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CRESCIMENTO URBANO E ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁAC01 A primeira parte deste trabalho abor- da os aspectos conceituais do cres- cimento/desenvolvimento urbano contemporâneo. A segunda parte analisa as interações do cresci- mento urbano com a organização espacial e a terceira e última" apre- senta as perspectivas a médio prazo para a discussão destes temas. O autor ressalta a importância de se trabalhar com o conceito de desen- volvimento urbano associado às di- nâmicas mudanças estruturais, eco- nômico-sociais e polrtico-institucio- nais; analisa a evolução das ques- tões ligadas à regionalização funcio- nal urbana, em uma perspectiva na- cional e internacional. Concluindo, o autor dá ênfase à intensificação da integração dos sistemas urbanos em escala mundial, o que coloca novos desafios teóricos e aplicados. O tema deste trabalho merece, inicialmente, alguns comen- tários de caráter geral. Antes de mais nada, sua importância deve ser destacada à medida que direciona as discussões para as questões do crescimento urbano e suas repercussões projetadas no espaço geográfico, na mobilidade populacional, no bem- estar social e no desenvolvimento econômico. Isto implica valorizar um componente analftico dos fenômenos geográficos, demográficos, sociais e econômicos que merece, a meu ver, maior atenção no Brasil. Com efeito, comparativamente aos componentes estrutu- rais e conjunturais, também utilizados nas análises das áreas de conhecimento já mencionadas, o crescimento é , na maioria das vezes, o componente que recebe menor atenção em termos es- * Professor Titular do Departamento de Geografia (Instituto de Geociên- cias) e do Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da UFBa.

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  • CRESCIMENTO URBANO E ORGANIZAO DOESPAO GEOGRAC01

    A primeira parte deste trabalho abor-da os aspectos conceituais do cres-cimento/desenvolvimento urbanocontemporneo. A segunda parteanalisa as interaes do cresci-mento urbano com a organizaoespacial e a terceira e ltima" apre-senta as perspectivas a mdio prazopara a discusso destes temas. Oautor ressalta a importncia de setrabalhar com o conceito de desen-volvimento urbano associado s di-nmicas mudanas estruturais, eco-nmico-sociais e polrtico-institucio-nais; analisa a evoluo das ques-tes ligadas regionalizao funcio-nal urbana, em uma perspectiva na-cional e internacional. Concluindo, oautor d nfase intensificao daintegrao dos sistemas urbanos emescala mundial, o que coloca novosdesafios tericos e aplicados.

    O tema deste trabalho merece, inicialmente, alguns comen-trios de carter geral. Antes de mais nada, sua importncia deveser destacada medida que direciona as discusses para asquestes do crescimento urbano e suas repercusses projetadasno espao geogrfico, na mobilidade populacional, no bem- estarsocial e no desenvolvimento econmico. Isto implica valorizar umcomponente analftico dos fenmenos geogrficos, demogrficos,sociais e econmicos que merece, a meu ver, maior ateno noBrasil. Com efeito, comparativamente aos componentes estrutu-rais e conjunturais, tambm utilizados nas anlises das reas deconhecimento j mencionadas, o crescimento , na maioria dasvezes, o componente que recebe menor ateno em termos es-

    * Professor Titular do Departamento de Geografia (Instituto de Geocin-cias) e do Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da UFBa.

  • pecfficos e em termos de suas amplas repercusses. Das reasapontadas, talvez isto seja bem mais evidente na Geografia e naSociologia e menos na Demografia e na Economia.

    Em minha rea de atuao, a Geografia, por exemplo, temhavido uma grande preocupaco, at certo ponto compreensfvel,em direcionar a natureza de suas anlises s questes de estru-turao espacial nas quais se inserem os estudos do crescimentoe a abordagem dos aspectos conjunturais. Assim, quase sempreas questes dinmicas,so dependentes da explanao estrutu-ral da realidade atual. E bem menos freqente partir da tica docrescimento, do movimento, para chegar aos temas estruturais econjunturais.

