3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

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    1/28

     

    C /

    4

    capitulo 7

    ~ MULH ER ES PROFISSIONAIS :

    . . . •}

    UM TERCEIRO SEXO?

    Mais OU menos na época em que a história

    profissional tornava-se uma possibilidade de carrei-

    ra para as mulheres, psicólogos e hnl110ssexuais co-

    meçaram a criar uma moderna se nsibilidade à possi-

    bilidade de e xist ir um 'terceiro se xo . () termo ••ra

    retauvo à

    preferência sexual, mas sua ddini,ão t arn-

    h':m cobria caractcrísticas compOr1aI1H'l1tai-O~ _ [rnI11

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    G;~lrro c l- istó ria: homens, mulheres   a prática histôiica

    sido ignoradas por praticamente toda ahistoriografia,

    inclusive por muitas obras feministas, pode-se dizer

    que elas precisavam ser resgatadas para.a historiogra-

    fia, ter suas realizações plenamente mapeadas e sua

    ausência'

    explícada

    com cuidado. Contudo, elas pró-

    prias acabaram ficando inteiramente desorientadas.

    Algumas, como Margaret Judson. eram pudicas ao ex-

    tremo, quase assexuadas, e pareciarp negar qU,e tives-

    sem alguma vez recebido tratamento injusto. Elas

    perdem seu atrativo porque pareciam carecer de co-

    ragem, calando-se sobre as más condições que preci-

    savam suportar, recusando-se a

    testemunhar,

    Judson

    inclusive dizia a jovens colegas, no início da década de

    1970, que não fossem tão francas. tão feministas.'

    Elas eram  solteironas que' viviam em grande parte

    em guetos femininos na comunidade acadêmica. Era

    possível que alguém celebrasse essas comunidades fe-

    mininas, embora isso significasse ao mesmo tempo a

    celebração' do confinarnento. da degradação e da limi-

    tação de oportunidades. Depois; havia as  moças de-

    vassas , que tinham talvez mais encantos - vistosas e

    um tanto escandalosas, elas mexiam Com a libido de

    seus colegas homens e permaneciam, por isso, mais

    tempo na memória acadêmica. Quando chegavam a

    aparecer na hisroriogralia. erarrr apresentadas como

    brilhantes, até mesmo eróticas e amadoras. mas a 1011-'

    go prazo eram muitas vezes consideradas tão extrava-

    gantemente originais e tão carentes da erudição rradi-

    cional que teriam pouco a oferecer de valor duradou-

    ro para a profissão. Pareciam mer,amente inverter os

    termos opostos atribuídos à feminilidade: boa moça ou

    devassa, Maria ou Eva. esposa dedicada ou prostituta.

    I. Agradeço a minhas colegas Dee Garrison e Mar}'

    Hartman por partilharem comigo suas lembranças

    de Margaret Judson. a quem arribas admiravam.

    38'8

    i,.

    389

    ,

    Mul lu 'rc s 'profI Ssio llais : um terceiro S;X( l?

    No entantó, as características de gênero das

    mulheres profissionaiS eram mais indistintas do que

    essa dicotomia sugere e suas identidades eram defini-

    das com me nos clareza. Apenas um punhado dessas

    mulheres cumpriam-a missão feminina de ter filhos e'

    elas também não estavam intei~arnente integradas

    em uma cultura doméstica tradicional. Se podemos

    aceitar que historiadores homens faziam parte da re-

    produção da masculinidade de classe média, em que

    relacionamento as mulheres profissionais e suas obras

    se situavam para a definição do gênero das mulheres

    (e dos homens)? Ao buscar respostas, enfrentamos di-

    lemas, como o de colocar mulheres profissionaiS  ma-

    duras contra amadaras inferiores  e, com isso, peF-

    peruar o trauma. Ou podemos achar que a história

    das mulheres profissionais não funciona do modo

    como esperávamos e que ela pode até mesúlO ser de-

    sagradável. As

    pe rso nas

    profissionaiS das primeiras

    ~llUlheres eruditas podem ser muito penurhado

    ras

    ,

    ao ponto de impedir uma leitura satisfatória. oomi-

    nick LaCapra apontoU recentemente as possibilidades

    de trabalhar com o libidinoso, o traumátiCO e o repri-

    mido e 'de incorporar esses demenl.Os às narrativas

    históricas _ uma sugestão que pode antecipar o pro-

    jeto analn ico deste capítulo.' E a opinião de LaCapra

    permite uma hipótese adicional: não

    é

    por acaso que

    a história da erudição profissional das mulheres foi

    reprimida por tanto tempo.

    outro problema aparentemente ímpossivel de

    ser tratado refere-se aos textoS sobre mulheres im-

    portantes _ rex tos que podem sempre fazer uma

     história melhor  para substituir uma análise dos tt'-

    2. LaCAPRA, DOlninick.

    Keprese/ll1l1g IIlC HO/(lC(lIlS :

    History. MeInory. Trauma. lth ca: Cornell Univer-

    sity Press. 1994. Introdução.

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    Gênero  

    História: ltomcll~

    mulheres e

    a prática

    Irist~rica

    Mulheres profissionais: um terceiro sexo?

    3. HOLT,W. Srull. The ldea of Scienrific History in

    América. Journal of the History of Ideas, I,

    p.

    352, 1940.

    4.

    Sobre

    Tawney

    ver WEAVER.

    Stewarr ,

    A Alar-

    riaqe

    /11

    Hist ory : The Lives and Work of 8arbara

    and

    J.

    L. Hammond. Stanford: Sranford Univcr -

    sity Press,

    1997.

    • I

    mulheres na história profissional no fim do século 19.

    CO~lOera possível, dadas as fantasias, a linguagem e

    as

    práticas

    definidas pelo gênero que moldavam o

    campo para as mulheres, sequer considerar o traba-

    lho histórico profissional?

    Excluídas

    das forças arma-

    das, impedidas de exercer a cidadania e até de rece-

    ber diplomas universitários em muitos lugares, como

    elas poderiam ingressar normalmente em uma profis-

    são criada para os homens? Na verdade, em alguns

    casos o antagonismo com relação às mulheres que fa-

    ziam história tornava-se cada vez mais explícito e,

    apesar de falarem .ern merecimento, as portas se fe-

    chavam da mesma forma como se abriam. Treitschke

    declarou que somente passando sobre seu cadáver

    uma l1luIJlér transporia a soleira de sua sala de aula.

    Epistemologicamente, rambérn. as cartas pare-

    ciam estar contra a realização profissional das mulhe-

    res. A historiadora, como a cientista, conseguira, de-

    pois de anos de experiência, libertar-se da emoção, da

    intuição e da parcialidade, a ·fim de atingir um esta-

    do de espírito devotado inteiramente à verdade.

    Kant e Hegel, filósofos em cujas orientações a maio-

    ria dos historiadores se baseia (nem que seja de modo

    derivativo), tinham gasto longos capítulos de suas

    obras descrevendo esses indesejáveis estados subjeti-

    vos como femininos.,Para a mente de Kant. apenas os

    homens podiam operar moralmente de acordo com o

    princípio do imperativo categórico, e apenas eles po-

    deriam ter de forma plena uma razão inata para rela-

    cionar-se com o que estava fora da compreensão -

    isto é, da natureza - e assim desenvolver o conheci-

    mento. Kant colocou as atividades das mulheres 110

    reino da nutrição, da emoção, da sensibilidade e da

    cultura. Um platô nessa linha divisória surgiu com

    Hegel. cuja dialética bifurcou o mundo em um sujei-

    mas em questão. Além do mais, a literatura sobre

    mulheres importantes têm sido rejeitada por alguns

    dos maiores teoristas feministas de nossos dias por

    uma série de boas razões. Ela pode ser  compensado-

    ra   ou  ce lebradora  . urna

    íngên

    ua história dela ,

    em vez de um maís sofisticado trabalho de história

    do gênero ou social. As pessoas às vezes  ridiculari-

    zam a história e a bistoriografia do  grande homem ,

    mas esses relatos, no entanto, ancoram as narrativas

    do passado. A mulher realizada é' menosprezada nes-

    sa época em 'um processo corrente' que aumenta os

    argumentos contra ela, incluindo as alegações de que

    ela é uma manifestação do trauma.

    As primeiras historiadoras profissionais - invi-

    síveis, menosprezadas, paradoxais ou bizarras - mis-

    turaram-se então ao  inferior  da história científica e

    assim tem sido' praticamente desde o·início.  A pró-

    pria palavra ['ciência'] era um Ietiche . escreveu o

    historiador W. Seul  Holt sobre o clima nos primeiros

    dias da profissionalização. Como resultado, ele con-

    clu i

    11 ,

     desenvolveram-se monstruosidades como

    lciência da biblioteca' e 'ciência doméstica: .' Holt·

    aludia em sua lista de 'monstruosidades à produção

    pela ciência de mulheres historiadoras profissionais.

    seduzidas por visões de competência, cidadania e

    empregos na .academia. Estudiosos como R. H. 'Taw-

    ney e Marc Bloch eram hostis a mulheres desse tipo.'

    Essa condição  monstruosa chama a atenção mais

    uma vez para a situação incrivelmente anômala das

    ~

    .:f 2

    390

    39 1

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    Gênero (' História: homens. n  l l Ilh c res e-a prática histórica

    to e um objeto

    nitidamente

    opostos: senhor

    e-

    escra-

    vo, masculino e feminino, duas panes mutuamente

    antagônicas. O sujeito soberano masculino lutava por

    supremacia, conhecimento e controle do objeto Ierni-

    nizado, Para os historiadores, essa realidade objetiva

    era encontrada em arquivos, fatos e nas informações

    conseguidas com sua habilidade. Onde se posiciona-

    va a mulher profissional em um 'retrato do trabalho

    científico tão determinado pelo gênero?

    ASSUMINDO O PAPEL PROFISSIONAL

    A niulher profissional trabalhava como homem

    para conseguir transformar-se em observadora 'im-

    parcial, membro participante da comunidade cientí-

    fica, fornecedora transcendente da verdade histórica.

    A partir do final da década de

    1860,

    quando as uni-

    versidades dos Estados Unidos e da

    Grã-Breranha

    co-

    meçaram a aceitar mulheres para treinamento profis-

    sional. as estudantes participavam de seminários,

    conferências e grupos de ensino de história, além de

    fazerem pesquisas independentes em arquivos, bi-

    bliotecas e outros repositórios de material histórico. A

    primeira mulher a concluir o doutorado em história

    nos Estados Unidos foi Kate Ernest Levi. que recebeu

    o grau de doutora pela Universidade de Wisconsin,

    em

    1893'

    Embora as mulheres pudessem estudar em

    5, Sobre a situação profissional de mulheres com

    doutorado em história nos Estados Unidos, ver GOG-

    GIN. Jacqucline. Chalíenging Sexual Discriminarion

    in rhe Hi stórica  Profession: Women Historians and

    lhe American Historical Associarion. 1890-1940.

    -Amcricon Historical Review, 97. n. 3. p. 769-802. June

    J 992. Entre os trabalhos recentes sobre historiadoras

    profissionais ou mulheres COI11 experiência profissio-

    'r.

