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EDITORIAL Tamanho da amostra em estudos clínicos e experimentais Hélio Amante Miot* Estudos investigativos clínico-epidemiológicos ou ex- perimentais objetivam descrever fenômenos ou comparar o comportamento de variáveis em subgrupos de uma popu- lação. Para tanto, não se realiza o estudo de todo o universo populacional, usualmente porque não é acessível ou viável, porém, principalmente, porque não é necessário quando se dispõe de uma amostra representativa para a realização de inferências à população-alvo 1,2 . O planejamento amostral da pesquisa determina o di- mensionamento numérico e também a técnica de amostra- gem (coleta/seleção) dos elementos de um estudo. É funda- mental na elaboração do projeto, e seus problemas podem comprometer a análise final dos dados e interpretação dos resultados. O planejamento amostral adequado depende do conhecimento básico da estatística do estudo e do conheci- mento profundo do problema investigado, a fim de que se possa unir a significância estatística dos testes ao significa- do clínico dos resultados 1,3,4 . A maior parte dos testes bioestatísticos pressupõe que a amostra estudada seja probabilisticamente representativa da população. Algumas amostras coletadas por conveniência, como a escolha de pacientes consecutivos de um ambulató- rio específico, podem não representar adequadamente toda a população do estudo. O pesquisador deve estar atento a possíveis vieses de seleção oriundos da disponibilidade de pacientes em amostragens consecutivas, já que a ampliação do tamanho amostral não corrige o efeito de amostras envie- sadas. Além disso, estratégias de amostragens estratificadas não probabilísticas, por quotas, complexas (conglomera- dos, multiníveis), por resposta voluntária, por saturação de variáveis, tipo “bola de neve” ou com sistemática de coleta não aleatorizada devem ser desenhadas, dimensionadas e analisadas com suporte de estatístico experiente. Neste tex- to serão discutidos princípios para cálculos do tamanho de amostras aleatórias simples 4 . A escolha da fração populacional que compõe a amostra do estudo implica que o pesquisador assuma cer- to grau de erro relacionado à estimativa dos parâmetros populacionais de cada variável, tal erro amostral é possível de quantificação, sendo inversamente proporcional ao ta- manho da amostra 4,5 . Para descrever a estimativa populacional representada por uma variável quantitativa (discreta ou contínua), deve- se dispor do desvio padrão populacional da variável, selecio- nar o nível de significância da estimativa e o erro amostral (em unidades da média) máximo tolerado (Quadro 1) 2 . Para descrever a estimativa populacional representada por uma variável qualitativa (nominal ou ordinal), deve-se dispor da frequência populacional de resultados da variá- vel, selecionar o nível de significância da estimativa e o erro amostral (em percentual) máximo tolerado (Quadro 1). Quando uma variável qualitativa não for dicotômica, o di- mensionamento amostral deve ser considerado para a pro- porção de cada categoria que compõe a variável 4 . Quando não se conhecer o desvio padrão ou as frequ- ências populacionais da variável, e não se dispuser de dados *Professor Assistente do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Botucatu (SP), Brasil. J Vasc Bras. 2011;10(4):275-278. Quadro 1. Fórmulas para cálculo do tamanho de amostras para descrição de variáveis quantitativas e qualitativas em uma população. n – tamanho da amostra; Z α/2 – valor crítico para o grau de confiança desejado, usualmente: 1,96 (95%); δ – desvio padrão populacional da variável; E – erro padrão, usualmente: ±5% da proporção dos casos (precisão absoluta), ou ±5% da média (1,05×média); N – tamanho da população (finita); p – proporção de resultados favoráveis da variável na população; q – proporção de resultados desfavoráveis na população (q=1-p). Variável quantitativa Variável qualitativa População infinita População finita (<10000)

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  • EDITORIAL

    Tamanho da amostra em estudos clnicos e experimentais

    Hlio Amante Miot*

    Estudos investigativos clnico-epidemiolgicos ou ex-perimentais objetivam descrever fenmenos ou comparar o comportamento de variveis em subgrupos de uma popu-lao. Para tanto, no se realiza o estudo de todo o universo populacional, usualmente porque no acessvel ou vivel, porm, principalmente, porque no necessrio quando se dispe de uma amostra representativa para a realizao de inferncias populao-alvo1,2.

    O planejamento amostral da pesquisa determina o di-mensionamento numrico e tambm a tcnica de amostra-gem (coleta/seleo) dos elementos de um estudo. funda-mental na elaborao do projeto, e seus problemas podem comprometer a anlise final dos dados e interpretao dos resultados. O planejamento amostral adequado depende do conhecimento bsico da estatstica do estudo e do conheci-mento profundo do problema investigado, a fim de que se possa unir a significncia estatstica dos testes ao significa-do clnico dos resultados1,3,4.

    A maior parte dos testes bioestatsticos pressupe que a amostra estudada seja probabilisticamente representativa da populao. Algumas amostras coletadas por convenincia, como a escolha de pacientes consecutivos de um ambulat-rio especfico, podem no representar adequadamente toda a populao do estudo. O pesquisador deve estar atento a possveis vieses de seleo oriundos da disponibilidade de pacientes em amostragens consecutivas, j que a ampliao do tamanho amostral no corrige o efeito de amostras envie-sadas. Alm disso, estratgias de amostragens estratificadas

    no probabilsticas, por quotas, complexas (conglomera-dos, multinveis), por resposta voluntria, por saturao de variveis, tipo bola de neve ou com sistemtica de coleta no aleatorizada devem ser desenhadas, dimensionadas e analisadas com suporte de estatstico experiente. Neste tex-to sero discutidos princpios para clculos do tamanho de amostras aleatrias simples4.