    Por outro lado, particularmente tambm na Geografia, ocrescimento analisado em uma determinada escala temporalque raramente abrange um longo penodo. So bastante comuns,por exemplo, as anlises detalhadas que se adaptam ao perfodode cobertura dos dados censitrios completando-se as questesmais recentes com a obteno de informaes no campo. Asrndrome" de 1940 a 1980 ( ou at 1985) , com atualizaes di-retas, englobando os "sintomas" demogrficos, econmicos e es-paciais, , portanto, uma presena efetiva em inmeros trabalhosgeogrficos brasileiros. Com isto, em geral no so analisados oselementos anteriores a 1940 , muitas vezes relevantes; e as di-nmicas tendncias do crescimento quase sempre no so proje-tadas a mdio prazo. O longo prazo talvez deva ser mesmo evi-tado, tomando-se em considerao a afirmativa do economistaKeynes de que nele estaremos todos mortos ..

    A menor energia gasta em anlises mais recuadas e naprojeo das tendncias de dinamismo atual com suas repercus-ses reflete, certamente, dentre outros aspectos, uma certa inse-gurana quanto aos aspectos terico-conceituais e metodolgicosque envolvem estas questes. Portanto a nfase sobre o cresci-mento merece aplausos medida que valoriza a discusso deum componente analftico que, apesar de sua relevncia, no temobtido a devida ateno. Isto particulamente sentido quando seestuda justamente a questo do crescimento urbano, j que efe-tivamente enorme, em termos gerais, o dinamismo das cida-des, e so profundas as suas repercusses no espao geogrfico,na economia e na sociedade.

    Tentando ser coerente com o que j foi exposto, pretendoabordar o tema crescimento urbano e organizao do espa-

  • o geogrfico atravs da seguinte questo bsica : como ocrescimento das cidades tem afetado a estrutura organizacionaldo espao e que tendncias a mdio prazo podem ser percebi-das? Esta questo ser tratada em trs partes : a primeira abor-dar os aspectos gerais do crescimento/desenvolvimento urbanocontemporneo ; a segunda, as relaes do crescimento urbanocom a organizao espacial; a terceira e ltima, as perspectivas amdio prazo para estes temas.

    1. CRESCIMENTO URBANOlDESENVOLVIMENTO URBANO

    Considero fundamental a discusso inicial sobre a diferen-ciao bsica entre o crescimento urbano e desenvolvimento ur-bano, levando em conta sua importncia para os aspectos analr-ticos, prospectivos e normativos.Tomando como pressuposto b-sico a efetiva associao entre o econmico-social e o espacial,creio que possrve! propor uma distino entre esses dois con-ceitos a partir das teorias do crescimento e do desenvolvimento,vistos de uma forma bastante abrangente. Sem esta preocupa-o te6rico-conceitual de sarda, creio que as abordagens pode-riam restringir a ampla compreenso da temtica.

    As teorias do crescimento (a teoria da base de exportao eos modelos de crescimento, por exemplo) assumem a estruturaeconmico-social como um dado e direcionam, a curto prazo, asmudanas de determinada situao para uma outra. O objetivo sempre o de maximizar as taxas de crescimento econmico, se-toriais e/ou globais. As teorias do desenvolvimento (a teoria dadependncia e os modelos de desenvolvimento, por exemplo) di-recionam as mudanas estruturais econmico-sociais a mdio elongo prazo. O objetivo o de transformar a estrutura econmico-social, repercutindo no aumento geral do bem-estar de toda a so-ciedade.

    Uma definio de Hermansen, apoiado nos trabalhos deSchumpeter e de Hgerstrand, sobre desenvolvimento nos ajuda-r a melhor encaminhar a compreenso desta distino. Para ele,o desenvolvimento corresponde " introduo e difuso de su-cessIvas ondas de inovaes nos aspectos funcionais, quer dizer,econmico, social, cultural e institucional, e no espao geogrfi-co. Estas ondas de inovaes so os mecanismos que ocasio-nam o crescimento econmoico e a mudana estrutural nos vriosespaos, a caracterfstica pela qual os processos de desenvolvi-mento so usualmente definidos. O termo inovao aqui usadonum senso muito geral, incluindo no somente as aplicaes pr-

  • ticas do conhecimento tcnico na produo, mas tambm a subs-tituio de velhas formas, tradies e maneiras de fazer coisasnos espaos funcionais acima citados, a introduo de novas es-pecialidades na produo e consumo e a emergncia de novasindstrias, novos tipos de organizao social e industrial, etc"2.

