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Revista Zona de Impacto ISSN 1982-9108. ANO 16 Volume 2 - Julho/Dezembro, 2014.
Biblioteca de Holland House, em Londres, Inglaterra, em grande parte destruda pela blitz
alem, em setembro de 1940.
Corpo Editorial
Editores
Alberto Lins Caldas
Prof. Dr. Departamento de Histria - UFAL
Eliaquim Timteo da Cunha
Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social
PPGAS/UFAM (estudante)
Conselho Editorial
Caesar Sobreira Antropologia UFRPE
Jean-Pierre Angenot - Letras - UFRO
Jacinta Castelo Branco Correia - Comunicao - UFRO
Jos Carlos Sebe Bom Meihy Histria USP
Michel Zaidan Filho - Histria UFP
Miguel Nenev Letras UFRO
Nilson Santos Educao UFRO
Conselho Consultivo
Adailton da Silva Antropologia INC/UFAM
Alberto Vivar Flores Histria UFAL
Ana Monica Lopes Histria UFAL
Ana Paula Palamartchuk Histria - UFAL
Antonio Filipe Pereira Caetano Histria - UFAL
Clara Suassuna Histria UFAL
Emmanuel de Almeida Farias Jnior Antropologia PNCSA
Inara do Nascimento Tavares - Antropologia INSIKIRAN/UFRR
Joo Jackson Bezerra Vianna - Antropologia
Lilian Maria Moser Histria UFRO
Srgio Nunes de Jesus Letras IFRO
Xnia Castro Barbosa Histria IFRO
Magno Silvestri - Geografia UFMT
Marta Valria de Lima Histria UFRO
Pedro Rapozo Sociologia - UEA
Raiana Ferrugem Sociologia - IFAM
Rafael Ademir Oliveira de Andrade - Sociologia da Educao - Faculdade So Lucas
Sheila Castro dos Santos - Geografia - GEPCULTURA/UFRO
revistazonadeimpacto.unir.br
https://www.facebook.com/pages/Revista-Zona-de-Impacto/161448780689967?ref=hl
Sumrio
APRESENTAO ................................................................................................................... 7
Eliaquim Timteo da Cunha ..................................................................................................... 7
ARTIGOS ............................................................................................................................... 10
O PENSAMENTO AUTORITRIO DE PLNIO SALGADO COMO EXEMPLO DA
INTELLIGENTSIA BRASILEIRA DA DCADA DE 1930 ......................................... 11
Paula Stolerman ...................................................................................................................... 11
SERTANEJO CAIPIRA OU CAIPIRA SERTANEJO: AS DEFINIES DA MSICA
RURAL BRASILEIRA NA COLEO NOVA HISTRIA DA MSICA POPULAR
BRASILEIRA ........................................................................................................................ 19
Alessandro Henrique Cavichia Dias ...................................................................................... 19
GNEROS MUSICAIS: EM BUSCA DE UMA CONSTRUO SCIO SONORA ... 34
Diego da Rocha Viana Muniz ................................................................................................. 34
A RECONFIGURAO DA POLTICA EXTERNA NORTE-AMERICANA PARA O
ORIENTE MDIO (1967 1979) ......................................................................................... 44
Tiago Sampaio ......................................................................................................................... 44
MONOGRAFIA ..................................................................................................................... 63
COMO AS INSTITUIES DE MICROCRDITO PROMOVEM A AUTONOMIA
DAS MULHERES EM MOAMBIQUE. ESTUDO DE CASO DA TCHUMA,
COOPERATIVA DE CRDITO E POUPANA (PARTE I) ........................................... 64
Catarina Casimiro Trindade ................................................................................................... 64
JERNIMO DE ALBUQUERQUE, O ADO PERNAMBUCANO: TRATADO
SOBRE A ORIGEM MULTITNICA DO HOMEM NORDESTINO ............................ 88
Caesar Malta Sobreira ............................................................................................................ 88
SESSO ESPECIAL.............................................................................................................. 92
Homenagem a John Manuel Monteiro (1956-2013). ........................................................... 92
TAVARES, GONALO M. 2010. UMA VIAGEM NDIA. EDITORA LEYA, SO
PAULO. PREFCIO DE EDUARDO LOURENO. 452 P. ............................................. 95
Vtor Queiroz ........................................................................................................................... 95
SIDNEY W. MINTZ. 2010. THREE ANCIENT COLONIES: CARIBBEAN THEMES
AND VARIATIONS. W.E.B. DU BOIS LECTURE SERIES. CAMBRIDGE:
HARVARD UNIVERSITY PRESS. 257 P. ....................................................................... 101
Ana Elisa Bersani .................................................................................................................. 101
CASTELO, CLADIA; THOMAZ, OMAR RIBEIRO; NASCIMENTO, SEBASTIO
(ORGS). 2012. OS OUTROS DA COLONIZAO: ENSAIOS SOBRE O
COLONIALISMO TARDIO EM MOAMBIQUE. LISBOA: INSTITUTO DE
CINCIAS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA. 361 PP. ............................... 106
Luciano Cardenes Santos ..................................................................................................... 106
GARFIELD, SETH. A LUTA INDGENA NO CORAO DO BRASIL. POLTICA
INDIGENISTA, A MARCHA PARA O OESTE E OS NDIOS XAVANTE (1937-1988).
TRADUO DE CLAUDIA SANTANA MARTINS, UNESP, 2001, 392 P.).
[APRESENTAO PROF. JOHN MANOEL MONTEIRO]. ....................................... 110
Francisca Navantino P. de Angelo ....................................................................................... 110
PAIVA, ADRIANO TOLEDO. OS INDGENAS E OS PROCESSOS DE CONQUISTA
DOS SERTES DE MINAS GERAIS (1767-1813). BELO HORIZONTE:
ARGVMENTVM, 2010. 1 MAPA. 208 P. (HISTRIA; 13) [APRESENTAO DE
ADALGISA ARANTES CAMPOS; PREFCIO DE ADRIANA ROMEIRO.] ........... 115
Marina M. de Freitas ............................................................................................................ 115
ENSAIO FOTOGRFICO ................................................................................................. 119
SOB OS CUS DE LAGUNA BLANCA: ARQUEOLOGIA E ETNICIDADE NA PUNA
ARGENTINA ....................................................................................................................... 120
Brena Caroline B. de S. Miranda ...................................................................................... 120
Graduanda em Arqueologia, Universidade Federal de Rondnia (UNIR). ....................... 120
Laureline Cattelain. ............................................................................................................... 120
Graduada em Arqueologia e Histria da Arte e mestre em Cincia Poltica, Universit Libre
de Bruxelles (ULB). ............................................................................................................... 120
Yves Dal Canton. ................................................................................................................... 120
Graduado em Arqueologia e Histria da Arte e mestre em Arqueologia, Universit de Lige
(ULg). ..................................................................................................................................... 120
SOBRE OS AUTORES ........................................................................................................ 131
7
Apresentao
Eliaquim Timteo da Cunha
No seu dcimo sexto ano a Revista Zona de Impacto traz um temrio bastantes
variado. Temos algumas nuvens dos Cus Argentino. As diferenas entre msica caipira e
msica sertaneja. Passamos pelo pensamento autoritrio de Plnio Salgado. Temos alguns
apontamentos sobre a construo do Oriente Mdio. Resenha sobre Jernimo de
Albuquerque. Vamos a alguns aspectos sobre as vidas das mulheres em Moambique com
suas participaes no mercado financeiro. Damos um sobrevoo com resenhas que abordam os
estudos ps-coloniais sobre o Mundo Lusfono Colonial.
Outra novidade da Revista Zona de Impacto a construo do Espao Caderno de
Criao. Este peridico foi mantido entre 1994 a 2002. O corpo editorial fazia parte do
Centro do Imaginrio Social da Universidade Federal de Rondnia (UFRO), com ISSN 0104-
9389. Nesse espao os exemplares sero disponibilizados em Portable Document Format
(PDF). Confira: revistazonadeimpacto.unir.br
Nos Artigos, encontramos: O Pensamento Autoritrio de Plnio Salgado como
exemplo da Intelligentsia brasileira da dcada de 1930 assinado por Paula Stolerman. O
texto seguinte Sertanejo caipira ou caipira sertanejo: As definies da msica rural
brasileira na coleo nova histria da msica popular brasileira assinado por Alessandro
Henrique Cavichia Dias. O terceiro artigo Gneros Musicais: Em busca de uma construo
scio sonora assinado por Diego da Rocha Viana Muniz e o ltimo artigo A
reconfigurao da poltica externa norte-americana para o Oriente Mdio (1967 1979)
assinado por Tiago Sampaio
O Texto de Stolerman, procura ressaltar, como escreve a autora: a importncia de no
rejeitarmos estudos referentes ao pensamento autoritrio brasileiro, visto que ele tambm
um reflexo do fenmeno social daquele momento histrico e da produo intelectual daquele
momento na dcada de 1930. Temos a um destaque aos pensamentos de Plnio Salgado;
alm da coincidncia desta publicao sair na semana em que faleceu o poltico citado.
O segundo e terceiro artigo tratam de questes sociais a partir da msica Alessandro
Henrique Cavichia Dias, no texto Sertanejo caipira ou caipira sertanejo: As definies da
8
msica rural brasileira na coleo nova histria da msica popular brasileira destaca que
as diferenas e as construes histricas nas classificaes msica sertaneja e msica
caipira. O autor diz que msica sertaneja uma denominao tipicamente paulista, usada
para denominar o caboclo (e sua produo cultural), que no residia nos centros urbanos.
