9
SALVADOR NOS ANOS 50 E 60: ENCONTROS E DESENCONTROS COM A CULTURA 1 Antonio Alblno Canelas Rublm* Simone Coutlnho" Paulo Henrlque Ancintara*** o texto é uma aproximação primeira ao estudo dos enlaces existentes entre cidade e cultura, na Salvador dos anos 50/60. Tal estudo é parte de uma pesquisa mais extensa intltulada Comunicação ti Cultura na Bahia dos Anos 50/60 e financiada pelo CNPq. Pretende, em sucessivas aproximações, compreender no tempo as intricadas teias espaciais que transpassam e relacionam cidade e cultura, em especial no caso de Salvador. Deve haver uma espécie de devoção, no confronto do homem com o seu passado, através dos livros, dos quadros, do filmes, dos s(tios que foram marcos de sua formação cultural. um rito a observar, um ato de confiança e esperança na perman8ncia do ser, mesmo contra as evidências da decomposição. A vida torna a palpitar sob as ru(nas que se acumularam em torno de nós e em nós mesmos. Mas isto s6 é poss(vel se renunciarmos à ironia diante das coisas pretéritas, se as aceitarmos como coisas incorporadas a um conjunto sem fim, dentro do qual a dimensão humana, entre mudançascont(nuas,permaneceinalterável. Carlos Drummond de Andrade - OsDiasLindos Bonde da Trilhos Urbanos Vãopassando os anos Eeun~oteperdi Meu trabalho é te traduzir. Caetano Veloso - TrilhosUrbanos Uma pessoa que visitasse Salvador no início dos anos 40 e retomasse no final dos anos 50 iria se surpreender. Andar a pé pelo centro da cidade - constituído pela Praça da Sé, Rua da Misericórdia e Rua Chile, com extensão por São Bento e São Pedro - poderia transformar-se numa experiência bastante distinta daquela inicial, quando a velha São Salvador ainda conservava características típicas de uma cidade provinciana. A partir dos anos 50, esta realidade começa a mudar de forma acentuada com o aumento vertiginoso da população (de 290 mil habitantes, em 40, para 417 mil, em 50), o crescimento da economia, a expansão urbana e a modificação da vida cultural. Alterações urbanlsticas e arquitetõnicas dão um novo perfil ao centro de Salvador, local de trabalho de * Professor da Faculdade de Comunicação da UFBa. ** Aluno do Curso de Comunicação da UFBa. *** Aluno do Curso de Comuoicação da UFBa.

3104-7253-3-PB

Embed Size (px)

DESCRIPTION

3104-7253-3-PB

Citation preview

  • SALVADOR NOS ANOS 50 E 60:ENCONTROS E DESENCONTROS COM A CULTURA 1

    Antonio Alblno Canelas Rublm*Simone Coutlnho"Paulo Henrlque Ancintara***

    o texto uma aproximao primeira ao estudo dos enlaces existentesentre cidade e cultura, na Salvador dos anos 50/60. Tal estudo partede uma pesquisa mais extensa intltulada Comunicao ti Cultura naBahia dos Anos 50/60 e financiada pelo CNPq. Pretende, em sucessivasaproximaes, compreender no tempo as intricadas teias espaciais quetranspassam e relacionam cidade e cultura, em especial no caso deSalvador.

    Deve haver uma espcie de devoo, no confronto do homem com o seu passado,atravs dos livros, dos quadros, do filmes, dos s(tios que foram marcos de suaformao cultural. H um rito a observar, um ato de confiana e esperana naperman8ncia do ser, mesmo contra as evidncias da decomposio. A vida torna apalpitar sob as ru(nas que se acumularam em torno de ns e em ns mesmos. Masisto s6 poss(vel se renunciarmos ironia diante das coisas pretritas, se asaceitarmos como coisas incorporadas a um conjunto sem fim, dentro do qual adimenso humana, entre mudanas cont(nuas,permanece inaltervel.

    Carlos Drummond de Andrade - Os Dias Lindos

    Bonde da Trilhos UrbanosVopassando os anosE eu n~o te perdiMeu trabalho te traduzir.

