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Revista Iberoamericana de Educacin/ Revista Ibero-americana de Educao
ISSN: 1681-5653
n. 52/1 10/03/10Organizacin de Estados Iberoamericanos para la Educacin, la Ciencia y la Cultura (OEI)
Organizao dos Estados Iberoa-americanos para a Educao, a Cincia e a Cultura (OEI)
A lngua espanhola entre o portugus e o ucraniano:um estudo sobre a aprendizagem de terceiras lnguas
CIBELE KRAUSE-LEMKEProfesora, Departamento de Letras Universidade Estadual do Centro-Oeste, Brasil
1. Ponto de partida
A aquisio e a aprendizagem1de lnguas tm sido estudadas desde muito tempo e desde vrias
perspectivas. Pode-se afirmar que as teorias que explicam a aquisio de uma segunda lngua ou de uma
lngua estrangeira seguem os mesmos postulados daqueles que explicam a aquisio da lngua materna. A
elas so acrescentadas algumas especificidades ligadas interferncia da lngua materna no processo deaprendizagem de outra lngua, tais como os estudos contrastivos, os estudos da lingustica cognitiva, os
quais direcionam suas pesquisas para o foco na forma e/ou no uso. H, tambm, os estudos que avaliam
questes de motivao como fatores que podem garantir a eficincia, ou no, da aprendizagem de outra
lngua. Cabe ressaltar que, diante do momento histrico em que se vive, das novas relaes sociais que
esto se estabelecendo, h uma limitao nas explicaes destas teorias para a um fato complexo como o
de aprender lnguas.
Neste sentido, o presente artigo, quer contribuir no que tange especificamente ao estudo do
contraste entre lnguas, focalizando questes vinculadas aprendizagem da lngua espanhola como lngua
estrangeira num contexto bilngue portugus-ucraniano, buscando analisar se h influncia das lnguaspresentes no contexto estudado, na aquisio de um sistema lingustico subsequente, neste caso, a lngua
espanhola. Tambm, problematizam-se como questes de ordem cultural, tais como a identidade
lingustica, ou as variedades lingusticas com estatusde mais ou menos prestgio, atuam na aprendizagem
de lnguas.
O termo terceira lngua est sendo usado para caracterizar uma situao bastante comum no
contexto onde foi realizada a pesquisa. Trata-se da regio centro-sul do estado do Paran, Brasil,
colonizada por poloneses e ucranianos, que chegaram a esta regio por volta do ano de 1891. Desde ento,
existe um movimento de preservao de sua cultura, de seus ritos e de suas crenas. Muitas famlias ainda
usam, no caso da etnia ucraniana, a lngua minoritria nas interaes em sua comunidade, prtica quepassa de pais para filhos. O que acontece em decorrncia disto que as crianas, ao iniciarem sua
escolarizao, muitas vezes no tm conhecimento suficiente da lngua portuguesa, necessitando que o
professor ou os seus colegas os ajudem nesta etapa inicial da escolarizao. J no currculo escolar, h
1Embora haja uma ampla discusso no mbito dos estudos da linguagem sobre a aquisio e a aprendizagem de lnguas, nestetexto usarei os dois termos de forma intercambivel por acreditar que ambos os processos compartilham mais traos comuns quepropriamente diferenas.
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insero da lngua espanhola, caracterizando-se, deste modo, como o terceiro sistema lingustico a que
estes estudantes se veem submetidos.
Esta situao, embora comum entre outras lnguas de imigrao, tal como ocorre com o alemo e
seus dialetos e com o italiano na regio Sul do pas, merece ser estudada e conhecida, j que na atualidadeso poucos os estudos que se destinam a pesquisar as diferentes realidades lingusticas do Brasil, fato que
mantm a imagem de um pas monolngue.
Pensando na situao de aprendizagem que se desenvolve naquela regio, delineou-se um estudo
que teve por objetivo entender de que forma as lnguas usadas e ensinadas na escola exerciam influencias
entre si. Para tanto, os objetivos estabelecidos foram os seguintes: a) efetuar um levantamento a respeito de
estudos que tratam da aprendizagem de mais de um sistema lingustico, sobretudo tendo em vista os
estudos atuais sobre multilinguismo; b) verificar, no processo de aquisio do espanhol como terceira lngua
(L3), se os aprendizes recorrem ao sistema lingustico precedente (L1 ou L2); c) analisar em que nveis de
anlise lingustica as transferncias se manifestavam; d) identificar se fatores de ordem cultural e deidentidade lingustica poderiam interferir na produo lingustica de aprendizes de espanhol como L3.