"Kaai 'pira" na lngua indgena significa, o que vive afastado. Por outro lado, o termo msica
sertaneja era utilizado no Rio de Janeiro no final do sculo XIX at a dcada de 1930 como
referncia para todas as msicas que no pertencesse ao ambiente cultural da capital da
repblica.
O outro texto que trata de msica Gneros Musicais: Em busca de uma construo
scio sonora escrito por Diego da Rocha Viana Muniz, nesta oportunidade o autor quis
sublinhar a ideia de scio sonoridade, segundo Muniz esta, aponta para um conjunto
complexo de regras e esquemas sociais e musicais que se acomodam na conscincia, de
forma a indicar a classificao num dado gnero musical.
No texto A reconfigurao da poltica externa norte-americana para o Oriente
Mdio (1967 1979) assinado por Tiago Sampaio, encontramos uma srie de apontamentos
para discutir sobre a construo do Oriente Mdio analisa eventos entre 1967 a 1970.
Destaca a presena dos Estados Unidos da Amrica seja nos mbitos polticos e econmicos,
tendo em vista que em diversos contextos so simultneos e difcil separ-los.
Na sesso monografia damos continuidade ao projeto publique seu TCC. Neste
volume trazemos a primeira parte de As origens do microcrdito: Do Grameen Bank s
instituies micro financeiras em Moambique pesquisa realizada por Catarina Casimiro
Trindade. A autora dedicou-se a estudar uma agencia de microcrdito na cidade de Maputo,
Tchuma, em Moambique. A partir do estudo sobre a Cooperativa de Crdito e Poupana
veremos vrios aspectos de qual lugar ocupado pelas mulheres na economia de
Moambique. O trabalho foi defendido na Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra, no Curso de licenciatura em Sociologia.
No tpico resenha, trazemos: Jernimo de Albuquerque, o Ado Pernambucano:
Tratado sobre a origem multitnica do Homem Nordestino escrito por Caesar Malta
Sobreira.
Neste segundo volume do ano de 2014 temos uma Sesso Especial. Perspectivas ps-
coloniais sobre o mundo lusfono colonial. Homenagem a John Manuel Monteiro (1956-
2013). Nesta sesso reunimos cinco resenhas dos estudantes que cursaram a ltima disciplina
ministrado por John Manuel Monteiro, no segundo semestre de 2012. O ttulo do curso
9
Tpicos Especiais em Antropologia Social: Perspectivas Ps-coloniais sobre o Mundo
Lusfono Colonial, ministrado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Agradecemos a Luciano Cardenes Santos por ter reunido a turma para realizar esta sesso.
As resenhas que compe esta parte do volume so:
Tavares, Gonalo M. 2010. Uma Viagem ndia. Editora Leya, So Paulo. Prefcio de
Eduardo Loureno. 452 p.
Vtor Queiroz.
Sidney W. Mintz. 2010. Three Ancient Colonies: Caribbean Themes and Variations. W.E.B.
Du Bois lecture series. Cambridge: Harvard University Press. 257 p.
Ana Elisa Bersani
Castelo, Cladia; THOMAZ, Omar Ribeiro; NASCIMENTO, Sebastio (Orgs). 2012. Os
outros da colonizao: ensaios sobre o colonialismo tardio em Moambique. Lisboa: Instituto
de Cincias Sociais da Universidade de Lisboa. 361 pp.
Luciano Cardenes Santos
Paiva, Adriano Toledo. 2010. Os indgenas e os processos de conquista dos sertes de Minas
Gerais (1767-1813). Belo Horizonte: Argvmentvm. 1 mapa. 208 p. (Histria; 13)
[Apresentao de Adalgisa Arantes Campos; Prefcio de Adriana Romeiro.]
Marina M. de Freitas
Garfield, Seth. 2001. A luta indgena no corao do Brasil. Poltica indigenista, a marcha
para o oeste e os ndios xavante (1937-1988). Traduo de Claudia SantAna Martins,
UNESP, 392 p.). [Apresentao Prof. John Manoel Monteiro]
Francisca Navantino P. de Angelo
Fechando esta publicao temo um ensaio fotogrfico. Sob os Cus de Laguna
Blanca: Arqueologia e Etnicidade na Puna Argentina fotografias feitas por Brena Caroline
B. de S. Miranda, Laureline Cattelain e Yves Dal Canton. O Ensaio trata-se de uma parte do
registro do trabalho arqueolgico realizado em dezembro de 2012. Estas escavaes foram
realizadas na Reserva de Biosfera Laguna Blanca, na provncia Catamarca no noroeste da
Argentina.
bastante convidativo olharmos para os Cus De Laguna Blanca a partir de uma
experincia arqueolgica.
Boa leitura!
10
ARTIGOS
11
O Pensamento Autoritrio de Plnio Salgado como exemplo da
Intelligentsia brasileira da dcada de 1930.
Paula Stolerman
RESUMO:
Pretendemos com este artigo, melhor compreender as manifestaes do pensamento autoritrio brasileiro na
dcada de 30, nos reportando a seu lder, Plnio Salgado, evidenciando as caractersticas do campo do
pensamento social brasileiro, em formao, assim como evidenciar as caractersticas da intelligentsia nacional
daquele momento, que buscava entender os fenmenos sociais brasileiros atravs do resgate histrico da
formao da nao e simultaneamente contribuir para a consolidao e constituio de uma identidade
nacional.
PALAVRAS-CHAVE: pensamento autoritrio, integralismo, Intelligentsia, campo social.
1. Introduo:
Em busca de compreender a contribuio do pensamento/ideologia autoritrios
nacional, como o de Plnio Salgado, nos anos 30, formao do campo sociolgico brasileiro,
entendemos ser necessrio primariamente reportarmo-nos a teorias de Karl Mannheim e
Pierre Bourdieu.
Para Mannheim, a diviso do trabalho nas sociedades exige especializaes dos grupos
sociais. Estas especializaes geram a conscincia de classe em cada um destes grupos,
autorreflexes a respeito de sua condio. No momento em que escreve, Mannheim afirma
que a sociedade vive o momento de reflexo sociolgica, aps os estgios em que se auto
explicou de maneira religiosa, iluminista e histrica. O autor afirma que o proletariado foi o
primeiro grupo a propor-se uma auto avaliao sociolgica consistente e a adquirir uma
conscincia de classe sistemtica (MANNHEIM, 2004).
O termo intelligentsia cunhado por Mannheim para descrever uma espcie de
supraclasse, a dos intelectuais, que dentro de uma sociedade organizada na forma de
classes, no estaria vinculada nem aos grupos dominantes e tampouco aos dominados
dominadas.
12
Os intelectuais estariam libertos dos radicalismos de classe, podendo circular
livremente entre estas camadas e dedicar-se gerao de conscincias. O autor expe da
seguinte forma:
O surgimento da intelligentsia marca a ltima fase do
crescimento da conscincia social. A intelligentsia foi o
ltimo grupo a adotar o ponto de vista sociolgico, pois
sua posio na diviso social do trabalho no lhe propicia
acesso direto a nenhum segmento vital e ativo da
sociedade. O gabinete recluso e a dependncia livresca s
permitem uma viso derivada do processo social
(MANNHEIM, 2004, p. 27).
No caso de pensarmos a respeito de uma sociologia brasileira em formao, vlido
utilizarmos o pensamento de Mannheim, pois os intelectuais nacionais, em nosso estudo, os
especificamente atrelados ao pensamento autoritrio da dcada de 30, no podem ser
classificados como sendo exclusivamente movidos por interesses de classe. O conhecimento
produzido pelos intelectuais nacionais no pode necessariamente ser avaliado pela origem de
classe do intelectual.
A construo da Sociologia brasileira no pode desprender-se da constituio de uma
Intelligentsia nacional. O termo de Karl Mannheim apropriado na medida em que buscamos
uma maior elucidao dos processos que levaram ao estabelecimento do campo
(BOURDIEU, 1983) da Sociologia no Brasil.
Quanto teoria dos campos, de Pierre Bourdieu, est se torna til ao nosso estudo na
medida em que observamos que a formao do pensamento sociolgico brasileiro est
atrelada a prpria constituio de seu campo. Para Bourdieu, no h possibilidade de
utilizarmos o conceito de totalidade para a explicao da sociedade, o que existe so inmeros
campos sociais.
Os campos sociais so constitudos medida que a sociedade vai se tornando mais
complexa, com a expanso da diviso do trabalho. Quanto maior a especializao de uma
sociedade, maior a quantidade de campos sociais dentro dela. O funcionamento de um
determinado campo depende de regras, leis de funcionamento invariantes (BOURDIEU,
1983) que so compartilhados pelos membros do campo em questo. Este conjunto de
normas, ditando o comportamento dos que participaro do campo compe o habitus do
campo.
O habitus transmitido dentro do campo social de maneira inconsciente. Os
indivduos pertencentes a determinado campo no esto a todo tempo refletindo sobre o
13
motivo que os leva a ter determinada crena ou a agir de uma forma especfica. Estas atitudes
e orientaes j foram incorporadas no momento da educao dentro daquele campo social.
O que constitui o habitus de um campo so as regras inconscientes incorporadas pelos
indivduos deste mesmo campo e que fazem sentido para estes que esto imersos nesta
realidade.
