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    APONTAMENTOS SOBRE ODESPERTAR DA ASSISTNCIA

    PSIQUITRICA NACIONAL

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    Apontamentos sobre o despertar da assistncia psiquitrica nacional

    123Teor. Pol. e Soc. v.1, n.1, p.123-130, dez. 2008

    APONTAMENTOS SOBRE O DESPERTAR DA ASSISTNCIA PSIQUITRICANACIONAL

    Patrcia Barreto Cavalcanti*

    RESUMO *PATRCIA BARRETO CAVALCANTI Doutora em Servio Social, Poltica Sociale Movimentos Sociais pela PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo,professora do Programa de Ps-graduao em Servio Social e integrantedo SEPSASS da Universidade Federal daParaba.

    Palavras-chave:

    Pretende-se, a seguir, reconstruir, ainda que sucintamente, oquadro evolutivo sobre a assistncia psiquitrica. A questoda assistncia psiquitrica extremamente problemtica noBrasil desde sua origem, apesar das inovaes e conquistasobservadas nas ltimas dcadas. Neste estudo, constatamosa inoperncia governamental em relao aos problemasdessa rea e o uso de mtodos antiquados no tratamento

    dado ao doente mental. Constatamos, ainda, que, na sademental brasileira, j marcada pela crtica elementar dasuperlotao e ineficincia dos hospcios, d-se por volta de1978 a organizao incipiente de um novo olhar sobre aassistncia psiquitrica, fomentando-se, a partir de ento,no Brasil, a crtica no apenas situao estrutural domanicmio, mas tambm e principalmente ao discursoautoritrio do saber/prtica da psiquiatria.

    Assistncia psiquitrica. Inoperncia governamental. Antiquados.

    Pautadas na recluso e no confinamento pordcadas a fio, as doenas mentais e seusportadores, s a partir da dcada de 70,

    passaram a ter uma ao mais sistemtica porparte do Estado brasileiro, via Ministrio daSade.

    At ento, as aes assistenciaispsiquitricas operacionalizavam-se de modofugaz, com base em interesses conjunturais,sem um planejamento prvio, abrangente, edialogado com as demais diretrizes das Polticasde Sade adotadas.

    Fundamentadas basicamente no modeloassistencial privatista, as polticas de sadebrasileiras traduziram, at meados da dcadade 70, a dinmica scio-econmica e,principalmente, poltica, que configuravaaqueles anos. O quadro at ento marcado poruma tendncia crescente em investimentos eequipamentos privados, expressa, no campo dasade mental, em particular, um movimentodiverso.

    A assistncia mdico-psiquitricapblica, at aquele perodo, restringia-se aodoente mental indigente, era maciamente debase curativa e no preventiva, utilizando-sede macro-hospitais erguidos no incio do sculo,os quais incorporavam, alm da funo detratar os doentes mentais diagnosticados, ade abrigar outros segmentos excludos docotidiano social, tais como idososdesamparados, mendigos, ou seja, a massamarginalizada e excluda do sistema scio-

    econmico vigente.

    OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DA ASSIS-TNCIA PSIQUITRICA PBLICA NACIONAL

    O quadro da assistncia psiquitricabrasileira tem se caracterizado historicamentepor aes desarticuladas com o conjunto daspolticas de sade adotadas ao longo dos anos,embora tenha seguido as diretrizes traadaspelas mesmas.

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    Marcada profundamente pelo modelomdico-assistencial hospitalocntrico ecronificador desde a sua gnese, a assistncia

    psiquitrica pblica nacional nunca seconstituiu concretamente em prioridade, noquadro mais amplo da sade pblica.

    As atenes estatais sempre se voltaramconjunturalmente para o campo psiquitrico,quando interessava manuteno do status qoutilizar-se das formas de controle, digamos maissutis, e, no caso da assistncia psiquitrica, esseprocesso foi cclico e bem evidente.

