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EÇA DE QUEIRÓS: UM ELO ESQUECIDO NO MODERNISMO BRASILEIRO * Mônica Pimenta Velloso ** Fundação Casa de Rui Barbosa – FCRB [email protected] RESUMO: Dialogando com um corpo complexo de tradições culturais, atuando em distintas temporalidades e espacialidades e também expressando formas diferenciadas de intervenção social, o movimento modernista brasileiro, requer, na área de estudos históricos, novas chaves interpretativas. Esse é o objetivo do presente ensaio que busca analisar a influência de Eça de Queirós sobre a geração dos cronistas e caricaturistas, reunidos em torno da revista D. Quixote (1917-27). Correspondente do Brasil em Paris, o escritor português exerceu o papel de verdadeiro atualizador cultural, através dos seus artigos na Gazeta de Noticias, comentando e traduzindo os últimos acontecimentos do cenário internacional. Mostra-se que os escritos jornalísticos de Eça de Queirós exerceram sensível influência não só no estilo e gênero da escrita brasileiros, mas também na percepção satírico- humorística da narrativa histórica. ABSTRACT: Etablir un dialogue sur um corps complexe de traditions culturelles, actuant sur differentes temporalittes et spacialités et expressant aussi des formes differencies intervention sociale, le mouvement moderniste bresilien, exige, sur le champ des études historiques, de nouvelles cles interpretatives. Tel est objectif du present article qui cherche analyser la influence de Eça de Queirós sur la generation des journalistes et caricaturistes reunis autour de la revue D. Quixote (1917-27). Correspondant du Brésil en Paris, l ecrivain portugais a joué un role d actualisateur culturel, a travers de ses articles dans le journal Gazeta de Notícias, em commentant et traduisant les derniers evenements du panorama international. On verra que les ecrits journalistiques de Eça de Queirós vont exercer une influence importante non seulement sur le style et le genre de le ecriture bresilienne mais aussi dans la perception satyrico- humoristique (dans) le recit historique. PALAVRAS-CHAVE: intelectuais e cultura modernista – Eça de Queirós – História da imprensa MOTS-CLES: intellectuels et culture moderniste – Eça de Queirós – Histoire de la presse * Essa temática foi abordada por mim, em versão preliminar, no artigo Racines ibériques du modernisme brésilien: Eça de Queirós et Cervantes au crible des modernistes cariocas, publicado em Lusotopie: enjeux contemporain dans les espaces lusophones. Paris: Karthala, 1998, p. 113-142. O presente ensaio apresenta uma nova versão desse artigo. ** Mônica Pimenta Velloso é Doutora em História social pela USP, pesquisadora do Cnpq, da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), especializando-se na história cultural da Primeira República e nos estudos sobre o modernismo e história da cultura carioca. Dentre as suas publicações destacam-se A cultura das ruas no Rio de Janeiro: mediações, linguagens e espaços (Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2004), O modernismo no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996) e Mário Lago: boemia e política (Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1997).

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  • EA DE QUEIRS: UM ELO ESQUECIDO NO MODERNISMO BRASILEIRO*

    Mnica Pimenta Velloso**

    Fundao Casa de Rui Barbosa FCRB [email protected]

    RESUMO: Dialogando com um corpo complexo de tradies culturais, atuando em distintas temporalidades e espacialidades e tambm expressando formas diferenciadas de interveno social, o movimento modernista brasileiro, requer, na rea de estudos histricos, novas chaves interpretativas. Esse o objetivo do presente ensaio que busca analisar a influncia de Ea de Queirs sobre a gerao dos cronistas e caricaturistas, reunidos em torno da revista D. Quixote (1917-27). Correspondente do Brasil em Paris, o escritor portugus exerceu o papel de verdadeiro atualizador cultural, atravs dos seus artigos na Gazeta de Noticias, comentando e traduzindo os ltimos acontecimentos do cenrio internacional. Mostra-se que os escritos jornalsticos de Ea de Queirs exerceram sensvel influncia no s no estilo e gnero da escrita brasileiros, mas tambm na percepo satrico- humorstica da narrativa histrica. ABSTRACT: Etablir un dialogue sur um corps complexe de traditions culturelles, actuant sur differentes temporalittes et spacialits et expressant aussi des formes differencies intervention sociale, le mouvement moderniste bresilien, exige, sur le champ des tudes historiques, de nouvelles cles interpretatives. Tel est objectif du present article qui cherche analyser la influence de Ea de Queirs sur la generation des journalistes et caricaturistes reunis autour de la revue D. Quixote (1917-27). Correspondant du Brsil en Paris, l ecrivain portugais a jou un role d actualisateur culturel, a travers de ses articles dans le journal Gazeta de Notcias, em commentant et traduisant les derniers evenements du panorama international. On verra que les ecrits journalistiques de Ea de Queirs vont exercer une influence importante non seulement sur le style et le genre de le ecriture bresilienne mais aussi dans la perception satyrico-humoristique (dans) le recit historique. PALAVRAS-CHAVE: intelectuais e cultura modernista Ea de Queirs Histria da imprensa MOTS-CLES: intellectuels et culture moderniste Ea de Queirs Histoire de la presse

    * Essa temtica foi abordada por mim, em verso preliminar, no artigo Racines ibriques du modernisme

    brsilien: Ea de Queirs et Cervantes au crible des modernistes cariocas, publicado em Lusotopie: enjeux contemporain dans les espaces lusophones. Paris: Karthala, 1998, p. 113-142. O presente ensaio apresenta uma nova verso desse artigo.

    ** Mnica Pimenta Velloso Doutora em Histria social pela USP, pesquisadora do Cnpq, da Fundao Casa de Rui Barbosa (FCRB), especializando-se na histria cultural da Primeira Repblica e nos estudos sobre o modernismo e histria da cultura carioca. Dentre as suas publicaes destacam-se A cultura das ruas no Rio de Janeiro: mediaes, linguagens e espaos (Rio de Janeiro: Fundao Casa de Rui Barbosa, 2004), O modernismo no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro: Editora da Fundao Getlio Vargas, 1996) e Mrio Lago: boemia e poltica (Rio de Janeiro: Editora da Fundao Getlio Vargas, 1997).

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    A historiografia sobre o movimento modernista brasileiro, tende a associ-lo,

    diretamente, ao impacto das vanguardas artsticas europias, em particular, francesa e

    italiana. Os nomes de Marinetti, Andr Breton, Apollinaire, Blaise Cendrars

    constituem, nesse sentido, referncia obrigatria. No se menciona qualquer tipo de

    relao entre os intelectuais portugueses e brasileiros. como se esses dois mundos

    corressem parte; desconectados um do outro.