Um exemplo pertinente capaz de elucidar esta questo referente ao significado do
habitus e ao campo de Bourdieu so as produes do pensamento social brasileiro no incio
do sculo XX. Primeiramente no h um campo da sociologia brasileira com seu entorno
solidamente definido. O pensamento da intelligentsia nacional, as reflexes iniciais sobre
nossa sociedade e como teria acontecido a formao da nossa sociedade manifestavam-se
atravs de ensaios, romances e crnicas jornalsticas.
A procura por respostas a questes referentes formao da sociedade brasileira
perpassava por intelectuais que respondiam tanto produo de literatura como a de artigos
jornalsticos (O caso de Plnio Salgado, lder do movimento Integralista, por exemplo). Outros
intelectuais exerciam funes burocrticas como servidores do Estado em diversos setores
(esta informao reitera a conexo das teorias de Mannheim e Bourdieu no caso da formao
do pensamento social brasileiro).
Desta forma, pertinente atentar para a situao brasileira na dcada de 1930 luz
destas duas teorias. Neste momento, no se apresentava no pas um campo da sociologia
totalmente estabelecido e a intelligentsia nacional exercia as mais diversas funes e se
originava tanto na burguesia como no proletariado.
Com o decorrer da complexificao da sociedade brasileira, consequncia do processo
de industrializao do pas, h uma espcie de mutao (TRINDADE, 1985, p. 15) do
pensamento social brasileiro, desvinculando-o com o passar das dcadas da produo literria
(como na obra de Euclides da Cunha) para a sociologia cientfica (podemos exemplificar com
a obra de Florestan Fernandes), marcada pela tcnica estabelecida nas Universidades do Rio
de Janeiro e So Paulo, onde a partir da dcada de 1930, inicia-se a experincia de
institucionalizao das Cincias Sociais, encerrando o campo do pensamento social brasileiro
dentro dos moldes da sociologia cientfica.
Com a clivagem entre a produo literria e a sociolgica, so estabelecidos os
campos e habitus diferenciados tanto de autores da literatura quanto de cientistas sociais. O
habitus de um cientista social, por exemplo, deve conter prticas de pesquisa emprica que
corroborem suas teorias de forma a serem reconhecidas dentro do campo das Cincias Sociais
e sejam reconhecidas pelos membros deste campo. Como afirma Bourdieu: Ser filsofo
14
dominar o que deve ser dominado na histria da filosofia para saber agir como filsofo num
campo filosfico (BOURDIEU, 1983, p. 6).
2. O Pensamento autoritrio brasileiro.
A Ao Integralista Brasileira foi o primeiro partido brasileiro a estabelecer-se
nacionalmente, abarcando em torno de meio milho de adeptos. Desta maneira, evidente a
importncia de estudos que envolvam a formao e consolidao deste movimento ideolgico
nacional na dcada de 1930, o primeiro movimento de massa no Brasil (TRINDADE,
1985).
Hlgio Trindade comenta a conjuntura brasileira no momento da expresso do
pensamento Integralista da seguinte forma:
O ano-chave do perodo 1922. Nele eclodem quatro
acontecimentos simblicos que contm, em embrio, a
mutao da sociedade brasileira entre as duas guerras
mundiais. A Semana da Arte Moderna, em fevereiro,
desencadeia a revoluo esttica; uma nova etapa da
organizao poltica da classe operria se delineia, em
maro, com a fundao do Partido Comunista Brasileiro; a
criao do Centro D. Vital, ligado revista A Ordem, de
orientao catlica, prenuncia a renovao espiritual; e,
finalmente, a primeira etapa da revoluo poltica
tenentista irrompe, em julho, com a rebelio na Fortaleza
de Copacabana (TRINDADE, 1985, p. 15).
A ideologia e o pensamento autoritrios no Brasil podem ser observados enquanto
exemplos da interseo entre diversos campos da sociedade brasileira. Os autores do
Integralismo se dedicaram a uma produo que respondesse a questes pertinentes s
preocupaes da intelectualidade do pas nesta poca, tais como a necessidade de
estabelecimento de uma arte tipicamente brasileira, como a criao de heris nacionais, ou a
utilizao de um enfoque sociolgico, em moda na poca (TRINDADE, 1985, p. 27).
Citando o chefe Integralista: Salgado no concebe projeto poltico sem uma dimenso
artstica e vice-versa (SANTOS, 2007, p. 2).
importante lembrarmos que uma das preocupaes dos intelectuais brasileiros, da
qual fazem parte tambm os intelectuais que se afinaram ao pensamento autoritrio, era
explicar as razes e de alguma forma trazerem respostas quanto aos motivos que faziam o
Brasil permanecer como uma nao no industrializada, com um atraso em termos capitalistas
15
em relao s naes centrais. Essa era uma das grandes questes da intelectualidade
nacional.
Outro tema que no deve ser deixado de lado quando decidimos abordar a questo do
pensamento autoritrio brasileiro o impacto da Semana de Arte Moderna. Durante a semana
de 1922, esteve um grupo de artistas mais conservadores, o Grupo Anta. Tanto na literatura
quanto nas outras artes, no devemos esquecer que o tema fundamental era a construo da
nao. A busca de uma arte que representasse genuinamente o Brasil era carregada de
nacionalismo. Desta forma, vlido assinalar que um nacionalismo ao extremo torna-se
autoritarismo.
Mesmo que no dentro de um campo especfico da sociologia enquanto cincia, o
Integralismo se propunha a explicar o Brasil e responder problemtica poltica, econmica e
social. O pensamento social brasileiro, naquele momento ainda era marcado por formas
hbridas, pelas quais se manifestava de forma diferenciada da que veio posteriormente, a qual
intensificou a diferenciao do campo das Cincias Sociais, com seus mtodos, tcnicas e
teorias especficas. As prticas do pensamento social no Integralismo, como hbridas, eram
prximas da Literatura. No coincidncia Plnio Salgado, lder do movimento, escreveu
diversos romances.
Assim como outras manifestaes da intelligentsia nacional, o Integralismo tambm
objetivava explicar o passado brasileiro e de que maneira este passado repercute nas
orientaes do pas. Para os integralistas uma grande lstima para nosso pas foi a instalao
da Repblica. Para o pensamento autoritrio, o pas ainda no tinha condies de assumir as
consequncias de um regime republicano de forma saudvel. O povo ainda no possua as
caractersticas necessrias para o regime republicano.
O movimento Integralista estar solidamente ligado classe mdia catlica, com suas
recomendaes acerca da defesa da famlia e bons costumes, basta lembrarmos a mxima
integralista: Deus, Ptria e Famlia.
3. A doutrina Integralista
Como j exposto na parte anterior deste artigo, inmeros conflitos ideolgicos,
ebulies sociais e mudanas econmicas e culturais marcam a emergncia do movimento
integralista. Tratemos de agora assinalar os objetivos deste movimento que segundo as
palavras de seu lder, Plnio Salgado:
16
[...] considera o universo, o homem, a sociedade e as
naes, de um ponto de vista total, isto , somando todas
as suas expresses, todas as suas tendncias, fundindo o
sentido materialista do falo ao sentido interior da ideia,
subordinando ambos ao ritmo supremo espiritualista e
apreendendo o fenmeno social segundo as leis de seus
movimentos (SALGADO, 1969, p. 25).
Santos (2007), escrevendo sobre a produo literria de Plnio Salgado, expe uma
caracterstica que marca a produo desse autor e permeia o pensamento Integralista: o
desnimo e negativismo quanto a condio humana. Essa viso de humanidade degradada
pode ser entendida ento como uma alavanca para a reconstruo nacional dentro do molde
Integral e a posterior Humanidade Integral. Na obra O que Integralismo Salgado anuncia
as frmulas definitivas de salvao nacional e humana (SALGADO, 1969, p. 37).
O pensamento Integral, como exemplo de parte da intelligentsia nacional do perodo,
visava explicar o Brasil dentro de uma concepo prpria e elaborar solues para as questes
nacionais. Pelo vis integralista a resoluo era libertar o homem daquilo que o amarrava a
uma concepo individualista e material do mundo. Faz-lo exercer sua plenitude. Para
Salgado, tanto as ideias, marxistas ou liberais, geravam um homem incompleto, distante de
sua verdadeira misso enquanto ser na Terra.
Ambas as correntes ideolgicas, tanto a liberal quanto a marxista eram enxergadas
como materialistas, uma sob o prisma do individualismo, a outra sob o prisma do coletivismo.
O liberalismo, conforme o Integralismo materialista, porque permite que se processe a
evoluo das foras materiais da sociedade sem nenhuma orientao diretiva do Estado,
tornando este um mero mantenedor da ordem pblica (SALGADO, 1969, p. 29). O
marxismo, por sua vez, relegava o poder de todas as aes da humanidade ao plano de
produo material, negando a natureza da vontade independente de cada ser humano.
Como detrator do pensamento liberal, uma das caractersticas desta orientao
poltica/ideolgica a ser atacada na obra O que Integralismo, o voto. De acordo com o
pensamento exposto por Salgado, o voto uma artimanha dos capitalistas, da elite liberal,
ludibriando o povo com a ideia democrtica. O voto obriga a populao a eleger como
representante um indivduo que no abarca as aspiraes reais daquela populao, pois no se
encerram nele as caractersticas de um Estado forte, o Estado funciona apenas como aparato
da administrao burocrtica para a livre atividade econmica.