    Caetano Veloso - TrilhosUrbanos

    Uma pessoa que visitasse Salvador no incio dos anos 40 e retomasse no final dosanos 50 iria se surpreender. Andar a p pelo centro da cidade - constitudo pela Praa da S,Rua da Misericrdia e Rua Chile, com extenso por So Bento e So Pedro - poderiatransformar-se numa experincia bastante distinta daquela inicial, quando a velha SoSalvador ainda conservava caractersticas tpicas de uma cidade provinciana.

    A partir dos anos 50, esta realidade comea a mudar de forma acentuada com oaumento vertiginoso da populao (de 290 mil habitantes, em 40, para 417 mil, em 50), ocrescimento da economia, a expanso urbana e a modificao da vida cultural. Alteraesurbanlsticas e arquitetnicas do um novo perfil ao centro de Salvador, local de trabalho de

    * Professor da Faculdade de Comunicao da UFBa.** Aluno do Curso de Comunicao da UFBa.*** Aluno do Curso de Comuoicao da UFBa.

  • boa parte da populao, que passa a dispor de novos servios, espaos de lazer e decultura.

    Omelhor tempo escondeLonge, muito longeMasbem dentro aquiQuando o bonde dava a volta ali.

    Caetano Veloso - Trilhos Urbanos

    At os anos 50,0 centro da cidade abrjgaVc\ quase toda a atividade comercial deSalvador, existindo locaiizaes especfficS para os diverso. tipos de negcios. O comrciovarejista de artigos mais sofisticados estava instaJado nas principais ruas da Cidade Alta -Misericrdia, Ajuda, Carlos Gomes, Avenida Sete, uma espcie de "vitrine" da cidade e pontoalto deste tipo de comrcio. Na Baixa dos Sapateiros, Rua Dr. J.J.Seabra, principal via detrfego para os bairros mais populares, exercia-9le um comrcio mais popular.

    O comrcio de rua era realizado por camels, vendedores ambulantes e em feiraslivres, como a famosa feira de gua de Meninos. Mais de 80% do total do comrciodesenvolvido pelo estado com outras regies do pafs e com o exterior estava ligado ao porto,localizado na Cidade Baixa e terceiro do pas em movimento. Alm disso, o transportemarftimo era tambm o grande responsvel pelo turismo existente e o melhor meio deacesso para se chegar cidade.

    Salvador tinha uma vida to pacata nessa poca que nem sequer exigia sinaleiraspela ruas, existindo apenas uma na Praa Castro Alves, um do trechos mais movimentados.As principais ruas, a exemplo da Avenida Sete, funcionavam como mo e contramo,separadas por postes de meio de rua. Alm dos poucos carros particulares, circulavam, emnmero reduzido, os nibus, que tinham seu nico terminal na Praa da S. Os bondes,desaparecidos na dcada de SO, representavam o principal meio de transporte da cidade,interligando o centro com quase todos os bairros e servindo para cobrir trajetos consideradosdistantes, como entre So Pedro e Barris.

    Ao longo da Avenida Sete, no Campo Grande, Canela, Graa e Nazar moravam asfamlias mais ricas de Salvador, enquanto que as de classe mdia residiam principalmenteem Amaralina, .Rio Vermelho, Toror, Santo Antonio, Sade, Lapinha, Brotas, Barbalho,Quintas, Soledade, Calada, Roma e Itapagipe. A populao pobre concentrava-se naLiberdade, Baixa dos Sapateiros, Federao e na parte baixa do Rio Vermelho (atual Vascoda Gama). Rio Vermelho e Barra serviam igualmente como locais de veraneio. Os bairroseram bastante homogneos na sua configurao urbana e arquitetnica, prevalecendoconstrues de estilo clssico e colonial.