    Em nossos dias e para nossa realidade, penso que me-lhor falar em desenvolvimento como sinnimo de introduo demudanas estruturais nos espaos funcionais e nos espaosgeogrficos, repercutindo favoravelmente no bem-estar geral dacomunidade. Assim, as mudanas estruturais que devem priori-tariamente ser entendidas como as verdadeiras inovaes, e noo contrrio, ou seja, conceber que as inovaes, em termosabrangentes, que causam as mudanas estruturais. Esta colo-cao estruturalmente integrada do desenvolvimento adapta-sebem perspectiva espacial, incluindo-se nela a questo urbana,e por isso pode, a meu ver, servir como orientao tanto na im-plementao de anlises, como na formulao de perspectivas eestratgias de interveno.

    Assim, como decorrncia lgica, o conceito de crescimentourbano deve ser associado sobretudo ao crescimento em tama-nho elou em nmero dos centros urbanos e em suas funes,devendo ser especificadas as mensuraes. Portanto h uma cor-respondncia com a idia da expanso urbana, com suas reper-cusses nos padres de povoamento e organizao de uma de-terminada sociedade. J a noo de desenvolvimento urbano de-ve ser associada s dinmicas mudanas estruturais, econmico-sociais e politico-institucionais que se processam no espao ur-bano e IJOS espaos sob influncia das cidades, repercutindo namelhoria dos padres de vida de toda a populao. As medidasindicadoras deste processo devem ser tambm especificadas.

    Penso que a distino feita importante no sentido de setrabalhar com categorias de anlises apropriadas e de formula-o de perspectivas adequadas. Em outras palavras, deveremosdar mais ateno aos indicadores do crescimento urbano e suasprojees ou aos indicadores do desenvolvimento urbano e suasrepercusses?

    A tftulo de exemplo, Malizia (1986), objetivando atingir o in-teresse das pequenas cidades e das reas rurais norte-america-nas, mostra bem esta diferenciao com nfase no nrvel de for-mulao de estratgias. As de crescimento urbano, -Por exemplo,

  • poderiam, com base na lgica da teoria da base de exportao,favorecer a expanso do setor industrial. Isto orientaria a realiza-o de diagnstico sobre os recursos da rea e os tipos poten-ciais de indstrias que nela poderiam se instalar. As repercus-ses no nfvel de emprego seriam importantes, bem como na in-fra-estrutura e servios. Isto poderia estar associado a uma polfti-ca de substituio de importaes. Um exemplo bem sucedidodesta opo o que efetivamente ocorreu nas reas no-metro-politanas do Programa da Tennessee Valley Authority - TVA. Ou-tra estratgia seria a de atrair empresas do setor tercirio, o quej mais diffcil em funo das limitaes do mercado das cida-des pequenas e reas rurais. A soluo tem sido atrair firmas dedistribuio de produtos para mercados maiores como, porexemplo, as de venda por catlago, etc. Na rea rural, a estrat-gia do crescimento deveria avaliar o potencial dos recursos natu-rais tentando melhor utiliz-Ios.

    As estratgias de desenvolvimento urbano proposta porMalizia so diferentes. No setor industrial, por exemplo, h umesforo em selecionar os projetos no sentido de atrair os queapresentam maior potencial do crescimento competitivo:"Substi-tuio de importaes ou promoo de exportaes no favore-cem o desenvolvimento quando a produo local substitui a pro-duo de outros lugares. Para ser desenvolvimentista, estas es-tratgias precisam resultar em melhorias significativas na produ-tividade ou estar ligadas aos novos produtos desenvolvidos quecriam novos mercados at ento inexistentes"s. O papel da mu-dana no perfil industrial , portanto, fundamental no dinamismoda economia urbano-regional.

