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151 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO ANTÔNIO EM SUAS CONTRADIÇÕES O objetivo deste capítulo é reencontrar o presente. Trata-se, portanto, da fase final de nosso método o histórico-genético , na qual os eventos históricos identificados no capítulo anterior são visualizados em expressões materiais que interagem dialeticamente com a sociedade, alterando o presente e construindo o novo. Assim, a coexistência de inúmeros tempos e espaços na cidadela empresarial de Santo Antônio será analisada a partir das relações dialéticas entre os agentes sociais produtores do espaço urbano. Como já mencionado, a produção do espaço urbano, pela lógica capitalista, perspectiva que adotamos nessa pesquisa, leva-nos a uma nova compreensão da espacialidade como o terceiro elemento em relação aos pares tradicionais o tempo e a sociedade. Nesse contexto, emerge uma possibilidade de se entender as transformações da metrópole como mercadoria que se especializa através das interações espaciais, históricas e sociais. Portanto, é o pressuposto que adotamos ao longo de nossa investigação: a busca pelo thirdspace de Edward Soja. O presente capítulo está estruturado em três partes. Na primeira, abordaremos as transformações ocorridas nos centros urbanos, destacando o processo de revalorização do centro e a produção de novas centralidades; na segunda parte, falaremos sobre a expansão do capital financeiro na reprodução do espaço urbano. Nesse sentido, a predominância do setor financeiro na construção de novas espacialidades, especialmente na cidadela empresarial de Santo Antônio, deve ser entendida pela aliança de interesses entre o mercado imobiliário e o poder público, que através de “ajustes espaciais”, procuram viabilizar a re novação urbana. Na parte final da tese, buscamos as complexas relações dialéticas entre os agentes sociais hegemônicos e não hegemônicos, a fim de entendermos as espacialidades em suas contradições na cidadela empresarial. A contradição entre o processo de produção do espaço e sua apropriação privada estará na base do entendimento da reprodução espacial, que, especificamente na cidadela, revela a relação contraditória entre espaço, tempo e sociedade. Assim sendo, iniciaremos o nosso debate sobre as transformações nos centros urbanos. Convém destacar que a reprodução da cidadela empresarial de Santo Antônio não ocorre alheia às transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas em diversas escalas

3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

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3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO ANTÔNIO

EM SUAS CONTRADIÇÕES

O objetivo deste capítulo é reencontrar o presente. Trata-se, portanto, da fase final de

nosso método – o histórico-genético –, na qual os eventos históricos identificados no capítulo

anterior são visualizados em expressões materiais que interagem dialeticamente com a

sociedade, alterando o presente e construindo o novo.

Assim, a coexistência de inúmeros tempos e espaços na cidadela empresarial de Santo

Antônio será analisada a partir das relações dialéticas entre os agentes sociais produtores do

espaço urbano.

Como já mencionado, a produção do espaço urbano, pela lógica capitalista,

perspectiva que adotamos nessa pesquisa, leva-nos a uma nova compreensão da espacialidade

como o terceiro elemento em relação aos pares tradicionais – o tempo e a sociedade. Nesse

contexto, emerge uma possibilidade de se entender as transformações da metrópole como

mercadoria que se especializa através das interações espaciais, históricas e sociais. Portanto, é

o pressuposto que adotamos ao longo de nossa investigação: a busca pelo thirdspace de

Edward Soja.

O presente capítulo está estruturado em três partes. Na primeira, abordaremos as

transformações ocorridas nos centros urbanos, destacando o processo de revalorização do

centro e a produção de novas centralidades; na segunda parte, falaremos sobre a expansão do

capital financeiro na reprodução do espaço urbano. Nesse sentido, a predominância do setor

financeiro na construção de novas espacialidades, especialmente na cidadela empresarial de

Santo Antônio, deve ser entendida pela aliança de interesses entre o mercado imobiliário e o

poder público, que através de “ajustes espaciais”, procuram viabilizar a renovação urbana. Na

parte final da tese, buscamos as complexas relações dialéticas entre os agentes sociais

hegemônicos e não hegemônicos, a fim de entendermos as espacialidades em suas

contradições na cidadela empresarial. A contradição entre o processo de produção do espaço e

sua apropriação privada estará na base do entendimento da reprodução espacial, que,

especificamente na cidadela, revela a relação contraditória entre espaço, tempo e sociedade.

Assim sendo, iniciaremos o nosso debate sobre as transformações nos centros urbanos.

Convém destacar que a reprodução da cidadela empresarial de Santo Antônio não ocorre

alheia às transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas em diversas escalas

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espaciais, que envolvem desde a dimensão global até a sua periferia imediata. Assim,

analisaremos a reestruturação dos centros das grandes metrópoles e a construção de novas

centralidades, processos associados aos novos interesses de diversos agentes sociais

produtores do espaço em diferentes escalas.

3.1 Do centro à policentralidade

O centro é uma das áreas da metrópole mais desejada e disputada pelos agentes que

produzem o espaço urbano. Assim, individualiza-se pela presença dos poderosos, do

prestígio, da segurança, da comodidade e da localização (SALGUEIRO, 2013).

O nosso objetivo nesta seção é debater as transformações ocorridas nos centros

urbanos das grandes metrópoles à luz das observações empíricas em curso na metrópole

carioca.

Antes de tudo, seria interessante discutirmos as noções de centro e centralidade. Como

afirma Salgueiro (2013), a evolução semântica que se registrou na ciência geográfica de

centro, ou lugar central, para centralidade parece corresponder à necessidade de buscar em

outras dimensões, além da geometria das distâncias ou das acessibilidades, a compreensão das

transformações urbanas.

No centro, concentram-se as principais atividades comerciais e serviços de uma

cidade, a gestão pública e a privada, os terminais de transportes urbanos, além de se destacar

na paisagem da cidade pela sua intensa verticalização (CORRÊA, 2003).

Lefebvre (1999) vê a centralidade como um processo crucial na produção do espaço

urbano, sendo aquilo que define e dá substância à especificidade do urbano, conferindo seu

sentido social e espacial singular.

Assim, o centro de uma metrópole representa a materialização dos processos de

centralização, de convergência de pessoas, de ideias, de bens e serviços. Dessa forma, a

centralidade será considerada em nossa tese como um processo que dialeticamente produz e

reproduz o espaço urbano, que cria e recria novas espacialidades, enfim, que reproduz a

cidade.

Corrêa (2003) frisa que a formação da área central foi resultado do processo de

centralização promovido pelo capitalismo ao longo do século XIX. O autor esclarece: “o seu

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153

aparecimento se deve assim às demandas espaciais do capitalismo em fase concorrencial,

onde a localização central constituía-se em fator crucial na competição capitalista” (p. 40).

Assim, as últimas décadas do século XIX marcam as profundas transformações dos

antigos centros das cidades. O desenvolvimento do capitalismo, envolvendo mudanças

econômicas, demográficas, políticas e culturais gerou mudanças na espacialidade do centro,

ponto focal da vida da cidade (ibidem).

Nesse processo, surgem as áreas centrais, constituídas como frisa Corrêa (2003), por

dois setores distintos, porém profundamente integrados entre si, a saber: o núcleo central de

negócios – CBD (Central Business District) e a zona periférica do centro (ZPC). O autor

distingue as áreas centrais como pontos focais onde a gestão do território é realizada sob

controle de agentes que produzem o espaço como o Estado, um grupo social ou uma empresa.

A urbanização decorrente da produção capitalista ampliou o espaço urbano e as

transformações na organização empresarial e gerou uma concentração do capital. Salgueiro

(2013) frisa que com o crescimento e com a diversificação das funções, as áreas centrais

verificaram uma tendência para o aumento da densidade de ocupação, com consequente

subida dos preços dos terrenos e dos imóveis, além do incremento da variedade das

atividades.

Contudo, mudanças ocorridas na segunda metade do século XX, transformaram as

áreas centrais. O processo de descentralização faz com que o centro perca sua importância e

significado simbólico (CORRÊA, 2003). Segundo Soja (1993), a crise urbana que se

instaurou em várias partes do mundo na década de 1960 afetou diretamente os centros das

grandes metrópoles.

Sobre essa questão, Lefebvre (1999) afirma:

O centro urbano é preenchido até a saturação; ele apodrece ou explode. Às vezes,

invertendo seu sentido, ele organiza em torno de si o vazio, a raridade. Com mais

frequência, ele supõe e propõe a concentração de tudo o que existe no mundo (...)

Em que ponto? Qualquer ponto pode tornar-se o foco, a convergência, o lugar

privilegiado (p. 44).

O processo de descentralização gerou novas espacialidades: shopping centers, distritos

especializados, distritos administrativos, áreas comerciais e de serviços, identificados como

desdobramentos do núcleo central de negócios.

Page 4: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

154

Em relação a esse movimento de atração e saturação dos centros, Soja (1993) ressalta

que as forças de desagregação estarão sempre presentes, contudo as forças de agregação

nunca desaparecerão.

É como compararmos o centro de uma metrópole à estrutura de uma estrela, que deve

a sua existência a um equilíbrio entre a atração gravitacional, que teima em concentrar sua

massa, e a enorme pressão gerada em seu interior, que tende a fazer com que ela se expanda

(GLEISER, 2006).

Um ponto interessante nessa comparação são que os estudos recentes realizados pela

NASA mostrando que quando uma estrela explode o normal seria supormos que a expansão

acontecesse uniformemente. No entanto, não é isso que ocorre, pois a explosão gera uma

distorção, onde as regiões interiores da estrela literalmente se chocam antes da expansão.

Mas afinal, qual o propósito dessa comparação? Em nosso entendimento, quando o

centro de uma metrópole “explode”, a expansão de novas centralidades não ocorre de forma

uniforme, mas sim de forma seletiva, gerando um espaço fragmentado e policêntrico.

Dessa maneira, enquanto as cidades pré-industrial e industrial tinham um “centro”, a

metrópole atual é caracterizada pela fragmentação e pela existência de uma rede de

centralidades ou pela justaposição de fragmentos distintos com diversas espacialidades.

Sendo assim, essa comparação nos remete às discussões sobre as transformações nos

centros urbanos, especialmente sobre a cidadela empresarial de Santo Antônio, verificada

empiricamente em nossa pesquisa.

Lefebvre (1990) afirma que vivemos um momento de retomada do centro. Segundo

ele, é um movimento mundial, ocorrendo não somente em Paris, mas também em Nova

Iorque, Chicago e Tóquio. E, no Rio de Janeiro, esse processo não está ausente.

Todavia, o autor enfatiza que é um processo de difícil compreensão, pois ainda não

está claro o que realmente está acontecendo, além da dificuldade de dimensionar os fatores

econômicos, políticos e sociais envolvidos.

Em relação a essas transformações, Corrêa (s/d) elaborou alguns questionamentos

sobre o destino dos centros urbanos das metrópoles, a saber: “qual o futuro da Área Central?

Tornar-se o foco principal para os pobres em uma cidade sócio-espacialmente fragmentada?

Serão as políticas de gentrificação e de revitalização capazes de frear o processo de declínio

da Área Central? Ou esta será, de fato, um produto histórico, cuja função em grande parte já

se esgotou?”.