    Partindo de uma viso histrica, observa-se que a emergncia de uma nova ordem social,que ora se instalava no Brasil, no incio do sculoXIX1 , imps aos doentes mentais uma outradinmica na vida social que, at ento,caracterizava-se por certa tolerncia social faceaos indivduos desvirtuantes.

    A partir do perodo supra citado e comtoda a influncia europia no trato de questesdessa natureza, verifica-se o confinamento dosdesviantes e o princpio da instalao daideologia manicomial no pas. O processo deinstitucionalizao do louco nacional no sediferenciou muito dos processos europeus nos

    quais a mendicncia, o abandono e a ociosidadeeram colocados numa mesma rede de aspectosque, sem apontar diferenciaes, adotavammedidas e formas de controle social.

    Entretanto, convm ressaltar que,embora a manifestao da loucura, no Brasil,e as medidas adotadas pelo Estado paracontrol-la tenham sido desdobramentos dasmudanas estruturais do sculo XIX, observa-se peculiaridades no locus nacional. Comoafirma Resende, (1987, p. 30).

    no Brasil, o doente mental faz suaapario na cena das cidades,igualmente em meio a um contexto dedesordem e ameaa paz social, masdiferentemente do que se observou naEuropa, em plena vigncia dasociedade rural pr-capitalista, tradi-cionalmente pouco discriminativa paraa diferena. Ou seja, aquelas condi-es classicamente invocadas como

    determinantes de um corte a partir doqual o insano se torna um pro-

    blema[...]

    - a industrializao, a urbanizao maciae suas conseqncias e que levaram muitosautores do sculo passado a admitir a doenamental como corolrio inevitvel doprogresso, ainda no se tinha instalado noBrasil, e j a circulao de doentes pelas cidadespedia providncias das autoridades( idid).

    Pautado nesse cenrio, o misto de loucurae inadaptao ao modo-de-produo que seinstalava no pas fez surgirem, como respostasinstitucionais, paulatinamente, os grandes

    hospcios, de base cronificante e excludenteque, instalados num contexto de profundasmodificaes scio-polticas e econmicas,tinham, em suma, como funo remover todosos desadaptados que at entoperambulavam pelas cidades, sem grandesaspiraes de trat-los terapeuticamente.2

    O hospital psiquitrico emerge, ento,como instituio apta e formalmente legitima-da para segregar o que Caio Prado Jniordenomina de populao errante dos margi-

    nalizados das cidades.Multiplicaram-se no pas os macro-hospitais psiquitricos, localizadosgeograficamente distante das grandes cidades,e que se caracterizavam muito mais comomorredouros do que como locus teraputicos.Essa situao em torno da assistnciapsiquitrica ir perdurar at a Proclamao daRepblica, quando se verifica, de certa maneira,um marco divisrio entre o que os estudiososdenominam de psiquiatra emprica e psiquiatriacientfica.3Tal diferenciao pode ser observada

    inicialmente a partir da tomada de poder

    1 Refiro-me ao processo de urbanizao das grandes cidadesbrasileiras, no qual a ameaa paz social gerou processossegregadores institucionalizados.

    2 Para maior aprofundamento, consultar: Foucault, Michel.Histria da loucura. So Paulo, Perspectiva. 1978. SZASZ,Thomas S., A fabricao da loucura. Um estudo comparativoentre a Inquisio e o Movimento de Sade Mental. Rio deJaneiro, Zahar Editores, 1978.

    3 Salientamos que, nesse perodo inicial, os serviospsiquitricos restringiam-se ao atendimento hospitalar, derecluso, o qual s ir sofrer modificaes a partir dodesenvolvimento da medicina no Brasil e entrada de novastcnicas teraputicas.

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    implementada pelo corporativismo mdico dasfiguras de Osvaldo Cruz e Juliano Moreira, quesimbolizavam, naquele perodo, a sobreposio

    do saber mdico, face aos demais segmentos(tais como a igreja, as entidades filantrpicasetc.) que at ento se ocupavam do controledos doentes mentais e de suas enfermidades.

    Tal processo de reforo s aescurativas e no preventivas, no tocante aobinmio sade/doena mental, ir caracterizaras dcadas que se seguiram num reflexo para atendncia do Estado brasileiro em no investirem aes preventivistas no campo da sade deum modo geral.

