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341gina inteira) · 2020-06-08 · Era admitida pelos estóicos, sendo, aliás, assu-mida como prova da existência do destino. Crisipo achava que as profecias dos adivinhos não

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  • PREFACIO

    O objetivo deste dicionário é colocar à disposição de todos um repertório das possi-bilidades de filosofar oferecidas pelos conceitos da linguagem filosófica, que vem se cons-tituindo desde o tempo da Grécia antiga até nossos dias. O Dicionário mostra como algumasdessas possibilidades foram desenvolvidas e exploradas à exaustão, ao passo que outrasforam insuficientemente elaboradas ou deixadas de lado. Ele apresenta, assim, um balançodo trabalho filosófico do ponto de vista de sua fase atual.

    Em função desse objetivo foi estabelecida a regra fundamental a que obedeceu aformulação dos verbetes: a de especificar as constantes de significado passíveis de seremdemonstradas ou documentadas com citações textuais, mesmo que de doutrinas aparente-mente diferentes. Mas as constantes de significado só podem ser especificadas quando osdiferentes significados, compreendidos por um mesmo termo, são claramente reconhecidose distintos. Essa é a exigência da clareza, considerada fundamental numa obra como estae que, na verdade, é condição essencial para que a filosofia possa exercer qualquer funçãode esclarecimento e orientação nos confrontos entre os seres humanos.

    Numa época em que os conceitos são freqüentemente confusos e equívocos a pontode se tornarem inutilizáveis, a exigência de uma definição rigorosa dos conceitos e de suasarticulações internas adquire importância vital. Espero que o Dicionário que ora apresentoao leitor esteja à altura dessa exigência e contribua para difundi-la, restituindo aos conceitossua força diretiva e asseguradora.

    Vejo-me agora na grata obrigação de lembrar aqui as pessoas que me ajudaram narealização deste trabalho.

    O professor GIULIO PRETI elaborou para mim alguns verbetes de lógica (sendo oprincipal, justamente, Lógica), todos assinados com as iniciais G. P. Também me ajudou nacompilação de alguns outros, que trazem suas iniciais e as minhas.

    Todos os artigos principais do Dicionário foram discutidos, às vezes longa e minucio-samente, com um grupo restrito de amigos: NORBERTO BOBBIO, EUGÊNIO GARIN, C. A. Viano,Pietro Rossi, Pietro Chiodi.

    Outros amigos ajudaram-me a encontrar ou confrontar textos de mais difícil acesso.Foram eles GRAZIELLA VESCOVINI FEDERICI, GRAZIELLA GIORDANO, SÉRGIO RUFFINO.

    Minha mulher, Marian Taylor, me prestou grande ajuda na correção das provas.A todas essas pessoas dirijo meu cordial agradecimento. Mas o trabalho deste Dicionário

    não teria sido iniciado nem levado a termo sem a ampla ajuda da grande e benemérita casaeditora UTET, que agora a publica. A ela expresso, portanto, minha gratidão.

    NlCOLA ABBAGNANOTurim, 11 de outubro de 1960.

  • VI PREFÁCIO

    NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO ITALIANA

    Esta segunda edição, inteiramente revista, contém 22 verbetes novos: Artefato; Asserção;Autômato; Casamento; Classe, consciência de, Deus, morte de, Diacrônico, Sincrônico;Doxologia; Ensomatose; Futurologia; Iluminismo; Ocorrência; Performativo; Poiético;Praxiologia; Previsão-, Psicodélico; Recusa, grande, Tábuas de verdade, Teleonomia; Ler, Tra-balho.

    Foram inteiramente refeitos os verbetes:Condicional; Conseqüência; Entimema; Implicação-, Matrizes, método das; Panteísmo;

    Tecnocracia.

    N.A.Turim, 20 de abril de 1971.

  • OBSERVAÇÕES

    1. — O Dicionário contém apenas termos, não nomes próprios. No entanto, contémtermos como Platonísmo, Aristotelismo, Criticismo, Idealismo, etc, que se referem à dou-trina de um filósofo ou de uma escola, ou a aspectos ou linhas comuns a várias doutrinas.Mas esses verbetes limitam-se a expor os pontos principais das doutrinas ou linhas emquestão com a maior brevidade possível, dado que as opiniões dos filósofos a que sereferem são amplamente citadas em todos os verbetes principais.

    2. — Foram incluídos artigos dedicados não apenas às simples disciplinas filosóficas(Metafísica, Ontologia, Gnosiologia, Metodologia, Ética, Estética, etc), mas também a discipli-nas científicas de caráter ou fundamento teórico (Matemática, Geometria, Economia, Física,Psicologia, etc), em cuja abordagem os verbetes do Dicionário limitam-se a distinguir asdiversas fases conceituais pelas quais a disciplina passou ou as diversas linhas que ela oferececomo alternativas de pesquisa ou de interpretação.

    3. — Para os termos que se referem a conceitos complexos ou problemáticos, ou quetiveram ou têm interpretações diversas, foi adotado o seguinte procedimento: A) Demos deinício, quando possível, o significado geral ou generalizado ao qual podem ser reduzidostodos os significados encontráveis, ou a maioria deles; E) distinguimos e agrupamos empoucas categorias estes últimos significados; O cada categoria de significado foi ilustradacom citações de textos. Tivemos o cuidado de fazer com que os significados fundamentaisfossem distinguidos e formulados de modo que incluíssem o maior número possível designificados encontráveis.

    4. — O Dicionário tem, como qualquer outro Dicionário lingüístico, uma base essen-cialmente histórica: isso mostra quais foram e quais são os usos de um termo na linguagemfilosófica ocidental e também, se for o caso, relaciona-os com seu uso na linguagem comum.As ambigüidades de significado foram cuidadosamente registradas. Quando foi possívelfazê-lo sem demasiado arbítrio, indicamos o modo de evitar tais ambigüidades.

    5. — Foram utilizadas abreviações para os títulos das obras citadas com maior freqüên-cia (ver a lista apresentada nas páginas seguintes). Para as obras clássicas, utilizamos ossistemas de citação adotados correntemente pelos estudiosos. Sempre que possível, indica-mos, das obras citadas, a parte ou volume, o capítulo e o parágrafo, além da página, paratornar a citação independente das diversas edições ou traduções existentes.

    6. — Os verbetes assinados pelas iniciais G. P. são da autoria do professor Giulio Preti,da Universidade de Florença.

  • LISTA DAS PRINCIPAIS ABREVIATURAS

    Aristóteles (384-322 a.C.)An.post. = Analayticaposteriora, ed. Ross, 1949-An. pr. = Analyticapriora, ed. Ross, 1949-Cat. = Categoriae, ed. Minio-Paluello, 1949.De cael. = De caelo, ed. Allan, 1936.Degen. an. = De generatione animalium, ed.

    Bekker, 1831.Depart. an. = departibusanimalum, ed. Becker,

    1831.El. sof. = De sohphisticis elenchis, ed. Bekker,

    1831.Et. eud. = Ethica eudemia, ed. Susemihl, 1879.Et. nic. = Ethica nicomachea, ed. Bywather 1957.Eis. = Physícorum Hhri VIII, ed. Ross, 1950.Met. = Metaphysica, ed. Ross, 1924.Poet. = De arte poética, ed. Bywather, 1953.Pol. = Política, ed. Newman, 1887-1902.Ret. = Rethorica, ed. Bekker, 1831.Top. = Topicorum libri VIII, ed. Bekker, 1831.

    Arnauld (1612-1694)log. = La logíque ou l'art depenser, 1662, in

    CEuvres Phüosophiques, 1893.

    Aulo Géllio (c. 122-c. 180)Noct. Att. = Noctes Attícae, ed. Hertz e Hosius,

    1903.

    Bacon (1561-1626)Nov. Org. = Novum Organum, 1620.Deaugtn. scient. = De augmentis scientiarum,

    1623.

    Bergson (1859-1941)Évol. créatr. = Évolution créatrice, 1907, 8a ed.,

    1911.Deux sources = Deux sources de Ia morale et de

    Ia religion, 1932; trad. it. M. Vinciguerra,Milano, 1947.

    Boécio (c. 480-c. 526)Phil. cons. = Phüosophiae consolationís libri V, 524.

    Campanella (1568-1639)Phil. rat. = Philosophia rationalis, 1638.

    Cícero (106-43 a.C.)Acad. = Academicontm reliquiae cum Lucullo,

    ed. Plasberg, 1923.De divin. = De divinatione, ed. Plasberg e Ax,

    1965.De finibus = De finibus bonorum et malorum,

    ed. Shiche, 1915.De leg. = De legibus, ed. Mueller, 1897.De nat. deor. = De natura deorum, ed. Plasberg

    1933.De off. = De officis, ed. Atzert, 1932.De rep. = De republica, ed. Castiglioni, 1947.Top. = Tópica, ed. Klotz, 1883.Tusc. = Tusculanae disputationes, ed. Pohlenz,

    1938.

    Descartes (1596-1650)Discours = Discours de Ia mêthode, 1637.Méd. = Méditations touchant Iapremièrephilo-

    sophie, 1641.Pass. de Vârne = Passions de Vâme, 1649.Princ.phil. = Principia philosophiae, 1644.

    Diels (1848-1922)DIELS = Die Fragmente der Vorsokratiker, 5a

    ed., 1934. A letra A refere-se aos testemu-nhos, a letra B aos fragmentos; o númeroé sempre o que foi dado por Diels em suaclassificação.

    Diógenes Laércio (séc. III d.C.)DIOG. L. = Vitae etplacíta philosophorum, ed.

    Cobet, 1878.

  • LISTA DAS PRINCIPAIS ABREVIATURAS

    DunsScot (1265-1308)Rep. Par. = Reportata Parisiensía, in Opera, ed.

    Wadding, vol. Xi, 1639-Op. Ox. = Opus Oxoniense, nelle Opere, ed. de

    L. Wadding, vol. V-X. As partes desta obrapublicadas sob o título de Ordinatio nosquatro primeiros volumes da Opera omnia,em ed. org. pela Commissione Vaticana em1950, foram citadas no texto seguido nestaúltima edição.

    Fichte (1762-1814)Wissenschaftslehre = Grundlagedergesammten

    Wissenschaftslehre, 1794, in Werke, org. pelofilho I. H."Fichte, 8 vols., 1845-46.Também as outras obras de Fichte são cita-das (salvo advertência em contrário) por essaedição ou pela das Machgelassene Werke,org. também pelo filho, 1834-35 (citadas notexto como Werke, IX, X, XI).

    Ficino (1433-1499)Theol. Plat. = Theologia Platônica, in Opera, 1561.In Conv. Plat. de Am. Comm. = In Convivium

    PlatonisdeAmore Commentarium, íbidem.

    Fílon (c. 20 a.C.-c. 50 d.C.)Ali. leg. =Allegoria legis, ed. Colson e Whitaker,

    1929-62.