2. A situao lingustica do Brasil e a aprendizagem de terceiras lnguas
Assim como abordado na introduo deste artigo, a aquisio de lnguas estudada j faz algum
tempo, a partir de vrios enfoques e perspectivas. Estas teorias se organizam em torno de concepes sobre
o que uma lngua, sua aquisio, bem como o papel que o sujeito desempenha nesta prtica.
Historicamente, essas teorias so pautadas por modelos, sendo estes os principais: o Condutismo, o
Inatismo e o Scio-construtivismo. O primeiro est baseado em leis de causa e efeito, sendo a repetio omecanismo que permite a aquisio. Neste caso, a criana desempenha um papel passivo no processo, j
que lhe cabe somente imitar o enunciado. O segundo modelo nasce em contraposio ao anterior, atravs
da formulao chomskiana do conceito de gramtica universal. A aquisio no se daria por repetio, nem
por imitao, mas por um mecanismo gentico, capaz de processar o input recebido do contexto. Entram
em jogo, nesta teoria, questes referentes criatividade no uso da linguagem, j que a criana cria
hipteses a respeito da lngua que est aprendendo. A ltima concepo postula que a aquisio se dar
atravs da mediao e pe a centralidade do processo de aquisio na lngua e no outro (algum mais
competente). O foco, neste caso, no se encontra na sentena, mas no dilogo produzido, em interao.
Esta teoria baseia-se, portanto, na concepo de desenvolvimento lingstico, fundada na ao da criana
sobre a lngua.
Sendo assim, acredita-se que nem para adquirir a lngua materna, nem para aprender uma lngua
estrangeira, o aprendiz parte do zero e, se considerada esta perspectiva, no haveria espao para a
pesquisa em linguagem, j que estaria fundada em um ideal monolngue, o que seria uma iluso dada a
realidade lingustica brasileira. Assim, pois, ainda que esteja configurada e se intitule como uma nao
monolingue, tendo o portugus como lngua oficial, funcionam, de forma bastante particulares, inmeras
lnguas e dialetos, entre elas lnguas indgenas, africanas, europeias, asiticas, alm de contar com as
lnguas de contato, nas fronteiras com pases de lngua espanhola (Cf. Guimares, 2005).
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Este contexto bi/multilngue a realidade de vrios estados do Brasil. No Rio Grande do Sul
convivem comunidades de descendentes de alemes e italianos, em sua maioria, e, ainda, comunidades
de franceses e poloneses. Em Santa Catarina prevalecem as imigraes italiana e alem. J no estado do
Paran e em So Paulo, este nmero cresce em nmero de imigrantes e em diversidade de lnguas, pois
so povoados pelas imigraes polonesa, ucraniana, alem, italiana, japonesa, rabe, entre outras.
Tal fato faz com que, especificamente no estado do Paran, haja a aprendizagem de outras lnguas
garantida no currculo escolar e tambm em horrios contra-turno, pois se no o nico, um dos nicos
estados brasileiros que possibilita o acesso gratuito aprendizagem das inmeras lnguas de imigrao
que dele fazem parte, tais como o alemo, o italiano, o polons, o ucraniano, o espanhol, o mandarim,
entre outras.
Neste sentido, a aprendizagem de vrias lnguas possibilita interessantes debates sobre o
funcionamento interno deste processo, e, logo, sobre como as marcas desse funcionamento interno se
manifesta no uso das lnguas, ou seja, em sua prtica. Deste modo, ultrapassada a ideia do condutismo, asteorias posteriores, em sua maioria, postulam a existncia de um mecanismo que possibilita o
desenvolvimento da linguagem e que este desenvolvimento no ocorre de forma isolada, como se fosse
possvel separar as lnguas em aprendizagem ou j aprendidas. As pesquisas em lingustica aplicada, tanto
as que se centram na anlise dos processos cognitivos, quanto as pesquisas sociolingusticas, esto
rediscutindo os fatores de ordem lingustica e cultural e suas implicaes na aprendizagem e no uso das
lnguas, conforme propostas de Hampson & Morris (1995), Christison (2002), Garca (2004), entre outros.
Mais especificamente, o estudo de Fernandes-Bochat (2000; 2006), com aprendizes iniciantes de
lngua francesa, parece revelar que o aprendiz de mais de uma lngua estrangeira usa, inconscientemente,
as regras da lngua precedente de estudo, motivado por fatores de ordem neurolingustica, os quaisexplicam como as lnguas so armazenadas no crebro. Estes conhecimentos anteriores podem ser usados
de forma positiva, quando as lnguas em questo mantm traos comuns ou negativos, quando ocorrem
transferncias de elementos que no so semelhantes entre as lnguas em estudo.
