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Sªo de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidos nas conferŒncias aqui publicadas. Abril 2009 649 v. 5 5 SumÆrio Os Fundadores do Rio de Janeiro: AmØrico Vespucci, Villegagnon ou EstÆcio de SÆ? ..... 3 Vasco Mariz Terrorismos Constitucionais, OramentÆrios e Fiscais ................................................................. 22 Cid Heraclito de Queiroz O CentenÆrio do Decreto N”2.044, de 31 de Dezembro de 1908 (Define a Letra de Cmbio e a Nota Promissria e Regula as Operaıes Cambiais)............................................. 61 Theophilo de Azeredo Santos Medidas para Vencer a Crise, em TrŒs Tempos ....... 90 Ernane GalvŒas Problemas Nacionais ConferŒncias pronunciadas nas reuniıes semanais do Conselho TØcnico da Confederaªo Nacional do ComØrcio de Bens, Servios e Turismo

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São de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidos

nas conferências aqui publicadas.

Abril

2009

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v. 5 5

Sumário

Os Fundadores do Rio de Janeiro: Américo Vespucci, Villegagnon ou Estácio de Sá? .....3Vasco Mariz

Terrorismos Constitucionais, Orçamentários e Fiscais .................................................................22Cid Heraclito de Queiroz

O Centenário do Decreto Nº 2.044, de 31 de Dezembro de 1908 (Define a Letra de Câmbio e a Nota Promissória e Regula as Operações Cambiais) .............................................61Theophilo de Azeredo Santos

M edidas para Vencer a Crise, em Três Tempos .......90Ernane Galvêas

Problemas NacionaisConferências pronunciadas nas reuniões semanais do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comérciode Bens, Serviços e Turismo

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Publicação Mensal

Editor-Responsável: Gilberto PaimProjeto Gráfico: Coordenação de Documentação e Informação/Unidade de Programação VisualImpressão: Imo�s Gráfica

Carta M ensal |Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e

Turismo � v. 1, n. 1 (1955) � Rio de Janeiro: CNC, 1955-

100 p.

Mensal

ISSN 0101-4315

1. Problemas Brasileiros � Periódicos. I. Confederação Nacional do Co-

mércio de Bens, Serviços e Turismo. Conselho Técnico.

Confederação Nacional do Comércio

de Bens, Serviços e Turismo

v. 55, n. 649, Abril 2009

Brasília

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3Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 3-21, abr. 2009

Os Fundadores do Rio de Janeiro: Américo Vespucci, Villegagnon ou Estácio de Sá?Vasco MarizHistoriador e diplomata aposentado. Ex-Embaixador do Brasil no Equador, Israel, Chipre, Peru e Alemanha.

Por ocasião dos festejos do 5º centenário do Descobrimento do

Brasil, ocorreram paralelamente vivos debates sobre a fundação

do Rio de Janeiro, à luz de recentes pesquisas e estudos publicados na

França e no Brasil. A inegável comprovação da existência da efêmera

cidade de Henryville, fundada por Villegagnon no início de 1556,

na praia do Flamengo, como a capital da França Antártica e que só

durou quatro anos, daria clara preferência ao almirante francês como

o fundador do Rio de Janeiro. Entretanto, como Henryville não teve

continuidade, essa prioridade reconhecida por vários historiadores a

Villegagnon, está sendo contestada pelos defensores de Estácio de Sá.

Ele efetivamente fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro

a 1º de março de 1565, em local provisório, uma estreita língua de

terra junto ao Pão de Açúcar. Existe porém uma outra corrente de

historiadores que considera Américo Vespucci, o verdadeiro fundador

da primeira implantação européia na Baía da Guanabara, a feitoria da

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4 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 3-21, abr. 2009

Ilha do Governador, em 1503. Tomé de Souza também teria cons-

truido uma casa de pedra na Guanabara em local desconhecido.

Devo dizer que essas prioridades de fundação da cidade são bastante

relativas. Hoje, parece mesmo inegável que Villegagnon fundou a

primeira aglomeração urbana européia na Guanabara em 1556, que

não vingou, pois � indefesa � foi destruída por Mem de Sá em março

de 1560. O local aproximado de Henryville, que está registrado nos

mapas da Guanabara de André Thevet, publicados em Paris em 1562,

! cava na praia do Flamengo, onde a linha d�água era então bem mais

recuada do que hoje em dia e passava aproximadamente pela atual rua

Senador Vergueiro, praça José de Alencar e rua do Catete. Henryville

estava nas margens do rio Carioca, que hoje corre por baixo da rua

Barão do Flamengo e era a única reserva de água doce disponível e

permanente de toda a região. Estácio de Sá fundou a cidade do Rio de

Janeiro nove anos mais tarde, a 1º de março de 1565, uma povoação

que, em 1567, depois da derrota ! nal dos franceses, foi transferida

para local mais apropriado e seguro, no morro do Castelo e adjacên-

cias, por ordem de Mem de Sá.

Não devemos esquecer porém que, bem antes, em 1503, Américo

Vespucci, viajando na esquadra comandada por Gonçalo Coelho,

fundara uma feitoria (ou torre, como se dizia na época) em Paranápuã,

a nossa atual Ilha do Governador, então chamada de ilha do Gato

pelos portugueses. Lá deixaram, na Ponta do Matoso, 24 portugueses,

12 bombardas, mantimentos para seis meses e numerosos indígenas

amigos. Era o início da implantação comercial lusitana, ordenada pelo

rei de Portugal e sob a responsabilidade do arrendatário Fernão de

Noronha. Não há notícias de quanto durou essa primeira tentativa

de colonização européia da Baía da Guanabara, talvez poucos meses

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5Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 3-21, abr. 2009

apenas. Supõe-se que uma armada espanhola de passagem pela nossa

Baía tenha desmantelado essa feitoria e levado os toros de pau-brasil

ali acumulados à espera de uma nau portuguesa.

O historiador Fernando Lourenço Fernandes, no livro Pau Brasil

escreveu: �Podemos a! rmar que a feitoria da ilha do Gato é o lugar

onde o Brasil nasceu.� A! rmou ele que a notícia ! cou �encalhada�

no modelo Varnhagen durante um século, que a! rmava que o pri-

meiro entreposto da região fora construído em uma ilha, na região

do Cabo Frio. Em 1511, a nau Bretoa recebeu instruções para en-

tregar mercadorias ao feitor do dito entreposto, situado em uma

grande ilha, vizinho a um povoado de índios. Ora, do litoral do Cabo

Frio até a Ilha Grande não existe ilha alguma dessas proporções.

A única ilha relativamente grande e sabida fonte de pau brasil para

os franceses e portugueses naquela época era a ilha do Gato, nossa

Ilha do Governador, que tem 32 km2 e várias fontes de água doce.

Segundo a famosa carta de Américo Vespucci, a feitoria teria sido

mandada construir por Gonçalo Coelho, o capitão-mor da armada

de 1501/1502 (fare la fortezza).

A arqueóloga brasileira Maria Beltrão e sua equipe estavam trabalhan-

do na região da Ponta do Matoso, na Ilha do Governador, em 1963,

quando deram com numerosos vestígios esparsos de construções

indígenas, ao meio das quais encontraram os restos de uma construção

retangular de madeira, com aproximadamente cem metros de compri-

mento por cinqüenta de largura. Maria Beltrão acredita que se tratava

de uma aldeia forti! cada por toros de madeira, aproximadamente com

quatro metros de altura. Ela relatou que as construções indígenas

em torno da Baía da Guanabara eram sempre todas circulares, o que

a levou a concluir que a referida construção retangular de madeira

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deveria ser forçosamente de origem européia, portuguesa portanto,

já que se tratava, seguramente, de uma primeira ocupação. Não foram

feitos testes de carbono, mas acredita ela que aqueles restos datam

do início do século XVI.

Esses vestígios de construções européias foram encontrados perto

da antiga aldeia dos Pixunas. Foram 875 cacos de cerâmica indígena

associada à cerâmica neobrasileira colonial e tambem restos de por-

celana de Macau. A presença desses cacos de porcelana de Macau

con! rmam inegavelmente a presença lusitana no local. Fernando

Lourenço Fernandes, na citada obra, a! rma:

�Esse sítio da Ponta do Matoso permite deduzir, pelos materiais

exclusivos ali encontrados, a existência de carpintaria naval, sugerindo

carenagem de embarcações, tanoaria, aparelhamentos, en! m serviços

de apoio típicos de uma feitoria � a Feitoria do Gato�.

Isso nos leva a recordar, em alguns parágrafos, o 5º centenário da

visita à Guanabara, em janeiro de 1502, do famosíssimo navegador

italiano Amerigo Vespucci. Em 1999, tivemos uma pequena exposi-

ção sobre ele e suas viagens no Museu Histórico Nacional, mas que

recebeu pouca publicidade. As viagens de Vespucci ao continente,

embora controvertidas, foram muito importantes na época e, sur-

preendentemente, todas as terras descobertas por Colombo e outros

navegadores acabaram sendo batizadas de América, utilizando o

prenome de Vespucci. Na verdade, as terras da América deveriam

chamar-se Colômbia...

No que se refere ao Brasil, lembro que coube ao comandante da

primeira expedição lusa após Cabral, o português Gonçalo Coelho,

em 1502, o privilégio de batizar a Baía da Guanabara com o nome

de Rio de Janeiro. A princípio, acreditava-se que ele deu essa deno-

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minação à Baía, pensando tratar-se da foz de caudaloso rio, mas isso

não era verdade. Ele deve ter notado depois que não se tratava de um

grande rio, pois não havia ! uxo d�água constante saindo da entrada

da barra. Na época dava-se o nome de ria a uma enseada ou a uma

baía. Essa confusão de ria com rio não demorou, mas " cou sendo

mesmo, erroneamente, Rio de Janeiro.

Américo (ou Amerigo) Vespucci esteve pela primeira vez na Baía

da Guanabara em janeiro de 1502, como membro daquela frota co-

mandada por Gonçalo Coelho, que veio explorar o litoral brasileiro.

Descobriram também Angra dos Reis nessa viagem. Em uma segunda

viagem em 1503, em companhia do próprio arrendatário Fernando

de Noronha, o navegador italiano passou vários meses na Guanabara,

em Paranapuã, a atual Ilha do Governador.

Vespucci era homem letrado, nascido e educado em Florença e estava

em Portugal como um discreto espião da família Médicis. Outros

autores disseram que ele foi incluído na expedição de Coelho pelo

armador italiano Marchioni para informar sobre as riquezas do Brasil.

Já o historiador português Jorge Couto nos informa de que D. Manuel

havia mandado incorporar Vespucci à expedição che" ada por Gonça-

lo Coelho com a " nalidade de �efetuar uma prospeção dos produtos

com interesse comercial existentes da Terra de Santa Cruz�.

O rei D. Manuel, de Portugal, não " cara animado com as modestas

informações sobre o Brasil, colhidas na primeira viagem de Gonça-

lo Coelho e decidira arrendar grandes áreas a ricos cristãos-novos,

que se obrigaram a enviar anualmente seis naus às costas brasileiras.

Eles deveriam �descobrir em cada uma delas (capitanias) 300 léguas

adiante e fazer uma fortaleza no território descoberto e mantê-la nos

três anos em que duraria o arrendamento�.

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Comentando a sua segunda viagem à região, Vespucci escreveu em

1504 uma famosa carta, ou Lettera em italiano, ao príncipe ! orentino

Pedro Lourenço de Médicis, a qual se tornaria uma das primeiras

fontes valiosas de informações sobre o Brasil nascente, embora já

estejam identi" cadas algumas contradições. A expedição explorou

a nossa costa entre o cabo de São Roque até Cananéia, ao sul de

São Paulo, que era a área atribuída a Portugal pelo Papa no Tratado

de Tordesilhas. Uma das obrigações da expedição era fundar uma

feitoria, ou como diziam eles na época --- uma torre, o que agora

parece con" rmado.

O coronel Rolando Laguarda Trias, na História Naval Brasileira, e

Fernando Lourenço Fernandes, em A Feitoria do Rio de Janeiro, identi-

" caram na Ilha do Governador uma feitoria fundada pela expedição

de que participou Vespucci, de 1504, o que seria a primeira tentativa

de implantação urbana européia na Guanabara. Varnhagen havia

previamente situado essa feitoria no Cabo Frio, mas as pesquisas

arqueológicas de Maria Beltrão no local comprovam que isso ocorreu

na Ponta do Matoso, na Ilha do Governador.

O almirante Max Justo Guedes, no seu já citado e esplêndido livro

sobre O Descobrimento do Brasil (publicado em duas línguas pelos

Correios de Portugal, em 2000) a" rma que

�ali demorou-se Vespucci cinco meses e, segundo sua própria infor-

mação; foi erguida a fortaleza (feitoria) do contrato de arrendamento,

sendo ali deixados 24 homens com 12 bombardas, e paci! cados os

silvícolas. Durante a estadia houvera uma tentativa de penetração

no interior, feita por 30 tripulantes das embarcações. O retorno foi

realizado diretamente a Portugal, onde chegaram, segundo a Lettera,

a 8 de junho de 1504�.

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Essa feitoria, ou torre, teria sido precariamente construída e por isso foi facilmente desmantelada, pouco tempo depois, talvez por uma esquadra espanhola de passagem pela Guanabara, que teria levado todo o estoque de toros de pau-brasil ali acumulado, à espera de naus portuguesas. Outra hipótese, talvez mais viável, seria de que aquela frágil feitoria e seus poucos habitantes tenham sido destruídos por um grande ataque indígena.

A iniciativa de dar o nome de Américo Vespucci às terras descobertas por Colombo e outros navegadores nas Américas foi de Waldseemül-ler (Hylacomilus) em 1507, que as batizou de Amerigue e depois de Américas, como se pode ler na sua Cosmographiae Introductio, no exem-plar da nossa Biblioteca Nacional. Essa denominação teve acolhida imediata na Lorena onde surgiu, e se propagou pela França, Alemanha e Flandres, graças à recente invenção da imprensa. Só os espanhóis resistiram ao termo América e, por estranho que pareça, o ignoraram por 250 anos. Continuaram a chamar as terras por eles descobertas de Índias Ocidentais e só em 1758 as cartas geográ! cas espanholas adotaram o nome de América. Há um interessante livro que se ocupa da história do nome da América, de autoria de Hugues, publicado em Turim em 1898 com o título de Le vicende del nome America.

Os antigos mapas tardaram bastante a mostrar claramente a Baía da Guanabara na costa brasileira e, curiosamente, parece haver sido um corsário turco, aquele que, em 1513, produziu o primeiro mapa da nossa costa com nítida referência à Baía. Outras cartas, com maior ou menor clareza, também a registraram, como o livro de André Thevet, membro da expedição de Villegagnon, que as publicou em seu interessantíssimo livro Les Singularitez de la France Antarctique em 1562. Finalmente, em 1570 aproximadamente, apareceu o belo mapa

de Luiz Teixeira, que mostrou ao mundo a Baía da Guanabara por

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completo, quase perfeitamente desenhada, e a cores. O famoso livro

de Jean de Léry também menciona Henryville.

Para tentar manter o mare clausum português contra as repetidas aven-

turas francesas e espanholas na região, o rei de Portugal enviou depois

ao Brasil a expedição de Cristovão Jacques, que explorou melhor a

orla marítima e limpou toda a costa sul do Brasil de atrevidos intrusos.

Entrou em águas espanholas e atingiu a foz do Rio da Prata, então

conhecido como Rio de Solís. Já o viajante alemão Hans Staden, que

visitou o Brasil poucos anos antes da fundação da França Antártica,

conta em seu famoso livro Viagem ao Brasil, publicado na Alemanha

em 1557, que encontrou franceses na região da Guanabara antes da

chegada de Villegagnon em 1555 � eram os chamados renegados

normandos. Graças à interferência deles é que Staden pôde regressar

à Europa à bordo de um navio francês, que o levou até o porto de

Hon! eur, na Mancha.

Infelizmente, pouco tempo depois da notável descoberta de Maria

Beltrão, em 1963, tratores da Marinha revolveram toda a região da

Ponta do Matoso e aqueles restos se perderam. No entanto, tais

conclusões parecem coincidir com a descrição feita por Américo

Vespucci em sua célebre lettera de 1504, quando aludia a uma feitoria,

ou torre, mandada construir por Gonçalo Coelho antes de regressar

a Portugal. O douto almirante Max Justo Guedes, em seu livro O

Descobrimento do Brasil, aceita essa versão e também dá credibilidade

à descoberta de Maria Beltrão. Tal fato, embora não possa mais ser

comprovado, dá ampla prioridade a Vespucci e seus companheiros.

como os fundadores da primeira implantação européia na Guana-

bara, muito anterior portanto a Villegagnon (1556) e a Estácio de

Sá (1565). Esclareço, no entanto, que o chefe das duas expedições,

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Gonçalo Coelho, não teria chegado até a Guanabara nessa segunda

viagem, quando foi construida a feitoria. Seja como for, essa foi a

primeira tentativa de instalação européia na Guanabara, mera feitoria

com um punhado de habitantes, de pequeníssima duração, e não uma

verdadeira povoação como Henryville, ou como a futura cidade de

São Sebastião.

Temos assim três datas e três prioridades de fundação da primeira

instalação européia na Guanabara: 1) em 1504, na Ilha do Governador,

na Ponta do Matoso, uma torre instalada pela expedição de Gonçalo

Coelho, da qual participou Américo Vespucci, o relator o! cial da

construção da feitoria.

2) no início de 1556, na praia do Flamengo, a futura cidade de Hen-

ryville, cuja existência está comprovada pela carta de Villegagnon ao

Duque de Guise, que está em nosso Museu da Marinha, e também

pelo pan" eto do pastor francês Pierre Richer, onde ele protestava

contra a vida dissoluta dos franceses em Henryville, e ainda pelo

registro do local exato da futura capital da França Antártica nos ma-

pas da Guanabara de André Thevet. A povoação de Henryville, por

ocasião do ataque de Mem de Sá em março de 1560 deveria ter cerca

de 500 habitantes, dentre eles cerca de cem franceses.

3) a 1º de março de 1565, na Urca, uma cidade foi formalmente

fundada por Estácio de Sá. Antes de sua transferência para o morro

do Castelo, São Sebastião deveria ter uma população de cerca de

duzentos portugueses e numerosos indígenas.

Entretanto, é importante sublinhar que nenhum dos três pontos

iniciais de colonização sobreviveu: os dois primeiros foram des-

truídos manu militari e o terceiro, o de Estácio de Sá, foi transferido

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voluntariamente para local mais apropriado e mais seguro, a salvo de

eventuais ataques inimigos, o morro do Castelo.

Villegagnon tem sido festejadíssimo nos últimos anos e até mesmo

homenageado em sua cidade natal, Provins, pela Marinha de Guerra

brasileira, com um obelisco fabricado com pedras provenientes da

ilha que, até hoje, leva o seu nome. Em bela cerimônia, assistida por

altas autoridades francesas, o obelisco foi inaugurado a 1º de agosto

de 2000 pelo embaixador do Brasil na França, Marcos de Azambuja,

nosso atual colega do Conselho Técnico. Vários livros têm focalizado

a França Antártica no Brasil e na França, entre os quais Rouge Brésil,

de Jean Claude Ru! n, que obteve o Prêmio Goncourt de 2001 e já

vendeu 500.000 exemplares, com ampla repercussão mundial. Por isso,

parece-me oportuno recordar a nebulosa personagem de Estácio de

Sá, merecedor de justas homenagens e, injustamente, também alvo de

alguns ataques apaixonados. Um conhecido jornalista carioca chegou

a chamá-lo de �menino bobo� em artigo no jornal �O Globo�. A

polêmica repercutiu em Portugal e a Universidade Estácio de Sá, do

Rio de Janeiro, foi solicitada a promover um seminário para fazer-lhe

um desagravo.