    Hegel (1770-1831)Ene. = Encyklopãdie derphilosophischen Wis-

    senschaften im Grundrisse, 2- ed., 1827; ed.Lasson, 1950. Nas citações desta obra tam-bém foi consultada a versão italiana de B.Croce, Bari, 1906.

    Fil. do dir. = Grundlinien der Philosophie desRechts, 1821.

    Phãnomen. des Geistes = Phãnomenologie desGeistes, 1807.Quando não é dada outra indicação, as obrasde Hegel são citadas na edição original:Werke, Volstãndige Ausgabe, 1832-45.

    Hobbes (1588-1679)Decorp. = De corpore, 1655.De bom. = De homine, 1658Leviath. = Leviathan, 1651.

    Hume (1711-1776)Inq. Cone. Morais = Inquiry Concerning the

    Principies ofMorais, 1752; ed. Greene Grose,1879; nova ed., 1912.

    Inq. Cone. Underst. = Inquiry ConcerningHuman Understanding, 1748.

    Treatise = A Treatise of Human Nature, 1738;ed. Selby-Bigge, 1888.

    Husserl (1859-1938)ldeen, I, II, III = Ideen zu einer reinen

    Phãnomenologie u ndphãnomenologischenPhilosophie, I, II, III, 1950, 1951, 1952.

    Cart.Med.= Cartesianische Meditationen, 1950.Krisis - Die Krisis der europãischen Wissens-

    chaften unddie transzendentalePhãnome-nologie, 1954.

    Jaspers (1883-1969)Phil. = Philosophie, 3 vols., 1932; 3a ed., 1956.

    Kant (1724-1804)Antr. = Anthropologie inpragmatischerHinsicht,

    1798.Crít do JUÍZO = Kritik der Urteilskraft, 1790.Crít. R. Prática Kritik derpraktischen Vernunft,

    1787.Crít. R. Pura = Kritik der reinen Vernunft, Ia

    ed., 1781; 2a ed., 1787. As citações referem-se à 2- ed., salvo indicação em contrário.

    Met. derSitten = Metaphysik der Sitten, 1797.Prol. = Prolegomena zu einer jeden künftigen

    Metaphysik, die ais Wissenschaft wird auf-treten kónnen, 1783-

    Religion = Die Religion innerhalb der Grenzender blossen Vernunft, 1793.Às vezes são indicadas entre colchetes aspáginas segundo a edição da AcademiaPrussiana. Nesse caso, no que diz respeito àCrítica da Razão Pura, indica-se com A a 1 -edição e com B a segunda,

    Kierkegaard (1813-1855)Werke = Gesammelte Werke, trad. ted. E. Hirsch,

    1957 ss.

    Leibniz (1646-1716)Disc. demét. = Discoursdemétaphysique, 1686,

    ed. Lestienée, 1929.Monad. = Monadologie, 1714.Nouv. ess. = Nouveaux essaissur 1'entendement

    humain, 1703.Théod. = Essais de Théodicée sur Ia bonté de

    Dieu, Ia liberte de Vhomme et Vorígine dumal, 1710.

  • LISTA DAS PRINCIPAIS ABREVIATURAS XI

    As duas obras precedentes e muitos outrosescritos de Leibniz são citados de OperaPhüosophica, ed. Erdmann, 1840. Tambémsão citadas as duas coletâneas: MathematischeSchriften, ed. Gerhardt, 7 vols., 1849-63;Philosophische Schriften, ed. Gerhardt, 7 vols.,1875-90.

    Locke (1632-1704)Saggio = An Essay conceming Human Un-

    derstanding, 1690; ed. Fraser, 1894; trad. it.C. Pellízzí, Bari, 1951.

    Lucrécio (c. 96-c. 53 a.C.)Derer. nat. =Dererum natura, ed. Bailey, 1947.

    MillJ. S. (1806-1873)Logic = System of Logic Ratiocinative and

    Inductive, 1843.

    Nicolau de Cusa (1401-1464)De docta ignor. = De docta ignorantia, 1440.

    Ockham (c. 1280-c. 1349)In Sent. = Quaestiones in LVlibros Sententiarum,

    1495.

    Orígenes (c. 185-c. 253)Deprinc. = De principiis.Injohann. = Lnjobannem.

    Pascal (1623-1662)Pensées (os números referem-se à ordem da

    ed. Brunschvicg).P. G. = MIGNE, Patrologia graeca, o primeiro

    número indica o volume.P. L. = MIGNE, Patrologia latina, o primeiro nú-

    mero indica o volume.

    Pedro Hispano (Papa João XXI, c. 1220-1277)Summ. log. = Summulae logicales, ed. Bo-

    nhenski, 1947

    Peirce 1839-1914)Coll. Pap, = Collected Papers, vols. I-VI, ed.

    Hartshorne e Weiss, 1931-35; vols. VII-VIII,ed. Burks, 1958.

    Platão (c. 427-c. 347 a.C.)Ale, I, II = Alcibiades, I, II.

    Ap, = Apologia Socratis.Carm. = Charmides.Conv. = Symposium.Crat. = Cratylus.Crit. = Crito.Critia = Critias.Def. = Definitiones.Ep, = Epistulae.Eutid. = Euthydemus.Eed. = Phaedo.EU. = Philebus.Gorg. = Gorgias.lon. = Lone.Lach. = Laches.Leggi = Leges.Men. = Menon.Parm. = Parmenides.Pol. = Politicus.Prot. = Protagoras.Rep. = Respublica, ed. Chambry, 1932.Sof. = Sophista.Teet. = feaethetus.Tim. = Timaeus.

    Os textos são citados na edição de Burnet,1899-1906.

    Plotino (205-270)Enn. = Enneades, ed. Bréhier, 1924.

    Santo Agostinho (354-430)De civ. Dei = De civitate Dei.Conf. = Confessionum libri XIII.

    Santo Tomás de Aquino (1225-1274)S. Th. = Summa Theologiae, ed. Caramello,

    Torino, 1950.Contra Gent. = Summa contra Gentiles, Torino,

    1938.De ver. = Quaestiones disputatae de veritate,

    Torino, 1931.

    Scheler (1874-1928)Formalismus = Formalismus in der Ethik und

    die materiale Wertethik, 1913-16.Sympatbie= Wesen undFormen der Sympathie

    1923; trad. franc. Lefebvre, 1928.

    Schelling (1775-1854)Werke = Sãmmtliche Werke, organizada pelo

    filho K. F. A. Schelling: I série (obras já edita-das), 10 vols.; II série (obras inéditas), 4vols., 1.856 ss.

  • XII LISTA DAS PRINCIPAIS ABREVIATURAS

    Schopenhauer (1788-1860)Die Welt = Die Welt ais Wille und Vorstellung,

    1819; 2a ed., 1844; trad. it. P. Savi-Lopez eG. De Lorenzo, Bari, 1914-30.

    Scotus Erigena (séc. D0De divis, nat. = De divisione naturae, nella P.

    L, 122.

    Sêneca (12 a.C-65 d.C.)Ep. = Epistulae moralesadLucilium, ed. Beltrami,

    1931; trad. it. U. Boella, Torino, 1951.

    Sexto Empírico (180-220.)Adv. math. = Adversus mathematicos, ed. Mau,

    1954.Pirr. hyp. = Pirroneion hypotyposeon libri três,

    ed. Mutschmann, 1912.

    Stobeo (séc. V)Ed. = Eclogaephysicaeetethicae, ed. Wachsmuth

    e Hense, 1884-1923.SpinozaEt. = Ethica more geométrico demonstrata, 1677,

    in Opera, ed. Wachsmuth e Hense, 1884-1923.

    Telésio (1509-1588)De rer. nat. = De rerum natura iuxta própria

    principia, I-II, 1565; III-IX, 1586; ed. Spam-panato, 1910-23.

    Wittgenstein (1889-1951)Tractatus= Tractatns logicophilosophicus, 1922.

    Wolff (1679-1754)Cosm. = Cosmologia generalis, 1731-Log. = Philosophia rationalis, siveLógica, 1728.Ont. = Philosophia prima sive Ontologia, 1729.

    Outras abreviaturas não estão registradas acima porque ou são de uso corrente entre osestudiosos, ou são de compreensão imediata, como Ap., para Apêndice; Fil. para Filosofia;Phil. para Philosophie ou Philosophy; Intr. para Introdução; Schol. para scholium; etc.

  • A

    A. 1. Foi Aristóteles quem usou pela primei-ra vez, particularmente em Analíticos, as pri-meiras letras maiúsculas do alfabeto, A, B, F,para indicar os três termos de um silogismo.Todavia, como na sua sintaxe o predicado éposto antes do sujeito (A vnáp%ti tco B, "A éinerente [ou pertence] a B"), em geral em Ana-líticos os sujeitos são B e L. Na Lógica da IdadeModerna, com o costume de se escrever "A estB", A tornou-se normalmente o símbolo dosujeito.

    2. A partir dos tratadistas escolásticos (aoque parece, de Introductiones de Guilhermede Shyreswood, séc. XIII), a letra A é usada naLógica formal "aristotélica" como símbolo daproposição universal afirmativa (v.), segundoos conhecidos versos que chegaram até nós emvárias redações. Nas Summulae de Pedro His-pano (ed. Bochenski, 1. 21), lê-se:

    A affirmat, negat E, sed universaliterambae,

    I affirmat, negat O, sed particulariterambae.

    3. Na lógica modal tradicional, a letra A de-signa a proposição modal que consiste naafirmação do modo e na afirmação da propo-sição. P. ex.: "É possível que p" onde p é umaproposição afirmativa qualquer (ARNAULD, Log.,II, 8).

    4. Na fórmula "A é A" ou "A=A", que come-çou a ser usada com Leibniz como tipo das ver-dades idênticas e foi adotada depois por Wolffe por Kant como expressão do chamado prin-cípio de identidade (v.), A significa um objetoou um conceito qualquer. Fichte dizia: "Todosconcordam que a proposição A é A (assimcomo A=A porque este é o significado da có-pula lógica) e, de fato, não é preciso pensarmuito para reconhecê-la como plenamente cer-ta e indubitável" (Wissenschaftslehre, 1794,

    § 1). Durante muito tempo essa fórmula expri-miu o princípio de identidade e, ao mesmotempo, constituiu um tipo de verdade absoluta-mente indubitável. Diz Boutroux: "O princípiode identidade pode ser assim expresso: A é A.Não digo o Ser, mas simplesmente A, isto é,qualquer coisa, absolutamente qualquer, susce-tível de ser concebida, etc." (De 1'idée de loinaturelle, 1895, p. 12).

    5. No simbolismo de Lukasiewicz a letra "A"é usada como o símbolo da disjunção para aqual se emprega mais comumente o símbolo"V" (cf. A. CHURCH, Introduction to Mathema-tical Logic, nota 91).