Claro que seriam necessárias inúmeras pesquisas e teses para chegarmos a essas

respostas. E, obviamente, não temos a pretensão de respondê-las em sua totalidade. No

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155

entanto, podemos utilizá-las como elementos norteadores da nossa compreensão sobre as

espacialidades contidas em nosso recorte espacial. Afinal, se a história urbanística dessa

cidade perpassa pela cidadela de Santo Antônio, talvez possamos assistir nesse caleidoscópio

urbano, uma possibilidade de debater o futuro das áreas centrais. Assim, gostaríamos de

acrescentar mais um questionamento: a expansão da cidadela empresarial de Santo Antônio

tendo como base os interesses dos agentes hegemônicos como o Estado, o capital financeiro

ou a Igreja, possui alguma resistência? Procuraremos responder na terceira parte deste

capítulo. Por enquanto, vamos nos ater à compreensão sobre a reestruturação do centro.

Segundo Pacheco (2009), o Rio de Janeiro é um nó na rede de cidades inserido aos

processos de mundialização. Nesse sentido, a cidadela empresarial de Santo Antônio deve ser

entendida através de suas conexões com estruturas financeiro-mercantis.

Para Corrêa (s/d), na fase atual do capitalismo, as grandes empresas, corporações

multifuncionais, segmentadas, multilocalizadas e com grande poder econômico e político,

desempenham papel crucial na organização do espaço. Nesse sentido, o BNDES e a Petrobras

exercem um amplo controle sobre o espaço em diversas escalas.

Assim, na próxima seção, continuaremos analisando as transformações das áreas

centrais através do papel exercido pela cidadela empresarial de Santo Antônio como um

centro de produção e organização do espaço.

3.1.1 A cidadela empresarial de Santo Antônio: um centro de gestão do e no espaço

Segundo Salgueiro (2013) e Corrêa (2003 e 2011), os estudos sobre o centro são

envolvidos por duas escalas interligadas, a saber: uma mais ampla, onde as cidades são pontos

inseridos numa rede urbana; outra, na escala intraurbana, na qual a cidade é vista como área.

Corrêa (2013) destaca a importância de estudarmos a produção do espaço urbano

através da interligação entre essas duas dimensões, pois os fenômenos e os processos sociais,

assim como suas representações cartográficas distintas, são interdependentes. Veja o que o

autor diz sobre essa questão: “a operação escalar não introduz essa visão deformada, geradora

de dicotomia, mas, ao contrário, ressalta as ricas possibilidades de se analisar o mundo real, o

urbano no caso, em dois níveis conceituais complementares” (p 136).

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Na escala dos sistemas urbanos, as cidades são centrais porque concentram grande

diversidade de atividades e por isso atraem uma população em busca de trabalho

(SALGUEIRO, 2013); também são centrais devido aos serviços que prestam e que obrigam a

deslocamento de pessoas ou à distribuição de bens pelos espaços circundantes. Essa discussão

foca a crescente integração dos vários sistemas urbanos, pela força da economia globalizada e

pela emergência de cidades globais.

Em relação a nossa pesquisa, a interpretação terá como base a escala intraurbana, ou

seja, o papel exercido por essas importantes instituições na organização do espaço da cidadela

e no processo de expansão de uma nova centralidade na ZPC. Todavia, queremos deixar claro

que não ignoraremos a escala da rede urbana, pois, como sabemos, instituições do porte da

Petrobras e do BNDES possuem o poder de organizar não somente o seu espaço, mas os

impactos de suas ações e como repercutem em inúmeras escalas espaciais.

Sendo assim, o objetivo desta seção é visualizar as transformações ocorridas na escala

do centro da metrópole carioca, especificamente na cidadela empresarial de Santo Antônio e

de sua periferia imediata a partir da ação dessas instituições no processo de gestão do espaço

urbano.

Assim, a presença na metrópole carioca das sedes de empresas de enorme poder

econômico e político como a Petrobras e o BNDES permite considerarmos a cidadela de

Santo Antônio como um importante centro de gestão do e no espaço.

Corrêa (s/d) frisa que a cidade do Rio de Janeiro tem declinado em importância

absoluta após a transferência da capital para Brasília, gerando impactos diretos sobre a

metrópole, principalmente em sua área central66

. Entretanto, por ser o local das sedes de

grandes empresas como a Petrobras e o BNDES, a cidadela de Santo Antônio emprega

milhares de empregados dotados de enorme poder econômico e político. Além disso, as

decisões tomadas ali possuem uma expressão material, afetando, direta ou indiretamente, uma

ampla porção do território brasileiro, como também em escala mundial.

Para ilustrar o poder de produzir novas espacialidades, destacamos duas obras da

Petrobras que estão gerando, mesmo com todos os problemas econômicos e políticos da

empresa, um impacto espacial extraordinário – a construção das refinarias Abreu e Lima no

litoral sul de Pernambuco e do Complexo Petroquímico do estado do Rio de Janeiro

(COMPERJ), no município de Itaboraí no estado do Rio de Janeiro. Em relação ao BNDES,

66 Esse declínio, diz o autor, está relacionado às atividades bancárias e financeiras, muitas das quais se

transferiram para São Paulo, como é o caso da Bolsa de Valores.

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157

ampliamos a escala, destacando o financiamento para a construção do Porto de Mariel em

Cuba. Poderíamos avançar citando muitas outras obras financiadas por essas empresas, mas

não é o nosso objetivo.

Nesse sentido, a cidadela empresarial de Santo Antônio possui uma nítida

espacialidade impregnada pelos interesses dessas grandes empresas, por meio da produção de

um espaço articulado pelas relações entre diversos agentes.

Corrêa (s/d) adverte:

mas o centro de gestão do território não é apenas a expressão gloriosa das grandes

empresas vitoriosas, dos prédios modernos e serviços sofisticados. O centro de

acumulação capitalista é também um centro de acumulação de pobreza, senão de

miséria, de dramáticos contrastes e conflitos.

Em suma, a produção de um centro de gestão do território, como é o caso da cidadela

de Santo Antônio, remete-nos a ideia da espacialidade não apenas como um reflexo social,

mas também como uma condição para a reprodução capitalista.

A partir de suas sedes sociais, as grandes empresas criam e controlam seus espaços.

Isso é notório na cidadela de Santo Antônio. Petrobras e BNDES usam seus espaços como

parte integrante dos recursos da empresa, ainda que compartilhado com outros agentes

sociais.

É o que Roberto Lobato Corrêa denomina “capital territorial”, não necessariamente no

sentido de uma real apropriação fundiária, mas sim de uma apropriação funcional, associada

ao uso dos meios necessários à produção e à reprodução das condições de produção e à

acumulação capitalista.

Entretanto, a pesquisa irá provar que esse “capital territorial”, no caso da expansão da

cidadela de Santo Antônio, também possui uma apropriação fundiária.

Nesse contexto, a espacialidade se transforma numa condição, objeto de ações visando

garantir, ou mesmo ampliar, aqueles atributos que são julgados pela grande empresa como

fundamentais para os fins de controle.

No processo de expansão da Petrobras e do BNDES, a prática da seletividade se torna

inerente ao processo de ampliação de seus espaços. Assim, os lugares ocupados por essas

empresas se transformaram, submetidos agora por outros parâmetros. É o que está ocorrendo

atualmente com o novo bairro da Lapa (mapa 5) no trecho da cidadela empresarial,

especificamente na quadra das Avenidas Henrique Valadares, Ruas do Senado, dos Inválidos

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e Dídimo67

. Enfim, são transformações advindas do desdobramento da cidadela a partir da

construção do Centro Empresarial Senado.

Mapa 5 – O novo bairro da Lapa

Fonte: Mapa produzido pelo Instituto Pereira Passos – IPP, adaptado pelo autor, 2016.

67 O novo bairro da Lapa possui os seguintes limites: Rua Riachuelo, Rua André Cavalcanti, Rua do Rezende,

Rua Ubaldino do Amaral, Rua do Senado, Rua dos Inválidos, Rua Visconde do Rio Branco, Rua do Lavradio,

Rua dos Arcos, Rua Evaristo da Veiga, Rua das Marrecas, Rua do Passeio, Avenida Luís de Vasconcelos, Rua

Mestre Valentim, Rua Teixeira de Freitas, Avenida Augusto Severo, Rua da Lapa, Rua da Glória, Rua Conde de

Lages, Rua Joaquim Silva. Fonte: PL 104/2013 – disponível no site da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

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159

O território da Petrobras é, assim, o resultado de uma complexa prática de seletividade

espacial, a qual contribui para configurar uma nova espacialidade na medida em que interfere

em outras atividades. Assim, a Petrobras vê ampliado o seu papel de gestora, não apenas de

seu território, mas de toda uma organização espacial.

Corrêa (s/d) identifica que, nesse processo, a grande empresa pode localizar uma de

suas unidades em um lugar antes que condições favoráveis tenham sido satisfeitas. Segundo o

autor, trata-se da prática da antecipação espacial, na qual a grande empresa estabelece uma

reserva de território, garantia para o futuro próximo do controle, ainda que parcial, de uma

dada organização espacial. Nesse sentido, a antecipação significa a possibilidade de preparar

as condições de reprodução de suas atividades e só é possível no âmbito da grande empresa

multilocalizada, que pode arcar com taxas diferenciadas de remuneração, inclusive negativas,

entre suas diversas unidades.

Chamamos a atenção para essa prática espacial, pois uma das nossas questões é que no

processo de expansão da cidadela de Santo Antônio houve uma articulação entre a Petrobras,

o capital imobiliário/financeiro e a municipalidade visando garantir as condições da

reprodução das atividades da estatal.

Nesse contexto, o papel exercido pelo capital financeiro não pode ser esquecido na

produção das espacialidades da reprodução da cidadela. É o que faremos a seguir.

3.1.2 Os “caminhos” da cidadela

Procuramos, nesta seção, os “caminhos” para o entendimento da reestruturação dos

centros urbanos. Para nós, a palavra “caminho” possui dois sentidos: como um referencial

teórico que nos ajude a estudar os centros; e como a direção da expansão espacial do CBD.

Dessa maneira, o estudo da reprodução da cidadela empresarial de Santo Antônio

permitirá, em nosso entendimento, a construção de um quadro interpretativo que sinalize os

caminhos para os estudos urbanos.

Santos (1959), ao estabelecer processos metodológicos que procurem estudar os

centros urbanos, atesta que não deve ser a preocupação do geógrafo delimitar rigorosamente o

perímetro de estudo. Seria, segundo ele, uma tarefa praticamente impossível em virtude das

variantes regionais, que dificultam a formação de um esquema rígido. Então, se não há um

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160

único modelo de centro urbano, o que se deve considerar como centro da cidade? O autor

responde:

a parte de uma aglomeração urbana que apresenta a maior animação e conhece a

mais forte atividade, sob todas as suas formas. Isso lhe atribui individualidade, em

relação aos demais elementos do organismo urbano. Mas o que dá aos centros de

cidade uma característica comum é a natureza das atividades que aí se processam,

responsáveis que são pelos aspectos de paisagem e de estrutura que asseguram mais

fortemente aquela individualidade (p. 18).

Sobre a hierarquia dos centros, Santos frisa que independentemente do grau de

centralidade, o centro se caracteriza pela concentração de recursos e funções que conferem o

poder de organização. Essas atividades, diz o autor, possuem um lugar próprio no espaço

urbano: “é seu centro68

” (p. 19).

Salgueiro (2013) analisa o centro a partir de três dimensões: a geométrica, a funcional

e a simbólica. A autora explica que esses níveis podem ser separados por conveniência da

análise do pesquisador, no entanto, são profundamente inter-relacionados e presentes em

todos os centros urbanos.

