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CENTRO BISTORICO DE SALVADOR PARTICIPAçAO E PARIDADE (Relato de uma experiência) Em maio de 1986 realizou-se em Salvador um seminá- rio promovido pelo PROGRAMA NACIONAL DE RECUPERA - ÇAo E REVITALIZAÇAO DE NÚCLEOS HISTORICOS visando sua implantação no Estado da Bahia e Sergipe, em decorrência de um acordo de cooperação técnica ce lebrado entre os ministérios da Cultura e do Desen volvimento Urbano. Este relato visa registrar, analisar e interpretar uma experiência de caráter participativo popular em torno da formação de uma Comissão Paritária de técnicos e representantes de setores sociais orga- nizados da população que vive no Centro Histórico de Salvador, ressaltando o seu desempenho e as ra zões que favoreceram a sua criação e sua extinção. O conflito aqui analisado procurará evidenciar e resgatar a validade, a competência e atualidade do Documento P.eferencial elaborado pela referida Co missãq e demonstrar que o mesmo é portador de um correto encaminhamento metodológico da questão que tem como objeto a intervenção no Centro Histórico' de Salvador e, mais do que isso, incorpora uma di mensão política inovadora, constituindo-se em um marco referencial em termos de política de preser- vação. * Professor do Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da FAUFBa.

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  • CENTRO BISTORICO DE SALVADOR

    PARTICIPAAO E PARIDADE

    (Relato de uma experincia)

    Em maio de 1986 realizou-se em Salvador um semin-rio promovido pelo PROGRAMA NACIONAL DE RECUPERA -Ao E REVITALIZAAO DE NCLEOS HISTORICOS visandosua implantao no Estado da Bahia e Sergipe, emdecorrncia de um acordo de cooperao tcnica celebrado entre os ministrios da Cultura e do Desenvolvimento Urbano.

    Este relato visa registrar, analisar e interpretaruma experincia de carter participativo popularem torno da formao de uma Comisso Paritria detcnicos e representantes de setores sociais orga-nizados da populao que vive no Centro Histricode Salvador, ressaltando o seu desempenho e as razes que favoreceram a sua criao e sua extino.

    O conflito aqui analisado procurar evidenciar eresgatar a validade, a competncia e atualidade doDocumento P.eferencial elaborado pela referida Comissq e demonstrar que o mesmo portador de umcorreto encaminhamento metodolgico da questo quetem como objeto a interveno no Centro Histrico'de Salvador e, mais do que isso, incorpora uma dimenso poltica inovadora, constituindo-se em ummarco referencial em termos de poltica de preser-vao.

    * Professor do Mestrado em Arquitetura e Urbanismoda FAUFBa.

  • 2. O PROGRAMA, ANTECEDENTES E PARTICIPANTES DOEVENTO

    2.1. O Programa comeou a ser estruturado em 1979e implantado a partir de 1981, tendo sua con-ce~o resultado de preocupaes demonstradaspela SPHAN/PR-MEMORIA em torno da relao Patrimnio Histrico/Patrimnio Habitacional e-videnciada na pesquisa empreendida pelo pr~prio rg~ e que,visava compatibilizar a demanda de recursos do Patrimnio Histrico coma oferta do Banco Nacional de Habitao -BNH,por sua vez conjugada com as diversas linhasde financiamento do Sistema Financeiro de Habitao - SFH.Dentro dessa tic~ foram escolhidas as cidades de Olinda, So Luis e Salvador para defl~grar o Programa. J em 1984 o Projeto Pilotoda cidade de Olinda teve sua fase preliminaraprovada. Lamentavelmente o mesmo no ocorreu em Salvador e so Luis. Apesar do asses-soramenta tcnico prestado em condies seme-lhantes ao de Olinda, as equipes locais dasadministraes estaduais e municipais das referidas cidades no conseguiram se estruturarpara a conduo do trabalho.

    2.2. Com base na experincia iniciada em Olinda, oPrograma, aps uma primeira avaliao, definiu com maior clareza o seu principio metodo-lgico bsico, o qual foi enunciado no Seminrio realizado em Salvador. Tal redefiniyoconsiderou "como fator importante, necessrioe imprescindvel, a participao ativa e per-

  • manente da comunidade. Participao esta quese deve dar em todo o processo de desenvolvi-mento, implantao e acompanhamento do Progr~ma. Neste processo, a comunidade o agentepromotor do seu prprio desenvolvimento". (1)

    Justamente em relao a este principio, pr!meira vista to transparente e irretocvel nasua generalidade, deve-se atribuir o tumultu~do clima de confronto ocorrido no Seminriode Salvador, como veremos a seguir.

