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MARIO SCHAPIRO - O ESTADO DE S. PAULO 28 Junho 2014 | 16h 00 Se políticas industriais realmente importam, ainda está por vir uma governança do desenvolvimento não desenvolvimentista " SRC="/CMS/ICONS/MM.PNG" STYLE="FLOAT: LEFT; MARGIN: 10PX 10PX 10PX 0PX; Nos últimos dias, o governo federal anunciou mais um conjunto de medidas para estimular o setor industrial. Constam desse cardápio, entre outros itens, a oferta de crédito com taxas mais favoráveis pelo BNDES e a prorrogação de benefícios tributários, como os voltados para o setor exportador. O alvo das medidas é a reversão do quadro desfavorável que tem novamente assolado o segmento industrial brasileiro. Os incentivos foram bem recebidos pela indústria. A questão que se coloca, no entanto, é se serão também efetivos para o conjunto da economia. Em curtas palavras, o ponto é saber se se trata de uma política industrial ou de uma política para industriais. Há diferenças. Políticas industriais, quando bem-sucedidas, estão assentadas em dois pressupostos complementares. O primeiro é o do que a indústria importa. Comparativamente com outros setores, como o de serviços, o industrial teria o condão de gerar mais efeitos colaterais positivos, tais como: maior desenvolvimento tecnológico, incremento da produtividade e a geração de empregos de nível médio, relevantes para encurtar a distância salarial entre as diferentes ocupações profissionais. O segundo pressuposto é o de que, embora relevante, o setor industrial está exposto a desajustes estruturais e a falhas de mercado, que podem inibir investimentos. Tais fatores reclamam a intervenção do governo, que será tanto mais exitosa quanto mais conseguir alinhar os benefícios privados, concedidos aos industriais, com a geração de ganhos públicos. Já políticas industriais menos satisfatórias apresentam um sinal trocado: favorecem a privatização dos ganhos e a socialização das perdas. Nesse ponto, os fatores institucionais desempenham um papel-chave. As políticas públicas não ocorrem no vácuo. Seu sucesso ou fracasso costuma estar associado à qualidade de seus mecanismos de governança e de controle. Com as políticas industriais não é diferente. E é justamente na dimensão institucional que parte relevante das medidas de promoção industrial tem patinado. Desde o governo Sarney as sucessivas experiências de política industrial têm sido processadas por arranjos semelhantes. No papel, o desenho institucional tem combinado comitês de base e conselhos de cúpula. Na base, caberia aos comitês, formados por empresários e governo, a formulação de propostas. Na cúpula, conselhos de governo seriam responsáveis por transformar as agendas em medidas e também por coordenar sua implementação. No mundo real, entretanto, esse arranjo não tem sido capaz de superar os problemas de coordenação existentes entre as diferentes agências de governo. Além disso, há deficiências de implementação das medidas e, principalmente, de mensuração dos impactos alcançados. Finalmente, os mecanismos de controle oscilam entre os excessos e as ausências. Por um lado, apostas necessárias, porém frustradas, realizadas por agências de fomento podem resultar em investigações e penosos processos de improbidade administrativa. Por outro, os critérios de seleção dos setores beneficiados e os objetivos das medidas adotadas costumam contar com pouca ou nenhuma justificativa pública. Nesses quesitos, guardadas as enormes diferenças, há algo que os formuladores da política industrial poderiam aprender com a política monetária. No caso desta, a governança, que é regulada em um ato normativo, conta com um regime de procedimentos e competências que favorece sua efetividade e o controle social de sua execução. Ao Conselho Monetário Nacional compete definir a meta anual de inflação. Já ao Banco Central cabe a seleção dos meios e o alcance da meta. Mais ainda: trimestralmente, o BC deve prestar contas à sociedade sobre seu desempenho e, no final do ano, se falhar, deve apresentar uma carta pública ao ministro da Fazenda justificando-se. As políticas são diferentes, não há dúvida. Mesmo assim, há lições a serem aprendidas. No campo monetário, os mecanismos de decisão e de prestação de contas foram institucionalizados. Não deve ser por acaso que a inflação mais ladre do que morda. O mesmo não parece Pós-incentivismo Page 1 of 2 Pós-incentivismo - Aliás - Estadão 29/12/2014 file:///C:/Users/GUILHE~1/AppData/Local/Temp/Low/HC3NMA86.htm

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  • MARIO SCHAPIRO - O ESTADO DE S. PAULO

    28 Junho 2014 | 16h 00

    Se polticas industriais realmente importam, ainda est por vir uma governana do desenvolvimento no

    desenvolvimentista

    " SRC="/CMS/ICONS/MM.PNG" STYLE="FLOAT: LEFT; MARGIN: 10PX 10PX 10PX 0PX;

    Nos ltimos dias, o governo federal anunciou mais um conjunto de medidas para estimular o setor industrial. Constam desse cardpio,

    entre outros itens, a oferta de crdito com taxas mais favorveis pelo BNDES e a prorrogao de benefcios tributrios, como os voltados

    para o setor exportador. O alvo das medidas a reverso do quadro desfavorvel que tem novamente assolado o segmento industrial

    brasileiro. Os incentivos foram bem recebidos pela indstria. A questo que se coloca, no entanto, se sero tambm efetivos para o

    conjunto da economia. Em curtas palavras, o ponto saber se se trata de uma poltica industrial ou de uma poltica para industriais. H

    diferenas.