    No caso brasileiro, estas questes de crescimento urbanoversus desenvolvimento urbano so tambm extremamente im-portantes colocando vrios problemas para debate. O primeirodeles e o mais geral de todos, o da relao do urbano, ou seja,em termos mais amplos, do espacial com as demais categoriasque envolvem o amplo espectro do desenvolvimento/crescimento(a categoria econmica, a social e a polftico-institucional). A ca-tegoria espacial expressa formalmente as demais categorias,com as quais interage intensamente, mas parece que nesta iate-grao a que menor ateno tem recebido. H, portanto, umaimensa tarefa a desenvolver que a de demonstrar a relevnciada categoria espacial colocando-a no mesmo nfvel das demais, eisto no por corporativismo dos "espa6logos", mas sim pelo re-conhecimento de sua importncia na busca de padres mais efe-

  • cientes e justos. Devemos tcx:fosefetivamente reconhecer, comoo fez recentemente Milton Santos. qrande defensor da valoriza-o do espao, que "das relaes territoriais depende cada vezmais a orientao e a eficcia das demais relaes sociais" 4.

    Como isto, emerge uma questo terico-conceitual e apli-cada que a da efetiva adequao da organizao espacial snecessidades do desenvolvimento econmico-social. Como valo-rizar a categoria espacial nos modelos de crescimento/desenvol-vimento adotados explcita ou implicitamente no pas? Assim, emtermos mais especfficos, tem havido entre ns uma grande aten-o nas ltimas dcadas para a maximizao do crescimentoeconmico nacional atravs da expanso concentrada no setorindustrial, o que resultou em um rpido processo de metropoliza-o e na configurao ,de enormes desequilfbrios regionais, dosmais altos do mundo. E possvel romper esta busca desenfreadada eficincia econmica introduzindo outras questes como a daeqidade scio-espacial? A propsito, o Brasil com o crescimentodas ltimas dcadas j atingiu hoje a posio de 8 PIB mundial,com uma renda per capita de US$ 1.800, mas seus indicadoressociais so quase todos inferiores aos de Sri Lanka com umarenda per capita de US$ 350! 5 Como alterar esta nossa realida-de?

    o segundo conjunto de problemas para discusso decorredeste primeiro, no sentido de se buscar conceitos de crescimentourbano e de desenvolvimento urbano adequados s nossas reali-dades regionais e locais. Talvez, para se analisar isto, fosse pos-svel partir do seguinte pressuposto: supondo que a categoria es-pacial seja realmente valorizada pelas demais instncias, o quepropor ento como modelo de anlise e de interveno visandoatingir, em nossa realidade, padres mais eficientes e justos dedesenvolvimento urbano? Em outras palavras, a segunda e diffcilmisso dos "espalogos" seria a de propor mudanas substan-ciais, a mdio prazo, para a construo de uma organizao es-pacial mais eficiente e justa, mudanas estas associadas s decarter econmico, social e poltibo-institucional.

    2. CRESCIMENTO/DESENVOLVIMENTO URBANO EORGANIZAO DO ESPAO GEOGRFICO

    So tradicionais, na Geografia, as anlises das relaes es-tre a cidade e a regio; em outras palavras, entre a formao deuma rede de cidades e a organizao regional. A este respeito,

  • Claval, expressando uma opinio generalizada, afirmou: "As ci-dades exercem um papel essencial na organizao de espao ...O estudo das redes urbanas uma das peas mestras da Geo-grafia modema. FIa faz compreender como os homens chegam atriunfar sobre o obstculo que o espao cria troca de informa-6es, ela revela os fluxos e as relaes mltiplas que estroturamas regies e as naes, ela demonstra as engrenagens essen-ciais da mquina econmica e revela o peso dos mitos e os sm-bolos na vida coletiva"e

    Para chegar a estas constataes foram pioneiras as con-tribuies de Ratzel, Hettner e Vidal de La Brache, sendo que es-te ltimo, mesmo tendo gerado sobretudo uma Geografia Regio-nal com base no estudo das paisagens, props, j em 1910, umadiviso regional da Frana em 17 regies geogrficas concebi-das, como espaos organizados pelas grandes cidades. Ele diziaque as cidades e as estradas criam a regio.