     À ,

    39

    ~i 

    Mulheres profissionais: um

    terceiro sexo?

    Oxford e Cambridge a partir de 1869, elas continua-

    ram sem receber títulos acadêmicos nessas duas uni-'

    versidades até depois da Primeira Guerra Mundial e.

    da Segunda. respectivamente. As mulheres' na UnI-

    versidade de Londres receberam diplomas a partir de

    187~ 

    N~s Estados Unidos, quando as historiadoras

    com experiência profissional conseguiam emprego

    . .

    ,t'

    nal em geral nos Estados Unidos. ver SCOTT. Joan.

    Gcnder and lhe Politics of

    History .

    New York: Columbia

    Universit

    y

    Press. 1988. p. 178-198; PALMIERl. Patri-

    cia. 111 Adamless Eden: The Community of Women

    Faculty at Wellesley. New Haven: Yale University

    Press. 1995; SCOTT, Ann Firor (Org.).

    Uuheard voiçes.

    The First Historians o[ Southern Women. Charlortes-

    ville: University of Virginia Press. 1993;

    o

    ROSEN-

    BERG. Rosalind. Beyo nd S ep ar are Sphcrcs: í ntellecrual

    ROOISof Modern Perninism. NC'w Havcn ; Yale Uni-

    versiry Press. 1982. p. 288.

    Sobre mulheres no Canadá, ver BOUTlLlER. Bc-

    verly: PRENTlCE. Alison L. (Org.). Cteatinq Histori-

    ca l Mem ory. English-Canadian wome n and lhe

    Work of Hisrory. Vancouver: Universit v of Brit ish

    Colurnbia Press. 1997.

    6. Para informações sobre literatura recente cobrin-

    do historiadoras profissionais ou mulheres com ex-

    periência profissional na Europa. ver SONDHEI-

    MER. Ja net . Casile Adamant in Ham pstead: A His-

    tory of westfield College, 1882-1982. London: Wes- ~

    tfield College. University of London, 1983; DYHOU-

    SE, Caro . No Distinction of Scx?

    lV011lCll

    in Britislt

    Universities. 1870-1939.

    London: UCr. Press. 1995;

    MARGADANT. Jo Burr,

    Madame 11  Pro fesse ur :

    Wo-

    men Educators in rhe Third Repuhlic. Princeton:

    ,Princeron University Press. 1987; SCHLÜTER. Anne

    (Org.).

    Pionicrinnen, Feministinncn,

    Karricrehauen?

    Zut Geschicluc des Frauenstudiums in Deutschland .

    Pfaffenweiler: Ce-nt au rus. 1992. Ver tombém BRIT~

    TAIN. Vera. 1\'0111('/1 ar Oxford: A Fragment of a His-'

    rory. New York: Macmillan. 1960.

    393

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    Gênero

    História: )lom;,zs, mulheres e a prá ti ca Izí.st~rica

    Mulheres profissionais:

    um terceiro sexo?

    no mundo acadêmico, era quase sempre em faculda-

    des freqüentadas apenas por mulheres, embora as

    faculdades para mulheres de Cambridge e Oxford

    também as contratassem. Uma considerável quanti-

    dade delas trabalhava em história econômica na

    London School of Economics, onde Lilian' Knowles

    conseguiu seu primeiro emprego como professora de

    história econômica.' Por fim, apesar de a publ icação

    de livros não ser crucial para o avanço profissional'

    no período anterior

    à

    Segunda Guerra Mundial, as

    mulheres acadêmicas escreveram em uma série de

    I .

    áreas. incluindo-se as de história clássica, econômi-

    ca, medieval, social e cultural.

    Para qualquer acesso a um treinamenro, a pos-

    sibilidade de essas mulheres serem aceitas como es-

    tudiosas sem nenhuma marca - isto é, sem nenhum

    vestígio de convenções profissionais - era muito me-

    nor do que a dos homens. Os exemplos que seguem

    não pretendem ser indicadores de discriminação: ao

    contrário, são indicadores da impossibilidade de

    transcendência ou de uma observação imparcial. São

    sinais do complicado modo como a mulher profissio-

    nal era produzida. Em primeiro lugar, asfamílias de

    recursos limitados, como os pais de Hele n Maud

    Carn: talvez não mandassem as filhas para a escola,

    mas as ensinassem em casa.

     À

    medida que crescia-

    1110S ,

    relatou Carn. aJéançávamos os limites do CO

    nhecimento-jde minha mãe] sobre 'gramática e sin-'

    \  

    taxe. Ela dizia: 'Sei que isto está errado, mas não sei

    por quê,,,sQuando as mulheres passaram a freqüen-

    tar a universidade, a desaprovação da educação in-

    telectual Ieminina que se desenvolvera a partir das

    revoluções Prancesâ e Americana evoluíra para uma

    bern-estabelecida  verdade científica , segundo a

    qual o estudo destruía a saúde física e emocional de-

    las. O estudo de Patrick Geddes e J. Arthur Thorn-

    son. na Inglaterra, e do Dr. Edward Clarke. em Har-

    vard, atestou que o trabalho intelectual arruinaria a

    capacidade das mulheres de reproduzir e amamen-

    tar. De acordo com Herbert Spencer e outros cientis-:

    tas sociais, a abstinência das mulheres de qualquer

    atividade intelectual como parte de uma divisão se-

    xual de tarefas era o estágio mais alto da evolução:

    À medida que a taxade fertilidade passou a declinar

    no fim do século 19 e à medida que grandes potên-

    cias ocidentais começaram a preocupar-se com a

     boa forma  de suas populações, () trabalho intelec-

    tual das mulheres passou a ser visto C0l110 especial-

    mente problemático, perigoso e até

    impatriótico. 

    7.

    BERG,

    Maxine.

    The First Women

    Econornic

    His-

    torians. Economic History Review, 45, n. 2, p. 308- 329,

    1992; BEVERIDGE, W H.; WALLAS, Craham. Pro-

    fessor Lilian Knowles, 1870-1926. Economica, 6,

    p, 119-122, June 1926; KNOWLES, C. M. Professor

    Lilian Knowles. In: KNOWLES, L. C. A. Th Econo-

    mie Developtnenr of

    lhe British

    Ove rseas Empi re. Lo n-

    do n: Routledge. 1930. 2 v. Ilv .v ii-xx

    ii.

    8. CAM, Helen Mau d. Eating and Drinkirig Creek.

    Girton Review,

    184,

    12, 1969. Muitos manuscritos

    úte is de Caru estão depositados nos arquivos do

    Girton College.

    9. GEDDES, Patrick: THOMSON, J. A.

     

    Evolution

    o] Sex, London: Walter Scort. 1889; SPENCER, He r-

    berr. Principies of Bioloqv. London: Williams and Nor-

    gate, 1867. Ver DYHOUSE, Carol. Girls Growiuo Up

    in Late victorian and Edwardian Enqland.

    London:

    Rourledge and Kegan Paul, 1981. p. 139-175: GOR-

    DON, Lynn. Gender and Hiqlier Education in lhe Pro-

    qressive Era. New Haven: Yale University Press. 1990.

    10. O estudo clássico é  Depopular ion. Nat iorialisrn.

    a nd Peminism in Pin-de-Siêcle Pra nce . de Karcn

    Offen, -American Historical Review, 89, p.

    648-676,

    Ju ne 1984.

    394

    ~

    •   , .

    395

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    Gênero e Hi stó ria : homens, mulheres e

    t :

    práti ca histárica

    Depois da Primeira Guerra Mundial. o temor de que

    a atividade intelect ual feminina pudesse ser  nociva

    à saúde e ao cérebro intensificou-se. 

    . As mulheres historiadoras profissionais, em

    contraste com outras mulheres de classe média e

    a

    maior parte das amadoras. não eram, casadas. Sua

    condição de  solteironas  era cada vez mais notada,

    à medida que o século 20 avançava. Enquanto os ho-

    mens historiadores profissionais usavam uma retóri-:

    ca de trabalho e de sustento característica da classe

    média heterossexual em relação à sua erudição, e en-

    quanto arregimentavam os esforços de uma equipe

    de companheiros para pesquisar, editar e escrever

    história, tais benefícios não

    existiam

    para realçar a

    situação profissional das mulheres. Casamentos e re-

    Ia cíonarnen tos heterossexuais eram pra ticameri te

    excluídos para elas, apesar da linguagem normativa

    de heterossexualidade que inspirava o trabalho his-

    tórico. Elas sabiam que aceitar um trabalho acadê-

    mico ou mesmo tentar conseguir um diploma acadê-

    mico significava 'renunciar à vida familiar. A maioria

    ensinava e escrevia sem apoio doméstico, uma lacu-

    na que realçava a singularidade do mundo acadêmi-

    co. Embora m u it o poucas fossem casadas, os .casa-

    rnenros de mulheres tão. destacadas quanto Eileen

    Power (então com quase cinqüenta anos) e Lilian

    Knowles foram e ainda são alvo de comentários. O

    casamento desfazia a autonomia, tão importante

    para a construção da cientista-cidadã. Mais de uma

    profissional - Jane Ellen Harrison. de Carnbridge. es-

    pecialista em classicismo. por exemplo - admitiam

    l

    l . Conferência da Society of Oxford Women

    Tu

    tors

    com a

    Associai

    ion of Head

    Mist

    resses.

    23

    de feverei-

    ro de

    1917.

    transcrição de minutas, Arquivos do

    Lady

    Margaret

    h Hall, Eleanor Lodge Papers. caixa

    I.

    396

    Mulheres

    profissionais:

    um

    terceiro

    sexo?

    recusar propostas por ca usa da posição inferior que

    imediatamente assumiriam com o .casamento.  Kn o-

    wles representou um caso raro ao ter uma carreira

    , profissional e um filho .

    Em geral, a historiadora profissional solteira ti-

    rava proveito do companheirismo de outra mulher

    profissional - Eleanor Lodge com Janet Spens. no

    Westfield College; Lucy Maynard Salmon com Ade-

    laide Underhill, no Vassar ColJege; Katherine Coman

    e Katherine Lee Bates, que moraram juntas, forman-

    do o que era chamado de um.

     casam

    e nto

    à

    Welles-

    le y 11 As dezenas de casais de mulheres entre as his-

    toriadoras operavam no contexto de uma nova femi-

    nilidade e do fenômeno de  mulheres excedentes .

    Um número cada vez maior de mulheres em muitos-

    países ocidentais não casava, e elas viviam juru as.:

    independentes de suas famílias, como casais ou em

    grandes pensões, clubes e apartamentos para mulhe-

    res,  Em todas as comunidades exclusivamente Ie-

    i ,

    ;~;

    ~

    : . f

    12. Grande

    parte da informação sobre

    Harrison

    neste

    capítulo vem dos trabalhos de Jane Ellen

    Harrison

    no

    Newnham

    College.

    Cambridge. Sobre Harrison. ver

    especialmente

    PEACOCK, Sandra.