Nesta mesma linha, Mller-Lanc (2001) pesquisou o uso de outras lnguas como facilitadoras do
processo de aquisio de espanhol e italiano por estudantes alemes. Em seu estudo, procurou observar
que estratgias os aprendizes usavam para traduzir determinados textos e completar frases na lngua que
estavam aprendendo, e se os mecanismos utilizados pelos aprendizes estavam baseados em
conhecimentos da lngua anteriormente aprendida. Um dos resultados de seu estudo mostrou que os
aprendizes recorreram lngua que melhor dominavam para resolver questes especficas da tarefaproposta pelo pesquisador, no incluindo, na maioria das vezes, o uso da lngua materna.
A partir destas consideraes, retomam-se as discusses de Brito (2007) sobre a recorrncia
lngua precedente na aprendizagem de uma lngua subsequente. Em seu estudo, a autora faz uma reviso
dos modelos tericos que descrevem a aquisio de terceiras lnguas (L3). Dentre os cinco modelos
apresentados, focalizam-se trs deles, pela pertinncia que apresentam a esta pesquisa, quais sejam: o
Modelo Dinmico de Multilinguismo (Herdina & Jessner, 2002); o Modelo de Fatores (Hufeisen, 2000) e o
Modelo Ecolgico de Multilingualidade (Aronin & Laoire, 2003; 2004).
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A primeira teoria prope a descrio da aprendizagem de mais de uma lngua, tendo em conta as
idiossincrasias do falante. Trata-se de um modelo psicolingustico com implicaes sociolingusticas, j que
considera as variaes lingusticas individuais do falante em relao a um sistema maior o social. Apoiam-
se nos estudos de aquisio de segundas lnguas e do bilinguismo, sendo que sua preocupao est
voltada para dar explicaes globais sobre o fenmeno da aquisio/aprendizagem de lnguas dentro de
um contexto de multilinguismo, neste caso, o individual. Seus autores sustentam que a aquisio de lnguas
em sistemas multilngues no-linear, havendo, pois, interao entre os sistemas j existentes e os em
desenvolvimento.
Conforme Brito (2007, p. 33), os autores se pautam na ideia de que o falante um sistema
psicolingustico complexo, que compreende um sistema lingustico individual. Com isso, procuram criar um
modelo explcito, especificando variveis dependentes e independentes de processo de aquisio. A
iniciativa sugerida por este modelo pode ser, nas palavras dos autores, comparada abordagem ecolgica
aplicada ao bilinguismo, a qual foi iniciada por Haugen (1972). Procuram, com isso, a exemplo do que se
tem conseguido fazer em outras reas cientficas, combater a tendncia ao reducionismo, visto que oprocesso de aquisio/aprendizagem de lnguas caracteriza-se por uma complexidade, advinda de fatores
lingusticos, sociais e individuais, os quais no podem ser ignorados.
Sendo assim, uma das contribuioes deste modelo a forma como consideram os falantes ditos
bilngues, afirmao importante para o estudo em questo, j que no so a juno de dois falantes
monolngues, pelo contrrio, so falantes que desenvolvem um saber complexo a respeito das lnguas e,
alm de integrar conhecimentos ditos puramente lingusticos, tambm incorporam conhecimentos culturais
especficos s lnguas que dominam.
No que se refere ao modelo de Fatores, Hufeisen (apud Brito 2007, pg. 36) explica que este modelobaseia-se na Lingustica Aplicada, a partir da qual o autor descreve os fatores envolvidos na aprendizagem
de mais de uma lngua, e que constituem as seguintes quatro fases: a aquisio da primeira lngua (L1); a
aprendizagem de uma primeira LE2 (L2); a aprendizagem de uma segunda LE (L3); e a aprendizagem de
lnguas estrangeiras subsequentes (Lx). Hufeisen afirma que a cada uma das etapas pelas quais passa o
aprendiz so incorporados subsdios que so agregados na aprendizagem das prximas lnguas. Neste
caso, entra em jogo a afirmao de que nenhum aprendiz inicia o seu processo de aprendizagem do zero,
no sendo considerado inexperiente, j que os conhecimentos prvios das outras lnguas contribuem
decisivamente para a nova etapa. Assim, pois, contemplar os conhecimentos prvios do aprendiz, suas
vivncias lingustico-culturais podem ser viabilizados atravs da criao de materiais adaptados a estas
realidades, bem como com a proposio de polticas educacionais sensveis diversidade lingustica.