    A Rua Chile servia como palco de inmeras e variadas manifestaes da vida urbanade Salvador. Namorar no ponto da Sloper, bater papo no Caf das Meninas ou visitar aescada rolante da loja Duas Amricas, inaugurada em 1958 e nica da cidade, faziam partedos programas de razer da poca. As pastelarias finas Peres, Alameda e Triunfo - destrufdapor um incndio em 1963 - e as casas de ch A Baiana e Duas Amricas, localizadas nocentro, eram bastante freqentadas. A sorveteria Cubana, por sua localizao privilegiada,ponto de passagem obrigatrio para as pessoas que utilizavam o Elevador Lacerda, recebeumuitos nomes da intelectualidade baiana, constituindo-se um mustda poca.

  • A meia-noite a sorveteria fechava, e ento se esticava at o cabar Tabaris. Orestaurante e bar Cacique, na Praa castro Alves, era outro ponto de encontro, no qualgostavam de se reunir jornalistas e cinfilos do Clube do Cinema da Bahia. Alm desteslocais, havia tambm a Gruta de Lurdes, mais conhecida como caf de Bernadete. Ao seulado ficava a Uvraria Civilizao Brasileira, onde, entre um cafezinho e outro, intelectuaisdiscutiam e compravam livros.

    A configurao e as dimenses da cidade favoreceram bastante a interpenetraoentre vida cultural e boemia. Vida noturna e vida intelectual pareciam caminhar unidas. Pelomenos, era isto o que acontecia na boate, bar e restaurante Anjo Azul, na Rua do cabea,inaugurada em 1949, que servia tambm como livraria e local de exposies. Por lpassaram pessoas famosas, como Jean-Paul Sartre e Simonede Beauvoir.

    A boate reunia os integrantes da gerao de Cadernos da Bahia, composta porartistas plsticos, msicos e literatos. Essa gerao talvez tenha sido o marco fundador detoda a movimentao cultural que se realiza nas dcadas de 50 e 60. Por no encontraremespao na imprensa local, envolta no academicismo e no tradicionalismo, eles criam, em1949, a revista cultural Cadernos da Bahia Alm de editar a revista, o grupo promoviaconferncias, exposies, edies de livros, concertos e leiles de quadros.O movimentotinha como integrantes Vasconcelos Maia, Wilson Rocha, Pedro Moacir Maia, Walter daSilveira, Mrio Cravo, cartos Bastos e outros.

    S quem tinha geladeira era petroleiroA o peo virou burgusAt pensou que fosse um rei.

    Gernimo - Abafabanca

    A descoberta de petrleo em solo baiano e o desenvolvimento da economia agricolano sul do estado com o cultivo do cacau parecem ter sido os principais fatores responsveispelas modificaes desencadeadas na velha So Salvador. Depois de um longo periodo deestagnao, a partir de 50, a economia baiana retoma o seu impulso, uma vez que a Bahiatorna-se o primeiro estado brasileiro a produzir petrleo. A Refinaria Landulfo Alves instalada no municipio de Mataripe, e durante praticamente trs dcadas a Bahia ser onico produtor nacional de petrleo, chegando a produzir 25% da demanda nacional. Ovolume de investimentos e salrios concentrar a renda em salvador quase como emnenhuma outra parte do Brasir2.

    Mudanas significativas, portanto, acontecem na estrutura produtiva e ocupacional deSalvador, com inmeras atividades antes inexistentes ou insignificantes passando a fazerparte ativa da vida econmica da cidade. Se, por um lado, essas transformaes permitiramum aumento significativo da renda gerada internamente, por outro, ampliaram os estratosinseridos estavelmente no mercado de trabalho local. Expandiram-se as camadas de rendamdia e alta da populao que desenvolviam atividades assalariadas nos setores maisdinmicos da economia.

    O aumento do poder aquisitivo de determinadas camadas sociais e o crescimentopopulacional acentuado - muitos habitantes provm do interior do estado, atingido nessesanos por fortes secas - provocam, por sua vez, uma alta demanda imobiliria, agitando omercado da construo e a arquitetura baiana. Por outro lado, a presso populacional sobreas reas centrais e sobre os bairros j constituidos de Salvador terminou por empurrar umaparcela da populao, seus setores mais pobres, para as reas ento perifricas da cidade,enquanto as regies com melhor infra-estrutura urbana passaram a ser ocupadas pelas

  • camadas privilegiadas. Aos mais pobres, restou a opo da periferia e das invases,surgidas a partir dos anos 403.