    Janc Ellcn Hnrti-

    5011: The Mask and

    the

    Self. New Haven: Yale Univer-

    siry

    Press. 1988; e

    STEWA

    RI,

    Jessie ..

    lane Ellcn Harri-

    5011:

    A Port rait Irorn Let re rs. Loridon: Merli n. 1959.

    É

    extensa

    a

    literatura sobre

    Ha

    rrison e as

     ritualisras

    de Carribridge.

    13.

    Ver LODGE, Eleanor. Terms and vacations . Ed.

    Janeth Spens.

    Ox íord:

    Oxford

    Universit

    y

    Press.

    1938;

    BROWN, Louisc Fargo.

    Apostle of Democrncv:

    The Liíe of Lucy Maynard Salmc n. New York: Mac-

    milla n,

    1943.

    PALM I E R I. Patrícia. lI  Adan ile ss Edcl :

    The Cornmunit v of wornen Facult y at welieslev.

    New Haven: Yale Uni vcrsit y Press.

    199'5.

    p.

    137-142.

    14.

    O fato de. no final do século

    19

    e início do sécu-

    lo 20, I1lUilOSpaíses ocidentais terem um  t'xcedcn·

    -.Óc~

     

    -

    ,~

    397

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    7/28

    Gi/IUO c

    História:

    homem,

    mulheres

    e a prática histórica

    rrurunas. como era o caso de muitas escolas que só

    aceitavam mulheres, a hornossociabilidade alcança-

    va nova imensidade e exclusividade. Algumas mu-

    lheres escritoras podiam contar com suas parceiras,

    mães' e irmãs para pesquisas, anotações. revisão de

    textos e outros tipos de ajuda editorial.

    Eíleen

    Power.

    que foi eleita secretária da Economic History Society

    (Sociedade de História Econômica) na década' de

    19.20, a rregimentou sua tia, Bertha Clegg,para pre-

    parar as atas das reuniões e convenceu a organização

    a pagar a Clegg uma pequena remuneração. Em ge-

    ral, no entanto, autoria e

    persona

    profissional eram

    mais raras entre as mulheres e elas eraq:r mais mal

    pagas do que os homens, embora aquelas que tives-

    sem dependentes não fossem menos responsáveis fi-

    nanceiramente doque seus colegas homens. Medieval

    Nunneries (Conventos medievais),

    de Power, foi con-

    cluído para a impressão por uma amiga, e seu viúvo,

    Michael Posran. apregoava ter iniciado - ou de fato

    escruo=- a maioria de suas obras. 

    O trabalho intelectual das mulheres era, dessa

    . forma, não apenas colocado em um contexto, de

    transparência, conhecimento de classe média e co-

    te de mulheres solteiras não tem sido explicado

    com muita clareza. O excesso pode ter sido devido

    à

    imigração masculina, ao serviço no exército impe-

    rial, à expectativa de vida mais longa das mulheres

    oLÍ a outros fatores. A carnificina da Primeira Guer-

    ra Mundial exacerbou a tendência, Ver (para a In-

    glaterra) VICINUS, Martha.

    l ndepen dent W0111f11:

    Work and Communitv for Single women.

    1850-

    1920.

    Chicago: University of Chicago Press.

    1985.

    15.

    Salvo citação em contrário, detalhes sobre a

    vida de Power vêm de BERG, Maxine. A woman in

    History:

    Eileen Power,

    1889-1940.

    Carnbridge: Carn-

    bridge Universirv Press.

    1996.

    398

    A1 u l l u r l s p oflSSiollais: um terceira Sl  XO ?

    rnu nidade republicana, mas também situado - tal-

    vez com mais força - dentro de uma feminilidade

    problemática, inferior. Embora alguns homens pu-

    dessem usar, com referência a mulheres profissio-

    nais, a retórica do colegiado pr;ofissional, da associa-

    ção universitária e de colaboradores em pesquisa e

    em trabalhos eruditos, outros não conseguiam imagi-

    ná-Ias nesses termos. Estudantes universitários de

    uma ponta à outra da Europa periodicamente causa-

    vam distúrbios e provocavam violência contra a pre-

    sença de mulheres nas üniversidades, Na Espanha, as

    estudantes eram apedrejadas; no Newnham College 

    da Universidade de Cambridge, alunos do sexo mas-

    culino rebentavam portões errr prot esro. Os professo-

    res empregavam sua própria forma de  disciplina ,

    uma visão contradiscursiva, porém eIet iva. da mu-

    lher profissional.  Nunca me senti tão amargurada

    na vida , Eileen Power escreveu em 1921, ao ouvir

    que os decanos de Cambridge tinham mais uma vez

    votado contra as mulheres receberem diplomas e

    participarem da universidade .  As mulheres es-

    trangeiras que estudavam na Alemanha achavam

    que, de uma forma ou de outra, eram ·tratadas como

    exceção, Edith Hamilton, que estudou filologia em

    Leipzig e em Munique, em 1895 e 1896, fez a se-

    guinte colocação:  Ser americano signilicava, é claro,

    não ter instrução e, no caso de uma mulher, não con-

    seguir de maneira alguma se instruir.  Enquanto as

    alemãs eram inteiramente proibidas de freqüentar

    salas de aula, Hamilton precisou unir-se

    ãqu ela s.m u-

    lheres estrangeiras que, embora admitidas, eram im-

    16.

    Eileen Power para Benrand Russell.

    21

    de outu-

    bro de

    1921,

    citado em BERG. Maxine.

    A

    wo ni a n in .

    Hi stor y: Eileen

    Po

    we r.

    1889-1940.

    Ci lllbridge~

    Carubrjdge Universit

    v

    Press.

    1996.

    p.

    141.

    399

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    8/28

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    9/28

    \

    Gênero r História, homeus: mulheres e a p rática histórica

    fissionais, passou a admitir m'ulherés em 1906. Em

    vinte anos, duas haviam se formado no topo de suas

    turmas e seguido a carreira de arquivistas. Ainda

    que lamente que as mulheres não desempenJlem o

    papel que a natureza lhes destinou , escreveu o di-

    retor Marcel Prou, não se pode negar que elas com-

    binam com o estudo científico . De fato, se as mu-

    lheres devessem seguir uma carreir.a, ele concluiu, o

    trabalho em arquivos  séria ó mais adequado para o

    papel de mãe e dona de casa .'O Arquivos e.outros re-

    positó;ios foram gradualmente feminizados durante

    o século 19; e no século 20 as próprias arquivistas

    tornaram-se conhecidas como criadas da história .

    Durante a Primeira Guerra Mundial, os deca-

    nos das universidades inglesas tentaram livrar-se in-

    teiramente do professorado feminino, e apresenraranl

    uma proposta que sugeria recrutar todas as mulheres

    universitárias em um batalhão de serviço domésti-

    co .. No mundo acadêmico, a guerra podia ajudar a

    restabelecer () gênero, transformando as decanas am-

    biguamente femininas em  JUulheres  de novo. Mas

    essas decanas tinham na verdade cruzado a linha do.

    feminino. Havia muita gente boa que não era capaz

    de combinar a roupa , prorestou Ada Elizabeth Le-

    vetr. do Westfield Collége, e que já estava fazendo

    20. PROU, Marce1.

    L'Eco/e des Chartes,

    Paris: Société

    des Amís de l'Ecole des Chartes. 1927. p. 20. Agrade-

    ç o a Jennifer Milligan por fornecer-me esse trabalho.

    21 Ver, por exemplo, GARRISON, Lora D. Apostles

    of CU/lure: The Public Libraria n and American So-

    ciety. New York: Free Press. 1979; MAACK, Ma ry

    Niles. WOll1en Librarians in France: The First Gene-

    ration.

    Journal of Library History,

    18, p. 407-449,

    aur urnu 1983. Mulht>res norte-americanas arquivis-

    tas, em especial MargarC'th Cross Nortori, lutaram

    durante décadas pelo reconhecimento profissional.

    4

    Mulheres profissionais:

    um terceirosexo?

     

    importantes contribuições para o esforço de guerra.

    Além

    disso, ela perguntou, que direito tinham as ins-

    tituíções educacionais de estabelecer .essas políti-

    cas? A profissão era construída como democrática e

    aberta ao talento; contudo, os homens eram melho-

    res, superiores e mais inteligentes, enquanto as mu-

    lheres eruditas eram automaticamente domésticas.

    Sob essa Luz, era possível que se pagasse às

    mulheres estudiosas de igualou melhor desempe..-

    nho do que os homens um salário muito inferior, .

    porque embora iguais ou melhores, elas eram tam-

    bém consideradas inferiores e menos valorizadas.

    Antes da Primeira Guerra Mundial. a muito cele-

    brada Lilian Knowles recebia muito menos do que

    'seus colegas homens, ainda que tivesse atingido o

    nível de professora universitária.  No Canadá, em

    1929, Sylvia Thrupp conseguiu apenas ser instruto-

    ra na Universidade de British Columbia, embora es-

    tivesse começando a publicar muitos trabalhos res-

    peitados. Enquanto isso, os homens ocupavam car-

    gos importantes, conseguiam promoções e recebiam

    quase o dobro do salário dela, apesar de não) terem

    nenhuma obra publicada. Corno amadoras,as mu-

    lheres profissionais precisavam ganhar dinheiro:

    elas eram autônomas e, como os homens, tinham

    que garantir seu sustento e o de suas Iarnilias - em

    geral pais e irmãos. No entanto, na lógica libidinosa

    .. . . ,

    22. Society of Oxford Women Tutors e Association

    of Head Mistresses, transcrição de conferência,23

    de fevereiro de 1917, Lady Margaret Hail, Eleanor

    Lodge Papers. caixa

    I.

    Ver também LEVETI, Ada Eli-

    zaberh. The' University Woman and lhe War.

    Alhe-

    neum  4613, Jan. 1917.'

    23. BERG, Maxine. A woman in History: Eileen

    Power. 1889-1940. Ca mbridge Universit

    y

    Press,

    1996. p. 181-182.

    4 3

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    10/28

    Gênero

    e

    História: homens. ntulhe~es

    (a

    prática

    histó ri ca

    que caracterizara a profissão desde seu início, elas

    estavam também situadas no mundo de fantasia

    que ameaçava o mundo masculino da história, e que

    estimulava a pesquisa, mas não se ocupava dela.