Por outro lado, Estácio de Sá é ainda um personagem um pouco

misterioso, pois até o conhecido historiador português Joaquim Ve-

ríssimo Serrão, ex-presidente da Academia de História de Portugal,

fez discretas restrições à sua memória. Escreveu ele sobre a sua ad-

missão na Ordem de Cristo, por Carta Régia de 8 de março de 1566:

�A verdade é que o grau de noviço da Ordem de Cristo era atribuído

a um homem apagado, apenas o sobrinho do governador�.

Elysio Belchior, um de nossos melhores especialistas no século XVI,

discorda e considera que essa distinção demonstrou o apreço que o

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monarca tinha por ele, tanto que deixou de lado algumas exigências

para conceder aquela distinção. No entanto, em outra citação de seu

livro clássico sobre o século XVI no Brasil, Serrão teve mais consi-

deração por Estácio: �O decisivo impulso para a conquista do sítio

e paci! cação da terra foram graças ao esforço dele e assim que se

puderam assentar os fundamentos da nova cidade�.

O sobrinho de Mem de Sá havia chegado a Salvador em 1557 muito

jovem ainda, talvez com menos de 20 anos. Em março de 1560, ele

foi enviado a Portugal para dar a boa nova da primeira derrota fran-

cesa à corte portuguesa e pedir reforços para expulsar os franceses

remanescentes, que ainda eram bastante numerosos. Estácio voltou ao

Brasil à frente de dois galeões com reforços, que chegaram a Salvador

a 1º de maio de 1563. Após mais preparativos, partiram em direção

ao sul e foram muito bem recebidos no Espírito Santo pelo cacique

Araribóia. Ao entrarem na Guanabara, encontraram forte resistência

da parte dos tamoios e dos franceses, que continuavam entrincheira-

dos no morro da Glória, perto da arrasada Henryville.

A armada portuguesa comandada por Estácio de Sá, diante daquela

resistência inesperada, preferiu largar velas em direção a São Vicente

para angariar mais reforços. Lá ! caria quase um ano, pois teve de

ajudar a Câmara local com suas forças em sua luta com os índios da

vizinhança. Finalmente, em 1564, os lusos se apresentaram outra vez

diante da entrada da barra na Guanabara. Esgueiraram-se junto ao Pão

de Açúcar e ali se instalaram junto ao morro Cara de Cão, local estreito,

pouco apropriado, mas o único possível naquelas circunstâncias.

Como disse acima, os historiadores portugueses não têm demons-

trado muito entusiasmo por Estácio. No entanto, o Padre Manuel da

Nóbrega, ! el testemunha desta etapa inicial de nossa história, o tinha

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em boa conta e relatou que Estácio foi incansável na instalação e ad-

ministração da aldeia inicial, naqueles 22 meses de sua gestão. Conta

Elysio Belchior, em seu excelente livro Conquistadores e povoadores do

Rio de Janeiro, que o próprio capitão-mor não tinha muita con! ança na

verdadeira força da expedição que che! ava. Quando esteve em São

Vicente para recrutar reforços, Estácio manifestou suas dúvidas ao

Padre Manuel da Nóbrega, e perguntou-lhe: �Que conta darei a Deus

e a El Rei se deitar a perder esta armada?� Ao que lhe teria respon-

dido o jesuíta: �Eu darei conta a Deus de tudo e, se for necessário,

irei diante de El Rei a responder por vós�. Esta frase parece atestar

a competência e o empenho do jovem comandante português.

Do mesmo modo, o Padre José de Anchieta, que viera de São Vicente,

relatou em carta � uma espécie de certidão de nascimento do Rio de

Janeiro � que Estácio de Sá desembarcou com 180 homens e �foi logo

dormir em terra, dando ânimo aos outros a fazer o mesmo�. Desde

o capitão-mor até o mais modesto colonizador cortaram madeira e

carregaram pedras sem haver nenhum que a isso repugnasse�.

Estácio exortava os soldados no cumprimento do dever e certa vez

teria dito uma frase que ! cou na história: �Levantemos esta cidade

que ! cará por memória do nosso heroísmo e de exemplo às vindouras

gerações para ser a rainha das províncias e o empório das riquezas

do mundo�.

Os céticos a! rmam que não havia taquígrafos nem gravadores na

época para registrar tal frase, que é demasiado altissonante para a

época. Seja como for, podemos aceitar a relativa autenticidade dessa

bonita frase de Estácio de Sá, que teria sobrevivido graças à tradição

oral. Finalmente, a 1º de março de 1565, solenemente fundou a cidade

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15Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 3-21, abr. 2009

de São Sebastião do Rio de Janeiro, honrando o legendário rei que

em breve desapareceria em dramática campanha na Africa.

Naqueles dois anos de consolidação de sua posição na Urca (1565-

67), os portugueses resistiram a freqüentes assaltos de franceses e

tamoios e já no dia 6 de março de 1565, portanto seis dias após a

cerimônia da fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro,

os portugueses sofreram um violento ataque que conseguiram recha-

çar �deixando a praia juncada de cadáveres�. A chamada �batalha

das canoas�, que por vezes é encenada nos festejos anuais de 1º de

março como um verdadeiro pageant, não me parece muito autêntica,

mas a comemoração é mesmo pitoresca.

O capitão-mor foi elogiado por todos os historiadores por sua

�prudência, sizo e constância por levar adiante o determinado.� No

entanto, Veríssimo Serrão não deixou de a! rmar que �a ! gura de

Estácio de Sá continua na penumbra histórica, pois seu tio reivindicou

a glória do nascimento da cidade à sua pessoa, sonegando o papel

essencial desempenhado pelo seu esforçado sobrinho�.

Mas o ilustre historiador português também esclareceu merecidamen-

te que �a glória da transferência da cidade (da Urca para o morro do

Castelo) não se deveu ao governador, pois com ele (Estácio) deu-se

a transferência do local�.

Belchior também registrou que

�não lhe faltavam reconhecimento os que com ele conviveram, nem re-

compensas dos que nele con! aram. Os pósteros, por vezes, o esqueceram,

mas não faltaram aqueles que o cercaram de uma aura de heroismo,

ou em versos cantaram seus feitos e destino�

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16 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 3-21, abr. 2009

O padre José de Anchieta estava presente em 1560, na batalha que

ocorreu por ocasião do ataque ao forte Coligny, onde Estácio teria

sido o primeiro português a penetrar. Anchieta também esteve na

Guanabara nos primeiros dias após a fundação da cidade, em março

de 1565. Ele deu maior relevo a Estácio de Sá e a! rmou em carta ao

Padre Geral de São Vicente que o jovem capitão-mor �nunca descan-

sava, nem de noite nem de dia, acudindo a uns e a outros e sendo o

primeiro nos trabalhos�. Foram 22 meses de lutas constantes com os

tamoios e os franceses, que tudo ! zeram para que o Estácio desistisse

de ! xar-se ali e regressasse à Bahia ou a São Vicente.

Ele teria sido incansável não só para reforçar o perigoso e vulnerável

local onde se instalara, mas também fez estabelecer roças para que

pudesse alimentar os habitantes da novel povoação. Estácio conce-

deu nada menos de 50 sesmarias aos seus melhores colaboradores e

ele mesmo possuía terras na região. Jorge Couto acrescenta que ele

instalou a Câmara Municipal, criou o brasão da cidade, nomeou os

titulares de cargos administrativos, judiciários e religiosos, e fundou

ainda um colégio jesuíta.

Só no início de 1567, após haver recebido mais reforços, Estácio

de Sá sentiu-se su! cientemente forte para tentar o assalto ao Mont

Henry, ou Uruçu-mirim dos indígenas, o nosso atual morro da

Glória. A batalha foi um êxito, mas infelizmente o capitão-mor foi

ferido no rosto (alguns historiadores a! rmam que foi em um olho),

por uma " echa envenenada e, após um mês de sofrimentos, veio a

falecer. Dias depois, os portugueses atacaram com sucesso a aldeia

francesa de Paranapuã, na atual Ilha do Governador. O Dr. Serrão

escreveu: �Estácio de Sá morreu na casa dos vinte e poucos anos

e seu juvenil martírio foi envolvido numa sombra de lenda, que lhe

tem agigantado a ! gura�.

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17Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 3-21, abr. 2009

Já o historiador português Jorge Couto foi mais romântico, dizendo:

�Morreu tal como o martir que escolheu para o patrono da cidade

� vítima das ! echas�.

De Estácio de Sá não restam cartas, nem documentos, mas Mem de

Sá con" ava em seu sobrinho, pois já manifestara vontade de mantê-

lo no comando do Rio de Janeiro, após a transferência da povoação

para o morro da Castelo. Seus restos mortais estão na igreja de São

Sebastião, na rua Haddock Lobo, na Tijuca.

Os episódios que cercaram a fundação da cidade do Rio de Janeiro

foram cantados em prosa e verso. Em meados do século XIX tivemos

o conhecido poema épico A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves

de Magalhães (1856), hoje de leitura bastante difícil. De 1965, é o

Romanceiro de Estácio, de Stela Leonardos, editado pela Secretaria Geral

de Educação e Cultura, por ocasião do 4º centenário da efeméride.

Henrique Orciuoli escreveu Estácio na Guanabara, e Frederico Trotta

publicou A fundação da cidade do Rio de Janeiro, ambos divulgados pelo

mesmo editor, em 1965. O livro que escrevi em parceria com Lucien

Provençal sobre Villegagnon e a França Antártica está na 2ª. edição e foi

publicado em Paris em 2002. Em 2005, o Museu Histórico Nacional

organizou importante seminário intitulado �O Universo da França

Antártica�, do qual participaram os melhores especialistas brasileiros,

portugueses e franceses. Ali ouvimos excelente palestra de Elysio

Belchior sobre Estácio de Sá e que me parece ser a última palavra

sobre o personagem.

Finalmente, desejo esclarecer que Estácio de Sá nunca foi governador

do Rio de Janeiro, como já se escreveu, e sim apenas capitão-mor,

pois a novel cidade estava situada na capitania doada pelo rei a Martim

Afonso de Souza. Já se escreveu que Mem de Sá pretendia nomeá-lo

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18 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 3-21, abr. 2009

governador, mas a sua morte prematura levou o governador-geral a

designar seu outro sobrinho, Salvador Corrêa de Sá, em 1567, pri-

meiro governador da cidade. Essa ilustre familia Corrêa de Sá dirigiu

por mais de um século a administração da cidade, culminando no

ilustre Salvador Correa de Sá e Benevides, um grande personagem

do século XVII no Brasil e em Portugal, três vezes governador do

Rio de Janeiro.

Em 1965, por ocasião dos festejos do 4º centenário da fundação da

cidade, o governador Carlos Lacerda fez erigir uma pequena pirâ-

mide na curva do aterro do Flamengo, em merecida homenagem

a Estácio de Sá. De lá se descortina frontalmente o morro Cara de

Cão, à sombra do qual foi semeada a cidade de São Sebastião do Rio

de Janeiro. Olhando à esquerda vemos a Ilha de Villegagnon, hoje

sede da Escola Naval do Brasil, e também a Praia do Flamengo, onde

existiu por quatro anos a efêmera Henryville, e mais à esquerda ainda,

ao alto, ergue-se o morro da Glória, o Mont Henry, onde resistiram

os franceses por sete anos depois da queda do forte Coligny. E da-

quela curva do aterro descortina-se uma das mais belas vistas do Rio,

panorama dominado pelo Pot-au-beurre (o pote de manteiga) � como

batizaram os franceses o nosso Pão de Açúcar.

Lembro ainda que o Congresso de História Nacional, a 5 de junho

de 1913, determinara fosse erguido um marco comemorativo da

fundação do Rio de Janeiro. Em conseqüência, o Instituto Histórico

e Geográ! co Brasileiro, a 20 de janeiro de 1915, tomou a iniciativa

de erigir o marco na Urca, na Praia de Fora, para celebrar o feito de

Estácio de Sá.

Destarte, tal como Buenos Aires teve dois fundadores: Pedro de

Mendoza em 1535 e Juan de Garay em 1575, nosso Rio de Janeiro

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19Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 3-21, abr. 2009

também teve, no sentido lato, dois fundadores, ou até podemos dizer

mesmo três fundadores: Américo Vespucci, na Ilha do Governador,

em 1504, Nicolas Durand de Villegagnon na Praia do Flamengo em

1556, e Estácio de Sá na Urca, em 1565. Devemos honrá-los a todos,

pois como escreveu o Padre Manuel da Nóbrega ao Cardeal D. Hen-

rique, de Portugal: �Aqui está o que há de melhor no Brasil�.

Estácio continua bem presente no Rio de Janeiro do século XXI

pelo populoso bairro do centro da cidade que leva o seu nome e que

! cou ligado à história do samba. Existe uma grande universidade com

seu nome e até uma Escola de Samba, a Estácio de Sá, que alegra

anualmente os des! les carnavalescos. Bem haja"

BIBLIO GRAFIA SELETA

ANCHIETA, José de � Cartas, fragmentos históricos e sermões, edição da

Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, 1933.

ANAIS do seminário �O Universo da França Antártica�, no Mu-

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Belchior. A ser publicado em 2009.

BELCHIOR, Elysio � Conquistadores e Povoadores do Rio de Janeiro,

Livraria Brasiliana Editora, Rio de Janeiro, 1965.

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Contém ensaio de Fernando Lourenço Fernandes sobre a feitoria da

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21Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 3-21, abr. 2009

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1965, em 2 volumes. 2ª edição pelo Estudio Andrea Jakobsson. Rio

de Janeiro, 2008 (sem atualização).

Os Mediterrâneos e os Atlânticos (páginas 113-137), atas do 2º Curso

Internacional de Verão, em julho de 1995, em Cascais, Portugal.

Palestra pronunciada em 10 de Março de 2009

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22 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

Terrorismos Constitucionais, Orçamentários e Fiscais

Cid Heraclito de QueirozAdvogado; ex-Procurador-Geral da Fazenda Nacional � 1979/1991; Consultor Jurídico da CNC

I � Introdução

II � Terrorism os Constitucionais

a) A estabilidade das Constituições;

b) Emenda, revisão e reforma constitucionais.

III � Terrorism os O rçam entários

a) Orçamento: conceito, ! nalidades, princípios e qualidades;

b) Vinculações entre receitas e despesas e DRU.

IV � Terrorism os Fiscais

a) O Sistema Tributário: conceito, ! nalidades e qualidades;

b) A Proposta de Emenda da Reforma Tributária.

V � Conclusões

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23Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

I � IN TRO DUÇÃO

O vocábulo reforma constituiu-se, neste País, como a panacéia

para solucionar todas as grandes questões nacionais.

2. Para eliminar as desigualdades sociais e regionais, aperfeiçoar a

distribuição da renda, elevar o produto interno bruto, desenvolver a

economia, acabar com a pobreza, organizar um sistema educacional

modelar, aprimorar as relações de trabalho, desenvolver a agricultura

e a pecuária, estimular a industrialização, reduzir a carga tributária,

proteger os nossos recursos naturais, defender a Amazônia, dar tra-

tamento adequado às minorias, proporcionar segurança aos cidadãos,

nas vias públicas e em seus lares, assegurar justa aposentadoria no

! nal da capacidade laboral dos cidadãos e pensões que mantenham

o padrão de vida de suas famílias, proporcionar habitação condigna

a todos os brasileiros, assegurar e! cácia e e! ciência à Administração

Pública e rapidez e previsibilidade às decisões judiciais, reduzir a

legislação torrencial, prover a sociedade de leis claras, objetivas e sin-

téticas, eliminar a burocracia, extinguir a corrupção, en! m, para todos

os nossos males, o remédio milagroso será sempre o de efetuar-se

uma reforma, acrescentando-se, a esse substantivo, um adjetivo qua-

li! cativo: reforma política, reforma tributária, reforma educacional,

reforma administrativa, reforma trabalhista, reforma sindical, reforma

previdenciária, reforma econômica, reforma habitacional etc.

3. De modo geral, a idéia de promover-se uma reforma apresenta-se

intimamente ligada à alteração de nossa ainda jovem Constituição

federal.

4. Ora, reformar é formar de novo, reconstruir, prover nova organiza-

ção, nova estrutura, mudar radicalmente. Denominou-se reforma, por

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24 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

exemplo, a cisão do cristianismo, para dar origem ao protestantismo.

As reformas constituem o objetivo de guerras e revoluções que, nas

grandes crises institucionais, são de! agradas para mudar a ordem

político-social. Elas foram próprias para o " m do regime feudal, a

queda das monarquias, a reorganização e redemocratização de Nações,

após as duas Guerras Mundiais, o " m da ditadura soviética etc.

5. No entanto, o exame mais detido e ponderado das questões nacio-

nais revela, quase sempre, que as respectivas soluções independem de

reforma do texto constitucional. Na verdade, podem ser alcançadas

mediante leis ordinárias ou complementares, decretos do Poder Exe-

cutivo ou simples portarias, resoluções ou circulares. E, na maioria

dos casos, dependem, tão-somente, da ação dos governos, no uso

de suas competências constitucionais, legais ou regimentais. Por sua

vez, a ação dos governos é função do talento, competência, coragem,

bom-senso, " rmeza, determinação, perseverança, objetividade dos

governantes.

6. A História con" rma que o progresso das Nações sempre esteve

ligado a grandes líderes, aos grandes condutores das coletividades. Os

exemplos são desnecessários. Todos sabem identi" cá-los. Onde há

grande progresso, há também grandes lideranças. Mesmo no plano

interno da Federação brasileira, alguns Estados progridem muito

mais do que outros, basicamente porque são bem governados. Agora

mesmo, podem ser citados os exemplos dos governos de São Paulo,

do Espírito Santo e do Distrito Federal e os esforços do governo do

Rio Grande do Sul, para recuperar as " nanças estaduais.

7. Por outro lado, é muito difícil concretizar-se grandes reformas,

sobretudo as de ordem constitucional, em períodos de normalidade

institucional. Todos, mesmo os Parlamentares, reagem às grandes

mudanças, ou por desconhecimento da questão ou das soluções

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25Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

propostas ou, até mesmo, pelo simples receio de que a reforma não solucione, mas agrave o problema que se quer afastar.

8. Além disso, a Natureza ensina que, após as grandes catástrofes, vem sempre a bonança, o reequilíbrio do meio-ambiente, a restauração das condições anteriores de estabilidade. Dos escombros, a vida sempre ressurge, em seu esplendor. Ficam, é claro, as conseqüências da ca-tástrofe, mas não é necessário que o homem �reforme� a natureza.

9. Nesta palestra, será empregado o vocábulo terrorismo, não só por-que está em moda, mas também porque as reformas propostas têm, geralmente, esse efeito para a sociedade, eis que lançam apreensões, angústias, medos e pavores. Conforme o AURÉLIO, terror é a quali-dade de terrível, é o estado de grande pavor ou apreensão, o grande medo ou susto.

10. Observam os economistas que o anúncio de uma reforma, por melhores que sejam os seus propósitos, inibe os investidores, nota-damente os estrangeiros. Todos preferem aguardar o desfecho das reformas, para tomar decisões estratégicas. O anúncio de uma refor-ma, sempre apresentado com os mais elevados objetivos, proporciona de início, muita esperança, mas depois o sonho se transforma em pesadelo, quando os detalhes da proposta passam a ser analisados e conhecidos por toda a sociedade.

11. Assim, antes de se falar numa determinada reforma, é necessário veri! car, inicialmente, que ações ou instrumentos serão necessários para concretizá-la. E, acima de tudo, promovê-la de forma segura, lenta e gradual, como diria o Presidente Ernesto Geisel. Em outras palavras, são bem maiores as probabilidades de êxito das reformas ou alterações promovidas gradualmente, ou seja, as chamadas �reformas por etapas� ou �reformas fatiadas�.

