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ARMANDO FREITAS FILHO 25 POEMAS ESCOLHIDOS PELO AUTOR coleção poesia viva CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

25 PoemAs esColhidos Pelo AUtor - centrocultural.sp.gov.br · do sol da liberdade no céu e neste chão de terra que se ama! ... o que raspa e invade o campo de força se é não

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ArmAndo FreitAs Filho

25 PoemAs esColhidos Pelo AUtor

coleção poesia viva

Centro CUltUrAl sÃo PAUlo

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Em homenagem à memória de José Simeão Leal (1909-1996), amante dos livros e criador d’Os Cadernos de Cultura do MEC, onde muito aprendi.

Armando Freitas Filho

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ArmAndo FreitAs Filho

25 PoemAs esColhidos Pelo AUtor

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CorPo

Acrobata enredadoem clausura de pelesem nenhuma rupturapara onde me levasua estrutura?

Doce máquinacom engrenagem de músculo suspiro e rangidoo espaço devoraseu movimento(braços e pernassem explosão).

Engenho de febresono e lembrançaque armae desarma minha morteem armadura de treva.

do livro Palavra, 1963

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dois moVimentos de PedrA

1

A pedra treva(fera imóvel)dorme seu sonoinforme.

A pedra aguardaseu brusco impulsoem difusa esperade matéria e sombra.

2

A pedra alvorganha ímpetose distancia(corpo escalando ar).

A estruturafura o espaçoem livre saltoe se empenha em forma.

do livro Palavra, 1966

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FlAsh

Repentea mente sentea árvore desde a semente

sente

mão vegetalem tenra paredefremente

braço animalcontraídoporão mineralruído

mental

folhafalhafolhaf a r f a l h avento – navalha

contra o cimento

meu pensamento

do livro dual, 1966

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entretemPo

O tempo estendeum trem? No espaçoo instante estampapressa e passos.

Lance de escadas:degrau a degrauleque se abrindode grau em grau.

Teia de prováveistrânsitos – traçosde giz atravessamatravés: pássaros?

Impressos no espaçosem pauta, escapamsem o pouso da linhasem a pausa, passam.

Filmes, fragmentosnas folhas do ventonas falhas do tempoflagrantes e flashes

num átimo! O íntimoinstantâneo do instanteseus momentos atônitosseus átomos: milminutos

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...se escoam céleresnos teclados da águaem que o tempo tentatrêmulo o seu toque:

sequência de sílabasque seguem, segundoscegos/ciclos/circuitosconcêntricos: círculos.

do livro marca registrada, 1970

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ComUniCAÇÕes

Eu falo de mim – daqui – desta central

pelo microfone do corpopor esse fio que vem do fundo

eu me irradio

assim, numa transmissão de sustos e rangidos

veia e voz, ao vivo, sob tanto sangue: pantera escarlate

que passa e pisa

e se espatifa nesse chão pata de lacre

grito, pingo sobre o alvo tão tátil da minha carne

nos panos

repentinos do meu espanto nas janelas

onde me debruço sucessivo e vário, sequência de mim

em fotonovelas

me desdobro – quadro por quadro nos desenhos

de dentro do que sou e projeto aos poucos, plano e pausa

para fora

com a vida que me veste pelo avesso:

filmes de sêmen onde publico figuras de suor e celulóide

numa lâmina

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de velocidade e de lembrança em fotogramas

de esperas e procuras – falha folha de slides-células, sopro

e pulso

página de pele em que escrevo o uso

a articulada letra do meu gestoo rascunho de unhas e rasuras

feito à unha

nas nuas marcas do meu corpo no espaço

e nos lençóis da claridade monograma, silhueta, cadência

e a fala

que se imprime nesta fita neste sulco

a linguagem como um fim a linguagem por um fio e a morte em morse.

Do livro De corpo presente, 1975

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CorPo de delito

I

Escuta o rumor nas margens plácidasfeitas de lama, sangue e memória.Escuta o brado retumbantena garganta do túnel.Por entre as grades do gritoo céu da liberdade viajae o sol, sem Pátria, se espalhanesse instante, no cimento.

Aqui, Senhor, tememoso braço forte que sobre os seiosse abate, sem remorso.Aqui, no peito, os sussurros do coraçãoo muro de murros desabadoos urros na boca do corpo de entulhoe os erros da minha mãoque apalpa a própria morte.

Nesta cela que sonho nenhumse escreve nas paredesnesta sala de azulejos lívidosum raio de dor sempre acesoe vívido, à terra desce.O céu é o sol desta luzem cada nervoe em cada um de nós um límpido incêndio resplandece.

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Daqui escuto os passos dos gigantespisando, impávidos, a paisagem.Escuto a marcha dos colossospor cima dos ossospor cima dos mapas de mar e gramaescuto as botas dos passosnas poças do corredorcada vez mais próximosdos calcanhares nus do meu futuro.