O marxismo, por sua vez no atende s necessidades nacionais e humanas de uma
forma geral por encapsular o homem na esfera econmica reduzindo a complexidade da
17
sociedade numa luta de morte onde se enfrentam Capital e Trabalho. Alm disso, um
agravante, para o pensamento integralista em relao ideologia comunista era a concepo
marxista para a religio e famlia, onde estas duas instituies estavam a servio da
reproduo e manuteno das foras produtivas.
No caso da explicao histrica para o atraso nacional, caracterstica de nossa
intelligentsia neste momento, Salgado atribui nossa origem colonial, e posteriormente uma
repblica ineficaz, de cabresto, dependente da Inglaterra, a formao de uma nao
desorganizada, ansiando por um lder que a trouxesse novamente para sua essncia ordeira.
Uma questo a ser pontuada so as figuras do Estado para o pensamento integralista e
a importncia de seu lder. A sociologia Integral considerava o povo brasileiro inapto ao
estabelecimento da democracia liberal j que estava organicamente conectado a uma figura
patriarcal, que o guiasse. Salgado bem reitera em seu texto: ... o nosso povo sedento de
ordem e disciplina, subordinando-se espontaneamente autoridade (SALGADO, 1969. p.
58).
Leonardo Neves comenta em seu artigo O lugar da democracia no pensamento
autoritrio de Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Francisco Campos, o paradoxo presente
nas ideias integralistas envolvendo a perene disputa entre o individualismo (contido na
ideologia liberal) e o coletivismo (esprito que deve ser alcanado pelo Estado Integralista
para promover o desenvolvimento da nao).
Este paradoxo reside justamente em ser o representante desse Estado mximo, capaz
de responder s necessidades de todos os cidados da nao brasileira de forma homognea,
um nico indivduo. Plnio Salgado defende, em sua produo intelectual, a sua aptido para
tamanha responsabilidade.
O pensamento autoritrio brasileiro, desta forma, molda-se em torno da defesa de um
Estado centralizado, orgnico, em oposio ao inorgnico. Este ltimo tendo como base o
individualismo inerente ao homem de Rousseau, que necessita do contrato social para existir
em sociedade. Sintetizando o pensamento integralista com palavras do prprio Plnio Salgado:
[...] qual o destino do homem e da sociedade?... justo
que tenha conforto material, que se alimente, que se vista,
que se reproduza; razovel que se dedique cincia,
arte, ao pensamento; natural que nutra aspiraes
transcendentais. Tudo isso, harmonizado, de acordo com
as tendncias de cada um e debaixo de um critrio superior
de espiritualidade e de interesse nacional, social e humano,
realiza o Homem Integral (SALGADO, 1969, p.47).
18
3. Consideraes finais.
Em nosso breve estudo a respeito do pensamento autoritrio no Brasil, identificamos
caractersticas presentes nesta ideologia que evidenciam o carter da intelligentsia brasileira
nas dcadas de 1920 e 1930, apesar das crticas erigidas por Salgado aos intelectuais liberais e
marxistas.
O grande lder integralista, Plnio Salgado, atuava como jornalista, publicava
romances e produzia material de cunho sociolgico buscando os motivos que propiciam o
atraso no desenvolvimento brasileiro para responder isso com suas teorias.
O hibridismo do intelectual da poca manifesta-se em suas obras, que chamavam
para si um cientificismo que ainda no era plenamente estabelecido, visto que o campo das
Cincias Sociais ainda no havia acumulado capital simblico para se estabelecer plenamente,
coisa que aconteceu depois, com a institucionalizao dos cursos universitrios.
Afirmamos ento, mais uma vez, a importncia de no rejeitarmos estudos referentes
ao pensamento autoritrio brasileiro, visto que ele tambm um reflexo do fenmeno social
daquele momento histrico e da produo intelectual daquele momento. No entanto,
necessrio no ignorarmos os problemas de uma ideologia autoritria, que credita a apenas
um indivduo toda a capacidade de formular a gesto do pas todo e que, portanto retira o
crdito da nao de optar pelas direes que melhor lhe convir, mesmo que isto no passe de
utopia.
Bibliografia
BOURDIEU, Pierre. Questes de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
MANNHEIM, Karl. Sociologia da Cultura. So Paulo: Editora Perspectiva, 2004.
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TRINDADE, Hlgio. Integralismo: o Fascismo Brasileiro na Dcada de 30. So Paulo:
Difuso Europia do Livro, 1974.
19
Sertanejo caipira ou caipira sertanejo: As definies da msica rural
brasileira na coleo nova histria da msica popular brasileira
Alessandro Henrique Cavichia Dias
Mestrando em Histria pela Unesp/ Campus Franca
RESUMO: Este ensaio pretende apresentar a formao de dois gneros musicais, conhecidos como
msica sertaneja e msica caipira. Para tanto, analisa-se as tenses e, principalmente, as
diferenas estticas entre ambos os gneros e, dessa forma, visa-se problematizar tais
categorias e como elas contribuem para a solidificao de uma tradio. Junto a essas anlises
da ciso desses campos musicais, caber tambm ressaltar o papel da Indstria Fonografia na
consolidao desses gneros, a partir de dois discos da coleo Nova Histria da Msica
Popular Brasileira, intitulados Msica Caipira de 1978 e Msica Sertaneja de 1983, sendo
estes os primeiros a fazerem parte de uma mesma coleo e rotular, distintamente, a msica
rural do interior do Brasil. Tais discos alcanaram um alto nvel de popularidade e
contriburam fortemente para a formao de uma memria musical e a solidificao de um
cnone em torno da msica popular brasileira.
Palavras Chave: Msica Sertaneja; Msica Caipira; Indstria Cultural; Memria Musical
ABSTRACT:
This essay intends to present the formation of two musical genres, that are known as country
music and rustic music. To do this, it analyzes the tensions and, mainly, the differences
between both genres and, thus, it will render problematic these categories and how they
contribute to the solidification of a tradition. Besides, these analyzes the divergence of these
musical field, this essay will also introduce the role of Phonograph Industry in the
consolidation of these genres, from two disc of collection of the New History of Brazilian
Popular Music, entitled, in 1978, Rustic Music, and, in 1983 Country Music. These are the
first of the same collection and they labeled, distinctly, the rural music of the interior of
Brazil. These discs have reached a high level of popularity and they have contributed to the
formation of a musical memory. Add to that, they have solidified a canon around Brazilian
popular music.
Key-words: Country Music; Rustic Music; Cultural Industry; Musical Memory
20
Introduo
Os lbuns em anlise neste trabalho fazem parte da coleo intitulada Nova Histria
da Msica Popular Brasileira, lanada no incio da dcada de 1970 pela editora Abril Cultural,
a partir do qual teremos como referncia o disco de msica caipira de 1978 e o de msica
sertaneja de 1983. Nessa direo, cabe salientar tanto os papis desenvolvidos por esses dois
discos que se referem msica rural, como tambm toda a coleo produzida pela editora na
formao de uma memria musical e na solidificao de um cnone, como afirma o
pesquisador Dr. Silvano Fernandes Baia (2010, p.199):
Os discos traziam gravaes selecionadas de compositores considerados relevantes
para histria da msica popular e vinham acompanhados de textos sobre a vida e a
obra do autor retratado. Os fascculos semanais da coleo eram vendidos em bancas
de jornal a um preo acessvel. Fez um grande sucesso vendendo mais de 7 milhes
de exemplares em trs edies. A srie contribua fortemente, pela sua popularidade,
na construo de uma memria da msica popular no Brasil. A coleo j institua
um cnone de quais grandes compositores dignos de figurar numa Histria da
msica popular no Brasil na prpria organizao da seleo.
A partir desta perspectiva podemos afirmar que a construo do gnero sertanejo passa
pelas investidas da Indstria Cultural, como ser discutido adiante. No entanto, ao diferenciar
esses dois gneros cabe ressaltar a origem e a importncia do conceito criado em torno do
termo msica sertaneja, pois como afirma KOSELLECK R. (2006, p.98): "sem conceitos
comuns no pode haver uma sociedade e, sobretudo, no pode haver unidade poltica, ou
seja, a criao de um conceito, que tenha a mesma significao dentre uma comunidade
lingstica, permite a fundao de sistemas polticos e sociais que abranja todos os nveis da
estrutura social. Algo que se torna de fundamental importncia para que a Indstria Cultural
possa exercer seu leque de influncia.
Sendo assim, o termo msica sertaneja diferente do termo caipira (de msica
caipira), que uma denominao tipicamente paulista, usada para denominar o caboclo (e
sua produo cultural), que no residia nos centros urbanos. "Kaai 'pira" na lngua indgena
significa, o que vive afastado1. Por outro lado, o termo msica sertaneja era utilizado no Rio
de Janeiro no final do sculo XIX at a dcada de 1930 como referncia para todas as msicas
que no pertencesse ao ambiente cultural da capital da repblica, ou seja, tal termo definia
tanto as canes da regio nordeste como as do centro-sul, mas com uma referncia maior ao
sertanejo nordestino, que nesse momento era uma figura cativa do ambiente cultural carioca,
gneros esses que seduziram grandes nomes do samba carioca, como Noel Rosa que fez parte
1 Para maiores informaes acessar:
21
do Grupo dos Tangars. Outro grupo de grande sucesso que teve como seus integrantes
grandes nomes do Samba foi Grupo de Caxang que tinha na sua composio Pixinguinha,
Donga, Raul Palmieri e Joo Pernambuco que futuramente iriam integrar o grupo Oito
Batutas, todos esses, grandes interpretes do samba, iniciaram sua carreira artstica na msica
sertaneja em especial Noel Rosa como afirma o pesquisador Allan de Oliveira (2009, p.236):
Um exemplo disto Noel Rosa, cujas primeiras composies, feitas ainda enquanto
era membro do Bando dos Tangars, foram uma toada do Norte e uma embolada. O prprio repertrio do Bando dos Tangars revela esta mistura dos diferentes gneros nas dcadas de 10 e 20, pois assim como os Oito Batutas, os
Tangars tambm tocavam sambas e caterets, maxixes e desafios, foxtrotes e
emboladas. No entanto, por volta de 1931, Noel Rosa, (...) opta pelo samba, passando a compor somente canes que se adequassem a este gnero e a um outro
relacionado ao carnaval, a marchinha. (...)