    A escolha da frao populacional que compe a amostra do estudo implica que o pesquisador assuma cer-to grau de erro relacionado estimativa dos parmetros populacionais de cada varivel, tal erro amostral possvel de quantificao, sendo inversamente proporcional ao ta-manho da amostra4,5.

    Para descrever a estimativa populacional representada por uma varivel quantitativa (discreta ou contnua), deve-se dispor do desvio padro populacional da varivel, selecio-nar o nvel de significncia da estimativa e o erro amostral (em unidades da mdia) mximo tolerado (Quadro 1)2.

    Para descrever a estimativa populacional representada por uma varivel qualitativa (nominal ou ordinal), deve-se dispor da frequncia populacional de resultados da vari-vel, selecionar o nvel de significncia da estimativa e o erro amostral (em percentual) mximo tolerado (Quadro 1). Quando uma varivel qualitativa no for dicotmica, o di-mensionamento amostral deve ser considerado para a pro-poro de cada categoria que compe a varivel4.

    Quando no se conhecer o desvio padro ou as frequ-ncias populacionais da varivel, e no se dispuser de dados

    *Professor Assistente do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Botucatu (SP), Brasil. J Vasc Bras. 2011;10(4):275-278.

    Quadro 1. Frmulas para clculo do tamanho de amostras para descrio de variveis quantitativas e qualitativas em uma populao.

    n tamanho da amostra; Z/2 valor crtico para o grau de confiana desejado, usualmente: 1,96 (95%); desvio padro populacional da varivel; E erro padro, usualmente: 5% da proporo dos casos (preciso absoluta), ou 5% da mdia (1,05mdia); N tamanho da populao (finita); p proporo de resultados favorveis da varivel na populao; q proporo de resultados desfavorveis na populao (q=1-p).

    Varivel quantitativa Varivel qualitativa

    Populao infinita

    Populao finita (

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    semelhantes na literatura, deve-se realizar um pr-teste com 30-40 indivduos e considerar o comportamento desse subgrupo como a estimativa populacional2.

    Ainda, as frmulas para clculo do tamanho amos-tral pressupem populaes de tamanho ilimitado. Uma situao especial ocorre quando se estudam populaes restritas (

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    do tamanho amostral mnimo de um ensaio clnico deve ser baseado na frmula do Quadro 2:

    n={[(0,70,3)+(0,80,2)](1,96+0,84)2}/(0,7-0,8)2 =290,4 pacientes (cada grupo)

    Em pesquisas onde diversas variveis forem importantes para anlise do desfecho estudado, ou seja, no so apenas controle ou variveis de ajuste, faz-se necessrio clculo do tamanho amostral para cada varivel importante estudada.

    Testes de equivalncia, de no-inferioridade e de con-cordncia, requerem dimensionamentos amostrais prprios, distintos dos testes de diferenas de mdias e de propores comumente usados. Alm disso, anlises multivariadas, comparao de subgrupos com diferentes propores nu-mricas, ou mltiplas comparaes longitudinais, tambm envolvem maior complexidade do clculo amostral. Todos esses itens ultrapassam o escopo deste texto1,5,7-10.

    O clculo amostral para estudos que envolvam a esti-mativa da correlao linear entre duas variveis quantita-tivas depende exclusivamente do coeficiente de correlao linear (Quadro 3).

    Exemplo 5: Caso se objetivasse estabelecer a correla-o entre a medida de fora muscular dos quadrceps e a distncia mxima percorrida por pacientes com histria de claudicao intermitente, o tamanho amostral poderia ser baseado no estudo de Pereira et al.11 que descreveu um coeficiente de correlao linear de 0,87. De acordo com a frmula do Quadro 3:

    n=4+{(1,96+0,84)/[0,5ln(1+0,87)/(1-0,87)]}2 =8,4 pacientes

    Estudos longitudinais (coortes prospectivas e ensaios clnicos), por necessitarem do seguimento dos pacientes em funo do tempo, podem ser penitenciados pela sada, desistncia, perda, morte ou excluso do indivduo do estu-do. recomendvel a correo do clculo da amostra ini-cial para prever essas ocorrncias, usualmente, aumenta-se a amostra em at 30%. Os pacientes perdidos (drop outs) devem ser estudados criteriosamente quanto as suas razes para sada e se apresentam diferenas quanto s principais variveis em relao aos remanescentes no estudo, a fim de identificar fatores ligados aos drop outs. Quando mais de

    30% dos pacientes includos perdem o seguimento, pode haver comprometimento da representatividade da amostra, independentemente da suficincia numrica dos casos.

    Desde que as concluses de um estudo sejam generali-zveis apenas populao amostrada, possvel que a repe-tio do estudo em outros centros possa apresentar resulta-dos diferentes que expressem a realidade da nova populao pesquisada. Tais resultados podem, inclusive, extrapolar os limites do intervalo de confiana do parmetro estimado pri-mariamente, sem significar necessariamente falta de validade interna de nenhum dos dois estudos. Esse tambm um dos riscos de se utilizar resultados de outros pesquisadores para o clculo do tamanho amostral de uma populao diferente. A anlise preliminar da primeira frao dos casos (pr-teste) extremamente recomendvel, torna mais confortvel a es-timativa da amostra necessria para cada realidade e previne constrangimentos analticos ao final do estudo12.

    Sempre que o tamanho da amostra do estudo for muito restrito (

  • Clculo amostral - Miot HAJ Vasc Bras 2011, Vol. 10, N 4278

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