O Modelo Ecolgico de Multilingualidade proposto por ARONIN & LAOIRE (2003; 2004) parece ser
um dos mais interessantes e que podem contribuir para a anlise dos dados levantados neste trabalho. Os
autores postulam que uma abordagem multilngue de ensino no pode somente contemplar conhecimentos
estritamente lingusticos, mas tambm conhecimentos culturais que envolvem a identidade do falante,
argumento que se defende neste artigo. Segundo Brito (2007, pg. 37) os autores deste modelo
(...) defendem a dicotomia entre multilinguismo, que se refere situao, e multilingualidade, que dizrespeito aos construtos internos de um nico falante. Esta situao dos construtos internos individual,
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Lngua Estrangeira
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envolvendo no apenas todas as interlnguas j estudadas ou em estudo e nas relaes entre os sistemaslingusticos, mas tambm ligaes e influncias sociais, e grupos de referncia.
Neste sentido, o multilinguismo est, pois, relacionado ao contexto e multilingualidade aos
elementos lingusticos e culturais que formam a identidade do falante. J a referncia ao termo ecolgicoadvm da necessidade de considerar o contexto inerente multilingualidade e as implicaes concernentes
atuao dos indivduos nestes contextos determinados.
Sendo assim, estes trs modelos reafirmam alguns posicionamentos referentes ao
ensino/aprendizagem de lnguas: (i) desconsideram a existncia de um falante monolingue e, em
consequncia, assumem o carter complexo que envolve a aprendizagem de lnguas; (ii) defendem os
subsdios que oferecem as lnguas anteriormente aprendidas no processo de aprendizagem de outras,
descaracterizando, portanto, um aprendiz tabula rasa e, (iii) postulam que, para a aprendizagem de lnguas,
no se deve considerar os dados puramente lingusticos, mas tambm aqueles implicados diretamente ao
sujeito, como o contexto onde aprende, a cultura local e, em consequncia, suas marcas identitrias.
3 O desenvolvimento da pesquisa
Tomando por base, pois, o estudo de ARONIN & LAOIRE (2003; 2004), ao considerar o entorno
multilngue a que pertencem os aprendizes, para a efetivao do estudo foi preciso que se conjugasse: i)
que os estudantes tivessem contato/conhecimento da lngua ucraniana; ii) que estivessem estudando lngua
espanhola h pelo menos um ano letivo.
Dadas estas especificidades, o contexto escolhido foi uma comunidade no interior do estado doParan, dada a significativa presena da etnia ucraniana naquela regio. O estudo compreendeu a
aplicao de um questionrio, com vistas a traar um perfil sociolingustico dos estudantes e da professora,
bem como de suas atividades de ensino. O segundo procedimento compreendeu a realizao de dois
exerccios focados no uso da lngua espanhola (uma atividade de escrita e outra de oralidade). A sala de
aula era composta por 23 estudantes, que tinham entre 17 e 20 anos e cursavam o 3 ano do Ensino Mdio.
As aulas eram ministradas, na maior parte do tempo, em espanhol, mas a professora, que tambm falava
ucraniano, ponderou que usava o portugus e o ucraniano nas interaes com seus alunos, quando
explicava algum contedo ou direcionava o andamento das atividades em sala de aula, bem como para
motiv-los para a aprendizagem da lngua. Neste sentido, observa-se que a lngua de imigrao, alm de
ser um veculo para a comunicao informal, tinha, tambm, seu lugar legitimado nas aulas de lnguaespanhola.
3.1. O que revelam os dados
Para a coleta dos dados, foram realizados dois exerccios: i) num primeiro momento solicitou-se a
transcrio de um texto oral sugerido pela pesquisadora; e ii) aps a atividade de escrita, dois alunos
participaram da gravao de um udio, atravs da leitura de um texto.
Cabe enfatizar que, como a metodologia utilizada pela professora privilegiava a leitura e a
compreenso de textos, direcionando e fundamentando seu trabalho pautado na preparao para o
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vestibular, as prticas lingusticas, tais como a oralidade e a escrita, no eram to desenvolvidas. Os dados
de escrita constituem-se em 23 textos, transcritos pelos alunos, a partir da audio de um texto de ttulo
Malabares para sobrevivir, retirado de um livro de ensino de lngua espanhola para Ensino Mdio. Destes
23 textos, 5 foram escolhidos para anlise3, a partir dos quais se buscaram marcas de transferncia
lingustica e de que lngua estas marcas poderiam advir. J com relao aos dados de oralidade, restrinjo a
anlise a um texto gravado por um aluno do mesmo grupo pesquisado, cujo ttulo era La casa de Neruda,
retirado do mesmo material didtico.
