3- Sociologia da infância e Educação Infantil

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/28/2019 3- Sociologia da infncia e Educao Infantil

    1/6

    31

    Nos ltimos vinte anos, os estudos sobre ascrianas pequenas cresceram em quantidade, o que

    parece evidenciado pelo nmero de publicaes narea da educao infantil. Pesquisas internacionaise nacionais, realizadas principalmente a partirdos novos estudos sociais sobre a infncia, tmapresentado um novo horizonte conceitual emetodolgico para compreender as relaes esta-

    belecidas entre crianas e entre crianas e adultosnas instituies de educao infantil.

    O objetivo deste artigo reetir sobrea aproximao entre a sociologia da infncia

    e a educao infantil, para apontar e discutirmudanas causadas por esse encontro. Nesse sen-tido, o texto busca contextualizar a educao da

    pequena infncia como um fenmeno que temse fortalecido do ponto de vista da legislaonacional e internacional, em paralelo pesquisafundamentada nos estudos sociais sobre ainfncia, elementos que se entrecruzam e propemnovas possibilidades para a pesquisa e a prtica

    pedaggica na educao infantil.

    Sociologia da Infncia e Educao Infantil: algumas consideraes sobrea aproximao entre essas duas reas na pesquisa sobre a pequena infncia

    Maria Letcia Barros Pedroso Nascimento*

    ResumoConstata-se que pesquisas internacionais e nacionais tm focalizado educao infantil a partir da concep-o de infncia como construo social, destacando as crianas como atores sociais. Com base em textosde Qvortup, Sarmento, James, Jenks, Prout, Moss, e outros autores, o artigo discute o contexto que pos-sibilita esse novo olhar para a infncia, respaldado pela sustentao legal e pelas experincias internacio-nais, que propem a participao e a visibilidade das crianas pequenas.

    Palavras-chave: Infncia; Relaes sociais; Culturas infantis.

    Sociology of Childhood and Early Childhood Education: some considerationsabout the approach between these areas to research small children

    AbstractThere is a new concept about childhood, which appears in international and national researches on earlychildhood education: childhood as a social construction, highlighting the children as social actors. Basedon the writings ofQvortup, Sarmento, James, Jenks, Prout, Moss, and others, the article discusses the con-text that enables this new image of children, a sociological one, backed by legal support and internationalexperiences, which propose participation and visibility to small children.

    Keywords: Childhood; Social relationships; Children cultures.

    Breve contexto da Educao Infantil

    Desde a promulgao da Constituio de 1988,a legislao brasileira incorporou gradativamenteo reconhecimento da educao da pequenainfncia em espaos pblicos. Se, historicamente,a tarefa da educao de crianas pequenas eradomstica, mudanas nos valores e costumes nasrelaes familiares e na estrutura social mais ampla,notadamente o aumento do trabalho feminino,acabaram por inserir a educao dos pequenos norol de necessidades sociais. Em paralelo, pesquisas

    nacionais e internacionais apontavam vantagenspara o desenvolvimento infantil das crianas quefrequentavam creche e pr-escola. Predominava,contudo, uma imagem de criana naturalmentedesenvolvida (JAMES; JENKS; PROUT, 1998),que originalmente considerava (1) a criana comoum fenmeno natural mais do que social e (2) anatureza infantil como um inevitvel processo dematurao, princpios que sustentaram os estudosda psicologia do desenvolvimento e deniramcaminhos que cada criana percorreria para chegar

    vida adulta (p. 17). A institucionalizao desse*Endereo eletrnico: [email protected], v. 27, n. 2, p. 31-36, jul./dez. 2009

  • 7/28/2019 3- Sociologia da infncia e Educao Infantil

    2/6

    32

    discurso tornou-se norma descritiva e moral para acompreenso da criana.

    possvel armar que houve uma signicativaalterao nos horizontes da educao infantil a

    partir da legislao nacional, que a inseriu nocampo da educao bsica, como primeira etapa, e,

    portanto, destacou creche e pr-escola como direitoeducacional e social. Esse reconhecimento, contudo,fez parte de um amplo movimento internacional. Aelaborao da Declarao dos Direitos da Crianae, principalmente, da Conveno dos Direitos daCriana (1989), conferiu um novo lugar socials crianas, referendando seu direito proteo,

    proviso e participao.Em paralelo, experincias e pesquisas

    internacionais construdas a partir da consideraodas crianas como sujeitos, capazes de voz,signicados, relaes interpessoais, se propagaram

    pelo mundo como pedagogia da escuta ou

    pedagogia das relaes. Pode-se dizer que h cercade dez anos, a produo de estudos sobre a educaoinfantil tem trazido contribuies de outras reasdo conhecimento, para alm da psicologia dodesenvolvimento, tradicional aliada da pedagogia

    para a compreenso das crianas pequenas, eincorporado, gradativamente, conceitos advindosdos novos estudos sociais sobre a infncia.