    O avano das preocupaes nesta rea do conhecimento,coincidindo s~i':;cativamente com o incremento da urbanizao,permitiu que o conceito da regio funcional urbana fosse definiti-vamente incorporado Geografia. Esta regio, que corresponde a'um espao delimitado pelo conjunto das relaes dirigidas pelascidades, com destaque para aquelas coordenadas pelo centromais importante, ganhou um considervel status terico-aplicadocom os estudos de Christaller e Lsch, dentre outros. Um poucomais tarde, Dickinson sistematizou o conhecimento das relaescidade versus regio de forma defi nitiva Para ele, inclusive, a re-gio polrtica ideal aquela que possui maior nmero de interes-ses comuns, e o ncleo desta organizao a cidade, a foraunificadora mais tmportante das atividades e dos interesses doterritrio que a rodeia.

    Pouco a pouco, o conceito de regio funcional urbana pas-sou a prevalecer, em muitos aspectos, sobre o conceito opostode regio homognea, definida, por sua vez, com base em crit-ROS de semelhana de ordem ffsica, econmica e cultural, toma-dos isoladamente ou em conjunto.

    Os estudos de regionalizao foram extremamente estimu-diferentes enfoques. As atividades urbanas passaram a ser com-preendidas como fundamentais no processo de organizao doespao. Assim, foram desenvolvidas proposies sobre redes ur--banas, centralidade urbana, armadura urbana, regies polariza-

  • das, regies funcionais urbanas, sistemas urbano-regionais, etc.,em que a tnica principal era o papel das cidades na estrutura-o do espao regional, ou seja, a regio sendo tomada com ba-se na interao, analisada de mltiplas formas, entre um centro euma hinter1ndia que a envolve.

    A cidade passou a ser entendida, portanto, como uma loca-lidade centro de regio, e, neste sentido, foi possfvel defini-Iacomo um sistema dentro de um sistema de cidades, como espe-cificamente o fez Berry (1964). A partir daf, foi fcil entender aregio como um sistema integrado de cidades dentro de um sis-tema de regies inter-relacionadas a partir das cidades. Com isto,proliferaram em todo o mundo estudos sobre hierarquia urbana,reas de influncia das cidades, relaes cidade-campo, relaescidade-cidade, relaes cidade-regio, nfveis de especializaourbana, mecanismos de difuso atravs do sistema urbano, me-tropolizao e regionalizao, etc. S os estudos feitos com basena teoria das localidades centrais somaram mais de 2.000 trtulosat 197717.

    Na rea do planejamento, o conceito de organizaco do es-pao a partir de um sistema de cidades foi e de grande impor-t~cia, a tal ponto que o planejamento a nfvel espacial passoupouco a pouco a ser sinnimo de planejamento urbano-regional.Isto se transformou em uma realidade sobretudo a partir de 1945na Europa, nos Estados Unidos e, mais recentemente, nos pafsesdo Terceiro Mundo\ incluindo o Brasil.

    Esta associao, coincidindo com o incremento generaliza-do do processo de urbanizao, permitiu combinar efetivamenteo planejamento da expanso das cidades em um contexto local,regional e nacional, conforme pode ser visto, dentre outros auto-res, em Hall (1974), analisando historicamente exemplos euro-peus e americanos, e em Loeb (1970), Barros (1970), Haddad etalii (1972), Barat et alii (1976), Francisconi e Souza (1976), Olivei-ra (1977) e Bruna et alii (1983), analisando o caso brasileiro emtermos analfticos e normativos.

    No Brasil tivemos, pouco a pouco, a passagem de estudosgeogrficos macrorregionais, em que os aspectos de hornogenei-dade foram preponderantes, para estudos meso e microrregionaisdelimitados a partir da influncia da cidade. Por outro lado. creioque os estudos de estrutura interna das cidades comparativa-mente foram reduzidos, enquanto os de organizao interurbanacresceram bastante. Em vrios Estados da Federao foram fei-