    .A profissão continuou tão confusamente mar-

    cada pelo gênero depois da Primeira-Guerra Mundial

    quanto estivera nos anos anteriores. Mais mulheres

    na Alemanha e na Áustria co~~luíam seus doutora-

    dos; e nos Estados Unidos algumas mulheres faziam

    trabalhos de graduação em escolas de elite como Har-

    va rd. muitas vezes mandadas para lá por seus profes-

    sores das escolas exclusivamente femininas.   De'

    acordo com Margaret Judson. que estudou em Har-

    vard na década de 1920, a maioria dos. professores

    homens em Harvard nunca parecia olhar as alunas

    como se elas fossem inferiores ou não merecessem re-

    _eeber o melhor ensino . Até a década de

    1950,

    Sa-

    muel Eliot Morison atravessava a Avenida Massachu-

    setts para dar uma palestra separada para as alunas

    de Radcliffe no seu curso de história norte-america-

    na. O único professor que Judson encontrou pessoal-

    mente em Harvard que odiava as mulheres erudi-

    tas foi Roger Merriman: ele jamais permitiu mulhe-

    res em suas aulas e não lecionou em Radcliffe. Mas

    ela precisou estudar o Renasciinento e a Reforma, em

    24. Ver Annette Vogt, Findbuch [Livro-índice]: Die

    Promotionen von Pra uen an der Philosophischen

    Pakultat von 1898 bis 1936 und an der Matherna-

    tisch-Narurwissenschaírlichen Fak uljât von 1936

    bis 1945 der Friedrich- Wilhelms-Universitãt zu Ber-

    lin sowie die Habilitationen von Frauen an beiden

    Pakultârcn von 1919 bis 1945 , Preprint 57. Ma x-

    Planck-Insritut Iíi r Wissenschaftsgeschichte (Ber-

    lin); FELLNER. Fritz. Fraue n in der osterreichischen

    Gescbichteswissenschafr.

    Jah rbuch der Universitãt

    Salzburq.

    Salzburg: Die Universitat. 1984

    4 4

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    11/28

    Gênero e História: homens. mulheres (a prática histórica

    final da década de 1920, rio entanto, ela sentia-se

    feliz por ter um emprego. Embora as mulheres esti-

    vessem conseguindo diplomas ou mantivessem os

    homens abastecidos de alunos que participavam de

    cursos de extensão 'em' muitas' universidades, suas

    perspectivas de emprego n.essas instituições eram

    sombrias. Um doutorado, quando nas costas do sexo

    errado , como colocou' a historiadora canadense Hil-

    da Neatby, não servia para nada na década de 19'30.

    George Wrong, da Universidade de Toronto, que

    apoiava a igualdadedas mulheres na profissão, ten-

    tava contornar Ó fato de que todos preferiam indi-

    car um homem , mandando suas melhores alunas

    para os Estados Unidos ou

    Inglaterra. 

    Na década de 192úl,essas estudiosas formavam

    não apenas alvos visíveis, individuais dentro da pro-

    fissão - colegas que os homens esforçavam-se para

    manter fora de reuniões ou a respeito de quem toma-

    vam decisões contrárias - mas também um grupo vi-

    sível de mulheres profissionais realizadas. Seu pró-

    prio desempenho era então manifesto (como o da es-

    tudiosa normalmente competente) e altamente ca-

    racterizadc. O presidente do VassarCollege permitiu-

    se reprimir a nacionalmente conhecida Lucy May-

    nard Salmon por usar um tipo de culote quando ia de

    bicicleta para. a aula. Jane Ellen Harrison ainda é

    des-

    crita pela cor de sua roupa; ela adorava as cores ver-

    26. Citado em PRENTICE, Alison. Laying Siege for

    the History Professoriate. In: BOUTlLIER, Beverly:

    PRENTICE, AJison

    L

    (Org.).

    Creatinq Historical Me-

    mOI)'.' English - Canadian Women and the

    work

    of

    History. Vancouver: University of British Columbia

    Press. 1997, Ver também HAYDEN, Michael

    (Org.).

    50 Much To Do, 50

    uut-

    Time:

    The \Vritings of Hilda

    Neatby. Vancouver:' University of British Columbia

    Press, 1983.

    4 6

    \,

    4 7

     MNllzcres profissionais: ütir terceiro sexo ?

    de e azul. As esposas, segundo se relata, achavam

    seus decotes muito profundos e seu comportamento

    coquete demais. Esperava-se que os homens fumas-

    sem.rmas ela não podia (embora o fizesse). Por essas

    razões, e talvez porque adorasse dançar tango. mui-

    tas pessoas conhecidas não a convidavam para seus

    eventos sociais, Até mesmo para suas. melhores ami-

    gas; Harrison parecia ousada   experimental em seu

    comportamento. Se vocês algum dia me deixarem

    voltar , ela escreveu para os amigos Mary e Gilbert

    Murray em 1903, prometo solenemente não, .. co-

    mer uma pastilha de cocaína , Nas décadas de 1920,

    e 1930, notava-se que Eileen Power passava muitas'

    de suas noites a dançar em clubes londrinos e a' dis-

    .tribuir olhares para os homens , Elogios a Knowles e

    Power serviam para feminizá-Ias e sensualizá-las.

    Knowles era conhecida por seus chapéus espalhafa-

    tosos, autoconfiança inabalável e uma mãe cujo jar-

    dim continha os mais fantásticos morangos , Muita

    coisa era dita sobre ..a feminilidade de Power, mas em

    geral servia para corroborar suas qualidades pessoais

    .de radiante e  criatura encantadora . Ela era cele-

    brada em comentários e vinhetas (inventadas por ho-

    mens) que se referiam a seus  longos brincos que ti-

    nham acor e o formato exata-mente certos e davam

    outras descrições de seu vestido.  A  rua trona Helen

    27, Jane Ellen Harrison para Gilbert Murray, 2 de ja-

    neiro de 1903, em Newnham Collcge Archives.

    Cambridge Universit

    y,

    Jane Ellen Harrison Papers.

    caixa L Ver

    também

    Hope Mirrlees, Outline of a

    Life . Sobre Power em clubes londrinos: comunica-

    ção pessoal de Sir Jack Plurnb. Cambridge, 1985,

    WALLAS, Graham. Professor Lilian Knowles, 1870-

    1926. Economica,

    6, p. 119, June 1926.

    28. WEBSTER Charles K. Eileen Power, 1889-1940.

    Economic Jo u rn al, 50, [1, 200, p, 572, '1940,

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    12/28

    Gênero

    e História: home1ls,.

    mulheres

    e a prática histórica

    Maud Carn, em contraste, trabalhava na Biblioteca

    Bodleian.

    em Oxford  parecendo uma galinha choca

    em seu ninho, plácida e confortável, mas pronta para

    bicar se a ocàsião exigisse. Alguns de seus melhores

    artigos devem ter sido 'chocados' aU . Para tornar-se

    uma escritora profissional. Virginia Woolf comentou,

     precisei matar o anjo da casa . Muitas mulheres his-

    toriadoras profissionais parecem ter feito o mesmo,

    ou eram consideradas como se o tivessem.

    Ao mesmo tempo, outras profissionais mulhe-

    res pareciam nitidamente assexuadas. modelos pe-

    dantes de sobriedade e diligência. Os homens muitas

    vezes mencionavam esse pedantismo como a razão

    para essas mulheres não terem permissão para parti-

    cipar de eventos profissionais, como encontros infor-

    mais apenas de homens ou jantares: os homens não se

    sentiriam à vontade se não pudessem fumar, beber

    ou falar abertamente. Ao tornar- essas decisões, os

    homens também representavam o gênero e suas hie-:

    rarquias, acrescentando um novo aspecto às suas

    pe r-

    sanas, fossem eles reunir-se socialmente com mulhe-

    res, ensinar-Ihes história ou ajudá-Ias a conseguir um

    diploma superior. Frederic Maitland era conhecido

    por apoiar Mar)' Bateson:  Podemos encontrar outro

    editor [do Cambridqe Medieval Historyi , ele escreveu

    ror ocasião da morte dela aos quarenta e um anos,

    29. Citado em MAJOR, Kathleen. Helen Maud

    Ca m. Dictionary of National Bioqraphy, 1961-1970.

    Ed. E. T. willíams e C. S. Nicholls. Oxford: Oxford

    Universit y Press. 1981. p. 166-167.

    30. Ver GOGGIN. ChaJlenging Sexual Discrimination

    in the Historical Profession: Women Historians and

    lhe American Hisrorical Association,

    J

    890-1940.

    Amcrican Historical Rcview, passim: BROWN. Louise

    Pargo.

    Apostle of Democracy:

    The Life of Lucy Maynard

    Salmon. New York: Macmillan, 1943, passim.

    4 8

    Mulheres profissiouaís: um terceirosexo?

     mas não outra Senhorita Bateson. MaLposso acredi-

    tar que ela tenha partido . Gustav Schmoller até

    aceitava estudantes do sexo feminino, ao passo que

    Treitschke não; Langlois era conhecido por aceitar

    alunas, mas dava-lhes apenas'  tópicos femininos

    como trabalho de pesquisa. Até mesmo os

    homens

    jo-

    vens recém-chegados a um departamento sentiam-se

    à vontade para atacar estudantes mulheres e as pro-

    fessoras ,ma~s antigas, a fim de abalar qualquer liga-

    ção delas com o ensino de história. O caso da tenta ti- .

    va de um professor assistente de destituir Lucy May-

    nard Salmon do cargo de titular do departamento de

    história do Vassar College é muito conhecido naquele

    estabelecimento. Foi necessária uma grande rnobili-

    zação de Salmon, de ex-alunas. de conselheiros, do

    corpo docente e dos estudantes para impedir que a

    destituição se concretizasse. Madeleine Wallin, do

    corpo de professores de história do Smith Colkge até

    seu casamento na década de

    1890,

    escreveu aspe ra-

    mente sobre' um novo colega, Charles Hazen. que

    considerou o tio de uma universitária  grosseiro  por

    31. F. W. Maitland para Henry Jackson, 2 de dezem-

    bro de

    J

    906, em Tltc Letters of Frederic william Mai-

    tlan d.

    Ed.

    C. H. S.

    Fifoot .

    Cambridge: Cambridge

    Universiry Press.

    J

    965.

    p,

    388. Os elogios de Mai-

    tland para Bateson foram

    muito comoverues.

    Ver

    The Cambridqe Review, 6

    Dec. J

    906;

    e

    Selected Histori-

    cal Essays of Frcdcric william Maitland. Ed. Hele n

    Maud Carn. Cambridge: Cambridge University

    Press,

    1957.

    p.

    277.

    32. Os' documentos de Lucy Maynard $almon nos

    Arquivos do Vassar Collcge contêm muitas pastas

    referentes a esse caso. Também baseei-me em Eliza-

    berh Adams Daniels. Lucy Maynard Salmon and

    James Baldwin: A Porgotre n Episode  . trabalho

    . preparado para a Conferência Evalyn A. Cla rk. Vas-

    sar College, 12-

    i

    3 de outubro de 1984.

    4 9

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    13/28

    Gênero r História: homens, mulheres e a prática histórica

    querer que uma moça atraente como ela seguisse

    um curso de história da política. Ela rapidamente

    percebeu o desprezo de Hazen pelas mulheres de  in-

    telecto desenvolvido  e logo abandonou a profissão. 

    A soma dessas informações foi importante para as

    mulheres. Ela estabeleceu a definição do gênero no

    mapa profissional, mostrando os perigos dos quais

    elas precisariam sempre lembrar, aprender a se de-

    fender e estar preparadas para enfrentar. Contudo,

    corno a retórica da história científica era ao mesmo

    tempo igualitária e hierárquica, muitas vezes era im-

    possível saber o que poderia acontecer.