    Informaes sobre a Sociologiada infncia

    Na dcada de 1990, grupos temticoseuropeus e norte-americanos foram formados sob adenominao de Sociologia da Infncia e, por meio de

    pesquisas e estudos, foram construdas concepespautadas por um novo paradigma: a criana comoator social, ou seja, a infncia deixa de ser vistacomo um tempo de passagem para constituir-secomo uma categoria na estrutura social. O que issoquer dizer? De acordo com Dahlberg, Moss e Pence(2003) signica que a infncia desloca-se do lugar

    de estgio preparatrio, para ser entendida como umcomponente da estrutura da sociedade: importanteem seu prprio direito como um estgio no cursoda vida, nem mais nem menos importante do queoutros estgios (p. 70).

    Dessa forma, a transitoriedade das crianasque ocupam o lugar na categoria infncia; esta

    permanece, ainda que permeada de conguraeshistrico-culturais, econmicas e poltico-sociais,que vo caracterizar diferentes sociedades.Evidentemente, as outras categorias da estruturasocial idade adulta e velhice tero os mesmos

    elementos simblicos conguradores. Nesse

    sentido, diz Jenks (2002) que

    a criana no imaginada seno em relaoa uma concepo de adulto, mas tambm impossvel criar uma noo precisa daadultez e da sociedade adulta sem primeirotomar em considerao a criana. (p. 187)

    Est presente uma relao de reciprocidade,

    de interdependncia entre as geraes, que asrevela como construes sociais, assim como

    so socialmente construdos os contextoseducativos e as prticas ali realizadas.

    A sociologia da infncia pressupe que ascrianas sejam reconhecidas como atores sociais,de pleno direito, ainda que com caractersticasespeccas, em virtude da sua dependncia,concepo oposta quela que as compreende comomeros destinatrios de cuidados sociais especcos

    (SARMENTO; PINTO, 1997; COELHO, 2007).Nos pases de lngua francesa, a concepo

    de criana como ator social desencadeou novosestudos sobre os problemas relacionados escola, famlia e mdia. Em cada uma dessas instncias,as crianas comearam a ser vistas em relao sestruturas institucionais da socializao, provocandoquestes sobre as relaes recprocas e sobre a aoda criana. O debate terico sobre o status dascrianas como pessoas, algumas mudanas recentesna concepo de criana, assim como as realidades

    em que vivem, delinearam a necessidade de novasquestes metodolgicas e epistemolgicas para odesenvolvimento da sociologia da infncia.

    Ainda que haja diferena nos estudosdesenvolvidos, a concepo de criana como ator nocampo social tem promovido outro tipo de conhecimentosobre as crianas. Dito de outra maneira, foi retiradada psicologia do desenvolvimento sua primazia nodiscurso sobre a infncia e, gradativamente, tm sidoincorporados estudos da sociologia da infncia parao reconhecimento das relaes sociais estabelecidas

    pelas crianas com seus pares e com os adultos nascomplexas interaes que constituem o dia a dia nosambientes educativos, de maneira geral.