II

Sentado na cadeira do dragãolargado no berço profundo do chãosobre o som do mar o céu fulguracom o seu sol elétricoque não cessa o curto, o choque, o surtoem chamas do dia iluminadonos porões iniciais de um Novo Mundo.

As flores que aqui gorjeiamgarridas, em suas jaulasse agarram na beira da vidaque cisma e insistee continua avançandopor entre vadias várzeas e charcose exclama e se espantacomo a primeira palmeira bruscaque busca o espaçono bosque de fumaça do horizonte.

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Aonde está você, amor eternoque não drapeja no ventosua flâmula trêmula de estrelas?Aonde o verde-louro, o céu de anil e melo lábaro, a labareda de panoque o látego rasga e marca?Aonde a glória do passadose o presente é este furode bala na pele do futuro?

Mas se ergues, ainda sima clava forte do seu corpoe não foge à lutanem teme a própria morte que avança armada até os dentesverás os raios fúlgidosdo sol da liberdade no céue neste chão de terra que se ama!

do livro À mão livre, 1979

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Escrevo sóou mal acompanhado:ghost-writers, influenzasmusas seminuas, gênios deusas, adeus!Deixem-me somentea pena e os papéispara as minhas novas ninfas:a Bic, a Crossas sem nome que passamsem marcasde mão em mão e se perdem:a Pilot, com suas ligas roxasa velha Parkercom a tinta do meu sanguequase seco e a Futura.

do livro longa vida, 1982

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A tarde precipita sua corcai, no começo no princípio da noitee o que ainda aqui resistemeio fera, ao precipícioficou na beira da taçaque não suporta maissequer um risopois todo cristal está semprena iminência, um minuto antes de partir.

do livro 3X4, 1985

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O primeiro arranha-céufoi a pedrado Pão de Açúcar:monumento onde o marse amarra o mato cresce no pedestale o abraço da baíacompleta o cenário– o lugar-comum –o que já estava escritopelos cronistas lapidarese por mimquase com as mesmas palavras.

do livro 3X4, 1985

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Todo céu é anônimoembora os cartões-postaistentem localizá-lo.Este aqui está sobre as ondasdesenhadas, pedra por pedrana calçada litorânea.Um diagrama, em preto e brancodo movimento do mar defrontecomo se fosse um pedaço de filme antigo:um dia de mil novecentos e cinquentaem Copacabana, Oceano Atlântico.

do livro 3x4, 1985

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dePois de A. C.

Sua morte é o recreio desta.Ao virar uma piscinapelo avesso, até o fimcomo uma luvapara sentir, ouvir e tocaro último concerto de um azulejo solocom os olhos secose as mãos nuassem água sequer para lavaro chão de sangue pisadoo mármore do desertomuito longe da naturezacomo também este gostode versos-ferroforte, na bocae lembranças de músicaalheia e casualfeita com latas e precipitação.O que ficoufoi pedra sobre pedrasignificando nadapois o mar e as lágrimasestão a mil milhas daquie o palácio do telefonede luto fechado.De lá, de onde você me ligavadeste lugar ladrilhadopor um só ladrilhosobraramsuas mãos cruzadas com muito luxobeijos na boca do infinitoe a solitária luz de um anel.

do livro de cor, 1988

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A C.

Amorcom as luzes da casa inteiraacesas e arregaladas.Até a lá de fora.Para então entrarvendo de perto, sem óculoscom as mãos e os óleos nus.

Amorcom as muitas portas abertascompletamente.Com cada coisa funcionandoa plenona casa inteira ligadanessas tomadas todas.

Amorestou sentindo tudo em torno:você me ocupando todos os sentidosaté o topo– que te apuram de per si –e depois te reúnemunânime.

Amorsó a pele, não.Sua almaou o seu assunto de suma importânciae os contrastes fortes:nome sobre o nome.

do livro de cor, 1988

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rAVel

Todo telefone é terrível – negroguerrilheiro à escuta na saladisfarçado ao lado do sofáà espera, no ganchosempre na vésperacom o grampo da granadajá nos dentes.A única saída é ocupá-lopara que não estoure(não posso te agarrar daquinem pelos fios dos cabelospare antes que toquee o infinito acabe).Todo terrível é telefone – negroà escutaguerrilheiro à esperaao lado do sofádisfarçado na salana véspera da granadacom o grampo nos dentes fora do ganchoocupando a única saídapara que não estoure(não posso nem pelos cabelosantes que acabe e toqueo infinito, te agarrar, nos fios, paredaí).

