

    A Declarao de Salamanca: 1) consagra a mudana do paradigma mdico (clas-

    sificao pela deficincia) para o paradigma educativo (identificao, descri-

    o e avaliao das necessidades educativas especiais), preconizada pelo

    Relatrio Warnock (1978); 2) aponta como garantia do sucesso para todos que o

    caminho a plena integrao em escolas regulares, como preconizada pelo

    Relatrio Warnock (1978); 3) introduz uma nova alterao de paradigma com a

    noo de incluso, uma nova atitude filosfica, cientfica, poltica, social e eco-

    nmica, que quer dizer que j no o aluno que deve adaptar-se escola, mas

    a escola que deve adaptar-se a cada aluno na especificidade das diferenas de

    cada um a escola no pode ser mais um local de elite, rejeitando os que no

    se enquadram dentro dos parmetros pr-estabelecidos de normalidade, mas

    dever ser aberta a todos os alunos, onde cada criana, qualquer que seja o seu

    problema, encontrar resposta na escola (a aprendizagem deve ser adaptada s

    necessidades da criana, em vez de ser a criana a ter de se adaptar a concepes

    predeterminadas. Unesco, 1994: 18).

    Quando as crianas tm necessidades especiais escola que compete fornecer aju-

    da e orientao especializada de modo que possam desenvolver os seus talentos, ape-

    sar das dificuldades de aprendizagem e das deficincias fsicas. (Delors, 1996: 111).

    A educao (especial) em Portugal depois do Relatrio Warnock

    A filosofia do Relatrio Warnock foi referenciada por Ana Maria Bnard da Costa

    logo aps a sua publicao (Costa: 1979, 1981a, 1981b, 1982, 1991, 1996), bem

    como outros autores e investigadores, no entanto o discurso legal foi mais vagaroso.

    O Decreto-Lei n. 84/78, de 2 de maio, aplica ao ensino primrio os princpios

    definidos no Decreto-Lei n. 174/77, de 2 de maio, para a integrao nas escolas

    regulares dos alunos portadores de deficincias fsicas ou intelectuais, as quais so

    especificadas no Despacho n. 59/79 de 8 de agosto. E a Lei n. 66/79, de 4 de

    outubro, cria o Instituto de Educao Especial. No Decreto-Lei n. 538/79, de 31

    de dezembro, esboado o princpio da escolaridade obrigatria de seis anos e no

    art. 1. referido que o ensino bsico universal, obrigatrio e gratuito, salien-

    tando que o Estado assegurar o cumprimento da escolaridade obrigatria s

    crianas que caream de ensino especial, para o que promover uma cuidada des-

    pistagem dessas crianas, expandir o ensino bsico especial e o apoio s respecti-

    vas escolas; mas, contraditoriamente, anula-se logo a seguir o esboo de abertura:

  • Meireles-Coelho, Carlos; Izquierdo, Teresa; Santos, Camila (2007)

    Educao para todos e sucesso de cada um: do Relatrio Warnock Declarao de Salamanca 184

    a matrcula e a frequncia at final da escolaridade obrigatria podero ser dis-

    pensadas quando se verificar incapacidade comprovada (art. 6).

    No decorrer de 1985 e 1986 vrios partidos polticos portugueses apresentaram

    projetos de lei para o sistema educativo, de que se destaca o Projeto de Lei

    156/IV: Sistema Nacional de Educao do Partido Renovador Democrtico

    (PRD), em virtude de ser o nico que ao referir-se ao aluno com deficincia o faz

    aplicando o termo de Necessidades Educativas Especificas, termo que veio a ser

    adoptado na Lei n. 46/86 de 14 de outubro (LBSE) para designar a criana por-

    tadora de deficincia: assegurar s crianas com necessidades educativas espe-

    cficas, devidas, designadamente, a deficincias fsicas e mentais, condies ade-

    quadas ao seu desenvolvimento e pleno aproveitamento das suas capacidades

    (art. 7.-j) e a educao especial visa a recuperao e integrao socioeducativa

    dos indivduos com necessidades educativas especficas devidas a deficincia

    fsicas e mentais; a educao especial integra atividades dirigidas aos educandos

    e aces dirigidas s famlias, aos educadores e s comunidades. (art. 17.). O

    Decreto-Lei n. 35/88, de 4 de fevereiro, veio permitir a colocao nas escolas de

    professores com funes de apoio a alunos com necessidades educativas espec-

    ficas e nesse mesmo ano com o Despacho Conjunto 36/SEAM/SERE/88 (DR, 2.

    srie, n. 189, 1988-08-17, 7430-7431) so legalizadas as Equipas de Ensino Especial

    do Ministrio da Educao, que funcionavam na prtica desde 1975/76. A Lei n.

    9/89, de 2 de maio, (Lei de Bases da Preveno e da Reabilitao e Integrao

    das Pessoas com Deficincia) contribui para a clarificao dos princpios da

    integrao.