    James, Jenks e Prout (1998) inventariaram eorganizaram as representaes de infncia, e, sobo ttulo de a criana sociolgica, reconhecemquatro linhas de estudo na sociologia da infncia: a

    primeira, a criana socialmente construda, se ope viso positivista e crena em signicados prvios,ou seja, se socialmente construda, depende doscontextos social, poltico, histrico e moral, o querevela que as infncias so variveis e intencionais, o

    que refuta a ideia de criana universal. A segunda,Horizontes, v. 27, n. 2, p. 31-36, jul./dez. 2009

    Maria Letcia Barros Pedroso Nascimento

  • 7/28/2019 3- Sociologia da infncia e Educao Infantil

    3/6

    33

    Horizontes, v. 27, n. 2, p. 31-36, jul./dez. 2009

    Sociologia da Infncia e Educao Infantil: algumas consideraes sobre a aproximao entre essas duas reas na pesquisa sobre a pequena infncia

    a criana tribal, que estuda as relaes sociais dascrianas entre pares e as interaes desses gruposde pares com os adultos prximos. A terceiralinha apresenta a criana minoritria, focalizandoas relaes de poder entre adultos e crianas, e aquarta, a criana socio estrutural, pesquisa a infnciana estrutura social, com nfase na interdependnciaentre as geraes.

    Manuel Sarmento (2008), por sua vez,apresenta trs abordagens: a perspectiva estrutural,que estuda a infncia como categoria geracional,ou seja, que se mantm, independentemente dosmembros concretos que a constituem em cadamomento histrico; a perspectiva interpretativa,que compreende que as crianas estabelecem asrelaes entre pares com base nas culturas sociaisdos adultos, reproduzindo-as e recriando-as nasinteraes; e a emancipatria, que estuda a crianacomo grupo minoritrio nas relaes sociais e busca

    sua emancipao social. Ainda que formuladas pordiferentes autores, reconhece-se a proximidadeentre as duas categorizaes.

    Nas pesquisas sobre o cotidiano da educaoinfantil, a infncia tribal ou a abordagem interpretativa

    parecem ser aquelas que melhor apresentam elementospara compreender as brincadeiras e interaes entreas crianas, pois, segundo Sarmento (2008, p. 31),

    privilegiam os estudos sobre a ao social das crianas(agency) e interaes intra e intergeracionais; os sobreas culturas da infncia; sobre as crianas no interior

    das instituies; sobre as crianas no espao urbano;sobre as crianas e a mdia; e sobre jogo, o lazer ea cultura ldica. Um dos principais representantesdessa linha William Corsaro, que apresenta em seulivro Sociologia da Infncia (1997), dois conceitosimportantes para a rea: reproduo interpretativa eculturas (de pares) infantis.

    Corsaro vem estudando crianas pequenasdesde os anos de 1970, tendo realizado pesquisas nosEstados Unidos e na Itlia em grupos pr-escolares.Em seus estudos, critica a concepo durkheimiana de

    socializao, apontando que as crianas eram vistas parte da sociedade e precisavam ser moldadas e guiadaspor foras externas para tornarem-se seus membros. Osmodelos de processo de socializao, de acordo comele, fundamentavam-se na corrente determinista, quesustentava a ideia de criana como alvo passivo dasinuncias dos adultos, ou na corrente construtivista,inuenciada pelas principais teorias da psicologia dodesenvolvimento, que critica pela ausncia de

    considerao sobre como relaes interpessoaisrefetem sistemas culturais, ou como as crianas,

    apesar de sua participao em eventos comunicativos,

    tornam-se parte daquelas relaes interpessoais epadres culturais e os reproduzem coletivamente.(1997, p. 17)

    Assim, da interpretao dos sistemas culturaisadultos, as crianas retiram elementos para ainterao com outras crianas e, ao mesmo tempo, osaspectos da cultura de pares afetam a maneira comointeragem com os adultos. O socilogo indica aindaque a socializao no um processo de adaptaoou de internalizao de valores e costumes, mas, aocontrrio, um processo de apropriao, reinvenoe reproduo:

    Central para essa viso de socializao aapreciao da importncia do coletivo, daatividade em comum no qual as crianasnegociam, partilham e criam culturas comadultos e com outras crianas. (CORSARO,1997, p. 18, apud NASCIMENTO, 2003)

    Dene essas culturas como um arranjoestvel de atividades ou rotinas, artefatos, valores einteresses que as crianas produzem e compartilhamem interao com os pares (1997).