Do ponto de vista geométrico, o centro é um ponto, um lugar central, um lugar

geométrico das menores distâncias (ibidem). O efeito da distância teve grande importância na

organização do espaço em áreas concêntricas em torno do ponto central. Segundo Salgueiro,

essa interpretação foi reiterada pela teoria dos lugares centrais da corrente neopositivista da

geografia. Nessa interpretação, a distância é um atributo funcional responsável pela dimensão

e pela posição hierárquica dos centros.

Do ponto de vista funcional, os centros são uma concentração de funções

diversificadas que atraem muita gente e, portanto, suportam importantes trocas de informação.

Salgueiro frisa que na geografia urbana, o centro rapidamente deixou de ser visto

apenas como uma área central pela localização e pela acessibilidade para passar a ser

contemplado pela aglomeração de atividades terciárias, principalmente as que exigem

deslocamento de pessoas e propiciam o contato pessoal.

Assim, a centralidade funcional está associada à organização e ao controle da

produção, portanto com a produção do espaço para a realização do capital, mas também com a

apropriação e o uso para reprodução da vida. As necessidades da organização da produção e

68 No caso do Rio de Janeiro, esse setor da cidade recebe um termo de caráter popular: “cidade”. Como nos

lembra o IBGE, para os cariocas, ir à cidade significa, grosso modo, dirigir-se ao trecho compreendido entre a

Praça XV e a Praça Tiradentes; entre a Praça Mauá e a Cinelândia.

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161

da acumulação do capital explicam porque os centros acolhem os níveis altos da

administração pública e da empresarial, os bancos, outras empresas da área financeira e as

sedes das grandes empresas.

Salgueiro (2013) lembra que as funções que geram centralidade não são

necessariamente as mesmas nos lugares transformados para servir à produção e à circulação

do capital (centro de negócios) ou para atrair visitantes para o consumo (centro de comércio,

serviços, cultura e lazer). Tradicionalmente, essas funções coexistem no mesmo espaço,

contudo, nos grandes centros, nota-se uma tendência para a separação interna das funções.

Em relação à dimensão simbólica, a autora ressalta que as cidades são objetos

materiais com uma determinada estrutura física que provoca representações abstratas as quais,

por sua vez, afetam as decisões e a vida das pessoas. Assim, as espacialidades urbanas

possuem uma estrutura física objetiva e uma estrutura subjetiva ou cognitiva.

A centralidade simbólica está essencialmente ligada às ideias de prestígio e de poder

que explicam a marcação física desse espaço pelo poder político, ao longo dos tempos, e a

atração que transforma os centros em lugares de concentração.

Também estará associada à dimensão histórico-cultural, que se materializa em formas

arquitetônicas do passado. A espacialidade simbólica não poderá de forma alguma ser

ignorada ao estudarmos o centro do Rio de Janeiro, pois, como veremos a seguir, essa

dimensão interage dialeticamente com as dimensões sociais, econômicas e políticas,

interferindo na reprodução da cidadela. Segundo Rabha (2006), essa dimensão explica porque

o centro da cidade, mesmo com o processo de descentralização verificado a partir dos anos

1960, manteve a sua importância. Em muitas situações, os centros entram em crise; noutras,

por razões diversas associadas, por exemplo, a uma ação urbanística, foi capaz de demonstrar

notável resiliência e nunca deixou de ser centro principal (ibidem). É o caso do centro do Rio

de Janeiro.

Segundo Sposito e Fernandes (2013), o centro é produzido por dinâmicas diversas

associadas não apenas a diferentes ritmos de transformação, mas também à desigual forma

como se revestiu a ação dos agentes de transformação e do modo como se articulam na

promoção dos seus interesses.

Portanto, a centralidade exercida pela cidadela empresarial de Santo Antônio define o

seu papel no espaço urbano em diversas escalas, isto é, um lugar de convergência de pessoas,

ideias, bens e serviços, encontros e referências. São essas características de concentração dos

elementos mais diversos do urbano que melhor definem o centro de uma cidade

(FERNANDES e SPOSITO, 2013).

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162

Rabha (2006) identifica na segunda metade do século XX, fatos que acarretaram a

diminuição do interesse sobre o centro do Rio. Dentre eles, podem ser apontados: a mudança

da capital federal, o decorrente esvaziamento das atividades administrativas até então

localizadas na área central, a intensificação da descentralização residencial, a consolidação de

áreas de expansão na direção sul da orla oceânica, o crescimento das favelas e a segurança

pública.

A autora identifica uma mudança no curso da reprodução da área central, sustentada

pela alteração na orientação das anteriores práticas de renovação urbana, baseadas na

eliminação de elementos históricos, para uma política de preservação da memória urbana.

Além disso, incorporou-se também o incentivo ao uso residencial, antes varrido por

reformas, decretos e regulamentos, editados pelo setor público municipal. Assim, morar no

centro tornou-se uma política de governo, viabilizada por intermédio de programas de

fomento e subsídio para atrair dinamismo, gente para o espaço anterior e obstinadamente

modelado como território exclusivo de trabalho (ibidem).

Segundo a urbanista, os anos 1980 marcam o início de uma revisão sobre tal

tratamento até então conduzido para a área central. Foram criados instrumentos que

garantiram a permanência de trechos periféricos ao centro de negócios, refletindo a

emergência de novos conceitos voltados à preservação da memória edificada. A expansão do

turismo apropriou-se do patrimônio urbano mais antigo.

Contudo, na base desse processo, estaria a expansão dos setores de serviços

beneficiados por oportunidades e descobertas, que vão desde o aproveitamento dos espaços

intersticiais vazios ou obsoletos nas áreas centrais, até os antigos portos, ferrovias, instalações

industriais etc.

Assim, chegamos a um ponto crucial em nossa pesquisa. Em função dos fatores

mencionados, associados ao aumento dos investimentos da Petrobras e do BNDES, surge um

processo de expansão física da cidadela, identificada na própria Avenida Chile com a

construção do Ventura Towers e, em torno de sua periferia imediata, especificamente na

quadra entre a Avenida Henrique Valadares, Ruas do Senado, dos Inválidos e Dídimo, onde

foram construídas as novas torres da Petrobras.

De todos os fatores identificados e analisados por Rabha (2006), gostaríamos de

acrescentar um que, em nossa compreensão, é fundamental para a compreensão da

reestruturação urbana do centro do Rio de Janeiro. Trata-se da financeirização do mercado

imobiliário, que possui em sua expressão material as torres de escritórios de alto padrão. É o

que veremos a seguir.

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163

3.2 O capital financeiro e a reprodução do espaço urbano

Definir e analisar o capital financeiro não é uma tarefa fácil. Da mesma forma,

compreender a sua atuação na reprodução do espaço urbano também não é uma tarefa fácil,

diante das relações contraditórias com o Estado e com os demais agentes sociais como

veremos mais adiante.

Há inúmeras discussões e concepções, contudo muitas são observadas de maneira

superficial, não alcançando a sua complexidade nem a sua natureza contraditória (HARVEY,

2013). Não é nosso objeto alcançar uma definição de capital financeiro na linguagem dos

economistas, mas sim discutir suas contradições que são reproduzidas na espacialidade

urbana, pois, como já observado, esse agente está se transformando num poderoso produtor

do espaço.

Os fundos imobiliários estão reestruturando o espaço urbano, fragmentando e

segregando; centralizando e descentralizando, enfim, criando, com isso, novas espacialidades,

particularmente nas metrópoles. Esses fundos são formados por grupos de investidores que

aplicam seus recursos em negócios com base imobiliária, seja no desenvolvimento de

empreendimentos imobiliários, seja em imóveis prontos69

.

Harvey (2013) trabalha com duas concepções de capital financeiro, a saber: “a

primeira é aquela de um processo de circulação do capital que rende juros; a segunda, a de um

bloco de poder institucionalizado dentro da burguesia” (p. 411). O autor se esforça para reunir

essas duas concepções para alcançar uma definição mais adequada.

O capital financeiro está envolvido em um mistério que se origina de sua enorme

complexidade (ibidem). O sistema abrange inúmeras instituições, a saber: o Banco Central, as

instituições internacionais como o Banco Mundial e o FMI; todo um complexo de mercados

financeiros interligados 24 horas por dia (bolsas de valores, mercados futuros, mercados

hipotecários); agentes (corretores de valores, banqueiros, atacadistas); instituições (fundos de

pensão, seguros, bancos mercantis, associações de crédito, poupança etc.); além de poderosos

bancos privados.

O autor enfatiza que as decisões tomadas pelos centros de decisão afetam a vida de

milhões de pessoas, o que sugere que essas corporações financeiras estão no controle da vida

69 Disponível em <http://www.fundoimobiliario.com.br/vantagens.htm>. Acesso em 26 de novembro de 2015.

Page 14: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

164

dos indivíduos, tanto capitalistas, quanto trabalhadores. Esse poder, que parece ser assustador,

também afeta a questão da propriedade do solo urbano, interferindo na produção da cidade.

Entretanto, Harvey procura desmistificar alguns pontos desse poder controlador

totalmente hegemônico e mostrar sua vulnerabilidade interna e suas contradições.

Acreditamos ser importante essa discussão, pois, como vimos, questionamos se há limites

para a expansão do capital financeiro na produção do espaço urbano. Acreditamos que

contradições e vulnerabilidade serão desenhadas no processo de reprodução da cidadela

empresarial de Santo Antônio.

Para o autor, a concepção de capital financeiro, como um fluxo de valor que rende

juros, aproxima-se da concepção marxista que vê o capital como um processo e não como

uma coisa. Essa concepção contribui para dissolver e solucionar impasses, ajudando também

a entender a instabilidade das configurações que surgem quando o capital financeiro é

considerado um bloco de poder no interior do sistema capitalista.

O poder do sistema financeiro está concentrado em algumas mãos, como afirma

Harvey. Alguns indivíduos ou famílias extremamente ricas podem acumular a massa do poder

monetário da sociedade, ou algumas instituições poderosas podem controlar esse poder

disperso de inúmeros indivíduos desprovidos de poder. Dessa concepção, surge, segundo o

autor, uma definição prática de capital financeiro que foi observada por Lênin, isto é, um

valor controlado como unidade de posse e inserido no centro estratégico da circulação do

capital que rende juros.

Assim, escrever sobre o capital financeiro nos remete à lógica da circulação, ou seja, o

valor reproduzindo-se na própria esfera da circulação, “sem arcar com o peso e os riscos da

materialidade representada pela esfera da produção” (VOLOCHKO, 2008).

Segundo Harvey (2013), na base da expansão do capital financeiro está uma transação

elementar entre agentes econômicos que controlam os excedentes dos valores e que querem

fazer uso desses excedentes para algum propósito. Sobre isso, o autor escreveu:

As unidades econômicas podem ser indivíduos (de qualquer classe), corporações,

governos, sindicatos, instituições como a Igreja e a coroa, organizações profissionais

e comerciais, fundos de pensão, instituições beneficentes, bancos etc., enquanto a

série de possíveis propósitos é imensa (para circular como capital industrial ou

mercantil; para adquirir uma casa, erguer um monumento, lançar uma campanha política, comprar uma propriedade no campo para uma amante favorita, construir

uma igreja etc.) (p. 361).

Os objetivos parecem ser infinitos, contudo, a importância da dimensão espacial nesse

processo é clara. Assim, os fundos de investimentos são concentrados em shopping centers e

Page 15: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

165

prédios comerciais (ibidem). No entanto, há uma mudança de perfil devido à diversificação

das opções de investimento: parques temáticos, hospitais, complexos industriais, flats e

imóveis residenciais.