    A que aludir esse aspecto lacunar em relao herana cultural ibrica?

    No papel de antiga metrpole colonizadora, naturalmente, Portugal

    representou, por longo tempo, um passado com o qual se desejava romper.

    Procedimento necessrio para garantir a entrada do pas na modernidade, atingindo-se o

    estatuto da to desejada autonomia. Uma outra questo a considerar, no interior dessa

    construo historiogrfica, o fato de o modernismo aparecer, com freqncia,

    associado a um movimento restrito a referenciais espao-temporais extremamente

    precisos: So Paulo, dcada de 1920.

    Apesar dessa perspectiva j vir se constituindo, desde a dcada de 1980, em

    foco de reflexo na rea dos estudos literrios, filosficos e, tambm, na pesquisa

    histrica, permanecem determinadas questes conceituais que demandam novas chaves

    interpretativas. A questo da temporalidade histrica ocupa papel central nessa

    discusso, exigindo que se pense o acontecimento, alm do momento cronolgico que

    lhe deu origem. a espessura da temporalidade, conforme a imagem sugestiva de

    Arlette Farge,1 que lhe confere significado e sentido. Um acontecimento social, no

    importa de que natureza seja, criado, produzido e deslocado no circuito dinmico da

    vida cotidiana. Esse composto por percepes, valores e comportamentos

    extremamente distintos, mas que atuam, de forma simultnea, no tempo e espao.

    O movimento modernista brasileiro se inscreve nesse quadro. Atuando em

    distintas temporalidades e espacialidades, expressando as mais distintas formas de

    interveno social, dialogando com um corpo amplo e complexo de tradies e

    referncias culturais, o modernismo traduz, vivamente, essa espessura da

    temporalidade.

    O movimento inscreve-se, portanto, em uma dinmica complexa, que se

    estabelece a partir da articulao entre o antigo e o moderno, impondo uma reavaliao

    1 FARGE, Arlette. Quest-ce quum vnement? penser et definir levenemant em histoire. In: Terrain,

    revue d`thnologie de lEurope. Paris, n. 38, mars 2002.

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    do cnone da tradio de ruptura,2 perspectiva essa que marcou, fortemente, o campo

    historiogrfico. Datar o modernismo, configurando-o como movimento organizado por

    uma determinada vanguarda intelectual, implica em perder de vista a sua historicidade e

    a dinmica interna do processo. No a interveno de uma determinada vanguarda

    social que, propondo a ruptura da ordem, conseguiria, de imediato, instaurar novas

    formas de pensamento e de atuao comportamental, iluminando, de maneira

    demirgica, o conjunto da nacionalidade.

    Em termos histricos, deve-se pensar em termos de uma cultura do

    modernismo que comearia a despontar na virada do sculo XIX para o XX. No

    contexto internacional, a partir da acelerao do processo urbano-industrial que tero

    origem movimentos de ordem literria, poltica, religiosa e cientfica. Como nos lembra,

    to acertadamente, Karl Frederick: O sentido do moderno e do modernismo em

    qualquer poca sempre o de um processo de tornar-se. Pode ser: tornar-se novo e

    diferente; pode significar subverter o que velho....3

    No Rio de Janeiro, cidade capital, as manifestaes culturais adquirem

    mltiplas expresses, presentificando-se nas rodas dos cafs literrios, nas festas

    populares e folias carnavalescas, no linguajar das ruas, no teatro de revistas e na

    imprensa cotidiana, particularmente, atravs das revistas, de grande circulao.4

    No incio do sculo XX, a imprensa configura-se como esfera de socializao

    de idias e de valores; o espao pblico impe-se, decisivamente, na formao de

    opinio.

    Essa a proposta do presente artigo que pretende focar a atuao de um grupo

    de intelectuais, no Rio de Janeiro, na virada do sculo XIX para o XX, mostrando as

    formas, atravs das quais, vo estabelecer uma relao dialgica com uma vertente

    especfica das tradies lusitanas, tendo como referncia a figura de Ea de Queirs.

    Entretanto, no , exatamente, do literato que vamos tratar, mas sim do jornalista.

    Embora seja complexo distinguir essas escritas, na realidade, quando se trata de analisar

    2 Consultar a propsito dessa linha de reflexo analtica os trabalhos de SANTIAGO, Silviano. A

    permanncia do discurso da tradio no modernismo. In: _______. Nas malhas das letras. So Paulo: Companhia das letras, 1989; e de SUSSEKIND, Flora. Cinematgrafo das letras: literatura, tcnica e modernizao no Brasil. So Paulo: Companhia das letras, 1987; que foram pioneiros na rea dos estudos literrios.

    3 Uma anlise desse fenmeno cultural pode ser encontrada na obra de BRADBURY, Malcolm. Modernismo guia geral: 1890-1930. So Paulo: Companhia das Letras, 1989.

    4 Essa temtica foi desenvolvida em VELLOSO, Mnica Pimenta. Modernismo no Rio de Janeiro: turunas e quixotes. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1996.

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    a influncia do escritor portugus no Brasil, na virada do sculo XIX para o XX, esse

    um fator a ser considerado. Oswald de Andrade faz uma observao interessante a

    respeito: a de que a influncia do autor sobre o conjunto do pblico brasileiro seria bem

    mais ampla do que se costumava atribuir. Observava, o autor, que as idias e o estilo

    moderno da escrita de Ea, no atingiriam tanto o crculo letrado das elites intelectuais,

    mas, sobretudo, o leitor comum, os jovens e aqueles intelectuais que estariam mais em

    contato com o povo.5 O jornalismo seria, portanto, espao estratgico de difuso das

    idias do escritor portugus.

    Considero que tal argumento merea nossa ateno, se estamos, de fato,

    empenhados na recepo da obra de Ea de Queirs. O exerccio de sua releitura pode

    ser constatado na trajetria do grupo intelectual ao qual fizemos referncia.

    Compunham-no os cronistas e jornalistas como Lima Barreto, Bastos Tigre, Emlio de

    Menezes, Jos do Patrocnio Filho, incluindo-se, tambm, os caricaturistas mais

    populares da poca: Raul Pederneiras, Kalixto e J. Carlos. Seja atravs das suas prticas

    jornalsticas, do intenso envolvimento nas festas mais populares da cidade ou da

    parceria que estabeleceram com msicos e artistas populares, enfim, toda a trajetria do

    grupo denota movimentos de aproximao em relao ao universo de valores das

    camadas populares.