    As invases tm grande importncia do ponto de vista da prpria urbanizao deSalvador. Elas funcionam como um elemento de presso no sentido de atrair a instalao ouforar a extenso da rede de infra-estrutura urbana existente. Novos bairros surgem, e comeles ruas so pavimentadas ou mesmo abertas, novas linhas de transportes coletivos soinstaladas, novos servios, enfim, so colocados, ainda que precariamente, disposiodaquela populao que forou a incorporao destes espaos cidade. Inicia-se, destemodo, a era marcada pela crescente e incontida expanso horizontal de Salvador, comacentuado crescimento da periferia urbana.

    A dcada de 50 parece trazer desde o seu inicio forte animao cultural. J em 1946,havia sido criada a Universidade Federal da Bahia, agregando as escolas tradicionaisexistentes. Em 1950, de 17 a 21 de abril, realizado em Salvador o 111 Congresso Brasileirode Escritores. Com apoio do governo estadual, que cede as instalaes, como o CineteatroGuarani, encontram-se em Salvador escritores vindos de 12 estados e do Distrito Federal(Rio de Janeiro). Esto presentes no congresso, entre outros, Graciliano Ramos, DionlioMachado, Rossine Camargo Guarnieri, lvaro Moreyra, Edison Carneiro, Nelson WerneckSodr, Astrogildo Pereira, Paschoal Leme,Abelardo da Hora e Lila RipoU4.

    No final da dcada de 40, o ensino pblico na Bahia ganha forte impulso graas atuao de Anfsio Teixeira como secretrio de Educao e Cultura do governo OtvioMangabeira. Dentre outras iniciativas pioneiras, Anfsio Teixeira cria o Centro EducacionalCarneiro Ribeiro, mais conhecido como Escola Parque, considerado modelo pedaggico.Alm de estimular iniciativas culturais como o Clube do Cinema, ele cria no estado umafundao para o desenvolvimento da cincia, uma das primeiras do Brasil.

    Durante toda a dcada de 50, o Colgio Central (Colgio Estadual da Bahia) exemplo de qualidade no ensino de primeiro e segundo graus, sendo disputado porestudantes de todas as classes sociais. No Colgio Central, por exemplo, entre diversasmanifestaes,'aparece a jogralesca em meados dos anos 50. Ela consistia em espetculosde poesia teatralizada, divulgando entre a juventude a moderna poesia brasileira e aliteratura contempornea, alm de despertar em alguns o interesse pelo teatro.

    A jogralesca tambm suscitou polmicas. Quando Annecy Rocha, irm de GlauberRocha, declamou o poema Blasfmia, de Cecflia Meireles, a Congregao do Colgiomanifestou-se contrria e censurou o espetculo. Este perfodo repercutiu nacionalmente, aponto de o Teatro de Arena de So Paulo enviar uma carta de repdio ao colgio,solidarizando-se com os jovens baianos.

    O grupo criador da jogralesca tambm fundou a revista Mapa, cujo nome foi inspiradoem poema de Murilo Mendes. Lanada em 57, a revista, apesar de ter durado apenas umano, teve grande repercusso no meio intelectual da poca. Patrocinada pela AssociaoBaiana dos Estudantes Secundaristas, dirigida por Fernando Peres e Glauber, tinha, entreseus colaboradores, o artista plstico Calazans Neto, os escritores Carlos Ansio Melhor,Snia Coutinho, Joo Ubaldo Ribeiro, Joo Cartos Teixeira Gomes e, mais tarde, FlorisvaldoMattose Myriam Fraga.

    Numa demonstrao do nimo da dcada, circulam revistas culturais como Seiva eAngulus. A revista Angull,Js, uma das mais importantes publicaes da poca, foi criada pelos

  • estudantes da Faculdade de Direito e continha artigos juridicos, ensaios, contos, poemas,criticas e resenhas de livros e gravuras. Participaram de Angulos Joo Eurico Mana,Nemsio Salles, Glauber Rocha, Muniz Sodr, MachadoNeto, Geraldo Samo, entre outros.