Dessa forma, o capital financeiro expande-se em torno da necessidade de encontrar

formas eficientes para coletar, concentrar e converter os excedentes na circulação como

capital que rende juros (ibidem).

O capital financeiro também não discrimina os seus usos, fluindo para receitas

apropriadas que permitam sua reprodução. Logo, não há limites para o investimento

especulativo na apropriação de receitas. Harvey (2013) frisa que o capital financeiro pode se

integrar, e talvez até disciplinar a dívida do governo, do consumidor e do produtor, além de

especular através de ações na bolsa de valores e dos fundos imobiliários extraindo a renda do

solo.

Da mesma forma, o capital não discrimina particularmente de onde vem o dinheiro ou

aonde vai (o que nos lembra do problema da lavagem de dinheiro), de modo que o poder do

dinheiro que se reúne pela via do sistema de crédito tem uma base social extraordinariamente

ampla (HARVEY, 2013).

O autor também destaca que entre a origem do capital e o destino do investimento

podem surgir conflitos oriundos dos interesses dos diversos segmentos sociais. No entanto,

afirma que o sistema de crédito oferece o mecanismo de controle e de reconciliação mediante

a organização e o gerenciamento apropriados.

Não podemos esquecer que a natureza essencial do sistema capitalista é a contradição.

É dela que o capital consegue a sustentação para sua acumulação. Nesse sentido, a

contradição de ter num mesmo bloco, investidores e interesses tão diversos, a nosso ver, não

fere, mas, sobretudo permite a lógica e o gerenciamento do sistema. Portanto, a partir dessas

contradições, o capital financeiro consegue se apropriar de rendas diversas; dessas

contradições que o capital financeiro consegue subordinar outros agentes sociais e se aliar a

agentes que a priori seriam inconcebíveis, como a igreja, uma universidade pública, pequenos

investidores, ou até mesmo trabalhadores através da utilização de fundos de previdência.

Volochko (2008) levanta alguns questionamentos: quais seriam as relações que esse

processo de financeirização do capital guarda com a produção do espaço? Existiriam

estratégias espaciais envolvidas nesse processo de reprodução financeira, que envolve uma

abstração tão elevada a ponto de parecer um processo a-espacial?

Para o autor, as espacialidades inseridas na lógica dos mercados imobiliário e

financeiro, com apoio na racionalidade do Estado, colocam-se submissas à forma geral da

Page 16: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

166

mercadoria como lógica abstrata da troca que retalha o espaço através da propriedade privada

para realizar sua compra e sua venda.

Sanfelici (2015) mostra que as recentes transformações nas cidades brasileiras têm

raízes numa nova articulação contraditória entre agentes, processos e estratégias que

priorizam diferentes escalas espaciais de ação. A questão das escalas é, segundo ele, a base da

intensificação do processo de acumulação na produção das cidades, tendo como resultado o

aumento da tendência das metrópoles brasileiras de funcionarem como espaços voltados,

prioritariamente, para o negócio.

Como se sabe, o Brasil passou por um boom imobiliário a partir dos anos 2000 que

alterou as estratégias e práticas dos agentes e suas escalas de atuação. Promoveu também

mudanças no mercado imobiliário, consequentemente, impactando na forma de produzir o

espaço urbano (ibidem).

“Essa nova trama de relações econômicas permitirá, então, caracterizar o momento

atual como estruturalmente diverso do que havia predominado até então na produção das

cidades” (SANFELICI, 2015, p. 126). Acreditamos que essa nova trama de relações e escalas

caracterizam a produção/reprodução do morro de Santo Antônio como veremos mais adiante.

Segundo Sanfelici (2015), a principal transformação ocorrida no mercado imobiliário

brasileiro a partir da década de 1990 foi a sua crescente internacionalização. Até então, havia

um mercado estritamente local, geralmente sob o comando de empresas controladas por

famílias influentes em escala regional, que transferiam capitais acumulados em outros setores

para investimentos em incorporação e construção.

Dessa forma, há também uma mudança na escala de atuação dos agentes no mercado

imobiliário, pois empresas de atuação local passam a expandir seus mercados. Além disso, e

para nós, o mais importante, o Estado brasileiro através de seu Banco Central regulamenta os

fundos de investimento imobiliário, grupos que capturam recursos investidos no mercado

financeiro para investir em projetos imobiliários geradores de fluxos de renda (ibidem).

A partir de então, novos agentes financeiros entram em cena interessados na

apropriação de renda a partir da produção do espaço urbano, a saber: os fundos de pensão, os

fundos de investimentos, seguradoras e os fundos ligados às grandes corporações

(BOTELHO, 2007). Na metrópole paulista, diversos projetos imobiliários ligados ao mercado

de edifícios corporativos de alto padrão são financiados por fundos de investimentos

imobiliários (ibidem).

No entanto, Sanfelici (2015) reforça que não podemos enxergar a financeirização

como um processo universal e onipresente, ou seja, capaz de explicar toda a dinâmica do

Page 17: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

167

mercado imobiliário. Portanto, ao enfatizarmos o papel desse agente na reprodução da

cidadela de Santo Antônio, não podemos deixar de abordar, principalmente, as novas relações

existentes entre capital, Igreja e Estado.

Assim, é necessária uma formulação reflexiva, relacional e historicizada sobre os

fenômenos e os processos associados à produção do morro e da cidadela empresarial de Santo

Antônio.

Segundo Carlos (2015), a produção do espaço se coloca como uma noção fundamental

para compreendermos o mundo. Permite uma reflexão crítica sobre os múltiplos e

contraditórios processos e relações sociais que estão em transformação e que se reproduzem

espacialmente, relevando com isso, os próprios fundamentos da reprodução da sociedade.

A análise da produção do espaço permite, portanto, desmistificar aquilo que aparece

como novo absoluto. A autora escreve: “os novos espaços, as novas práticas, novas

representações e justapondo o velho, modificando parcialmente, no movimento simultâneo da

constituição do novo” (CARLOS et al., 2015, p. 7).

Essa afirmação nos ajuda a entender a produção histórica da produção do morro de

Santo Antônio e a justaposição entre tempos e espaços.

3.2.1 A reprodução da cidadela como estratégia do capital financeiro

Qual definição de capital financeiro utilizaremos para a análise da produção do espaço

urbano, especificamente no estudo da cidadela de Santo Antônio? Inicialmente, visualizamos

o capital financeiro como um bloco de poder que exerce enorme influência sobre outros

agentes sociais. Entretanto, ao aprofundarmos a leitura sobre o tema, percebemos que essa

visão não é a mais adequada, pois esconde as inúmeras contradições internas que são geradas

no interior do bloco.

Assim, o capital financeiro precisa ser visto como um grupo multidimensional, pois,

como lembra Harvey (2013), o capital financeiro não é discriminador em relação à sua

origem. O autor cita: “as poupanças dos trabalhadores se fundem com aquelas dos capitalistas

endinheirados de tal modo que com frequência se tornam indistinguíveis. O poder monetário

reunido via o sistema de crédito tem uma base social extraordinariamente ampla” (p. 378).

O objetivo desta seção é compreender a reprodução da cidadela empresarial de Santo

Antônio pelo movimento da globalização financeira. Assim, pretendemos analisar o que

Page 18: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

168

Carlos (2015) denomina de novo sentido hegemônico assumido pela cidade e pelo urbano,

isto é, de “reproduzir não mais as condições necessárias para a acumulação do capital no

espaço urbano, mas reproduzir diretamente o capital por meio da produção do espaço urbano”

(p. 8).

Nesse sentido, o espaço urbano carioca, especialmente, a cidadela empresarial de

Santo Antônio, vem sendo absorvido cada vez mais pela produção dos agentes hegemônicos

econômicos e políticos, que reúnem o Estado em suas instâncias (municipal, estadual e

federal) e o capital em suas frações (produtivo, financeiro e comercial), com predomínio do

financeiro. O espaço urbano se transforma num grande negócio, condição para a reprodução

da sociedade capitalista.

Gottdiener (2010) revela um fragmento de O Capital no qual Marx se refere à

Fórmula da Trindade, a saber: capital, trabalho e terra. Estes são os três componentes, que,

segundo Marx, representam a base da produção de mais-valia do sistema capitalista. Em

resumo, a renda sobre a terra se transforma numa fonte inesgotável de acumulação de mais

valor.

A essência do pensamento marxista é que, no capitalismo, a propriedade da terra

constitui um meio de adquirir riqueza (ibidem). Sobre essa condição, Lefebvre (1999)

enfatiza que o capitalismo encontrou uma nova energia ao conquistar o espaço através da

especulação imobiliária, nas grandes obras, na compra e na venda do espaço.

É importante frisar que a estratégia do capital vai além de uma simples venda de um

pedaço do espaço. Assim, o capitalismo faz o espaço entrar na produção da mais-valia,

reorganizando da produção subordinada aos centros de informação e decisão (ibidem).

Como vimos no capítulo 1, a produção do espaço se constituiu num elemento

fundamental para a expansão capitalista, assumindo diferentes conteúdos ao longo do

processo histórico. Segundo Lefebvre (1999), a produção do espaço não é uma coisa nova, no

entanto, ele afirma que o novo é a produção global e total do espaço social.

Nesse sentido, a produção expandiu-se espacialmente, penetrando em diversas escalas,

desde o local até o global, incorporando as atividades humanas e redefinindo-se sob a lógica

do processo de valorização do capital (CARLOS, 2011b). Dessa forma, a espacialidade

assume a condição de mercadoria: “a produção do espaço se insere, assim, na lógica da

produção capitalista que transforma todo o produto dessa produção em mercadoria” (Ibidem,

p. 64).

A consequência desse processo é que o valor de uso, ou seja, aquilo que é necessário à

realização da vida é redefinido pelo valor de troca. Para Carlos, trata-se de um momento

Page 19: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

169

histórico em que a expansão capitalista penetra profundamente no vivido, reorientando-a sob

sua lógica.

Portanto, há algo de novo na produção do espaço urbano. Segundo Carlos (2015), o

boom imobiliário iniciado no século XXI gerou profundas mudanças no processo de expansão

do mercado imobiliário brasileiro a partir de novo arranjo e entre agentes que operam em

diferentes escalas espaciais. A autora frisa que essa nova trama de relações permite

caracterizar o momento atual como estruturalmente diverso do que havia predominado até

então na produção do espaço.

Ela destaca duas grandes transformações do mercado que vão interferir de forma

decisiva na produção das metrópoles brasileiras, a saber: a internacionalização e a

financeirização do setor imobiliário. Assim, o caráter local ou regional do mercado

imobiliário brasileiro foi redefinido a partir da década de 1990 por mudanças expressivas,

observadas como a expansão espacial do capital imobiliário.

Vale destacar que, além disso, no mesmo período são regulamentados os fundos de

investimentos imobiliários que capturam recursos de investidores do mercado financeiro para

investimentos em projetos de mobiliário gerados no fluxo de renda (ibidem).

Carlos (2001) mostra o processo de financeirização do mercado imobiliário urbano,

que gera uma grande contradição, “isto porque o espaço, enquanto valor, entra no circuito da

troca geral da sociedade (produção/repartição/distribuição) fazendo parte da reprodução da

riqueza, constituindo-se em raridade” (p.2). Neste sentido, a propriedade privada do solo

urbano, como condição da reprodução da cidade no capitalismo, transforma-se num limite à

expansão econômica capitalista. Em outras palavras, o espaço produzido socialmente, torna-se

mercadoria no processo histórico, criando limites para sua própria reprodução.