    2.3. Contrariando a diretriz bsica do Programa ea solicitao da coordenao do mesmo, a Dir~toria Regional da SPHAN/PRO-MEMORIA no conv!dou a participar do Seminrio nenhum represe~tante dos setores sociais organizados que habita no Centro Histrico de Salvador.

    No obstante este fato, as lideranas comuni-trias da rea se organizaram e pressionarama coordenao lobal do Seminrio para partic!parem do evento, reunindo assim um conjuntode pessoas com caracteristicas bastante hete-rogneas quanto situao econmica, grau deinstruo e experincias reivindicatrias, p~rmibastante homogneo no que concerne identificao das necessidades e prioridades dosque ali se encontraram, com o idntico objeti-vo de contribuir de alguma forma nas decisesde interveno a serem tomadas em relao area em que vivem. (2)

    AO lado dessa representao da comunidade paEticipou do Seminrio um nmero de tcnicos vi!!culados a orgos governamentais federais, es

  • taduais e municipais, cujas competncias serelacionam com a rea de preservao e plane-jamento urbano. Esse conjunto de especialis-tas demonstrou ser tambm heterogneo em funo do nvel de preparo tcnico, da responsa-bilidade de cargos ou funes, das divergnc~as ideolgicas e, consequentemente, das posi-es conflitantes assumidas no interior dome~mo rgo ou instituio.Contudo, apesar das diferenciaes existente~esse conjunto se demonstrou homogneo quanto crenra na validade e prioridade de suas co~petncias tcnicas, tanto no encaminhamentoquanto nas solues dos problemas que afetama area em questo. Alm disto, esse grupo demonstrou possuir outro denominador conum: asubordinao de sua prtica ao ritual da hie-rarquia e da burocracia governamental, a adoo de uma suposta neutralidade no encaminha-mento e soluo de problemas e a constantep'~ocupao demonstrada em seus pronunciamentos,no sentido de evitar colocar em risco tantoas atuais quanto as futuras conquistas na pr~gresso funcional na hierarquia e poder (3).

    3.1. No incio dos trabalhos, o re~resentante damunicipal idade informou que uma das metas doPrograma Aes da Administrao Municipal(leia-se: do Executivo) referia-se justamente recuperao e revitalizao do Centro Hist~rico da cidade, em vista do que j se encon -travam em elaborao planos e programas volta

  • fdos para tal fim, no estando a PMS dispostaa abrir mo de sua autonomia, atribuies ecompetncias para adequar-se a encaminhamen-tos externos em detrimento das propostas jem andamento e daquelas em programao pelosrgos da Prefeitura.

    Em reforo a essa posio, evocou a realiza -o das eleies diretas para prefeito em novembro/85, considerando a delegao do votopor parte da grande maioria dos municipes como elemento legitimador das aes do Executi-vo, considerando portanto, desnecessrio umaconsulta comunidade, um novo "referendun"para definir necessidades e prioridades deprojetos e programas.

    Desse pronunciamento pode-se concluir que, aPMS no aceitou o principio bsico do Progra-ma("a comunidade o agente promotor do seuprprio desenvolvimento") no seu sentido maisdireto. No preciso dizer que tal posicio-namento foi alvo de enrgica contestao porparte de alguns participantes do Seminrio,d~da a mensagem equivocada transmitida pelo re-presentante municipal em relao ao novo sig-nificado politico que deve possuir a delega -o de poder obtida atravs do processo deeleies diretas numa sociedade democrticaou que, pelo menos, se pressupe estar caminhando nessa direo.