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II � TERRO RISM O S CO N STITUCIO N AIS

a) A estabilidade das Constituições

12. As Constituições constituem a base com que são organizados os

Estados de Direito. As Constituições de! nem a forma de Estado

� unitária ou federal �, a forma de Governo � republicana ou monár-

quica �, o sistema de Governo � presidencialista ou parlamentarista

�, e o regime de Governo � democrata ou autoritário.

13. Em sua maioria, as Constituições adotam a tripartição dos po-

deres: Legislativo, Executivo e Judiciário, com base no princípio con-

cebido pelo ! lósofo grego Aristóteles, transformado em teoria pelo

! lósofo inglês John Locke e aprofundado pelo Barão de Montesquieu,

notável pensador e escritor francês. A Constituição brasileira ! xa a

competência de cada um dos três Poderes, de modo a que funcionem

com independência e harmonia. Tem destaque, na Constituição brasi-

leira, a excelente enumeração dos direitos e garantias fundamentais

dos brasileiros e dos estrangeiros residentes no País.

14. O constitucionalista norte-americano EDWARD S. CORW IN,

professor em Princeton, destaca que as principais provisões da Carta

dos Estados Unidos são de três tipos: �primeiro, aquelas que deli-

neiam a estrutura do governo nacional; segundo, aquelas que de! nem

os seus poderes; terceiro, aquelas que asseguram certos direitos dos

indivíduos contra os poderes do governo nacional� (in �Presidencial

Power and The Constitution�, Cornell University, N. York, 1976, pág.

157). Corwin publicou, em 1920, uma obra clássica, A Constituição

Norte-Americana e seu Signi! cado Atual, ou seja, com a interpretação de

seus preceitos, em face dos novos tempos.

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27Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

15. Por sua própria natureza, as Constituições são elaboradas, votadas e promulgadas para assegurar estabilidade às instituições. Devem ser duradouras, como a dos Estados Unidos, promulgada em 1787 e que só foi emendada 27 vezes, em mais de 220 anos de vigência. Corwin invoca a manifestação do Justice Johnson: �Na Constitui-ção dos Estados Unidos � o instrumento mais maravilhoso jamais redigido pela mão do homem � há uma compreensão e precisão in-superáveis; e posso realmente dizer que depois de passar minha vida estudando-a, ainda encontro nela, diariamente, novas excelências�. (op. cit., pág. 5)

Em notável obra de interpretação da Constituição norte-americana, publicada em 1880, THOMAS COOLEY, professor da Universida-de de Michigan, ensinou que �o valor de uma constituição está na razão direta da sua adaptação às circunstâncias, desejos e aspirações do povo, e tanto mais quanto contiver em si os elementos de esta-bilidade, permanência e segurança contra a desordem e a revolução (in �Princípios Gerais de Direito Constitucional�, 3ª ed., trad. de Alcides Cruz, Liv. Universal, P. Alegre, 1909, pág. 21).

16. A Constituição dos Estados Unidos é duradoura e modelar, por-que, a par de concisa e limitada ao essencial, foi redigida de tal forma que a Suprema Corte, pelo método hermenêutico da �construction�, retira de seu texto, através dos tempos, o seu �signi! cado atual�. Por sua força e qualidades, a Carta norte-americana nunca foi substituída por outra, nunca foi reformada ou revista.

b) Emenda, revisão e reforma constitucionais

17. É bem verdade que as Constituições não podem ser imutáveis. Não podem �engessar� o Estado, nem escravizar os nacionais. Quando

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28 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

necessário, as Constituições podem ser emendadas, ou seja, os seus

dispositivos podem ser alterados ou suprimidos e novas disposições

podem ser inseridas no seu texto.

18. Todavia, o processo de emenda à Constituição não deve ser

simples. Tem de ser difícil, de modo a que haja tempo para bastante

ponderação, profundo debate, ampla divulgação. Conforme dispõe o

art. 5º da Constituição dos Estados Unidos, uma emenda, a essa Carta,

depende da iniciativa de dois terços das duas Casas do Congresso ou

dos Legislativos de dois terços dos Estados e, ainda, da rati! cação

pelos Legislativos de três quartos dos Estados. Lamentavelmente, a

nossa Constituição de 1988, por ser muito extensa e minuciosa, já

recebeu 56 emendas.

19. A Constituição de 1988 pode ser emendada, como faculta o seu

art. 60, por iniciativa do Presidente da República, de um terço, no

mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado

Federal ou de mais da metade das Assembléias Legislativas estaduais,

cada uma delas pelo voto da maioria de seus membros. A proposta de

emenda será, sempre, discutida e votada em cada Casa do Congresso

Nacional, em dois turnos. Será aprovada a proposta que obtiver, em

ambos os turnos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

20. A Constituição veda (§ 4º do art. 60) a proposta de emenda ten-

dente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto,

universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias

individuais. São as chamadas �cláusulas pétreas�.

21. Como se vê, o processo de emenda é bastante prudente, para evitar

alterações súbitas e drásticas no texto constitucional. Entretanto, a

competência atribuída ao Presidente da República para enviar propos-

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29Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

tas de emendas ao Congresso Nacional facilita e estimula os abusos.

Nos Estados Unidos, o Presidente não possui essa prerrogativa. Se

entender necessária a alteração de algum preceito constitucional, o

Presidente, para iniciar o processo de emenda, terá de obter o apoio

de sua base no Congresso e a anuência de dois terços dos Deputados

e dois terços dos Senadores.

22. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias previu, no

seu art. 3º, o processo de revisão constitucional, pelo voto da

maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão

unicameral. Apenas seis emendas revisionais foram promulgadas,

todas em 1994.

23. Nessas condições, constitui uma impropriedade falar-se em refor-

ma constitucional tributária, reforma constitucional previdenciária

etc. A Constituição pode ser revista, como já o foi em 1994. E pode

ser emendada. Mas não pode ser reformada, porque a reforma

importaria em dar-lhe nova forma, nova estrutura, em alterá-la subs-

tancialmente. Na verdade, a reforma tributária é objeto de uma única

proposta para alterar numerosos dispositivos do texto constitucional.

A referência a reforma deve ser entendida em face da extensão da

proposta de emenda.

24. Por conseguinte, a Constituição não pode ser reformada e as re-

formas propostas ou divulgadas pelo Governo contrariam o espírito

das normas constitucionais, que regulam o processo de emenda,

único meio de alteração do texto constitucional.

25. Assim sendo, deveria o Governo apresentar, gradualmente, pro-

postas sucintas de emendas limitadas, cada uma delas, a um único

tópico. Na matéria tributária, por exemplo, uma emenda para dispor

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30 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

sobre o ICMS, a seguir outra para o imposto de renda, mais adiante

uma terceira, para extinguir uma contribuição social etc. Nesse caso,

a sociedade entenderia facilmente o propósito de cada proposta e o

processo, no Congresso, seria muito facilitado.

26. Presentemente, os governos da Venezuela e do Equador vêm

impondo, ditatorialmente, reformas constitucionais, não para atender

aos anseios do povo, mas para aumentar os poderes e os privilégios

dos governantes.

27. Em suma, ao anunciar propostas de reformas constitucionais, para

diferentes temas, alterando, suprimindo ou modi! cando, de uma só

vez, numerosas normas constitucionais, como a pretendida reforma

constitucional tributária, o Governo pratica um verdadeiro �terro-

rismo constitucional�, não só porque anuncia um procedimento

que a nossa Carta não autoriza, mas também porque o conteúdo das

pretendidas reformas, por serem extensos e técnicos, não conquistam

a con! ança da sociedade e espalham o terror, notadamente entre os

contribuintes.

28. De modo geral, nasce uma esperança com a divulgação dos pro-

pósitos da reforma, sempre enunciados na direção dos anseios da

sociedade, mas o terror invade as mentes de todos, quando os espe-

cialistas começam a explicar o alcance das modi! cações propostas.

No mínimo, a proposta agrada a uns e desagrada a outros.

29. Ninguém, é claro, pode ser contrário ao progresso e ao aperfei-

çoamento das nossas instituições, mas não se pode progredir à custa

de imposições e de terrorismos.

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31Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

III � TERRO RISM O S O RÇAM EN TÁRIO S

a) Orçamento: conceito, � nalidade, princípios e qualidades

30. Orçamento, como já tivemos a oportunidade de registrar, signi! ca

o ato ou efeito de orçar, de calcular, de avaliar, de estimar. Deriva do

verbo orçar, que provém do italiano orzare (in �O Orçamento Público�,

na revista �Justiça e Cidadania�, julho de 2008).

31. Em 1871, Paul Leroy Beaulieu deu início, na Escola das Ciências

Políticas de Paris, ao curso de Finanças, sendo o primeiro titular da

cadeira, que exerceu até 1880. Com base na sua experiência teórica

e prática sobre impostos, orçamentos, empréstimos, crédito etc.,

editou, em 1876, a clássica obra �Traité de la Science des Finances�, na

qual registrou, com feliz precisão, que um orçamento, um Budget, é

�um rol de previsão das receitas e das despesas durante um período

determinado, um quadro estimativo e comparativo das receitas a

realizar e das despesas a efetuar�.

32. Ainda no Século XIX, René Stourm, um dos sucessores de Leroy

Beaulieu, na cadeira de Finanças da citada Escola, e que também

exercera o cargo de Inspetor-Geral das Finanças no Governo Fran-

cês, publicou, em 1889, uma obra prima: �Le Budget, son Histoire et son

Mécanisme�, na qual ponderava que o orçamento não é um rol, nem

um quadro. Opondo restrições à de! nição de orçamento constante de

um decreto de 1862 e a que foi adotada pelo Dicionário da Academia

Francesa, Stourm sustentava que �o Orçamento do Estado é um ato

contendo a aprovação prévia das receitas e das despesas públicas�.

33. Desde então, os tratadistas das Ciências das Finanças e do Direito

Orçamentário vem se esmerando em oferecer novas de! nições, as

quais, na essência, não se afastam do texto de Stourm.

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32 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

34. Em 1964, nas suas �Finances Publiques�, Louis Trotabas, da Facul-

dade de Direito e Ciências Econômicas de Nice, destacou dois pontos

essenciais na de! nição de orçamento: a natureza legislativa do ato

orçamentário e o caráter de previsão e autorização desse ato.

35. Nos dias atuais, sobretudo depois do advento do Estado inter-

vencionista e das modernas versões do neo-liberalismo, da social-

democracia, do social-liberalismo e outras correntes assemelhadas,

não se pode deixar de considerar a observação de Rossy, em 1959,

quando che! ava o Corpo-Geral da Fazenda da Espanha, nas �Insti-

tuciones de Derecho Financieiro�, editada em Barcelona: �o Orçamento

é a expressão sintética da política ! nanceira do Governo, em um

determinado período de tempo�.

36. En! m, o orçamento pode ser conceituado, no Estado de Direito,

como o ato jurídico, de natureza legislativa, pelo qual, num determi-

nado período de tempo, a receita é estimada e a despesa é autorizada,

em função dos objetivos da política econômico-! nanceira e social

do Governo, observados os preceitos constitucionais pertinentes e

os princípios fundamentais da Ciência das Finanças.

37. A ! nalidade básica do Orçamento público é organizar as ! nanças

do Estado, de um lado estimando as receitas e, de outro, autorizando

as despesas, de forma a assegurar o equilíbrio entre umas e outras,

num período predeterminado.

38. Desde o Século passado, o direito orçamentário é informado por

seis princípios fundamentais: legalidade, anualidade, unicidade,

universalidade, especi! cidade e publicidade.

39. O princípio mais relevante é o da legalidade, cuja origem confunde-

se com a origem do próprio orçamento na Magna Carta da Inglaterra.

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33Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

40. O princípio da legalidade impõe � conforme a lição de H. Rossy

� que o orçamento �seja preparado, formado, discutido e aprovado

pelos órgãos do ente público que tenham estas funções atribuídas

pela lei constitucional ou fundamental que organize a vida da nação,

estado ou município�. (op. cit.)

41. Pimenta Bueno, o emérito constitucionalista do Império, ao co-

mentar esse preceito, assim justi! cou o princípio da legalidade: �ora

se é o povo quem tem de pagar as despesas públicas, se é dele que se

tem de exigir anualmente o sacrifício de uma parte do seu trabalho

ou propriedade, é manifesto que ele deve ser ouvido para que preste

o seu consentimento. Quando não fosse um ato de soberania, seria

dever de rigorosa justiça� (in �Direito Público Brasileiro�, J. Villeneuve,

Rio de Janeiro, pág. 85).

42. Em síntese, o Orçamento deve ser aprovado mediante lei.

43. Segundo o princípio da anualidade, que alguns, como Rossy,

denominam, mais adequadamente, de temporalidade, o orçamento

deve vigorar por um ano, ou um predeterminado período, que pode

ser superior ou inferior a um ano.

44. Na vida privada, são comuns os orçamentos, de caráter informal,

mensais, semanais e diários. No que tange aos orçamentos públicos,

o período anual tem sido justi! cado em razões da ordem natural, ou

seja, coincidência com o ano civil, no fato de obrigar a convocação

anual do Parlamento, ou, ainda, para coincidir com o período de uma

sessão legislativa.

45. Pode-se, acrescentar, como causa ou efeito do orçamento anual, a

incidência, pelo mesmo período de tempo, de certos impostos, como

o de renda e o da propriedade imobiliária.

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34 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

46. Finalmente, um ano, na feliz observação de Maurice Duverger,

é um período su! cientemente breve para que as previsões tenham

um certo valor e su! cientemente longo para introduzir uma relativa

continuidade à vida ! nanceira (in �Finances Publiques�, Presses Uni-

versitaires de France, Paris, 10ª ed., 1984).

47. Segundo o princípio da unicidade ou unidade, o orçamento

deve ser único, de modo a possibilitar uma visão efetiva de todas as

ações do governo. A unicidade permite melhor controle do equilíbrio

orçamentário ou de seus dé! cits ou superávits.

48. De acordo com o princípio da universalidade, o orçamento

deve compreender a totalidade da receita e da despesa, a ! m de que

não escape à prévia autorização legislativa, seja a cobrança de tributos

ou outros ingressos, seja a realização de despesas.

49. Tal princípio, é claro, não exclui a abertura, no curso do orçamen-

to, de créditos extraordinários para atender a despesas imprevisíveis,

como guerra e calamidades públicas.

50. Consoante o princípio da especi! cidade, o orçamento deve

especi! car, indicar detalhadamente a composição da receita e o

desdobramento da despesa. A receita, segundo as diversas fontes: a

tributária (impostos, taxas e contribuições), a patrimonial (aluguéis,

foros e laudêmios), a agro-pecuária, a industrial, a comercial, a de

serviços, as de capital (operações de crédito, alienação de bens). A

despesa, com a especi! cação das verbas ou dotações destinadas a

cada órgão, programa, subprograma etc.

51. Destarte, o princípio da publicidade diz respeito à necessidade

de publicação do orçamento para que o povo possa conhecê-lo e

acompanhá-lo e avaliar o desempenho de seus representantes e go-

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35Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

vernantes. De resto, a lei orçamentária, como todas as leis, somente

tem e! cácia se publicada. A publicação, en! m, facilita o controle do

orçamento.

52. Alguns autores, como p.e., o Professor Pierre Lalumière, da Sor-

bonne (in �Les Finances Publiques�, Lib. Armand Colin, Paris, 1980,

pág. 70), Bouvier, Eclassam e Lassale (in �Les Finances Publiques�, 5ª

ed., L.G.D.J., 2000, Paris, pág. 251) e Joel Mekhantar (in �Les Finances

Publiques�, Hachette, 3ª ed., Paris, 2001, pág. 18), referem-se, ainda,

ao princípio da não-afetação das receitas, ou seja, a não vinculação

do produto da receita a determinadas despesas, princípio esse que

decorre de outro, o da universalidade.

53. Lalumière lembra que, se um imposto é afetado a uma despesa e

se a receita desse imposto for superior à despesa prevista, os serviços

públicos tenderão a despender integralmente essa receita pública, mes-

mo que as necessidades do serviço estejam amplamente atendidas.

b) Vinculações entre receitas e despesas e DRU

54. A Constituição de 1988, na esteira da Carta anterior, agride o

princípio da não-afetação, estabelecendo numerosas vinculações

entre determinadas receitas e determinadas despesas. E a Proposta

de Emenda da chamada Reforma Tributária aumenta, ainda mais, as

hipóteses de vinculação entre receitas e despesas.

55. Dessa forma, o Orçamento tornar-se-á desnecessário, porque

todas as receitas estarão vinculadas a determinadas despesas. Por sua

vez, todas as despesas serão custeadas por receitas a elas constitu-

cionalmente vinculadas. Portanto, desnecessária será a previsão das

receitas em cada exercício e, do mesmo modo, as despesas não mais

dependerão da autorização da Lei Orçamentária anual.

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36 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

56. A Constituição, ! el ao princípio da não-afetação, veda, ex-

pressamente, �a vinculação de receita de imposto a órgãos, fundo

ou despesa�, mas contém tantas exceções que a vedação torna-se

quase inócua.

57. Contrapondo-se ao princípio da não-afetação, a nossa Carta,

com suas Emendas, contém um número exagerado de vinculações:

1º) 48% do produto da arrecadação do imposto de renda e do

IPI estão vinculados da seguinte forma (art. 159, I):

a) 21,5% são entregues pela União ao Fundo de Participação

dos Estados e Distrito Federal;

b) 22,5% são entregues pela União ao Fundo de Participação

dos Municípios;

c) 3% são aplicados em programas de ! nanciamento ao

setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-

Oeste, através de instituições ! nanceiras de caráter regional,

de acordo com os planos regionais de desenvolvimento,

sendo assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos

recursos destinados à Região;

d) 1% ao Fundo de Participação dos Municípios é entregue

no primeiro decêndio de dezembro de cada ano;

2º) 10% do produto da arrecadação do IPI são entregues pela União

aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das

respectivas exportações de produtos industrializados (art. 159, II);

3º) 20% do produto da arrecadação da Contribuição de Inter-

venção Econômica relativa às atividades de importação ou comer-

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37Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

cialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados

e álcool combustível são entregues pela União aos Estados e Distrito

Federal, para ! nanciamento de programas de infra-estrutura de

transportes (art. 159, III);

4º) 100% do produto da arrecadação do imposto de renda in-

cidente na fonte sobre rendimentos pagos, a qualquer título,

pelos Municípios cabem a eles próprios (art. 158, I);

5º) 50% do produto da arrecadação do ITR (federal) cabem aos

Municípios, relativamente aos imóveis neles situados (art. 158, II);

6º) 50% do produto da arrecadação do IPVA (estadual), relativa-

mente aos veículos licenciados nos respectivos territórios cabem aos

Municípios (art. 158, III);

7º) 25% do produto da arrecadação do imposto sobre circulação de

mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e in-

termunicipal e de comunicação cabem aos Municípios (art. 158, IV);

8º) 100% da contribuição instituída pelos Estados, Distrito Federal

e Municípios e cobrada de seus servidores são vinculados ao custeio

do respectivo regime previdenciário (art. 149, § 1º);

9º) 100% da contribuição de iluminação pública são vinculados

ao custeio dos respectivos serviços (art. 149-A);

10º) 100% do produto da arrecadação de empréstimo compul-

sório são vinculados à despesa que fundamentar sua instituição (art.