do livro de cor, 1988

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Ar

Música de árvores.Não a das folhas e ramos.Mas a outra, para percussão solo.Madeira, raízes, cascas, nós, galhos.Tudo que pede machado, corte, pancada.O que é duro – áspero – bate, e estaca.O que estala e cresce da terra contra as estrelas.

do livro Cabeça de homem, 1991

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A felicidade pode ser de carnede pele apenas – corpo sem cara nem cabeça, mas com a boca máxima e muitos braços, peito, coxaperna musculosa, clavícula omoplata, ventre liso esticado peludo no lugar certo do sexoe mais o cheiro preciso, exasperado da axila, virilha, pétudo chegando junto, de uma vez ou aos poucos, esquartejado.

do livro números anônimos, 1994

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Por barbearcom a cara de encontro ao diaque espeta e arrancaárvores vivas, folhas de guardade dentro da noite em claro.Falso rostoimpossível prevera variação seguintese de sol, se de stressno espelho sem controle.

Cortaram o que viviarente ao risco do chão.A frio, no açouguecom o machado da chacina.Mato, no pé da estátuaque se enferruja no céue nos canteiros desordenadosrazzia a navalhacontra o que ainda respiravapela raiz.

Falo pela almapelo que foge para forado concentrado foco do corpo: rude – com raiva e relva contra a pele, à contraluz metade cavalopedaço de pedra sem asaterra-a-terra, e irredutível falocom coração e técnica.

do livro números anônimos, 1994

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GrÃo

Toco, instante, iníciotalvez de uma árvoreque não foi em frente.Alguma coisa deste ladoinsiste, mesmo sem ramaisem sentir o que se passano outroonde cresceu e floriu o rio.Mas não consegue ouvir tudonem ver claroo que raspa e invade o campo de forçase é não ou sim, se são leõesarremessando contra a presaou atividade de índole diversasem precisão de imagense de trilha sonora – algo alusivoiludido, oblíquo, contra a parede:algo de alma, ímã e ruína.

do livro duplo cego, 1997

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PAi Me arranco do seu espelhogago até a medula e parosob o peso de uma dose subclávio, para cavalo com nossa vida inteira exposta a tudo.A campainha agulha bate, nas paredes vazias sem ramalsem rumo algum.

“Eu vou doer/eu estou doendo”e o pensamento feridoprefere acelerarpara não parar na dor e toma velocidadea anestesiada mesma paisagemdo dia aberto e igualsem horas.Louco tempo depoislogo após as lágrimascomeça o deserto.

do livro Cabeça de homem, 1991

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mÃe, memÓriA

O relógio não marca mais o encontroe a sua hora, mas o que faltapara a minha, em números pretossobre fundo branco, com o ponteirodos segundos, pulsando em vermelho.

Quase quatro anos no quarto que eraum quadro onde o tempo das floresnão passava, sempre-vivas, atletas da corde pétalas detidas, plásticas, pregadasem terra falsa feita de pano e cola.

A cura deste dia só se alcançacom o outro dia que também se curano seguinte, etc., até que tudo pareno anel de perfume que ainda cercasua pulseira e resiste à dispersãotanto quanto a lembrança tátildas mãos mais finas do mundo.

do livro Fio terra, 2000

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CAÇAr em VÃo

Às vezes escreve-se a cavalo.Arremetendo, com toda a carga.Saltando obstáculos ou não.Atropelando tudo, passandopor cima sem puxar o freio –a galope – no susto, disparadosobre as pedras, fora da margemfeito só de patas, sem cabeçanem tempo de ler no pensamentoo que corre ou o que empaca:sem ter a calma e o cálculode quem colhe e cata feijão.

do livro Fio terra, 2000

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FAmÍliA O telefone é de pele de tão sensível.A qualquer momento, alteraçãocérebro exposto, seu pensamentosobre o meu, sexo oculto na escadana mão, na boca. A qualquer momentoamor, somente. Agarra o sangueque te pertence, o que a memóriasente e salva das cinzas. Modere a mão.Viva escrevendo entre suplício e delíciaque tocam na mesma faixa, e a agulhanão sai do sulco, insistente, repetitiva:filho feroz, matando o pai no segredo do corpo – sensação de esplanada.

do livro lar, 2009

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10 Anospara Carlos

Flor masculina do meu bosqueseu cheiro começa a ser íngremeárduo – de cabelo e músculo –de dias ardidos de escalada.

Subsiste o primeiro suor da noiteinodoro porque em repousoa pele lisa que a barba e a acneainda não contrariam, o ar de entrega

que se mantém embalsamadopelo sono ou por algum sonhode maldade, com mulher de celofane.Mas a infância já se feriu, inevitávelao entrar na casa de dois dígitos para sempre.