    ABALIEDADE. V. ASF.IDADE.ABDERITISMO (ai. Abderitismus). Assim

    Kant designou a concepção que considera quea história não está em progresso nem em re-gresso, mas sempre no mesmo estado. Desteponto de vista, a história humana não teriamais significado do que a de qualquer espécieanimal; seria apenas mais penosa (Se o gênerohumano esta em constante progresso para omelhor, 1798).

    ABDUÇÃO (gr. ànayorfí]; lat. Keductio; in.Abduction; fr. Abduction; ai. Abduction; it.Abduzioné). É um processo de prova indireta,semidemonstrativa (teorizado por Aristótelesem Top., VIII, 5, 159 b 8, e 160 a 11 ss.; An.pr,II, 25, 69 a 20 ss.), em que a premissa maior éevidente, porém a menor é só provável ou dequalquer forma mais facilmente aceita pelointerlocutor do que a conclusão que se querdemonstrar. Embora se trate de um processomais dialético do que apodítico, já fora admiti-do por Platão (cf. Men., 86 ss.) para a matemá-tica, e também será sancionado como um dosmétodos de demonstração matemática porProclo (In Eucl, 212, 24).

  • ABERTO ABSOLUTISMO

    Peirce introduziu o termo abduction (ouretroductíon) para indicar o primeiro momentodo processo indutivo, o da escolha de umahipótese que possa servir para explicar determi-nados fatos empíricos (Coll. Pap., 2.643).

    ABERTO (in. Open; fr. Oiwert; it. Aperto).Adjetivo empregado freqüentemente em sen-tido metafórico na linguagem comum e filo-sófica para indicar atitudes ou instituições queadmitem a possibilidade de participação ou co-municação ampla ou até mesmo universal. Um"espírito aberto" é um espírito acessível a su-gestões, conselhos, críticas que lhe vêm dosoutros ou da própria situação e que está dis-posto a levar em conta, isto é, sem preconcei-tos, tais sugestões. Uma "sociedade aberta" éuma sociedade que possibilita a correção desuas instituições por vias pacíficas (K. POPPER,The Open Society and it Enemies, Londres,1945). Bergson deu o nome de sociedade aber-ta àquela que "abraça a humanidade inteira"(Deux sources, 1932,1; trad. ital., p. 28). C. Morrisfalou de um "eu aberto" (The Open Self, 1948),A. Capitini de uma "religião aberta" (Religioneaperta, 1955).

    AB ESSE AD POSSE. É uma das consequen-tiaeformales (v. CONSEQÜÊNCIA) da Lógica Esco-lástica; ab esse ad posse valet (tenef) con-sequentia, ou, com maior rigor, ab Ma de inessevalet (tenet) Ma depossibili; isto é: de "'p' é ver-dadeira" segue-se que "'p' é possível". G. P.

    AB INVTDIA. Assim Wolff denomina "as ra-zões com as quais se provoca ódio contra asopiniões dos outros" (Log., § 1.049). É o assuntopreferido pelos "perseguidores", isto é, poraqueles "que, com o pretexto de defender averdade, procuram levar os adversários ao pe-rigo de perderem a fama, a fortuna ou a vida"(Ibid., § 1.051).

    ABISSAL, PSICOLOGIA. V. PSICOLOGIA, E.ABNEGAÇÃO (gr. à7rápvr|Oiç; lat. Abnega-

    tio-, in. Self-denial; fr. Abnégation; ai. Verleu-gnung- it. Abnegacione). É a negação de simesmo e a disposição de pôr-se a serviço dosoutros ou de Deus, com o sacrifício dos pró-prios interesses. Assim é descrita essa noção noEvangelho (Mat., XVI, 24; Luc, IX, 23): "Se al-guém quer vir após mim, renuncie a si mesmo,e tome cada dia a sua cruz". Essa negação de simesmo, porém, não é a perda de si mesmo,mas, antes, o reencontro do verdadeiro "simesmo", como se explica no versículo seguin-te: "pois quem quiser conservar a sua vida,perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por

    mim, salvá-la-á". Por isso nos Evangelhos, anoção de abnegação não é uma noção de mo-ral ascética, mas exprime o ato da renovaçãocristã, pelo qual da negação do homem velhonasce o homem novo ou espiritual.

    ABSOLUTISMO (in. Absolutisni; fr. Absolu-tisme, ai. Absolutismus; it. Assolutismo). Termocunhado na primeira metade do séc. XVIII paraindicar toda doutrina que defenda o "poder ab-soluto" ou a "soberania absoluta" do Estado. Noseu sentido político original, esse termo agoradesigna: le o A. utopista de Platão em Repú-blica; 2- o A. papal afirmado por Gregório VIIe por Bonifácio VIII, que reivindica para o Papa,como representante de Deus sobre a Terra, aplenitudopotestatis, isto é, a soberania absolutasobre todos os homens, inclusive os príncipes,os reis e o imperador; 3Q o A. monárquico doséc. XVI, cujo defensor é Hobbes; 4B o A. demo-crático, teorizado por Rousseau no Contrato so-cial, por Marx e pelos escritores marxistas como"ditadura do proletariado". Todas essas formasdo A. defendem igualmente, embora com moti-vos ou fundamentos vários, a exigência de queo poder estatal seja exercido sem limitações ourestrições. A exigência oposta, própria do libe-ralismo (v.), é a que prescreve limites e restri-ções para o poder estatal.

    No uso filosófico corrente, esse termo nãose restringe mais a indicar determinada doutri-na política, mas estende-se à designação detoda e qualquer pretensão doutrinai ou práticaao absoluto, em qualquer campo que seja con-siderado. Diz, p. ex., Reiehenbach (The Theoryof Probabílíty, p. 378): "Devemos renunciar atodos os resíduos do A. para compreender osignificado da interpretação, em termos de fre-qüência, de uma asserção de probabilidade emtorno de um caso individual. Não há lugar parao A. na teoria das asserções de probabilidadereferentes à realidade física. Tais asserções sãousadas como regras de conduta, como regrasque determinam a conduta mais eficaz emdado estágio do conhecimento. Quem quiserencontrar algo a mais nessas asserções des-cobrirá no fim que perseguiu uma quimera". O A.filosófico não é tanto de quem fala do Absolutoou de quem lhe reconhece a existência, mas dequem afirma que o próprio absoluto apoia suaspalavras e lhes dá a garantia incondicional de ve-racidade. Nesse sentido, o protótipo do A.doutrinai é o Idealismo romântico, segundo oqual, na filosofia, não é o filósofo como ho-mem que se manifesta e fala, mas o próprio

  • ABSOLUTO ABSOLUTO

    Absoluto que chega à sua consciência e se ma-nifesta.

    ABSOLUTO (in. Absolute; fr. Absolu; ai.Absoluto; it. Assoluto). O termo latino absolutas(desligado de, destacado de, isto é, livre detoda relação, independente) provavelmentecorresponde ao significado do termo gregokath' auto (ou por si) a propósito do qual dizAristóteles: "Por si mesmo e enquanto ele mes-mo ésignificam a mesma coisa; p. ex.: o pontoe a noção de reta pertencem à linha por si por-que pertencem à linha enquanto linha" (An.post., I, 4, 73 b 30 ss.). Nesse sentido, essapalavra qualificaria uma determinação que per-tence a uma coisa pela própria substância ouessência da coisa, portanto, intrinsecamente.Esse é um dos dois significados da palavra dis-tinguidos por Kant, o que ele considera maisdifundido, mas menos preciso. Nesse sentido,"absolutamente possível" significa possível "emsi mesmo" ou "intrinsecamente" possível. Des-se significado Kant distingue o outro, que con-sidera preferível, segundo o qual essa palavrasignificaria "sob qualquer relação"; nesse caso,"absolutamente possível" significaria possívelsob todos os aspectos ou sob todas as relações(Crít. R. Pura, Dial. transe, Conceitos da razãopura, seç. II).

    Esses dois significados se mantêm ainda nouso genérico dessa palavra, mas o segundoprevalece, talvez por ser menos dogmático enão fazer apelo ao misterioso em si ou à natu-reza intrínseca das coisas. P. ex., dizer "Isto éabsolutamente verdadeiro" pode eqüivaler adizer "Esta proposição contém em si mesmauma garantia de verdade"; rna.s pode tambémquerer dizer "Esta proposição foi amplamenteverificada e nada há ainda que possa provarque ela é falsa"; este segundo significado émenos dogmático do que o primeiro. Assim,responder "Absolutamente não" a uma perguntaou a um pedido significa simplesmente avisarque este "não" está solidamente apoiado porboas razões e será mantido. Esses usos comunsdo termo correspondem ao uso filosófico que,genericamente, é o de "sem limites", "sem res-trições", e portanto "ilimitado" ou "infinito".Muito provavelmente a difusão dessa palavra,que tem início no séc. XVIII (embora tenhasido Nicolau de Cusa que definiu Deus como oA., De docta ignor, II, 9), é devida à lingua-gem política e a expressões como "poder A.","monarquia A.", etc, nas quais a palavra signi-fica claramente "sem restrições" ou "ilimitado".

    A grande voga filosófica desse termo deve-se ao Romantismo. Fichte fala de uma "dedu-ção A.", de "atividade A.", de "saber A.", de "re-flexão A.", de "Eu A.", para indicar, com estaúltima expressão, o Eu infinito, criador domundo. E na segunda fase de sua filosofia,quando procura interpretar o Eu como Deus,usa a palavra de modo tão abusivo que beira oridículo: "O A. é absolutamente aquilo que é,repousa sobre si e em si mesmo absolutamen-te", "Ele é o que é absolutamente porque é porsi mesmo... porque junto ao A. não permanecenada de estranho, mas esvai-se tudo o que nãoé o A." (Wissenschaftslehre, 1801, §§ 5 e 8;Werke, II, pp. 12, 16). A mesma exageraçãodessa palavra acha-se em Schelling, que, assimcomo Fichte da segunda maneira, emprega,além disso, o substantivo "A." para designar oprincípio infinito da realidade, isto é, Deus. Omesmo uso da palavra reaparece em Hegel,para quem, como para Fichte e Schelling, o A.é, ao mesmo tempo, o objeto e o sujeito dafilosofia e, embora definido de várias formas,permanece caracterizado pela sua infinida-de positiva no sentido de estar além de to-da realidade finita e de compreender em sitoda realidade finita. O princípio formulado naFenomenologia (Pref.) de que "o A. é essen-cialmente o resultado" e de que "só no fim estáo que é em verdade" leva Hegel a chamar deEspírito A. os graus últimos da realidade, aque-les em que ela se revela a si mesma comoPrincípio autoconsciente infinito na religião, naarte e na filosofia. O Romantismo fixou assim ouso dessa palavra tanto como adjetivo quantocomo substantivo. Segundo esse uso, a pala-vra significa "sem restrições", "sem limitações","sem condições"; e como substantivo significaa Realidade que é desprovida de limites oucondições, a Realidade Suprema, o "Espírito"ou "Deus". Já Leibniz dissera: "O verdadeiro in-finito, a rigor, nada mais é que o A." (Nouv. ess.,II, 17, § 1). E na realidade esse termo pode serconsiderado sinônimo de "Infinito" (v.). Em vis-ta da posição central que a noção de infinitoocupa no Romantismo (v.), entende-se por queesse sinônimo foi acolhido e muito utilizado noperíodo romântico. Na França, essa palavra foiimportada por Cousin, cujos vínculos com oRomantismo alemão são conhecidos. Na In-glaterra, foi introduzida por William Hamilton,cujo primeiro livro foi um estudo sobre a Filo-sofia de Cousin (1829); e essa noção tornou-sea base das discussões sobre a cognoscibilida-

  • ABSORÇÃO, LEI DE ABSTRAÇÃO

    de de A., iniciadas por Hamilton e Mansel econtinuadas pelo evolucionismo positivista(Spencer, etc), que, assim como esses doispensadores, afirmou a existência e, ao mesmotempo, a incognoscibilidade do Absoluto. Nafilosofia contemporânea, essa palavra foi am-plamente usada pela corrente que estava maisestreitamente ligada ao Idealismo romântico,isto é, pelo Idealismo anglo-americano (Green,Bradley, Royce) e italiano (Gentile, Croce),para designar a Consciência infinita ou o Espíri-to infinito.