148, par. único);

11º) �recursos prioritários� devem ser vinculados ao custeio das

atividades das administrações tributárias (Secretaria da Receita Federal

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38 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

e congêneres) da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 37, XXII);

12º) os percentuais da receita das contribuições sociais da União (COFINS e CSLL) e dos impostos e outros recursos dos Estados e Municípios estabelecidos em lei complementar são vinculados ao ! nanciamento do Sistema Único de Saúde � SUS (art. 198 e §§ 1º, 2º e 3º);

13º) 100% do produto da arrecadação da COFINS e da CSLL são vinculados ao ! nanciamento da seguridade social (Previdência Social, Assistência Social e SUS) (art. 195);

14º) 100% do produto da arrecadação das contribuições previ-

denciárias do trabalhador e do empregador são vinculados ao custeio dos benefícios do regime geral da previdência social (arts. 167, XI, 195, I, �a�, e II, e 201);

15º) 18%, no mínimo, da receita de todos os impostos da União

e 25%, no mínimo, da receita de todos os impostos dos Esta-

dos, Distrito Federal e Municípios são vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino;

16º) 100% da receita proveniente da contribuição social do

salário-educação (paga pelas empresas) constituem fonte adicional de custeio da educação básica;

17º) 100% da receita proveniente de custas e emolumentos são vinculados ao custeio dos serviços afetos às atividades especí! cas da Justiça (art. 98, § 2º); e

18º) 100% do produto da arrecadação da Contribuição para o

Programa de Integração Social (PIS) e ao Programa de For-

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39Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

mação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), que eram

destinadas a constituir patrimônios dos trabalhadores e dos servi-

dores públicos e deles foram tomados, passaram a ser vinculados

ao ! nanciamento do seguro-desemprego e da despesa com o abono

anual (o chamado 14º salário), no valor de um salário-mínimo para

os trabalhadores que recebam até dois salários-mínimos de remune-

ração mensal.

58. Todas essas vinculações, com exceção da repartição da receita

dos impostos, representam forte agressão ao princípio orçamen-

tário da não-afetação e, assim, constituem atos de terrorismo

orçamentário.

59. Tais vinculações atingem o Orçamento na sua essência, pois vul-

neram tanto a estimativa da receita, como a autorização da despesa.

A vinculação torna desnecessária a estimativa da receita, porque esta

tem destino preestabelecido. E torna desnecessária a autorização da

despesa, porque as receitas só podem ser empregadas nas despesas

preestabelecidas.

60. A vinculação de receita a uma determinada despesa tem outro

grave efeito. Se a receita revelar-se insu! ciente, outros recursos

serão buscados para suplementá-la. Se, ao contrário, sobejarem

recursos, logo estes serão utilizados com ações, obras ou serviços

desnecessários.

61. Mas não é só. Foi criada pela Emenda nº 27/2000, alterada pela

Emenda nº 42/2003 e Emenda nº 56/2007, a chamada DRU � Des-

vinculação de Receitas da União. Essas Emendas acrescentaram,

ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o art. 76,

segundo o qual, pela redação em vigor, �é desvinculada de órgão,

fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2011 (e desde 2003), 20%

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40 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

(vinte por cento) da arrecadação de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que ve-nham a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais�.

62. Essa foi uma forma bizarra de reduzir, transitoriamente, todas as vinculações, ensejando recursos ao Tesouro Nacional para custear as despesas com os juros da dívida pública ou gastar livremente. O mais terrível, nesse ato de grave terrorismo orçamentário, foi desviar da seguridade social 20% da receita das contribuições sociais, a ! m de custear os juros da dívida e outras despesas não explicitadas. À falta de vontade política para reduzir as vinculações injusti! cáveis, a DRU � sem paralelo no mundo civilizado � atinge a previdência social, a assistência social e a área da saúde.

63. Como se não bastassem todas as vinculações acima enumeradas, a Proposta de Emenda Constitucional relativa à reforma tributária aumenta, ainda mais, a quantidade de vinculações, constituindo-se, por conseqüência, em novos terrorismos orçamentários, a empo-brecer a nossa Carta.

IV � TERRO RISM O S FISCAIS

a) O Sistema tributário: conceito, ! nalidades e qualidades

64. O Sistema Tributário Nacional foi instituído pela Emenda Cons-titucional nº 18, de 1º/12/65, à Constituição de 1946, conforme projeto elaborado por uma comissão de notáveis (Luiz Simões Lopes, Rubens Gomes de Souza, Gerson Augusto da Silva, Sebastião Santana e Silva, Gilberto de Ulhôa Canto e Mário Henrique Simonsen). O Sistema foi regulado pelo Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172,

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41Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

de 25/10/66). A expressão �Sistema Tributário Nacional� foi em-

pregada pela Constituição de 1988, como denominação do Capítulo

I do Título VI, da Constituição de 1988, que trata �Da Tributação e

do Orçamento�.

65. O Sistema, disposto na Constituição, no Código Tributário Na-

cional, em leis complementares, em leis ordinárias federais, estaduais

e municipais, em resoluções do Senado Federal e em regulamentos

expedidos pelo Executivo, mediante decretos, compõe-se de prin-

cípios gerais, de limitações ao poder de tributar, para a proteção

dos contribuintes, e dos impostos enumerados pela Constituição e

taxas e contribuições de melhoria, bem assim das normas gerais

e especiais relativas a cada tributo e das que de! nem obrigação

tributária, fato gerador, sujeitos ativo e passivo e responsabilidade

tributária e as que dispõem sobre a constituição, suspensão, extinção,

exclusão, garantias e privilégios do crédito tributário e, ainda, sobre

a dívida ativa tributária e a administração tributária.

66. Um sistema tributário tem de ser dotado de qualidades tidas

como indispensáveis à boa governabilidade. Essas qualidades assim

podem ser sintetizadas:

a) a su! ciência (capacidade de produzir a renda adequada

aos objetivos preestabelecido);

b) a elasticidade (capacidade de produzir maior renda,

quando necessário, sem a necessidade de emendas consti-

tucionais casuísticas);

c) a flexibilidade (capacidade de rápida adaptação às

conjunturas de crise econômica, calamidades da natureza,

comoções intestinas, guerras etc., sem impacto nocivo às

contas públicas);

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42 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

d) a constitucionalidade, ou seja, integral ! delidade às

normas da Constituição;

e) a previsibilidade, ou seja, a regulação legal que permita a

exata previsão das incidências tributárias, por largo período,

de modo a que pessoas físicas e jurídicas possam planejar as

suas atividades e os seus negócios e dispêndios;

f) a simplicidade, mediante leis e regulamentos de fácil

compreensão, sobretudo quanto ao cálculo dos tributos e

aos prazos das obrigações ! scais, e elaboração de formu-

lários sintéticos e de fácil preenchimento (a declaração do

IR é complexa; o cálculo e pagamento dos impostos de

importação e de transmissão sempre exigem a ajuda de

despachantes; os controles ! scais nunca eliminam a extorsão

e a corrupção etc.);

g) a pluralidade de tributos, isto é, diversos mas não

muitos, evitando-se seja a utopia da unicidade tributária,

defendida, no Século XVIII, pelos ! siocratas � Quesnay,

Mirabeau, Du Pont de Nemours, Tourgot -, seja a multipli-

cidade dos impostos, defendida pioneiramente por Adam

Smith, como uma garantia contra as iniqüidades do sistema

(segundo Leroy Beaulieu, seria �mais ou menos impossível

que os erros, inevitáveis na aplicação de cada imposto, pesem

todos juntos sobre o mesmo contribuinte�, porquanto uns

seriam compensados por outros e haveria dessa maneira

�uma espécie de contrapeso que produziria o equilíbrio);

h) a modicidade na concessão de benefícios ! scais, de

modo a evitar privilégios odiosos (no Brasil, foram R$ 42,5

bilhões, em 2007);

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43Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

i) a aceitabilidade social, isto é, sistema composto de tribu-

tos que os contribuintes recolham sem reações generalizadas

(como em casos recentes do IR, COFINS, CPMF e diversas

taxas), mesmo porque, como advertia Hamilton, �a índole

do povo não tolerará processos inquisitivos e autoritários

na legislação ! scal;

j) a compatibilidade com os sistemas adotados por nossos

maiores parceiros comerciais; e

k) a garantia de competitividade aos produtos nacionais

(desoneração das exportações, tratamento isonômico entre

os produtos nacionais e os importados e imposição de di-

reitos compensatórios e sanções contra o dumping e outras

práticas de comércio exterior nocivas ao País).

67. Infelizmente, o nosso sistema tributário é e! ciente para arrecadar

expressivas somas de tributos, mas, sob o ângulo técnico, é da pior

qualidade. Não possui as qualidades tidas como indispensáveis à boa

governabilidade, uma vez que:

a) não é su! ciente: não é capaz de produzir a renda ade-

quada aos objetivos governamentais preestabelecidos;

b) não é elástico: não tem capacidade de produzir maior

renda, quando necessário, sem a necessidade de emendas

constitucionais casuísticas;

c) não é " exível: não possui capacidade de rápida adaptação

às conjunturas de crise econômica, calamidades da natureza,

comoções intestinas, guerras etc., sem impacto nocivo às

contas públicas.

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44 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

d) não acata plenamente a Constituição: as leis e os regula-

mentos e, sobretudo, diversos atos do Fisco têm contrariado

a Constituição, gerando ondas sucessivas de ações judiciais,

que emperram o Judiciário (questões relativas a COFINS,

PIS/PASEP, IPI, IR, ICMS, IPTU e a numerosas taxas);

e) não tem a qualidade de previsibilidade: não dispõe de

regulação estável que permita a exata previsão das incidên-

cias tributárias, por largo período, de modo a que pessoas

físicas e jurídicas possam planejar as suas atividades e os

seus negócios e dispêndios;

f) não se caracteriza pela simplicidade, mas pela burocra-

cia: a legislação ! scal é torrencial, não é de fácil compreen-

são, sobretudo quanto ao cálculo dos tributos; a declaração

do IR é complexa; os prazos para recolhimento dos tributos

e contribuições são diferentes; o cálculo e pagamento dos

impostos de importação e de transmissão sempre exigem

a ajuda de contadores e despachantes; os controles ! scais

nunca eliminam a extorsão e a corrupção etc. Segundo o

IBPT, o nosso Sistema abrange 74 tributos � impostos,

contribuições e taxas e estava sendo regulado e regulamen-

tado, em 2005, por 55.767 artigos, 33.374 parágrafos, 23.497

incisos e 9.956 alíneas (in �Jornal do Brasil� de 20/2/05),

ou seja, por 122.594 normas;

g) reveste uma multiplicidade exagerada de tributos:

segundo o IBPT, o nosso Sistema compreende 74 tributos

� impostos, contribuições e taxas;

h) não há modicidade, mas exagero na concessão de

benefícios ! scais, desse modo criando privilégios odiosos;

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45Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

o montante das desonerações tributárias em 2007 foi de R$42,5 bilhões; e

i) não há aceitabilidade social, isto é, o sistema é composto de tributos que os contribuintes recolhem com insatisfação e reações generalizadas, como ocorre com o IR, a COFINS e diversas taxas.

68. A melhor reforma do Sistema Tributário Nacional deveria principiar pela sua desconstitucionalização, isto é, a supressão

de dispositivos constitucionais sobre tributação, que possam e devam ser objeto de lei complementar.

69. Com esse objetivo, aliás, elaboramos um estudo, acompanhado

de um anteprojeto de emenda constitucional, para suprimir 84

dos atuais 199 dispositivos sobre tributação, estudos esses que foram divulgados pela Revista Jurídica Consulex de 15/9/06.

70. É oportuno notar que a nossa Carta estrutura o Sistema Tribu-tário em 199 normas, enquanto a Constituição dos Estados Unidos contenta-se, basicamente, com três normas: �será de competência do Congresso: lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tribu-tos, pagar dívidas e prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos (art. 1º, seção 8ª).

b) A Proposta de Emenda da Reforma Tributária

71. Há treze anos, o País convive com a esperança e, ao mesmo tempo, com as preocupações de uma reforma tributária.

72. O projeto inicial data de 1995 (PEC nº 195/95), conforme texto do Governo aperfeiçoado pelos competentes especialistas José Ro-berto Afonso, Fernando Rezende e Ricardo Varsano.

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46 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

73. A seguir, diversos outros projetos surgiram e o atual Governo

submeteu ao Congresso Nacional uma nova proposta (PEC nº

233/2008), que o relator na Câmara dos Deputados, Dep. Sandro

Mabel, transformou em novo texto, denominado �A Nossa Propos-

ta� (PEC nº 31-A/2007), a qual, pela sua extensão e complexidade,

constitui um signi! cativo exemplo de terrorismo ! scal, provocando

tantas preocupações que as lideranças da Câmara dos Deputados,

desprezando os apelos do Presidente da República, resolveram adiar

a respectiva votação para 2009.

74. O Substitutivo do Dep. Sandro Mabel compõe-se de 381 novas

normas constitucionais, dispostas em 54 artigos, 71 parágrafos, 135

incisos, 100 alíneas e 21 itens.

75. Para se ter uma idéia da extensão desse substitutivo, basta compa-

rar com todo o texto da Constituição dos Estados Unidos, que, em

7 artigos e 27 emendas, compõe-se de apenas 138 normas.

76. Ora, essa extensão extravagante indica, cristalinamente, que a

Proposta não se coaduna com o propósito de desburocratizar o

Sistema Tributário. E evidencia, mais uma vez, que a melhor altera-

ção da Constituição, quanto à matéria tributária, seria a que objetive

excluir do texto constitucional as disposições � e são muitas

� que possam ou devam ser objeto de leis complementares ou

ordinárias.

77. No documento com que a Proposta de Emenda do Executivo foi

divulgada, o Governo anuncia uma lista de propósitos, que só podem

merecer o apoio de todos: simpli! car e desburocratizar o Sistema,

reduzindo o número de tributos e o custo das obrigações acessórias;

aumentar a formalidade; reduzir a carga tributária; reduzir a contribui-

ção previdenciária patronal; eliminar distorções, diminuindo o custo

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47Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

dos investimentos e das exportações; eliminar a �guerra ! scal� entre

os Estados, reduzindo custos para as empresas e os consumidores;

aperfeiçoar a política de desenvolvimento regional; e melhorar a

qualidade das relações federativas.

78. Diante desse enunciado, a Proposta de Emenda naturalmente teria

de receber o apoio geral dos meios de comunicação, dos contribuintes,

dos empresários etc. Anuncia-se tudo o que a sociedade espera.

79. Entretanto, quando se examina todo o conteúdo da PEC em foco

ou se ouve a análise de um especialista, só resta a toda a sociedade

atuar fortemente contra a aprovação da Proposta em questão. Assim,

a PEC da reforma tributária não pode, de modo algum, merecer o

apoio da população.

80. As duas principais medidas da Proposta são a criação de um

Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA-F), de competência da

União, e de um �Novo ICMS�, de competência dos Estados.

O novo IVA-F (Imposto sobre Operações com Bens e Prestação

de Serviços)

81. No texto da PEC (redação dada ao art. 153, VIII, e §§ 6º e 7º,

da C.F.), o IVA-F é denominado, na verdade, como Imposto sobre

Operações com Bens e Prestação de Serviços (IOBS ?), que não

! cará sujeito ao princípio da anterioridade, mas apenas ao da noven-

tena (art. 159, § 1º, da C. F.).

82. A implementação desse imposto importará na extinção da CO-

FINS (nova redação do art. 195), da Contribuição ao PIS (art. 239),

da chamada �CIDE � Combustíveis� e da Contribuição ao Salário-

Educação (art. 8º da PEC), sendo mantidas, como se impunha, as

Contribuições ao FGTS e ao �Sistema S�.

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48 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

83. Também será mantida, em favor dos Municípios e Distrito Federal,

a esdrúxula Contribuição para Iluminação Pública (art. 149-F), que

poderia ser incorporada ao IPTU.

84. No plano federal, portanto, são extintas quatro Contribuições e

criado mais um imposto, o oitavo, ao lado do IPI, Imp. Importação,

Imp. Exportação, Imposto de Renda, IPI, IOF, ITR e Imposto so-

bre Grandes Fortunas. Trata-se, é bem verdade, de um avanço na

direção da simpli! cação do Sistema e redução de custos para

os contribuintes.

85. Todavia, a Proposta soma à base de cálculo da COFINS e do

PIS (receitas das empresas) não só a CIDE, um tributo que somente

incide sobre a comercialização de combustíveis, como, ainda, a Con-

tribuição ao Salário-Educação, que incide sobre o valor da folha de

pagamento (2,5%).

86. A alíquota do novo imposto esta sendo estimada pelos técni-

cos em 11,5%. Cabe acrescentar-se algo mais, como 1,5%, de modo

a proporcionar a receita correspondente à redução da Contribuição

Previdenciária Patronal (art. 195, § 13, da C. F., conforme a PEC).

Logo, a alíquota do novo imposto federal poderá ser de 13%.

87. Cumpre seja enfatizado que sobre a mesma base de cálculo �

importação, produção e comercialização � incidirá, também, o

ICMS, cuja alíquota padrão está sendo estimada em 18%. Assim, a

incidência sobre a mesma base de cálculo seria de 13% + 18%

= 31%, o que, evidentemente, constituirá um exagero, agredindo a

boa técnica ! scal e estimulando a sonegação.

88. Ao mesmo tempo, o imposto de renda das pessoas jurídicas poderá

ter alíquotas adicionais, em 9% ou mais, para compensar a extinção

da CSLL (art. 153, § 2º, III).

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49Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

89. A Proposta do Governo estabelece a não-cumulatividade do novo

imposto (art. 153, § 6º, I, da C. F., conforme a PEC), mas não indica

o método a ser adotado: imposto x imposto ou base x base.

O Novo ICMS

90. O �Novo ICMS� é objeto de um novo artigo a ser incluído na

Constituição, o art. 155-A, que abrange, além do caput, 8 parágrafos,

33 incisos e 10 alíneas, num total de 52 normas constitucionais, o

que demonstra a complexidade da matéria. Aliás, essas 52 normas

poderiam ser substituídas por um artigo singelo prescrevendo que

tal imposto seria disciplinado em lei complementar.

91. O novo imposto será instituído e disciplinado em lei comple-

mentar, de iniciativa do Presidente da República, ou 1/3 do Senado,

ou 1/3 dos Governadores ou 1/3 das Assembléias Legislativas (art.

155-A, caput, e art. 61, § 3º).

92. De qualquer forma, o �Novo ICMS� importará na uni! cação da

legislação de 26 Estados e o Distrito Federal, o que, sem dúvida, seria,

também, um avanço na direção da simpli! cação ! scal.

93. Em síntese, o novo ICMS reger-se-á, entre outras, pelas seguintes

regras:

1º) será não-cumulativo, nos termos que forem estabelecidos pela

lei complementar (art. 155-A, § 1º, I);

2º) as operações sujeitas a alíquota zero, isenção, não-incidência e

imunidade não gerarão créditos e, assim, a tributação da operação

seguinte importará na anulação do benefício anterior (art. 155-A, §

1º, II);

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50 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

3º) incidirá sobre as importações (art. 155-A, § 1º, III);

4º) não incidirá sobre as exportações (art. 155-A, § 1º, IV);

5º) terá alíquotas � estimadas em quatro ou cinco �, inclusive uma

alíquota padrão, aprovadas pelo Senado (art. 155-A, § 2º, I);

6º) o Senado de! nirá o enquadramento de mercadorias e serviços

nas diferentes alíquotas (art. 155, § 2º, II);

7º) em alguns casos, as alíquotas poderão ser aumentadas ou reduzidas

pela lei estadual (art. 155-A, § 5º,V);

8º) nas operações e prestações interestaduais, o imposto pertencerá

ao Estado de destino da mercadoria ou serviço, menos a parcela de

2%, que pertencerá ao Estado de origem (art. 155-A, § 3º, I e II);

9º) todavia, no caso de operações com petróleo e derivados e de

energia elétrica, o imposto pertencerá integralmente ao Estado de

destino (art. 155-A, § 3º, II, �b�) (o Governador do Estado do Rio

de Janeiro já protestou contra essa regra);

10º) isenções e benefícios ! scais serão de! nidos por lei comple-

mentar ou pelo CONFAZ (art. 155-A, § 4º, I e II); presentemente,

norma semelhante não impediu a �guerra ! scal�;

11º) poderá ser estabelecida, pela lei complementar, a exigência inte-

gral do imposto pelo estado de origem, o qual transferirá uma parcela

ao Estado de destino, por meio de uma câmara de compensação (art.