    A partir de SO, a paisagem urbana de Salvadormodifica-sede forma acelerada. J em49, hviam surgido o Estdio da Fonte Nova e o Frum Rui Barbosa. Em SO, o governadorOtvio Mangabeira refaz a Avenida Ocenica, ligando o Farol da Barra ao Largo deAmaralina. Pela primeira vez, a orla de Salvador aberta para uma expanso urbana, e, comisto, bairros como Rio Vermelho, Ondina, Amaralina e, principalmente, Barra comeam a sedesenvolver intensamente. Substituindo os velhos casares das ruas Miguel Calmon,Conselheiro Dantas e Portugal, so construidos no Comrcio arranha-cus para acolher osservios pblicos, os bancos, as companhias de seguros, as casas de importao eexportao e os escritrios das fbricas. J na Odade Alta, comeam a aparecer novosedificios de reparties pblicas e de comrcio que convivemcom as casas mais antigas.

    Os "novos ricos (banqueiros, grandes exportadores e importadores, comerciantes eindustriais) investem seu capital tambm na arquitetura..Residncias e luxuosos prdios deapartamentos so construidos nos bairros ricos da Graa e Barra, demonstrando uma novaarquitetura mais linear, mais simples, com cores mais vivas e elementos que traduziam avelocidade do mundo industrial do ps-guerra, no qual se desejava viver.

    Os anos 50 so marcados pela arquitetura funcionalista, caracterizada pelo uso depilotis, dos colunelos de ferro, das marquises, combogs, lajes e terraos. O arquitetoDigenes Rebouas aparece como grande expoente, responsvel por vrias obras, como oEdificio Otacilio Gualberto, de 50, no viaduto da S, alm de inmeras residncias. elequem projeta em 49 o primeiro grande hotel de Salvador, o Hotel da Bahia, no CampoGrande.

    Grandes obras arquitetnicas sero realizadas no final dessa dcada e incio dosanos 60. Em 59, durante o governo de A..,tnioBalbino, construido um dos marcos damodemidade em Salvador e da sua vida cultural, o Teatro Castro A1ves,projetado por SinaFoniat. No ano seguinte, aparecem dois outros importantes edificios - o da Petrobrs,localizado na Calada, e o da Associao Baianade Imprensa (ABI), situado na Praa da S.Outra obra significativa do final da dcada a Rodovia BR-128, ligando Salvador a Feira deSantana.

    Em 1950 criado tambm um fundamental marco da cultura baiana: o Clube doCinema da Bahia. Dirigido pelo advogado e critico cinematogrfico Walter da Silveira, ocineclube tem sua primeira exibio realizada no auditrio da Secretaria de Educao eCultura, localizado no Corredor da Vitria, hoje Museu de Arte. Com menos de um ano defuncionamento, o CCB realiza um festival internacional com a participao de filmes de 12paises.

    O CCB atravessou toda a dcada e tornou-se um dos cineclubes mais importantes doBrasil. Ele ajudou a formar toda uma gerao de cinfilos, exibindo filmes selecionados entreos mais significativos da cinematografia mundial, como as obras do cinema sovitico(Eisenstein e outros), do neo-realismo italiano e da nouvelle vague francesa, trazendo aSalvador conferencistas como A1bertoCavalcanti,Vinicius de Morais e A1exVianny.

  • A importncia do clube marcante para o surgimento de uma pnxlIocinematogrfica baiana no final dos anos 50, e mesmo para o cinema novo. Qiia.se .Salvador a lemanj Filmes, cooperativa de cultura cinematogrfica integrada JPmGlIaImer.Paulo Gil Soares e Fernando Rocha Peres, entre outros. Ela a responsvel peliD priilueiiofilme de Glauber, o experimental O Ptio.