    Vinculado cultura boemia, o grupo mostrava-se profundamente sintonizado

    com as novas formas de comunicao. Inspirando-se no estilo humorstico, usando de

    sagacidade e fina ironia, esses intelectuais conseguem construir a sua crtica de

    costumes, tornando-a base inspiradora da crtica nacionalidade.

    FARPAS E FARPES: OUTRAS SINTONIAS COM O MODERNO

    A revista D. Quixote (1917-27), dirigida por Bastos Tigre, funcionou como

    plo agregador do grupo. Publicando charges e escritos satricos, a revista buscava

    compartilhar com os leitores as mudanas no panorama poltico, cientfico-tecnolgico

    e artstico. Enfatizando a entrada do pas na modernidade republicana, essa imagtica

    apontava a instaurao de um novo tempo, procurando incorpor-lo vida cotidiana e

    idia, ainda confusa, de uma nao imaginada.

    5 Essas idias esto expostas em entrevista do autor em 1955, includas em Os dentes do drago,

    conforme citao do artigo de MINE, Elza. Ea jornalista do Brasil. In: ABDALA JNIOR, Benjamin. Ecos do Brasil, Ea de Queirs leituras brasileiras e portuguesas. So Paulo: Senac, 2000.

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    O papel primordial da imprensa na definio dos novos rumos da

    nacionalidade, em oposio a matriz lusitana (identificada com a velha ordem), encontra

    marco expressivo por ocasio dos movimentos de independncia, sobretudo, entre os

    anos de 1821 e 1823. Atravs de uma imprensa, composta, em sua maior parte, de

    folhetos e pasquins, alguns jornalistas brasileiros vo imprimir um tom de humor aos

    seus escritos, satirizando e, mesmo, insultando e tornando objeto do ridculo figuras

    vinculadas ao universo das elites polticas imperiais, sobretudo, aos portugueses.6

    Esse tipo de abordagem que vinculava, na imprensa jornalstica, humor e

    nacionalidade, no era, portanto, novo. possvel encontrarmos, a, um elo que permite

    analisar o estabelecimento de um dilogo entre brasileiros e portugueses. O nome de

    Ea de Queirs se destaca nessa interlocuo.

    Pouca gente sabe que Ea era filho de um brasileiro (de passagem pelo Brasil):

    Jos Maria Teixeira de Queiroz. Nos seus primeiros anos de vida, em Portugal, fora

    criado por Ana da Conceio, brasileira, natural de Pernambuco. Ouvira da ama canes

    de ninar e histrias do nordeste brasileiro Mais tarde, Ea tambm convivera com o

    casal de negros brasileiros Mateus e Rosa Laureana de quem ouvira narrativas da

    literatura de cordel Essa presena do Brasil na vida do escritor, provavelmente, explica

    o seu envolvimento e profundo interesse pelos destinos do pas. Foi uma relao

    complexa e ambgua, mas, certamente, enriquecedora para a compreenso da construo

    do imaginrio brasileiro na modernidade.

    A histria da relao de Ea de Queirs com o Brasil comearia a se

    estabelecer atravs da vertente do humor. Em 1872, juntamente com Ramalho Ortigo,

    fundaria, em Lisboa, a revista Farpas. O ttulo da publicao era bem indicativo das

    intenes dos jovens criadores, que propunham um jornal mordente, cruel, incisivo,

    cortante e, sobretudo, revolucionrio.7 A revista tinha como um dos seus objetivos

    fazer a caricatura e crtica das instituies monrquico-liberais e dos cnones da

    literatura romntica. Um dos alvos prediletos da stira de Ea foi a figura do imperador

    brasileiro: Pedro II. As suas freqentes viagens ao exterior, a duplicidade de nomes

    Pedro II ou Alcntara, de acordo com as convenincias e a sua liberalidade em relao

    aos colegas soberanos inspiravam os caricaturistas.

    6 A temtica discutida por LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos, a guerra dos jornalistas na

    independncia (1821-23). So Paulo: Companhia das Letras, 2000. 7 Sobre a biografia de Ea de Queirs consultar LYRA, Heitor. O Brasil na vida de Ea de Queirs.

    Lisboa: Livros do Brasil, 1965.

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    Ea de Queirs afirmava que a cultura era a alma do sculo e considerava o

    riso a mais antiga e terrvel forma de crtica. Passa-se sete vezes uma gargalhada em

    volta de uma instituio e a instituio alui-se, ele afirmou certa vez.8 Essas idias

    chegaram rapidamente ao Brasil. No Nordeste, adversrios da monarquia passaram a

    publicar cpias de Farpas. Ea no gostou do plgio, mas no gostou, principalmente,

    de ser acusado de insuflar o sentimento de rebeldia nos brasileiros.

    Em revide, publica um artigo intitulado O brasileiro, descrevendo-o como

    um figuro barrigudo e bestial dos desenhos facetos ou ento burgus como uma

    couve e tosco como uma acha de lenha. A voz do brasileiro, sua entoao e

    fisionomia no passam inclumes observao do escritor portugus que alfineta: voz

    fina e adocicada, ar desconfiado, o brasileiro um tipo digno de figurar nos romances

    satricos e comdias onde poderia se apresentar como o marido de tamancos trado

    ou o pai achinelado e ciumento.

    A mais dura dessas caricaturas a do brasileiro como indivduo covarde e sem

    carter, porque vivia de negcios de negro, ou seja, era escravocrata.9

    Essas caricaturas de Ea, no ficam sem resposta: surge, em Recife, a revista

    Os farpes, cujo objetivo era caricaturar os portugueses. Essa animosidade entre

    brasileiros e portugueses, no entanto, no foi adiante. A influncia de Ea de Queirs,

    por sua vez, no cessou de crescer. Entre 1880 e 1897, ele colaborou, semanalmente, no

    jornal brasileiro Gazeta de Notcias, dirigido por Ferreira Arajo.

    Foram quase 20 anos de participao. O escritor ocupava espao estratgico no

    jornal, sendo os seus artigos publicados na primeira pgina ou, ento, no rodap, lugar

    destinado ao folhetim. Composto pela mais variada gama de assuntos, o folhetim era um

    dos grandes atrativos do jornal, sendo lido, indistintamente, por todo tipo de leitor. O

    estilo crtico, irnico e irreverente de Ea de Queirs influenciaram uma gerao de

    polemistas, historiadores, poetas, romancistas, teatrlogos e parlamentares.10 Esse

    crculo ficou conhecido pelo nome de braslico, expresso criada pelo prprio Ea.

    Braslico foi, certamente, o grupo dos nossos cronistas, jornalistas e caricaturistas,

    traduzindo, decodificando e ampliando o raio de influncia do escritor portugus.