    Excluídas da homossociabilidade masculina e

    das redes na profissão, e muitas vezes da heterosso-

    ciabilidade quando trabalhavam em ambientes mis-

    tos, grupos de mulheres profissionais em seus respec-

    tivos países cada vez mais identificavam-se da mes-

    ma maneira que os homens - isto ~, como diferentes

    e distintas. Elas formavam grupos, corno o Berkshire

    Conference of Women Historians

    (Conferência

    de

    Berkshire de Mulheres Historiadoras), que impri-

    miam uma identidade especial adicional às histeria-

    doras profissionais. Outras ainda conquistaram uma

    identidade' por quebrar regras: Caroline Ware, por

    exemplo, podia participar de

    reuniões

    informais de

    homens e era tratada com o máximo respeito. Sob

    qualquer ponto de vista, elas. viviam uma vida que'

    tinha mais de uma direção. Muitas vezes elas associa-

    vam-se a um grande número de amadoras e valoriza-

    vam seu trabalho. Da mesma forma como admirava

    Frederic Maitland, Helen Maud Cam escreveu m ui-

    tas análises sobre romancistas históricos, e um livro

    33. Madeleine Wallin para George C. Sykes, 23 de

    setembro de

    1894,

    Arquivos do Smith College,

    Co-

    leção Wallin, pasta

     6.

    410

    ·34. Hope Mirrless. 6utlineof a Lile . manuscrito

    IlI. Jane Ellen Harrison Papers. Arquivos do New-

    nharn College, Cambridge Universit

    y .

    35. Citado em GABEL,Lecna C. From Slavcry to The

    Sorbonne 'alld Bevond: The Lifeand Writings of Anna

    J.

    Cooper. Northarnpton. MA: Smith College. De-

    partamento de História, 1982. p. 79. Para uma in-

    terpretação do pensamento de Cooper no contexto

    da vida intelectual afro-arnerícana. incluindo suas

    dimensões de classee gênero, ver GAINES,Kevin K.

    Upliftii1 J the Race: Black Leadership. Politics. and

    Culture in lhe

    Twe

    ntierh Cenrury. Chapel

    HiLJ:

    Uni-

    versity of Nonh Carolina Press. 1996, p. 128-151.

    Mulheres pMflSSfol la is : um 'terce iro sexo?

    inteiro -sobre o tema, 'JaneEllen Harrison uniu-se a

    amadoras renornadas como Alice Stopford Green.

    mas detestava mulheres educadoras mais profissio-

    nais, como Miss Beale: e Eileen Power era grande

    amiga dos Hammond. A ambigüidade invadiu

    a

    inter-

    pretação.da identidade sexual dessas mulheres, Eileen

    Power era lésbica, na opinião de algumas pessoas, e às

    vezes era abordada como tal. Jane Hellen Harrison

    flertava com homens da mesma forma que com .rnu-

    lheres. e estava plenamente ciente da beleza das mu-

    lheres. Incentivadora de Isadora Duncan. lia poemas

    gregos em voz alta enquanto Duncan dançava.'

    No final, fica pouco claro como enquadrar de

    maneira honesta essas mulheres em categorias con-

    vencionais. Pense em Anna J. Cooper. a primeira mu-

    lher afro-americana a obter o doutorado em história

    (1925).  Os golpes e as ferroadas do precon.ceito ,ela

    escreveu, sejam de cor ou sexo, não me encontram

    insensível demais para sofrer, nem ignorante demais

    para saber o que me é reservado . Nascida escrava

    em 1858, Cooper lutou para receber uma educação

    clássica e protestou vígorosamente contra os obstácu-

    los que a comunidade afro-americana colocava noca-

    411

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    14/28

    Gênero-e His tó ria: hom ens. m u{he r'eS e a pr át ica his tó rica

    M u lheres

    profissionais:

    um

    terceirosexo>

    minho da instrução das mulheres. Um menino, por

    mais escassa que fosse sua bagagem intelectual e su-

    perficiais- suas pretensões, precisava apenas demons-

    trar uma leve intenção de estudar teologia, e podia

    conseguir todo o apoio, incentivo e estímulo de que

    precisasse, era dispensado de trabalhar e investido

    antecipadamente de toda a dignidade de seu distan-

    te-ofício. Enquanto isso, uma moça que se sustentas-

    se precisava lutar dando aulas no verão e trabalhan-

    do depois do horário escolar para conseguir pagar as

    despesas de moradia e alimentação, e realmente com-

    bater o 'desestímulo ~ educação superior

    36

    Com graduação e mestrado obtidos no Oberlin

    College. Cooper ensinou latim no colégio secundário

    Dunbar, em Washington, D.C.; até sua aposentadoria

    er111930. Seu objetivo, contudo, era o doutorado, ini-

    cialmente negado devido às lutas políticas na sua es-

    cola e também pelas exigências da Universidade de

    Columbia quanto

    à

    residência. Fora da rede acadêmi-

    ca, seus contatos eram os líderes de comunidades ne-

    gras e outros ativistas. Apenas após os sessenta anos

    Cooper

    .obteve

    seu doutorado pela Sorbonne, com

    uma tese intitulada  The Attitude of France toward

    Slavery dúring the Revolution  ( katitude da Fran-

    ça com relação

    à

    escravidão durante a revolução ).

    Ela já publicara um volume de ensaios, A Voice from

    lhe

    South

    tUma

    voz do sul) e livros sobre a vida e obra

    de Charlotte Forten Grimké. Credenciada como pro-

    fissional após muitas décadas de luta e trabalho de-

    terminados fora da universidade, Cooper, como mui-

    tas outras mulheres profissionais, combinou vários ti-

    pos de textos, experiências intelectuais e uma árdua

    atividade para conseguir seu sustento, tomando dífí-

    e u

    sua categorização. A mulher profissional era uma·

    entidade. imprecisa, um paradoxo, um borrão.

    o

    TRABALHO PROFISSIONAL

    Os paradigmas do trabalho histórico profissio-

    nal consistiam em um Ioco voltado para a política ria

    erudição, uma, metodologia que dava ênfase a um

    experiente observador despersonalizado e um con-

    junto de práticas baseadas no exame minucioso de

    documentos estatais e na apresentação dos resultan-

    tes textos históricos para a adjudicação de uma co-

    munidade de especialistas. Essas práticas universal-

    mente aceitas esam expressas em ·termos de dimor-

    fismo de gênero: uma importante e valorizada esfe-

    ra masculina de atividade que gerava história exis-

    tia ao lado -de uma esfera feminina e familiar histo-

    ricamente insignificante. Além disso, os praticantes

    eram descritos em termos de uma comunidade de

    classe média de especialistas homens, cuja com-

    preensão .e treinamento em ciência histórica eram

    inacessíveis

    aos menos aptos - o que significava as

    mulheres do Ocidente e os povos não-ocidentais

    como um todo. No entanto, essa ciência era ao mes-

    mo tempo vista COlHO universal. disponível para to-

    dos, isenta de qualquer característica e sem gênero.

    A erudição

    era

    dessa forma o conduíte que se distan-

    ciava de uma Ieminilidade degradada rumo ao uni-

    versal mais elevado.  fico contente em saber , uma

    dessas mulheres pioneiras escreveu-me, que seu

    foco. seja na erudição das mulheres e não nas mulhe-

    res que escrevem sobre a história das

    mulheres . 

    36. COOPERo Anna J. A Voice [rom lhe South : By a

    Black Woman of lhe South.. Xenia. Ohio: Aldine.

    1892.

    p.

    77.

    37. Cana de 5 de agosto de 1985.

    412

    413

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    15/28

    Gênero

    e

    Histôria:

    ho m ens .

    mu/ lt tr~s (a prâtica

    hfrfóri ca ,.

    Mulheres. profissionais: um terce iro 'sexo?

    Desde seu ingresso na academia, as mulhe'res

    profissionais trilharam o caminho para a mesma eru-

    dição universalmente verdadeira que os homens va-

    lorizavam. As americanas faziam as obrigatórias via-

    gens para a Alemanha e a Prança. a fim de aprende-

    rem as técnicas de filologia. criticismo de seminários

    e pesquisa em' arquivos. As mulheres britânicas -

    Eleanor Lodge e Eileen Power, por exemplo, - faziam

    a mesma peregrinação das que estudavam na Ecole

    des Chartes, em Paris. Uma vez estabelecidas em

    universidades e faculdades apenas para mulheres, es-

    sas historiadoras dedicavam todo o tempo possível à

    pesquisa em arquivos. Para Lncy Maynard Salrnon.

    isso significava ir .ao continente com regularidade;

    Margaret Judson fez diversos programas e viagens de

    verão à Inglaterra: Violei Barbour passava todos os

    verões em-arquivos na Holanda .  Mary Bateson, Ca-

    roline Skeel, Eleanor Lodge. Ada Elizabeth Levett.

    Maude Violet Clarke. Eileen Power e Helen Cam fo-

    ram outras que fizeram uso extensivo de registros em

    monastérios e arquivos locais.  Os avanços no treina-

    mente profissional das mulheres também as interes-

    savam e elas produziam artigos sobre as oportunida-

    des das mulheres em universidades da Europa e dos

    Estados Unidos.  Para estarem adequadas aos objeti-

    vos profissionais, publicavam edições competentes '

    sob o ponto de vista filológico e densamente referen-

    .ciadas de registros e manuscritos ínstirucíonaís, pro-

    duzidos em um estilo expositivo compatível com os

    especialistas. Bareson. graduada pelo Newnham Col-

    Iege. recebeu o maior dos elogios quando Maitland

    enalreceu-a por nunca ter condescendido em escreve

    o que quer que

    fosse

    para o leitor em geral. 

    Essas profissionais imaginaram seus trabalhos

    em termos cívicos e socialmente responsáveis, e um

    que morreu em

    -'1935

    aos quarenta e.

    três

    anos, ver

    CLARKE, M., V. Fourteenth Century Studies. Ed. LS.

    Sutherland e M. McKisack. Oxford: Clarendon,

    1937,

    com um esquete

    biográfico

    por E.

    L

    Wood-

    ward. Ver também Maude Violet Clarke Papers. Ar-

    quivos do Lady Margaret Hall.

    40. Ver, por exemplo, ZIMMERN, Alice. wornen in

    European Universiries. Foru m, p.

    187-199,

    Apr.

    1895.

    Zimmern observou que as universidades ale-

    mãs tinham em 'geral retrocedido, privando as mu-

    lheres de seu tradicional direito-de assistir às pales-

    tras. Zimmern também narrou sobre liceus france-

    ses para mulheres, clubes. de mulheres, moradia

    para mulheres e a posição de governarua. Alguns

    documentos estão disponíveis nos' arquivos do Gir-

    ton College.

    Os documentos de Lucy Maynard Salrnon nos

    Arquivos do Vassar College contêm manuscritos de

    artigos que Salmon escreveu em universidades eu-

    ropéias e sobre ()estado corrente do aprendizado de

    história.

    41. Selected Historical

    Essays

    of Frederic william Mai-

    t

    land.

    Ed. Helen Maud Cam. Cambridge: Cambridge

    University Press. 1957. p. 277 ·278.