Como apresentamos acima, at a dcada de 1930 do sculo XX a msica sertaneja no
Rio de Janeiro se constitua basicamente dos ritmos nordestinos e de uma influncia ainda
muito modesta do ritmo caipira do centro-sul do Brasil. A msica caipira passa construir
espao na capital da repblica a partir de 1929, com a gravao dos primeiros discos deste
gnero, todos idealizados e financiados por Cornlio Pires, pois as gravadoras do perodo no
acreditavam que havia mercado consumidor para tal gnero, o primeiro disco era um de 78
rotaes com rtulo vermelho, que levava o selo Columbia. Nesse disco, de um lado figurava
a msica, Jorginho do Serto e do outro, Moda de Pio, ambas de autoria do prprio
Cornlio Pires. De incio, o disco vendeu cinco mil cpias em menos de 20 dias, ou seja,
todas as cpias que o prprio Cornlio tinha financiado, superando tanto as suas expectativas
e as das gravadoras, que passaram a investir consideravelmente neste novo filo. Com isso, a
msica sertaneja passou a ser colonizada pela esttica do centro-sul do Brasil, com afirma
Oliveira (2009, p.44):
At 1929, a msica sertaneja era simbolizada pelos diversos gneros nordestinos populares no Rio de Janeiro e em So Paulo nos anos 10 e 20, tais como emboladas
e desafios. Com as primeiras gravaes de duplas formadas por autnticos caipiras do interior paulista nos termos das prprias gravaes a msica sertaneja comeou a ser colonizada pela esttica do interior do centro-sul, a esttica caipira. E nesse processo, a dupla cantando em teras tornou-se a formao central do
gnero. Apesar de todas as mudanas sofridas pela msica sertaneja nos ltimos 80
anos, a dupla foi o elemento que se manteve. Se antes havia Alvarenga e Ranchinho
(anos 30), hoje h Zez di Camargo e Luciano.
Com isso, o termo sertanejo passa a se referir a um novo conceito de esttica musical
que no possui vnculo nenhum com a tradio nordestina e que, por outro lado, ser negado
pelas duplas caipiras tradicionais. Contudo, tal conceito s se cristaliza a partir de meados da
dcada de 1980 em diante, com os novos interpretes da msica rural do centro-sul, que
22
tambm so renegados por serem acusados, pelos msicos considerados tradicionais do meio
caipira, de estarem modernizando e corrompendo os valores morais da legtima msica
caipira. Essa negao destes novos interpretes ocorre devido a influncia de outros ritmos
estrangeiros em suas performances, em especial o Country Estadunidense que se torna
presena confirmada nas interpretaes de Srgio Reis, Leandro e Leonardo Chitozinho e
Choror, Milionrio e Jos Rico entre outros que, dessa forma, romperam com a esttica da
msica caipira. Sendo assim, o conceito msica sertaneja passa a representar e definir um
novo grupo social distinto do caipira e tambm do sertanejo, no sentido que o termo era
empregado originalmente, o que nos permite mapear as tenses e representaes criadas em
torno desses dois gneros, pois como afirma Roger Chatier (1988, p.17):
As representaes do mundo social assim constitudas, embora aspirem a
universalidade de um diagnstico fundado na razo, so sempre determinados pelo
interesse de grupo que as forjam. Da para cada caso, o necessrio relacionamento
dos discursos proferidos com a posio de quem utiliza
As primeiras definies acadmicas de msica caipira e msica sertaneja
No que diz respeito s diferenas acadmicas entre a msica caipira e msica
sertaneja, tem se como referncia o artigo de Jos de Souza Martins (1975) intitulado Msica
Sertaneja: a dissimulao na linguagem dos humilhados, o qual tambm se destaca como
uma das primeiras pesquisas voltadas para anlise da histria e msica. No decorrer deste
artigo Jos de Souza Martins (1975, p.103) norteia sua pesquisa sobre a msica abrangendo
a letra que nela suporta, o universo que verbaliza cantando e o universo que se utiliza como
ponto de apoio em determinadas relaes sociais. Dessa maneira, ao longo de seu artigo ele
estabelece uma relao entre o texto literrio e o texto musical e, partindo dessas reflexes,
apresenta diversos pontos em comum, assim como distines entre a msica caipira e a
msica sertaneja.
Segundo o autor, a msica caipira estaria sempre ligada s sociabilidades do mundo
rural, assim como aos ritos religiosos, trabalhistas e de lazer. Enquanto a msica sertaneja
seria dotada de um fundamento de classe sociais, as quais podem ser observadas, ao longo das
letras, na identificao realizada pelo autor dos elementos que exemplifiquem as condies
concretas da existncia das classes subalternas, assim como nas tenses, contradies e
oposies entre elas e outras classes. Nessa direo, segundo Jos de Souza Martins a toada
23
Chico Mineiro da dupla Tonico e Tinoco, exemplificaria com clareza sua hiptese, como
pode-se ver abaixo:
Cada vez que me "alembro" / Do amigo Chico Mineiro,/ Das viage que nois fazia
/Era ele meu companheiro. / Sinto uma tristeza, / Uma vontade de chorar, /
Alembrando daqueles tempos / Que no hai mais de voltar. / Apesar de ser patro, /
Eu tinha no corao / O amigo Chico Mineiro, / Caboclo bom decidido, / Na viola
era delorido e era o peo dos boiadeiro. / Hoje porm com tristeza / Recordando das
proeza / Da nossa viage motin, / Viajemo mais de dez anos, / Vendendo boiada e
comprando, / Por esse rinco sem-fim / Caboco de nada temia. / Mas porm, chegou
o dia / Que Chico apartou-se de mim. / Fizemos a ltima viagem / Foi l pro serto
de Gois / Fui eu e o Chico Mineiro / Tambm foi o capataz / Viajamos muitos dias
pra chegar em Ouro Fino / Aonde passamos a noite numa festa do Divino / A festa
estava to boa, mas antes no tivesse ido / O Chico foi baleado por um homem
desconhecido / Larguei de comprar boiada / Mataram meu companheiro / Acabou-se
o som da viola / Acabou-se o Chico Mineiro / Depois daquela tragdia / Fiquei mais
aborrecido / No sabia da nossa amizade / Porque nos dois era unido / Quando vi seu
documento / Me cortou o corao / Vi saber que o Chico Mineiro /Era meu legtimo
irmo2
Com essa msica Jos de Souza Martins elucida a luta de classe na msica sertaneja,
afirmando que as relaes de trabalho entre patro e empregado no permitia que ambos se
reconhecessem como irmos.
Seguindo a mesma linha apresentada por Jos de Souza Martins, Waldenyr Caldas
publica sua obra em 1979, intitulada Acorde na aurora: msica sertaneja e indstria cultural,
a qual tem seu trabalho caracterizado pela mesma linha marxista que domina o trabalho de
Jos de Souza Martins.
No entanto, Waldenyr Caldas distingue a msica caipira da sertaneja da seguinte
forma, a msica caipira estaria ligada ao folclore rural, ou seja, seria fruto da socializao
entre as comunidades interioranas, ocupando, desse modo, uma funo social dentre desse
grupo que vai alm da mera diverso. Por outro lado, a msica sertaneja se enquadraria como
um produto da urbanizao, deste modo, estaria totalmente desprovido de seu carter
folclrico e no possuiria nenhuma outra funo a no ser o entretenimento, contudo, ela seria
apenas mais um produto alienante da Indstria Cultural (CALDAS, 1979).
No entanto, outros pesquisadores apresentam uma tica distinta da apresentada por
Jos de Souza Martins e Waldenyr Caldas, como o caso da dissertao de mestrado de
Lucas Antnio Arajo, a qual apresenta a msica rural brasileira dividida em msica
sertaneja tradicional, que seria o gnero que sempre teve como referncia as estruturas das
msicas rurais, bem como instrumentos e temticas semelhantes, e msica sertaneja.