É importante frisar que as contradições presentes no espaço socialmente produzido são

inerentes ao modo de produção capitalista. Nesse sentido, Lefebvre (2013) afirma que essas

contradições procedem, em parte, de antigas contradições, oriundas do processo histórico de

produção do espaço.

Segundo Carlos (2001), o espaço urbano como raridade ocorre pela confluência de

alguns fatores, a saber: a existência da propriedade privada do solo, a centralidade das novas

atividades econômicas e o grau de ocupação da área no conjunto do espaço da metrópole.

O processo de produção do espaço da metrópole concentrada no centro e, em seguida,

expandido e disperso a partir dele numa área mais ampla, permitiu a realização da propriedade

privada do solo. Esse movimento criou uma contradição, pois sua saturação impede a

expansão do setor de serviços no centro.

Page 20: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

170

A autora frisa que já no final da década de 1970 o esgotamento dos terrenos passíveis

de serem incorporados para escritórios em São Paulo obrigou o mercado imobiliário a buscar

novas alternativas locacionais para permitir a reprodução de sua atividade.

No Rio de Janeiro, verificamos esse processo, especificamente na cidadela de Santo

Antônio através da transferência do capital para ativos financeiros, tendo o espaço urbano

como condição para a reprodução, em áreas selecionadas da Avenida Chile e de sua periferia

imediata.

O espaço físico marcado pela presença de uma área remanescente do morro e da forma

de ocupação da “esplanada” com a presença de áreas livres e a justaposição com a zona

periférica do centro permitiu que novas áreas fossem incorporadas pela lógica da articulação

entre capital financeiro e o Estado.

Assim, um ponto precisa ser enfatizado: para se apropriar do espaço, é necessário que

o capital se alie ao Estado, na medida em que poder público atua em diversas frentes:

produzindo a infraestrutura necessária capaz de atrair o interesse do capital, como no caso

específico da zona portuária; alterando as normas urbanísticas de uma área específica, como é

o caso da mudança do gabarito na Avenida República do Paraguai, o que possibilitou a

incorporação de uma parte do morro para construção do prédio anexo do BNDES; ou até

mesmo, com medidas ligadas ao setor financeiro, como o aumento das taxas de juros pelo

Banco Central, o que possibilita que várias frações do capital sejam canalizadas para o setor

financeiro, ligadas ao mercado de imóveis.

Carlos lembra também que o Estado pode "colocar em suspensão" o estatuto da

propriedade privada do solo urbano, através da desapropriação, liberando as áreas ocupadas

para novas atividades; o que significa a criação de novas estratégias entre as várias formas de

capital e do Estado.

Queremos mostrar que a reprodução da cidadela empresarial de Santo Antônio é

baseada pela lógica do capital financeiro como no jogo “Banco Imobiliário”70

. Entretanto,

nesse “jogo”, o capital financeiro apesar de desempenhar um papel central na reprodução do

70

A Revista Exame.com em 16 de novembro 2012 publicou uma reportagem cujo título era o seguinte: As

regras do Banco Imobiliário valem para a vida real? Segundo a reportagem, algumas regras foram retiradas do

manual do jogo e usadas como referência por especialistas para identificar quais delas se aplicam ou não ao

mundo real dos investimentos. A conclusão é simples: apesar da complexidade do mundo real dos negócios

imobiliários, alguns lances do jogo realmente se aproximam com a lógica do mercado imobiliário, como a

aquisição de hotéis, a diversificação dos negócios, a compra de diversas propriedades e a compra de ações de

empresas.

Page 21: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

171

espaço, não é o único. Assim, temos uma possibilidade de entender as relações dialéticas entre

os agentes sociais envolvidos nesse processo.

Neder (1997) identifica na entrada de capitais estrangeiros o aumento da quantidade de

imóveis de alta qualidade. De fato, isso pode ser constatado na reprodução da cidadela com a

construção de torres como o Rio Metropolitan Center, a Ventura Corporate Towers e o Centro

Empresarial Senado.

O espaço como condição pode se transformar numa barreia à expansão da urbanização

aliada ao capital financeiro? Vimos que ao entrar no circuito de troca geral da sociedade, o

espaço se transforma em raridade. Nesse sentido,

(...) diante das necessidades impostas pela reprodução do capital, o espaço produzido socialmente - e tornado mercadoria, no processo histórico - é apropriado

privativamente, criando limites a sua própria reprodução. Nesse momento, o espaço,

produto da reprodução da sociedade, entra em contradição com as necessidades do

desenvolvimento do próprio capital. O que significa dizer que a "raridade" é produto

do próprio processo de produção do espaço ao mesmo tempo que sua limitação - o

que se configura como uma contradição do espaço (inerente ao seu processo de

produção) (CARLOS, 2001).

Esse fenômeno ocorre principalmente nos centros das grandes metrópoles. Entretanto,

no caso do Rio de Janeiro, as Avenidas República do Chile e República do Paraguai, o espaço

como raridade encontra uma preciosidade, isto é, áreas ainda possíveis de serem apropriadas

no interior do centro da cidade, transformando-se em condição de reprodução do capital

financeiro.

Sobre essa questão, Singer (1979) lembra que a procura por espaço na cidade é

realizada por empresas, por indivíduos ou por entidades que atendem às necessidades de

consumo coletivo. No caso das empresas, o uso é objetivado para realizar atividades

produtivas, comerciais ou financeiras. O autor afirma: “do ponto de vista das empresas, cada

ponto do espaço urbano é único, no sentido de proporcionar determinado elenco de vantagens

que influem sobre seus custos” (p. 24).

Nesse contexto, novas áreas da cidade são incorporadas. Há, portanto, uma nova

lógica na produção do espaço urbano baseada na apropriação do espaço ordenado a partir de

operações que se realizam no mercado. Desse modo, afirma Carlos (2001), “o espaço é

produzido e reproduzido enquanto mercadoria reprodutível”.

Page 22: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

172

Acreditamos que as novas apropriações ocorridas nas Avenidas Chile e do Paraguai,

além da Rua da Carioca, envolvendo novas relações entre o capital financeiro, o Estado em

seus diversos segmentos e a Igreja, confirmam a hipótese acima.

Assim, a escassez de espaço no centro do Rio de Janeiro é minimizada através de

possibilidade da ocupação de áreas vazias ainda existentes na Avenida Presidente Vargas, na

zona portuária e no entorno do morro de Santo Antônio.

Entretanto, o processo é ainda mais complexo. Se por um lado existem

“preciosidades” a serem capturadas por essa lógica, por outro, existem outros elementos

nessas áreas que podem dificultar essa expansão. No caso do Rio de Janeiro, isso é um ponto

essencial.

É no contexto da renovação urbana que edifícios de escritórios são construídos fora da

área central numa área propícia à expansão dessa atividade em função das áreas passíveis de

serem incorporadas pelo mercado imobiliário e com zoneamento adequado (ibidem).

Assim, com o processo de generalização do valor de troca, a cidadela de Santo

Antônio é incorporada através da construção de torres de escritórios a partir das necessidades

de crescimento do mercado imobiliário e da expansão da Petrobras e do BNDES.

No caso da cidade de São Paulo, Carlos (2001) mostra que a escassez de espaços

disponíveis obrigou as empresas voltadas ao setor de serviços modernos e ao setor financeiro

a optarem por novas localizações gerando um movimento espacial, em que o processo de

reprodução espacial gerou novas centralidades.

No caso da cidadela empresarial de Santo Antônio, o espaço como raridade foi

atenuado pela condição da espacialidade local. Como já observado, a baixa massa edificada e

a presença de áreas livres se transformaram em condições para que o movimento espacial

gerado pela expansão do capital financeiro, capitaneados pelo processo de expansão da

Petrobras e do BNDES, gerasse a ocupação das áreas ainda disponíveis.

Assim, acreditamos ser importante nesse momento debatermos sobre a natureza e o

papel contraditório do capital financeiro na produção do espaço urbano, onde novas

espacialidades surgem pela lógica da cidade como negócio. É o que faremos em seguida.

Page 23: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

173

3.2.2 A nova questão sobre a propriedade imobiliária

Denominamos a nova questão da propriedade na cidadela de Santo Antônio a fase

atual dos interesses, das transações e das disputas jurídicas que envolvem a propriedade do

solo urbano. Como na questão do final do século XIX, envolve os agentes sociais

hegemônicos, no entanto, inseridos na temporalidade e na espacialidade da produção do

espaço urbano pela lógica do capital financeiro. São eles, o Estado, a Igreja e o capital em

suas diversas frações.

Assim, o objetivo desta seção é analisar essas transações que se sustentam pela lógica

da espacialização capitalista. Em todas, há uma espacialidade contraditória ou ainda em

processo. Podemos verificá-las no quadro abaixo:

Quadro 4 – A nova questão sobre a propriedade imobiliária

Questões

Ano

Principais agentes sociais

envolvidos

Expressão Material

1

1995

Encol Engenharia, TELERJ e

União

Condomínio Rio Metropolitan

Center

2

2011

Tishman Speyer, Camargo

Corrêa, UFRJ, Petrobras e

BNDES

Ventura Corporate Towers

3

2012

Wtorre, Petrobras e

Municipalidade

Centro Empresarial Senado

4

atual

Banco Opportunity, VOT,

Municipalidade e comerciantes

locais

Rua da Carioca (lado ímpar)

5

atual

BNDES, VOT e Municipalidade

Anexo do BNDES a ser

construído na Avenida

República do Paraguai

Fonte: o autor, 2016.

Page 24: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

174

É importante ressaltar que ao longo do processo de parcelamento do solo e de

edificação, novos agentes hegemônicos entram em cena, como fundos imobiliários e fundos

de pensão, apropriando-se de partes ou da totalidade da propriedade dos imóveis. Por ordem

cronológica, iniciaremos o estudo das questões com o Condomínio Rio Metropolitan Center,

situado na Avenida República do Chile, nº 500.

3.2.2.1 O Rio Metropolitan Center

A construção do Rio Metropolitan Center pode ser considerada uma mudança no

paradigma da produção da cidadela empresarial. Vimos no capítulo anterior que o capital

imobiliário, por questões ligadas à concepção urbanística e ao contexto econômico da época,

não se interessou de imediato pela aquisição dos terrenos, restringindo-se ao setor de

construção dos novos edifícios. Nesse sentido, o Rio Metropolitan Center, inaugurado em

1995, representa uma “virada de página”, pois abriu caminho para a chegada do capital

financeiro na construção de edifícios corporativos de alto padrão.

Foto 15 – O Rio Metropolitan Center na cidadela empresarial de Santo Antônio

Nota: O Rio Metropolitan Center, primeira torre à esquerda.

Fonte: O autor, 2016.

Page 25: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

175

Assim, se as conjunturas política e econômica do Rio de Janeiro de 1960 e 1970 não

aqueceram o mercado imobiliário da área correspondente ao desmonte do morro de Santo

Antônio, a década de 1990 marca a retomada do centro aliada à expansão do setor financeiro

ávido por extrair rendas da produção do espaço. Enfim, era uma questão de tempo para o

capital se interessar por aquela área, e também de espaço, claro.

O edifício foi construído pela Encol S.A. Engenharia Comércio e Industrial, que

investiu cento e quarenta milhões de dólares entre compra de terreno e construção.

Segundo Capel (2005), a análise do parcelamento do solo constitui um elemento

indispensável ao estudo da morfologia urbana. Assim, o autor afirma que uma edificação se

realiza no interior de uma parcela que se adapta à forma e à dimensão da mesma, e quando o

seu tamanho não é apropriado, obriga a operações de reparcelamento por compra de novas

parcelas.