    38.

    J : B. Ross, comunicação pessoal, maio

    1985.

    Sou grata pelas muitas informações fornecidas por

    Dr. Ross no decorrer de diversas entrevistas.

    39.

    Agradeço a generosa informação recebida de Ja-

    net Sondheimer sobre muitas mulheres historiado-

    ras, incluindo Helen Maud Cam e Caroline Skeel.,

    durante nossas conversas no, ano de

    1985.

    -sobre

    Skeel. ver Çaroline Skeel Papers. Arquivos do West-

    field College. University of

    London.i

    Sobre Ada Eli-

    zabeth Levert. ver CAM, H. M.; ·COATE, M.; SU-

    THERLAND, L. S. (Or.8.). St udies

    in

    Manor: n/ History.

    Oxford: Oxford University Press,

    1938,

    que contém

    informação bibliográfica e também sua palesrra

    inaugural. Ver também Ada Elizabet h Leveu Papers.

    Arquivos do

    westfícld

    College. University of l.on-

    dono Sobre a medievalisra Maude Violer Clarke.

    414

    415

     

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    16/28

    . .

    G;'U I'O (H is tória :

    homens, mulheres e

    a p rátisa histórica

    local importante na comunidade foi a escola femini-

    na. No final do século 19, as escolas pata homens ra-

    pidamente evoluíram da idéia de uma população se-

    mimonástica de estudiosos e alunos, mas muitas es-

    colas para mulheres ainda funcionavam segundo esse

    modelo. As mulheres eruditas muitas vezes viviam

    dentro dos limites da escola, assumindo uma persona

    inteiramente acadêmica. Enquanro a grande maioria

    de seus.colegas homens tinha esposa e família e mo-

    rava em casas individuais, as historiadoras mulheres

    não tinham uma vida familiar imediata, heterosse-

    xual. e conservavam uma ligação mais firme com as

    instituições da vida colegiada. Uma vez ou outra uma

    mulher se rebelava, mas a rebelião resumia-se a uma

    variação na afirmação do

    eu

    autônomo, cívico.

    Lucy

    Maynard Salmon recusou-se a viver nos aposentos do

    Vassar ColJege e preferia pegar um bonde para ir de

    Poughkeepsie até o carnpus,  Paço parte de uma co-

    munidade , ela afirmava, reclamando do desprezo

    pelo isolamento da intelectual típica e pela vida do:

    méstica imitada pelos dormitórios da escola. 

    O extremo esforço das feministas e outras ati-

    vistas para, conseguir acesso à educação superior for-

    neceu um con texto parcial para a erudição das mu-

    lheres. Muitas acreditavam que o imperfeito mundo

    público e privado tornar-se-ia melhor se as mentes

    femininas fossem bem treinadas. O Westfield Colle-

    ge. na Universidade de Londres, fora criado parcial-

    mente com () objetivo de oferecer um melhor treina-

    42.

    Entrevista com

    J. B. Ross,

    Washington,

    D. c..

    maio 1985. Sobre o ideal doméstico em dormitó-

    rios de 1aculdades. ver HOROWITZ. Helen. Alma

    Mater:

    Design and Experience in the worne ns Col-

    leges f.rom their Nineteenth-Century Beginningsto

    the

    J 930s.

    New York: Knopf.

    1984.

    416

    Mulheres

    profissionais: ll

    terceiro sexo? .

    mente para rnissionárias. enquanto as faculdades

    para mulheres na Universidade de Cambridge desti-

    navam-se a servir de cunha na modernização dos

    currículos nas

    faculdades

    destinadas a',homens. 

    A

    linguagem da cidadania, a política de massas e a res-

    ponsabilidade social que acompanhavam a admissão

    das mulheres à educação superior levaram muitas

    delas a articular seu trabalho em termos de reforma.

    Como complemento à sua erudição, Jane EIlen Har-

    rison escreveu sobre o sufrágio. Ada Elizabeth Levett

    fez palestras e escreveu peças populares sobre nru-

    Iheres universitárias e a Primeira Guerra Mundial,

    sobre prostituição, sobre mulheres universitárias e

    religião e sobre as mulheres no mundo pós-guerra.

    Caroline

    Skeel deixou anotações de palestras sobre as

    mulheres na Guerra Civil Inglesa e sobre mulheres

    pregadoras. Helen Maude Carn, comprometida com

    o Partido Trabalhista. fez palestras sobre o movi-

    mento pelo voto das mulheres na Inglaterra, sobre

    The Wide Wide World  O vasto e imenso mundov, de Su-

    san warner. e sobre as condições sociais nos Estados

    Unidos. Nos Estados Unidos. onde os movimentos

    por reformas afetavam sobremaneira faculdades

    como a wellesley, o corpo docente e as estudantes

    estavam entre os reformistas mais comprometidos.

    trabalhando a favor de moradia. vo~o e pacifismo, e

    produzindo textos em estilo amador sobre muitas

    dessas causas.  A historiadora cultural Caroline Ware

    43. SONDHEIMER. Janet. Castle Adamant in

    Hampst ead: A History of Westfield Collcge. 1882·

    1982. London: Westfield College.: Universit y of

    London, 1983. p. 10-24.

    44.

    PALMIERJ, Patricia.

    111

    Adamless

    EdCJ1:

    The

    Cornrnu nit y of Women Facu lr y at wellesley. New

    Haven: Vale Universitv Press. 1995. passim.

    417

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    17/28

    Gênero

    c

    História: homens.

    mulheres r a 'prática

    histórica

    \

    recordava-se de ter aprendido em Vassar que o co-

    nhecimento histórico era nó prelúdio para a ação so-

    cial responsável . Lucy Maynard

    Salmon

    repreendia

    os alunos que jogassem lixo no chão, por menor que

    fosse: jogar lixo no chão era um menosprezo à res-

    ponsabilidade

    civil. 

    O profissionalisrno das 'mulheres foi. dessa for-

    ma, gerado dentro de um limite extremamente arn-

    plo. que incluía o vocabulário, a trajetória da erudi-

    ção, o sentido de tempo e muitos outros impulsos tan-

    to de homens profissionais quanto de mulheres ama-

    doras, Algumas escreveram as mais tradicionais das

    narrativas políticas e científicas, muitas vezes favo-

    recendo a história legal e constitucional do período

    medieval e do início do

    moderno.

    Outras ousaram

    tomar um rumo diferente muito cedo, mostrando-seu

    virruosisrno ao profissionalizar o impulso amador e

    avançar rumo à história econômica e social. Esses

    campos, mais do que quaisquer outros, eram usados

    para mostrar a experiência profissional dás mulheres.

    Lucy Ma yna rd Salmon, por exemplo, começara' com

    um livro premiado sobre o poder da presidência; sua

    segunda maior obra foi um estudo estatístico e quali-

    tativo do serviço doméstico. Nellie Neilson, primeira

    mulher a presidir a Associação Histórica Americana e

    professora de história no Mount Holyoke College, pu-

    blicou seu Economic

    C0l1dÍ1Í0l1S

    on the Manors of Ramsey

    Abbey (As condições econômicas das herdades da Abadia de

    Ramseyi em 18.99. As estudiosas da geração seguinte

    continuaram a demonstrar interesse na história eco-

    45. Caroline-Ware. ensaio preparado para a Confe-

    rência

    Evalyn

    A. Clark. Vassar College. outubro 1985.

    46. Ver

    BENNETT. Judirh.

    Medievalisrn and Pe

    mi-

    nism. Speculum,

    68.

    p.

    309-331:

    Apr.

    1993.

    418

    Mulheres profissionais:

    um terceiro sexo?

    nôrnica medieval. Embora Bertha Putnam mostrasse

    que os registros da justiça de paz eram ricas fontes de

    informação sobre.a vida econômica cotidiana na Ida-

    de Média. e Ada Elizabeth Levett continuasse a es-

    crever sobre os contornos econômicos da vida rural

    na Idade Média, Eileen Power entrou em áreas como

    a produção e o comércio de lã.

    A antecessora de Power na London .School of

    Bconomícs,

    Lilian

    Knowles.

    ensinou história econô-

    mica a amadoras e profissionais, enquanto seu pró-

    prio trabalho centrava-se na história econômica do

    início do período; moderno, do moderno e da Grã-

    Bretanha imperial. No Wellesley Coltege, Katharine

    Coman escreveu The Industrial History of the United

     r

    States (A história industrial dos Estados Unidos).

    um tra-

    balho estatístico ricamente ilustrado. e

    Economic Se-

    ginnings of lhe Par West (Início econômico do Extremo

    Oeste; 1912). Uma variedade de impulsos fomentou

    essas histórias.

     Em.

    vez de provocar

    o

    choque entre

    herói e vilão , escreveu Mabel C. Huer em uma his-

    tória econômica e demográfica da Revolução Indus-

    trial que ela dedicou a Knowles. apresentamos as

    asneiras triviais de homens e mulheres comuns. No

    entanto. o cinza só é cinza de uma visão distante e

    imperfeita , ela continuou, refletindo a visão pano-

    râmica e de perspectiva da amadora. Visto mais de

    perto, é um padrão estranho e confuso de cores nit i-:

    da mente contrastantes . 

    47. HASTlNGS. Margaret: KIMBALL. Elisabeth G.

    Two Distinguished Medievalists: Nellie Neilson and

    Bert ha Haven Putnam ..Journal of Britislt Studies, 18.

    n. 2. p. 142-159.

    spring

    1979.

    48. BUER. Mabel C. Hcalth wealth  and Populat ion

    in the Earlv Days oj

    tlic ln dustrial Revolution.

    London:

    Routledge.

    1926.

    ix.

    419

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    18/28

    Gênero e

    Histôria: homens, mulheres

    (a prática histórica

    Acompanhar o padrão econômico desse traba-

    lho era a orientação local, Caroline Skeel. do Wes-

    tíield College. escreveu um livro sobre o comércio de

    gado, além de um  estudo em dois volumes sobre o

    governó local na região da fronteira entre Inglaterra

    e País de Gales nos séculos

    18

    e

    19.

    Eleanor Lodge,

    que também se

    interessava

    por história econômica e

    que treinou várias historiadoras econômicas impor-

    tantes, escreveu estudós sobre a Gasconha. organi-

    zou o livro contábil de uma propriedade de Ke nt. e

    criou um estudo sobre o movimento comunal fran-

    cês para o

    Cambridqe Medieval History (A história me-

    dieval de Cambridqev, Helen Carn escreveu sobre gran-

    des homens 110 mundo jurídico e grandes estudiosos

    da história jurídica, muitas vezes incluindo preciosos

    dados econômicos. Muitas mulheres historiadoras vi-

    nham de famílias do clero rural; como careciam de

    recursos, a pesquisa, para elas, referia-se a  encon-

    trar coisas sob seus pés. :  Dessa forma, embora a

    pesquisa em arquivos fosse fundamental, as profis-

    sionais empregavam métodos amadores. Para dar um

    exemplo, as notas manuscritas de Caroline Skeel

    para seus livros e artigos revelam que ela usava não

    apenas dados econômicos tradicionais, mas também

    relatos de 'viagens, entrevistas com residentes idosos

    de várias localidades e cartas de informantes locais

    sobre

    costumes:

    termos e

    práticas.  -

    As profissionais rejeitavam o estudo sobre mu-

    lheres ilustres em favor de dados econômicos e sociais

    sobre mulheres que as amadoras também se ernpe-

    ,t,

     r ?