    Essa configurao ir acompanhar aevoluo da assistncia psiquitrica por mais de200 anos, a qual se expressar historicamenteatravs de aes esparsas e desconectadas comas polticas de sade adotadas ao longo dos anosno Brasil, colocando-se no enquanto polticasocial4 voltada para atender aos segmentos dapopulao que necessita de serviosespecializados na preveno e no tratamentodas doenas mentais, mas sim, como um lequede programas isolados de pequena extenso decobertura, operacionalizados basicamente numconjunto de hospitais pblicos ou conveniados,que se assemelham a depsitos humanos.

    A ASSISTNCIA SADE MENTAL DOS ANOS 60 DCADA DE 90

    A questo da assistncia psiquitricapblica se utilizou dos mecanismos hospitalaresfundamentalmente at os anos 60, contandocom uma insuficiente rede ambulatorial que

    no conseguia filtrar os usurios que realmentenecessitavam de internao.

    A dcada de 60 inaugura, nessa rea dasade, novas proposies, cuja base era ainfluncia americana, que se pautava, primeiro,

    num deslocamento do objeto da prticapsiquitrica (ao invs da doena, centrar o focode ateno na sade mental), seguida de um

    projeto preventivista reformulador daassistncia psiquitrica experienciada at omomento. Tal influncia ir ser sentida nasformulaes das polticas de sade da dcadamencionada, por toda a Amrica Latina,particularmente na reduo dos gastos para area, assim como na tnica privatizante queimperava no interior dos governos nacionais.

    justamente aps o golpe militar de 64,deflagrado pelos militares, que se verifica, nopas, a ruptura com a referida psiquiatria diluda

    e amorfa e se comeam a perceber indcios deuma formulao mais articulada dos programasde assistncia psiquitrica no conjunto daspolticas de sade.

    Trata-se de um movimento difuso e, decerta forma, contrrio aos pressupostos quepairavam na conjuntura autoritria everticalizada, que envolvia a poltica de sadeda poca. Entretanto, para um analista maisatento, torna-se claro o interesse do Estado eminjetar recursos de toda ordem numa rea torelegada historicamente ao papel decoadjuvante, como o era a sade mental.

    Num cenrio que se ordenava pelarepresso explcita e pela necessidade dereforar o controle social, aquele modelo deassistncia psiquitrica, embora precrio,arcaico e convencional, duramente criticadopela moral do senso comum, poderia significarum vis a ser explorado, a partir de algunsajustes de sua estrutura interna.

    No mera coincidncia que nessa fasemilitarista que o Estado brasileiro passa a

    investir mais recursos na rede de assistnciapsiquitrica, inclusive com sua expanso. Seufoco de cobertura tambm ampliado, e seusprogramas passam a atender prioritariamenteaos trabalhadores e a seus dependentes.

    Entretanto alguns impasses socolocados. Como no havia uma rede de serviospblicos consolidada no campo psiquitrico, osgovernos que se sucederam at 1964 passarama exercer com maior eficcia a ideologiaprivatista ( qual nos referimos anteriormente),

    4 A viso de Poltica Social ora utilizada concebida comouma estratgia governamental e normalmente se exibe emforma de relaes jurdicas e polticas, no podendo sercompreendida por si mesma. (Vieira, 1992, p. 22)

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    em que permeavam as polticas de sade atento, realizando convnios junto a hospitaispsiquitricos e clnicas privadas ou subsidiandoa construo de outros tantos.

    Paralelamente, so eregidos os primeirosambulatrios semi-especializados nas demaiscapitais do pas, com equipes treinadas, e quepassaram a funcionar como canal de drenagempara as internaes, numa tentativa deestabelecer uma organicidade na rea.

    Esse primeiro qinqnio ps-golpeapresenta claramente o privilgio que dado funo produtiva da psiquiatria, e a maior provadesse fato a presena de vrios represen-

    tantes dos hospitais psiquitricos privadosentre os tcnicos do Ministrio da Sade.