  • tos, por exemplo, estudos de regionalizao administrativa e parao planejamento, atualizados, em geral, a cada mudana de go-vemo. De qualquer maneira, a base para estas deHmitaes eatividades de planejamento quase sempre foi a diviso em re-gies do tipo funcionais urbanas. Um exemplo disto o que ocor-reu na Bahia, onde as preocupaes com a regionalizao, inclu-sive associadas ao processo de planejamento, so, em compara-o com muitos outros Estados da Federao, bem antigas. Comefeito, o pioneirismo da Bahia em termos de planejamento esta-dual, no Brasil, manifestado claramente com a criao da Comis-so de Planejamento Econmico, em 1955, hoje retomada peloatual govemo, seria mais tarde estendido a problemas de plane-jamento vistos a nivel espacial, como conseqncia natural dasgrandes dimenses do territrio baiano e da sua variedade quan-to s caracteristicas fisicas e econmicas. Isto ficou exemplifica-do com a Lei 2321, de 1966, que dividiu o estado em 21 RegiesAdministrativas, com base na influncia das cidades tomadas emtermos hierrquicos. Em 1973, o estado promove uma nova divi-so administrativa em 17 regies e, em 1983, este nmero passaa 27. O atual governo tem como meta a realizao de estudospara uma nova diviso regional do Estado da Bahia atravs dasseguintes aes:

    - "Considerar, no processo contnuo de planejamento darede urbana estadual, a identificao precisa das centra-lidades e polaridades dos sistemas de cidades, as carac-tersticas de capitais regionais, de centros de turismos,de cidades peculiares pela presena de acervos arquite-tnicos ou de valor cultural preservvel, de cidades ouncleos de ntido apoio s atividades agrfcolas e indus-triais conscientizando suas populaes para a importn-cia do papel das suas cidades;

    - retomar com a participao da populao, os estudos e oplanejamento da Regio Metropolitana de Salvador nosentido de identificar suas fronteiras atuais, aps 13anosde sua delimitao autoritria, compreendendo as suasverdadeiras funes e interaes institucionais, econmi-cas, sociais e fsico-territoriais, tendo em conta o respeito autonomia municipal e os legtimos interesses sociais easpiraes da sua populao" 8.

    A implantao das Regies Metropolitanas no pais, na d-cada de 70, tambm um exemplo de regionalizao com base

  • no crescimento alcanado por determinados centros e em seupapel de coordenao. Portanto, no caso brasileiro, procurou-se,atravs da regionalizao urbana, implantar uma quinta instnciaespacial - a mesorregional -, que se agregaria nas relaes polf-ticas, sociais e econmicas s instncias municipais, estaduais,macrorregionais e do pafs como um todo. Neste sentido, o pa-pel do crescimento urbano das ltimas dcadas foi fundamental.

    Entretanto, da mesma forma que a categoria espacial, co-mo vimos, no conseguiu se valorizar como as categorias eco-nmica, social e polftico-institucional, sobretudo como a primeira,a instncia urbano-regional, a nfvel de mesorregies, no conse-guiu tambm se valorizar. Certamente, h af um mecanismo decausa e efeito, ou seja,como a categoria espacial no adquiriu adevida importncia, a instncia regional viu-se tambm enfraque-cida. Com isto, a contribuio em termos de desenvolvimentoque poderia advir do processo conjunto de urbanizao-regionali-zao - organizao do espao, salvo algumas excees - dei-xou de ocorrer. Em outras palavras, o processo de crescimentourbano refletiu perfeitamente o processo de crescimento econ-mico quanto aos aspectos da organizao do espao a nfvello-cal, regional e nacional, contribuindo para a maximizao daacumulao e concentrao.

    A nfvel de planejamento, esta situao fica patente na cls- .sica oposio entre o planejamento global e setorial e o regional.No obstante os numerosos planos, programas e projetos de pla-nejamento regional, as atividades globais e setoriais, ou seja, " a-espaciais", que tm prevalecido na prtica, embora todas elastenham repercusso espacial.

    Uma avaliao crftica de Duarte se adapta bem a estaperspectiva: "O Fstado no seu papel para a manuteno da re-produo do sistema age sohre o espao total, abolindo as rei-vindicaes regionais. Utiliza ideologia para dissolver regies.Seus instrumentos de dominao ou ideolgicos podem ser ex-pressos de diferentes maneiras. Alguns, primeira vista, so es-tabelecidos para implementar o desenvolvimento scio-econmi-co como a ao regional e o planejamento regional. Outros,como integrao nacional servem interiorizao do capital"9.

    3. PERSPECTIVAS A MDIO PRAZO

    Apesar das consideraes j feitas sobre a fragilidade rela-tiva da anlise espacial e, consequentemente, do planejamento

  • regional, preciso reconhecer na prtica a efetiva integrao en-tre os processos de crescimento urbano e organizao do espaogeogrfico em vrios nfveis.