O princpio que fundamenta a anlise de dados a inexistncia de falantes monolngues. Esta
afirmao, assim como descrevem as teorias estudadas, pode ser eficaz para explicar certas transferncias
entre as lnguas bem como a relao entre o uso da lngua e o contexto.
Neste sentido, cabe fazer o seguinte histrico: trata-se de uma comunidade bilngue, sendo que a
maioria dos alunos que participaram da pesquisa aprendeu o portugus e o ucraniano juntos, a partir de
uma determinada idade (entre os 03 e 06 anos); h, tambm, evidncias de que as lnguas funcionamconjuntamente, numa espcie de mistura. Segundo os depoimentos dos alunos, no se sabe bem, no
momento do uso, a fronteira entre uma e outra lngua, funcionando, portanto, como um sistema autnomo.
Tendo em face estas caractersticas do contexto, os dados a seguir revelam que o conhecimento do
portugus o que prevalece na produo lingustica em espanhol, no tendo sido evidenciados, atravs
deste instrumento, relaes de transferncia do ucraniano para o espanhol, como poderia ser esperado. Os
dados a seguir exemplificam de que forma as lnguas entram em contato:
QUADRO 1Marca das transferncias entre lnguas
Enunciado Input Enunciado Output41) Malabares para Sobrevivir La ropa de payaso laeleg porque me queda mejor. Antes trabajaba mscroto. La gente se acostumbr a verme en esta esquina yme trata bien
(1a) Malabares para sobrevivir la roupa de palhao laelegi por que me queda meOor5. Antes trabajava mscroto. La Oente se acostumbr aberme a esta esquina yme trata bien.(1b)Ma labarepara sobrevivi aropa de palhao la ele ripor que me queda me ror. Antes trabalhava masgroto. Lafrentese acostumbro la berme e nesta esquina E me tratabien.(1c)Malavares para sobrevivir la ropa de panhao la e lyporqu me qeda me hor. Antes trabajava ms croto. Larente se acostunvr a verme e nesta esquina e mi tratabien.
Estes dados mostram recorrncias previsveis dos aprendizes, em nvel inicial, lngua precedente,
neste caso, o portugus. So evidenciados principalmente transferncias de ordem fontico/fonolgica,
ortogrfica e morfolgica, o que constituir em uma das respostas aos objetivos da pesquisa sobre os nveis
em que estas transferncias ocorrem. Para a explicao e compreenso da ordem destas transferncias,
3Neste artigo optou-se por apresentar os resultados mais representativos, dada a necessidade de um tratamento mais objetivo dosdados.
4Os grifos so meus.
5
O smbolo que indica apagamento de som.
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no ser usada a tradicional definio de erro, mas de marcas que caracterizam a interlngua6 do
aprendiz.
Assim sendo, estas manifestaes de uma lngua na outra podem ser classificadas em
transferncias de ordem gramatical,ocorrendo nos nveis: fonolgico, ortogrfico, morfolgico, sinttico elxico-semntico. Conforme apontam os dados do Quadro 1 h evidencias de transferncias
fontico/fonolgicas. Os aprendizes, tendo como referncia o texto oral em lngua espanhola,
materializaram, na escrita, o grafema correspondente em sua lngua materna para o som [x], como pode
ser observado em (1b) e (1c). Essas transferncias foram motivadas, pois, pelo som correspondente do
portugus.
J no exemplo de (1a) houve o apagamento do som [x], e em (1c] a correspondncia parece ser
proveniente do [h] aspirado do ingls, como em houseou horse.Atravs deste exemplo, percebe-se que o
aprendiz se utilizou de um conhecimento prvio de outra lngua (o ingls), o que indicia que os
conhecimentos das lnguas previamente aprendidas no ficam isolados, mas se manifestam quando sorequeridos ainda que, neste caso, ela tenha funcionado com uma transferncia negativa, j que falseou a
sua produo em lngua espanhola. Ainda sobre o apagamento de [x] evidenciado em (1a), dentre os textos
escritos pelos alunos, houve uma recorrncia em mais dois deles. Embora no seja um nmero to
expressivo, levantou-se a hiptese de que este som no estivesse sendo reconhecido pelos aprendizes por,
talvez, no fazer parte do conjunto de sons do alfabeto ucraniano. Tal afirmao foi logo descartada por ter
sido encontrado no alfabeto da lngua minoritria a referncia letra X, com som [x], apontando como a sua
correspondente o [h] aspirado do ingls7. No entanto, parece arriscado fazer tal constatao sem um estudo
mais aprofundado.