    Esse caminho que se expressadubiamente, ora incentivando a privatizao narea, ora respondendo s insatisfaes dosprofissionais de maior criticidade, atravs doaumento dos servios pblicos, indica certo jogode foras no interior da assistncia psiquitrica.Somando-se a esses fatos, vrios estudos sorealizados, principalmente, no locus acadmico,demonstrando que a base em que eram

    calcadas essas reformulaes da rea estavacontrria ao que se esperava, incentivando ocrescimento absurdo dos ndices de internaese sua durao.

    Bezerra Jr. (1994, p. 175) sintetiza esseperodo com muita propriedade, quando colocaque o quadro da assistncia do pas eralamentvel. Resumia-se aos ambulatrios daPrevidncia, aos macro-hospitais do Ministrioda Sade, no Rio, aos asilos das SecretariasEstaduais de Sade e s inmeras clnicas

    privadas conveniadas, de modo geral,superlotadas, e com alto grau de mortalidade.Nos ambulatrios, repetiam-se, em tomdiferente, os mesmos processos de cronificaoe o uso excessivo de medicamentos. Emborahouvesse, desde os anos 60, uma poltica oficialde sade mental, inspirada no preventivismo econsubstanciada em diversos documentos quedeterminavam uma rede assistencial ampla,integrada e com recursos mltiplos, no haviaefetiva preocupao com o setor.

    Em razo disso, as crticas se avolumamentre os profissionais e a populao usuria emgeral. So crticas que, num momento crescente,

    comeam a aparecer, embora ainda discreta-mente, na mdia brasileira.

    A situao chegou sua insusten-tabilidade, quando se intensificaram as denn-cias contra o favorecimento do que passou aser conhecido como a indstria da loucura,partida de amplos setores da sociedade civil,mas precisamente de representantes da reada sade mental no pas. Cobravam, em suma,mais eficincia do sistema, que condenavamcomo dispendioso e cronificador. (Resende,

    1987, p. 62)Em meados dos anos 70, so claras as

    investidas do regime autoritrio em se legitimarfrente aos vrios setores da sociedade, atporque, no campo psiquitrico, comea-se averificar que o perfil da sua demanda vem semodificando paulatinamente. Se, at os anos60, a falta de usurios consistia basicamente nossegmentos margem do sistema produtivo, nametade da dcada de 70, esse quadro vemexpressar outra realidade. Agora so ostrabalhadores quem mais adoece e, antes deserem mecanicistas, observa-se uma claravinculao entre a conjuntura poltico-econmica daquele momento, com oagravamento da sade mental dos trabalha-dores.

    Essas circunstncias iro produzir algunsefeitos em torno da assistncia at entoprestada.

    Por um lado, os setores mais progres-sistas que atuavam junto sade pblicanacional, seja nas instituies e nos servios de

    sade, ou mesmo nas universidades, iniciamuma discusso mais profunda e ampla sobre osrumos da sade mental no pas. Evidencia-se,nesse momento histrico, o surgimento dealgumas sementes em torno da ReformaSanitria Brasileira, e no seu interior insurge odebate acerca da Reforma Psiquitrica .

    Por outro lado, ocorreu a entrada, noMinistrio da Sade, de vrios tcnicos docampo da sade mental oriundos dessessegmentos mais reflexivos do campo

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    psiquitrico, crticos incontestveis do modeloasilar e cronificador. Porm essa euforia, quecaracterizou esse perodo no interior das

    instncias psiquitricas pblicas, foirapidamente diluda em meio crise econmicaque o pas vivenciava.

    A esse respeito, Resende (1987, p. 66)afirma que o ano de 1974 veio marcar o fimdesse perodo de relativa prioridade dada psiquiatria. Ele explica: os anos do milagreeconmico, dado o desgaste a que foisubmetida a fora de trabalho (traduzido pelaqueda do poder de compra do salrio mnimo,aumento do nmero de horas trabalhadas,

    crescimento vertiginoso de acidentes detrabalho, etc...), deixaram um saldo dedeteriorao das condies de vida dostrabalhadores e das classes populares em geral,evidenciando, ao nvel dos indicadores desade, por crescimento dos padres demorbidade e mortalidade infantil, aumento naincidncia de casos de tuberculose e doenascrnico-degenerativas.