    As culturas de pares e a visibilidadedas crianas na educao infantil

    De acordo com a sociologia da infncia, agerao adulta determinou um lugar especco para

    as crianas, a escola, ambiente destinado ao controlee disciplinamento que, por um lado, tem comoobjetivo preparar as crianas para a vida futura, e,

    por outro, contribui para encobri-las sob o papelde aluno (QVORTRUP, 199; 1994; 1999; 2005;SARMENTO, 1997; 2007; 2008; NARODOWSKI,1999; QUINTEIRO, 2002; GIMENO SACRISTN,2005), at mesmo na educao infantil. Sirota (2001)argumenta que, do ponto de vista das crianas

    pequenas, o ofcio de criana confunde-se como ofcio de aluno, na primeira infncia (p.15). E

    acrescenta que o termo, retirado da origem da escolamaternal francesa tinha como objetivo denir umaescola que correspondesse natureza infantil, ondea criana pudesse cumprir seu papel. Relacionadoao processo de socializao, o ofcio de aluno, num

    primeiro momento, indicava uma recepo passiva cultura escolar por parte das crianas. Nessa

    perspectiva, as crianas, suas interaes e brincadeirastornam-se invisveis: predominam os resultadosobtidos pelo papel desempenhado na sala do grupo aoqual pertencem.

    Destaque-se que os primeiros estudos sobre

    interao entre crianas em creches e pr-escolas, no

  • 7/28/2019 3- Sociologia da infncia e Educao Infantil

    4/6

    34

    Brasil, datam da dcada de 1980 (OLIVEIRA, 1988;CARVALHO, 1989; PEDROSA, 1989; PAULA,1994), sob a tica da psicologia do desenvolvimento,na linha scio-histrica. Segundo investigao deRocha (1999), que realizou levantamento sobre a

    produo cientca na rea da educao infantil, amaior parte dos trabalhos trata de uma criana abstrata,referida no singular, sem distino das multiplicidadesque a determinam e a compem. (p. 94). Entretanto,reconhece que dentre as tendncias apresentadas pela

    psicologia, aquela que parece ter obtido crescimentosignicativo a que considera a criana como um serque , e no mais como um vir a ser.

    A tendncia do estudo do presente das crianaspode ser encontrada em algumas publicaes recentes(CRUZ, 2008; FARIA, 2007; 2008; GOUVEA;SARMENTO, 2008) e, para alm dessa constatao,verica-se que as crianas tm sido pesquisadasnas interaes e brincadeiras que estabelecem

    nas creches e escolas de educao infantil, maisparticularmente nos grupos que frequentam, ou nasrotinas, nas quais o foco de observao tem sido

    principalmente as falas e aes entre as crianas, emdetrimento das atividades propostas pela professora(ALMEIDA, 2009). Pode-se perceber que essasinvestigaes tm como base terico-metodolgicaa sociologia da infncia, notadamente a linha tribalou interpretativa, anteriormente apresentada.

    Gradativamente as crianas da educaoinfantil tm sido investigadas para alm de sua

    condio de aluno ou, at mesmo, com basenessa condio, com o objetivo de conhec-las nasmltiplas relaes que estabelecem nas experinciascotidianas. Nessa perspectiva, apesar de seuconnamento nas instituies de educao infantil,ca evidenciada sua participao efetiva do planosocial, visto que dele retiram os contedos presentesnessas brincadeiras/ interaes. A pesquisa deFerreira (2004) apresenta normas e regras sociaisconstrudas, a partir dos mundos sociais adultos, nasrelaes que as crianas de quatro anos estabelecem

    no jardim de infncia. Reconhece-se, portanto,que as crianas tm plena capacidade de produosimblica e constituem suas representaes ecrenas em sistemas organizados, ou seja, emculturas (SARMENTO, 1997).

    Parece interessante recuperar a tese de JensQvortrup (1993), que defende que a infncia uma

    parte integrante da sociedade e de sua diviso detrabalho. Nesse sentido, as crianas participam dasociedade porque inuenciam e so inuenciadas

    pelos pais, professores e outras pessoas com quemestabelecem contato e tambm porque (1) fazem parte

    da diviso de trabalho, assumindo o trabalho escolar,

    que no pode ser separado do trabalho na sociedadeem geral; (2) sua presena inuencia fortemente os

    planos e projetos no s dos pais, mas tambm domundo social e econmico (p. 14). Nesse sentido,a infncia no pode ser considerada como meroacessrio da sociedade adulta, mas como agentesocial, e, nesse caso, interpretar suas representaessociais tem dupla funo: meio de acesso infnciacomo categoria social e s prprias estruturas edinmicas sociais que so desocultadas no discursodas crianas (SARMENTO, 1997, p. 25).