    8 LYRA, Heitor. O Brasil na vida de Ea de Queirs. Lisboa: Livros do Brasil, 1965. 9 Ibid. 10 Cf. BROCA, Brito. A vida literria no Brasil - 1900. Rio de Janeiro: MEC, 1956.

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    Na sua trajetria de vida, Ea de Queirs foi um verdadeiro andarilho.

    Deslocava-se, constantemente, no s no sentido geogrfico, residindo em diferentes

    pases, mas tambm no mental e no imaginrio. Na sua obra, registrou as impresses

    sobre os lugares pelos quais passava: Havana, Paris, Londres. Foi cnsul em Cuba, New

    Castle, Bristol e Londres. Transferido para Paris em 1888, ali ficou at falecer em 16 de

    agosto de 1900.

    Os seus artigos exerceram profunda influncia no Brasil, notadamente, aqueles

    que foram escritos no perodo imperial. Com a instaurao do regime republicano, Ea

    vai mudando a sua imagem do Brasil, tendendo a enfatizar o perigo da fragmentao

    poltica. Provavelmente, nessas idias, teria sido influenciado por Eduardo Prado, seu

    amigo em Paris, que era um anti-republicano militante.

    Mas voltemos ao Ea, no papel de atualizador cultural. Uma das questes que

    mais o preocupou foi a da modernizao cultural tanto de Portugal quanto do Brasil,

    cuja literatura acompanhava de perto.

    Mantendo-se em dia com o panorama da literatura universal, e,

    particularmente, com a da Inglaterra e Frana, corporificou o esprito renovador. Entre

    os projetos que acalentava, com maior paixo, estava o de criar revistas em Paris,

    especialmente dirigidas aos leitores portugueses e brasileiros. A Revista de Portugal e

    a Revista Moderna (com apoio financeiro de Paulo Prado) se destacam entre suas

    realizaes. Em Paris, estreitaram-se as suas relaes com a elite intelectual brasileira:

    tornou-se amigo de Eduardo Prado, Paulo Prado e do Baro do Rio Branco.

    De meados de 1870 at, pelo menos, os finais da Primeira Guerra Mundial, os

    intelectuais brasileiros das rodas bomias o adotaram como padro literrio. Se notria

    a influncia intelectual de Ea de Queirs, ajudando a construir os fios da rede do

    modernismo brasileiro, por que seu nome no seria ela associado?

    Em parte, o modelo de modernizao, adotado pelo Brasil, possibilita uma

    resposta. Durante o governo Rodrigues Alves (1902-1906), o Rio de Janeiro foi palco

    de um projeto que remodelou, higienizou e saneou o centro da cidade. O prefeito

    Francisco Pereira Passos e o sanitarista Oswaldo Cruz, receberam carta branca do

    governo para implementar a obra, que alcanou, como sabido, dimenses

    monumentais para a poca. A capital francesa fora a referncia arquitetnica e cultural

    para a constituio do imaginrio da brasilidade moderna. Em funo desse contexto,

    Portugal configurou-se como uma espcie de avesso da modernidade, crescendo, no Rio

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    de Janeiro, a onda antilusitana. Vrias publicaes na imprensa, caso das revistas Gil

    Bls e Brasilia, apresentavam-se como porta-vozes das idias antilusitanas, mas a

    situao mais complexa, pois, no se efetivaria, no seu conjunto, um descarte em

    bloco da cultura lusitana. preciso um olhar mais cuidadoso. Antes, porm, vamos

    acompanhar como se deu a montagem desse dilogo.

    O BRASIL NO TRISTE!

    Nos peridicos D. Quixote, Revista da Semana e Careta foram muitas as

    caricaturas e piadas sobre portugueses, conhecidos popularmente como ps-de-

    chumbo. Eles eram retratados, freqentemente, com vastos bigodes, camisetas e toscos

    tamancos. O cenrio predileto de suas aparies era o balco da venda de secos e

    molhados. A expresso fisionmica, marcadamente grosseira, sugeria, sobretudo, a idia

    de desleixo e usura. J nas piadas, o portugus era mostrado como incapaz de lidar

    com os inventos modernos.

    A tenso entre portugueses e brasileiros se manifestaria, tambm, no mbito

    das festas populares, onde ainda ocorriam verdadeiras disputas pelo espao fsico e

    cultural da cidade. Um bom exemplo a Festa da Penha, ento, o principal folguedo

    popular carioca, s perdendo para o carnaval. No incio, a organizao da festa cabia

    aos portugueses. Com o passar do tempo, porm, os baianos foram impondo as suas

    tradies e valores. Os desafios, a capoeira e as barracas de quitutes passaram a ser cada

    vez mais procurados pelos folies.

    O grupo da revista D. Quixote era assduo freqentador da barraca da Tia

    Ciata. L eles criavam desenhos falados, duelos verbais, improvisando palestras

    humorsticas, enquanto, na revista, satirizavam, em prosa e verso, escritores

    consagrados como Olavo Bilac, Osrio Duque Estrada e Rui Barbosa.

    Os intelectuais da D. Quixote afirmavam que o povo brasileiro no era triste,

    saudoso ou nostlgico ao contrrio do que afirmara em Retrato do Brasil (1928) o

    ensasta Paulo Prado.11 A revista troava do banzo africano e da tristeza lacrimosa dos

    fados portugueses. Nas pginas dessa publicao, buscava-se, portanto, construir uma

    nova verso da nossa histria, integrando-se o humor e o riso como dimenso das

    tradies culturais, a ser integrada na cultura do modernismo. Se determinados traos da

    11 A temtica foi desenvolvida em VELLOSO, Mnica Pimenta. Modernismo no Rio de Janeiro:

    turunas e quixotes. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1996.

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    cultura lusa eram rejeitados como ultrapassados e indesejveis, necessrio enfatizar

    que a operao do descarte no se processa em bloco, conforme observou-se.

    O alvo da crtica humorstica eram os elementos culturais, considerados fruto

    de uma viso provinciana e localista. Na realidade, visavam-se as imagens

    estereotipadas do portugus, no senso comum da expresso. As representaes

    simplistas e reducionistas, enfim, os clichs que tendiam enfatizar a parte em detrimento

    do conjunto. Essa leitura tipificada da realidade, atravs da qual, se apresentava,

    freqentemente, o portugus que ser o objeto real da crtica.12

    H, portanto, subtendido a um esforo de releitura das tradies. Um olhar

    agudo e inquieto que buscava investir em direo ao universal. Acho que , nesse

    sentido, que pode ser compreendida a integrao de Ea de Queirs ao ritmo da

    temporalidade e da cultura modernista brasileira.