    Com esse quadro conjuntural, as aespsiquitricas perderam relevncia, voltando posio de rea coadjuvante no cenrio da sade

    pblica. Esse refluxo pode ser observado nareduo drstica de gastos com sade mental,quando comparada assistncia mdica maisgeral.

    O panorama, nesse sentido, s ir sofreralteraes significativas ao final da dcada de70 e por toda a dcada de 80, tendo comocontraponto uma nova feio conjuntural,marcada pela crescente efervescncia poltica,resultante das presses populares face aoesgotado regime autoritrio. Emergem, na cenapoltica brasileira, nesse perodo, novos atores

    sociais, novas e heterogneas configuraes deforas, esboando-se no pas uma rede depossibilidades em torno da participao poltica.

    Simultaneamente, na rea da sade, essadinmica tambm sentida, no surgimento devrios focos organizativos que abrigam umaleitura crtica da realidade brasileira naquelemomento, alm de servirem de locus ondecomeam a ser novamente sistematizadasduras crticas ao sistema de sade at entoadotado, propondo-se alternativas no

    enfrentamento das questes em torno daassistncia sanitria.

    um perodo bastante denso, frtil e, no

    campo da sade, ir contribuir para o esboo dachamada Reforma Sanitria, a qual contemplavaum planejamento amplo no trato da sade,estabelecendo um dilogo com as dimensestica, poltica, econmica, tcnica, social ecultural.

    Na esfera da assistncia psiquitrica, apartir de 1978, germina, em meio a essesmovimentos que percorrem o campo da sadenacional, uma proposta ampla de reformapsiquitrica, originria num instante inicial dos

    debates acadmicos acerca da medicina social,particularmente nos cursos de ps-graduao,mas que se constitua em reflexo direto do quehavia sido tentado pelos tcnicos maisprogressistas em anos anteriores.

    O conjunto de crticas cultivado nesseperodo (fins de 1978 e meados dos anos 80)ganha uma dimenso ainda maior, quando sereiniciam processos de denncias a respeito dasituao degradvel do sistema psiquitricobrasileiro, sua natureza cronificadora e autilizao de recursos teraputicos que, antes

    de ser convencionais, assemelhavam-se mais aaes primitivas e violentas.

    No rol das denncias, e tendo comoaspecto circundante o debate em torno dademocratizao dos servios de sade no pas,ocorre um fato histrico importante e que levaa uma divulgao mais ampla a situao da redepsiquitrica nacional.

    A chamada crise da DINSAM (DivisoNacional de Sade Mental/MS), resultante detodo esse perodo de questionamentos,constituiu-se no pice do movimento em prol

    de mudanas e se expressou na demissosumria de tcnicos do Ministrio,principalmente aqueles burocratas queatuavam na fiscalizao e no ordenamento doshospitais psiquitricos ligados ao rgo.

    Como refora Bezerra Jr: (1994, p. 176),

    esse fato impulsiona a busca de novasalternativas para a rea, j que apresso exercida pelos setores pro-gressistas do campo psiquitrico foito bem sucedida que extrapolou a

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    simples denncia, atingindo umaestrutura estatal que funcionava comolegitimador do modelo asilar perpe-tuado por longo perodo. Expor aDINSAM significou a confirmao demuitas das denncias realizadas,afinal, a DINSAM era o rgo federalresponsvel pela assistnciapsiquitrica em todo o pas. O alvo dascrticas era o governo central e suapoltica de sade. A violncia e odescaso em relao aos pacientesinternados tornam-se exemplificaoextremada da natureza inaceitvel do

    regime

    As conseqncias que tal momento gerouso observadas na mudana do carter doscongressos de psiquiatria que se sucederam,formao de grupos institucionais para discutiros problemas da rea, aproximao einterlocuo dos ncleos estaduais de sademental, redirecionamento do vetor terico que,at ento, embasava os procedimentos na reapsiquitrica e, no contraponto, o incio de umaproduo cientfica mais consistente em mbitonacional acerca das questes circulares sademental.