    3.2. Outro momento digno de registro reporta-se indicao de representantes na composio deuma comisso com_atribuies de elaborar o

  • Documento Referencial acima referido.Duas etapas marcaram o processo de indicaode representantes na Comisso. A primeira ,voltada para definir quais os rgos elou in~tituies que participariam ia segunda, refe-rente questo da proporcionalidade da repr~sentao da comunidade na Comisso.A maioria dos rgos e instituies presentesforam considerados membros. Para justificara excluso de alguns foram criadas duas cate-gorias:membro efetivo e membro consultor. (3)

    3.3. O momento mais tumultuado do seminrio ocor -reu quando se colocou em questionamento o desequilibrio existente na Comisso ento definida, em relao aos diversos setores organi-zados da comunidade, que dispunham apenas deum voto contra nove dos demais rgos e instituies indicadas. Tal desproporo no re -fletia com clareza o principio bsico do Pr~grama.Em fun9o das discu$ses que se seguiram ficou patente que as atribuies da comisso extrapolavam suas fun9es de carter puramentetcnico, desde quando as solues tcnicas e~tavam atreladas s decises de cunho politico.Portanto a Comisso, enquanto instrumento doPrograma, deveria refletir a concepco parti-cipativa nele contida.E m~is, a Comisso, enquanto tal, deveria teratribuies para definir prioridades e, por -tanto, propor encaminhamentos de solues pr~

  • servando os interesses da comunidade que viveno Centro Histrico. Contar com o minimo devotos na Comisso poderia significar correr orisco de legitimar decises contrrias aosprprios interesses dos setores ali represen-tados, como frequentemente ocorre nos conse -lhos oficialmente criados e estrategicamenteimplementados nos diversos setores de atividades e niveis institucionais.

    No encaminhamento da discusso, favorecida p~10 clima polltico ento creditado "transi -o democrtica da Nova Repblica", tomou corpo a proposta voltada rara tornar mais repre-sentativa a participao dos setores popula -res organizados na Comisso que vinha sendo e.truturada. A idia lanada em plenrio daformao de uma Comisso paritria, constitu!da de rgos e instituies de um lado e dooutro, de igual nmero de setores populares~ganizados, motivou um nmero exaustivo de pr~nunciamentos: uns de elevado teor emocional,outros mais conceituais e dedutivos, enfati -zando o carter tcnico da comisso e procu -rando restringir a participao da populaoe, ainda outros pronunciamentos transmitindode forma inequivoca o contedo polltico quetal comisso deveria expressar no processo dedefinio de critrios e prioridades paraefeitos de interveno. Enfim, um memorvelacervo de contrastantes posicionamentos e esclarecimentos que permitiram um correto enca-minhamento da questo e, consequentemente, desua votao pelos participantes que, na sua

  • grande maioria, manifestaram-sefavorveis pr9.posta da formao de uma Comisso Paritria.Vale registrar que aps a deciso, participa~tes que no concordaram com a proposta da fOEmao da Comisso Paritria tentaram revertero processo, solicitando a anulao da decisoalegando motivos que no foram acatados nempela mesa nem pelo plenrio. (5) No preclso dizer que,naquele momento a cultura baianaestava presenciando um fato muito especial esignificativo de sua histria no processo dedemocratizao.

    4.1. Envolvendo "aes de planejamento, preparaode equipes tcnicas, realizao de levantamentos para a definio do investimento necess-rio", o Documento Referencial foi concebidocomo termo norteador do processo de conduodos trabalhos na fase de implantao do Programa em Salvador. (6)Paralelamente definio de programas e ares,foi sugerido que alguns projetos j prepara -dos para a rea poderiam vir a ser prioriza -dos, desde que consonantes CQm a ,filosofia bsica do Programa. Coube, desta forma, Comisso Paritria a identificao desses proj~tos e seu encaminhamento conjuntamente com oDocumento Referencial Comisso Inter-Ministerial, para fins de captao de recursos deinvestimento.

  • 4.1.1. Justificativa da operac!onalizao dos tra-balhos da Comisso Paritria, indicando suametodologia de ao, com propostas paracontinuidade dos trabalhos ao longo do pr2cesso de planejamento e de execuo de obrase servi90s;

    4.1.2. Esboo de termo de referencia para o Planode Ao do Centro Histrico, indicando atividades relativas a cada etapa qo Plano, e-quipes tcnicas a serem constituidas e relao dos custos de pr-investimento necess-rios sua elaboraro;

    4.1.3. Relao de objetivos e critrios de priori-dades que deveriam embasar o Plano deAes, como contribuio de uma equipe constituida por alguns membros ca Comisso Paritria;