Sobre a aquisição do terreno, a Encol arrematou em leilão público uma área de 3.660

m2, desmembrada do lote que pertencia à empresa Telecomunicações do Rio de Janeiro S.A.

– TELERJ71

. Vale lembrar que era nesse terreno que a Companhia Telefônica Brasileira

(CTB) pretendia construir sua sede na década de 1970.

Como a TELERJ era uma empresa de economia mista e pertencente ao Sistema

TELEBRAS – Telecomunicações Brasileiras S.A, foi necessária a aprovação do Ministério

Público Federal para permitir o processo de alienação de bens imóveis da União.

A materialidade resultada dessa ação é um edifício de trinta andares com uma área de

62 mil metros quadrados. Atualmente, 60% do edifício pertencem à Fundação Sistel de

Seguridade Social, uma empresa ligada ao setor de previdência privada que atua em fundos de

pensão patrocinados por empresas privadas72

. Segundo essa empresa, os investimentos em

ativos imobiliários contribuem para a solidez da instituição. A rentabilidade dos investimentos

desse fundo é gerada com as locações de imóveis situados em vários estados brasileiros. No

Rio, destacamos além do Rio Metropolitan Center, o Centro Empresarial Rio, na praia de

Botafogo, onde a empresa é dona de andares, e o Centro Empresarial Internacional Rio, o

RB1, onde a Fundação é detentora de 25% do edifício73

.

Quatorze andares do Rio Metropolitan Center são alugados ao Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE). Além dessa instituição, o setor de petróleo também está

presente com a Petrobras e a francesa Total E&P do Brasil. Essa última fechou contrato, em

71

Diário Oficial da União, seção 1, página 120, 10 de outubro de 1989. 72 Disponível em <www.sistel.com.br/sistel/opencms/sobre_a_sistel/>. Acesso em 22 de janeiro de 2016. 73 Disponível em <www.sistel.com.br/sistel/export/sites/default/.content/downloads-pdf/revista-sistel-ed11.pdf>.

Acesso em 22 de janeiro de 2016.

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176

2014, de alocação de 1.000 m2 do edifício com a outra proprietária do imóvel – a Caixa de

Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, considerado o maior fundo de pensão da

América Latina. No prédio também está situada a Accenture, uma empresa global de

consultoria de gestão, serviços de tecnologia e outsourcing74

, o que reforça o papel global

exercido pela cidadela.

Assim, a forte presença de fundos de pensão na aquisição de ativos imobiliários na

cidadela de Santo Antônio nos remete à proliferação de investidores institucionais, como

fundos coletivos, que atualmente encontram ali um lugar para expandir suas operações. Sem

dúvida, o Rio Metropolitan reforça esse fato. Contudo, não é só ele.

3.2.2.2 O Ventura Corporate Towers

De todas as torres da cidadela, a Ventura Corporate Towers (foto 16) é, sem dúvida, a

mais imponente, não somente pela sua materialidade, mas também pelos seus números. Foi

construída pela transnacional Tishman Speyer e pela Camargo Corrêa, após um acordo feito

com Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), proprietária do terreno.

Pelo contrato firmado entre as referidas partes, a universidade teria direito a uma área

de 16 mil metros quadrados no Ventura Corporate Towers, o equivalente a 9 andares.

O Ventura Corporate Towers é um complexo corporativo composto por duas torres de

36 metros e com mais de cem mil metros quadrados de área. O projeto foi desenvolvido pela

Kohn Pedersen Fox, sediada em Nova York, e pelo escritório de arquitetura Aflalo &

Gasperini no Brasil. As torres apresentam também 14 mil quadrados para investimentos

comerciais.

Veja como a Tishman Speyer, empresa operadora e administradora de fundos do

mercado imobiliário, entende a localização de seu principal empreendimento no centro do

Rio:

As Torres Ventura estão em uma localização privilegiada, a começar pela vista da

paisagem: de um lado, a Baía da Guanabara com o Pão de Açúcar e, do outro, a

74

O termo Outsourcing está relacionado à utilização estratégica de fontes externas de mão-de-obra de uma

empresa. Basicamente, falar em outsourcing significa falar em “terceirização”, termo mais conhecido no Brasil.

É a ação tomada pelo gestor de uma empresa em obter mão-de-obra de uma fonte externa à organização.

Fonte: Disponível em <http://www.sobreadministracao.com>. Acesso em 01 de junho de 2016.

Page 27: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

177

Ponte Rio-Niterói. Ao seu redor estão monumentos como a Catedral, o Teatro

Municipal, o Convento de Santo Antônio, a Petrobras, o BNDES, o Aeroporto

Santos Dumont, o MAM, os Arcos da Lapa e a Marina da Glória; Próximo à

Petrobras e ao BNDES; Fácil acesso ao aeroporto Santos Dumont e Próximo à

Marina da Glória75.

A torre leste foi vendida em janeiro de 2009, antes mesmo do término da construção,

para um fundo internacional árabe pelo valor de R$ 422 milhões. Cinquenta por cento da

segunda torre oeste foram vendidos pela Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário

(CCDI) a BR Propitiers pelo valor de R$247 milhões, os demais 50% permanecem com uma

afiliada da norte-americana Tishman Speyer76

.

A Petrobras e o BNDES ocupam a torre leste desse empreendimento. A torre oeste é

ocupada além do BNDES por parceiras da Petrobras, empresas globais ligadas ao setor de

petróleo, logística energética e tecnologia: GE, BG Brasil, Logum, Techint e Tenaris.

Foto 16 – O Ventura Corporate Towers

Nota: O Ventura Towers no centro da foto.

Fonte: Camargo Corrêa – Disponível em <www.camargocorrea.com.br/grupo-camargo-

correa/comunicacao/central-de-midia/fotos/incorporacao-imobiliaria.html>. Acesso em 26 de junho de

2016.

75 Disponível em <http://tishmanspeyer.com.br/comercial/ventura>. Acesso em 12 de março de 2014. 76 Disponível em <http://www.portalvgv.com.br/site/camargo-correa-desenvolvimento-imobiliario-anuncia-

venda-da-segunda-torre-do-edificio-ventura-corporate-towers/>. Acesso em 05 de maio de 2016.

Page 28: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

178

Apesar de não ter o peso do poder de suas “primas” BNDES e Petrobras, a

Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) alugou, em 2014, seis andares da torre oeste do

Ventura pelo valor mensal de 1,6 milhão por mês por um período de 10 anos. O que mais

chama a atenção nessa transação é que a FINEP possui sede própria localizada na Praia do

Flamengo, n. 200, o que gerou inúmeros protestos em seu quadro funcional.

Recentemente, a Escola de Música da UFRJ levou sua sede (termo retirado do site da

universidade) para o Ventura Towers. Localizada no 21º andar da torre leste, funcionam

setores administrativos, biblioteca, salas de aula e Programa de Pós-Graduação. Segundo

informações obtidas por funcionários da Petrobras, o som dos instrumentos alcançam os

andares comerciais. Em nossa compreensão, é uma contradição a instituição de ensino dividir

o espaço em uma torre corporativa com diversas empresas globais. Essa contradição só pode

ser entendida quando você toca na questão da propriedade.

O BNDES alugou 23 andares e meio da Ventura Towers, pelos quais o BNDES pagará

R$ 310 milhões durante cinco anos. Segundo a assessoria do banco, esses valores estão

abaixo do valor de mercado de aluguéis na região central do Rio de Janeiro77

.

O problema da falta de espaço ocorreu também com a Petrobras. A empresa possui

cerca de 44 mil funcionários trabalhando na área administrativa no Rio, ocupando mais de

250 mil metros quadrados espalhados entre o EDISE, as Torres Senado, a Ventura Towers e a

Torre Almirante. Em relação às torres Ventura, a Petrobras aluga uma, a torre leste, e um

quarto da torre oeste, a um custo estimado de 6 milhões de reais por mês78

.

3.2.2.3 O Centro Empresarial Senado

Segundo Diniz (2009), o terreno onde atualmente estão localizadas as Torres Senado

(foto 17), pertencia até 1890 à Chácara dos Inválidos nas proximidades do antigo morro do

Senado. Era uma propriedade que servia de abrigo para pessoas sem moradia. Nesse mesmo

ano começou a construção da Vila Rui Barbosa, que ocupou todo o quarteirão com 145 casas

para famílias e 324 cômodos para solteiros em sobrados. Inaugurada em 1901, a vila só ficou

pronta definitivamente em 1912. Com ruas arborizadas em seu interior, havia uma lavanderia,

77 Op. Cit. 78 Por Geraldo Samor - Veja Mercados, 12 de fevereiro de 2016. Veja.com.

Page 29: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

179

armazéns e uma carvoaria. Com estilo arquitetônico eclético, a vila foi construída para ser

uma vila operária, no entanto, acabou ocupada por população de classe média (ibidem).

Na década de 1970, a Vila Rui Barbosa entra em decadência. Muitos moradores

desocupam seus imóveis, paralelamente casas são invadidas e suas travessas se transformam

em estacionamento. O terreno passa a pertencer ao Banco Banespa que, posteriormente, foi

incorporado pelo Banco Santander. Em 2008, o Banco, com o objetivo de criar a sua nova

sede, onde poderia concentrar os 6 mil funcionários espalhados em quatro prédios em São

Paulo, compra da Wtorre, a Torre São Paulo, na Marginal Pinheiros, por 1,06 bilhão,

considerado o maior negócio imobiliário fechado no país até então79

. Como parte do

pagamento, o Santander cedeu à Wtorre o terreno na Rua do Senado (DINIZ, 2009).

Foto 17 – O Centro Empresarial Senado

Fonte: O autor, 2016.

A Wtorre é uma holding na área de atuação de construção de propriedades comerciais,

de desenvolvimento imobiliário, de centros logísticos, de entretenimento, de shopping centers

79 Caderno Mercado, Folha de São Paulo, 20 de agosto de 2008.

Page 30: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

180

e de infraestrutura. Em 2010, constrói o Centro Empresarial Senado e realiza obras de

restauro de obras públicas e de edifícios históricos no entorno80

.

Em 2006, com o crescimento da empresa, a Petrobras decidiu construir um novo

prédio para acomodar o quadro pessoal. A comissão da Diretoria de Serviços sugeriu que o

prédio deveria de preferência estar próximo à sede atual.

A alternativa foi alugar as Torres já construídas pela Wtorre na Rua do Senado. O

Edifício abriga 10 mil funcionários da área administrativa da estatal; a obra foi orçada em R$

1,2 bilhão. A Petrobras é locatária até 2029. O contrato prevê aluguéis de cerca de R$ 100

milhões ao ano por esse período.

Além desse empreendimento, a Wtorre adquiriu 12 sobrados nas ruas do Senado e dos

Inválidos. Segundo a Empresa, serão reformados e alugados para fins comerciais. Além disso,

conforme informação da empresa, construções próximas estão passando por melhorias – a

Igreja de Santo Antônio dos Inválidos, o Palácio da Polícia Central e a Sociedade Brasileira

de Belas Artes e fazem parte de um acordo realizado com a prefeitura para a aprovação do

projeto de construção das torres. O acordo também prevê a construção de novo calçamento,

cuidado com paisagismo e iluminação e colocação de câmeras de vigilância.

Essa nova espacialidade é acompanhada pela especulação imobiliária. Um estudo

imobiliário sobre a região encomendado pela Wtorre Rio mostra um aumento de até 450%

nos valores entre 2007 e maio de 2012. Na aquisição dos primeiros sobrados, a Wtorre pagou

entre mil e mil e quinhentos reais pelo metro quadrado. Nos últimos, o valor já estava em dez

mil reais.