    Embora parea estranho pensar as crianaspequenas desse ponto de vista, essa tese permite umamodicao no olhar para suas atividades cotidianas. Aoinvs da fragilidade, da incompetncia, da negatividadenaturalmente atribuda aos pequenos, possvelformular outras hipteses, tornando por base suas aesconcretas e simblicas. O desenvolvimento deixa deser aquele determinado pela sequncia ordenada de

    aquisies de ordem cognitiva para revelar-se mltiplo,com diferentes variaes promovidas pelos contextosde interaes presentes no dia a dia.

    A argumentao desenvolvida at aqui nopretende a substituio de uma rea de conhecimentopor outra nos estudos da educao infantil. Cada vezmais se evidencia que uma s rea de conhecimentono d conta da complexidade presente nodesenvolvimento pessoal e interpessoal humano. Odestaque sociologia da infncia parece constituirum recurso para uma mudana de paradigma na

    concepo de criana e, para, alm das pesquisas,promover outras prticas. Cabe retomar Rocha(2001), quando arma que a creche e a pr-escolatm como objeto as relaes educativastravadasnum espao de convvio coletivoque tem comosujeito a crianade 0 a 6 anos de idade. Nessamesma linha, Moss (2001) arma que

    se escolhemos entender as crianas comoatores sociais, como especialistas em suas

    prprias vidas, ento os trabalhos futuros

    precisam tornar suas vidas visveis pormeio da escuta das crianas pequenas: elasprecisam participar desses estudos. Tendofeito, eu mesmo, trabalho na rea, reconheoque participao e escuta so conceitos muitocomplexos e problemticos. Entretanto, hmaneiras pelas quais podemos chegar aalguma compreenso sobre as experincias da

    pequena infncia nas instituies de educaoinfantil elas vivem suas vidas. (2001, p. 4)

    O contexto que possibilita esse novo olhar para

    a infncia, constitudo pela sustentao legal, pelasHorizontes, v. 27, n. 2, p. 31-36, jul./dez. 2009

    Maria Letcia Barros Pedroso Nascimento

  • 7/28/2019 3- Sociologia da infncia e Educao Infantil

    5/6

    35

    Horizontes, v. 27, n. 2, p. 31-36, jul./dez. 2009

    experincias internacionais e pelos novos estudossociais sobre a infncia, que, dessa maneira, propema participao e a visibilidade das crianas pequenas,a partir de seu reconhecimento como sujeitos dedireitos particularmente do direito educaodesde o nascimento , da pedagogia da escuta e da

    produo de culturas infantis, respectivamente.

    Campos de conhecimento recentes

    Cabe destacar que tanto a educao infantilquanto a sociologia da infncia foram reconhecidascomo campo de conhecimento recentemente.Esse subcampo da sociologia tem encontradocerta restrio acadmica ao seu reconhecimento,embora tenha crescido em alguns pases, inclusivecom publicao de jornais e revistas especcas.

    Nesse sentido, exceo de alguns pases do norteeuropeu, a sociologia da infncia no aparece como

    linha de pesquisa nas universidades e os poucostrabalhos acadmicos, publicados nos principais

    jornais especializados, abordam principalmente osprocessos de socializao ou de instruo, o que levaa concluir que a infncia tem ainda pouco espao nodebate terico sociolgico.

    O Comit de Pesquisa em Sociologia daInfncia (RC53), da Associao Internacional deSociologia (ISA), produziu um documento, em2005, para desencadear um debate na rea, com baseem duas questes por que a sociologia da infncia

    em muitos pases permanece margem comocampo da sociologia? e essa marginalidadeest relacionada situao marginal da infncianas sociedades contemporneas? Nele, se apontaa conexo entre a avaliao da participao socialdas crianas e a institucionalizao da pesquisa nasociologia da infncia, ou seja, nos pases nos quaisa infncia permanece mais envolvida nas relaesde ordem privada familiares e de parentesco odesenvolvimento da sociologia da infncia maisfrgil, o que parece indicar que h correspondncia

    entre a posio das crianas no discurso pblico e apesquisa na rea.

    Um outro lugar para a pequena infncia?