    A dcada de 80 veio reforar o processo

    j iniciado, devido, principalmente, ao quadroconjuntural que ela expressou. Como vimosanteriormente, nos anos 80 que o pas, nocampo da sade, vivencia a construo de ummodelo nico e descentralizado de sade, soba via da reforma sanitria.

    Por outro lado, o crescimento daorganizao da sociedade civil visvel atravsdos inmeros movimentos sociais, colocandonovas demandas e a necessidade de formasmais democrticas de respond-las. No mbito

    da assistncia psiquitrica, o arcaico e ineficazmodelo hospitalocntrico, linha mestra dosprogramas do Ministrio da Sade, passa aconviver com toda essa gama de discusses,sem, entretanto, perder (ainda) lugar dedestaque nas proposies para a rea.

    No interior dos servios psiquitricos dasesferas municipal, estadual e federal, o nvelde criticidade se avoluma sem interferir nasformulaes dos programas e projetosgestados. No entanto, essa dinmica, embora

    contraditria, ir provocar novos avanos nolocus da assistncia psiquitrica. A organizaodos profissionais na rea de sade mental ganhamaior nitidez devido ao surgimento doMovimento dos Trabalhadores de Sade Mentale, a posteriori, a criao do Plenrio dosTrabalhadores em Sade Mental, que seconstituam, antes de tudo, em fruns deaprofundamento das questes pertinentes rea.

    O movimento passa a ter maiorvisibilidade junto populao usuria e, emparalelo, experincias alternativas no trato dasade/doena mental so operacionalizadas no

    interior dos servios.A esse respeito, Bezerra Jr. (1994, p. 178)

    acrescenta que,

    os servios onde essas experinciastinham lugar passaram a atrairprogressivamente estudantes, novosprofissionais e professores interes-sados em encontrar, fora do estagnadomundo da academia, o movimento, ainquietao, a inovao. Foram sendocriados cursos de extenso eespecializao para profissionais dediversas reas, voltados para aformao de recursos humanos aptosa enfrentar os desafios que arealidade asilar impe... Este umponto seguramente dos mais impor-tantes na trajetria da reforma psiqui-

    trica no pas nessa dcada.

    A segunda metade da dcada de 80, almde, no espectro mais amplo, abrigarincontestveis avanos no plano polticonacional, ir configurar de modo mais especficoa consolidao do movimento organizativo emtorno da reforma psiquitrica brasileira.

    H que se ressaltar, no entanto, que oconfronto entre o reformismo e as forasprogressistas mais explicitado nesse perodo.O crescimento do movimento em torno demudanas drsticas no campo psiquitricogerou, por outro lado, investidas aglutinadas emais contundentes de setores representantesda iniciativa privada. Modificar o modelo oficialhospitalocntrico significa reduzirconsideravelmente o papel dos hospitais

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    conveniados para a assistncia psiquitricapropalada pelo Estado.

    Nessa arena conflitante, ocorre, em 1987,

    a I Conferncia Nacional de Sade Mental, emfuno de recomendaes postas na histricaVIII Conferncia Nacional de Sade, tendo comobalano final um condensado de proposiesavanadas, mas que inexpressivas repercussesiro ter no interior da assistncia psiquitricaestatal.

    A incapacidade de constituir mecanismosde presso mais contundentes fez com que ossetores envolvidos com a reforma psiquitrica,protagonistas potenciais do Movimento dos

    Trabalhadores da Sade Mental, refletissemnovas estratgias no jogo poltico travado nocampo psiquitrico.

    A mudana de eixo no interior domovimento fez com que o dilogo dessessegmentos com a populao usuria fosseampliado. A partir de ento, passa-se a lutar poruma sociedade sem manicmio, deixando derestringir o movimento ao campo mdico-assistencial e aos servios assistenciais. Atransformao destas teria que ser percebidade uma discusso mais abrangente e dialogadacom outros saberes.