    Essa palavra permanece, portanto, ligada auma fase determinada do pensamento filosófi-co, mais precisamente à concepção românticado Infinito, que compreende e resolve em sitoda realidade finita e não é, por isso, limitadoou condicionado por nada, nada tendo fora desi que possa limitá-lo ou condicioná-lo. No seuuso comum, assim como no filosófico, essetermo continua significando o estado daquiloque, a qualquer título, é desprovido de condi-ções e de limites, ou (como substantivo) aquiloque se realiza a si mesmo de modo necessário einfalível.

    ABSORÇÃO, LEI DE (in. Law of absorption;fr. Loi d'absorption; it. Leggi di assorbimen-to). Com esse nome designam-se na Lógicacontemporânea os dois teoremas da álgebradas proposições:

    pr\pq = p; p(.pr\q)=p,

    e os dois teoremas correspondentes da álge-bra das classes:

    a x\ab =a; a (ar\b) = a.

    A A. é, nessas expressões, a possibilidadelógica de substituir-sep porpvpq ou porp(/>r)q) nas primeiras expressões; ou a por a r\ abou por a(ar\ b) nas segundas expressões. (Cf.CHURCH, Intr. toMathematicalLogic, 15, 8). Forada linguagem da lógica, essa lei significa que,se um conceito implica outro, ele absorve esteoutro, no sentido de que a asserção simultâneados dois eqüivale à asserção do primeiro epode ser, portanto, substituída pela asserçãodeste toda vez que ela reapareça. Cf. TAU-TOLOGIA.

    ABSTRAÇÃO (gr. àípccípeaiç; lat. Abstractia,in. Abstraction; fr. Abstraction; ai. Abstraktion;

    it. Astrazionè). É a operação mediante a qualalguma coisa é escolhida como objeto de per-cepção, atenção, observação, consideração,pesquisa, estudo, etc, e isolada de outras coi-sas com que está em uma relação qualquer. AA. tem dois aspectos: l2 isolar a coisa previa-mente escolhida das demais com que está rela-cionada (o abstrair de); 2- assumir como objetoespecífico de consideração o que foi assim iso-lado (A. seletiva ou prescindente). Esses doissignificados já foram distinguidos por Kant(Logik, § 6), que, porém, pretendia reduzir a A.somente à primeira dessas formas.

    A A. é inerente a qualquer procedimentocognoscitivo e pode servir para descrever todoprocesso desse gênero. Com tal finalidade foiutilizada desde a Antigüidade. Aristóteles expli-ca com a A. a formação das ciências teoréticas,isto é, da matemática, da física e da filosofiapura. "O matemático", diz ele, "despoja as coi-sas de todas as qualidades sensíveis (peso, le-veza, dureza, etc.) e as reduz à quantidadedescontínua e contínua; o físico prescinde detodas as determinações do ser que não se redu-zam ao movimento. Analogamente, o filósofodespoja o ser de todas as determinações parti-culares (quantidade, movimento, etc.) e limita-se a considerá-lo só enquanto ser" (Met., XI, 3,1.061 a 28 ss.). O processo todo do conhecerpode ser, segundo Aristóteles, descrito com aA.: "O conhecimento sensível consiste em assu-mir as formas sensíveis sem a matéria assimcomo a cera assume a marca do sinete sem oferro ou o ouro de que ele é composto" (Dean., II, 12, 424 a 18). E o conhecimento intelec-tual recebe as formas inteligíveis abstraindo-asdas formas sensíveis em que estão presentes(ibid., III, 7, 431 ss.). S. Tomás reduz o conheci-mento intelectual à operação de A.: abstrair aforma da matéria individual e assim extrair ouniversal do particular, a espécie inteligível dasimagens singulares. Assim como podemos con-siderar a cor de um fruto prescindindo do fruto,sem por isso afirmar que ela existe separada-mente do fruto, também podemos conhecer asformas ou as espécies universais do homem,do cavalo, da pedra, etc, prescindindo dosprincípios individuais a que estão unidas, massem afirmar que existem separadamente des-tes. A A., por isso, não falsifica a realidade, massó possibilita a consideração separada da for-ma e, com isso, o conhecimento intelectual hu-

  • ABSTRAÇÃO ABSTRAÇÃO

    mano (S. Th., I, q. 85, a. 1). Esses conceitos, ouconceitos afins, repetem-se em toda a Es-colástica. A Lógica de Port-Royal (I, 4) resumiumuito bem o pensamento da Escolástica e a es-treita conexão do processo abstrativo com anatureza do homem, dizendo: "A limitação danossa mente faz que não possamos compreen-der as coisas compostas senão considerando-asnas suas partes e contemplando as faces diver-sas com que elas se nos apresentam: isto é oque geralmente se costuma chamar conhecerpor A.".

    Locke foi o primeiro a evidenciar a estreitaconexão entre o processo de A. e a função sim-bólica da linguagem. "Mediante a A.", diz ele,"as idéias extraídas de seres particulares tor-nam-se representantes gerais de todos os obje-tos da mesma espécie e os seus nomes tornam-se nomes gerais, aplicáveis a tudo o que existee está conforme com tais idéias abstratas... As-sim, observando-se hoje no gesso ou na nevea mesma cor que ontem foi observada no leite,considera-se só esse aspecto e faz-se com ele arepresentação de todas as outras idéias da mes-ma espécie; e dando-se o nome 'brancura',com este som significa-se a mesma qualidade,onde quer que ela venha a ser imaginada ouencontrada; e assim são compostos os univer-sais, quer se trate de idéias, quer se trate determos" (Ensaio, II, 11, § 9). Baseando-se nes-sas observações de Locke, Berkeley chegou ànegação da idéia abstrata e da própria funçãoda abstração. Nega, em outros termos, que ohomem possa abstrair a idéia da cor das cores,a idéia do homem dos homens, etc. Não há, defato, a idéia de um homem que não tenha ne-nhuma característica particular, assim comonão há, na realidade, um homem desse gênero.As idéias gerais não são idéias desprovidas decaráter particular (isto é, "abstratas"), mas idéiasparticulares assumidas como signos de um gru-po de outras idéias particulares afins entre si. Otriângulo que um geômetra tem em mente parademonstrar um teorema não é um triânguloabstrato, mas um triângulo particular, p. ex.,isósceles; mas já que não se faz menção dessecaráter particular durante a demonstração, oteorema demonstrado vale para todos os triân-gulos indistintamente, podendo cada um delestomar o lugar do que foi considerado (Princ. ofHum. Know., Intr., § 16). Hume repetiu a análi-se negativa de Berkeley {Treatise, I, 1, 7). Tais

    análises, todavia, não negam a A., mas a suanoção psicológica em favor do seu conceito ló-gico-simbólico. A A. não é o ato pelo qual o es-pírito pensa certas idéias separadamente deoutras; é, antes, a função simbólica de certasrepresentações particulares. Kant, porém, su-blinha a importância da A. no sentido tradicio-nal, pondo-a ao lado da atenção como um dosatos ordinários do espírito e sublinhando a suafunção de separar uma representação, de quese está consciente, das outras com que ela estáligada na consciência. Embora ele exemplifiquede modo curioso a importância desse ato ("Mui-tos homens são infelizes porque não sabemabstrair". "Um celibatário poderia fazer bomcasamento se soubesse abstrair a partir de umaverruga do rosto ou a partir da falta de umdente de sua amada" [Antr., § 31), é claro que oprocedimento todo de Kant, que tem por fimisolar (isolieren) os elementos do conhecimento,apriori, ou da atividade humana, em geral, éum procedimento abstrativo. Diz ele, por ex.:"Em uma lógica transcendental, nós isolamos ointelecto (como acima, na Estética transcen-dental, a sensibilidade) e extraímos de todo onosso conhecimento só a parte do pensamen-to que tem origem unicamente no intelecto"(Crít. R. Pura, Div. da Lóg. transcend.).

    Com Hegel, assiste-se ao estranho fenômenoda supervalorização da A. e da desvalorizaçãodo abstrato. Hegel opõe-se à opinião de queabstrair significa somente extrair do concreto,para proveito subjetivo, esta ou aquela nota queconstitua o conceito, entre outras que todaviapermaneceriam reais e válidas fora do conceito,na própria realidade. "O pensamento abs-traente", diz ele, "não pode ser consideradocomo pôr à parte a matéria sensível que nãoseria prejudicada por isso em sua realidade; é,antes, superar e reduzir essa matéria, que é sim-ples fenômeno, ao essencial, que só se ma-nifesta no conceito" (Wissensch. der Logik, III,Do conceito em geral, trad. it., pp. 24-25). Oconceito a que se chega com a A. é, por isso, se-gundo Hegel, a própria realidade, aliás, a subs-tância da realidade. Por outro lado, todavia, oabstrato é considerado por Hegel como o que éfinito, imediato, não posto em relação com otodo, não resolvido no devir da Idéia, e por issoproduto de uma perspectiva provisória e falaz."O abstrato é o finito, o concreto é a verdade, oobjeto infinito" (Phil. derReligion, II, em Werke,