    Em escala mundial, isto tomou-se evidente, dentre outrosaspectos, com o interesse pelos problemas das chamadas cida-des mundiais. Efetivamente, com o intenso processo de cresci-mento urbano em determinadas reas do globo, acompanhadopela intemacionalizao das relaes econmicas, sociais, polfti-cas e culturais favoreci da pelos meios modernos de transporte ecomunicao, cresceram os estudos das cidades mundiais. Opapel destas grandes cidades passou ento a ser visto em umaescala mundial e no mais regional e nacional. Neste sentido,pode-se falar agora que o crescimento urbano tem uma forte re-lao com a organizao do espao geogrfico em escala mun-dial. J existem at organizaes internacionais integrando asprincipais metrpoles mundiais, e que se renem periodicamentepara a anlise de temas de interesse geral como, por exemplo, aAssociao Mundial de Grandes Metrpoles, com sede em Paris,cujo ltimo encontro foi em maio de 1987, I)a Cidade do Mxico.Tambm as organizaes internacionais promovem encontrosdesta natureza. Um destes foi orgonizado pela Organizao dasNaes Unidas (ONU) em maio de 1986, em Barcelona, com o U-tulo Conferncia Internacional sobre Populao e Futuro Urbano,com a participao, dentre outras pessoas, de prefeitos de me-trpoles com mais de 4 milhes de habitantes espalhadas por 47pafses. Talvez este tamanho urbano seja o limite mfnimo que sepoderia adotar para a definao das cidades mundiais. A tnicado crescimento destas grandes aglomeraes e suas repercus-ses econmico-sociais sempre uma presena nestes encon-tros. No de Barcelona, por exemplo, foi anunciado, pela ONU,que a Cidade do Mxico dever ter no ano 2000, 26,3 milhes dehabitantes, So Paulo, 24 milhes (hoje 16 milhes) e o Rio deJaneiro dever passar de 10,4 para 13,3 milhes. A grande aglo-merao de Tquio, j tem 34 milhes de habitantes!

    A propsito desta nova realidade, Sachar (1983) afirmouque agora a ordem internacional corresponde a um sistema con-trolado por cidades mundiais, gerando um novo tipo de regio -a regio urbanizada de carter mundial 10.

    Com a efetiva mundializao dos fenmenos econmicos,sociais, polfticos e culturais passando pelos sistemas de cidades,penso que se pode falar hoje com mais clareza em uma organi-

  • zao espacial mundial que poderia ser chamada de li ecumen6-pole ", como pioneiramente j o foi por Doxiadis. Ou seja, omundo seria uma s cidade, no sentido amplo do termo. Passa-mos, portanto, do estgio das megalpoles para o da "ecumen6-pole".

    Para uma maior reflexo nas discuses deste encontro, as-sumimos o pressuposto de que, mesmo sem uma valorizaoformal da questo espacial, ela realmente importante j que es-t inserida nas questes econmicas, sociais e polftico-institucio-nais. Neste sentido, uma dada organizao espacial o resultadode um determinado conjunto de relaes entre elementos ec0-nmicos, sociais e polftico-institucionais sobre os quais tambmatua diretamente. Ou seja, a categoria espacial , ao mesmotempo, consequncia e causa de um vasto espectro de relaes"a-espaciais". Cabe a ns avaliar se os resultados so eficientese justos. Santos fala, a este respeito em "mundializao perversae perverso das cincias". "Concentrao e centralizao da eco-nomia e do poder polftico, cultura de massa, "cientificizao da bu-rocracia, centralizao agravada das decises e da infotmao,tudo isso forma a base de um acirramento das desigualdades so-ciais, assim como da opresso e da desintegrao do indivrduo"11.E, mais adiante afirma que "os excessos de especializao e aperda de ambio da universalidade so dois aspectos de umamesma questo e permitem a utilizao perversa das cinciassociais" 12. Creio que o exemplo brasileiro tambm confirma. a-rfvel nacional, as afirmaes acima no sentido de que, com o di-nmico processo de crescimento urbano, o espao brasileiro foi in-tegrado, passando a se organizar em funo do conjunto das re-laes nacionais e intemacionais.