    4.1.4. Projetos relacionados para investimento im~diato que estariam em condio de seremex~cutados em curto espao de tempo, no depen-dendo da concluso do Plano de Ao para suaimplantao;

    4.1.5. Proposta de apoio organizao da.comunid~de do Centro Histrico como base estruturaldo Programa.Trata-se, portanto, como afirma o prpriodocumento, de "uma abordagem e experienciapioneira no Centro Histrico, com base numprocesso participativo, fruto da confianareciproca e da cooperao que se estabele

  • ceu entre os membros da Comisso Esta exper~encia, mesmo levando em conta a sua complexidade, tem demonstrado um crescente nvel de amadurecimento e enriquecimento dasinterrela9es e do processo de desenvolvimento de a9es a que se prope". (7)

    Vale salientar que o Documento,no que con -cerne ao tem Fases de Implantayo do Programa em Salvador , faz transparecer atr~vs de algumas considera9es as preocupaesdecorrentes da ausncia, desde o inicio dostrabalhos, de um Orgo Gestor co Programa :a falta de definio quanto coordenaodo programa, se por um lado dificultou aComisso no entendimento do desenvolvimentodos trabalhos, por outro, permitiu que cadaum dos membros ali representadoseidentifi-cados com os trabalhos, buscassem respostae fizessem seus prognsticos tornando o pr~cesso de trabalho irreversivel. Todavia algumas qu~stes mereciam resposta: qual o p~pel que desempenhar a Comisso Paritria ,depois da definiyo do Orgo Gestor do Pro-grama. A quem caberia coordenar o Programa?

    A operacionalizayo do Programa foi previ~ta em 4 (quatro) fases: a primeira, com durao correspondente a elaborao do Docu-mento Referencial; a segunda, com duraode dois meses, para levantamento de refer~cias bibliogrficas e preparayo de um novo Seminrio que iria deflagrar o inicioda 3~ fase, ou seja, a elaborayo de Plano

  • de Ao do Centro Histrico com durao devinte e quatro meses. E, finalmente, aquarta fase, correspondendo ab periodo deimplantao e execuo a cargo do rgo Gestor. As duas primeiras etapas seriam deresponsabilidade da Comisso Paritria e aterceira, da Comisso Paritria conjuntame~te com o rgo Gestor.A formao da Comisso Paritria foi consi-derada,no Documento, um termo de compromis-so - "traduziu um acertado compromisso dereciproca confiana e dever se constituirnum desejado e oportuno exercIcio democrtico . e permitir que o processo de planej~mento - normalmente considerado uma atividade de exclusiva habilidade tcnica - saiaenriquecido, incorporando no processo deci-srio as reais aspiraes da Comunidade ...os moradores do Centro Histrico de Salva -dor, deixaram assim de ser objeto de estu -dos - aptos a aceitarem solues impostastransformando-se em sujeitos da ao,na coE!dio de agentes sociais capazes de contri-buir de forma efetiva para o processo queobjetiva recuperar e revitalizar esse patr~mnio da humanidade". (8)Entre os pontos relevante~ e que constituemprincIpios bsicos do Documento e fatoresde compromisso da polItica de interveno ,inclue-se que, "a questo social deve ser oponto de partida da revitalizao do CentroHistrico" e, com base neste princIpio, con

  • siderou-se como fundamento do desenvolvimento social "a fixao de moradores desejosose necessitados de permanecerem na rea, bemcomo a promoo de condies reais de melh2ria da qualidade de vida dessa Comunidade".E mais: "a participao da comunidade deveser estimulada e assegurada em todas as fases e instncias do Programa, a partir demecanismos que assegurem a sua integra9onoprocesso. Dessa forma, a promoo comunitria deve ser uma determinante nos projetosde desenvolvimento social que vierem a serviabilizados nas prximas fases do Progra -ma". (9)

    Seguem-seo plano de aao, requisitos e eta-pas, atividades, segmentos do plano, relao de pesquisas e levantamentos complemen-tares, cronograma de atividades das diver -sas etapas, constituio das equipes de trabalho e custos.o documento inclue ainda uma contribuio deautoria da comunidade referente definiode Objetivos e critrios de prioridades, eapresenta tamb~uma relao de requisitospara a seleo dos projetos j existentesnos Orgos voltados para a preservao. (10)O Documento apresenta tambm uma propostade apoio fina~ceiro organizao da Comunidade (11)