155-A, § 3º, III);

12º) caberá à lei complementar de! nir fatos geradores, contribuintes,

bases de cálculo, local das operações e prestações, regime de com-

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51Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

pensação, substituição tributária, aproveitamento de crédito, regimes

especiais, processo administrativo ! scal, competências, sanções etc.

(art. 155-A, § 6º);

13º) caberá ao novo CONFAZ expedir a regulamentação única do

imposto (art. 155-A, 7º, I);

14º) será implementado ao longo de oito anos, atingindo, assim, o

futuro Governo; e

15º) nos dois primeiros anos de vigência, não estará sujeito aos

princípios constitucionais da anterioridade e noventena (art. 4º da

PEC).

Outras Medidas

94. Outrossim, a Proposta do Governo:

1º) mantém o IPI, por ensejar uma tributação seletiva, com alí-

quotas elevadas para o fumo e as bebidas, e por se constituir em

instrumento de política industrial, e mantém o ISS, por exigência

dos Municípios;

2º) extingue a CSLL, mas permite � dada a redação do art. 153, §

2º, III, da C. F., conforme a PEC � que a lei ordinária crie adicionais

ao imposto de renda, tanto para as pessoas jurídicas, como para as

pessoas físicas, com alíquotas diferenciadas por setor de atividade

econômica, mas sem estabelecer limites para tais alíquotas;

3º) a lei ordinária estabelecerá, como prevê o art. 11 da PEC, �redu-

ções gradativas� da contribuição social previdenciária patronal,

do 2º ao 7º ano subseqüente ao da promulgação da Emenda; ao

contrário do que se a! rma no documento introdutório do Governo,

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52 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

não há, no texto da PEC, limite para a redução, de 20% para 14%, da

alíquota da contribuição patronal; assim, a contribuição calculada

com base na folha de salário poderá ser extinta, aumentando-

se, ainda mais, o novo imposto federal sobre operações com bens e

prestação de serviços;

4º) com essa medida e a extinção da Contribuição ao Salário-Educação

(2,5%), a folha de salários será desonerada em 8,5%, mas, em

compensação, será sensivelmente aumentada a tributação sobre a

importação, produção e comercialização de bens e serviços (IVA-F);

é interessante mencionar que sempre é possível ao empregador re-

duzir a folha de salários, mas a ninguém pode interessar a redução

da receita;

5º) prevê a desoneração completa dos investimentos, mas isso

somente ocorrerá, como se veri! ca na exposição de motivos do

Ministro da Fazenda, na regulamentação do novo imposto federal,

mediante concessão de crédito para a aquisição de bens destinados

ao ativo permanente;

6º) prevê que uma lei complementar poderá estabelecer limites e

�mecanismos� de ajuste da carga tributária relativa ao imposto de

renda, imposto sobre operações com bens e prestação de serviços e

ICMS; essa medida é aprovada por todos, mas como o modus faciendi

não foi encontrado em todo o longo período de estudos, a PEC

transfere o encargo para uma lei complementar (art. 9º da PEC);

7º) inclui, na instituição e gradação dos tributos, a autorização para

que sejam considerados os princípios do �poluídor-pagador� e do

�protetor� (art.145, § 3º), conceitos ideológicos dos ambientalistas.

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53Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

Seguridade Social

95. Como é notório, os Ministérios da Previdência, da Assistência

Social e da Saúde não tiveram participação na elaboração da PEC.

96. A redução da Contribuição Previdenciária Patronal é medida

salutar. O Ministro da Previdência já havia proposto a redução da

respectiva alíquota em 2% ou 4%, sem qualquer aumento de outro

tributo ou contribuição, bastando que fosse editado um decreto para

prescrever a transparência nas contas do Orçamento da Seguridade,

com o repasse pelo Tesouro, à conta da receita da COFINS, da dota-

ção necessária para �cobrir� as chamadas �renúncias previdenciárias�,

da ordem de R$ 40 bilhões anuais.

97. No que tange à Seguridade Social, a PEC segue direção contrária

à implantação, no futuro, do regime previdenciário de capitali-

zação e di! cultará a implementação do Fundo do Regime Geral da

Previdência Social previsto no art. 250 da Constituição, cada vez mais

justi! cável em face do sucesso do FGTS e da PREVI, ambos com

notáveis superávits operacionais.

Repartição das Receitas Federais

98. A parte da PEC, relativa à repartição e destinação das receitas, é

longa e complexa.

99. Se, por um lado, a PEC objetiva aperfeiçoar o Sistema Tributário,

por outro lado, importa em lamentável retrocesso quanto ao Sistema

Orçamentário. Amplia-se, sobremodo, a agressão ao princípio da

não-afetação das receitas públicas.

100. A PEC estabelece novas vinculações, �engessando� o Orçamen-

to. As vinculações chocam-se com a própria ! nalidade precípua dos

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54 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

Orçamentos públicos, qual seja, a de estimar a receita e autorizar a

despesa, em função das políticas do Governo, em cada conjuntura

anual.

101. As excessivas vinculações, por prazo indeterminado, transmitem

a idéia de que os problemas nacionais nunca terão solução.

102. Além disso, a União, cujo Governo elaborou a proposta, cede

mais receitas aos Estados e Municípios, inviabilizando, cada vez mais,

o custeio das despesas federais.

103. A nova redação dada ao inciso I do art. 159 prescreve a des-

tinação do produto não só do IVA-F, mas também do IR e do

IPI, do seguinte modo:

%

a) para a Seguridade Social .............................................................. 38,8

b) para o seguro-desemprego e o abono salarial ............................6,7

45,5

c) para subsídios na área do álcool, gás, petróleo,

projetos ambientais e infra-estrutura dos transpor-

tes, a ser ! xado em lei complementar

(hoje custeados p/CIDE) ..................................................................X*

d) idem, para educação básica

(hoje custeada p/Contribuição) ........................................................X*

(*: percentuais a serem ! xados em lei complementar)

104. Do montante de recursos de que trata a alínea �c� do item ante-

rior, a União entregará 29% a Estados, Distrito Federal e Municípios,

sendo 75% aos primeiros e 25% aos últimos (art. 159, § 4º). E do

montante de recursos de que trata a alínea �d� supra, a União entregará

75% ao Estado e 25% aos respectivos Municípios (art. 159, § 3º).

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55Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

105. O inciso II do art. 159 estabelece a destinação, pela União, da

receita remanescente (art. 159, § 2º), ou seja, 54,5% do IR, do IPI, e

do IVA-F, menos o percentual destinado aos subsídios (alíneas �c�

e �d� supra), mais a receita do Imposto sobre Grandes Fortunas

(quando instituído), da seguinte forma:

PEC Hoje

% %

a) p/ Fundo Participação dos Estados e Dist. Federal....21,5 21,5

b) p/ Fundo de Participação dos Municípios ................... 22,5 22,5

c) idem, a ser entregue no 1º decêndio de dezembro ........ 1,0 1,0

d) p/ Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional ...... 4,8 3,0

e) p/ Fundo de Eqüalização de Receitas ............................. 1,8 *

Total 51,6 48,0

(* Hoje, a União entrega 10% do IPI p/Estados e D.F., proporcionalmente às suas

exportações de produtos industrializados)

106. Por conseguinte, a União destinará aos ! ns indicados no item 32,

supra, 45,5% ou mais do IR + IPI + IVA-F e, dos 54,5%, ou menos,

remanescentes, entregará mais 28,12% (51,6% de 54,5%). Entregará

ou vinculará um total de, pelo menos, 73,62% da receita do IR + IPI

+ IVA-F, ! cando com apenas 26,38%, para custear os três Poderes

e realizar os investimentos públicos.

107. Cumpre seja esclarecido que o Fundo Nacional de Desenvolvi-

mento Regional destina-se a aplicações, segundo diretrizes da Política

Nacional de Desenvolvimento Regional, em áreas menos desenvolvi-

das do País, sendo 95%, no mínimo, para as Regiões Norte, Nordeste

e Centro-Oeste (art. 159, II �c�, e art. 161, IV, conforme a PEC).

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56 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

108. Por sua vez, o Fundo de Equalização de Receitas será rateado

entre os Estados (75%) e Municípios (25%), segundo normas esta-

belecidas em lei complementar (arts. 161, II, e 159, parágrafo único,

conforme a PEC).

109. Resta salientar que, na soma dos recursos destinados, pela União,

à repartição em favor dos Estados e Municípios, hoje compostos pela

receita do IR e do IPI, a PEC acrescenta não só a receita do novo

Imposto sobre Operações com Bens e Prestação de Serviços, como

ainda a receita do Imposto sobre Grandes Fortunas, mencionado no

texto constitucional, mas nunca criado, em face de suas inconsistências

técnicas e econômicas. Esse fato indica o interesse governamental em

atrair o apoio de Governadores e Prefeitos, no sentido da implemen-

tação desse imposto, a ! m de aumentar o �bolo� a ser repartido.

110. A Proposta do Governo, como redigida, à medida em que é

devidamente analisada pelos especialistas, passou a enfrentar a opo-

sição dos Governadores de São Paulo e Espírito Santo, entre outros,

de entidades da classe empresarial, dos comentaristas nos órgãos da

imprensa etc.

111. Em síntese:

1º) a Proposta do Governo tornou-se inoportuna, em face da crise

mundial dos mercados ! nanceiros, que, apesar das negativas iniciais

do governo, já atingiu o nosso País, com a queda do valor das ações

nas bolsas de valores, a escassez do crédito, a redução da produção

industrial, a dispensa de empregados etc.; não se a! gura oportuno

acrescentar às inquietudes dos contribuintes, dos empresários e dos

investidores, novas incertezas quanto aos re" exos das inovações

tributárias, em suas rendas e em seus negócios;

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57Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

2º) o texto da PEC é muito extenso � 381 novas normas constitu-

cionais �, devendo dar lugar a uma reforma por etapas, de modo a

que cada tema possa ser adequadamente debatido pela sociedade e

pelo próprio Congresso Nacional e que muitas normas possam ser

objeto de leis complementares e ordinárias; a! nal, um projeto de re-

forma pode abranger várias Propostas de Emendas Constitucionais

e vários projetos de lei;

3º) o novo ICMS ainda não foi aceito pelos Estados e a substituição

das 27 legislações por uma lei complementar, se bem examinada, não

é uma medida importante, para proporcionar expressivos ganhos para

os Estados e para os contribuintes; a incidência no destino, com a

parcela de 2% ao Estado de origem, o que é prejudicial ao Estado

do Rio de Janeiro e demais Estados produtores de petróleo e energia

elétrica, é matéria controvertida; na verdade, os Governadores sabem

que o novo ICMS será um grande �salto no escuro�; assim, esse tema,

por si só, merece amplo reexame;

4º) a criação do chamado IVA-F (melhor seria IOBS), o Imposto

sobre Operações com Bens e Serviços não é uma boa medida,

sobretudo porque aumenta, demasiadamente, a incidência tribu-

tária sobre uma mesma base de cálculo � produção, importação

e comercialização �, ou seja, as alíquotas estimadas de 13% do

IVA-F e 18% do ICMS (alíquota padrão), num total de 31%, com

re" exos evidentemente negativos para os consumidores em geral;

trata-se de substituir incidência sobre as rendas das empresas

por incidência sobre o consumo, o que é anti-social; merece

registro o fato de que, hoje, a receita da COFINS e da CSLL são

vinculadas ao orçamento da seguridade social e a Contribuição

Social ao Salário-Educação às atividades educacionais, enquanto

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58 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

que o imposto a ser criado proporcionaria receita ao Tesouro

Nacional;

5º) a redução gradual da contribuição previdenciária patronal

em 1% ao ano, ao longo de sete exercícios, só terá o efeito de aumen-

tar o dé! cit nominal da Previdência Social, agravando os problemas

sociais; para os empresários, será uma vantagem ilusória, pois a perda

de receita terá de ser compensada na ! xação da alíquota do novo

IVA-F (ou IOBS); além disso, a base de cálculo da contribuição só

pode ser o salário, até para permitir, no futuro, a implantação do

regime de capitalização;

6º) não há, ao contrário do anunciado, redução alguma da carga tri-

butária; a regra do art. 16 da PEC autoriza o Executivo a promover

a redução de alíquotas do IVA-F (ou IOBS), no caso de aumento da

arrecadação em mais de 5% ao ano; ora, a redução da carga tributária

independe de preceito constitucional; o Governo pode, por decreto,

reduzir o IPI e o IOF e os demais tributos, mediante lei ou medida

provisória; fora tudo isso, a implementação do IVA-F (ou IOBS)

importará, segundo os especialistas, em aumento da carga tributária

e concentração da renda, o que é anti-social;

7º) não há redução da burocracia, como o governo anunciou; ao

contrário, a burocracia aumentará bastante; a par do enorme tamanho

da PEC e da absurda extensão que será dada ao capítulo tributário,

na Constituição, a extinção de contribuições sociais e a criação de

novos impostos importará em novos documentos e formulários,

novos cálculos, novos prazos de recolhimento, gerando a necessidade

de novos serviços contábeis e administrativos, até mesmo para as

pequenas empresas;

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59Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

112. Em suma, a �Proposta de Reforma Tributária�, em curso no

Congresso Nacional, ofende a Constituição, agride os princípios

orçamentários e envolve um retrocesso na área tributária, me-

recendo, por conseqüência, a repulsa de toda a Nação.

V � Conclusões

113. No início deste trabalho, destacamos, com base no Aurélio,

que terror é a qualidade de terrível, é o estado de grande pavor ou

apreensão, o grande medo ou susto.

114. Ora, no momento em que o Mundo civilizado sofre os efeitos

de uma crise econômico-! nanceira sem precedentes, espalhando o

terror sobre todas as classes e atingindo principalmente as camadas

sociais menos favorecidas, o Governo Federal e o próprio Congresso

Nacional podem agravar o clima de apreensão e medo, com medidas

de verdadeiro terrorismo, na matéria constitucional, orçamentária e

! scal.

115. Como vimos, a sociedade defronta-se, a todo momento, com

propostas de reformas constitucionais, o que a nossa Carta não

permite e que lança apreensões, incertezas e inquietação sobre a

sociedade brasileira.

116. Ao mesmo tempo, o Orçamento da União, a cada ano, vulnera

os princípios fundamentais do Direito Orçamentário, com uma lista

imensa de vinculações de determinadas receitas a determinadas des-

pesas. Hoje, entender a nossa Lei orçamentária tornou-se privilégio

dos poucos especialistas.

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60 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 22-60, abr. 2009

117. Completando o quadro de terrorismo, encontra-se, no Congresso

Nacional, uma �Proposta de Reforma Tributária�, que não atende

aos anseios fundamentais dos contribuintes brasileiros � reduzir a

carga tributária e eliminar a burocracia ! scal � e, ao contrário disso,

aumenta os tributos e cria novos entraves burocráticos, para ator-

mentar a sociedade.

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61Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

O Centenário do Decreto Nº 2.044,

de 31 de Dezembro de 1908

(Define a Letra de Câmbio e a Nota

Promissória e Regula as Operações

Cambiais)

JOSÉ ANTÔNIO SARAIVA, O magistral autor da A Cambial, nasceu no Estado da Bahia, a 19 de março de 1856.

Aos doze anos, seu tio e grande Estadista do II Império � o Con-selheiro Saraiva � levou-o para a Europa e lá o deixou em Paris, no Colégio dos Jesuítas, onde iniciou o curso de humanidades.

O método, a concisão, a clareza e a agudeza de raciocínio que sempre presidiram seus estudos deixam à mostra a in! uência do meio em que estudou.

Regressando ao Brasil, concluiu os preparatórios no Recife, em cuja Faculdade de Direito se matriculou, em março de 1874 e, depois de curso brilhante, formou-se em novembro de 1878.

Àquela época, como hoje, a FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE representava padrão de ensino universitário, de onde saí-

Theophilo de Azeredo SantosProfessor da UERJ, Presidente da Comissão de Direito Comercial do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente do Comitê Brasileiro da Câmara de Comércio Internacional

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62 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

ram alunos que, em breve, emprestavam o brilho de sua inteligência

a cátedras que lecionavam: Gondim Filho, Gondim Netto, José

Ferreira de Souza, Soriano Netto, Nehemias Guelras, e tantos

outros.

Em 1879, foi Saraiva nomeado Promotor Público em Ilhéus, deixan-

do este cargo para vir para Minas Gerais, em 1880, como Juiz Muni-

cipal de Cataguases, donde passou, em 1881, para Leopoldina.

Nomeado Juiz de Direito de Pitangui, em 1884, dali seguiu para

Sergipe, em princípios de 1885, para exercer as funções de Chefe de

Polícia daquele Estado.

Voltando a Minas, foi nomeado juiz de Direito de Caldas, de onde,

em janeiro de 1890, foi removido para Rio Preto.

Tudo fez para se aproximar da perfeição: como magistrado, dedican-

do-se de corpo e alma ao exame dos feitos que lhe eram distribuídos,

procurando fazer justiça através de longos e profundos estudos de

todos os pontos do processo. Sua vasta e sólida cultura jurídica, apesar

de sua humildade e simplicidade, passou ao domínio público.

Daí, com o advento da República e reorganizado o Tribunal da Rela-

ção de Minas Gerais, ter sido nomeado Primeiro Desembargador

Procurador Geral do Estado. Elaborou, no desempenho deste

cargo, relatório magistral, em que lançou as bases da organização do

magistério público em Minas Gerais, neste período.

Deixando a Procuradoria Geral, começou a intervir nas deliberações

do Tribunal, proferindo votos que marcaram a história da judicatura

mineira, conquistando o posto de primus inter pares pela escolha dos

seus colegas e pelo conjunto de qualidades que dele faziam um dos

tipos que D�Aguesseau indicava como exemplares para a Justiça.

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63Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

Espírito sóbrio e re! exivo, Saraiva falava pouco, mas, alma afetiva,

sua bondade é reconhecida pelos que tiveram a honra e o prazer de

conviver com o Mestre. Verdadeira vocação de jurista, sua tenacida-

de se revela em fato pouco conhecido: aprendeu alemão depois dos

quarenta anos, assimilando-o tão bem que poderia ler os grandes

cambialistas germânicos, deles retirando os princípios fundamentais

de seu futuro trabalho � A Cambial.

Com EDMUNDO LINS e MENDES PIMENTEL, SARAIVA

compunha o grupo mais renomado de intelectuais e homens de bem

da época. Em sua casa mantinha debates, polêmicas e conversas na

chamada �Varanda de Pilatos�, conhecida como centro de cultura.

Foi um dos fundadores da REVISTA FORENSE, que, até hoje,

constitui glória das letras jurídicas do país.

Com a criação de duas Câmaras, no Tribunal da Relação, foi designado

para a Câmara Cível.

Aposentado o Desembargador FERREIRA TINOCO, em abril de

1912, foi eleito Presidente, marcando sua gestão pela seriedade e

simplicidade que consagrava a todas as suas atividades.

Foi também Professor de Direito Comercial, na Faculdade livre de

Direito do Estado de Minas Gerais, dando dimensões novas ao ma-

gistério, transformando a cátedra em ponto de irradiação da ciência

do seu tempo.

Sua obra A Cambial é o ponto alto do Direito Cambial Brasileiro,

até hoje não superado, monumento de cultura jurídica consagrado

universalmente.

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64 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

Nossa lei Cambial � o Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908 � baseado em seu anteprojeto, levada ao Congresso de Uni! cação do Direito Cambial, em Haia, mereceu justos encômios dos juristas estrangeiros.

Com razão a! rmou BENTO DE FARIA, ao propósito da A Cambial: �É realmente um estudo exaustivo, minucioso e profundo de tão completo assunto e que, para orgulho da literatura jurídica brasileira, pode perfeitamente rivalizar com os melhores estrangeiros.

�É impossível, mesmo resumidamente, tentar uma síntese de seus numerosos e extensos capítulos.

�Basta dizer que a história, as doutrinas, as teorias, a legislação com-parada, nada, absolutamente nada, foi esquecido; tudo é tratado, discutido e criticado com raro saber e invejável erudição.