Em termos de transferncias fontico/fonolgicas, cabe citar, ainda, o uso indiscriminado entre /b/e /v/. Para entender esta transferncia, h que se fazer a seguinte explicao: no portugus o fonema /b/
(p.e. mala[b]ares) se pronuncia de modo diferente se comparado ao fonema /v/ (p.e. trabalha[v]a) . J no
espanhol, embora existam os dois fonemas citados, ambos possuem um som representado por [b] e uma
variao de realizao entre vogais []. Tal especificidade leva os aprendizes a criarem hipteses, s vezes
falsas, com relao escrita de algumas palavras em lngua espanhola, tal como revelam os exemplos
abaixo. J as demais palavras mostram a recorrncia explcita lngua materna, atravs de transferncia
lxica, tal como em /palhao/. No quadro seguinte, passarei a apresentar mais alguns exemplos de
transferncia, a partir da seleo de textos.
QUADRO 2Transferncias da oralidade para a escrita
Enunciado Input Enunciado Output(2) (...) Esto lo aprend hace dos aos ac en la calle.Tena un par de compaeros que haca malabares, megust y arranqu (...).
(2a) Esto lo aprendi a sedosaosaca em lacaie. Teniaum par de compaeros que asiamalabares, me gusto yaranque.
6Interlngua: conceito cunhado inicialmente por SELINKER (1972), que designa as etapas que caracterizam a proficincia do aprendiz deuma determinada lngua. Deste modo, numa fase inicial de aprendizagem as recorrncias lngua materna so frequentes e conformeo aprendiz avana na aprendizagem da lngua estrangeira, estas recorrncias tendem a diminuir e/ou acabar.
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Informao disponvel em
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Com relao aos dados constantes nesta tabela, evidencia-se a transferncia direta entre som
e escrita. A transcrio, neste caso, foi fiel ao input dado. Exemplifica-se tal constatao pela no
sonorizao de /s/ entre vogais, o que tpico do portugus, como em doi[za]anos, o que, pelo contrrio, j
no ocorre em espanhol, tal como se observa na linha 1 de (2a). Outra constatao de que, neste caso, oinputdado pela gravao foi o determinante na produo dos alunos, pode ser conferido pela produo de
calle ca[]e (rua) por (2a) caie.
O segundo conjunto de exemplos diz respeito s variaes ocorridas com o verbo fazer em
espanhol hacer no presente do indicativo hace [ae], o qual foi interpretado pelos alunos como uma
dupla construo, conforme pode ser visto em (2a), linha 1 pela forma: a se, ou ainda como asia(2a), linha 2,
para o verbo em pretrito imperfeito: haca. Este tipo de produo pode ser comum, inclusive, para os
aprendizes em fase de aquisio da lngua espanhola como lngua materna, j que o grafema /h/ no tem
valor fontico. Somente o conhecimento mais aprofundado da lngua, neste caso, poderia impedir tal tipo deproduo. Pode-se concluir, ento, que o desconhecimento do aluno a respeito das palavras em questo
colabora para que os dados da oralidade sejam transferidos para a escrita.
Esta anlise parcial nos encaminha para a validao de alguns conceitos desta pesquisa: o
aprendiz cria hipteses sobre a lngua que est aprendendo, a partir do conhecimento anterior de outras
lnguas. Como se trata de alunos em fase inicial de aprendizagem, estas hipteses so baseadas na lngua
anteriormente aprendida o portugus. Isto funciona, tambm, porque o portugus e o espanhol so
lnguas bastante prximas, o que facilita a comparao entre as duas lnguas, suas estruturas e formas. J o
idioma ucraniano no apresenta correlao alguma direta e/ou indireta em comparao com as estruturasdo portugus e do espanhol, o que tambm no se manifesta na produo em lngua espanhola,
confirmando-se mais uma vez o proposto pelas teorias de L3, no que tange relao de proximidade entre
as lnguas.
No que se refere aos dados provenientes da prtica oral, por se tratar de um grupo de alunos
que possui outras experincias lingusticas, esperava-se que estas viriam tona no momento da produo
em LE. No entanto, os dados evidenciam recorrncia ao portugus, conforme a anlise que se segue.