  • ABSTRAÇÃO ABSTRATTVO, CONHECIMENTO

    ed. Glockner, XVI, p. 226). "Somente o concretoé o verdadeiro, o abstrato não é o verdadei-ro" (Geschicbte der Phil, III, em Werke, ed.Glockner, XIX, p. 99). Está claro, todavia, queHegel entende por abstrato aquilo que co-mumente se chama concreto — as coisas, osobjetos particulares, as realidades singularesoferecidas ou testemunhadas pela experiência— enquanto chama de concreto o que o uso co-mum e filosófico sempre chamou de abstrato,isto é, o conceito; e chama-o de concreto por-que este constitui, para ele, a substância mesmada realidade (conforme o seu princípio "Tudoo que é racional é real e tudo o que é real é ra-cional"). De qualquer forma, essa inversão designificado permitiu que boa parte da filosofiado séc. XIX se pronunciasse a favor do concretoe contra o abstrato, ainda quando o "concreto"de que se tratava era, na realidade, uma simplesA. filosófica. Gentile falava, p. ex., de uma "lógi-ca do abstrato", ou do pensamento pensado, ede uma "lógica do concreto", ou do pensamen-to pensante (Sistema di lógica, I, 1922, pp. 119ss.). Croce falava da "concretitude" do conceitocomo imanência deste nas representações sin-gulares e da "abstrateza" das noções considera-das desligadas dos particulares ilógica, A- ed.,1920, p. 28). Bergson contrapôs constantementeo tempo "concreto" da consciência ao tempo"abstrato" da ciência e, de modo geral, o proce-dimento da ciência que se vale de conceitos ousímbolos, isto é, de "idéias abstratas ou gerais",ao procedimento intuitivo ou simpático da filo-sofia (cf., p. ex., Lapenséeet le mouvant, 3- ed.,1934, p. 210). Esses temas polêmicos forambastante freqüentes na filosofia dos primeirosdecênios do nosso século. E certamente a polê-mica contra a A. foi eficaz contra a tendência deentificar os produtos dela, isto é, de considerarcomo substâncias ou realidades, entidades quenão têm outra função senão possibilitar a des-crição, a classificação e o uso de um complexode dados. Mas, por outro lado, essa mesma po-lêmica às vezes fez esquecer a função da A. emtodo tipo ou forma de atividade humana, en-quanto tal atividade só pode operar através deseleções abstrativas. Mach insistiu nessa funçãoda A. nas ciências, afirmando que ela é indis-pensável para a observação dos fenômenos,para a descoberta, ou para a pesquisa dos prin-cípios (Erkenntniss undIrrtum, cap. VIII; trad.fr., pp. 146 ss.). A esse propósito foi oportuna-mente distinguida por Peirce uma dupla funçãoda A.: a de operação seletiva e a que dá ensejo

    às verdadeiras e próprias entidades abstratas,como p. ex., na matemática. "O fato mais co-mum da percepção, como, p. ex., 'há luz', impli-ca A. prescindente ou prescindência. Mas a A.hipostática, que transforma 'há luz' em 'há luzaqui', que é o sentido que dou comumente àpalavra A. (desde que prescindência indica a A.prescindente), é um modo especialíssimo dopensamento. Consiste em tomar certo aspectode um objeto ou de vários objetos percebidos(depois que já foi 'pré-cindido' dos outros as-pectos de tais objetos) e em exprimi-lo de formaproposicional com um juízo" (Coll. Pap., 4.235;cf. 3.642; 5.304). Essa distinção que já fora ace-nada por James (Princ. ofPsychol, I. 243) eaceita por Dewey {Logic, cap. 23; trad. it., pp.603-604) não impede que tanto a prescindênciaquanto a A. hipostática sejam especificações dafunção geral seletiva, que tradicionalmente foiindicada pela palavra "abstração". Paul Valéryinsistiu poeticamente na importância da A. emtodas as constaições humanas, logo tambémna arte: "Estou dizendo que o homem fabricapor A.; ignorando e esquecendo grande partedas qualidades daquilo que emprega, aplican-do-se somente a condições claras e distintasque podem, via de regra, ser simultaneamentesatisfeitas não por uma, mas por muitas espé-cies de matérias" (Eupalinos, trad. ital., p. 134).

    ABSTRACIONISMO (in. Abstractionisni; fr.Abstractionnisme, ai. Abstraktionismus; it. As-trazionismo). Assim William James (The Mea-ning of Truth, 1909, cap. XIII) denominou ouso ilegítimo da abstração e em particular atendência a considerar como reais os produtosda abstração.

    ABSTRATAS, CIÊNCIAS. V. CIÊNCIAS, CLASSI-FICAÇÃO DAS.

    ABSTRATAS, IDÉIAS. V. ABSTRAÇÃO.ABSTRATIVO, CONHECIMENTO (lat

    Cognitio abstractiva-, in. Abstractive knowledge,fr. Connaissance abstractive, ai. AbstrahierendeErkenntniss; it. Conoscenza astrattiva). Termoque Duns Scot empregou de modo simétricoe oposto ao de conhecimento intuitivo (cog-nitio intuitiva), para indicar uma das espé-cies fundamentais do conhecimento: a pri-meira delas "abstrai de toda existência atual"enquanto a segunda "se refere ao que existeou ao que está presente em certa existênciaatual" (Op. Ox., II, d. 3, q. 9, n. 6). A distinçãofoi aceita por Durand de St. Pourçain (In Sent,Prol, q. 3, F) e por Ockham, que, porém, areinterpretou a seu modo, entendendo por co-

  • ABSTRATOR ACADEMIA

    nhecimento intuitivo aquele mediante o qual seconhece com evidência a realidade ou a irrea-lidade de uma coisa ou de algum outro atributoempírico da própria coisa; portanto, em geral,"toda noção simples de um termo ou de váriostermos de uma coisa ou de várias coisas, em vir-tude da qual se possa conhecer alguma verdadecontingente especialmente em torno do objetopresente" (In Sent., Prol., q. 1, Z.). F. entendeupor conhecimento abstrativo o que prescinde darealidade ou da irrealidade do objeto e é umaespécie de imagem ou cópia do conhecimentointuitivo. Nada se pode conhecer abstrativa-mente, diz ele, que não tenha sido conhecidointuitivamente, senão até mesmo o cego de nas-cença poderia conhecer as cores (Ibid, I, d. 3, q.2, K). Essa doutrina do conhecimento intuitivo éa primeira formulação da noção de experiênciano sentido moderno do termo (V. EXPERIÊNCIA).

    ABSTRATOR. V. OPERADOR.ABSTRUSO (lat. Abstrusus [= escondido];

    in. Abstruse, fr. Abstrus; ai. Abstrus; it. Astruso).Termo pejorativo para qualificar qualquer no-ção insólita ou de difícil compreensão; ou,como diz Locke (Ensaio, II, 12, § 8), "distantedos sentidos e de toda operação do nosso espí-rito". Esse termo é aplicado sobretudo a no-ções abstratas, mas aplica-se igualmente a noçõesque se afastem, mais ou menos, do universocomum do discurso.

    ABSURDO (gr. cetOTiov, aôúvaxov; lat. Ab-surdum; in. Absurd; fr. Absurde, ai. Absurd; it.Assurdó). Em geral, aquilo que não encontralugar no sistema de crenças a que se faz refe-rência ou que se opõe a alguma dessas cren-ças. Os homens — e, em especial, os filósofos— sempre usaram muito essa palavra para con-denar, destruir ou pelo menos afastar de si cren-ças (verdadeiras ou falsas) ou mesmo fatos ouobservações perturbadoras, incômodas ou, dequalquer modo, estranhas ou opostas aos sis-temas de crenças aceitos por eles. Portanto, nãoé de surpreender que até mesmo experiênciasou doutrinas que depois seriam reconhecidascomo verdadeiras tenham sido por muito oupouco tempo definidas como absurdas. P. ex.:os antigos reputavam A. a crença nos antípodasporque, não tendo a noção da relatividade dasdeterminações espaciais, acreditavam que nosantípodas os homens deveriam viver de cabeçapara baixo. Nesse sentido, a palavra significa"irracional", isto é, contrário ou estranho àquiloem que se pode crer racionalmente, ou "in-conveniente", "fora de lugar", etc.

    Em sentido mais restrito e preciso, essa pa-lavra significa "impossível" (adynatori) porquecontraditório. Nesse sentido, Aristóteles falavade raciocínio por A. ou de redução ao A.: seriaum raciocínio que assume como hipótese aproposição contrária à condição que se querdemonstrar e faz ver que de tal hipótese derivauma proposição contraditória à própria hipóte-se (An. pr, II, 11-14, 61 ss.). A demonstraçãopor A., acrescenta Aristóteles (ibid., 14, 62 b27), distingue-se da demonstração ostensivaporque assume aquilo que, com a redução aoerro reconhecido, quer destruir; a demonstra-ção ostensiva, ao contrário, parte de premissasjá admitidas. Leibniz chamou de demonstraçãoapagógica o raciocínio por A. e considerou-oútil ou pelo menos dificilmente eliminável, nodomínio da matemática (Nouv. ess., IV, 8, § 2).Kant, que emprega o mesmo nome, justifi-cou-o nas ciências, mas o excluiu da filosofia.Justificou-o nas ciências porque nestas é im-possível o modus ponens de chegar à verdadede um conhecimento a partir da verdade dassuas conseqüências: seria necessário, de fato,conhecer todas as conseqüências possíveis: oque é impossível. Mas, se de uma proposiçãopode ser extraída ainda que uma só conse-qüência falsa, a proposição é falsa: por isso omodus tollens dos silogismos conclui ao mes-mo tempo com rigor e com facilidade. Masesse modo de raciocinar é isento de perigos sónas ciências em que não se pode trocar objeti-vo por subjetivo, isto é, nas ciências da nature-za. Em filosofia, porém, essa troca é possível,isto é, pode acontecer que seja subjetivamenteimpossível o que não é objetivamente impossí-vel. Portanto, o raciocínio apagógico não levaa conclusões legítimas (Crít. R. Pura, Disciplinada razão pura, IV).

    AB UMVERSALI AD PARTICULAREM. Éuma das consequentiaeformates (v. CONSEQÜÊN-CIA) da Lógica escolástica: ab universali adpar-tícularem, sive índefinitam sive singularemvalet (tenef) consequentia; isto é: de "todo A éB" valem as conseqüências "alguns A são B","A é B", "S (se S é um A) é B".

    ACADEMIA (gr. 'AKaôtíu.eia; lat. Acade-mia; in. Academy, fr. Académie, ai. Akademie,it. Accademia). Propriamente a escola funda-da por Platão no ginásio que tomava o nomedo herói Academos e que depois da morte dePlatão foi dirigida por Espeusipo (347-339a.C), por Xenócrates (339-14 a. C.), por Pole-mon (314-270 a. C.) e por Cratete (270-68 a.C).