�Relativamente ao assunto não conhecemos obra que se avantaje à que nos referimos.

�É um livro que, por si só, consagra uma reputação� (Revista de Direito, vol. 1º, pág. 474).

E em outro lanço: �O ilustre e eminente jurista esgotou o assunto de modo inexcedível.

�Para os que estudam, para os que procuram aprender a ciência do Direito e conhecem a soma enorme de trabalho, de meditação a de aplicação que é mister dispensar para o êxito de tais empreen-dimentos, livros como este não são suscetíveis do valor venal, são inestimáveis.

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65Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

�O Dr. Saraiva pode orgulhar-se justamente de ter honrado o nos-

so Brasil e a! rmado superiormente o valor de sua intelectualidade�

(Revista de Direito, vol. 7, pág. 598).

O Mestre de todos nós, na precisa expressão de Magarinos Torres

(Nota Promissória, pág. 7) publicou seu Direito Cambial Brasileiro através

de vários artigos na Revista Forense.

Arrimado na melhor doutrina alemã e in" uenciado pela teoria de Karl

Einert, Saraiva elaborou substitutivo ao projeto do Deputado Jus-

tiniano Serpa, tendo sido apresentado pelo Presidente da Comissão

de Constituição e Justiça, Deputado João Luiz Alves.

Composto de dois títulos � da letra de câmbio e da nota promissó-

ria � e de 57 artigos veio o substitutivo, com ligeiras alterações, a ser

aprovado, convertendo-se em lei pelo Decreto nº 2.044, de 31 de

dezembro de 1908.

Sobre nossa lei, assim se pronunciou José Gonçalves Dias: �Duma

redação primorosa, podendo, ainda, considerar-se como lei modelar e

perfeita� (Da Letra e da livrança Segundo a Lei Uniforme e o Código Comer-

cial, Famalicão, Portugal, 1939, Grandes O! cinas Grá! cas Minerva,

pág. 146, nº 46).

Convém salientar, com Waldemar Ferreira, que a lei brasileira, de

muita a! nidade com a Lei Uniforme de Genebra, de 1930, não é,

todavia reprodução textual da lei germânica: apresentou-se com es-

trutura própria, e em alguns pontos, melhorada, mercê de dispositivos

reclamados pelo progresso comercial do tempo (Tratado de Direito

Comercial, edição Saraiva, 1962, nº 1691, pág. 146).

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66 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

O nosso legislador alterou por completo a ! sionomia jurídica da

cambial disciplinada pelo Código Comercial, transformando a cam-

bial em título formal: pela assinatura do emitente, do endossador, do

aceitante ou do avalista � em qualquer destes casos � ! cam vedados a

investigação da vontade do subscritor e o exame da causa da obrigação

e das relações jurídicas preexistentes. Obrigando-se porque subscre-

vem a cambial e ! cam vinculadas desde o momento da assinatura.

Cada uma destas obrigações tem existência jurídica própria, de cada

assinatura ressalta obrigação literal, autônoma e completa.

A força jurídica da promessa não sofre modi! cação, pelo fato de

haver o título entrado em circulação por ato estranho à vontade do

promitente.

O tempo em que, o lugar aonde e o modo pelo qual a cambial chega

às mãos do credor, não tem importância para a formação e para a

estabilidade do vínculo. A aquisição da cambial não é uma neces-

sidade jurídica como sustentam os partidários das outras teorias

unilaterais, é uma necessidade puramente material, para dar ao

título a força jurídica derivada da circulação, retirando-o do estado

de inércia em que estava (vide Saraiva � A Cambial, José Kon! no �

editor, Rio, 1947, vol. 1º, § 15, págs. 137 e segs.).

O objetivo supremo do legislador foi a circulação rápida e ! duciária

do título. Em debate, o interesse da circulação, este deve dominar

sempre, sem restrições sem limitações, ensina Saraiva.

Assim, a nossa lei, como a alemã:

a) Eliminou o requisito da causa, para desligar o direito creditório de

relações preexistentes;

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67Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

b) Suprimiu a exigência da distância local, para a circulação desem-

baraçada da cambial;

c) Reclamou a inserção das palavras �Letras de Câmbio� e �Nota

Promissória�, para a caracterização da cambial ao primeiro lanço

de vista;

d) Autorizou o endosso em branco;

e) Admitiu a cambial à própria ordem do sacador;

f) Regulou, pura e simplesmente, as obrigações cambiais derivadas

da forma do título;

g) Silenciou sobre o instituto da provisão, por ser matéria estranha

ao vínculo cambial;

h) Tornou facultativo, para o aceite, a apresentação da letra de câmbio

de prazo certo de vencimento;

i) Decretou a irrevogabilidade do aceite;

j) Vinculou a ! rma verdadeira, a despeito da falsidade, da falsi! cação

ou da nulidade de qualquer outra assinatura;

k) Legitimou o possuidor pela série dos endossos, na aparência,

verdadeiros;

I) Firmou a autonomia do crédito cambial, pelo veto da oponibilidade

ao endossatário das exceções pessoais ao endossador (Saraiva, obra

cit., loc. Cit).

Entre os papéis deixados por Saraiva, seu testamenteiro encontrou

os originais de um notável trabalho sobre o Cheque � Comentário ao

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68 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

Decreto nº 2.591, de 07 de agosto de 1912, entregando-o à Faculdade

de Livre de Direito do Estado de Minas Gerais, que o publicou em sua

Revista, vol. IX, em 1914 (edição da Imprensa O! cial do Estado).

Em 106 páginas, Saraiva versa o assunto com a mesma erudição,

precisão e clareza que deu à Cambial.

Merece ser lido esse trabalho do Mestre, pois seus comentários estão

impregnados de alto senso jurídico, sua exposição é agradável e bem

lançada, merecendo, de há muito, ser republicada.

Quando do seu falecimento, no Rio de Janeiro, em 30 de julho de

1913, manifestaram-se o Senado Federal, pela palavra de João Luiz

Alves, a Câmara Federal, onde foi ouvido Augusto De Lima, o

Supremo Tribunal, através do voto de pesar proposto por Pedro

Lessa e o Senado Mineiro, onde falou Levindo Lopes.

O BSERVAÇÕ ES SO BRE AS LETRAS DE CÂM BIO E O UTRO S TÍTULO S DE CRÉDITO

1. História das Letras de Câmbio

O Brasil aderiu à Lei Uniforme de Genebra (LUG), relativa às letras

de Câmbio e Notas Promissórias, que sofreu grande contestação entre

os juristas brasileiros, com destaque para o Professor João Eunápio

Borges1, mas o Supremo Tribunal Federal pôs ! m à controvérsia, ao

admitir que a LUC estava incorporada no direito interno brasileiro

pelo Decreto nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966 (Recursos Extraor-

dinários nº 70.356, Relator Ministro Bilac Pinto e nº 71.154, Relator

Ministro Oswaldo Trigueiro).

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69Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

O Brasil apresentou reserva a alguns dispositivos, notando-se que a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, no art. 2º, nº I, conceitua a reserva: �declaração unilateral, seja qual for o seu enun-ciado ou a sua denominação, feita por um Estado ao assinar, rati! car, aceitar, e aprovar o efeito jurídico de algumas de suas disposições na aplicação ao mesmo�.

Portanto, inexiste dúvida sobre a a! rmação no sentido de que a LUG não afastou os dispositivos objetos de reservas e os identi! cados em leis especiais, segundo a regra do nosso Código Civil, em seu art. 903.

É evidente a conclusão da permanência de regras do Decreto nº 2.004, de 1908, em decorrência de reservas ou de matérias não reguladas pela lUG e, também, as do Código Civil, desde que não disciplinadas em nossa legislação especial.

2. Natureza das Letras de Câmbio

Já dissemos2 que a letra de câmbio é título de crédito correspondente a ordem de pagamento, em dinheiro, à vista ou a prazo, ao passo que a nota promissória é promessa de pagamento.

Na letra de câmbio podem surgir duas ou três pessoas diversas: a que dá a ordem de pagar � o sacador (credor); contra quem a ordem é passada � o sacado (devedor) e a favor de quem a ordem é dada: bene! ciário, favorecido, terceiro ou o próprio sacador.

É pací! ca a a! rmação no sentido de que a letra de câmbio é um título abstrato, vale dizer, não depende, legalmente, para sua emissão, de causa certa e determinada, podendo estar vinculada a qualquer obri-

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70 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

gação, o que confere maior segurança e tranqüilidade aos sucessivos

adquirentes desse título.

Tal não ocorre com os títulos causais, vinculados, legalmente, a

uma causa, como sucede com as duplicatas, constituindo crime a

sua emissão se não decorrer de uma compra e venda ou prestação

de serviço e, também, com o conhecimento de depósito, warrant,

conhecimento de transporte, cédulas de crédito rural, comercial ou

industrial, certi! cado de depósito bancário (CDB), cédula de crédito

bancário, nota comercial (�commercial paper�) e outros.

3. Especi� cidades das Letras de Câmbio

O Governo brasileiro acolheu a reserva do art. 16 do anexo lI, apro-

vada pela Convenção de Genebra que reza: �A questão de saber se

o sacador é obrigado a constituir provisão à data do vencimento e

se o portador tem direitos especiais sobre essa provisão está fora do

âmbito da Lei Uniforme�.

�O mesmo sucede relativamente a qualquer outra questão respeitante

às relações jurídicas que serviram de base à emissão da letra�.

A regra, no direito cambiário brasileiro, é no sentido de que a ausên-

cia de requisito essencial, des! gura a letra de câmbio como título de

crédito, princípio acolhido no art. 2º da LUG.

Assim, não há obrigatoriedade de prévia provisão para dar legitimi-

dade à letra de câmbio.

Não encontramos, na jurisprudência nacional, nenhuma decisão que

imponha a antecipada provisão de fundos.

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71Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

Chega-se, sem qualquer di! culdade, à conclusão segundo a qual a letra de câmbio nasce em virtude de um direito creditício de qualquer natureza.

Note-se, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), na Súmula nº 2999, considera que �É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito, pois, na lição do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito3, �A prescrição do título executivo não acarreta o cancelamen-to do protesto�. Se o título não tem vício e o débito não foi pago, se mantém o protesto, pois o credor pode fazer a cobrança por outros meios, dentro dos quais a ação monitória� e acrescentamos � também pelo saque de letra de câmbio.

Cumprir-se-á, então, o disposto no art. 21, da lei nº 9.492: �O protesto será tirado por falta de pagamento, aceite ou de devolução�, a ! m de o credor inadimplido, que persegue a satisfação de seu crédito, qualquer que seja o documento de dívida que gerou a obrigação de pagar, receba o valor que lhe é devido.

Daí concluir Hélia Márcia Gomes Pinheiro4: �Em suma, não há óbice em se protestar qualquer documento de dívida, desde que o ! m do protesto seja a comprovação da falta de cumprimento das obrigações assumidas pelo devedor, possibilitando que o credor exerça outro tipo de direito�.

Caberá ao tabelião o exame dos documentos apenas sobre o aspecto de seus caracteres formais e �terão curso se não apresentarem vícios� (lei nº 9.492). Conseqüentemente, somente qualquer irregularidade formal impedirá o registro do protesto.

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72 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

4. Pode credor de título inadimplido (cheque, em especial)

proceder ao saque de letra de câmbio na qual � gure como

sacado o devedor originário, buscando a satisfação deste seu

crédito?

Respondo positivamente. No caso da proposição ora ofertada, o

saque da letra de câmbio tendo como sacado o devedor que não

honrou sua dívida em outro título de crédito ou documento de dívida,

constituiu-se em exercício regular de direito, com base na legislação

em vigor e em farta manifestação doutrinária.

5. É juridicamente cabível a indicação, pelo sacador da

letra de câmbio, de lugar para pagamento diferente do local

do domicilio do sacado, de acordo com o que melhor lhe

aprouver?

Trata-se, no caso, da chamada letra domiciliada, que confere ao

sacador o direito de apresentar o título em lugar à sua escolha, aten-

dendo, é evidente, às suas conveniências.

Em país com dimensões continentais � como é o caso do Brasil � essa

escolha confere ainda maior razão prática para a sua legitimidade.

Com a internacionalização da economia e a concentração de mercados

essa opção do sacador tornou-se ainda mais necessária.

Daí, em obra premiada pelo Centro Francês de Direito Compara-

do e pela Universidade de Dijon, PASCALE BLOCH expor �La

domiciliation permet au porteur de connaître à I�avance Ia localité où il pourra

recevoir le montant de I�effet de comnerce sans être à la merci d�un changement

d�adresse du tiré�5.

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73Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

Nas relações comerciais internas surge a domiciliação como fator de assegurar maior e! ciência na cobrança de títulos de crédito, di! -cultando a inadimplência, pela identi! cação correta do lugar para a efetiva liquidação da dívida contraída.

O art. 27 da LUG acolheu, registram todos os comercialistas, a letra

domiciliada, pois a 1ª alínea assegura ao sacador indicar �na letra um lugar de pagamento diverso do domicílio do sacado�. Se esse direito não é exercido, poderá o sacado, no ato do aceite, indicar, para ser efetuado o pagamento, outro domicílio no mesmo lugar (2ª alínea).

Bem esclarece e simpli! ca essa questão ROSA JÚNIOR6: �Em resumo, na letra domiciliada a apresentação deve ser feita no lugar designado pelo sacador e no aceite domiciliado a apresentação deve ocorrer no domicílio indicado pelo sacado�.

6. Os parceiros e clientes de empresa tencionam apresentar

a protesto a 1ª via desta letra de câmbio emitida, através

de comunicação postal, para que o sacado aceite a mesma

no prazo de 10 (dez) dias úteis a contar da postagem. Uma

vez veri! cada a hipótese (esperada, até certo ponto) de não

devolução da letra com o aceite, pretendem estes credores

sacar a 2ª via da letra de câmbio, encaminhando a mesma

ao Cartório de Protesto de sua preferência, ou seja, do lugar

indicado para pagamento. Saliente-se, por oportuno, que o

vencimento, em tais casos, será de 30 (trinta) dias da vista.

Pode-se considerar correto o procedimento vislumbrado?

A resposta está, claramente, no art. 35 da LUG: �O vencimento de uma letra a termo de vista determina-se, quer pela data do aceite, quer pela do protesto�.

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74 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

Assiste total razão ao Prof. João Eunápio Borges7 quando ensina: �A lei cambial é, aliás, de meridiana clareza, dando ao portador o direito, a faculdade de apresentar a letra para o aceite e só excepcionalmente lhe impondo a obrigação, ou melhor, a necessidade de tal apresenta-ção� � este é o caso que envolve essa pergunta.

Mas, na hipótese de o devedor (sacado) não aceitar o título, deverá o credor (sacador) proceder ao seu protesto por falta de aceite (art. 22, §1º c/c o art. 44 da LUG).

É válida a remessa postal da letra de câmbio, agilizando o procedi-mento, a ! m de o protesto ocorrer no prazo de 10 (dez) dias da data da respectiva postagem.

Na prática, pode não se efetivar a devolução do título, com ou sem aceite do devedor. Nesse caso, poderá o credor sacar uma segunda via da letra e encaminhá-la ao Cartório de Protesto de sua preferência, que será o do lugar identi! cado como o do pagamento, observando-se o vencimento de 30 (trinta) dias de vista, a contar da apresentação.

Esse procedimento está arrimado na legislação citada, portanto, é correto, não podendo, validamente, ser contestado.

7. É possível ao Cartório de Protesto a objeção do título, por alguma circunstância relacionada ao protesto da letra de câmbio, nos limites ora delimitados?

A resposta não encontra divergência na doutrina ou jurisprudência, em face da precisão e clareza do art. 9 da lei nº 9.492, de 1997. �Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais� e � esclarece o parágrafo único que ape-nas �qualquer irregularidade formal observada pelo tabelião obstará o registro do protesto�.

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75Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

Corretamente, a lei limitou o exame do título sobre outros aspectos

jurídicos que não integram as funções do o! cial do protesto. Cabe-

lhe veri! car se a letra de câmbio obedeceu às exigências do art. 1º da

lei Uniforme de Genebra. Nada mais.

Não poderia ser outra a responsabilidade do tabelião, pois �O aceite

é a declaração unilateral, facultativa, pela qual o sacado assume a

obrigação de realizar o pagamento da soma indicada no título, dentro

do prazo ali especi! cado, tornando-se, assim, responsável direto pela

execução de obrigação incondicional�8.

Mas, no direito brasileiro, entre os requisitos essenciais da letra de

câmbio não está a exigência do aceite.

O art. 9º, da Lei nº 9.492/97 não autoriza ao tabelião de protesto

�investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade�.

O título prescrito está sujeito a protesto desde que inexistam vícios

formais no documento apresentado. O protesto extrajudicial de qual-

quer documento de dívida deverá ser necessário e útil para o credor,

pois comprovará a falta de cumprimento das obrigações assumidas

pelo devedor.

Conclusão: O tabelião de protesto, ao protocolizar uma letra de

câmbio, necessita, somente, veri! car seus caracteres formais, inde-

pendentemente de prescrição ou decadência, consoante o art. 92 da

Lei nº 9.492/1997. Ou seja, se o título apresentado é letra de câmbio

ou não. Os caracteres formais da letra de câmbio estão previstos no

art. 12 da Lei Uniforme de Genebra. Destaque-se, que o lançamento

de aceite não está previsto no mencionado dispositivo como um item

obrigatório para que se caracterize um título como letra de câmbio.

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76 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

A LETRA DE CÂM BIO SEM ACEITE É TÍTULO DE CRÉDITO ?

Há quase 100 anos, o Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908,

em seu Título I, Capítulo I, art. 12, estabelece de maneira clara o con-

ceito e os requisitos necessários para representar a letra de câmbio:

�Art. 1º � A letra de câmbio é uma ordem de pagamento e deve conter

estes requisitos, lançados, por extenso, no contexto:

I � a denominação ��letra de câmbio� ou a denominação equivalente

na língua em que for emitida;

II � a soma de dinheiro a pagar e a espécie da moeda;

III � o nome da pessoa que deve pagá-la; Esta indicação pode ser

inserida abaixo do contexto;

IV � o nome da pessoa a quem deve ser paga. A letra pode ser ao

portador e também pode ser emitida por ordem e conta de terceiro.

O sacador pode designar-se como tomador;

V � a assinatura do próprio punho do sacador ou do mandatário

especial. A assinatura deve ser ! rmada abaixo do contexto.�

E o art. 22 esclarece que só �Não será letra de câmbio o escrito a que faltar

qualquer dos requisitos acima enumerados�.

O Código Civil � Lei nº 10.406 de janeiro de 2002, no artigo 887,

acolheu quase por completo, o conceito de título de crédito de Vi-

vante: �O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal

e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos

da Lei�.

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77Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

Ato jurídico strictu sensu, o protesto cambial se realiza num processo

extrajudicial, sob a égide do Direito Comercial, de competência pri-

vativa da União nos termos do inciso I, do art. 22, da Constituição

Federal de 1988.

J.X. Carvalho de Mendonça, já em 1922, ensinara: ��A emissão e entrega da letra de câmbio importam, pois, na promissória tácita pelo sacador ou tomador que o sacado, apresentado o título, o aceitará, pagará e, caso o não aceite ou não pague no vencimento, ele honrará sua própria fi rma� (os grifos são

nossos) (Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. V, livro li, Parte li,

p. 206, nº 567).

Não há na doutrina brasileira, jurista que desconsidere o Sacador

como Obrigado Cambial, � pois signatário do título �, torna-se

de! nitivamente responsável pelo pagamento da letra de câmbio.

João Eunápio Borges, comercialista consagrado, ensina: �Permite a lei ainda, expressamente, que o sacador se designe como tomador. É o que se dá freqüentemente nas letras de câmbio sacadas a título de cobrança, ou de tentativa de cobrança�.