  • renta e cinco dias aps a realizao do Semi-nrio,a Comisso Paritria encaminhava o Documento Referencial Comisso Interministerialpara apreciao. Foi um periodo gratificantee visivelmente impregnado de cooperao e dilogo entre os membros da Comisso.Apesar de concluida a tarefa principal para aqual foi designada, a Comisso Paritria dec!diu,por amplo consenso, dar continuidade s s~as atividades e, para tanto, elegeu como ver-tente de suas preocupaes a preparao e 0Eganizao de um seminrio que deveria prece -der o conjunto de aes de interveno no Ce~tro Histrico, buscando definir politicamenteas diretrizes e prioridades de atendimento.LameI"tavelmente, em pleno exercicio de suasatividades voltadas para a organizao do Seminrio acima referido, a Comisso Paritriafoi surpreendida com a vinda a Salvador do Diretor de Tombamento e Conservao da SPHAN /FNPM, em misso especial para outorgar Prefeitura de Salvador, na pessoa de seu Executivo, a Coordenao do Programa.

    5.2. Na oportunidade, num total desrespeito aos seUSmembros, foi a Comisso Paritria conside-rada extinta, alegando-se ter a mesma desemp~nhado o seu papel: elaborar o Documento Refe-rencial. Nenhuma palavra sobre o mesmo. Ne-nhuma resposta satisfatria s 'moes e telegramas enviados aos dois ministrios. O silncio, a protelao, o afastamento da coorde

  • nadora do Programa, a justificativa que oPrograma estava sendo reformulado, estas e outras razes favoreceram a reverso do procesTso de democratizao que vinha ocorrendo. (12)~ fcil explicar o ocorrido. Independente doposicionamento por demais conhecido da atualadministrao municipal, contribuiu para estedesfecho o elevado padro tcnico e a avana-da mensagem politica contida no Documento Re-ferencial. Tais atributos se configuraram 0C6olhos dos setores mais conservadores, partic~larmente os da SPHAN/PRO-MEMORIA, um precedente perigoso, uma ser~a ameaa a uma "adequa -da" politica de preservao.Em outras palavras, considerando o contedodo Documento Referencial, tido como subversi-vo por setores conservadores do MINC, tal fato facilitou a outorga PMS da gesto do Pr2grama (evidentemente outro programa) desvinc~lado todav1a,dos compromissos explicitados noDocumento, ou seja, dos setores populares organizados do Centro Histrico.Aps decretada a extino da Comisso Parit-ria, vrias iniciativas foram desepvolvidaspela mesma como forma de resistncia. Artigos, entrevistas e depoimentos foram proporc1onados imprensa, alm do envio de telegra -mas s autoridades e solicitao de audincias. Prefeitura, MINC, M.D.U. e Arquidiocese. T2davia,a deciso mais importante foi a manute~o da Comisso Paritria.Por raZes bvias, se retiraram logo da Comis

  • so a PMS, o BNH e a CONDER, enquanto que aSPHAN/PRO-MEMORIA, o IPAC/SIC, o IPAC/SEC e aUFBA continuaram, em termos, a prestar apoio Comisso, apoio esse marcado por profundaambiguidade, decorrente dos compromissos pr~tocolares institucionais. Embora imposta e acontragosto, excluidos a Prefeitura e o BNH,os demais rgos tiveram que aceitar a deci -so tomada, o que, de certa forma, favoreceuessaambiguidade a que acima nos referimos ,forte no inicio e com o passar do tempo redu-zida apenas a uma estimulante mensagem de so-lidariedade, principalmente dirigida aos representantes dos setores da Comunidade, osquais investiram em suas expectativas ao longo dos quarenta e cinco dias de intenso trabalho sem nenhuma remunerao, diferentementedos representantes oficiais da Comisso.Despojada do crdito institucional que lhe dera origem, a Comisso Paritria comeyou a experimentar as primeiras dificuldades de suasobrevivncia. Na oportunidade, contribuirampara sua lenta extinoo a inoperncia da pr~pria Prefeitura no Centro Histrico, por fa!ta de recursos, e o vazio cultural da prpriacidade, sem propostas ou iniciativas polmi -cas que promovesses debates que viessem perm!tir o engajamento e revitalizaoda Comissoou parte dela.Em maro/S7 ocorreu a ltima reunio da Comisso Paritri~na sede da Sociedade Protetorados Desvalidos no Terreiro de So Francisco,