  • ACADEMIA FLORENTINA AÇÃO

    Nessa fase, a Academia continuou a especula-ção platônica, vinculando-a sempre mais estrei-tamente ao pitagorismo; pertenceram a ela ma-temáticos e astrônomos, entre os quais o maisfamoso foi Eudoxo de Cnido. Com a morte deCratete, a Academia mudou de orientação comArcesilau de Pitane (315 ou 314-241 ou 240a.C), encaminhando-se para um probabilismoque derivava da época em que Platão afirmara,sobre o conhecimento das coisas naturais, queestas, não tendo nenhuma estabilidade e soli-dez, não podem dar origem a um conhecimen-to estável e sólido, mas só a um conhecimentoprovável. De Arcesilau e de seus sucessores(de que não sabemos quase nada) esse pontode vista estendeu-se a todo o conhecimen-to humano no período que se chamou de"Academia média". A "nova Academia" começacom Caméades de Cirene (214 ou 212-129 ou128 a.C); essa orientação de tendência cética eprobabilística foi mantida até Fílon de Larissa,que, no século I a.C, iniciou a IV Academia, deorientação eclética, na qual Cícero se inspirou.Mas a Academia Platônica durou ainda pormuito tempo e sua orientação também se reno-vou no sentido religioso-místico, que é própriodo Neoplatonismoiy.). Só em 529 o imperadorJustiniano proibiu o ensino da filosofia e con-fiscou o rico patrimônio da Academia. Da-máscio, que a dirigia, refugiou-se na Pérsiacom outros companheiros, entre os quais Sim-plício, autor de um vasto comentário a Aris-tóteles, mas logo voltaram desiludidos. Foi as-sim que terminou a tradição independente dopensamento platônico.

    ACADEMIA FLORENTINA. Foi fundadapor iniciativa de Marsílio Ficino e de Cosimode Mediei e reuniu um círculo de pessoas queviam a possibilidade de renovar o homem e asua vida religiosa mediante um retorno àsdoutrinas genuínas do platonismo antigo. Nes-sas doutrinas, os adeptos do platonismo, espe-cialmente Ficino (1433-1499) e Cristóvão Lan-dino (que viveu entre 1424 e 1498), viam asíntese de todo o pensamento religioso da An-tigüidade e, portanto, também do cristianismoe por isso a mais alta e verdadeira religião pos-sível. A esse retorno ao antigo ligou-se outroaspecto da Academia florentina, o anticuria-lismo; contra as pretensões de supremacia polí-tica do papado, a Academia sustentava um re-torno à idéia imperial de Roma; por isso, Demonarchia de Dante (V. RENASCIMENTO) era obje-to freqüente de comentários e discussões.

    AÇÃO (gr. TipáÇvç; lat. Actio; in. Action; fr.Action; ai. Tat, Handlung; it. Azione). 1. Termode significado generalíssimo que denota qual-quer operação, considerada sob o aspecto dotermo a partir do qual a operação tem início ouiniciativa. Nesse significado, a extensão do ter-mo é coberta pela categoria aristotélica do fazer(Tioveív), cujo oposto é a categoria da paixão(v.) ou da afeição (v.). Fala-se, assim, da A. doácido sobre os metais ou do "princípio de A. ede reação" ou da A. do DDT sobre os insetos;ou então fala-se da A. livre ou voluntária ou res-ponsável, isto é, própria do homem e qualifica-da por condições determinadas. Produzir, cau-sar, agir, criar, destruir, iniciar, continuar,termi-nar, etc. são significados que inscrevem-se nessesignificado genérico de ação.

    2. Aristóteles foi o primeiro a tentar destacardesse significado genérico um significado espe-cífico pelo qual o termo pudesse referir-se so-mente às operações humanas. Assim, começouexcluindo da extensão da palavra as operaçõesque se realizam de modo necessário, isto é, deum modo que não pode ser diferente do que é.Tais operações são objeto das ciências teo-réticas, matemática, física e filosofia pura. Essasciências referem-se a realidades, fatos ou even-tos que não podem ser diferentes do que são.Fora delas está o domínio do possível, isto é, doque pode ser de um modo ou de outro; masnem todo o domínio do possível pertence àação. Dele é preciso, com efeito, distinguir o daprodução, que é o domínio das artes e que temcaráter próprio e finalidade nos objetos produ-zidos (Et. nic, VI, 3-4, 1.149 ss.). S. Tomásdistingue A. transitiva (transiens), que passade quem opera sobre a matéria externa, comoqueimar, serrar, etc, e A. imanente (imma-nens), que permanece no próprio agente, comosentir, entender, querer (S. Tb., II, I, q. 3, a 2; q.111, a. 2). Mas a chamada A. transitiva nadamais é do que o fazer ou produzir, de que falaAristóteles (ibid., II, I, q. 57, a. 4). Nessas obser-vações de S. Tomás, assim como nas deAristóteles, está presente a tendência a reconhe-cer a superioridade da A. chamada imanente,que se consuma no interior do sujeito operante:A. que, de resto, outra coisa não é senão a ativi-dade espiritual ou o pensamento ou a vidacontemplativa. S. Tomás diz, com efeito, que sóa A. imanente é "a perfeição e o ato do agente",enquanto a A. transitiva é a perfeição do termoque sofre a A. {ibid., II, I, q. 3, a 2). Por outrolado, S. Tomás distingue, na A. voluntária, a A.

  • AÇÃO, FILOSOFIA DA AÇÃO, FILOSOFIA DA

    comandada, que é a ordenada pela vontade, p.ex., caminhar ou falar, e a A. elícita da vontade,que é o próprio querer. O fim último da A. nãoé o ato elícito da vontade, mas o comandado: jáque o primeiro apetecível é o fim a que tende avontade, não a própria vontade iibid., II, I, q. 1,a. 1 ad 2a). Esses conceitos permaneceram du-rante muito tempo inalterados e são pressupos-tos também pela chamada filosofia da A. (v.);esta, se tende a exaltar a A. como um caminhopara entrar em comunicação mais direta com arealidade ou o Absoluto, ou na posse mais se-gura destes, não se preocupa muito em forne-cer um esquema conceituai da A. que lhe deter-mine as constantes. Essa tentativa, porém, foifeita por ciências particulares, em vista das suasexigências, especialmente pela sociologia. As-sim, p. ex., Talcott Parsons determinou o esque-ma da ação. Esta implicaria: 1Q um agente ouum ator; 2Q um fim ou estado futuro de coisasem relação ao qual se orienta o processo da A.;3U uma situação inicial que difira em um oumais importantes aspectos do fim a que tende aA.; 4e certo complexo de relações recíprocas en-tre os elementos precedentes. "Dentro da áreade controle do ator", diz Parsons, "os meios em-pregados não podem, em geral, ser considera-dos como escolhidos ao acaso ou dependentesexclusivamente das condições da A., mas de-vem de algum modo estar sujeitos à influênciade determinado fator seletivo independente,cujo conhecimento é necessário à compreensãodo andamento concreto da A.". Esse fator é aorientação normativa que, embora possa serdiferentemente orientada, não falta em nenhumtipo de A. efetiva (The Structure of SocialAction, 1949, pp. 44-45). Esse esquema analíti-co proposto por Parsons sem dúvida cor-responde muito bem às exigências da análisesociológica; mas pode ser assumido tambémem filosofia como base para a compreensão daA. nos vários campos de que a filosofia se ocu-pa, isto é, no campo moral, jurídico, políti-co, etc.

    AÇÃO, FILOSOFIA DA (in. Philosophy ofAction; fr. Phílosophie de Vaction, it. FilosofiadelVazioné). Com esse nome indicam-se algu-mas manifestações da filosofia contemporânea,caracterizadas pela crença de que a A. constituio caminho mais direto para conhecer o Absolu-to ou o modo mais seguro de possuí-lo. Trata-se de uma filosofia de origem romântica: omoralismo de Fichte fundava-se na superiori-dade metafísica da A. (V. MORALISMO). O prima-

    do da razão prática, de que Kant falara, não ti-nha significado fora do domínio moral; mascom Fichte esse primado significa que só na A.o homem se identifica com o Eu infinito. Osímbolo da filosofia da A. pode ser expressona frase de Fausto, na obra de Goethe, quepropunha traduzir In principio erat Verbumdo IV Evangelho por "No princípio era a A.".

    Foi com esses pressupostos românticos quea filosofia da A. se vinculou; na França, atravésde OUé-Laprune (1830-99) e de Blondel (1861-1949), assumiu forma religiosa: para ela a A. éo núcleo essencial do homem e só uma análiseda A. pode mostrar as necessidades e as defi-ciências do homem, assim como sua aspiraçãoao infinito, que, por sua vez, só pode ser satis-feita pela A. gratuita e misericordiosa de Deus.A supremacia da A. era transferida por GeorgeSorel (1847-1922) do domínio religioso para osocial e político. Aqui a ação se desembaraçavade toda limitação factual ou racional e era re-conhecida como capaz de criar por si, com omito, a sua própria justificação (Réflexions surIa violence, 1906). A crença de que a A. possaproduzir por si só as condições cio seu êxito epor si só justificar-se de modo absoluto, consti-tui o ativismo (v.) próprio de algumas correntesfilosóficas e políticas contemporâneas.

    Por uma das não raras ironias da história dopensamento, justamente uma das correntes quepertencem à filosofia da A. deveria levar a no-ção de A. até seus limites máximos e enca-minhá-la para uma nova fase interpretativa. Essacorrente é o pragmatismo (v.). Se, num pri-meiro momento, William James declara que aA. é a medida da verdade do conhecer e, por-tanto, considera-a capaz de justificar propo-sições morais e religiosas teoricamente in-justificáveis, as análises empiristas de James e,melhor ainda, as de Dewey deveriam eviden-ciar o condicionamento da A. por parte das cir-cunstâncias que a provocam, sua relação com asiaiação que constitui seu estímulo e, daí, os li-mites da sua eficiência e da sua liberdade. Mas,desse ponto de vista, a A. deixa de estar ligadaunicamente ao sujeito e de encontrar unica-mente nele ou na atividade dele (vontade) oseu princípio. Perde a possibilidade de consu-mar-se e de exaurir-se no próprio sujeito; e tor-na-se um comportamento, cuja análise deveprescindir da divisão das faculdades ou dospoderes da alma, enquanto deve ter presente asituação ou o estado de coisas a que deve ade-quar-se (V. AÇÃO; COMPORTAMENTO).

  • AÇÃO ELÍCITA e AÇÃO COMANDADA 10 AÇÃO REFLEXA

    AÇÃO ELÍCITA e AÇÃO COMANDADA(lat. Actus elicitus et actus imperatus). Segundoos Escolásticos, a A. voluntária elícita é a pró-pria operação da vontade, o querer, enquanto aA. comandada é dirigida, iniciada e controla-da pela vontade, como, p. ex., caminhar oufalar (S. TOMÁS, S. Th., II, I, q, 1, a, 1).