�E, sendo possível, como vimos anteriormente, o saque contra si

mesmo, nada impede, cambialmente, esta aparente anormalidade:

uma letra de câmbio na qual o sacador, sacado e tomador seja uma

só pessoa... Hipótese, aliás, prevista e expressamente admitida pela

Lei Uniforme de (art.3º)�.

Merece aplausos a decisão do Desembargador Luiz Zveiter, Correge-

dor de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao

acolher parecer do Juiz de Direito Fábio Ribeiro Porto sobre pedido

da Sociedade Anônima SERASA �para excluir da certidão prestada em

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78 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

forma de aceite, tendo em vista que somente os protestos de títulos

de inadimplência ! nanceira guardem relevância com o objetivo dos

bancos dados vinculados à proteção ao crédito� (Diário O! cial do

Estado do Rio de Janeiro, ano XXXIII, nº 291, Parte III, PP. 59 e

60, de 13 de dezembro de 2007).

A inexistência óbvia de amparo legal desse pedido, que desconsidera

a legislação em vigor é evidente, em face do art. 29 da Lei dos protes-

tos , que, claramente, obriga: �Os cartórios fornecerão às entidades

representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à

proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma de

relação dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a

nota de se cuidar de informação reservada da qual não se poderá dar

publicidade pela imprensa, nem mesmo parcialmente�.

O dispositivo legal citado afasta, de! ntivamente, a validade de limi-

tar abusivamente essas declarações e é reforçado pelo art. 30: �As

certidões, informações e relações serão elaboradas pelo nome dos

devedores conforme previsto no §4º do art. 21, desta Lei, devida-

mente identi! cados, e abrangerão os protestos lavrados e registrados

por falta de pagamento, de aceite ou de devolução, vedada a exclu-

são ou omissão de nomes e de protestos, ainda que provisórios ou

parcial�.

Se atendida a solicitação da SERASA, estariam os notários sujeitos a

processo administrativo disciplinar pela inobservância de prescrições

legais ou normativas, nos termos da Lei nº 8.935/94.

Recentemente o problema voltou a ser discutido no Tribunal de

Justiça do Estado de Minas Gerais pois os Juizados Especiais das

Relações de Consumo da comarca de Belo Horizonte, com raras

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79Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

exceções, têm impedido o protesto quando da letra de câmbio só com a assinatura do sacador, inequestionavelmente devedor cambial, desrespeitando o art. 9º da Lei nº 4.392/1997, que impõe ao Tabelião a incumbência de examinar os caracteres formais dos títulos levados a protesto, não lhe competindo a apuração acerca da relação jurídica entre as partes ou do débito em si.

É lamentável que, ao se aproximar do centenário da nossa lei cambial, sejam suscitadas dúvidas já inequivocadamente resolvidas, repetidas vezes pela lesgislação, doutrina e jurisprudência e gerando, negati-vamente, abalos à segurança jurídica que deve presidir as atividades econômicas.

A gravidade desse problema levou o Instituto de Estudos de Pro-testo de Títulos do Brasil (IEPTB), Seção Rio de Janeiro, a lmpetrar Mandado de Segurança e para manifestar enorme preocupação com o ato do Juiz de Direito Diretor dos Juizados Especiais Cíveis de Belo Horizonte e seus efeitos concretos, �Contra texto expresso de lei e jurisprudência pací! ca deste Egrégio Tribunal de Justiça e do Colen do Superior Tribunal de Justiça, está permitindo o recebimento de demandas naqueles juizados, em face de tabeliões e/ou cartórios de protestos de títulos do Estado ao Rio de Janeiro, que têm por objeto a discussão, o cancelamento e/ou a sustação de registros públicos de protestos realizados em Comarcas do Estado do Rio de Janeiro, praças de pagamento dos mesmos, bem como pleitear a sua anulação desses efeitos concretos e o impedimento de continuação da prática desse ato�...

Quando à tese que acolhe existir uma relação de consumo, o tema já foi decidido pelo STJ, conforme informativo nº 277: �Ressaltou-se que, no caso, não se aplica o código de Defesa do Consumidor,

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80 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

pois não se trata de relação de consumo, mas de uma relação de

serviço público. O notário ou tabelião de notas é um pro! ssional do

Direito, dotado de fé pública, a quem é delegado pelo poder público

o exercício da atividade notarial. Explica o Ministro Carlos Alberto

Menezes Direito que esse ato de delegaçao é diferente daqueles em

que as empresas trabalham por concessão de direito público, uma vez

que é um serviço vinculado e ! scalizado diretamente pelo Estado.

Assim, o usuário de serviço público tem um contrato sob a égide de

Direito Público e não se aplica o art. 100, parágrafo único do CPC,

porque não se trata de delito extracontratual, por isso se aplica a regra

geral da competência, Resp 625.144-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi,

jultado em 14/3/2006�.

Podem ainda ser citados, no mesmo sentido, claramente sobre a ina-

plicabilidade do CDC, às atividades notariais e de registro, o acordão

do Resp. nº 213799, da 4ª Turma do STF e o acordão do Resp nº

625144, da 3ª Turma do STJ.

Temos a legítima esperança de que prevalecerá o respeito ao Decre-

to nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908, exatamente no ano de seu

centenário.

O Exmo. Sr. Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais,

Desembargador Célio César Paduani acolheu o parecer técnico de " s.

73/77, onde se a! rma �Como bem ponderado, a análise de respon-

sabilidade dos tabeliães de protestos, na hipótese em discussão, deve

oferecer em via própria, sendo concedido a todos os envolvidos o di-

reito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal�.

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81Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

Os juízes auxiliares também se manifestam neste sentido �Insta

salientar, que a lavratura de ato normativo, que impeça os protestos

de letrar de câmbio sem aceite, pode acarretar prejuízos às relações

comerciais transacionadas com títulos dessa natureza. Isto porque,

o direito de apresentar um título de crédito a protesto é de seu

portador, assumindo o apresentante a responsabilidade por sua ati-

tude�. Na hipótese em tela, o CREDOR requer o protesto de letra

de câmbio da qual era o SACADRO a ! m de receber o valor que

lhe era devido. Inexiste qualquer dúvida sobre a legitimidade dessa

forma de cobrança, já lembrada pelo Prof. João Eunápio Borges há

mais de 37 anos"

E o pedido foi indeferido no dia 9 de dezembro de 2008, no ano de

centenário da nossa lei cambial"

Resta-nos a esperança de possível revisão futura de tese afastada da

nossa realidade jurídica e de manifestações inequívocas dos maiores

comercialistas brasileiros e estrangeiros.

Para ! nalizar, quero destacar importante decisão do Tribunal de Jus-

tiça do Rio do Estado do Rio de Janeiro, repetida em vários outros

casos, acolhendo a melhor doutrina e jurisprudência, respeitando a

Lei nº2.044, de 31 de dezembro de 1908, cujo centenário não recebeu

as homenagens e aplausos merecidos.

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82 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

Processo: 2008-283803Assunto: Reclamação Disciplinar em face de CartórioExtrajudicialRITA AUGUSTA CRETCHEU DUARTE DOS SANTOS

Conceição de Macabu Ofício Único

P A R E C E R

Protesto de letra de câmbio. Devedor intimado por edital. É defeso ao tabelião de protesto perquirir a respeito de questões que não versem exclusivamente sobre os aspectos formais do título apresen-tado, motivo pelo qual, não cabe a este investigar a ocorrência da prescrição, por disposição expressa da parte ! nal do caput do art. 9º da Lei nº 9.492/97. Examinado o título em seus caracteres formais o procedimento terá seu curso normal.

Excelentíssimo Senhor Desembargador Corregedor-Geral da Justiça,

Alega a reclamante que houve um protesto indevido de uma letra de câmbio no cartório reclamado.

Aduz que o cartório participa de um conluio com os estelionatários que perfazem um verdadeiro golpe, pois todas as partes são domi-ciliadas em São Paulo.

Consta parecer da Divisão de Instrução e Pareceres para Serventias Extrajudiciais no processo nº 2008-058819, em caso análogo, onde foi constatada a ausência de prática de irregularidade do Cartório extrajudicial no caso de protesto destas letras de câmbio.

É o relatório. Passo a opinar.

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83Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

Não assiste razão a requerente, pois o protesto de títulos realizado

em Comarca diferente do domicílio das partes é expressamente au-

torizado por lei.

De acordo com o artigo 9º da Lei 9492/97 esclarece que os docu-

mentos e títulos de dívida serão examinados pelo Tabelião somente

quanto aos seus caracteres formais.

Não cabe ao Tabelião de protesto veri! car a ocorrência de prescri-

ção ou decadência, nos termos da decisão do Colendo STJ no RE

nº 671.486/PE.

Assim, o Tabelião, veri! cando sua praça territorial indicada para

o aceite, pagamento ou devolução tem o dever de protocolizar os

títulos destinados ao protesto, promovendo a intimação pessoal ou

por edital.

No caso de letra de câmbio protestada, deve o Tabelião observar

somente o seguinte:

1 � Se o título preenche os requisitos do artigo 1º da Lei Uniforme

de Genebra (Decreto nº 57.663/66) para ser considerado letra de

câmbio e o tipo de protesto, ou seja, se é por falta de devolução, por

falta de pagamento ou aceite;

2 � Em se tratando de letra de câmbio domiciliada, prevista na alínea

1ª do artigo 27 do Decreto 57.663/66, em que o sacado tenha domi-

cílio diverso ao do Tabelionato de Protesto, a intimação será feita por

edital, conforme previsto no artigo 15 da Lei 9.492/97;

3- Após o protesto, tal informação deverá constar das certidões diárias

solicitadas pelas entidades protetoras de crédito.

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84 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

4 - O cancelamento somente será possível nas hipóteses previstas no

artigo 26 e seus parágrafos a Lei 9.492/97.

Assim, podemos concluir que descabe ao Tabelião de Protesto veri-

! car o motivo da apresentação do protesto da letra de câmbio e não

do cheque, além dos motivos que envolveram a criação e a circulação

da mesma. Isto porque a letra de câmbio é um título abstrato, isto é,

pode decorrer de qualquer causa.

Quanto a escolha do local, o artigo 28 do Dec. 2.044/1908 estabelece

que o protesto deve ser tirado no lugar indicado na letra para o aceite

ou para o pagamento.

A Lei Uniforme estabelece que na ausência de indicação do lugar do

pagamento, considera-se o local designado ao lado do nome do sacado

como local do pagamento e lugar do domicílio do sacado.

Segundo Humberto Theodoro Junior, em parecer acostado ao pre-

sente esclarece:

O lugar de pagamento e domicílio do sacado são coisas distintas, de

sorte que o lugar do pagamento é, antes de tudo o que o sacador

aponta especi! camente na letra. Somente se não foi dito, de forma

expressa no título, onde se deva cumprir o saque é que se terá o do-

micílio do sacado como o lugar do pagamento.

Como o protesto deve ser tirado no local de pagamento, e este é

aquele indicado na letra de câmbio, conclui-se que o domicílio do

sacado não é in" uente na de! nição do local para a tirada do protesto.

Somente quando omisso o título é que a lei leva em consideração

esse domicílio para de! nição do local de pagamento, e, conseqüen-

temente, para protesto.

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85Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

No direito cambiário, portanto, é, legítima a escolha feita pelo sacador de local diverso do domicílio do sacado para a apresentação da letra e para seu aceite e pagamento.

Impossível é, assim, ao O! cial Público, a recusa do registro de pro-testo por não coincidir o local de pagamento mencionado no título com o domicílio do sacado.

Assim, concluímos que é o credor que protesta o título. É ele que, diante do órgão registral , manifesta seu desagrado pela falta do aceite ou do pagamento da letra de câmbio. O cartório de protesto apenas reduz a termo a declaração expressa pelo titular do crédito (ou do apresentante). Por meio deste ato, o credor formaliza a prova de fato jurídico, cuja ocorrência traz implicações à relação jurídica representada pelo título.

O artigo 9º da Lei nº 9.492/97 é claro em a! rmar que a atividade do Tabelião de Protesto está submetida ao princípio da estrita le-galidade, sendo defeso ao mesmo perquirir a respeito de questões que não versem exclusivamente sobre os aspectos formais do título apresentado para protesto.

A literalidade do artigo mencionada é clara o su! ciente para corro-borar o que se disse acima:

�Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão exami-nados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade.

Parágrafo único: Qualquer irregularidade formal observada pelo Ta-

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86 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

belião obstará o registro do protesto.� (grifei) A doutrina é pací! ca em rati! car o que o texto legal deixou extreme de dúvida.

Sobre o tema con! ra-se a lição de ANDRÉ GOMES NETTO:

�(...) Assim sendo, por exemplo, o tabelião de protesto, corriqueira-mente protocoliza e protesta cheques prescritos, ou seja, cheques em que o credor já perdeu o direito de executar judicialmente o devedor. Isso se dá porque o tabelião de protesto promove unicamente a pu-blicidade do inadimplemento do devedor. Por isso, incabível, como querem alguns, o argumento de que os tabeliães de protesto estariam adstrito ao prazo prescricional de 3 anos do art. 206, § 3º, VIII, do Código Civil. O tabelião de protesto tem o dever legal, segundo o art. 30 da Lei Federal nº 9.492/1997, de informar, mediante certidão, to-dos os protestos lavrados, vedada a exclusão, ou omissão de qualquer nome, ainda que provisório ou parcial� (GOMES NETTO, André. O Protesto de Títulos e outros Documentos de Dívida: Evolução Doutrinária, Legal e Jurisprudencial. In: GONÇALVES, Vânia Mara Nascimento (coord.). Direito Notarial e Registral. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 1-17, p. 5).

No mesmo sentido decide a jurisprudência:

Ementa: Ação indenizatória por danos morais e cancelamento de pro-testo de cheque furtado, sustado e prescrito � Ação julgada procedente em parte apenas para cancelar o protesto. Apelação do autor postu-lando sejam responsabilizados o Tabelião e o favorecido do cheque, por danos morais, o primeiro por não observar aspectos formais do cheque e a prescrição do cheque e o segundo por apresentar a pro-testo cheque prescrito. Não cabe ao Tabelião de Protesto investigar a prescrição ou caducidade do cheque apontado a protesto (art. 9º

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87Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

da Lei nº 9.492/97). Vedação ao apontamento somente nos casos de devolução do cheque pelo banco sacado, por motivo de roubo, furto, extravio ou fraude (item 10.2 do Cap. XV, Seção III, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral de Justiça). Cheque devolvido pela alínea 21 (oposição do emitente). Tese de irregularidade formal do cheque introduzida somente na réplica, inovando fundamento da inicial. Juiz que, mesmo assim, afasta qualquer irregularidade, neste sentido. Nenhuma irregularidade formal evidenciada a ensejar a recusa do protesto.

Apelação negada. Responsabilidade do apresentante do titulo a protesto ante a perda da executividade do título com a prescrição do cheque, mostrando-se abusivo o protesto (art. 47 e 48 da Lei n� 7.357/85). Danos morais evidenciados (in re ipsa), com o indevido protesto. Danos morais que devem ser ! xados com razoabilidade e proporcionalidade. Apelação provida. Recurso adesivo do Tabelião objetivando a majoração dos honorários ! xados.

Honorários advocatícios ! xados em valor irrisório. Majoração dos honorários para 20% do valor da causa. Recurso adesivo acolhido. Apelação parcialmente provida e provido o recurso adesiva. ( TJSP Apelação Com Revisão 7025647600 Relator(a): Francisco Giaquinto Data do Julgamento: 19/06/2007) (grifei)

No caso em tela, não restou caracterizada qualquer irregularidade do Cartório único de Conceição de Macabu., que somente veri! ca os requisitos formais do título. Neste diapasão, tendo em vista a ausência de responsabilidade do Tabelião do Cartório único de Conceição de Macabu, nada mais havendo a prover, opino pelo arquivamento do feito. É o parecer sob censura.

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88 Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

Rio de Janeiro, 17 de março de 2009.

EDUARDA MONTEIRO DE CASTRO SOUZA CAMPOS

Juíza de Direito

Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça

D E C I S Ã O

Acolho o parecer do ilustre Juiz Auxiliar, adotando como razão de

decidir os fundamentos no mesmo expostos, que passam a integrar

a presente decisão, para determinar a remessa dos presentes autos

ao arquivo, tendo em vista as informações de que não restou carac-

terizada nenhuma irregularidade realizada pelo Tabelião do Cartório

único de Conceição de Macabu.

Publique-se. Arquive-se. Cumpra-se.

Rio de Janeiro, 17 de março de 2009.

Desembargador ROBERTO W IDER

Corregedor-Geral da Justiça

N otas

1 Títulos de Crédito�, 1ª Edição, Rio de Janeiro, Forense, 1971, na 41

e 4ª, p. 44 a 46. Vide, ainda, �O Conteúdo das Reservas Formuladas

sobre a Lei Uniforme relativas às Letras de Câmbio e Notas Promis-

sórias�, Revista de Direito Mercantil, Industrial Econômico e Financeiro,

na 8, Nova Série, 1972, p. 21 a 44.

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89Car ta Mensa l � Rio de Janeiro, v. 55, n. 649, p. 61-89, abr. 2009

2 Manual dos Títulos de Crédito, Rio de Janeiro, Editora Pallas, 1975,

p. 123.

3 Julgado em 08/03/200, vide �Informativo de Jurisprudência do

STJ� 238, 07 a 11/03/2005.

4 Aspectos Atuais do Protesto Cambial, Editora Lume. Juris, Rio de Ja-

neiro, 2001, p. 22, nº 3.2.1.

5 �Le Lettres de Change et Billets à Ordre das Les Relations Cornmercialis

Inremacionales�, Editora Econômica, Paris, 1986, p.100, nº 132.

6 Rosa Júnior, Luiz Emygdio Franco de, Títulos de Crédito, Rio de

Janeiro, Renovar, 2000, p. 352.

7 Obra Cit., p. 63, nº 59.

8 Theophilo de Azeredo Santos, Do Aceite, Forense, Rio de Janeiro,

1962, p. 16, nº 1. O Código Comercial Brasileiro, lei nº 556, de 25

de junho de 1850, tornava-o obrigatório, quanto o saque tivesse sido

autorizado por esairo.

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Ernane GalvêasEx-Ministro da Fazenda

Síntese da Conjuntura

Medidas para Vencer a Crise, em Três Tempos

Contrariamente ao ufanismo das autoridades brasileiras, que en-

tendiam que a crise mundial não iria �atravessar o Atlântico�, na

verdade, a recessão pegou em cheio a economia nacional. Entretanto,

isto poderá não ser o ! m do mundo, como está sendo nos Estados

Unidos e na Europa, uma vez que a crise encontrou o nosso sistema

bancário em sólida situação, não comprometido com as aventuras

dos ativos podres e hedges tóxicos. Por outro lado, no início da crise,

o Banco Central tinha em caixa R$ 272 bilhões de depósitos com-

pulsórios dos bancos e US$ 207 bilhões em reservas cambiais. Não

precisava mais nada. Através da MP nº 442/08 reabriu a Carteira de

Redescontos no Banco Central, onde poderia abrigar papéis sadios

de operações legítimas, garantindo a liquidez do sistema.

Por outro lado, poderia depositar US$ 40 ou US$ 50 bilhões das

reservas cambiais em bancos tradicionais americanos, com o compro-

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misso de manterem em aberto as linhas de ! nanciamento de ACCs para os bancos brasileiros.

De resto, era pôr em marcha acelerada o PAC, com todos os seus projetos de investimentos � hidroelétricas, rodovias, portos, sanea-mento urbano e outros, para suprir a criação de empregos que estão sendo destruídos em outras áreas. Segundo pesquisa do JP Morgan, 18 empresas concessionárias de serviço público com ações na Bovespa têm planos de investimento de R$ 23 bilhões, em 2009. Somente a Petrobras precisa investir US$ 174,4 bilhões, nos próximos 5 anos.