    A revista D. Quixote menciona os nomes de Miguel de Cervantes e Ea de

    Queirs, elegendo-os como referncias inspiradoras do modernismo brasileiro. Esse

    ponto importante; mostra o papel ativo da imprensa cotidiana no campo da recepo,

    reconstruindo, criativamente, o acesso e uso das idias.

    A influncia de Ea de Queirs na cultura brasileira, exerceu-se,

    principalmente, por intermdio de seus escritos na Gazeta de Notcias. Esse jornal, na

    poca, era um dos mais populares do pas, foi dos primeiros a ter venda avulsa nas ruas.

    Entre seus colaboradores estava a fina flor da elite intelectual: Machado de Assis, os

    irmos Artur e Alusio de Azevedo, Raul Pompia, Olavo Bilac, Eduardo Prado. Ea

    colaborava com crnicas, folhetins, cartas e tambm captulos inditos dos seus

    romances. Olavo Bilac chegou a fazer parceria com ele no drama Ins de Castro.

    Em estilo bem humorado e engraado, os autores recontaram o infeliz idlio do

    prncipe portugus D. Pedro com uma aia de Castela, no sculo XIV. Devido cobia

    pelo trono, Ins foi brutalmente assassinada em uma das ausncias do prncipe. Para

    vingar sua morte, D. Pedro mandou executar os culpados, transformando seus coraes

    em guisado, por ele devorado. Em seguida, desenterrou Ins, coroando-a rainha de

    Portugal. A histria, contada em versos, era ilustrada com desenhos e caricaturas do

    prprio Ea de Queirs.

    12 A questo da dinmica dos esteritipos da nacionalidade brasileira, atravs das revistas de humor,

    objeto de discusso em VELLOSO, Mnica Pimenta. A mulata, o papagaio e a francesa; o jogo dos esteritipos culturais, texto apresentado no I Seminrio Internacional de Imprensa, humor e caricatura, os esteritipos culturais, Rio de Janeiro: FCRB, 2006.

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    Uma rainha que foi coroada, depois de morta. Um rei antropfago que come o

    corao dos seus inimigos. Essa maneira de recriar acontecimentos e personagens

    histricos, envolvendo-os em enredos cheios de humor e paradoxos, tambm seria

    amplamente utilizada pelo grupo da D. Quixote e por quase todas as revistas de humor

    brasileiras. Existiam, inclusive, nessas revistas, sesses destinadas reescrita

    humorstica da histria do Brasil.

    o caso, por exemplo, da sesso da D. Quixote chamada Histria confusa. A

    autoria era de Madeira de Freitas, cujo pseudnimo era Mendes Fradique, personagem

    de Ea com o nome em ordem inversa.

    esse estilo de escrita e de gnero narrativo que vai atrair, decisivamente, os

    intelectuais e artistas brasileiros. Eles vo se identificar no s com o humor irnico do

    escritor portugus, mas tambm com a sua prpria percepo da realidade cotidiana: a

    maneira irreverente e jocosa de apresent-la. Como os integrantes da D. Quixote, Ea de

    Queirs quando jovem, fora um jornalista bomio tendo participado em Lisboa das

    rodas literrias dos cafs do Chiado e do Rossio. sintomtico o fato desses intelectuais

    adotarem como pseudnimo alguns nomes dos personagens de Ea. Bastos Tigre, por

    exemplo, apresenta-se como Jacinto e Fradique. O personagem Jacinto fora inspirado no

    estilo de vida modernoso de Eduardo Prado. Madeira de Freitas, que tambm

    colaborava na revista D. Quixote, adota o pseudnimo de Mendes Fradique, inverso do

    nome do personagem sofisticado e bomio criado por Ea.

    Na revista D. Quixote, tambm, aparecem vrios artigos assinados por

    personagens que remetem ao universo da obra literria de Ea de Queirs: primo

    Baslio, Joo da Ega, Accio. O fato deixa entrever os vnculos que esto articulando

    humor e modernidade, referenciados, agora, pela matriz portuguesa. Na realidade, Ea

    de Queirs atuou como uma espcie de elo entre o Brasil e as metrpoles modernas,

    notadamente Paris. Pelo seu contato cotidiano com esse universo cultural, o escritor

    portugus representou para o Brasil a possibilidade constante de atualizao. Ele

    funcionaria, aos olhos dos nossos intelectuais, como uma espcie de decodificador,

    tradutor de experincias, valores e idias. De certa forma, meio brasileiro, pois

    pertencia, e, era capaz de transitar entre dois universos culturais (Brasil e Portugal),

    falando a partir do cenrio parisiense.

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    ECOS DE PARIS

    Atravs das pginas da Gazeta de Noticias, por quase 20 anos, Ea traz, aos

    olhos dos leitores brasileiros, no s personagens e paisagens do seu pas, mas,

    sobretudo, os coloca a par do cotidiano das metrpoles europias. O seu prestgio e

    popularidade, entre ns, deve-se no s admirao pela obra ficcional, mas pela

    atuao de grande jornalista.

    Foi Ea quem escreveu, em Janeiro de 1892, o editorial de lanamento do

    Suplemento literrio da Gazeta A Europa em resumo. Fica implcito o seu

    empenho na tarefa da atualizao cultural brasileira. Ea expressa, claramente, a forma,

    atravs da qual, pretende atuar. Porta-voz dos acontecimentos europeus, compromete-se

    a apresent-los de maneira criteriosa. H, no entanto, um detalhe curioso que se destaca

    nessa sua atuao de intelectual-atualizador: a idia de uma Europa imaginada.

    Ea se explica com clareza. Observa que, filtrada pelo seu raciocnio e

    sensibilidade, os brasileiros podero receber uma imagem bela do continente europeu.

    No seria necessrio atravessar o Atlntico para alcan-la. Alis, se assim o fizessem,

    poderiam sofrer uma decepo, mas deixemos falar o prprio autor. Comenta sobre as

    vantagens das notcias chegarem atravs do jornal que ser:

    [...] mandado cada semana pelo paquete, para que o enredo e os atores possam ser conhecidos, sem o cansao, a despesa, o tempo consumido em atravessar as guas e vir ao teatro, que no confortvel, nem bem ventilado e est cheio de lazaretos. Melhor ainda: a prpria representao condensada em meia folha de jornal, com uma seleo cuidadosa dos seus episdios mais atraentes, das suas personagens mais caractersticas, das suas decoraes mais vistosas e ricas. Neste Suplemento vai o resumo de uma civilizao. E toda ela, deste modo, se goza no que tem de mais belo ou de mais fino sem a desconsolao de perpetuamente se surpreender a rude realidade do seu avesso.13

    isso que Ea quer evitar: que a rude realidade chegue aos brasileiros. Tal

    influncia poder ser extremamente negativa para a jovem nacionalidade, como

    veremos mais adiante.