  • que a acolheu desde julho/86 pois anteriormente sua extino as reunies tiveram lugarna sede da SPHAN/FNPM. Presentes ento,ape -nas representantes da Comunidade e do Instituto de Arquitetos. Foi um fim de tarde terri-velmente frustrante para quem admitiu que asmudanas viriam, compensada pela crena quemomentos melhores estariam por vir e permitira continuidade da luta.

    6.1. Das ocorrncias registradas,algumas conclusespodem ser tiradas. A primeira delas, reporta-se forma manipuladora com que o conceito de"participao da Comunidade" utilizado emtextos e discursos oficiais.Trata-se de uma apropriao conceitual que visa, antes de mais nada, em funo do contextoexistente de elevada tenso social, fazer crerque a comunidade de fato convidada e envol-vida no processo de decises politicas. Tardiscurso corresponde a uma formulao tericageral, persuasiva, todavia essencialmente fOEmal, abstrata, despojada de qualq~er transpa-rncia processual, sem nenhuma explicitao&como deve ocorrer tal participao, e que mecanismo de proporcional idade lhe garante suaeficcia.F~ outras palavras, o discurso de participa -o da comunidade, ou da participao comuni-tria, funciona como um autntico exped.ientede legitimao de decises dos setores mais

  • poderosos, atravs de um:pretencioso, pormfalso, encaminhamento democrtico. Trata-sede um discurso vazio, "institucionalizado",permitido, desde que os interlocutores, os l~gares e as circunstncias j sejam pr-estab~lecidos e no qual contedo e forma atendamaoscannes da dissimulao dos conflitos sociaisexistentes.Enfim, admite-se a participao que convmaos que detm o poder. Quando tal norma v!sivelmente contrariada, como ocorreu em Salvador, pelas razes que expressamos, o discursopassa a ser outro, alis, no h mais discur-so, a reao assume o carter de interveno,de autoritarismo.No caso, a formao da Comisso Paritria econsequentemente, a elaborao do DocumentoReferencial, traduz com muita clareza a proposta de participao dos setores popularesno processo decisrio em consonncia com odiscurso oficial. A interveno do MINC, tendo como parceira a PMS, promoveu a extinoda Comisso Paritria retirando da mesma afuno deliberativa que se acreditava devessepossuir. Reabilitou-se assim. de forma expl!cita e autoritria o centralismo das decise~no caso, do Executivo Municipal e seus assessores, num total desrespeito aos princ~p~osde cunho democrtico que a proposta elabora-da pela Comisso paritria possuia.Para aumentar to desrespeitosa interveno,foi prometido que a Comisso Paritria seria

  • mantida, mas de forma ampliada, com outrossegmentos representativos a serem indicados eque desempenharia uma funo meramente consultiva. Estava mais uma vez demonstrada a vacuidade do discurso oficial.

    6.2. Algumas razes favoreceram a formao da C2misso Paritria e permitiram o seu xito concretizado na elaborao do Documento Referen-cial. Em primeiro luga~deve-se levar em co~ta a numerosa afluncia ao evento de setoresorganizados da populaono convidados, exigiramUma participao intensainmeros questionamentos

    local que, apesar departicipar do mesmo.evidenciada pelos

    e reivindicaces.Em segundo lugar, deve-se atribuir um pesobastante significativo s pos~oes conflitan-tes existentes no interior dos prprios ~osgovernamentais presentes, em termos de dife -renciaes ideolgicas de seus funcionrios etcnicos. Juntam-se a essas divergncias nasconcepes de mundo, aquelas decorrentes daestrutura hierarquizada da distribuio de PQder, a qual, por sua vez, tanto incorpora aadeso e o conformismo, quanto a insubordina-o e a resistncia que ajudam assim a expli-car certas oposies (no contradies) internas, facilmente identificveis, embora, igualmente neutralizadas por mecanismos de contro-le-repressivo (ameaas de demisso, discrimi-nao da progresso funcional, etc.). Um numero significativo de tcnicos votou a favorda paridade, entretanto, quando se decretou a