Não é isso que está acontecendo. O Governo decidiu imitar os americanos e os europeus, dando dinheiro aos bancos, comprando empresas ! nanceiras e imobiliárias e, num contra-senso, gastou bi-lhões de reais para estimular o consumo de automóveis, geladeiras, celulares, etc. Ora, na recessão, o trabalhador que perde o emprego ou está ameaçado de perdê-lo se retrai. Nada mais natural. É assim que funciona a racionalidade do mercado e dos ciclos econômicos. Perde-se o emprego do lado do consumo, cria-se emprego em novos investimentos, de preferência na infraestrutura que está abandonada há vários anos.

O Governo está �rodando a baiana� das verbas, espalhando dinheiro em todas as direções, com visível propósito eleitoral. A crescente carga tributária acabará inchando a dívida pública e criando pressões in" acionárias, brevemente. Aí, a situação piora e agrava o desem-prego e a renda do trabalhador. E afeta o Governo na transição de 2010/2011.

Essa é a sequência da crise: começou no mercado imobiliário, com o sub-prime americano, abalou o sistema bancário mundial, derrubou as Bolsas de Valores e Futuros e atingiu em cheio a economia real,

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pela retração do comércio internacional, pela crise da indústria au-

tomobilística, da siderurgia, do agronegócio, etc. O próximo efeito

terá caráter político e, no caso brasileiro, certamente efeitos eleitorais

negativos.

Parece lógico, não é? Mas não para todos.

Desde que o Governo admitiu que a crise global havia chegado ao

Brasil, disparou uma série de medidas anticíclicas, visando garantir

meios ao sistema bancário para manter um adequado volume de cré-

dito do sistema produtivo, ao lado de medidas ! scais, com o objetivo

! nal de evitar o desemprego.

A economia brasileira cresceu bastante, nos últimos três anos, em

função da forte presença da China no mercado internacional, pro-

vocando uma espantosa elevação dos preços dos combustíveis, das

matérias primas e dos alimentos. Agora, a situação se reverteu, a

partir da crise econômica nos Estados Unidos e na Europa, e a con-

sequente retração da China. Caíram substancialmente as exportações

de petróleo e de álcool, de minério de ferro e produtos siderúrgicos,

de celulose e papel, e muitos outros produtos.

Muitos países estão adotando medidas protecionistas e acirrando

a concorrência internacional. A indústria nacional está sentindo a

pressão das importações de produtos estrangeiros e já sinaliza o

desemprego de largos contingentes de trabalhadores.

O Banco do Brasil está recebendo recursos para expandir o crédito

rural, mas nada impede que, por razões climáticas principalmente, a

próxima safra agrícola venha a cair cerca de 5%. A Caixa Econômica

está empenhada em ativar o mercado imobiliário e o Governo está

anunciando um plano para construção de um milhão de casas popu-

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lares. O Banco Central já liberou mais de R$ 90 bilhões de depósitos compulsórios, mas os bancos reduziram suas carteiras de crédito. O BNDES está recebendo recursos de várias fontes para ! nanciar exportações e a indústria, de um modo geral. O Governo, através da MP nº 453, está autorizado a emitir R$ 100 bilhões de títulos públicos para repassar ao BNDES, que já está recebendo maciços recursos do FAT e do FGTS. É importante que haja consistência no que o Governo está fazendo, absorvendo recursos do setor privado para reinjetá-los em grandes empresas como a Petrobras, que antes se ! nanciavam no exterior. Importante, também é conciliar a política monetária de altas taxas de juros com os programas de expansão de crédito em outras áreas do Governo. Não faz sentido esse empenho em sustentar os empréstimos bancários, enquanto o Banco Central insiste em onerar o Tesouro Nacional com a taxa real de juros mais alta do mundo. É uma contradição fundamental.

CEN ÁRIO ECO N Ô M ICO M UN DIAL, O BRASIL E A CRISE

O mês de fevereiro foi um desastre para as Bolsas de Valores em todo o mundo e, especialmente para a Bovespa, que caiu 2,85%. Mas o desastre maior, verdadeiro pânico, ocorreu no dia 1º de março: nos Estados Unidos, o índice Dow Jones caiu 4,24%, o IBOVESPA caiu 5,1%, na Argentina 7,41%, em Londres 5,33%, em Paris 4,48%, em Frankfurt 3,48%, em Tokio 3,81%. Na contramão do pânico, Xangai subiu 0,51%.

A razão de ser desse desabamento foram as notícias sobre o agra-vamento da situação ! nanceira dos grandes bancos, cujas ações sofreram quedas substanciais: o HSBC 18,78%, o UBS caiu 10,2%, o Credit Suisse 7,4%, o Societé Generale 7,8%, o Paribas 9,3%, o

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Dresdner 5,1%. As ações da Petrobras ON caíram 6,18%, as da Vale-PNA 5,89%, da Usiminas 7,39%, da Embraer 7,28%, do Bradespar 6,96%. Nos Estados Unidos, a AIG � a maior seguradora do mundo � registrou um prejuízo de US$ 61,7 bilhões, no último trimestre de 2008. O HSBC inglês registrou queda de 70% nos lucros, em 2008, e vai demitir 6 mil funcionários.

Nas Bolsas dos Estados Unidos, o prejuízo patrimonial, até agora, monta a US$ 10,4 trilhões, com baixa expectativa de recuperação nos próximos dois anos.

A economia brasileira começou a dar sinais nítidos de recessão a partir de outubro/07, com a queda das exportações, a espantosa desvalorização na BOVESPA e a alta nos índices de desemprego. Apesar desses dados negativos, o ano de 2008, como um todo, foi um ano de euforia para grande número de empresas, que exibiram lucros recordes no exercício passado. É o caso do Banco do Brasil, CEF, Bradesco, Itaú/Unibanco, Petrobras, Vale, Grupo Gerdau, Usi-minas, Natura e dezenas de outras importantes empresas, inclusive os supermercados, o comércio, em geral, e as empresas estrangeiras do setor automobilístico. É uma contradição, em termos, que certamente vai mostrar sua face negativa no exercício de 2009.

No fundo, o que realmente tem in! uência nas atividades econômicas é o nível de emprego, que caiu fortemente no " nal do ano passado e deve continuar caindo, pelo menos no 1º semestre de 2009. O que pode fazer a diferença são os grandes projetos do PAC, se forem implementados com rapidez, criando novas frentes de trabalho e de renda. A intensidade da campanha político-eleitoral em 2009 pode ajudar. Mas temos que reconhecer que o Tesouro Nacional e o Tesouro dos Estados e Municípios têm importantes limitações de recursos que, em parte, podem ser compensados pela expansão dos

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empréstimos do BNDES, da CEF e do Banco do Brasil. É através do crédito propiciado pelas instituições públicas, que o Governo espera contrabalançar os efeitos negativos da recessão global.

É fora de dúvida que a crise econômica mundial pegou em cheio a economia brasileira, a partir de outubro/08. Mas tudo indica que seus efeitos, no Brasil, serão menores e de mais curta duração.

Com a entrada da China no mercado mundial, houve uma revolução nas transações comerciais: o preço dos combustíveis disparou, o mesmo com a demanda por produtos siderúrgicos e minerais, seguido das matérias primas e dos alimentos. O Brasil viveu dois anos (2007 e 2008) de euforia, todo mundo enriqueceu. A partir de outubro/08, tudo mudou, re! etindo a brutal crise nos Estados Unidos e a retração da China.

O primeiro impacto da crise foi sobre o comércio exterior, pelo corte das linhas de ACC. Aí, o País �acordou� para a crise. Caiu a produção da Vale e das siderúrgicas, assim como de automóveis e caminhões pesados, para os quais havia " la de espera e, hoje, a demanda caiu 50%# É evidente que o Brasil não poderia continuar consumindo mais 25% de automóveis, por ano.

A pior fase da crise é o desemprego e, como se sabe, o mercado de trabalho também promove demissões por antecipação, o que agrava a situação. O grande problema nosso é que o desemprego começou a aumentar em dezembro/08 e vai continuar aumentando, provavel-mente por todo o 1º semestre. É o mecanismo de ajuste.

Agora, é a realidade da crise, que vai continuar se agravando nos Es-tados Unidos, na Europa, na China, no Japão. O Brasil vai continuar a sentir seus efeitos, mas, possivelmente, em menor escala. Tudo vai

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depender do comércio exterior. Se nossas exportações caírem 18%, neste ano, e as importações 25%, como se espera, a crise poderá durar mais tempo. Entretanto, temos a compensação dos projetos de investimentos do PAC. Se o Banco Central não continuar sobrecarre-gando o Tesouro Nacional com as maiores taxas de juros do mundo, o Governo poderá contar com recursos para acionar o BNDES, a CEF e o Banco do Brasil e complementar os recursos necessários para as obras do PAC, da indústria imobiliária e do setor rural. É tudo que precisamos, para administrar a crise, desde que a Política não inter! ra e a demagogia eleitoral não atrapalhe.

A CRISE N A IN DÚSTRIA AUTO M O BILÍSTICA

Em qualquer empresa, industrial ou comercial, o primeiro sinal de crise é a redução das vendas e a elevação dos estoques não planejados. Nenhuma indústria funcionará normalmente com mais de 30 dias de estoque, no máximo 45 dias, dependente dos prazos de recebimentos dos insumos. A melhor situação é a do modelo japonês, denominado just on time.

As três grandes empresas montadoras americanas � GM, Chrysler e Ford � podem chegar à insolvência e até mesmo fechar as por-tas, porque estão com os pátios abarrotados. Vendiam 50% de sua produção para os BRIC�s � Brasil, Rússia, Índia e China, que agora são produtores concorrentes e pararam de importar. Por isso, estão concedendo descontos de até 20% e implorando a ajuda do Governo. Também a indústria asiática atravessa uma crise semelhante à dos Estados Unidos. E o mesmo acontece na Europa.

A indústria automobilística americana está em crise, porque caiu a demanda, e pode falir porque não tem custos competitivos para

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concorrer com a Honda, a Hyundai e outros fabricantes estrangeiros.

A GM paga honorários fantásticos a seus diretores e salários três

vezes superiores à média da indústria americana; seus empregados

se aposentam com 30 anos de serviço, com altíssimos benefícios

dos planos de saúde, inclusive para toda a família. As montadoras

de Detroit viviam à base dos abundantes ! nanciamentos bancários;

quando os ! nanciamentos secaram, as empresas entraram em crise,

que pode ser terminal. Já demitiram 150 mil trabalhadores.

O exemplo americano é válido também para o Brasil, embora haja

grandes diferenças nos modelos de carro e de combustível. Mas o

Brasil também abusou e continua abusando do ! nanciamento ban-

cário e o próprio presidente da GM brasileira já advertia, há algum

tempo, que estávamos construindo uma �bolha automobilística�.

Os políticos brasileiros, de forte vocação populista e eleitoreira, não

acreditam nisso e estão mobilizando recursos para encampar as ! -

nanceiras das nossas montadoras. Politicamente, principalmente para

o PT, é importante preservar o ABC. Mas essa não é a solução para

a crise. Vamos aguardar.

Indústria

O mês de fevereiro reacendeu as esperanças de que a recessão ini-

ciada em outubro/08 poderá ser amainada em 2009, dependendo do

comportamento da indústria automobilística, muito embora sejam

muito pessimistas as expectativas em relação ao comércio exterior. Em

janeiro, o INA � Indicador do nível de atividade industrial da indústria

paulista teve alta de 6,2%, em relação a dezembro/08 (Fiesp).

A indústria automobilística produziu mais 0,15% de automóveis

em fevereiro, em relação a fevereiro/08 e mais 0,85% em relação a

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janeiro/09. A redução temporária do IPI está evitando uma recessão

mais grave, porém, no primeiro bimestre, as vendas de automóveis

comerciais leves, caminhões e ônibus, caíram 4,55% em relação a

igual período de 2008.

Em janeiro, a produção de aço bruto ficou 1,6% abaixo de

dezembro/08 e 45,6% inferior a janeiro/08. A produção de laminados

teve queda de 54,6%. A venda de gás natural em fevereiro caiu 22,2%

em relação a dezembro/08 e 29% a janeiro/09, o que dá uma boa

medida da crise atual. Entretanto, em fevereiro, o consumo de energia

elétrica cresceu 0,7% em relação a fevereiro/08 e 4,9% em relação ao

mês anterior. As empresas do setor de papel e celulose ainda sofrem

os impactos da crise, mesmo com a retomada das exportações para

a China, que subiram 37,1% em relação a janeiro de 2008.

Comércio

Conforme assinalado na Carta anterior, o setor comercial também

começa a dar sinais de retração, praticamente em todo o Brasil, com

exceção de Brasília. Houve queda acentuada no período setembro/

dezembro, reduzindo o crescimento no acumulado de 2008 a 2,25%,

segundo a CNC-DE. Em janeiro, as vendas dos supermercados su-

biram 6,54%, sobre janeiro/08 (Abras). O turismo brasileiro cresceu

cerca de 20% nos dois primeiros meses do ano, na comparação com

o mesmo período do ano passado. Segundo a Fecomércio-SP, as

vendas do pequeno varejo fecharam 2008 com alta de 10,8%.

A inadimplência entre as empresas subiu 12,5% e o número de

cheques sem fundos cresceu 20,5% em janeiro, na comparação com

janeiro de 2008 (Serasa).

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Mercado de Trabalho

Depois de fechar 654 mil vagas com carteira assinada em dezembro/08,

o mercado de trabalho formal continuou com desempenho negativo

em janeiro, com uma perda de 101.748 postos.

Segundo o IBGE, a taxa de desemprego subiu de 6,8% em

dezembro/08 para 8,4% em janeiro/09. Chama a atenção o número

de demissões na construção civil, em que a queda de 4,7% foi a maior

dos últimos sete anos.

Pelas pesquisas do DIEESE, o desemprego aumentou de 12,7% em

dezembro/08 para 13,1% em janeiro/09, com destaque para São

Paulo e Belo Horizonte.

Setor Financeiro

Os empréstimos bancários que, juntamente com as exportações,

vinham sustentando o crescimento econômico, também deram sinal

de exaustão, em janeiro/09, com uma expansão de apenas 0,2% e

retração de 0,8% para o setor industrial e de 1,7% para o comércio. No

ano passado, a expansão do crédito foi de 31,1%, difícil de sustentar

sem criar pressões in! acionárias. Em relação ao PIB, o montante de

empréstimos bancários passou de 34,2% em 2007 para 41,1% em

2008. A maior taxa de expansão vem dos bancos públicos, que atingiu

39,5% em 2008 e continua em 39,2% em janeiro/09 (+0,8%).

Em janeiro, o total de empréstimos com atraso de 15 a 90 dias au-

mentou 25,9%, em relação a dezembro/08.

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In� ação

A in! ação teve um repique em janeiro/09, na área dos preços

no varejo, elevando-se o IPCA/IBGE a 0,48%, contra 0,36% em

novembro/08 e 0,28% em dezembro/08. A maior alta foi registrada

pelo IVC/DIEESE, de 0,69%. Em contrapartida, os preços no ata-

cado continuam em baixa. O IGP-M caiu -0,13% em dezembro/08 e

-0,44% em janeiro, mas em fevereiro/09 voltou a subir (+0,26%). Até

fevereiro, o IGP-M acumula queda de 0,18% no ano e taxa positiva

de 7,86% nos últimos 12 meses.

A taxa de câmbio real/US$ sofreu desvalorização de 2,69% em feve-

reiro, após valorização de 0,89% em janeiro. Nos últimos 12 meses,

a desvalorização chega a 41,22%.

Setor Fiscal

A arrecadação de impostos e contribuições federais encerrou janeiro

em R$ 61,442 bilhões, re! etindo a forte desaceleração da econo-

mia. A queda real foi de 7,26% (ou R$ 4,809 bilhões) em relação a

janeiro/08. Este foi o terceiro mês consecutivo de redução. A redução

mais acentuada na indústria foi registrada na metalurgia (-55,36%),

seguida da extração de minerais metálicos (-44,64%). A produção de

veículos está em terceiro lugar (-40,92%).

O forte aumento das despesas e a queda nas receitas " zeram o supe-

rávit primário do Governo Central (Tesouro Nacional, Previdência

Social e Banco Central) despencar em janeiro. A economia para o

pagamento de juros da dívida pública em janeiro/09 " cou em R$ 4,3

bilhões, ou seja uma queda de 72% em relação a 2008.

Em janeiro, os gastos com pessoal subiram 31,2% e os investimentos

18%. Os gastos que mais ajudariam na recuperação econômica (os

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investimentos) foram os que menos cresceram em janeiro: R$ 1,3

bilhão em 2008 para R$ 1,5 bilhão em 2009 � expansão de apenas

11,1%.

A arrecadação de IPI de automóveis foi praticamente nula em janeiro,

rendendo apenas R$ 34 milhões, ante R$ 378 milhões do mesmo mês

de 2008. O Imposto de Renda Retido na Fonte sobre o rendimento

dos assalariados foi um dos poucos que apresentaram variação posi-

tiva (+ de 28,6%), indicando que a massa salarial continua crescendo.

Com 36,54%, um ponto acima de 2007, a carga tributária em relação

ao PIB bateu novo recorde em 2008, segundo o IBPT.

Desde o acirramento da crise ! nanceira mundial em setembro/08,

o Governo já promoveu R$ 7,3 bilhões em desoneração tributária

para diversos setores da economia. As medidas incluem redução de

alíquotas IOF e Imposto de Renda.

Estima-se que com os reajustes na tabela do IRPF, deixarão de ser

arrecadados R$ 4,9 bilhões, em 2009.

A dívida bruta do setor público que, em 2008, teve aumento de R$ 198

bilhões, subiu R$ 34,9 bilhões, em janeiro/09, atingindo R$ 1.775,5

bilhões (59,5% do PIB). Em compensação, a dívida mobiliária (títulos

públicos federais) cresceu R$ 42,0 bilhões em 2008 e diminuiu em R$

43,7 bilhões em janeiro/09, comparada com dezembro/08.

Setor Externo

Quando a China entrou vigorosamente no mercado internacional,

seguida de vários outros países emergentes, acumulou-se em poder

desses países uma brutal reserva de dólares que, através dos bancos,

inundou de liquidez os mercados ! nanceiros mundiais, especialmente

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os Estados Unidos. Os países emergentes, antes importadores ávidos de recursos, passaram a exportadores de capital. Esse foi o princípio da expansão desordenada do crédito, a começar pelos sub-prime ame-ricanos, que deram origem à recessão global.

Essa abundância de recursos, principalmente a partir do ano 2000, agora virou escassez e retração. Os grandes bancos mundiais estão tendo prejuízos colossais, devido aos empréstimos feitos com base em ativos podres, sem garantia. E estão perdendo depositantes, que preferem as aplicações seguras em títulos do Tesouro americano, mesmo com taxas de juros próximas de zero.

O PIB americano cresceu 2% em 2007 e 1,3% em 2008. Em 2009, o FMI projeta uma retração de 1,6% nos Estados Unidos e um cresci-mento mundial de apenas 0,5%. É o peso da recessão.

A economia brasileira está começando a dar preocupantes sinais negativos na área externa. Na medida em que se retrai o comércio internacional, por in! uência da recessão nos Estados Unidos, na Europa e na China, desaba a estrutura das exportações brasileiras que alavancaram o crescimento do PIB do Brasil nos últimos seis anos.

Em 2005, as exportações brasileiras expandiram 22,6%, em 2006 16,3%, em 2007 16,6%, e em 2008 23,2%, sendo que, neste último ano, todo o crescimento se deu em função do aumento de preço e não de quantidade. Em 2009, as previsões da AEB são de que as exportações diminuírão 18% em relação a 2008 e as importações 25%, produzindo um saldo de US$ 17 bilhões na balança comercial, contra US$ 47,5 bilhões em 2006, US$ 40,0 bilhões em 2007 e US$ 24,8 bilhões em 2008.