    Os ttulos das suas crnicas semanais na Gazeta mostram, nitidamente, os

    cenrios que o inspiram: Cartas de Paris e Londres, Cartas de Inglaterra, Ecos de

    Paris, Bilhetes de Paris. Partes dessas crnicas seriam reunidas e publicadas em livro

    no Brasil, caso, por exemplo, de Ecos de Paris, editado na cidade de Porto, em 1912.

    13 LYRA, Heitor. O Brasil na vida de Ea de Queirs. Lisboa: Livros do Brasil, 1965, p. 158.

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    Os assuntos abordados nas crnicas so os mais diversificados possveis: da

    moda poltica passando pela arte, literatura e situao da imprensa. Comentando a

    liberdade dos trajes do vero parisiense, Ea descreve os chapus de palha, as roupas

    claras e botas brancas. Aproveita para contrastar a leveza desses trajes com a

    austeridade e o decoro do vesturio brasileiro, ao tempo do imprio quando a

    sobrecasaca do imperador dominava nas instituies e determinava os costumes. Com

    a instaurao do regime republicano, era um verdadeiro absurdo que essas vestes

    continuassem a ditar a moda brasileira. E nesses termos que pondera:

    Um povo que aos quarenta graus de calor anda enlatado e m casemiras sombrias e sobrecarregado com um chapu alto de cerimnia necessariamente m povo constrangido, cheio de mal estar, propenso melancolia e ao descontentamento poltico. Que a esse povo seja permitido pr cabea um fresco chapu de palha [...] e ele respirar aliviado e consolado e tudo desde logo lhe parecer aprazvel na vida e no Estado.14

    Com o seu estilo, finamente irnico, Ea consegue relacionar a moda com o

    comportamento e a cultura poltica de um povo. Escrito, em torno de 1880, o texto

    mostra algumas modificaes nos costumes que viriam ocorrer, no Brasil, quando os

    trajes e a cultura corporal assumem caractersticas mais apropriadas em relao ao clima

    tropical. Assuntos como a queda da Bastilha tambm figuram nas suas crnicas.

    Comentando a falta do entusiasmo popular, na ocasio das comemoraes do feito, o

    autor, carregando no tom irnico, argumenta que as festas decretadas por lei

    inevitavelmente acabam sendo fictcias.15

    postado no horizonte da modernidade que Ea faz-se observador das

    transformaes, traduzindo-as, com apurado senso de humor e crtica social. O

    cotidiano a matria prima, atravs da qual, constri os seus escritos, seja tematizando

    a moda, a realidade das ruas, os festejos, os sales de arte ou o panorama literrio.

    Freqentemente comenta as palavras que esto surgindo no lxico moderno. Caso, por

    exemplo, do seu estranhamento em relao ao termo interview. Comenta que esse

    termo soa deselegante, falso, sendo tpico da cultura e do esprito ianque. Na realidade,

    Ea de Queirs era um crtico ferrenho da cultura norte-americana, criticando o

    industrialismo, utilitarismo e pragmatismo. Costumava dizer que havia mais

    14 QUEIRS, Ea de. Ecos de Paris. Porto: Lello, 1912, p. 61. 15 Cf. Ibid.

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    civilizao num beco de Paris do que em toda poderosa repblica norte-americana.

    Sugeria, por isso, o uso do termo entrevista ao invs de interview.

    Explicava a razo de sua escolha da seguinte forma: de acordo com a cultura

    semntica portuguesa, entrevista um termo tcnico do alfaiate. E, no entender de Ea,

    o universo da costura conseguiria traduzir, com exatido, o significado das entrevistas

    no mundo moderno. Vale a transcrio:

    [A entrevista] significa aquele bocado de estofo, mas vistoso ordinriamente escarlate ou amarelo que surgia por entre os abertos nos velhos gibes do sculo XVI ou XVII, termo excelente, portanto, para designar um ato em que as opinies tufam, rebentam para fora em cores efusivas e berrantes...16

    Entre 1830 e 1914, em Paris, vivia-se a idade de ouro dos jornais, com o

    aparecimento da grande imprensa, mobilizando a opinio pblica e levando os

    indivduos a tomar posies apaixonadas frente aos acontecimentos e s notcias, as

    mais variadas.17

    O escritor retrata esse cenrio em mudana, buscando nele integrar Portugal e o

    Brasil. Percebe, no Brasil, uma configurao de vocbulos, expressando um novo

    linguajar, distinto do portugus de Portugal. No se tratam apenas de novos tons, ritmos,

    mas formas. , no seu estilo irnico, de comunicao contagiante, que vai interpelar os

    leitores brasileiros: Vis a, no Brasil, amigos, possuis a arte sutil de cunhar vocbulos

    que por vezes so geniais. Fabricai um que substitua o interview e sereis bendito!.18

    Tais crnicas expressavam um convite irrecusvel modernidade, um

    incentivo participao no desenrolar dos acontecimentos. Se o cenrio Londres e,

    depois, Paris, o personagem condutor da narrativa , sempre, um escritor portugus.

    Esse um fator importante, pois revela-se, embutido, a, uma abordagem, estilo

    e forma de narrativa singulares. Trata-se de uma escrita fortemente inspirada no

    caricatural, no riso e na ironia crtica e inteligente. Ea jamais perde de vista o seu

    pblico leitor: faz com que ele se sinta prximo, compartilhando e envolvendo-o a cada

    momento, situao, palavra e imagem.

    16 QUEIRS, Ea de. Ecos de Paris. Porto: Lello, 1912, p. 204. 17 Cf. WOLGENSIVER, Jacques. L Histoire a l une: la grande aventure de la presse. Paris: Gallimard,

    1992. 18 QUEIRS, op. cit., p. 204.

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    O BRASIL NO UM PEDAO DA EUROPA, PANO DE FEIRA ARRUMADO PRESSA

    pela voz de um dos seus personagens mais brilhantes e controversos Carlos

    Fradique Mendes que Ea de Queirs vai emitir algumas de suas opinies sobre o

    Brasil.

    Na pele desse personagem parece sentir-se vontade, abandonando

    completamente a cautela e auto-censura. Critica o senso comum e a banalidade dos

    valores que regem a cultura europia. Progresso, moral, religio, indstria e artes so

    revistos pela sua lupa poderosa, que amplia, confere novos sentidos e faz caricaturas dos

    valores civilizatrios europeus.