Contudo, Arajo apresenta como msica sertaneja as novas duplas que surgiram em meados
dos anos 1970 e, especialmente, a partir da dcada de 1980, tais como Leandro e Leonardo,
2 As barras so utilizadas para separar os versos.
24
Zez di Camargo e Luciano, Chitozinho e Xoror entre outras, que tinham suas
performances apoiadas em estrondosas bandas, com guitarristas, baixistas, tecladistas e
bateristas.
importante ressaltar os atritos gerados entre a msica sertaneja tradicional e a
msica sertaneja, como bem aponta Arajo (2007, p.15):
importante frisar que a partir da desvinculao em relao temtica, esttica e
forma em geral da nova vertente do gnero em relao msica sertaneja tradicional, as duplas de ambos os estilos, que poderiam ser definidas j como
gneros distintos, tm atualmente uma relao relativamente amistosa. No boom dos
anos 1980, houve tendncia marcante dos jovens astros em buscar cada vez mais se
desvencilhar da velharia e assumir, de forma empolgada, modernizao e esttica jovem. Atualmente, as restries, quando ocorrem, vm do outro lado, das duplas de violeiros tradicionais, que classificam a nova msica sertaneja de forma pejorativa como sertanojo ou msica de motel em referncia temtica praticamente nica do estilo: as desventuras amorosas. Em relao aos astros desta
nova msica sertaneja assumem postura bem diferente daquela dos anos 1980, em que as duplas tradicionais eram encaradas pelas jovens duplas da nova msica
sertaneja de modo depreciativo, representando um verdadeiro conflito de geraes. Atualmente dizem respeitar muito as duplas antigas a quem se referem como verdadeiros mestres e, vez por outra, fazem questo de inserir um clssico sertanejo na gravao de seus discos, quando no gravam um inteiro composto somente de msicas de raiz.
Outra obra tambm muito importante, que auxilia a compreender a ciso entre esses
dois campos musicais A moda viola: ensaio do cantar caipira, de Romildo SantAnna
(2009). Esse trabalho de suma importncia, visto que traa uma linha do tempo ao longo de
sua explanao, sendo que, posteriormente, divide o estudo em duas partes. Primeiramente,
apresenta as configuraes do cantar caipira, realizando a articulao entre o caipira e seu
meio, e como esse ambiente se expressa em suas canes, alm de ressaltar sua cultura
material e imaterial, assim como seu papel socializador e ldico. Por fim, traz a discusso
para a atualidade, analisando a situao da msica caipira no cenrio artstico atual, e como o
serto hoje se representa no espao citadino por meio da msica caipira/sertaneja. Portanto,
estas consideraes sero imprescindveis para a compreenso do cenrio em que atua a
msica sertaneja em seus desdobramentos.
Um importante aspecto da msica rural brasileira que apontado por Romildo
SantAnna a construo da dico do cantar do caipira, conforme apresenta-se abaixo:
A Moda Caipira cantada no acasalamento do dueto em tera, de mi e d,
em falso bordo de dico anasalada. O anasalamento conserva resqucios
de lnguas e dialetos amerndios; o cantar entoando vozes mantm a tradio ritualstica da missa, devocionada na igreja (SANTANNA , 2009, p.93).
Ao avaliar-se os discos da Coleo Nova Histria da Msica Popular Brasileira em
relao a estes dois gneros musicais discutidos acima. Pode-se notar que no primeiro disco,
25
destinado a msica caipira de 1978, figura-se em suas faixas as seguintes canes do lado A
Bonde Camaro (Cornlio Pires) Mariano e Caula, Calango (Capito Furtado,
Alvarenga e Ranchinho) Alvarenga e Ranchinho, Moda da Mula Preta (Raul Torres) Torres
e Florncio, Velho Candeeiro ( Jos Rico e Duduca) Milionrio e Jos Rico. Do lado B
destaca-se O Menino da Porteira ( Teddy Vieira e Luizinho) luisinho e Limeira, 13 de
Maio (Teddy Vieira, Riaho e Riachinho) Moreno e Moreninho, Rio de Lgrimas (Tio
Carreiro, Piraci e Lourival dos Santos) Tio Carreiro e Pardinho, e por fim Em vez de me
Agradecer (Capito Furtado, J Martins e Aymor) Tonico e Tinoco.3 Conforme pode-se
notar na capa do lbum abaixo:
(Coletnea Nova Histria da Msica Popular Brasileira. Msica Caipira, Abril Cultural
1978)
3 Ao longo da descrio o nome da msica se encontra entre aspas, em seguida o nome do compositor e, por fim,
o interprete
26
No segundo disco, destinado a Msica de Sertaneja de 1983, encontra-se do lado A
Moda do Peo (Cornlio Pires) Cornlio Pires, Fogo no Canaviar (Alvarenga e
Ranchinho) Alvarenga e Ranchinho, Moda da Pinga (Laureano) Inezita Barroso, Boi
Amarelinho (Raul Torres) Torres e Florncio, Serto do Laranjinha (Tonico e Tinoco,
Capito Furtado) Tonico e Tinoco, O Menino da Porteira (Luizinho e Teddy Vieira) Tio
Carreiro e Pardinho. Em seguida, no lado B segue as seguintes canes: Beijinho Doce (
Nh Pai) Irms Castro, Magoa de Boiadeiro ( Nh Baslio e ndio Vago) Ouro e Pinguinha,
Quatro Coisas (Vieira e Vieirinha) Vieira e Vieirinha, Tristeza do Jeca ( Angelino de
Oliveira) Tonico e Tinoco, Trs Nascentes (Joo Pacifico) Joo Pacifico, e como ltima faixa,
Jorginho do Serto (Cornlio Pires) Itaporanga e Itarar.4 Como nota-se na capa no lbum a
seguir:
(Coletnea Nova Histria da Msica Popular Brasileira. Msica Sertaneja, So Paulo Abril
Cultural 1983)
4 Ao longo da descrio o nome da msica se encontra entre aspas, em seguida o nome do compositor e, por fim,
o interprete.
27
Como pode-se observar nas temticas das msicas supracitadas, todas possuem como
referncia o cenrio rural, religioso ou se fundamentam em uma crtica a modernidade como
no caso da msica Bonde Camaro e Tristeza do Jeca. E, quanto aos interpretes, nota-se que
quase todos apresentam a tpica indumentria caracterstica do caipira, com um figurino
composto por camisas xadrez, chapu, calas e botas, como aparece nas capas e contracapas
dos discos, exceto a dupla Milionrio e Jos Rico que aparecem na capa do primeiro disco
voltado a msica caipira, na qual ambos pousam de terno xadrez, gravata e culos escuros. No
encarte deste mesmo disco, a dupla aparece em trs fotos com um figurino que destoa ainda
mais dos parmetros propostos pelo tradicionalismo da cultura caipira, sendo que na primeira
ela mantm o padro apresentado na capa, e nas outras duas fotos Milionrio e Jos Rico
aparecem de cabelos cumpridos, sendo que na primeira, destas duas ltimas, apresentam uma
releitura da indumentria do cowboy norte-americano e na segunda pousam com um visual
moderno caracterstico da jovem guarda.
Seguindo a anlise da dupla Milionrio e Jos Rico, cabe ressaltar suas composies e
interpretaes, como na msica Velho Candeeiro que ocupa a quarta faixa do lado A do
disco Msica Caipira. possvel constatar, a partir de uma audio atenta da msica, que a
dupla abole a viola da harmonia da cano, instrumento esse que figura como smbolo da
msica caipira, sendo que nenhuma das outras duplas que compe os dois discos faz tal
opo. Alm da abolio da viola nas msicas de Milionrio e Jos Rico, estes ainda
compem suas Harmonias musicais com guitarras, contra baixo, baterias, teclados e backing
vocals. Com isso, a dupla rompe com as tradies instrumentais das duplas da msica caipira
que seriam a viola e o violo, e seus respectivos msicos cantando em tera. Dessa forma,
eles apresentam uma modernizao da msica caipira que se encaixaria nos padres da
Msica Sertaneja como foi citado acima, pois, tal performance se cristaliza em duplas
posteriores a Milionrio e Jos Rico, como Zez di Camargo e Luciano, Chitozinho e
Choror, Leandro e Leonardo e Bruno e Marroney entre outras, ambas duplas que abolem a
viola de suas performances.
Isso demonstra que a Editora Abril, na seleo das canes que iriam compor os
discos da coleo Nova Histria da Msica Popular Brasileira, no possua intuito algum
em definir quem seriam os intrpretes caipiras e sertanejos, e quais representavam a
tradicional msica rural. O que se tinha em vista era a popularidade alcanada por cada um,
visto que no disco destinado msica caipira, lbum Iluso Perdida, de 1975, a quarta faixa
dedicada a uma dupla que detinha o recorde do nmero de vendas de um mesmo disco de
msica sertaneja, com mais de 200 mil cpias vendidas. J no segundo disco, de 1983,
28
intitulado Msica Sertaneja, no h sequer um intrprete da msica sertaneja, pois todas as
faixas so ocupadas por clssicos da msica caipira.
Com isso, observa-se que a ciso entre msica sertaneja e caipira muitas vezes foge do
julgo da Indstria Cultural, ou seja, a ciso surge a partir dos prprios intrpretes, e do
pblico, que passa a recepcionar negativamente um gnero ou outro. Com isso, cabe apontar
que a gravadora Abril Cultural no possua inteno alguma em demarcar o que era caipira e
o que era sertanejo, ela apenas atualiza o termo na capa do disco, pois, entre 1978 e 1983, a
msica sertaneja consegue ampliar o seu pblico consumidor frente msica caipira.