    Em 59, Roberto Pires produz Redeno, primeiro longa-metragem lllaBno.. Sorealizados tambm Barravento e A Grande Feira, em 61, e Tocaia no AsfaJID. SahriIdcwtorna-se um plo de produo cinematogrfica, fazendo surgir a figura do ~. aexemplo de Rex Schindler e Braga Neto. A Bahia passa a atrair produes nacillllll1llliis- Bahiade Todos os Santos, de Trigueirinho Neto, Mandacaru Vermelho, de Nelson JPereiIa dosSantos, e O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte e at internacionais.

    No final dos anos 50, Edgar Santos cria a Escola de Teatro, os Seminrios de lIsiica"que mais tarde do origem Escola de Msica, e a Escola de Dana, primeira do 8asiiI .nfvel superior. Profissionais qualificados so trazidos para trabalhar e, por veze~, dirigtestasunidades. o que acontece com Martim Gonalves, diretor da Escola Teatro, criada em 59.

    Paralelamente criao da escola, surge o grupo teatral A Barca, respOlllSvel pelaencenao de A pera dos Trs Tostes, de Brecht, Senhorita Jlia, de Strindlberg. e UmBonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams. No grupo aparecem Snia dos lHIiJmiiIdes"Harildo Deda, Nilda Spencer, Jurema Pena, Joo Gama e Geraldo Dei Rey, 1lainnlbmelesprotagonistas dos filmes realizados na Bahia.

    Para os Seminrios de Msica, vm nomes como Ernst Widmer, WAalbelr smetlIk"Karlreuter e Manganni. Tanto a Escola de Teatro quanto a Escola de Msiil:a 1IlllnnIiInm-Sereferncias respeitadas em todo o Brasil. A Escola de Belas-Artes, que e>G~ia desde osculo XIX, tambm ganha novos ares. Com a chegada do professor Joo .Jmse 1RIesI::aB"todo o acervo da pintura colonial baiana, arriscado a se perder, restaurado.

    O auditrio da Reitoria da UFBa aparece como espao de intensa mOlll4l11!1entaoedivulgao culturais. Conferncias, debates, recitais, concertos, simpsios e li) CdcPoLuso-Brasileiro, em 58, agitam a universidade. Edgar Santos, reitor da UFBa desde a suacriao at 61, pretendeu dar um perfil cultural e artfstico para a universid_, o que lIhevaleu algumas crfticas. Em 1960, h uma enorme greve contra ele, pois, del'1OnllldID~"desenvolvimentista" da poca, vrios estudantes reivindicam o no-protecioniSl1llllOade..

    Para Jos Carfos Capinam, "a universidade era muito mais presente e/lllllili59a"'\constituindo-se num foco de inteligncia e rebeldids. As cincias sociais dE!!!illl!ll1llltanto na UFBa, atravs da Faculdade de Filosofia, fundada em 41, quanto no ~ anil aComisso de Planejamento Econmico (CPE), dirigida por Rmulo Almeidla JiDmaiis deesquerda como O Momento, do PCB, Sete Dias e Folha da Bahia circulamm 00 perOdodiscutindo poltica e cultura. Jornais como o Dirio de Notcias e Jornal da BaJilie dedlC8l!1'1lamplos espaos ara a cultura e produo dos jovens intelectuais baianos. Dest'ac:alll!Hie emespecial o suplemento dominical do Dirio, dirigido por Glauber, no qual escreveram QlrlosNelson Coutinho e Caetano Veloso, entre outros.

    A Livraria e Editora Progresso, criada nessa poca, dirigida por Pinto Agui8l", foi athoje a nica editora baiana a ter vida regular e dimenso nacional, publicando textos decincias sociais, filosofia, ensaios literrios, romances, livros de poesia de autOJ'e5 rracimaise internacionais. Foram editados pela Progresso, por exemplo, A Odissia, de Halll!1elC;, 0&Sermes, de Pe. Vieira; obras de Victor Hugo, Dostoievski e Mximo Gorki. Inlm!l1llllSautoresbaianos tiveram seus trabalhos publicados pela editora, inclusive professones da lJFBa"atravs de convnio existente com a universidade. Sem a amplitude e reguJillliidliMleda

  • Progresso, existiam na Bahia pequenas e espordicas editoras como a Macunaima e aDinamana.