    Polticas industriais, quando bem-sucedidas, esto assentadas em dois pressupostos complementares. O primeiro o do que a indstria

    importa. Comparativamente com outros setores, como o de servios, o industrial teria o condo de gerar mais efeitos colaterais positivos,

    tais como: maior desenvolvimento tecnolgico, incremento da produtividade e a gerao de empregos de nvel mdio, relevantes para

    encurtar a distncia salarial entre as diferentes ocupaes profissionais. O segundo pressuposto o de que, embora relevante, o setor

    industrial est exposto a desajustes estruturais e a falhas de mercado, que podem inibir investimentos. Tais fatores reclamam a

    interveno do governo, que ser tanto mais exitosa quanto mais conseguir alinhar os benefcios privados, concedidos aos industriais,

    com a gerao de ganhos pblicos. J polticas industriais menos satisfatrias apresentam um sinal trocado: favorecem a privatizao dos

    ganhos e a socializao das perdas.

    Nesse ponto, os fatores institucionais desempenham um papel-chave. As polticas pblicas no ocorrem no vcuo. Seu sucesso ou

    fracasso costuma estar associado qualidade de seus mecanismos de governana e de controle. Com as polticas industriais no

    diferente. E justamente na dimenso institucional que parte relevante das medidas de promoo industrial tem patinado.

    Desde o governo Sarney as sucessivas experincias de poltica industrial tm sido processadas por arranjos semelhantes. No papel, o

    desenho institucional tem combinado comits de base e conselhos de cpula. Na base, caberia aos comits, formados por empresrios e

    governo, a formulao de propostas. Na cpula, conselhos de governo seriam responsveis por transformar as agendas em medidas e

    tambm por coordenar sua implementao.

    No mundo real, entretanto, esse arranjo no tem sido capaz de superar os problemas de coordenao existentes entre as diferentes

    agncias de governo. Alm disso, h deficincias de implementao das medidas e, principalmente, de mensurao dos impactos

    alcanados. Finalmente, os mecanismos de controle oscilam entre os excessos e as ausncias. Por um lado, apostas necessrias, porm

    frustradas, realizadas por agncias de fomento podem resultar em investigaes e penosos processos de improbidade administrativa. Por

    outro, os critrios de seleo dos setores beneficiados e os objetivos das medidas adotadas costumam contar com pouca ou nenhuma

    justificativa pblica.

    Nesses quesitos, guardadas as enormes diferenas, h algo que os formuladores da poltica industrial poderiam aprender com a poltica

    monetria. No caso desta, a governana, que regulada em um ato normativo, conta com um regime de procedimentos e competncias

    que favorece sua efetividade e o controle social de sua execuo. Ao Conselho Monetrio Nacional compete definir a meta anual de

    inflao. J ao Banco Central cabe a seleo dos meios e o alcance da meta. Mais ainda: trimestralmente, o BC deve prestar contas

    sociedade sobre seu desempenho e, no final do ano, se falhar, deve apresentar uma carta pblica ao ministro da Fazenda justificando-se.

    As polticas so diferentes, no h dvida. Mesmo assim, h lies a serem aprendidas. No campo monetrio, os mecanismos de deciso e

    de prestao de contas foram institucionalizados. No deve ser por acaso que a inflao mais ladre do que morda. O mesmo no parece

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  • valer para o setor industrial. No momento de mais um anncio de incentivos, reaparecem questes que evidenciam suas lacunas

    institucionais: quem e por que razo concebeu esses incentivos? Qual a meta esperada com tais medidas? Quem ser publicamente

    responsvel por seu sucesso ou fracasso e a quem prestar contas? So perguntas decisivas se se quiser evitar que a poltica industrial se

    torne apenas uma poltica para industriais. E so perguntas cujas respostas no podem confiar apenas nos radares eleitorais.

    Enfim, quase 30 anos depois da reorganizao democrtica, h ainda uma construo institucional a se concluir: a construo de uma

    governana efetiva e legtima para as polticas de desenvolvimento. Se, de fato, as polticas industriais importam, ainda est por vir uma

    governana do desenvolvimento depois do desenvolvimentismo.

    *

    Mario Schapiro, especialista em Direito Econmico, professor da FGV Direito SP

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