  • extino da Comisso, ns imediatamente seconformaram, outros, por profunda convico ,continuaram, nos bastidores evidentemente, aestimular a comunidade a prosseguir a lutaNo obstante, esse potencial de contedo conflitante foi gradativamente se neutralizandoem funo da inrcia gestada pelas atividadesburocrticas e pelo estigma da subordinaohierrquica.A propsito, o episdio mais ilustrativo des-sa constatao reporta-se ao injustificvel ~fastamento da Coordenadora do Programa quecom vigorosa convico auxiliou a evitar oprocesso de reverso da votao da propostafavorvel formao da Comisso Paritria.

    6.3. A descren~por parte dos setores mais conseEvadore~ na capacidade de organizao da comu-nidade e na competncia a ser requerida naelaborao do Documento Referencial, permitiuque tais setores aceitassem provisoriamente aderrota a qual haviam sido submetidos. Peloentendimento que possuiam, tal participaoda comunidade no levaria a nada de ameaado~desde quando acreditavam que a competnciat~nica dos rgos oficiais predominaria sobreas limitaes dos setores populares. A manip~lao das vontades e das reivindicaes detaissetores seria uma decorrncia natural des-se despreparo. Esqueceram eles. todavia, quealguns representantes dos setores popularesmoradores da rea, possuiam at mesmo nlvelsuperio~e outros, embora sem titulao, pos-

  • suiam longa experincia de lutas reivindicatrias.A medida que o Documento Referencial foi to -mando expresso reivindicatria e procurou assegurar a participao efetiva da comunidadeno processo decisrio, informantes que parti-cipavam da Comisso foram progressivamente a-larmando os setores mais conservadores exis-tentes no MINC, os quais, reorganizados numarpida investida, planejaram liquidar, aindano bero, a nova e singular experincia quevinha ocorrendo em Salvador.Para tal escopo, nada mais fisiologicamentesugestivo que uma aliana com o opositor daconcepo participativa: o Prefeito de Salva-dor, o qual, com livre trnsito nos ministrios, vinha reivindicando, com exclusividadeverbas para seus planos e projetos, e utili -zando o poder de forma diametralmente opostaa proposta do Documento Referencial.A extino da Comisso Paritria e o esqueci-mento a que foi relegado o Documento Referen-cial,traduzem de forma inequivoca a continui-dade das prticas autoritrias que continuamassolando o pais, travestidas de falsas formulaes democrticas.

    6.4. Enfim, torna-se imprescindivel que a experi~cia relatada no esteja simplesmente inseridano rol das "utopias positivas".

    Trata-se de uma experincia concreta, que re~niu pessoas e ideais, fez propostas defenden-

  • do principios e prioridades, preparou crono-grama de atividades e custos. Portanto, umconjunto articulado de aes e prev1soes, pr~duzindo um documento cuja avaliao, injusta-mente, lhe foi negada.E mais, demonstrou nivel de organizao e competncia dos representantes dos setores pop~lares que vivem no Centro Histrico, contra umautoritarismo mais sutil, gil e "modernoso"que, todavia, na sua essncia, to conden-vel e abominvel quanto aquele que herdamosdo processo de colonizao e que vivenciamosde forma acentuada nas ltimas dcadas do re-gimeautoritrio da histria politica brasi -leira.

    (1) DOCUMENTO Programa de Recuperao e Revitalizao de Ncleos Histricos - Seminrio realiza-do em Salvador maio/86. Mimeo. pg.18. Grifosdo autor.Com referncia ao principio da participao c~munitria,j se encontra o mesmo de forma me-nos explicita no acordo de cooperao tcnicafirmado entre o MINC e o MDU - clusula segun-da, alinea a, item 3, confirmando um certo mo-dismo em uso nos documentos oficiais a partirdo inicio da atual dcada promovendo a partic!pao comunitria nas aes de planejamento eintervenes no ambiente urbano.

  • que compe o Centro Histrico de Salvador (Pe-lourinho, Maciel, Passo e Santo Antonio), bemcomo a Sociedade Protetora dos Desvalidos, aAssociao de Mes e Amigos do Maciel, a Fede-rao de Associaes de Bairros de SalvadorFABS, o Movimento em Defesa dos Favelados-MDFe o Representante do Projeto Cultural Cantinada Lua.Dos 45 participantes do evento, 12 eram lide -ranas da populao do CHS.