    49, Janet Sondheimer, comunicação pessoal. 30 de

    julho de 1985,

    50, Caroline Skeel Papers. west íield College. Uni-

    ve rsiry of London. arquivo designado Welsh

    Clorh-Can ie .

      L

      ,: .1

    Mulheres profissionais: um terceiro sexo?

    \

    nhavarn para desenvolver. Após a 'volta de Power da

    França para a Inglaterra, por exemplo, ela desistiu.da

    tese sobre a Rainha Isabella. que Langlois lhe havia

    indicado. Desde o início,

    FlO

    entanto, evitar a mulher

    ilustre servira corno irrdicativo da mais distinta e pro-

    fissional erudição, Afirmar que os valores da história

    científica situam-se na hierarquia do gênero e' que a

    inequívoca difamação da mulher ilustre é um .tóp ico

    importante tem periodicamente abastecido o profis-

    sionalismo das mulheres e ajudado na sua busca do

    poder institucional. Essa nova indicação de rota to-

    mou dois caminhos. Em um, essas 'novas mulheres

    científicas comprometiam-se.com a profissão escre-

    vendo biografias de homens. Na Grâ-Bretanha. Bea-

    trice

    Le

    es. do Lady Margaret Háll da Universidade

    de

    Oxford.

    escreveu sobre Alfredo, o Grande e sobre

    textos biográficos em geral; Kate Norgate. que escan-

    carou o mundo amador e o profissional escrevendo

    para o

    Dictíonary of National Bioaraphy (Dicionário de

    biografia nacional)

    e auxiliando os decanos de Ox lord

    em suas pesquisas, editoração e redação, produziu

    seus próprios estudos sobre John Lackland, Henrique

    IIIe Ricardo Coração de Leão; Cecilia Ady (filha da

    historiadora arnadora Julia Cartwright) escreveu so-

    bre Lorenzo de Médicis e Pio IIe recebeu um Fes

    tschrift

    em sua homenagem. Mary Williams, professo-

    ra do Goucher College, em Maryla nd- e inflexível de-

    fensora dos direitos das mulheres na profissão, publi-

    cou pesquisas sobre política e diplomacia na América

    Latina, além de uma biografia:

    Dom Pedra lhe Magna,

    nimous,

    Second Emperor of Brazil (Dom Pedra, o Magnâ-

    nimo, segundo Imperador do Brasil;

    1937). Esses temas

    de estudo - homens poderosos, mas às vezes'vulnerá-

    veis - deram seguimento ao projeto histórico de mos-

    t.rar a supremacia masculina, a auto-suficiência e as

    -121

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    19/28

    Gênero e

    História:

    homens, ntulh~res'~

    a prática

    histârica

    -Mulheres profissionais: um terceiro s( ~o?

    realizações diante de grandes desigualdades. Como os

    estudos eram narrativas instigantes sobre a identida-

    de masculina, eles ressaltavam a posição ambígua da

    mulher profissional. ,-'

    Apesar de ignorarem a possibilidade de profis-

    sionalizar o estudo sobre a mulher ilustre, muitas das

    primeiras gerações de profissionais -

    mas

    certamen-

    te não todas - usaram as oportunidades da história

    social e econômica para continuar, de uma Iorma ou

    de outra, a explorar opassado coletivo das mulheres'.

    Para a maioria, a inspiração era parte de um compro-

    misso feminista reconhecido. De acordo com T. F.

    Tout. a ardente sufragista Mary Batesorr tinha uma

     tendência a dissipar sua energia para debates públi-

    cos sobre um palanque ou na imprensa . Convenci-

    da por, seu primeiro mentor, MandeI Craighton. de

    que sua erudição era mais importante do que seuíe-

    minism o. ela tornou-se uma ávida pesquisadora e es-

    pecializou -sc na editoração de textos e registros lo-

    cais, Ela também escreveu um estudo pioneiro sobre

    monastérios mistos, alguns dos quais eram controla-

    dos não pelos homens, mas pelas mulheres, que ou-

    viam as confissões dos homens e tinham o poder de

    excomungar.  Ela apontou a misoginia na igreja: São

    Colurnban. segundo seus relatos,  odiava as' mulhe-

    res . Apesar da evidência insuficiente, fragmenta-

    da e descon ect ada . Bateson afirmava que os monas-

    térios mistos podiam ser encontrados em grande par-

    te da Europa e que as casas individuais tinham vida

    \ : T i : i fi

    longa, o teor de seu artigo sugerindo o potencial da,'

    recém-integrada universidade britânica.

    Na geração seguinte de mulheres de Carnbrid-

    ge.

    Medieval Enqtish Nunneries, cirea

    1275

    to

    1535

    (Con-

    ventos ingleses medievais, aproximadamente

    /275

    a 1535;

    1922),

    de Eileen

    Power,

    foi um modelo de erudição

    profissional, baseado em registros arquiepiscopais e

    episcopais, relatos sobre a catalogação de casas indi-

    viduais, petições, inventários, registros dos atos aos

    soberanos e plantas físicas das casas. Power inter-

    rompeu a linha de especulação de Eckenstein sobre

    direito materno entre os pré-cristãos. rituais pagãos

    e sua relação com a mariolatria. além de questões so-

    bre a espiritualidade feminina. Ela, ao contrário,

    concentrava-se na riqueza dos detalhes encontrados

    em fontes de arquivo, como livros contábeis monás-

    ticos, registros de bispose testamentos. O resultado

    foi um .denso relato sobre as origens sociais d;s frei-

    ras, a estrutura institucional dos conventos, as

    ativi-

    dades diárias de suas habitantes, as riqueza e ativi-

    dades que geravam renda e os problemas disciplina-

    res e econômicos, Alguns dos detalhes pareciam po-

    sitivamente amadores em sua superficialidade: vá-

    rias páginas descreviam os cachorros, macacos, es-

    quilos, coelhos e outras espécies que as freiras man-

    tinham como animais de estimação: ricas descrições

    da comida ingerida em cada refeição

    em

    diferentes

    conventos; horários de refeições. sessões de jardina-

    gem, orações, leitura e uma abundância de outras

    atividades; relatos sobre discussões triviais entre

    prioresas e freiras por causa de roupas, mobiliário,

    comida. tarefas, visitas e conduta geral. Medieval

    EJ1-

    qlish Nunneries estabeleceu um estudo revi sionista

    não-romântico e bem documentado. Muitas das frei-

    ras, como a obra mostra, eram aristocratas; discu-

    ~

    51, TOUT. Thornas

    Frederick. Mar) 

    Bateson.

    Di ctio -

    na rv o] National Biõqraphy. London:

    Srni t

    h

    Elder,

    1912,

    p.

    110, Suplemento, 1901-1911.

    52. BATESON,

    Mar)',

    Hist

    orv

    of t

    he Double Monas-

    teries. Trausactions o] lhe

    Royal Historical

    Society. 13,

    p.

    137- 198, 1899,·(

    nova

    série).

    s

      ?

    4 3

    ,

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    20/28

    Gêner o e História:

    homens.

    mulhere s e a ·prát;ca....,z is (ó ~i(a

    tiam sobre quem seriam as príoresas. ou simples-

    mente concordavam que a mais rica dentre elas fos-

    se a chefe; os conventos eram em grande parte um

     depósito de lixo  de filhas excedentes , ilegítimas,

    indesejadas. deformadas ou mentalmente deficien-

    tes das classes mais altas; na Inglaterra, a não ser no

    ,períodq anglo-saxão, eles não eram centros educacio-

    nais nem intelectuais, e nunca produziram uma Hil-

    degarde von Bingen ou urna Elisabeth von Schoenau.:

    m uitas freiras inglesas durante aqueles séculos eram

    tão obscenas. mundanas, freqüentadoras de tabernas

    e sexualmente ativas quanto os homens dos monas-

    térios.' A feminista Power achava a freira aristocra-

    ta tão real  quanto a mulher da classe trabalhadora

    e, por 'isso, digna de nota.

    A estratégia de Power produziu uma especie

    de erudição burlesca. Havia tantos tipos de peixe e

    outras comidas requíruadas. tantos cintos de prata,

    fitas, sedas. peles e jóias de ouro, tantos exemplos

    de queixas, im rigas e bebedeiras que as autoridades

    da igreja precisavam intervir constantemente na

    vida dos conventos, O revi sionismo era desenfreado

    na obra de Power. Ela mostrava que tanto freiras

    quanto padres - aristocratas, e em geral escrupulo-

    sos sübre suas nobres prerrogativas e seus luxos -

    exerciam o direito a uma variedade de prazeres car-

    .riais. Essa prática ia contra os mais elevados cóm-

    promissos com a vida espiritual e os votos de casti-

    dade. Mulheres como as que abandonavam marido

    e filhos para adotar o véu deviam ter sido movidas

    por uma vocação religiosa muito forte, ou então por

    um enfado extremo. Ela tornou a opção vívida: al-

    53. POWER, Eileen. Medieval Enqlisli Nunnerics, cir-

    ea 1275 10   535. Cambridge: Cambridge University

    Press. 1922.

    4 4

    ..J

    \

    gumas mulheres podem ter considerado a vida de

    casada tão .odiosa quanto lamber mel de espinhos

    (40).·As freiras não eram universalmente magnâni-

    mas: a abadessa típica não era dedica da nem com-

    prometida com a construção de uma grande insti- .

    tuição

    para a glória de Deus; ela era comum e, como.

    outras, buscava  escapar de algo daquela vida tri-

    vial, que é tão penosa para o espírito (94). Power

    retratou freiras dormindo durante o serviço religio-

    so, simplesmente não participando dele ou trazendo

    consigo cães, macacos e pássaros para ajudá-Ias a

    -passar o. tempo de maneira mais agradável. De ~10do

    geral: elas imaginavam fórmulas para abreviar os

    ofícios. Suprímiam sílabas no início e no fim de pa-

    lavras; omitiam os dipsalma ou pausacio entre dois

    versos ... ; pulavam frases; J11Urt11UraVa lT resmun-

    gavam coisas ininteligíveis  (292). Na verdade, o

    resultado mais sério)oi uma espécie de anomia me-

    dieval que atormentava as congregações: a

    acidia,

    aquela terrível doença, metade tédio, metade me-

    lancolia  (293,294-297).  Pois a tensão era dupla;

    à

    monotonia era acrescentada uma completa falta

    de privacidade, o desgaste da vida em comum; não

    apenas fazendo sempre a mesma coisa ao mesmo

    tempo, mas também fazendo-a em conjunto com

    várias outras pessoas (297).