    Torna-se, portanto, necessrio analisar em profundidade adinmica em relao crescimento urbano e organizao espacialna perspectiva de mudanas estruturais a mdio prazo, ou seja,basicamente at o ano 2000. Como se colocam agora as ques-tes locais, microrregionais e mesorregionais diante deste novo edinmico quadro urbano local, nacional e intemacional? Comorealizar de forma integrada anlises ampliando e reduzindo a es-cala dos fenmenos, ou seja, colocando ao mesmo tempo umdetalhamento das questes locais no conjunto de formas deabordagem generalizadora? E como correlacionar tudo isto comos mecanismos de interveno, de mudana, visando a implanta-o a mdio prazo de verdadeiros instrumento de desenvolvimen-to?

  • o crescimento urbano alterou, portanto, profundamente aorganizao do espao geogrfico como um todo, no sentido deintegr-Io em diferentes escalas e sob diferentes nfveis de inten-sidade. O sistema espacial mundial hoje a soma e as relaesdos sistemas urbanos e isto, a mdio prazo, dever se intensifi-car cada vez mais, repercutindo em todas as esferas da atividadehumana. Neste sentido, a clssica separao da cidade e campo,to acentuada, por exemplo, por Marx, deixa de existir, colocandoagora as contradies nos sistemas urbanos em escala mundial.

    Concluindo, as perspectivas a mdio prazo so um enormedesafio para todos ns medida que o novo quadro mundial vemse formando sob a tica das injustias scio-espaciais, afetandotodos os nfveis da existncia humana Muito poderia se falar s0-bre o agravamento desta situao nos ltimos anos tambr'n ex-pressas pelas dramticas projees feitas por renomados institu-tos e pesquisadores, inclusive no Brasil 13. Mas, dialeticamente,este processo tem gerado foras que podem atuar contra eleprprio, mudando profundamente esta realidade.

    Geograficamente, estas foras, em termos de destaque, re-sidem na prpria forma espacial assumida pela humanidade emnossos dias, a de uma s cidade, a de um s mundo. E a cidadeno sobretudo o lugar da agregao, do encontro, do movimen-to, da integrao, do debate, da luta? No esta a lgica quepreside a existncia das cidades? 14 Historicamente, a cidade jdemonstrou, simbolicamente e na prtica, em diferentes momen-tos e situaes, sua capacidade de, ao aglomerar foras antag-nicas, colocar em relevo todas as formas de injustias e, conse-qentemente, todas as possibilidades de mudana visando aca-bar com a segregao, com os ghettos, com as fave1as, com adesigualdade e com a represso. Especialmente, temos tambmagora a possibilidade de elaborar concretamente aquilo que ospioneiros da Geografia acadmica tentaram construir - e quecompreensivelmente no o conseguiram na primeira metade dosculo XIX: uma efetiva Geografia universal em que o local seruniversal e que o universal estar no local.

    Devemos todos ajudar sitematicamente a construir este no-vo espao, esta nova cidade, como o lugar da justia e do belo,como o mundo dos cidados libertos de todas as formas eopresso, como o espao da felicidade humana. Esta questo ,portanto, uma questo polftica que interessa a toda sociedade.

  • NOTAS( 1) Conferncia pronunciada no Encontro Nacional de Estudos so-

    bre Crescimento Urbano, Recife. Fundao Joaquim Nabuco. Departa-mento de Cincias Geograficas do instituto de Pesquisas Sociais. 5 a9/10/87.

    ( 2) Hermansen. p. 6-7( 3) Malizia. p. 497( 4) Santos. Um reordenamento global para . p. A-4( 5) Ver, a respeito. os informes sobre o Desenvolvimento Mundial.

    publicados anualmente pelo Banco Mundial.( 6) Claval, p. 37( 7) Cf. Beavon( 8) Partido do Movivento Democrtico Brasileiro (BA), p.26( 9) Duarte, p.26. Os grifos so do autor citado.(10) Cf. Sachar. Ver tambm Decker(11) Santos. A geografia e a nova p.14(12) Ibid. p.15(13) Cf. Juguaribe et alii(14) Cf. Claval

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