    Os estudos e pesquisas nacionais e inter-nacionais realizados nas instituies de educaoinfantil, tendo como referencial terico metodolgicoa sociologia da infncia, tm fortalecido a imagemde criana competente e de seu protagonismonas relaes sociais e educativas, uma imagemda criana rica, forte, poderosa, competente

    e, acima de tudo, conectada aos adultos e outras

    crianas (MALAGUZZI, apud MOSS; PETRIE,2002, p. 101).

    Essa uma contraposio ao adultocentrismo,desenvolvido ao longo dos sculos, reforado pelodiscurso cientco que acabou por tornar mnimaa possibilidade de participao das crianas. Asinstituies, ainda que voltadas infncia, deramvoz principalmente aos adultos que delas participam,contrariando o princpio que sustenta que crianas eadultos tm o direito de serem ouvidos individual ecoletivamente sobre as questes que os afetam e tmo direito de terem suas inquietaes levadas a srio

    pela sociedade (MOSS; PETRIE, 2004).As aproximaes entre a sociologia da infncia

    e a educao infantil reconhecem a interdependnciaentre as duas geraes. Os mundos sociais da infnciaso construdos a partir dos mundos sociais dosadultos (pais, professores e mdia, principalmente).Esse reconhecimento faz pensar as instituies de

    educao infantil como espaos das crianas,termo retirado de Moss e Petrie (2002), locais queestabelecem potencial para muitas possibilidades

    pedaggicas, emocionais, culturais, sociais, morais,econmicas, polticas, fsicas e estticas (p. 110).Fica aqui o desao.

    Referncias

    ALMEIDA, Renata P. W. Se essa escola fosseminha... A organizao da educao infantil e o

    grupo de crianas em contexto escolar. Dissertao(Mestrado em Educao). PUC, SP, 2009.CARVALHO, Ana M. A.; BERALDO, KatharinaE. A. A interao criana-criana: ressurgimento deuma rea de pesquisa e suas perspectivas. Cadernosde Pesquisa, So Paulo: FCC, v. 71 p. 55-61,nov./1989.CHAMBOREDON, J. C.; PRVOT, J. O ofciode criana: denio social da primeira infncia efunes diferenciadas da escola maternal. Cadernosde Pesquisa, So Paulo: Fundao Carlos Chagas,

    n. 59. p. 32-56, nov. 1986COELHO, Ana. Repensar o campo da educaode infncia.Revista Iberoamericana de Educacin.v. 44, n. 3, 2007. Disponvel em http://www.rieoei.org/deloslectores/1869Coelho.pdf.CORSARO, William A. The sociology of childhood.Thousand Oaks, California: Pine Forge Press, 1997.CRUZ, Silvia H. V.A criana fala: a escuta decrianas em pesquisa. So Paulo: Cortez, 2008.DAHLBERG, Gunilla; MOSS, Peter; PENCE,Alan. Qualidade na educao da primeira infncia:

    perspectivas ps-modernas. Trad. Magda Frana

    Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2003.

    Sociologia da Infncia e Educao Infantil: algumas consideraes sobre a aproximao entre essas duas reas na pesquisa sobre a pequena infncia

  • 7/28/2019 3- Sociologia da infncia e Educao Infantil

    6/6

    36

    FERREIRA, Manuela. A gente gosta debrincar com os outros meninos!:Relaes sociaisentre crianas num Jardim de Infncia. Porto:Afrontamento, 2004.MELLO, S. (Org.) Territrios da Infncia:linguagens, tempos e relaes para uma pedagogia

    para as crianas pequenas. Araraquara: Junqueira &Marin, 2008.FARIA, Ana L.G. de. O coletivo infantil emcreches e pr-escolas: falares e saberes. SoPaulo: Cortez, 2007.GIMENO SACRISTN, J. O aluno como inveno.Porto Alegre: Artmed, 2005.JAMES, Allison; JENKS, Chris; PROUT, Alan.Theorizing childhood. Cambridge: Polity Press, 1998.JENKS, Chris. Constituindo a criana. Educao,

    sociedade e culturas.Crescer e aparecer ou... parauma sociologia da infncia. Porto: Afrontamento,2002, n. 17, p.185-216.

    Marginality and Voice: childhood in sociologyand society. 23- 25 June 2005, Bergische UniversittWuppertal, Germany. Texto de discusso.MOSS, Peter.Beyond early childhood education andcare. In: Starting Strong: early childhood educationand Care International Conference, Stockholm,2001. Disponvel em: www.oecd.org.