    O Decreto-Lei n. 35/90, de 25 de janeiro, vem, pela primeira vez no nosso sis-

    tema educativo, estender a escolaridade obrigatria a todos, sem exceo mesmo

    daqueles que apresentam qualquer deficincia confirmada por relatrio mdico:

    os alunos com necessidades educativas especficas, resultantes de deficincias

    fsicas ou mentais, esto sujeitos ao cumprimento da escolaridade obrigatria,

    no podendo ser isentos da sua frequncia. No prembulo afirmava-se: facto

    preocupante , tambm, o baixo ndice de escolarizao das crianas com neces-

    sidades educativas especficas () a quem importa garantir as condies educati-

    vas adequadas s suas caractersticas e o seu pleno acesso educao, em todo o

    perodo compreendido pela escolaridade obrigatria. O artigo 18 muda a

    designao adoptada pela LBSE de necessidades educativas especficas para

    necessidades educativas especiais, que ser usada a partir da.

  • Actas do IX Congresso da SPCE

    Educao para o sucesso: polticas e actores. (Porto): SPCE. 185

    E o Decreto-Lei n. 319/91, de 23 de agosto, que regulamenta a Lei n. 46/86

    (LBSE) no domnio da educao especial e visa regular a integrao dos alunos

    portadores de deficincia nas escolas regulares, usa j o termo necessidades edu-

    cativas especiais (NEE), o que explicado no prembulo: A substituio da clas-

    sificao em diferentes categorias, baseada em decises de foro mdico, pelo con-

    ceito de aluno com necessidades educativas especiais, baseado no critrio

    pedaggico; a responsabilidade da escola regular pelos problemas dos alunos com

    deficincia ou dificuldades de aprendizagem; a abertura da escola a alunos com

    NEE, numa perspectiva de escola para todos; o reconhecimento dos pais na orien-

    tao educativa dos seus filhos; a aplicao de um conjunto de medidas cuja apli-

    cao deve ser ponderada de acordo com o princpio de que a educao dos alunos

    com NEE deve processar-se no meio menos restrito possvel, pelo que cada uma

    das medidas s deve ser adoptada quando se revele indispensvel para atingir os

    objectivos educacionais definidos. Prev tambm um conjunto de medidas a apli-

    car a alunos com NEE na escola regular, que antes estavam reservadas ao ensino

    especial: equipamentos especiais de compensao (livros em Braille ou amplia-

    dos, material audiovisual, equipamento especfico, auxiliares pticos ou acsticos,

    equipamentos informtico adaptado, mquinas de escrever em Braille, cadeiras de

    rodas, prteses); adaptaes materiais (eliminao de barreiras arquitetnicas,

    adaptao de mobilirio, adequao de instalaes); adaptaes curriculares

    (reduo parcial do currculo, dispensa da atividade que se revele impossvel de

    executar em funo da deficincia); condies especiais de matrcula (faculdade

    de efetuar a matricula na escola adequada independentemente do local de residn-

    cia do aluno, com dispensa dos limite etrios existentes e a possibilidade de matri-

    cula por disciplinas); condies especiais de frequncia; condies especiais de

    avaliao (tipo de prova ou instrumento de avaliao, durao, local de realizao,

    etc.); adequao das classes ou turmas (limite mximo de 20 alunos para turmas

    ou classes que integrem alunos com NEE, etc.); apoio pedaggico acrescido

    (apoio lectivo suplementar individualizado ou em pequenos grupos); ensino

    especial (Currculos Escolares Prprios os quais tm como padro os currculos do

    regime educativo comum e os Currculos Alternativos que substituem os currcu-

    los do regime educativo comum e destinam-se a proporcionar a aprendizagem de

    contedos especficos). Prev ainda que os alunos com NEE complexas passem a

    ter um Plano Educativo Individual (PEI). E que, nos casos em que a aplicao das

    medidas implementadas no tenham surtido efeito, sejam os servios de psicologia

    e orientao em colaborao com os servios de sade escolar, a propor, alm do

  • Meireles-Coelho, Carlos; Izquierdo, Teresa; Santos, Camila (2007)

    Educao para todos e sucesso de cada um: do Relatrio Warnock Declarao de Salamanca 186

    PEI, um Programa Educativo (PE) apropriado e a encaminhar esses alunos (art.

    12.), o que pode incluir uma instituio de educao especial.

    Assim, o Decreto-Lei 35/90 e o 319/91, pela primeira vez na legislao portu-

    guesa, assumem: 1) a mudana do paradigma mdico (classificao pela defi-

    cincia) para o paradigma educativo (identificao, descrio e avaliao das

    necessidades educativas especiais), preconizada pelo Relatrio Warnock

    (1978); 2) a escolaridade obrigatria para todos, sem exceo, com a plena inte-

    grao em escolas regulares, como preconizada pelo Relatrio Warnock (1978);

    3) que necessrio garantir as condies educativas adequadas s caractersticas

    de cada aluno e ao seu pleno acesso educao, em todo o perodo compreendi-

    do pela escolaridade obrigatria, o que j representa um avano no sentido da

    futura Declarao de Salamanca, apesar de no usar o termo incluso nem expli-

    citar que j no o aluno que deve adaptar-se escola, mas a escola que deve

    adaptar-se a cada aluno na especificidade das diferenas de cada um.