Os dados revelam que houve a sonorizao de /s/ conforme linhas T1 (1), (2). Tal transferncia
pode ser exemplificada pela palavra [casa]. Na lngua espanhola, embora existam os fonemas /s/ e /z/ em
nenhum contexto se sonorizam, sendo produzidos sempre por [s] ou [], regra que no se aplica ao
portugus, j que h uma variao na sua pronncia na palavra ou, ainda, entre palavras. Neste caso, o
parmetro adotado foi o da lngua portuguesa. J nas linhas de T1 (3) e (6) as palavrashacha ha[t]a
machado e colchn col[t]n colcho so pronunciadas tal qual esto no texto tomado como corpus.
Transcrio 1 (T1)1. La ca[z]a de Neruda2. En m[d]io a la devastin (inc) en su ca[z]a tambin despre[z]ada3. a((l)) go[l] pes de h[]a ((o)) hacen Neruda mue[r]to de cancer mue[r]to de p((i))ena4. su muerte no alcanzaba por ser Neruda hombre de mucho sobriVIvir
5. [v]io los militares la ha ase(/) assasinadolas co[z]as (inc) han (inc) feliz (inc) han
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6. destripado su col[]n y han quemado seusli[v]ros han re[v]entado suas7. lmparas e suasbotellas de co(/)cobres sus [v]a[z]ilhas,(( a)) seuscuadros, suas8. caroules al arregon (arreglo) de pared (/) el ha a[r]ancado el penduro (inc) de su9. MU[lh]er y al retrato de su MU[lh]er ((em)) ha cla[v]ado la boioneta (bayoneta) en un10. o[x]o.
Nas linhas (5), (6) e (7) de T1 no h reconhecimento da pronncia de /v/ no espanhol como [b]
ou [] entre vogais, nas palavras como [b]io; li[b]ros; re[]entado e [b]a[s]illas. J com respeito vibrante
mltipla //, nesta pesquisa a palavra /arrancado/ foi pronunciada como: a[r]ancado (linha 8) vibrante
simples, tendo sofrido influncia da estrutura da lngua minoritria, a qual no estabelece distino entre a
vibrante simples e mltipla. J no portugus, h distino entre [r] e []. Neste sentido, percebe-se que a
lngua estrangeira funciona entre duas lnguas j estruturadas: o portugus e o ucraniano.
4. Concluses:Tendo como foco o ensino da lngua espanhola na regio Centro-Sul do Paran, estudou-se se a
lngua de imigrao e a lngua oficial exerciam influnciana aprendizagem da lngua estrangeira e se isto
contribua positiva ou negativamente para o processo. Em vista disto, foi necessrio averiguar o statusque
cada uma das lnguas ocupava na comunidade pesquisada.
A partir da anlise realizada, foi possvel verificar que, ainda que maioria dos sujeitos da pesquisa
tenha adquirido o ucraniano e o portugus de forma concomitante, entre os trs e seis anos de idade, em
sua atuao na aprendizagem de lngua espanhola, as transferncias advm do portugus, de forma
majoritria. Algumas razes desta concluso se fundamentam no prestgio que o portugus exerce sobre a
lngua de imigrao e o fato de a lngua de imigrao esteja sendo substituda gradativamente pelo
portugus, restringindo-se o seu uso s clulas familiares.
Um critrio iminentemente lingustico impera na atuao destes aprendizes, o que tem a ver com a
proximidade lingustica entre o portugus e o espanhol. As teorias de aquisio de L3 enfatizam tanto a
relao de proximidade entre L2 e L3, quanto o fato da proficincia lingustica na lngua anteriormente
aprendida para justificar certas transferncias de uma lngua para outra, o que foi evidenciado no estudo
em pauta.
Neste sentido, vale ressaltar que este trabalho no pretendeu realizar apenas uma descrio da
transferncia lingustica portugus/espanhol, e levantar pontos de convergncia e de diferena entre aslnguas. Procurou, sobretudo, pensar o fato da transferncia como marcas da identidade e da cultura que
constituem qualquer aprendiz as quais se manifestam no momento do uso de outra lngua, o que de certa
forma pde ser evidenciado pelos dados: h a primazia e a identificao por uma das lnguas usadas no
contexto. No entanto, embora esse no fosse o objetivo, o trabalho acabou ganhando algum contorno
descritivo, o que foi proporcionado pelo tipo e pela qualidade dos dados.