    ______, PETRIE, Pat. From childrens servicesto childrens spaces. Public policy, children andchildhood. London: Routledge, 2002.

    NARODOWSKI, Mariano. Infancia y poder: la

    conformacin de la pedagoga moderna. 2 ed.Buenos Aires: Aique, 1999NASCIMENTO, Maria Letcia B. P. Creche efamlia na constituio do eu: um estudo sobrecrianas no terceiro ano de vida na cidade de SoPaulo. 205f. Tese (Doutorado em Educao). SoPaulo: FEUSP, 2003.OLIVEIRA, Zilma M. R. Jogo de papis: uma

    perspectiva para a anlise do desenvolvimentohumano. Tese (Doutorado em Psicologia). SoPaulo: IPUSP, 1988.

    PEDROSA, M. I. Interao criana-criana: umlugar de construo do sujeito. Tese (Doutorado emPsicologia). So Paulo: IPUSP, 1989.

    ________; CARVALHO, Ana M. A construosocial da brincadeira. Cadernos de Pesquisa. SoPaulo: FCC, v. 93p. 60-65, mai./1995.QUINTEIRO, J. Infncia e educao no Brasil: umcampo de estudos em construo. In: FARIA, A. L.G. de; DEMARTINI, Z. PRADO, P. D; Por uma

    cultura da infncia:metodologias de pesquisa comcrianas. Campinas: Autores Associados, 2002.

    ______; (Ed.). Studies in modern childhood: society,agency, culture. Hampshire: Palgrave Macmillan, 2005.QVORTRUP, Jens. Sociology of Childhood:Conceptual Liberation of Children. In MOURITSEN,Flemming.; ______. (eds.)Childhood and ChildrensCulture. Odense: Odense University Press, 2002.QVORTRUP, Jens. Nine Theses about Childhoodas a Social Phenomenon. Eurosocial Report.Childhood as a Social Phenomenon: Lessons froman International Project. Vienna: European Centre/Sydjysk Universitetscenter, 1993, n. 47, p. 11-18.ROCHA, Elosa A.C. A pesquisa em educaoinfantil no Brasil: trajetria recente e perspectivasde consolidao de uma pedagogia. Tese (Doutoradoem Educao). Universidade Federal de SantaCatarina, Centro de Cincias da Educao, Ncleode Publicaes, 1999.

    ______, A pedagogia e a educao infantil.RevistaBrasileira de Educao. Campinas: AutoresAssociados, 2001, n. 16, p. 27-34

    ______, Sociologia da Infncia: correntes econuncias. In: SARMENTO, M.; GOUVEA,Maria C. S de (Orgs.).Estudos da infncia: educaoe prticas sociais. Petrpolis: Vozes, 2008.Visibilidade social e estudo da infncia. In:VASCONCELLOS, V. M. R.; SARMENTO, M. J.(Orgs.).Infncia (in)visvel. Araraquara: Junqueira& Marin, 2007, p. 25-49.

    SARMENTO, M. o Ofcio de criana. Actas doII do Congresso Internacional Os mundos sociaise culturais da infncia. Braga, Universidade doMinho, 2000.SARMENTO, M.; PINTO, M. As crianas e ainfncia: denindo conceitos, delimitando o campo.In: PINTO, M.; SARMENTO, M. (Coord.). Ascrianas:Contextos e identidades. Braga. Centro deEstudos da Criana da Universidade do Minho, 1997.

    ______, Sociologie de lenfance. Petit objet insoliteou champ constitu? In: International resume mix.

    Reections on the sociology of childhood in theUK. June, 2005 (recebido por e-mail)SIROTA, Rgine. Emergncia de uma sociologia dainfncia: evoluo do objeto e do olhar. Cadernosde Pesquisa, So Paulo: Fundao Carlos Chagas,n. 112, p. 7-31, mar. 2001.

    Sobre a autora:Maria Letcia Barros Pedroso Nascimento professora da Faculdade de Educao da Universidade de

    So Paulo (FEUSP) So Paulo e coordenadora do GT 7: Educao da criana de 0 a 6 anos, na ANPED.Horizontes, v. 27, n. 2, p. 31-36, jul./dez. 2009

    Maria Letcia Barros Pedroso Nascimento