    Tais imagens vo se expressar atravs de cartas, nas quais, o personagem

    expe, de maneira apaixonada, os seus pensamentos. Defende a necessidade premente

    de se criar uma nova imprensa, novos jornais em que se pudesse expressar e debater

    idias ousadas. Jornais decentes onde, decentemente, se pudesse dizer o que se

    pensasse.19

    A figura de Carlos Fradique Mendes serve a esse propsito. Ele intempestivo,

    diz o que pensa, sem recorrer a subterfgios. nas pginas da Gazeta de Notcias que,

    em carta endereada a Eduardo Prado, ele manifesta a sua opinio sobre o Brasil:

    O que eu queria e o que constituiria fora til para o universo era um Brasil natural, espontneo, genuno. Um Brasil nacional, brasileiro, e no esse Brasil que eu vi, feito com pedaos de Europa, levados pelo paquete e arrumado pressa, como panos de feira.20

    Encarnando o personagem Carlos Fradique, Ea argumenta que, ser

    inspirando-se na natureza e no primitivo, que o Brasil alcanar a originalidade, frente

    ao mundo. A vida pastoral e campestre, as florestas virgens e natureza configuram a via

    da originalidade brasileira. Caminho, atravs do qual, o Brasil poder impor-se como

    fora til no universo.

    A cultura europia estaria, segundo Carlos Fradique Mendes, infectada pela

    banalidade e senso comum, vivendo sob o cu pesado da melancolia. Ponderava, o

    personagem, que as idias deveriam ser como as boas maneiras: adotadas ao invs de

    criadas. Por isso, a necessidade de se desfazer de grande parte dos valores acumulados

    pelo processo civilizatrio europeu. 19 LYRA, Heitor. O Brasil na vida de Ea de Queirs. Lisboa: Livros do Brasil, 1965. 20 QUEIRS, Ea de. Ecos de Paris. Porto: Lello, 1912.

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    Nos seus escritos, Ea, vestido de Carlos Fradique, reforava uma vertente de

    pensamento que enfatizava o papel da intuio, emoo e natureza como canais de

    apreenso da realidade brasileira. Tal vertente viria encontrar, mais tarde, forte

    repercusso entre a intelectualidade brasileira atravs da obra de Graa Aranha, e,

    depois, na de Oswald de Andrade.

    J se esboava, a, um quadro caricatural da brasilidade: velhos pedaos da

    Europa, panos de feira, arrumados pressa. Na sua ltima carta, escrita em 1888,

    Carlos Fradique lamentava a perda da originalidade brasileira, devido ao fato de o pas

    ter se distanciado do primitivismo para importar o positivismo, a pera bufa, fazendo

    at os sabis gorjearem Madame Angot.21 O abandono dos campos e a concentrao

    nas cidades, levara cpia crescente das instituies e valores europeus, levando o pas

    a se perder num trajeto equivocado.

    patente o tom crtico do autor, sobretudo, quando expe a sua opinio sobre o

    carter bacharelesco que, segundo ele, tenderia, lamentavelmente, a marcar a cultura

    brasileira. Neste sentido, observa:

    A Nao inteira se doutorou. Do norte ao sul do Brasil, no h seno doutores, com toda a sorte de insgnias, em toda a sorte de funes. Doutores com uma espada, comandando soldados; doutores com uma carteira, fundando bancos, doutores com uma sonda, capitaneando navios, doutores com um apito dirigindo a polcia [...] Doutores sem coisa alguma, governando o Estado! Todos doutores. Homens inteligentes, instrudos, polidos, afveis , mas todos doutores! E este ttulo no inofensivo, imprime carter. Uma to desproporcionada legio de doutores invade o Brasil numa atmosfera de doutorice. O feitio especial da doutorice desatender a realidade, tudo conceber a priori e querer organizar e reger o mundo pelas regras do compndio [...]. So esses doutores, brasileiros de nacionalidade, mas no de nacionalismo, que cada dia mais desnacionalizam o Brasil...22

    Essas idias tambm vo se fazer presentes nas pginas da revista D. Quixote.

    A publicao enfatiza a distncia existente entre o Brasil real, da vida cotidiana e o

    Brasil oficial, que se constitua em verdadeira fico e inveno, referenciada pelos

    parmetros europeus.

    Lembre-se dos pseudnimos dos caricaturistas brasileiros, inspirados

    diretamente nos personagens de Ea; o tom crtico ao carter artificial e pseudo-erudito

    da cultura brasileira. Alguns desses intelectuais vo assumir claramente a sua filiao ao

    21 QUEIRS, Ea de Ecos de Paris. Porto: Lello, 1912. 22 LYRA, Heitor. O Brasil na vida de Ea de Queirs. Lisboa: Livros do Brasil, 1965, p. 231.

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    mestre portugus, seja glosando e parodiando as suas idias ou traduzindo-as para a

    dinmica da realidade brasileira. O escritor portugus assinala uma presena

    significativa na construo dessa passagem enviesada e tensa da modernidade. No

    por acaso que, Mendes Fradique, personagem que se caracterizava pelo

    cosmopolitismo, audcia de pensamento, senso de humor e gosto inveterado pela vida

    boemia, aparea como pseudnimo de um dos componentes da D Quixote.

    Na sua Histria Confusa, o personagem, inspirando-se em Ea, reescreve a

    histria do Brasil, desde a sua origem que denomina, ao invs de descobrimento,

    achamento do Brasil.

    Argumenta-se que, antes de Cabral, outros aventureiros j haviam estado no

    Brasil. Na realidade, Cabral no teria nenhuma inteno de, aqui, chegar, pois fora

    trazido pelos ventos amveis do acaso. A histria seria a seguinte: Cabral chegara ao

    Brasil por pura distrao, por enlevo amoroso. Embevecido nos braos de uma cortes

    francesa Suzana Castera acabara perdendo o controle da frota, vindo a despertar em

    terras brasileiras. Fora, assim, que chegara em nossas terras, cujos senhores legtimos

    seriam os descendentes do Sr. Indio do Brasil. Na verdade, conta-se que a inteno real

    de Cabral era a de ir ao Leblom, mas acabou alcanando, apenas, Cascadura (D.

    Quixote, 29/04/1925).