A euforia do mercado imobiliário foi acompanhada pelo discurso da renovação urbana

de inúmeros jornais. Entretanto, algo deu errado como poderemos ver mais adiante.

Na próxima seção, falaremos de mais uma tentativa de reestruturação no centro do

Rio, a venda da Rua da Carioca a um fundo financeiro.

80 Segundo o site da Wtorre, a área em torno que abriga o Centro Empresarial Senado recebeu obras de

recuperação de calçadas, recuperação e pintura de fachadas, requalificação viária, restauração e recuperação de

imóveis considerados patrimônios históricos.

Page 31: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

181

3.2.2.4 A Rua da Carioca

Em 2012, o Opportunity Fundo de Investimento Imobiliário comprou 41 imóveis da

VOT, sendo 18 localizados na Rua da Carioca.

A análise dessa transação imobiliária confirma a nossa preocupação em inserir a igreja

como um agente hegemônico em nossa tipologia para compreendermos a reprodução do

espaço urbano carioca.

Em tese, a VOT está ligada aos franciscanos pelos princípios religiosos, no entanto,

são duas instituições distintas. Nas palavras do Frei Anacleto do Convento de São Francisco

de São Paulo: “a Congregação dos Franciscanos não tem qualquer ligação com a Venerável

Ordem Terceira de São Francisco de Penitência nem com suas atividades empresariais (...)”81

.

Isso ficou claro quando um diretor da VOT nos informou que os franciscanos e os terceiros

constituem “empresas completamente diferentes”.

À essa discussão, o Frei Anacleto acrescenta: “Algumas organizações como a Ordem

Terceira do Rio, que são entidades civis autônomas, cresceram muito e se transformaram em

instituições de grandeza, de poder, até no próprio nome: ‘venerável’. Isso tem muito pouco de

religioso e muito de poder”82

. Aliás, o poder evidenciado pelo seu patrimônio imobiliário.

Tivemos acesso à Escritura Pública de Compra e Venda, registrada no Cartório 2º

Ofício de Justiça do município de Belford Roxo. Como podemos visualizar no quadro 5, com

a exceção de uma loja localizada em Ipanema, todos os imóveis adquiridos pelo Banco

Opportunity estão localizados no centro da cidade.

Quadro 5 – Imóveis adquiridos pelo Banco Opportunity na cidade do Rio de Janeiro

ENDEREÇO

BAIRRO

1 – Rua da Carioca nº 11 Centro

2 – Rua da Carioca nº 13 Centro

3 – Rua da Carioca nº 15 Centro

4 – Rua da Carioca nº 17 Centro

5 – Rua da Carioca nº 19 Centro

6 – Rua da Carioca nº 21 Centro

7 – Rua da Carioca nº 23 Centro

8 – Rua da Carioca nº 25 Centro

9 – Rua da Carioca nº 27 Centro

81 Jornal o Globo, 30 de março de 1986. 82 Jornal o Globo, 30 de março de 1986.

Page 32: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

182

10 – Rua da Carioca nº 29 Centro

11 – Rua da Carioca nº 31 Centro

12 – Rua da Carioca nº 33 Centro

13 – Rua da Carioca nº 35 Centro

14 – Rua da Carioca nº 37 Centro

15 – Rua da Carioca nº 39 Centro

16 – Rua da Carioca nº 43 Centro

17 – Rua da Carioca nº 47 Centro

18 – Rua da Carioca nº 53 Centro

19 – Loja A e Subsolo do Edifício Avenida Rio Branco Centro

20 – Sobreloja nº 201 do Edifício Avenida Rio Branco Centro

21 – Salão 201 do Edifício Avenida Rio Branco Centro

22 – Salão 1801 do Edifício Avenida Rio Branco Centro

23 – Loja 211 do Edifício nº 547 da Rua Visconde de Pirajá Ipanema

24 – Prédio da Rua Primeiro de Março nº 19 Centro

25 – Prédio na Travessa do Ouvidor nº 9 Centro

26 – Prédio na Rua Senhor dos Passo nº 107 Centro

27 – Prédio na Rua Sete de Setembro nº 155 Centro

28 – Prédio e terreno na Rua Miguel Couto nº 98 Centro

29 – Prédio na Rua Miguel Couto nº 100 Centro

30 – Prédio na Rua Miguel Couto nº 102 Centro

31 – Prédio na Rua Miguel Couto nº 104 Centro

32 – Prédio na Rua Miguel Couto nº 106 Centro

33 – Prédio no Largo de Santa Rita nº 10 Centro

34 – Prédio na Avenida Mém de Sá nº 102 Centro

35 – Prédio na Gonçalves Dias nº 17 Centro

36 – Prédio na Rua Uruguaiana nº 76 Centro

37 – Prédio na Rua Uruguaiana n 78 Centro

38 – Prédio na Rua Teófilo Otoni nº 24 Centro

39 – Prédio na Rua Teófilo Otoni nº 99 Centro

40 – Prédio na Rua Teófilo Otoni nº 101 Centro

41 – Prédio na Rua Teófilo Otoni nº 103 Centro

Fonte: Registro de Compra e Venda registrada no Cartório 2º Ofício de Justiça do município de

Belford Roxo. Data: 2012.

Vale frisar que o Banco reconheceu os contratos de locação da VOT e repassou aos

comerciantes os reajustes de aluguel. Segundo Roberto Cury, presidente da Sociedade dos

Amigos da Rua da Carioca (SARCA), em alguns casos, o valor quase triplicou, gerando o

fechamento de inúmeras lojas. Nas palavras do Cury: “a rua está parecendo um cemitério de

lojas”.

Os imóveis da Rua da Carioca são tombados pelo Instituto Estadual do Patrimônio

Cultural (INEPAC) desde 1983. Além disso, o conjunto arquitetônico também é protegido

pelo Corredor Cultural. O prefeito decretou que o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade

(IRPH) estudasse medidas para preservar os imóveis, entre elas, iniciar o processo de

desapropriação.

Em junho de 2013, a prefeitura publicou o decreto 37.273 criando o Sítio Cultural da

Rua da Carioca, abrangendo toda a rua e tombando definitivamente nove imóveis. O decreto

Page 33: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

183

criava também nova categoria de patrimônio imaterial na cidade: a de atividade econômica

notável. Na ocasião, o presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, Washington

Fajardo, explicou que o tombamento municipal impedia modificações arquitetônicas nos

prédios sem aprovação do conselho de patrimônio. Assim, qualquer mudança de uso dos

imóveis também precisaria ser autorizada pelo instituto.

O lado ímpar da Rua da Carioca foi vendido em bloco, com exceção dos números 30 e

31 onde estão o Cinema Íris e o Shopping Matriz. Aliás, essa foi uma das reclamações dos

comerciantes que alocam esses imóveis, pois a venda em bloco praticamente impediu a

compra dos imóveis pelos inquilinos.

Finalizaremos a nova questão sobre a propriedade, abordando o projeto do edifício

anexo do BNDES.

3.2.2.5 O edifício anexo do BNDES

O projeto de construção de um edifício anexo para o BNDES está gerando uma nova

polêmica. A justificativa apresentada pelo banco para a construção de um edifício na Avenida

República do Paraguai, na parte remanescente do morro de Santo Antônio (foto 18), é o

crescimento da instituição, acompanhada por um salto de 35% no número de funcionários.

Assim, o EDSERJ ficou pequeno para abrigar o seu quadro funcional.

A solução temporária foi alugar um espaço no Ventura Corporate Towers. Entretanto,

em longo prazo, a solução seria a construção de um novo prédio.

Page 34: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

184

Foto 18 – Área remanescente do morro de Santo Antônio

Nota: Área remanescente do morro de Santo Antônio entre o Centro Empresarial Castelo Branco (à

esquerda) e o EDSERJ (à direita).

Fonte: O autor, 2016

Em Ata de Audiência Pública realizada em 27/01/2014, o BNDES apresentou o

projeto de seu edifício anexo. Participaram importantes agentes que interferem na produção

do espaço urbano: a Prefeitura representada pelo Instituto Patrimônio Rio-Humanidade, a

Fraternidade Secular de São Francisco da Penitência e o BNDES, representado pela

Superintendência da área de Administração.

A análise em tela permite visualizar como agentes sociais poderosos se articulam

visando aos “ajustes espaciais” que permitam a reprodução do espaço urbano. Nesse sentido,

os estudos realizados pelo banco foram levados à equipe técnica da Secretaria de Urbanismo,

ao mesmo tempo em que iniciaram as conversações com a Fraternidade Franciscana, a outra

proprietária, especificamente, de 38% do terreno onde está planejada a construção do prédio

anexo.

O terreno escolhido para a construção do edifício nos remete a uma condição do

espaço já debatida: o espaço urbano como raridade. Nesse sentido, representantes do BNDES

enfatizavam que o único terreno disponível para a construção na área era o da Avenida

República do Paraguai.

Estudos realizados pelo banco mostraram que o projeto é viável economicamente, pois

os custos com a compra do terreno e com a construção seriam inferiores aos dispêndios com o

aluguel do Ventura.

Page 35: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

185

Após o apoio favorável da Prefeitura, a Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU)

preparou o projeto que tramitou por mais de três anos na Câmara de Vereadores, o projeto foi

aprovado em março de 2014. Da mesma forma, o Conselho da Fraternidade Franciscana

também aprovou o projeto de parceria com o BNDES83

.

É importante frisar que as duas propriedades precisaram ser legalmente desmembradas

dos seus terrenos originais para formar um novo terreno. Nesse ajuste espacial, foi alterado o

gabarito da área. Essa é a base da polêmica que abordaremos na parte final da tese.

Pelo acordo entre os dois proprietários, o banco pagará 72 parcelas trimestrais pelo

terreno e, após concluída a construção, um aluguel pelo uso de 5,46% do terreno.

3.3 “Tudo se junta, e tudo se separa” na cidadela empresarial de Santo Antônio

As transformações atuais na cidadela empresarial de Santo Antônio nos revelam,

através das contradições materializadas em suas espacialidades, o entrecruzamento entre

espaço, tempo e sociedade. Portanto, acreditamos que ao buscarmos as contradições

presentes na cidadela, encontraremos com base na teoria espacial de Edward Soja, o

thirdspace.

Portanto, o nosso objetivo nesta parte final da tese é alcançarmos as múltiplas

contradições expressas materialmente com base na trialética espacialidade, temporalidade e

sociedade.

Sem nos tornarmos repetitivos, afirmamos que a cidadela empresarial de Santo

Antônio é uma janela paradigmática para estudar a produção capitalista do espaço urbano,

reafirmando e ampliando a sensibilidade crítica sobre a espacialidade.

Carlos (2011a) afirma que o processo de reprodução do espaço urbano na metrópole se

realiza através do aprofundamento das contradições pela existência da propriedade privada da

terra e pela extensão do valor de troca. Assim, nossa busca terá como aspectos norteadores a

divisão social do espaço e a emergência do capital financeiro.

83 A parceria entre o BNDES e a VOT é, na verdade, anterior ao projeto da construção do prédio anexo. O

restauro do Museu Sacro da Igreja de São Francisco da Penitência foram patrocinados pelo banco. Além disso, a

parceria se consolida quando o administrador do referido Museu é um funcionário do quadro do BNDES.