    AÇÃO MÍNIMA (in. Least action; fr. Moin-dre action; ai. Kleinsten Aktion; it. Azione míni-ma). Princípio de que "a natureza nada faz deinútil" (natura nihilfacitfrustra) e segue o ca-minho mais curto e econômico. Essa máximaencontra-se em Aristóteles (Dean., III, 12, 434 a31; Decael, I, 4, 271 a 32; Depart. an., I, 5, 645a 22), é repetida por S. Tomás (In IIIAn., 14) eretomada nos tempos modernos por Galileu,Fermat, Leibniz, etc. Em 1732, Maupertuis for-mulava matematicamente esse princípio e ointroduzia em mecânica com o nome de "lei deeconomia da natureza" (LexParsimoniae). Mastambém para Maupertuis esse princípio conser-vava o caráter finalista que convencera Aris-tóteles a adotá-lo. No Ensaio de cosmologia,Maupertuis escrevia: "É este o princípio, tão sá-bio, tão digno do Ser supremo: qualquer queseja a mudança que se realize na natureza, asoma de A. despendida nessa mudança é a me-nor possível". Todavia o princípio não tem, emmecânica, o significado finalista que lhe atribuíaMaupertuis. Na reexposição que dele fez La-grange (Mécanique analytique, II, 3, 6), ficouclaro que ele exprime a conservação não só domínimo como também do máximo de A. e que,além disso, tanto o mínimo quanto o máximodevem ser considerados de modo relativo e nãoabsoluto. Desse ponto de vista, Hamilton gene-ralizava o princípio na forma de "princípio da A.estacionaria": e, nessa forma, diz somente que,em certas classes de fenômenos naturais, oprocesso de mudança é tal que qualquer gran-deza física apropriada é um extremo (isto é, ummínimo ou um máximo, mais freqüentementeum mínimo). Mas a grandeza em questão e oseu mínimo ou máximo são coisas que podemmudar de uma ordem de considerações paraoutra.

    Sobre princípio da mínima ação já se falouem psicologia, em estética e até na ética (cf.JAMES, Princ. qf PsychoL, II, pp. 188, 239 ss.;SIMMEL, Einleitung in die Moral Wissenschaft,1892,1, p. 58). Não deve ser confundido com oprincípio metodológico da economia, que nãodiz respeito à ação da natureza ou de Deus,

    mas à escolha dos conceitos e das hipótesespara a descrição dos fenômenos naturais (v.ECONOMIA).

    AÇÃO RECÍPROCA. V. RECIPROCIDADE.AÇÃO REFLEXA (in. Reflex action; fr. Ac-

    tion réflexe, ai. Reflex Bewegung; it. Azioneriflessd). Em geral, uma resposta mecânica (in-voluntária), uniforme e adaptada, do orga-nismo a um estímulo externo ou interno aopróprio organismo. Um reflexo é, p. ex., a con-tração da pupila quando o olho é estimuladopela luz ou a salivação pelo gosto ou pela vistade um alimento. Do reflexo assim entendidodeve distinguir-se o arco reflexo, que é o dis-positivo anatomofisiológico destinado a pôr oreflexo em ação. Tal dispositivo é formadopelo nervo aferente ou centrípeto que sofre oestímulo, pelo nervo eferente ou centrífugoque produz o movimento e por uma conexãoentre esses dois nervos, estabelecida nas célu-las nervosas centrais. A importância filosóficadessa noção, elaborada primeiramente pela fi-siologia (séc. XVIII), depois pela psicologia,está no fato de ter sido assumida como esque-ma explicativo causai da vida psíquica; inicial-mente, apenas dos mecanismos involuntários(instintos, emoções, etc), depois, também dasatividades superiores. Tudo o que, da vida psí-quica, pode ser reportado à A. reflexa, podeser explicado causalmente a partir do estímulofísico que põe em movimento o arco reflexo.Em vista de sua uniformidade, essa A. é previ-sível a partir do estímulo: isso quer dizer queela é causalmente determinada pelo próprioestímulo. Desse modo, a A. reflexa não é se-não o mecanismo pelo qual a causalidade psí-quica se insere na causalidade da natureza, comoparte dela.

    Essas noções foram sendo elaboradas a par-tir da metade do séc. XIX, isto é, desde que apsicologia se constituiu como ciência experi-mental (V. PSICOLOGIA). De acordo com a orien-tação atomista, própria da psicologia durantemuito tempo, ela procurou resolver os reflexoscomplexos em reflexos simples, dependentesde circuitos nervosos elementares. A doutrinados reflexos condicionados, fundada por Pav-lov em bases experimentais (a partir de 1903;cf. os escritos de Pavlov recolhidos no volume /riflessi condizionati, Turim, 1950), obedece àmesma exigência e, aliás, contribuiu parareforçá-la durante algum tempo, fazendo nas-cer a esperança de que os comportamentos su-

  • AÇÃO REFLEXA 11 ACASO

    periores também pudessem ser explicados pelacombinação de mecanismos reflexos simples.Um reflexo condicionado é aquele em que afunção excitadora do estímulo que habitual-mente o produz (estímulo incondicionado) éassumida por um estímulo artificial (condicio-nado) ao qual o primeiro foi de algum modoassociado. P. ex., se se apresenta um pedaço decarne a um cão, esse estímulo provoca nelesalivação abundante. Se a apresentação do pe-daço de carne foi muitas vezes associada comoutro estímulo artificial (p. ex., o som de umacampainha ou o aparecimento de uma luz),este segundo estímulo acabará por produzir,sozinho, o efeito do primeiro, isto é, a saliva-ção do cão. É claro que a combinação e a so-breposição dos reflexos condicionados podemexplicar numerosos comportamentos que, àprimeira vista, não estão ligados a reflexos na-turais ou absolutos. Mais recentemente, viu-setambém no reflexo condicionado a explicaçãodo chamado comportamento simbólico do ho-mem, isto é, do comportamento dirigido porsignos ou símbolos, lingüísticos ou de outra na-tureza. P. ex., o viajante que encontra na estra-da um cartaz advertindo que a estrada está in-terrompida adiante, reage (p. ex., voltando)exatamente como se houvesse visto a interrup-ção da estrada. Aqui o símbolo (o cartaz) subs-tituiu, como estímulo artificial, o estímulo natu-ral (a vista da interrupção). Pavlov e muitosdefensores da teoria dos reflexos condiciona-dos mantiveram-se fiéis ao princípio de quetodo reflexo que entra na composição de umreflexo condicionado é um mecanismo simplese infalível, realizado por determinado circuitoanatômico. Por isso, a teoria do reflexo condi-cionado, na forma exposta por Pavlov, inscre-ve-se nos limites daquilo que hoje se costumachamar "teoria clássica do ato reflexo", isto é,da interpretação causai da A. reflexa.

    Todavia, um respeitável complexo de obser-vações experimentais, feitas pela fisiologia epela psicologia nos últimos decênios, a partirde 1920, aproximadamente, foi tornando cadavez mais difícil entender a A. reflexa segundoseu esquema clássico. Em primeiro lugar, viu-se que a A. dos estímulos complexos não éprevisível a partir da A. dos estímulos simplesque o compõem, ou seja, os chamados reflexossimples combinam-se de modos imprevisíveis.Em segundo lugar, o próprio conceito de "re-flexo elementar", isto é, do reflexo que entrariana composição dos reflexos complexos, foi jul-

    gado ilegítimo: e, com efeito, todos os reflexosobserváveis são complexos e um reflexo "sim-ples", isto é, não decomponível, é uma simplesconjectura. Em terceiro lugar, as mesmas refle-xões sobre os reflexos condicionados demons-tram a irregularidade e a imprevisibilidade decertas respostas: irregularidade e imprevisibili-dade que Pavlov explicava com a noção de ini-bição, que, porém, é somente um nome paraindicar o fato de que certa reação, que se espe-rava, não se verificou (GOLDSTEIN, DerAufbaudes Organismus, 1927; MERLEAU-PONTY, Struc-ture du comportement, 1949). Essas e outras or-dens de observação, apresentadas sobretudopela psicologia da forma (cf., p. ex., KATZ,Gestaltpsychologie, cap. III), mostram que o re-flexo não pode ser entendido como uma A. de-vida a um mecanismo causai. Fala-se de reflexosempre que se pode determinar, em face decerto estímulo, um campo de reações suficien-temente uniformes para serem previstas comalto grau de probabilidade. As A. reflexas cons-tituem, desse ponto de vista, uma classe de rea-ção, mais precisamente a que se caracterizapela alta freqüência de uniformidade das pró-prias reações. Mas com isso a noção de reflexosai do esquema causai para entrar no esquemageral de condicionamento (V. CONDIÇÃO).

    ACASO (gr. aÜTÓjiaxov; lat. Casus; in. Chan-ce, fr. Hasard; ai. Zufall; it. Caso). Podem-sedistinguir três conceitos desse termo que seentrecruzaram na história da filosofia. ls o con-ceito subjetivista, que atribui a imprevisibilida-de e a indeterminação do evento casual à ig-norância ou à confusão do homem. 2a o conceitoobjetivista, que atribui o evento casual à mistu-ra e à interseção das causas. 3e a interpretaçãomoderna, segundo a qual o acaso é a insufi-ciência de probabilidades na previsão. Este úl-timo conceito é o mais geral e o menos me-tafísico.

    ls Aristóteles (Fís., II, 4, 196 b 5) já falava daopinião segundo a qual a sorte seria uma cau-sa superior e divina, oculta para a inteligên-cia humana. Os Estóicos equiparavam o A. aoerro ou à ilusão; julgavam que tudo aconteceno mundo por absoluta necessidade racional(Plac. philos., I, 29). É claro que quem admiteuma necessidade desse gênero e a atribui(como achavam os Estóicos) à divindade ima-nente no cosmos ou à ordem mecânica do uni-verso não pode admitir a realidade dos eventosque costumam ser chamados de acidentais ou

  • ACASO 12 ACASO

    fortuitos e muito menos do acaso como princí-pio ou categoria de tais eventos; deve ver nelesa ação necessária da causa reconhecida em atono universo, negando como ilusão ou erro oseu caráter casual. É esse o motivo por queKant, que modela as suas categorias e os seusprincípios a priori sobre a física newtoniana,inteiramente fundada no princípio de causali-dade, nega a existência do A., e faz, aliás, dessanegação um dos princípios a priori do intelec-to: "A proposição 'nada ocorre por A. (in mun-do non datur casus)' é uma lei a priori da na-tureza" (Crít. R. Pura, Analítica dos princípios,Refutação do idealismo). Hegel, que parte doprincípio da perfeita racionalidade do real, atri-bui o A. à natureza, ou melhor, vê na natureza"uma acidentalidade desregulada e desenfrea-da" (Ene, § 248), mas na medida em que a natu-reza não está adequada à substância racionaldo real e, por isso, carece ela própria de reali-dade. De modo análogo, na filosofia contem-porânea, Bergson explicou o A. pela troca, me-ramente subjetiva, entre a ordem mecânica e aordem vital ou espiritual: "Que a mecânica dascausas que fazem a roleta parar sobre o núme-ro me permita vencer e, por isso, aja como umgênio benéfico para quem os meus interessestivessem grande importância; ou que a forçamecânica do vento arranque uma telha do tetoe a arroje sobre a minha cabeça, isto é, que ajacomo um gênio maléfico que conspirasse con-tra a minha pessoa; em ambos os A. eu encon-tro um mecanismo onde eu teria procurado eonde deveria encontrar, ao que parece, uma in-tenção: é isso que se exprime quando se falade A." (Évol. créatr, 8a ed., 1911, p. 254).