    No inicio dos anos 60, a movimentao cultural continua a acompanhar a evoluo dacidade. O Clube do Cinema continua ativo, organiza-se a Associao dos CriticosCinematogrficos da Bahia, e filmes so realizados no estado. Em 1960, fundado o Museude Arte Moderna da Bahia, instalado inicialmente no foyer do Teatro Castro Alves e depoistransferido para o Solar do Unho.

    Na Galeria Oxumar, primeira galeria de arte, no Passeio Pblico, os vernissagesaconteciam com freqncia. Sob a direo do poeta Carlos Eduardo da Rocha, a galeria foiimportante espao para a divulgao da arte contempornea e criao de um mercado dearte na Bahia. Na Oxumar, realizaram exposies Genaro de Carvalho, Sante Scaldaferri,Jos Maria e Juarez Paraiso.

    O centro Popular de Cultura da UNE, o CPC, tem um ativo ncleo na Bahia edesenvolve atividades culturais engajadas. O grupo Teatro dos Novos, trazendo umaproposta de vanguarda, aparece em 64. Afinado com objetivos artisticos e culturais de outrosncleos experimentais fora da Bahia, o grupo tambm demonstra preocupao com a culturaregional nordestina. Conseqncia imediata do trabalho do grupo a construo do TeatroVila Velha. Este espao cultural permite o desenvolvimento do teatro livre da Bahia, ondedespontam Joo Augusto, Snia dos Humildes, Harildo Deda e Bemvindo Siqueira.

    Se nos anos 50 a Bahia e Salvador cresceram principalmente devido presena daPetrobrs, nos anos 60, ser a criao do centro Industrial de Aratu (CIA) um novo impulsopara o desenvolvimento. na dcada de 60 que se inicia a fase de industrializao doNordeste, compreendendo a Bahia, sob os incentivos fiscais da SUDENE. Em alguns ramosindustriais como metalurgia, extrao de minerais, mecnica, borracha e quimica, o Estadoda Bahia absorveu mais da metade de todos os investimentos industriais realizados noNordeste nos anos 60. No final dessa dcada, inicia-se a implantao de um novo espaodinamizador d desenvolvimento: o Plo Petroquimico de Gamaari.

    Na dcada de 60, a verticalizao comea a se intensificar em Salvador,particularmente no Corredor da Vitria, Pituba e Avenida Sete. a fase em que a arquiteturafuncionalista d lugar arquitetura brutalista caracterizada pela transparncia do materialutilizado nas formas arquitetnicas, a exemplo do concreto aparente e da parede chapiscada.So dessa poca a primeira rodoviria da cidade, em 62, na Sete Portas; a Faculdade deArquitetura, em 63, na Federao; a Faculdade de Direito, tambm em 63, no Vale doCanela; o Edificio do centro Mdico da Graa e a Biblioteca Central dos Barris, em 69.

    Em meados da dcada implantado o sistema ferry-boa( ligando Salvador ilha deltaparica. Surge a Avenida Paralela, unindo o centro ao Aeroporto Dois de Julho. Com oinicio dos anos 70, Salvador passa a ter uma nova configurao com a construo dasgrandes avenidas de vale: Canela, Garibaldi, Nazar e centenrio. A ligao entre a partealta e baixa da cidade tem novas altemativas com a construo da Avenida do Contorno edos tneis Amrico Simas e Teodoro Sampaio. A cidade se expande, ganha novos ares, e ocentro vai se modificando de forma significativa.

    E nos jardins os urubus passeiam a tarde inteira.Entre os girassis

    Caetano Veloso - Tropiclia

  • A represso instalada no pas a partir de 64 com a ditadura militar atinge diretamentea cultura que vem a sofrer com o aprofundamento do golpe, em 68. Nesse ano, a Bienal deArtes Plsticas, realizada em Salvador, foi rapidamente fechada devido proclamao doAI-5. Na ocasio, Juarez Paraso preso por declarar que Ua arte independente". Com ogolpe de 64/68 a cultura em Salvador, como no resto do Brasil, entra numa profunda crise: omovimento cineclubista decai, e a produo cinematogrfica baiana praticamentedesaparece nos meados da dcada; o movimento teatral enfraquece, e a universidade, sobos novos reitores indicados pelos governos militares, deixa de desempenhar seu papelcultural, inclusive para a vida da cidade.