Page 36: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

186

A autora afirma que, com a globalização econômica, o lugar é perpassado por forças

originadas em diversas escalas, o que gera um desencontro e muitos conflitos entre a

dimensão da vida cotidiana e a escala da concentração do capital.

Portanto, a espacialidade da cidadela empresarial de Santo Antônio é resultado da

multiplicidade e da combinação entre forças de agregação e desagregação. É importante

enfatizar que essas forças são geradas em diversas escalas temporais.

Quando afirmarmos que “tudo se junta e tudo se separa” na cidadela de Santo

Antônio, estamos parafraseando Soja (1993) ao afirmar que, sob diversos aspectos, Los

Angeles é o lugar onde “tudo se junta”. Sobre isso, o autor afirma:

(...) ao redor do centro da cidade de Los Angeles de prototopos, lugar

paradigmático; ou, levando a criatividade ainda mais longe, de mesocosmo, um

mundo ordenado em que o micro e o macro, o ideográfico e o nomotético, o

concreto e o abstrato podem ser vistos simultaneamente, numa combinação articulada e interativa (p. 232).

Analogias à parte, e claro, respeitando suas devidas escalas, procuramos reafirmar a

articulação dialética entre os agentes produtores do espaço urbano. É o que faremos a seguir.

3.3.1 “Os de cima” e “os de baixo”

Todavia, diferentemente de Los Angeles, acreditamos que a “inadvertida falha” do

planejamento urbano contribui, de certa forma, para que a área fosse apropriada

estrategicamente pelos grupos hegemônicos.

Dessa maneira, segundo a nossa compreensão, a área que abrange as Avenidas

República do Chile e República do Paraguai, é na verdade um enclave fortificado

caracterizado pela presença de poderosas instituições que se materializam em formas

monumentais.

O que chamamos de uma “inadvertida falha” do planejamento é, na verdade, a

interrupção ou a não conclusão dos diversos projetos concebidos para a área por questões

políticas, econômicas ou ideológicas. Destacamos dois exemplos que confirmam a nossa

hipótese.

A atual estrutura viária da “esplanada” é um desdobramento da evolução da proposta

de Affonso Eduardo Reidy, que projetou duas avenidas com níveis diferenciados. O projeto

Page 37: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

187

do urbanista, como dissemos anteriormente, previa a construção de um centro cívico que

abrigaria prédios da prefeitura, câmara, biblioteca, museu e auditório, edifícios de escritórios;

uma zona comercial com prédios de escritórios, cinemas, teatros e restaurantes, além de uma

zona residencial com espaço para escola, clube e centro de saúde. Para Reidy, a presença de

espaços livres entre as edificações permitiriam criar áreas de convivência social.

Entretanto, as atuais Avenidas República do Chile e República do Paraguai se

resumem a trechos curtos que não contribuíram para a conexão efetiva da cidade como

idealizado pelo arquiteto (SANSÃO, 2004).

Outro exemplo foi a intervenção do IPHAN, cuja intenção era manter um testemunho

do morro de Santo Antônio para preservar uma parte do patrimônio histórico da cidade.

Contudo, o resultado foi a presença de uma pequena elevação na Avenida Chile, contribuindo

posteriormente para que as instituições se apropriassem daquela forma intencionalmente,

produzindo uma espacialidade do poder.

Como já mencionado, a demolição do morro de Santo Antônio não produziu uma área

aplainada. Sobre isso, o jornal Correio da Manhã noticiou a presença de um “calombo” no

centro da cidade84

(foto 19). As obras de rebaixamento da Avenida Chile, nivelando com a

Avenida Almirante Barroso, ocorreu no final da década de 1960 após a venda dos terrenos85

,

o que nos sugere pensar que as instituições queriam ficar localizadas na parte de cima,

separando-se dos rés-do-chão.

84 Jornal Correio da Manhã, 06 de fevereiro de 1968. 85 Jornal Correio da Manhã, 04 de fevereiro de 1968.

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188

Foto 19 – Avenida Chile, um “calombo” no centro da cidade

Fonte: Jornal Correio da Manhã, s/d. – Arquivo Nacional.

Essa parte da cidadela nos remete a uma espacialidade hostil. Lefebvre (1999) e

Jacobs (2000) nos ajudarão a entender o que queremos afirmar. Segundo Jacobs (2000), a rua

e a calçada são os locais mais importantes de uma cidade. A autora frisa: “se as ruas de uma

cidade parecerem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecerem monótonas,

a cidade parecerá monótona” (p. 29). Seguindo essa interpretação, acrescentaríamos: se as

ruas parecerem hostis, a cidade parecerá hostil.

Assim, as avenidas em tela são hostis, pois não há ali os elementos que, segundo

Lefebvre (1999), são os mais importantes para a vida de uma cidade: o encontro e o convívio

de pessoas.

Portanto, as instituições se apropriaram dos espaços públicos de convivência

transferindo um caráter privado. É o que ocorre com o cercamento de áreas públicas, como

são os casos da Praça do Centro Empresarial Castelo Branco no entorno do Teatro Nelson

Rodrigues (foto 20), e do jardim projetado por Burle Marx no Largo da Carioca.

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189

Foto 20 – Praça do Centro Empresarial Castelo Branco

Fonte: O autor, 2016.

A presença de um jardim em pleno Largo da Carioca pretendia “arejar” e “humanizar”

o centro, segundo a avaliação de Burle Marx (VALVERDE, 2007). A ideia seria a de oferecer

um espaço para o descanso e para o lazer no centro da cidade, rompendo a perspectiva da

exclusividade funcional.

Para que a ambiência de tranquilidade fosse preservada, uma grade passou a separar o

jardim do Largo da Carioca (ibidem) (foto 21). Vale lembrar que o jardim é controlado pelo

Condomínio do BNDES (CEDSERJ).

Nada mais contraditório do que criar ambiências excluindo parte da população que

circula no centro da cidade.

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190

Foto 21 – Jardim do Largo da Carioca

Fonte: O autor, 2016.

Os encontros ocorrem nos “cantinhos” do café no interior das torres empresariais,

como podemos constatar no Ventura Towers ou nas praças corporativas, mantidas e

controladas pelas instituições (foto 22).

Foto 22 – Praça interna do Edifício Rio Metropolitan Center

Fonte: O autor, 2016.

Page 41: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

191

Os arquitetos que projetaram o Rio Metropolitan Center, Paulo Casé e Luiz Acioli,

almejavam, em tese, amenizar esse isolamento ao construir um prédio tão imponente como os

da Petrobras, do BNDES e do BNH, mas com uma concepção diferente de não ser um prédio

isolado como os seus vizinhos86

.

Já que a Avenida Chile dificultava a reunião de pessoas, os arquitetos idealizaram

“levar” a rua como local de encontro para o interior do prédio através da construção de uma

praça e de um pavimento que abrigaria serviços públicos, restaurantes, lanchonetes, teatro e

lojas de comércio.

“O projeto vai mudar o conceito de edifício isolado, pois terá preocupação com as

pessoas que transitam pelo centro. Sua arquitetura prevê um espaço que unirá o particular e o

público, voltado não apenas para quem trabalha no prédio”, diz Paulo Casé87

.

A nosso ver, nada mais contraditório. Em nosso trabalho empírico, percebemos que

esse projeto não logrou êxito. De fato, há uma praça no segundo pavimento do edifício como

podemos constatar, no entanto, mais uma vez o isolamento se impôs. A área comercial se

restringe a uma pequena lanchonete e a um jornaleiro.

A distância entre os dois níveis da Avenida República do Chile e os prédios podem ser

medidas em termos de nível ou de classe social. Muitas vezes despercebidas em nível do

cotidiano (foto 23).

Foto 23 – Avenida República Chile

Fonte: O autor, 2016.

86 Jornal do Brasil, 30 de outubro de 1990. 87 Op.Cit.

Page 42: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

192

Dificilmente você verá um “rés-do-chão” no nível superior da Avenida República do

Chile. É importante frisar que eles não estão proibidos de transitar por ali, entretanto,

verificamos inúmeras vezes, em nossos campos, seguranças das instituições (fotos 24 e 25)

colocando “as pessoas estranhas” em seu devido lugar.

Sobre essa vigilância, Bauman (1998) diz:

O que faz certas pessoas estranhas e, por isso, irritantes, enervantes, desconcertantes

e, sob outros aspectos, ‘um problema’, é – vamos repetir – sua tendência a

obscurecer e eclipsar as linhas de fronteira que devem claramente ser vistas. Em

diferentes épocas e em diferentes situações sociais, são diferentes as fronteiras que devem ser vistas mais claramente do que outras. Em nossos tempos pós-modernos,

por motivos acima esmiuçados, as fronteiras que tendem a ser ao mesmo tempo mais

fortemente desejadas e mais agudamente despercebidas são as de uma justa e segura

posição na sociedade, de um espaço inquestionavelmente da pessoa, onde possa

planejar sua vida com o mínimo de interferência, desempenhar seu papel num jogo

em que as regras não mudem da noite para o dia e sem aviso, agir razoavelmente e

esperar pelo melhor (BAUMAN, 1998, p. 38).

O Estado moderno legisla para manter a sua existência, definindo com clareza as

divisões, classificações, distribuições e fronteiras. Uma estratégia será bani-los dos limites do

mundo ordeiro e impedi-los de toda comunicação com os do lado de dentro, em nosso caso,

do lado de cima (ibidem).

Foto 24 – Segurança escondido na parte superior da Avenida Chile.

Fonte: O autor, 2016.

Page 43: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

193

Segundo Vasconcelos (2013), as desigualdades sociais podem ser refletidas no espaço

ou podem ser “escondidas”. Sobre as noções de diferenciação e de desigualdades

socioespaciais, Marcuse (2004) ressalta o fenômeno da fortificação nos centros das

metrópoles norte-americanas, sobretudo, em áreas de escritórios e das grandes corporações.

Segundo o autor, o processo de segregação urbana pode ser entendido em níveis cultural,

funcional ou por status hierárquico. Nesse último são formadas verdadeiras fortificações

refletindo relações de poder na metrópole. Essa forma de segregação pode ser representada

pelas formações de enclaves como condomínios fechados ou pela desigualdade na

distribuição dos serviços públicos oferecidos pelo Estado.

Foto 25 - Segurança entre as Avenidas Chile e

Paraguai

Fonte: O autor, 2016.

Page 44: 3 AS ESPACIALIDADES DA CIDADELA EMPRESARIAL DE SANTO

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Santos (1992) afirma: “nos tempos de hoje, a cidade grande é o espaço onde os fracos

podem subsistir” (p. 258). Os moradores de rua que usam o gabarito inferior da Avenida

Chile confirma essa afirmação (foto 26).

Foto 26 – Os sem-teto nos “subterrâneos” do

morro de Santo Antônio

Fonte: O autor, 2016.

O autor afirma que a modernização contemporânea produz duas situações, cada qual

responsável pela instalação de divisões típicas dentro das cidades. Nesse contexto, por um

lado, há uma economia explicitamente globalizada, produzida de cima, e por outro, há um

setor produzido de baixo, o setor popular.

Segundo Santos (1992), todos os lugares se mundializam, contudo, há lugares globais

simples e lugares globais complexos. A cidadela de Santo Antônio é, a nosso ver, um lugar

complexo. É complexo porque representa as lógicas, as forças hegemônicas de agentes como

o Estado, o capital e a Igreja. Entretanto, mesmo nesses lugares, há agentes menos poderosos,

mas que se apropriam daquele espaço para a sobrevivência. Com finalidades diversas, essas

duas forças coexistem no mesmo espaço.