Por conseguinte, pode-se demarcar a fronteira entre msica caipira e msica sertaneja
atravs da harmonia utilizada na construo das melodias dos dois gneros, pois, como
supracitado, a viola mantm a caracterstica da msica caipira em relao msica sertaneja,
diferentemente da temtica apresentada por Waldenyr Caldas e Jos de Souza Martins, uma
vez que tambm se encontra na msica sertaneja das duplas modernas canes com temticas
voltadas para o religioso, ou que cantam a saudade do ambiente rural ou at mesmo uma certa
crtica a modernidade. Assim sendo, no se pode apenas utilizar tais parmetros para realizar
a distino entre os gneros. Todavia, quando nos referimos ao uso da viola na composio de
suas harmonias musicais, torna-se evidente essa diferenciao, pois na msica caipira a viola
figura como protagonista da cano e j na msica sertaneja ela passa ser mera coadjuvante,
sendo utilizada em brevssimos momentos, apenas para que as duplas se justifiquem dentro de
uma tradio musical (ZAN, 2004).
Junto a essas consideraes elencadas acima, cabe analisar o papel da Indstria
Cultural, na segmentao desses dois gneros, pois quando a editora Abril Cultural divulga
esses dois discos, indiretamente ela contribui para a consolidao de dois gneros musicais
distintos, influenciando, dessa forma, na formao de um gosto musical. No entanto, isso no
significa que todos so refns dos desejos da Indstria Cultural, e que bastaria apenas analisar
as condies de mercado para que se possa obter com clareza a fronteira entre a msica
caipira e a msica sertaneja, ou seja, tais analises de mercado seria insuficientes para
determinar tal problemtica, por que em muitos desses casos a influncia manipuladora da
Indstria Cultural no se concretiza, demonstrando, assim, que a prpria Indstria fonogrfica
atua, mais como mediadora dos interesses da sociedade do que propriamente como
manipuladora, como podemos observar na citao do pesquisador Gustavo Alonso (2011):
A partir da consolidao dos gneros caipira e sertanejo pde se estabelecer distines claras, assim como tornar vendveis estes produtos, catapultando as
vendas e a participao das gravadoras no processo. A delimitao cultural e
nomeao dos campos foi essencial para que a indstria cultural pudesse
incrementar os lucros, mas foi tambm um processo que se deu para alm da
29
interveno e dos desejos mais diretos e manipuladores desta mesma indstria.
Embora no se possa ignorar o papel da indstria cultural na construo de qualquer
gnero musical no sistema capitalista, importante constatar que as intenes
manipuladoras dos programadores e produtores culturais no so sempre cumpridas
e que os movimentos culturais fogem a sua alada com tanta frequncia que torna
difcil compreender as variaes da msica sertaneja apenas pela tica industrial.
Nesse sentido a indstria cultural parece mais efeito de uma srie de batalhas
culturais anteriores a sua prpria gana por lucro do que simplesmente formatadora
deste novo campo cultural.
Desse modo, observa-se que a Indstria cultural, apesar da influncia que exerce sob a
sociedade, a qual nunca deve ser descartada em uma anlise, ela tambm se torna refm dos
desejos desta mesma sociedade que ela tenta ferozmente manipular, ou seja, por mais que ela
concentre seus esforos em criar uma uniformidade musical, isso por vezes lhe foge ao
controle.
Consideraes Finais
Com esse breve ensaio no pretende-se criar uma tradio delimitando o que seria
msica caipira e o que seria msica sertaneja, mas sim apenas mapear os campos que se
desenvolvem essas duas expresses culturais e as tenses criadas entre ambos, principalmente
em relao msica caipira, que preocupava-se em manter o que era genuinamente
nacional em um momento de grandes interaes e hibridismos culturais, principalmente pela
influncia da msica Country Estadunidense e a Rancheira mexicana, ritmos que
conquistaram a msica sertaneja. No entanto, ao examinar a participao da Indstria Cultural
nos discos da Coleo Nova Histria da Msica Popular Brasileira, nota-se sua falta de
critrio ao definir tais gneros musicais, pois no disco destinado a msica caipira a quarta
faixa dedicada a uma dupla que se reconhecem como sertaneja, alegando serem herdeiros da
tradio caipira. Apenas, no segundo disco de 1983, intitulado msica sertaneja, no h um
interprete da msica sertaneja, pois todas as faixas so ocupadas por clssicos da msica
caipira como se nota na descrio citada acima no texto, com isso, observa-se que a ciso
entre msica sertaneja e caipira, foge do julgo da Indstria Cultural, ou seja, a ciso surge a
partir dos prprios interpretes que no se reconhecem e do pblico que passa a recepcionar
negativamente um gnero ou outro. Sendo assim, pode-se concluir que mesmo que alguns
pesquisadores descartem a importncia da diferenciao desses campos musicais para a
pesquisa de Histria e Msica, faz necessria tal reflexo, pois sabe-se que tanto a msica
caipira como a msica sertaneja no so ritmicamente idnticas e menos ainda pertencem ao
mesmo circuito e no so recepcionadas pelo mesmo pblico.
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Gneros Musicais: Em busca de uma construo scio sonora
Diego da Rocha Viana Muniz
Resumo
O texto busca valorizar dinmicas internas da classificao dos gneros musicais da indstria
massiva, tendo em vista certa complexidade no jogo que interliga criatividade musical e sua
construo cultural. Para isso, valorizou-se a noo de scio sonoridade e as bases sob as
quais se edifica a praticidade do rtulo comercial, levando em considerao a noo
identitria que ele suscita.
Palavras-Chave: Gnero musical, Etnomusicologia, Identidade de gnero musical, Msica e
Mercado.
Abstract
The text seeks to valorize the intern variable of the classification of the musical genres of the
massive industry, and aims certain complexity in the relation of musical creativity and its
cultural construction. For this, valorized the idea of sociosonority and the bases of the practical commercial classification, considering its identity idea.
Keywords: Musical genre, Ethnomusicology, Musical Genre Identity, Music and Market.
Gneros Musicais: Em busca de uma construo scio sonora
Um gnero musical formado por regras socialmente definidas, com a possibilidade
de criao de subgneros como desdobramento das variveis artsticas. Enquanto a msica
popular se caracteriza pela ideia simblica de proximidade entre as condies de produo e
consumo, representada por gneros como o samba, a salsa, o sertanejo, o jazz, msicas
regionais etc., os gneros da msica pop se caracterizam pela mediao ou mescla de regras
da msica popular, no contexto da mxima produo e consumo. Baseiam-se em formulaes
obtidas a partir de outras obras, onde a produo e reconhecimento modelam a criao e
recepo de cdigos gerados, voltados ao mercado, sobre certo contexto.
No que diz respeito unio de obras musicais dentro de um sistema complexo de
classificao, quase impossvel englobar os diferentes ngulos de viso de um mesmo
gnero, sendo um ponto bsico e crucial, a diferenciao quanto ao compartilhamento da
identidade de gnero que divide ns e eles, e enxerga o outro a partir do prprio
35
sistema sociocultural e scio sonoro. Diante das complexas aproximaes, confuses,
semelhanas e detalhes diferenciais, torna-se ainda mais pertinente um debate sobre a
identidade de gnero musical.
Tal viso evita no considerar um gnero o que considerado como tal, por artistas
que se veem semelhantes; pela mdia; milhes de consumidores; crticos e assim por diante.
Exclui-se logicamente quem desvaloriza a classificao comercial dos gneros musicais,
como um importante compartilhamento da identidade social dos grupos atravs da msica.
Se a classificao em si um complexo, a no classificao paradoxalmente um
problema ainda maior, uma vez que a inveno de tais gneros faz parte de um patrimnio
cultural da humanidade, que sem uma nomeao flexvel de contorno direcional, tende a se
perder. H a necessidade de demarcar a identidade, em um territrio onde exista a explorao
de um leque de variveis possveis na expresso musical, limitado por fronteiras. Universo
que interliga a publicidade da criatividade e do gnio artstico, mediado pela herana da
formao dos gneros que atua como um legado memorial existente que o referncia e
estrutura.
Ao relacionar as mobilidades da criatividade artstica e da identidade, nenhuma
demarcao de gnero musical estar inabalvel e protegida. Em adio a isso, complexa e
contraditoriamente, uma classificao, rtulo ou gnero musical pode incluir o conjunto de
outros ritmos e em muitos casos, outros gneros. Fato acentuado por questes cruciais imersas
na ps-modernidade. O samba, por exemplo, comumente visto como a representao
autntica do gnero nacional, pode conter em seu repertrio a marchinha, o maxixe e a
moda.
necessrio que um grupo de pessoas baseado em tais parmetros aceite sua
existncia, negando-a toda vez que fugir aos seus principais critrios de identificao.
Fazendo dele no apenas um evento, mas uma programao contnua de natureza
multifuncional, que pode internamente incluir contradies que se expandem ao se
singularizar.
A escolha do repertrio artstico nos remete a uma ideia eletiva de msicas que
recordem eventos, fatos e expectativas, num imaginrio parte da memria social em sua
relao simblica e representativa com o presente. No se ouve comumente um bolero,
meia-noite, na Avenida Sete de Setembro num sbado de Carnaval em Salvador. Busca-se
36
uma coerncia adaptativa do repertrio musical com o ambiente onde se est, em seu esprito
envolvido.
comum haver divergncias com relao exposio de pensamentos de
compositores, crticos especializados, pblico, msicos, produtores etc. O que alm de no
excluir a questo, ressalta a importncia das cincias sociais, onde os profissionais esto
adaptados a questionar a familiaridade cultural, dialogando a viso de perto e de dentro com
um distanciamento necessrio a uma viso melhor e mais ampla. O que aumenta a
necessidade de entender e perguntar s fontes com maior profundidade e rigor, principalmente
diante da natureza dinmica da cultura, que faz com que um gnero se desenvolva com o
passar do tempo com funes que se reafirmam a cada fenmeno. Tal trabalho necessita de
tcnicas que possam ir alm das pessoas imersas em seu prprio conjunto universo.