    A narrativa humorstica misturava os tempos diacrnico e sincrnico,

    personagens do passado e presente, rompendo com a narrativa linear e cannica,

    centrada na figura do heri e da descoberta. Tem lugar a figura do anti-heri que, longe

    de ter uma meta a ser alcanada com grande esforo e atos de bravura, deixa-se levar

    pelo acaso. A histria aparece como uma fico, uma mistura de fatos confusos e

    inventados, pois ela [...] no , de fato, o que sucedeu, mas o que os historiadores

    declaram nos livros ter sucedido (D. Quixote 25/1/1922).

    Esse tom narrativo, que se dispe a reler um fato cannico (descoberta do

    Brasil) se assemelha `a descrio de um outro fato histrico: a proclamao da

    Repblica.

    S que a autoria da escrita e o tempo em que transcorre a narrativa so outros.

    Vejamos como se da essa construo histrica:

    O Marechal Deodoro da Fonseca d um sinal com a espada: imediatamente, sem choque, sem rudos, como cenas pintadas que deslizam, a Monarquia, o Monarca, o pessoal monrquico, as instituies monrquicas desaparecem; e, ante a vista assombrada,

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    surge uma Repblica. Toda completa, apetrechada j provida de bandeira, de hino, de selos de correio e da beno do arcebispo Lacerda. Sem atritos, sem confuso, essa Repblica comea logo a funcionar. Nas reparties do Estado os amanuenses, que j tinham lanado no papel dos decretos a velha frmula Em nome de S.M. o Imperador, riscam, ao ouvir na rua aclamaes alegres, este dizer anacrnico, e, sem mesmo molhar novamente a pena, desenrolam no seu melhor cursivo a frmula recente Em nome do Presidente da Repblica....23

    A narrativa de Ea de Queirs, nas pginas da Revista de Portugal, em

    artigo publicado no dia 6 de dezembro de 1889.

    A histria do Brasil surge como uma fico, algo que parece fugir dinmica

    da realidade linear. Seja atravs de Cabral que chega ao Brasil, trazido pelos ventos do

    acaso, seja atravs do Marechal Deodoro que entra em cena como um ttere, movido por

    cordas invisveis. Essa imagem da realidade poltica brasileira como um cenrio em que

    atuam marionetes reincidente nas pginas da D. Quixote.

    A imagem de um pas, desconectado de suas verdadeiras razes, freqente na

    construo do imaginrio da cultura modernista brasileira. Curiosamente ele pode ser

    tambm pensado como fruto de uma criao conjunta: a luso-brasileira. Muito

    provavelmente a insero conflituada de Portugal no cenrio europeu, tambm, se

    traduziria no Brasil. S, que, de maneira, mais aguada, pois o Brasil era a periferia da

    periferia europia.

    EA E O BRASIL MODERNISTA

    Imagino que, atravs dessas idias seja possvel ao leitor encontrar elos de

    sintonia entre os escritos jornalsticos de Ea de Queirs e os do grupo da revista D.

    Quixote, ao longo das dcadas de 1910-20.

    A necessidade de marcar a singularidade da brasilidade, a partir de uma

    perspectiva crtico-humorstica que ironizaria a cultura de emprstimo, o bacharelismo e

    o lado doutor, pode ser um primeiro ponto de aproximao. No livro Triste fim de

    Policarpo Quaresma (1916) de Lima Bareto, que tambm colaborava na D. Quixote,

    podemos encontrar essas idias.

    23 PIZARRA, Augusto (Org.). Obras completas de Ea de Queirs: cartas inditas de Fradique Mendes.

    So Paulo: Brasiliense, 1961, p. 187.

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    A defesa de uma perspectiva primitivista da cultura brasileira, pelo personagem

    Carlos Fradique Mendes, como condio da imposio da originalidade brasileira,

    tambm encontra-se no Manifesto da Poesia Pau-Brasil:

    O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens. O bacharel. No podemos deixar de ser doutos. Doutores. Pas de dores annimas, de doutores annimos. O Imprio foi assim. Eruditamos tudo [...].24

    Essa constatao do excesso de bacharis e doutores, emperrando o

    funcionamento das instituies e da vida poltica brasileira, j aparecia em vrias

    revistas de humor, desde o incio do sculo XX. em tom irnico satrico que se

    indaga:

    O que fazer com a aristocracia dos doutores? Enforcar os doutores, no. fazer todo mundo douto, ou melhor, simplificar o problema pela supresso deste r impertinente, que obriga a dobrar a lngua no fim da palavra.25

    A defesa do linguajar coloquial brasileiro, sem dvida, outro elo comum de

    discusso. Nas pginas da D. Quixote, atravs das caricaturas de Raul Pederneiras, de

    Kalixto e muitos outros, podemos vislumbrar a vivacidade do linguajar coloquial

    brasileiro, em contraposio ao portugus de Portugal. Plasticidade, criatividade,

    espontaneidade aparecem como atributos desse linguajar.

    Nos seus artigos da Gazeta, Ea j interpelava os leitores brasileiros,

    chamando-os a ajudar no processo de criao de novas palavras para fazer frente ao

    domnio lingstico norte americano.

    Esse filo da linguagem vai ser explorado de vrias maneiras. Em

    Macunama, satirizando a distncia entre a linguagem falada no cotidiano e a escrita

    pomposa, Mrio de Andrade denotava ateno ao tema. No conjunto de sua escrita,

    claro o intento de construir um projeto voltado para a pesquisa de uma fala brasileira.

    Considerava que o intelectual, em contato com as camadas populares, deveria funcionar

    como corrente de transmisso desse saber.

    Nas pginas da revista D. Quixote, a temtica j adquire um outro enfoque.

    Vamos encontrar, a, um acervo riqussimo e extremamente bem humorado de crtica.

    cultura erudita e livresca. As mais desopilantes caricaturas a ilustram: cabeas enormes

    e desproporcionais em relao aos corpos, crebros abarrotados de estantes de livros e

    24 Correio da Manh, Rio de Janeiro, 18/03/1924. 25 O Malho, Rio de Janeiro, 17/1/1920.

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    citaes pedantes. Enfim, todos elementos evidenciam a distncia de valores entre o

    mundo intelectual-letrado e o da cultura cotidiana.

    Um outro ponto de aproximao entre a revista D. Quixote e a escrita

    jornalstica do escritor portugus pode ser encontrado na vertente interpretativa satrico-

    humorstica da histria do Brasil, como j vimos. A matriz de uma narrativa histrica

    ufanista que consagra a figura do heri e a aura dos acontecimentos fundadores cedem

    lugar ao tom risvel, irnico e indagador.

    No campo complexo e ramificado que constitui a geografia do modernismo

    brasileiro, os escritos de Ea de Queirs destacam-se pelo tom dialgico, capaz de

    sinalizar novos rumos ao debate.