    Power extraiu uma 'piedade feminina norma-

    Liva da história das mulheres, fazendo da vocação

    religiosa dela?  acima de tudo uma carreira respei-

    tável  (29) e explicando a atividade sexual em COIl-

    ventos como compreensível . Nos textos de Power.

    tomou forma um complexo prot

    ó t

    ipo da rn

    L 11

    her

    profissional como um terceiro sexo:  A dificuldade

    inicial do celibato ideal não precisa ser forçada , ela

    comentou, referindo-se à passagem das freiras da

    Mulheres

    pJ:Q[fsionais: um

    ter cei ro

    sexo?

    ~~

    o :

    ~   -

    4 5

    )

    .

    G ê fJ tT O

    c

    H i s t ór i a: homens, mulheres e a prática h is tó r ic a

    Mulheres profissionais: um tercei ro sexo?

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    21/28

    castidade à devassidão

    (436).

    Jane ElIen Harrison

    também atacou a teologia (e secretarnente a religio-

    sidade característica das mulheres) em grande par-

    te de sua obra: Deus e razão são termos contraditó-

    rios;',

    éla

    afirmou. Essas duas historiadoras, assim

    como muitas de suas colegas, retrataram uma

    Ierni-

    ttiÚdade que conflitava com a feminilidade devota

    do ideal de classe média: Toda teologia é apenas um

    racionalismo sutilmente velado, uma fina rede de

    claridade irreal lançada sobre a vida e suas -realida-

    des .

    COI1l

    udo. o compromisso da profissão com o

    hiper-racionalísmo também não alcançou o objeri-

    vo: o intelecto deveria ser o servo, não o senhor,

    da vida  .': A história, praticada de maneira apro-

    priada, solapava o gênero.

    Um entrelaçamento entre sexualidade, o ra-

    cional e o irracional caracterizou a obra das mulhe-

    res profissionais, Você leu as 'conferências de Gif-

    Iord ' de William James? Harrison perguntou a seus

    amigos Mar}' e Gilbert Murray.  As partes sobre

    misticismo e embriaguez meencantaram e as expe-

    riências de 'revelação sob anestésico' são as minhas

    próprias .  A percepção de Harrison sobre o traba-

    lho do iruelecro podia acompanhar o paradigma de

    visão, mas dependia de uma tecnologia ma is nova

    do que procedimentos médicos. A grande obra, ela

    afirmou,  lança um grande holofote em lugares es-

    curos ... As coisas antes não vistas ou insignifiéantes

    brilham na projeção luminosa ... Novos caminhos

     

    :~.

    abrem-se diante de

    nós . 

    Ha rrison via a atividade

    embriagada, subconsciente, dionisíaca até do eu

    profissional. Tirar conclusões no trabalho erudito ti-

    nha um, alcance Iísico muito grande:  uma súbita

    sensação de entusiasmo, um ímpeto de ardor, com

    freqüência um rubor quente e, às vezes, lágrimas

    nos olhos. a trabalho intelectual era um processo

    sensual e emocional . 

    A indeterminação de categorias tornou-se

    muito pronunciada na obra de Harrison.rassim como

    na apresentação de seu

    eu

    profissional; mas sua sig-

    nífícação parece ter escapado à maioria das pessoas,

    com exceção talvez de Virginia Woolf. Dizia-se que

    o personagem Orlando. de WooU, que possuía dois ou

    muitos sexos, incluía grande parte de Harrison. Mais

    indistintas ainda estavam as categorias no livro

    The-

    mis, de Harrison, que acabou com a idéia do conflito

    que envolvia heróis reais do mundo antigo em luta

    pela individualidade. Ao contrário, Harrison propu-

    nha, o conflito era um aspecto dos primeiros rituais

    de fertilidade, que começavam regularmente com' I

    lima disputa representando uma lutá' mítica. Apenas

    mais tarde os intérpretes 'passaram a ver, na repeti-

    ção de rituais agonísticos em peças antigas, a luta de

    indivíduos verdadeiros. a herói não era. segundo ela,

     um homem real, [mas] apenas um ancestra I inven-

    tado para expressar a unidade de um grupo ,  Con-

    siderando que todo o movimento de história realísti-

    \ \:

    54. HARRISON. Jane Ellen. Alph a and Omeqa. Lo n-

    don: Sidgwick and Jackson, 19 15. p. 206-207,

    55. Jane EJlen Harrison para Gilbert e Mary Mu rray.

    14 de agosto de 1902, Arquivos do Newnham Col-

    lcge.

    Cambridge Urriversit y. Jane EJlen Harrison Pa-

    pers.

    caixa 1.

    56. HARRISON. Jane Ellen.

    Tliemis:

    A SIudy of lhe

    Social Origins of Greek Religion. 2nd ed. Cambrid-

    ge: Cambridge University Press. 1927. xii. publ.

    orig. 1912.

    57. ld.,

    Alph a and Omega.

    London: Sidgwick and

    Jackson, 1915. p. 141.

    58. HARRISON. op. cit., 1927, p. 267.

    4 6

    4 7

    Gênero

    e H i s tór ia :

    homens. mulheres r

    a p r á ti ca his tór ica

    Mulheres profissionais:   Terce iro sexo?

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    22/28

    ca seguia o padrão agonístico, era possível extra polar

    que as historiadoras tinham padronizado seu realis-

    mo sobre ritos de fertilidade - que, longe de render

    o mito

    à

    verdade, a história meramente perpetuara

    um mito derivativo. Embora a obra de' Harrison ti-

    vesse enorme

    influência

    entre alguns c1assicistas hó-

    mens, outros historiadores científicos liam o trabalho

    iconoclástico e erudito de Harrison como' frágil, infe-

    rior, não profissional: O livro como um todo atrairá

    sobretudo .o amador condescendente e não a pessoa

    experiente e capaz.

     S'>

    As mulheres estudiosas eram

    vistas como destruidoras do profissionalismo, uma

    vez que tentavam retrabalhar o gênero.

    O estudo de Harrison sobre os ritos da fertili-

    dade e o mito matriarcal como o ponto .originário da

    posterior religião olimpia na confundia igualmente

    interpretações e práticas-padrão. Seu compromisso

    com o darwin ismo, tão popular entre muitos histo-

    riadores científicos da época, pode ser considerado

    mitigador do potencial transgressivo de suas desco-

    bertas: a mudança do rito da fertilidade para a dou-

    trina de princípios podia ser vista como coeren te

    com uma mudança progressiva e ascendente do ma-

    triarcado para o patriarcado. Embora Harrison forne-

    cesse mais do que meros indícios da precisão de tal

    interpretação, ela ao mesmo tempo considerava o

    olimpianismo, assim como as teologias posteriores

    em geral. mais opressivo do que rituais ctonianos. A

    teologia codificou em lei o que era meramente uma

    crença

    de grupo, criando um dogma a partir de prá-

    ticas primitivas que exprimiam alegria, medo e ou-

    59. Lewis Farnell.

    Oxford Magazille

    (1912). citado

    em PEACOCI História:

    h o m en s

    mulheres c a prática

    his tór ica Mulheres

    p[ofissionaís: ;,m

    te rce ir o se xo?

  • 8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001

    23/28

    ge.  Esses questionários pediam dados econômicos so-

    bre pagamento e horário, bem como informações so-

    bre preferências e antipatias com relação a emprega-o

    dos domésticos. Salmon prefaciou sua análise dos d.?--.

    dos com uma extensa história. sobre o emprego domés-

    tico. No entanto, a descrição desse tipo de emprego

    es-

    tava longe de ser conclusiva. AJgumas empregadasdo-

    mésticas detestavam seu trabalho: Eu largaria o ser-

    viço doméstico se conseguisse encontrar outro empre-

    go que me permitisse progredir ; Quando percebi o

    que estava fazendo, era tarde demais . Outras adora-

    vam esse tipo de trabalho:  Não há trabalho mais sau-

    dável para as mulheres , ou Tenho mais conforto do

    que em outro

    trabalho .

    Dessa forma, ao contrário das

    reformistas, Salmon acreditava que salário não era o

      único fator a atrair as pessoas para- o trabalho domés-

    tico nem para afastá-Ias dele. O que decide a ques-

    tão não é sempre a vantagem econômica, não é sem-

    pre o tratamento pessoal, mas aquela coisa sutil que a

    mulher chama de vida. 'Salários, horários, saúde e mo-

    ral' podem pesar na balança a favor do serviço domés-

    tico, mas a vida pesa mais do que todos os outros fato-

    res. Embora Salmon dispusesse. de grande quantida-

    de de detalhes meticulosos e os usasse com tanta ha-

    bilidade quanro qualquer amadora ou profissional,

    sua obra recebeu ásperas críticas por seu tema infe-

    rior; o empreendimento não eravdigno dela , decla-

    rou um crítico do The Nation Empregados domésti-

    cos representavam uni tema apropriado para amado-

    res, mas não para profissionais premiados.

    61. SALMON, Lucy Maynard.

    Domes tic

    Service. New

    York: Macmillan,

    .'1897.

    62. Citado em BROWN. Louise

    Fargo.

    Apostl c o ] D e-

    mocracy:

    The

    Life

    of Lucy Maynard

    Salrno

    n. New

    York: Macmillan,

    1943.

    p. 157.

    430

    Salmon fez parte de um grupo de estudiosos

    que expressou frustração com a limitação às fontes

    de documentos do governo e que começou a seguir o

    rumo amador da descrição social, cultural e estatís-

    tica. O âmbito das fontes estava sendo ampliado pe-

    los novos campos da antropologia e arqueologia.

    Como classicista. Jane Ellen Harríson tin ha à sua dis-

    posição uma gama cada vez maior de cerâmica, arte,

    inscrições. textos literários e evidências a rqueológí-

    caso Antes de' ingressar na' universidade, ela usara

    essa série de materiais na elàboração de  011 Ierências

    para platéias populares em Londres. Em Carnbridge, .

    onde foi a primeira mulher a ter permissão para fa-

    zer palestras nos prédios da universidade. ela usou-

    os para desenvolver uma interpretação da origem do

    ritual religioso: a religião começou como uma práti-

    ca e como parte das exigências do dia -a -dia. ela afir-

    mava, não como uma teoria teológica que apenas

    posteriormente adquiriu a íorma de ritual. Graças ao

    prestígio dos estudos clássicos, sua excêntrica obra

    foi publicada. Lucy Maynárd Salmon, no entanto,

    não 'apenas construiu novas teorias, como também

    ensinou os usos de um

    tipo

    de material de pesquisa

    virtualmente

    ilimitado, inferior até. Horários de

    trens, listas de lavanderia, pilhas de objetos sem va-

    lor, utensílios de cozinha, a posição de árvores e a

    condição de prédios nos espaços urbanos transmi-

    tiam informação' histórica.  Salmon tentava acres-

    centar prestígio citando o conteúdo cívico desses da-

    dos:

     O

    saneamento é registrado em nossa lata de

    63.

    Para uma apreciação das conexões de Salmon

    com arquitetura e

    urbanismo.

    ver ADAMS. Nicho-

    1< 1  . l.urv

    Maynard Salmon: A

    LoSI

    Pare n