    Ao lado da represso, os governos militares alteram de modo substancial os circuitosculturais da sociedade brasileira, com a criao das condies para a implantao de umaindstria cultural no Brasil que concentra a produo cultural no Rio de Janeiro e em SoPaulo, nas redes nacionais de televiso, em especial na Globo.

    I

    Esta concentrao refaz hbitos, atingindo drasticamente o lazer e a produo culturalregional, antes desenvolvida, com todas as limitaes, pelas emissoras de televiso e rdio.Ao lado do cinema, o rdio foi o mais importantes meio de comunicao das dcadas de 50 e60. Suas nOVelas e programas de auditrio eram o maior divertimento de uma grande parcelada populao.

    Os anos 50 e 60 representam a chegada da modernidade em Salvador. A Cidadecresce em termos espaciais e em termos populacionais, alterando de modo acentuado suaestrutura urbana. Com a expanso espacial, a utilizao cada vez maior de meios velozes euma dinmica econmica, as pessoas passam a viver em outro ritmo de vida. Os bairros voperdendo o antigo sentido de vizinhana e de vivncia comunitria. O cotidiano passa a servivido fragmentariamente em espaos diferentes: local de moradia, de trabalho, de servios,de Jazer e de atividades culturais.

    A partir dos anos 70, o centro se desanima e perde, inclusive, sua vida noturna. Asavenidas e os agora indispensveis meios de transporte, coletivos ou individuais, passam aser os elementos de ligao desses ambientes distintos da vida urbana, onde a cultura nomais atua com o mesmo vigor de antes.

    NOTAS( 1) Texto preliminar, produto da pesquisa Comunicao e Cultura na Bahia dos Anos 50 e ~ em

    andamento e financiada pelo CNPq.( 2) AZEVEDO, Jos Sergio Gabrielli. In: OLIVEIRA, Francisco. o elo perdido. So Paulo: Brasilienae,

    "987.( 3) MAnOSO, Raquel. "As invases na cidade do Salvador", in: Cadernos do CEAS. Salvador, n. 72,

    38-50, mar/abr.1981.( 4) RUBIM, Antnio Albino Canelas. Partida Comunista, Cultura e Poltica Cultural. So Paulo: USP,

    1986 (tese de doutoramento em Sociologia).(5)CAPINAM, Jos Carlos. In: SANTANA, Valdomiro. Uteratura Baiana 1920-1980. Rio:

    PhilobiblionllNL, 1986.

    REFER~NCIASBIBLIOGRFICASBRANDO, Maria de Azevedo. "Salvador: por uma disciplina do crescimento horizontal". In: Alternativa$,

    Salvador n. 1. p.28-36, 1976.BRUAND, Yves. Arquitetura Contempornea no Brasil So Paulo, Perspediva, p. 145-149.MAnOSO, Maria Raquel. "As invases na cidade do Salvador". In: Cadernos do CEAS Salvador, n.72.OLIVEIRA, Francisco. O elo perdido. So Paulo: Brasiliense, 1987.aUA TRO SCULOS DE HISTRIA DA BAHIA. Salvador: Revista Fiscal da Bahia, 1949.SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana 192D-198a Rio de Janeiro: PhilobiblionIlNL,1986.SANTOS, Milton. O centro da cidade do Salvador. Salvador, Progresso, 1960. 20 op iI.

  • PESSOAS ENTREVISTADASCarlos Nelson Coutinho, ensasta e professorCid Teixeira, historiador e professorDigenes Rebouas, arquiteto e professorFemando Rocha, jornalista e professorRotisYa1do Mattos, poeta, jornalista e professorFIanoisco de Assis, teatrlogo~ Senna, arquiteto e professorGuiidoArajo, cineasta e professorlIut Sodr, ensasta eprofessorPastpalino Magnavita, arquiteto e professor~Gordilho, engenheiro e professor