    A modificao da assistncia psiquitricaseria conseqncia de mudanas maisprofundas nos modos como so postas egestadas as polticas sociais de modo geral. Erano plano poltico que a aglutinao das forasprogressistas teria que centrar seus esforos.Nessa dimenso, ocorria o embate maior, e asreformas (tanto da sade, quanto da assistnciapsiquitrica) seriam produtos decorrentes.

    Essa percepo, fruto do amadurecimento

    de grande parte dos profissionais da rea, mudasuas diretrizes no interior dos servios, nasuniversidades, nas entidades representativasda sociedade civil. A partir de ento, convenci-dos dos limites da interveno no nvel dasmacropolticas e no interior de instituiescronificadas, os profissionais passam a difundiruma discusso mais ampla, envolvendo desdea questo jurdica que cerca os psiquiatrizados,at as condies necessrias para a preservaoda sade mental.

    , ento, em 1989, que o processocomplexo da chamada Reforma Psiquitricaparece finalizar um primeiro ciclo, o das

    definies. A dcada seguinte (90) ir configurarlutas pela operacionalizao das conquistascontidas no Programa de Descentralizao daAssistncia Psiquitrica, elaborado em fins de1987, mas sem ter repercusses em nvelprtico. No plano jurdico, tambm ocorremmudanas significativas, em 1989. O chamadoProjeto Paulo Delgado, no qual soregulamentados os direitos dos pacientespsiquitricos, tambm regula a expanso doaparato manicomial.

    A dcada de 90 confere uma agendamultifacetada no plano assistencialpsiquitrico. O desgaste do SUS, em particular,aliado investida da poltica econmica neo-liberal que se espraia no pas, e o desmontegradativo das polticas sociais, em geral, comoconseqncia da reduo do Estado no trato dasquestes sociais, desenham um quadrodesanimador na rea dos servios psiquitricos.Verifica-se, nesses primeiros anos da dcada,uma reedio de processos anteriores,marcados por avanos e retrocessos queimperam na rede de assistncia sade mental.

    Constatam-se, por fim, parcasperspectivas de avanos, s conferidas sformas de presso dos setores mais crticos darea que, atravs dos movimentosanteriormente mencionados, continuambuscando uma definio concreta de umaPoltica de Sade Mental para o pas.

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    The aim of this study is to reconstruct, even if briefly, the evolutionary table aboutpsychiatric assistance. The psychiatric assistance matter is extremely challenging inBrazil since its origin, despite the innovations and achievements observed through the

    last decades. In this study, we verify the lack of initiative from the government towardsthe psychiatric matter, as well as the use of out-of-date methods in the treatment receivedby the carriers of mental diseases. In the Brazilian mental health, already marked forcritical elementary of the to overcrowd room and the inefficiency of the hospices, it isgiven for 1978 rollback the incipient organization of a new to look at on the Brazilianpsychiatric assistance, where from now on, it is gone to foment in Brazil, the critical onenot only to the structural situation of the lunatic asylum, but also and mainly to theauthoritarian speech of erudition/power of psychiatry.

    Psychiatric assistanc. Initiative government. Received.

    ABSTRACT

    REFERNCIAS

    AMARANTE, Paulo D. C. Cidadania, SistemasSociais de Sade e Reforma Psiquitrica. Atrajetria do pensamento crtico em sademental no Brasil: Planejamento nadesconstruo do aparato manicomial. In:Anais do Encontro Sade Mental e Cidadaniano Contexto dos Sistemas Locais de Sade.Hucitec. So Paulo, 1992.

    BEZERRA JR., Benilton. Consideraes sobreteraputicas ambulatoriais em Sade Mental.In: TUNDIS, Silvrio Almeida e COSTA, Wilsondo Rosrio (org.). Cidadania e Loucura.Polticas de Sade Mental no Brasil.Petrpolis, Vozes, 1987.

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