As convenes musicais tambm se estruturam em torno de prticas performticas que
se posicionam como sentidos de ser e estar no mundo Se criam histrias, afinidades culturais,
com associaes, repelentes etc.: longe de se restringirem a respostas imediatas, se localizam
perto do processo histrico. As experincias performticas incluem a produo de uma
identidade, sobre continuao, rejeio ou criao de novos cdigos.
Sendo assim, a noo de scio sonoridade aponta para um conjunto complexo de
regras e esquemas sociais e musicais que se acomodam na conscincia, de forma a indicar a
classificao num dado gnero musical. Dessa maneira se associam aspectos musicais e
sociais, no se desmerece o potencial criativo de uma cultura, e tampouco se subestima novas
formas emergentes de identidade de gnero, dando maior ateno adaptao e atualizao
das variveis histricas e dos parmetros, em prol do entendimento da alteridade.
Ao chegar a uma loja, um cidado comum tem mais certeza do que quer comprar do
que muitos estudiosos. O gnero costuma ser uma das primeiras formas de reconhecimento e
experimentao musical. Por se tratar de algo familiar, dificilmente se pensa no que foi
construdo ao longo do tempo sob ideologias cultivadas como identidades. Gneros diferentes
tm memrias diferentes, cuja viso se torna mais clara quando comparadas.
Individualmente, os msicos tambm tm suas memrias, regras e culturas, dentro de
diferentes variveis subjetivas. Esse universo inclui ritmo, harmonia, melodia, alm de outras
sonoridades possveis, que recaem nas mos de msicos, musiclogos e demais cientista. O
foco na performance individual atenta para questes pessoais que enriquecem a criatividade,
uma vez que admitem a existncia de elementos externos que no necessariamente so
37
compartilhados com frequncia dentro do gnero. Um compositor j pressupe que sua obra
seja aberta, e ser executada e modificada dentro do contexto dos envolvidos nas etapas
posteriores de produo. Esse evento se torna um importante fator relacionado flexibilidade,
parte de uma liberdade que diminui a presso social. Memrias de tempos histricos
diferentes, demandam presses sociais diferentes.
Dessa forma, os gneros ps-modernos so postos incisivamente prova, uma vez que
a criatividade tem a liberdade de permear os atores imprevisivelmente, no processo de
produo e divulgao, desafiando por conseguinte, as possibilidades e limites prescritos em
uma comunidade musical em seus elementos norteadores.
As ideologias de gnero podem levar a uma disputa (mesmo que subjetiva) que
comumente dificulta os estudos, uma vez que pressupe preferncias, hierarquias de valores,
imposies sociais a partir de um referencial cultural distinto etc.
A noo que engloba os diversos atores na produo e consumo artstico uma
importante face da etnomusicologia. Uma das formas de analisar, fazer a escuta particular
da performance de cada artista e instrumento em questo, vendo como as diferenas
particulares se harmonizam no conjunto. O indivduo tem liberdade de aprender e expressar
coisas que fogem avaliao generalizada.
Identidade de gnero musical
O gnero est dentro de um contexto histrico estruturado, onde um modelo bem
sucedido serve de referncia continuao das regras. Novos gneros e subgneros surgem da
transgresso de tais regras negociadas com pesos diferentes, fazendo com que sua no
obedincia no signifique necessariamente sua inexistncia. A manuteno dos modelos de
sucesso aparece como um decreto identitrio que pode ser considerado velho ou arcaico pelas
geraes seguintes que almejam novos cdigos, numa dinmica tpica da histria.
Busca-se uma unidade parte da motivao cultural em prol de certas identidades, que
atuam com carter diferencial a outras. Essas diferenas so cdigos possveis de serem
analisados, que se articulam de maneira complexa e criativa com os gneros musicais,
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interligando performance vocal, instrumental, de comunicao corporal (dana) e outros
elementos. Elas fazem com que a classificao crie uma srie de expectativas dentro de um
repertrio cognitivo, que no podem ser facilmente negadas.
A familiaridade identitria na indstria da msica massiva, tende frequentemente
simplificao dos cdigos de linguagem scio sonoros a fim de torn-los domveis,
inteligveis e compartilhados mais amplamente, o que depois de certo tempo tende a
empobrecer e a diminuir o interesse, justamente pela falta do estmulo natural das adaptaes
s dificuldades. Outro fator importante, que a contnua previso diante da similaridade tende
a aumentar o impacto da surpresa diante da mudana. Dessa maneira, aps certo grau de
maturidade, quanto mais adaptadas diferena e complexidade forem as regras, mais
criativas sero.
A competncia varia internamente em relao s composies, performances dos
msicos, crticas e bandas. Artistas do mesmo gnero se unem na diferena, sendo que os
cdigos convencionais incorporados ideologicamente, fazem com que tal naturalidade
dificilmente seja vista com clareza por quem est dentro.
Um gnero pode ser considerado por uns como a variao de outro ou como uma
mudana que justifica a criao de um novo gnero, causando no s ambiguidades, como
uma relao tensa e transgressora com as regras pr-estabelecidas.
Gneros mais essencialistas, comumente influenciados por polticas identitrias,
tendem a assumir sonoridades mais exclusivistas. Nessa concepo de pensamento, a msica
afro-americana naturalmente apreciada e produzida pelos afro-americanos; aspectos
globalizantes minam a musicalidade local, sendo parte da destruio do patrimnio artstico
de certos grupos etc. Na mesma levada, se caracterizam composies tipicamente femininas,
masculinas entre outros aspectos de semelhanas. As diversas defesas se reafirmam como
formas que se mantm resistentes s variaes no tempo e no espao.
O preenchimento do prprio espao aparece como marcao de identidade. De um
territrio. A identidade aparece como um ideal. A resposta para o que gostaramos de ser
(no o que somos) tambm se apresenta na musicalidade, com carter dinmico e dialgico.
So fatores variveis no tempo, embutidos na msica num imaginrio e em performances que
remetem a se reconhecer e ser reconhecido.
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Gneros diferentes tm identidades diferentes, e demarcam grupos sociais distintos,
com maneiras alternativas de interao social. Eles configuram experincias que te localizam
imaginariamente numa narrativa cultural.
As particularidades tambm surgem nas singularidades dos principais instrumentos
que simbolizam tais gneros; na dana; no perfil do pblico; na escolha dos principais
sentimentos envolvidos; nas crticas internas e externas etc.
Em carter cultural frequentemente oposto, os instrumentos da msica clssica e
poltica normalmente levam orquestras de sopro, violino e piano, que os gneros populares
frequentemente dispensam, ou ao menos no so tipicamente representados por eles. Esses
por sua vez tm suas exigncias e representaes prprias, como por exemplo, a percusso na
Ax Music, o violo no bolero e a guitarra no rock.
O trio bateria, contrabaixo e a guitarra nos lembram o rock and roll. O tantan,
pandeiro e o cavaquinho, o samba. Violo, zabumba, tringulo e sanfona, o forr p-de-serra.
Esses exemplos fazem parte de identificaes sociais em torno das exigncias instrumentais
tpicas, para a constituio dos gneros musicais.
A sonoridade diz respeito a uma combinao dialgica da performance instrumental e
vocal (muitas vezes simultnea). A formao e identificao social de esquemas inteligveis e
regras, constitui uma classificao.
A associao de dada sonoridade com a classificao do gnero musical, sentimentos,
experincias, imaginrios e aes, diz respeito identidade e ao que ele, no conjunto dos
artistas representantes, oferece ao mundo. Diante de inovaes, cabe observar, por exemplo,
como o repertrio do artista foi recebido pelos seus semelhantes. Se ser includo,
incorporado, particularizado, se causar desconforto ou ser excludo da classificao.
As regras de gnero se estruturam quanto funo social, formas internas, diviso de
classes, grupos, geraes etc. onde a prpria preferncia gera critrios mais importantes que
outros, inclusive do que bsico e principal e o que coadjuvante ou figurante.
O dominante varia, podendo ser o foco na dana, em letras intelectuais, emotivo, nos
ritmos envolvidos etc. e por mais que um gnero se veja como mais original e autntico que
outros, a histria mostra que quase sempre ocorre uma mistura de influncias. o caso do
jazz, por exemplo, que como classificao generalizada para uma nova msica danante,
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influenciou substancialmente certa subdiviso do rock nos anos posteriores5. H uma flexvel
criatividade dentro de um gnero artstico que o capacita a ter caractersticas internas de
outros gneros e ritmos.
Sem certos rituais caractersticos, dadas expresses musicais perdem a autoridade
social construda, que aponta seu lugar nas relaes entre os grupos. A msica se postula
como uma excelente forma de entrecruzar culturas, fronteiras regionais, territrios globais,
sonoridades, classes sociais, etnias etc. em sua dinmica interna.
A classificao parte importante da mediao. Ela alm de identificar socialmente a
produo musical e sua criatividade intrnseca, tem um pblico-alvo como destino e permite a
vivncia do consumidor diante de diversos produtos da cultura relacionados aos gostos,
estilos de vida, sociabilidades, ideologias, fidelidades s tradies e vi