    (3) Foram convidados para o Seminrio as seguintesinstituies: Diretoria Regional da SPHAN/FNPM,Banco Nacional da Habitao-BNH, Fundao Cul-tural do Estado da Bahia-FCEB, Instituto do Patrimnio Artstico e Cultural da Bahia-IPACCompanhia de Desenvolvimento da Regio Metrop~litana de Salvador-CONDER, Prefeitura Munici -pal do Salvador-PMS, Arquidiocese de Salvador,Universidade Federal da Bahia-UFBA, Revitaliz~o do Centro Histrico de Salvador-Revicentro,Federao das Indstrias da Bahia, Federaodo Comrcio da Bahia, Associao Comercial daBahia, Associao de Micro-Empresas.Dos setores empresariais convidados apenas aFederao do Comrcio da Bahia participou doevento.

    (4) Com um representante cada, a relao indicadade.rgos e instituies atravs do processode votao para compor a Comisso foi a sequ~te: PMS, SPHAN/PR-MEMRIA (5~ DR), IPAC/SECIPAC/SIC, BNH, CONDER, UFBA, IAB-BA, Arquidio-

  • Vale salientar que,por motivos conjunturais decorrentes da politica cultural ento adotada~Ia Fundao Cultural do Estado da Bahia-FCEB ,o Plenrio do Seminrio decidiu no incluir oreferido rgo na Comisso atribuindo-lhe ape-nas a funo consultiva.

    Vale ainda ressaltar nesse processo de indica-es, a resistncia oferecida por representan-tes da 5~ DR da SPHAN/PR-MEMRIA e tambm p~10 representante da UFBA indicao para integrar a Comisso o Instituto de Arquitetos doBrasil - Departamento da Bahia, no convidadopara participar do evento. A indicao funda-mentou-se no reconhecimento pela comunidade dopapel desempenhado pelo IAB/BA ao longo de maisde trs dcadas em defesa do Centro Histri

    (5) Inconformado com a deciso, o ento Diretor da5~ DR da SPHAN/FNPM solicitou Mesa reconsid~rao do assunto alegando o principio que v~lido para qualquer reunio: o de matria vencida. Referia-se deciso tomada anteriormentena sesso da manh do segundo dia do Seminriode que cada rgo ou Instituio participanteda Comisso teria direito a um voto apenas,po~co importando o nmero de participantes em cada sesso. A Mesa lembrou que naquela oportu-nidade no havia sido amadurecida a questo daparticipao da Comunidade, discusso que con-siderou oportuna e vlida. Devolveu a questo

  • levantada pelo referido Diretor ao Plenrio p~ra se pronunciar sobre o assunto. Consideradocorreto o encaminhamento dado pela Mesa, o PIenrio, avaliando a questo, e valendo-se de suasoberania, manteve a deciso tomada quanto aformao da Comisso Paritria.

    (6) Documento Referencial do Programa de Recupera-o e Revitalizao dos Ncleos Histricos-B~hia. Salvador, julho/1986. Mimeo. pg. 4.

    (7) Idem p. 5

    (8) Ibidem p. 9

    (9) Ibidem p. 10

    (10) Ibidem p. 34

    (11) Ibidem pg. 37 a 44

    (12) Aps a autoritria interveno no processo, aComisso Paritria se reuniu para articularaes e estratgias de resistncia. Na opor-tunidade, o representante da Administrao M~nicipal compareceu reunio para comunicarque era inteno do Executivo manter a Comis-so Paritria, todavia ampliada com outrossegmentos a serem indicados, porm com atribuio apenas consultiva e no deliberativa como pretendiam os setores da populao que habitam o Centro Histrico. Estava decretada o~ficialrnente a extino da Comisso Paritria.

  • Apresentaurna experlencia de carter participativopopula~em urnacomisso paritria de tcnicos e representantes de setores sociais organizados da P2pulao que vive no Centro Histrico de Salvador ,o seu desempenho e as razes que favoreceram a suacriao e extino, bem como analisa a pertinnciado encaminhamento metodolgico do Documento Refe -rencial elaborado pela referida comisso.