A dor de alterar-se, de altear-seestala, e a inocência também é de sangue.Uma e outra se quebram e reanimam-se:têm o mesmo comportamento, prazobravio e breve, das ondas no mar.

do livro numeral/nominal, 2003

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drUmmond AndAndo

Do ar livre do verso ao metrosua mão aponta no braçoque se colou ao corpomesmo em marcha cortadapor acidentes nas ruas assimétricasde chão, de pedra, do interior, do centroalcançando longe, repercutindo: drum’n’bassseu nome já se entrevê e se ouveno diálogo de sol e sombraentre pilotis – e bate.

Tudo no coraçãoe na umidade dos sentidos.Desde o corpo cotidiano, presono mecanismo do ponto e da cidadeao outro, metafórico, poroso:olho no olho, olho por olhono leito, no lanho do amordiante do mundo, do repentinocristal partido da máquina geral da vidase interrogando, interminável.

do livro numeral/nominal, 2003

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imPÉrio

Torres. Terror. Cada uma pareceum 1. As duas juntas marcamo dia do espetáculo e a somados alvos prateados em fundoazul matinal 1 minuto antes.1 minuto depois o que foi 1número íntegro se parte em Nem 1001 decimais do que erauno, de sol, vidro, aço, pedra eesplendor no dia 10 e agora é 0.E a primeira surpresa logose repete, 1 por 1, 1 igual a 1ao outro, seu duplo, sua sombra.No ano 1 do novo milênio nemfoi preciso ouvir a exclamaçãodos ratos: “Que século!” ou suaação roedora no pé dos prédios:Ícones! Píncaros! Edifícios! Fim!

do livro numeral/nominal, 2003

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oUtrA reCeitA

Da linguagem, o que flutuaao contrário do feijão à Joãoé o que se quer aqui, escrevível:o conserto das palavras, não sóo resultado final da oficinamas o ruído discreto e breveo rumor de rosca, a relojoariado dia e do sentido se fazendosem hora para acabar, interminávelsem acalmar a mesa, sem o clicfinal, onde se admite tudo –o eco, o feno, a palha, o leve –até para efeito de contrastepara fazer do peso – pesadelo.E em vez de pedra quebra-dentepara manter a atenção de quem lêcomo isca, como risco, a ameaçado que está no ar, iminente.

do livro raro mar, 2006

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soBre o AUtorArmando Freitas Filho nasceu no Rio de Janeiro, em 1940. Publicou, entre outros, os livros de poesia Palavra (1963), Dual (1966), Marca registrada (1970), À mão livre (1979), De cor (1988), Números anônimos (1994), Duplo cego (1997), Fio terra (2000). Em 2003, publicou Máquina de escrever - poesia reunida e revista (1963-2003), em seguida, Raro mar (2006) e Lar (2009). Recebeu, em 1986, com o livro 3x4, o prêmio Jabuti e, em 2000, com o livro Fio terra, o prêmio Alphonsus de Guimaraens, concedido pela Biblioteca Nacional. É o organizador da obra de Ana Cristina César. Foi pesquisador na Fundação Casa de Rui Barbosa, secretário da Câmara de Artes no Conselho Federal de Cultura, assessor do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro, pesquisador na Fundação Biblioteca Nacional e assessor no gabinete da presidência da Funarte, onde se aposentou. É um dos principais poetas brasileiros contemporâneos.

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ColeÇÃo PoesiA ViVAdistribuição: gratuita, no CCSP e nas bibliotecas municipaistiragem: 500 exemplaressão Paulo, 2011isbn: 978-85-86196-35-5

Prefeitura de são Paulo Gilberto Kassabsecretaria de Cultura Carlos Augusto Calil

Centro Cultural são Paulo | direção Ricardo Resende divisão Administrativa Gilberto Labor e equipe divisão de Curadoria e Programação Alexandra Itacarambi e equipe divisão de Acervo, documentação e Conservação Isis Baldini e equipe divisão de Bibliotecas Waltemir Jango Belli Nalles e equipe divisão de Produção e Apoio a eventos Luciana Mantovani e equipe divisão de informação e Comunicação Durval Lara e equipe divisão de Ação Cultural e educativa Alexandra Itacarambi e equipe Coordenação técnica de Projetos Yone Sassa e equipe 25 Poemas escolhidos pelo autor | Coleção Poesia Viva Autor Armando Freitas Filho Coordenação editorial Claudio Daniel (Curador de Literatura do CCSP) Conselho editorial Heloísa Buarque de Hollanda, Leda Tenório da Mota, Maria Esther Maciel, Antônio Vicente Seraphim Pietroforte e Luiz Costa Lima Projeto Gráfico CCsP Adriane Bertini impressão Gráfica do CCSP

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R. Vergueiro, 1000 / CEP 01504-000Paraíso / São Paulo SP11 3397 [email protected]

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