Em vista disto, pode ser ineficaz argumentar sobre a posio que cada uma das lnguas ocupa no
contexto, se antes as suas prticas no forem legitimadas pelos seus usurios. Em outras palavras, h
evidncias de que a reflexo sobre as lnguas ocorre de forma estanque, sem fazer relao entre estruturas,
entre sentidos, entre formas de dizer. Obviamente, tal procedimento no reflete a distncia ou a
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aproximao entre as lnguas, mas a forma como o sujeito-professor e o sujeito-aluno estabelece sua
relao com a linguagem. Transformam cada uma das lnguas em blocos monossmicos e, portanto,
fechadas em si mesmas.
Deste modo, a argumentao recai sobre o aprendiz e sobre o aprender lnguas na escola. Oaprender lnguas ou ser um aprendiz mais eficiente no est ligado somente ao que une ou distancia a
estrutura das lnguas pois o foco no pode estar somente nos dados observveis. Assim, nem o critrio
puramente lingustico, nem o critrio instrucional podem dar explicaes precisas s interferncias. No
entanto, essas explicaes podem ser eficazes, pois ajudam a trazer estes elementos tona, mas no
justificam fracassos, desistncias e o medo de aprender lnguas. O que vai definir isto a prpria
aproximao e a implicao do sujeito lngua que aprende.
Para subsidiar este argumento, vale citar este texto tomado de TAUBORET-KELLER (1989), sobre o
conflito de um falante de francs ao aprender o alemo:
(...) No conhecendo, evidentemente, nenhuma dificuldade de pronuncia em francs, K. vivenciava esta lnguacomo adaptada a sua boca, e, portanto, prxima de seu corpo. Em alemo, as dificuldades de pronunciaacentuavam a identidade estrangeira dessa lngua, heterognea na boca e no corpo. Era como se fossepreciso forar a boca para falar. (. ..) O francs no tinha sido para ele no inicio de sua escolaridade a lngua deensino ou um objeto de estudo, o que faria emergir sua materialidade e sua exterioridade enquanto lngua,atravs disto, sua distncia com relao ao assunto. Ao contrrio, o alemo como lngua a aprender tinhaapresentado de imediato, estas duas caractersticas: se apresentou primeiramente em sua materialidadefontica, em seguida, se revelou como sistema, com suas regras gramaticais e em seu desdobramento lexical.(...) o alemo, que era impossvel no ouvir, estava fora dele, se deslocando longe dele. Em francs tinha aimpresso de estar na origem de sua fala e de impor seu querer-dizer; em alemo, devia submeter seuquerer-dizer s regras de um dizer estrangeiro (...). (Op. Cit, p. 258)
neste momento que se torna importante um dos dados da pesquisa, coletados via questionrio,
sobre a dificuldade apontada pelos aprendizes em falar a lngua espanhola. Este conflito nunca pacfico
entre a aprendizagem de lnguas, exposto no caso acima e, tambm, denunciado pelos participantes da
pesquisa com respeito s suas dificuldades em aprender espanhol, se materializam nos dados analisados
e se solidificam pelo argumento de que no s a estrutura das lnguas define o sucesso ou no na sua
aprendizagem, mas o prprio engajamento subjetivo do sujeito lngua que aprende. A lngua, muitas
vezes, alm de ser estranha na forma, tambm estranha na boca, pois se revela como algo exterior ao
aprendiz.
Deste argumento advm duas importantes implicaes pedaggicas, as quais devem funcionar na
modalidade de interveno: i) a preparao de professores para o trabalho em realidades multilngues, e
que esta formao contemple aspectos especficos sobre as lnguas e as culturas existentes no contexto de
sua atuao. A partir destes conhecimentos, seria possvel construir um engajamento subjetivo e possibilitar
o encontro fundamental entre lngua, cultura e sujeito; e ii) criao de polticas lingusticas,currculaescolares
e de materiais didticos que contemplem as diferentes realidades. Assim, pois, no h como conceber um
planejamento educacional sem considerar o entorno lingustico, social e cultural dessas comunidades.
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A lngua espanhola entre o portugus e o ucraniano...
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ANEXONormas adotadas para a transcrio dos dados:
Sinal Ocorrncia
(( )) Falante acrescenta fonemas aleatoriamente> < Indica texto de fala mais rpida
MAISCULA Acentuao na slaba(/) Hesitaes
(inc)[ ]( )
itlico
Incompreensvel Representao fontica do som Esclarecimentos sobre a transcrio Palavras em portugus