    O Decreto-Lei n. 319/91, de 23 de agosto, complementado por sucessivas

    regulamentaes: Despacho n. 22/SEEI/96 (DR, 2. srie, n. 120, 1996-06-19), Des-

    pacho Conjunto n. 105/97 (DR, 2. srie, n. 149, 1997-07-01, 7544; DR, 2. srie, n. 93,

    2005-05-13, 7520), Despacho n. 4848/97 (DR, 2. srie, n. 174, 1997-07-30, 9141), Des-

    pacho n. 7520/98 (DR, 2. srie, n. 104, 1998-05-06, 6084), Despacho n. 9590/99 (DR,

    2. srie, n. 112, 1999-05-14, 7217), Despacho Conjunto n. 891/99 (DR., 2. srie, n.

    244, 1999-10-19, 15566), Despacho n. 10856/2005 (DR, 2. srie, n. 93, 2005-05-13,

    7518), Despacho Normativo n. 1/2005 (DR, 1. srie-B, n. 3, 2005-01-05, 71). Despa-

    cho Normativo n. 1/2006 (DR, 1. srie-B, n. 5, 2006-01-06, 156).

    O Decreto-Lei n. 115-A/98, de 4 de maio, sobre autonomia das escolas, consti-

    tui um instrumento fundamental para a sua adequao s necessidades dos alu-

    nos, pois, sem autonomia, a escola no pode desenvolver uma perspectiva dife-

    renciada e inclusiva.

    O Decreto-Lei n. 6/2001, de 18 de janeiro, revoga o Decreto-Lei n. 286/89

    (planos curriculares do ensino bsico), aprova a reorganizao curricular do

    ensino bsico, estabelece os princpios orientadores da organizao e da gesto

    curricular, bem como da avaliao das aprendizagens e do processo de desenvol-

    vimento do currculo nacional e introduz pela primeira vez na legislao portu-

    guesa o conceito de necessidades educativas de carter permanente ou prolonga-

    do, que articula com a modalidade da educao especial. Em seu complemento, o

    Despacho n. 13781/2001 (DR, 2. srie, n. 152, 2001-07-03, 11011), que diz respeito

  • Actas do IX Congresso da SPCE

    Educao para o sucesso: polticas e actores. (Porto): SPCE. 187

    existncia de Crdito Global Horrio a ser gerido por cada escola de acordo

    com as medidas que priorizou no seu programa educativo, permite atividades tais

    como: organizao de atividades complementares de apoio para os alunos;

    realizao de reunies capazes de promover o trabalho cooperativo entre profes-

    sores; iniciativas relacionadas com a ocupao dos tempos livres dos alunos,

    promovendo a sua educao cultural, desportiva ou cvica; apoio pedaggico

    aos alunos que dele necessitem, de carter individual ou em grupo.

    Tambm o Decreto-Lei n. 6/2001, de 18 de janeiro, com as alteraes do Decre-

    to-Lei n. 209/2002, de 17 de outubro, complementado por regulamentao:

    Despacho Normativo n. 1/2005 (DR, 1. srie-B, n. 3, 2005-01-05, 71). Despacho

    Normativo n. 1/2006 (DR, 1. srie-B, n. 5, 2006-01-06, 156).

    E o Decreto-Lei n. 20/2006, de 31 de janeiro, vem reger os concursos de profes-

    sores de todos os nveis e graus de ensino, consagrando, pela primeira vez, um

    grupo especfico para a docncia de Educao Especial, com uma nova nomen-

    clatura para a distribuio de lugares de educao especial, com as seguintes

    classificaes (art. 6.-2): Os lugares de Educao Especial que, para efeitos

    deste diploma, configuram grupos de docncia, so os seguintes: E1 lugares

    de educao especial para apoio a crianas e jovens com graves problemas cog-

    nitivos, com graves problemas motores, com graves perturbaes da personali-

    dade ou da conduta, com multideficincia e para o apoio em interveno precoce

    na infncia; E2 lugares de educao especial para apoio a crianas e jovens

    com surdez moderada, severa, ou profunda, com graves problemas de comunica-

    o, linguagem ou fala; E3 lugares de educao especial para apoio a crian-

    as e jovens com cegueira ou baixa viso.

    *

    O quinto estdio da evoluo da humanidade em relao ao deficiente o do

    direito integrao e incluso, em que o deficiente deixa de ser considerado

    uma exceo, por no ser capaz de se adaptar normalidade, para ser considera-

    do um cidado a quem a sociedade inclusiva tem de acolher, garantindo lugar

    para todos, e ao qual a escola integradora tem de se adaptar na vastido das

    diversidades de cada um.

  • Meireles-Coelho, Carlos; Izquierdo, Teresa; Santos, Camila (2007)

    Educao para todos e sucesso de cada um: do Relatrio Warnock Declarao de Salamanca 188

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