    2e Por outro lado, seguncio a interpretaçãoobjetivista, o A. não é um fenômeno subjetivo,mas objetivo, e consiste no entrecruzar-se deduas ou mais ordens ou séries diversas de cau-sas. A mais antiga das interpretações desse tipoé a de Aristóteles. Aristóteles começa notandoque o A. não se verifica nem nas coisas queacontecem sempre do mesmo modo, nem nasque acontecem quase sempre do mesmomodo, mas entre as que ocorrem por exceçãoe sem qualquer uniformidade (Fís., II, 5, 196 b10 ss.). Desse modo, ele atribui corretamente oA. à esfera do imprevisível, isto é, do que acon-tece fora do necessário ("o que acontece sem-pre do mesmo modo") e do uniforme ("o queacontece quase sempre do mesmo modo"). As-sim sendo, o A. (ou a sorte) é definido porAristóteles como "uma causa acidental no âm-

    bito das coisas que não acontecem nem demodo absolutamente uniforme nem freqüentee que poderiam acontecer com vistas a uma fi-nalidade" (ibíd., 197 a 32). Para Aristóteles, adeterminação da finalidade é essencial, já queo A. tem ao menos o aspecto ou a aparência dafinalidade: como no exemplo de quem vai aomercado por motivo completamente diferentee ali encontra um devedor que lhe restitui asoma devida. Nesse exemplo chama-se A. (ousorte) o evento da restituição devido ao encon-tro que não foi deliberado ou desejado comofinalidade, mas que teria podido ser uma finali-dade: enquanto, na realidade, foi o efeito aci-dental de causas que agiam com vistas a outrasfinalidades. A noção de encontro, de enre-damento de séries causais para a explicação doA., foi retomada na Idade Moderna por filóso-fos, matemáticos e economistas, que reconhe-ceram a importância da noção de probabilida-de (v.) para a interpretação da realidade emgeral. Assim, Cournot definiu o A. como o cará-ter de um acontecimento "devido à combina-ção ou ao encontro de fenômenos indepen-dentes na ordem da causalidade" (Théorie deschances et desprobabilités, 1843, cap. II), no-ção que se tornou predominante no positi-vismo, também porque foi aceita por Stuart Mill(Logic, III, 17, § 2): "Um evento que aconteçapor A. pode ser mais bem descrito como umacoincidência da qual não temos motivo para in-ferir uniformidade... Podemos dizer que doisou mais fenômenos são reunidos ao A. ou quecoexistem ou se sucedem por A., no sentidode não serem, de modo algum, vinculados pelacausaçâo; que não são nem a causa ou o efeitoum do outro, nem efeitos da mesma causa oude causas entre as quais subsista uma lei decoincidência, nem efeitos da mesma colocaçãode causas primárias". De modo semelhante,Ardigò (Opere, III, p. 122) relaciona o A. com apluralidade e o entrelaçamento de séries cau-sais distintas. Essa noção, todavia, é objetiva sóentre certos limites, ou melhor, só na aparên-cia. Dizer que o A. consiste no encontro deduas séries causais diferentes significa que eleé um acontecimento causalmente determinadocomo todos os outros, mas só mais difícil deser previsto porque a sua ocorrência não de-pende do curso de uma série causai única. Se-gundo essa noção, a determinação causai do A.é mais complexa, mas não menos necessitante;a imprevisibilidade, característica fundamentaldo A., deve-se tão-somente a tal complexidade

  • ACATALEPSIA 13 ACIDENTE

    e não é de natureza objetiva. Para que seja denatureza objetiva, tal imprevisibilidade deve serrealmente devida a uma indeterminação efetivainerente ao funcionamento da própria causali-dade.

    3Q Essa última alternativa constitui um tercei-ro conceito do A., conceito que se pode fazerremontar a Hume. Parece que Hume quer re-duzir o acaso a um fenômeno puramente sub-jetivo, pois diz: "Embora não haja no mundo al-guma coisa como o A., a nossa ignorância dacausa real de cada acontecimento exerce amesma influência sobre o intelecto e gera se-melhante espécie de crença ou de opinião".Mas, na realidade, se não existe "A." como no-ção ou categoria em si, tampouco existe a "cau-sa" no sentido necessário e absoluto do termo;existe somente a "probabilidade". E é na proba-bilidade que está fundado o que chamamos A.:"Parece evidente que, quando a mente procu-ra prever para descobrir o acontecimento quepode resultar do lançamento do dado, consi-dera-se o aparecimento de cada lado como igual-mente provável; e essa é a verdadeira naturezado A.: de igualar inteiramente todos os eventosindividuais que compreende" (Inq. Cone. Un-derst., VI). Essa idéia de Hume deveria revelar-se extremamente fecunda na filosofia contem-porânea. O conceito de que o A. consiste naequivalência de probabilidades que não dãoacesso a uma previsão positiva em um sentidoou em outro foi enfatizado por Peirce, que tam-bém viu sua implicação filosófica fundamental:a eliminação do "necessitarismo", isto é, dadoutrina segundo a qual tudo no mundo acon-tece por necessidade (Chance, Love and Logic,II, 2; trad. it., p. 128 ss.). Desse ponto de vista,o A. torna-se um exemplo particular do juízode probabilidade, mais precisamente, de que aprópria probabilidade não tem relevância sufi-ciente para permitir prever um evento. Nessesentido, o A. foi considerado uma espécie deentropia (v.) e o conceito relativo comumenteé empregado no campo da informação e da ci-bernética (v.).

    ACATALEPSIA (gr. âKaxa^riv|/ía; in. Aca-talepsy, fr. Acatalepsie, ai. Akatalepsie, it. Acata-lessid). É a negação feita por Pirro e pelos ou-tros céticos antigos da representação com-preensiva ((pavTocaíaKaTocÀT|7rTiKri), isto é, doconhecimento que permite compreender eapreender o objeto, que, segundo os Estóicos,era o verdadeiro conhecimento. A acatalepsia éa atitude de quem declara não compreender e,

    portanto, suspende o seu assentimento, isto é,não afirma nem nega (SEXTO EMPÍRTCO, Pirr. hyp.,I, 25).

    ACCEDENTIS FALLACIA. A falácia (v.) jáé identificada por Aristóteles (El. sof, 5, 166 b)como derivada da identificação de uma coisacom um seu acidente ou atributo acidental ("SeCorisco é diferente de Sócrates, e Sócrates é ho-mem, Corisco é diferente de um homem"). Cf.PEDRO HISPANO, Summ. log., 7, 40 ss. G. P.

    ACENTO (gr. rcpoouôía; lat. Accentus; in.Accent; fr. Accent; ai. Prosodie, it. Accento).Segundo Aristóteles (Sof. ei, 4, 166 b), seguidopelos lógicos medievais (cf. PEDRO HISPANO,Summ. log., 7, 31), da acentuação diferente daspalavras pode derivar, em enunciados escri-tos, uma equivocidade que pode causar paralo-gismos. G. P.

    ACIDENTE (gr. cruu.pefkiKÓÇ; lat. Accidens;in. Accident; fr. Accident; ai. Accidenz; it. Ac-cidentè). Podem-se distinguir três significadosfundamentais desse termo, quais sejam:

    Ia uma determinação ou qualidade casualou fortuita que pode pertencer ou não a deter-minado sujeito, sendo completamente estranhaà essência necessária (ou substância) deste;

    2B uma determinação ou qualidade que, em-bora não pertencendo à essência necessária(ou substância) de determinado sujeito e estan-do, portanto, fora de sua definição, está vincu-lada à sua essência e deriva necessariamenteda sua definição;

    3S uma determinação ou qualidade qualquerde um sujeito, que pertença ou não à sua es-sência necessária.

    Os dois primeiros significados do termo fo-ram elaborados por Aristóteles. "Acidente", dizele (Top., I, 5, 102 b 3), "não é nem a definiçãonem o caráter nem o gênero, mas, apesar dis-so, pertence ao objeto; ou também, é o quepode pertencer e não pertencer a um só e mes-mo objeto, qualquer que seja ele." Como essadefinição exprime a essência necessária deuma realidade, isto é, a substância (v. DEFINI-ÇÃO), o acidente está fora da essência necessá-ria e, portanto, pode pertencer ou não ao ob-jeto a que se refere. Todavia, o acidente podeter uma relação mais ou menos estreita com oobjeto a que se refere, conforme a causa dessarelação; por isso, Aristóteles distingue dois sig-nificados, ambos empregados no Organon eA metafísica: 1- o acidente pode ser casual namedida em que a sua causa é indeterminada:p. ex., um músico pode ser branco, mas como

  • ACIDENTE 14 ACIDENTE

    isso não acontece por necessidade ou na maiorparte dos casos, ser branco, para um músico,será um "acidente". Da mesma forma, para al-guém que cave um buraco a fim de colocaruma planta, encontrar um tesouro é acidental,já que a encontrar um tesouro não se segue ne-cessariamente o ato de cavar um buraco, nemacontece habitualmente em semelhante cir-cunstância. Nesse significado (Mel, V, 30,1.025a 14), portanto, acidente é tudo o que acontecepor acaso, isto é, pela inter-relaçâo e o entrela-çamento de várias causas, mas sem uma causadeterminada que assegure a sua ocorrênciaconstante ou, pelo menos, relativamente fre-qüente. Mas há também: 2a o acidente não ca-sual, ou acidente por si, isto é, aquele caráterque, embora não pertença à substância, estan-do, pois, fora da definição, pertence ao objetoem virtude daquilo que o próprio objeto é. P.ex., ter ângulos internos iguais a dois retos nãopertence à essência necessária do triângulo, talqual é expressa pela definição; por isso, é umacidente. Mas é um acidente que pertenceao triângulo por acaso, isto é, por uma causaindeterminável, mas por causa do própriotriângulo, quer dizer, por aquilo que o triângu-lo é; e é por isso um acidente eterno (Met., V,30, 1.025 a 31 ss.). Aristóteles ilustra a diferençado seguinte modo (An.post, 4, 73 b 12 ss.): "Serelampeja enquanto alguém caminha, isso éum acidente, já que o relâmpago não é causa-do pelo caminhar... Se, porém, um animal morredegolado, em virtude de um ferimento, dire-mos que ele morreu porque foi degolado, enão que lhe ocorreu, acidentalmente, morrerdegolado". Em outros termos, o acidente por siestá vinculado causalmente (e não casualmen-te) às determinações necessárias da substân-cia, embora não faça parte delas. E emboranão haja ciência do acidente casual, porque aciência é só do que é sempre ou habitualmente(Met., X, 8, 1.065 a 4) e porque ela investiga acausa, ao passo que a causa do acidente é in-definida (Fís., II, 4, 196 b 28), o acidente por sientra no âmbito da ciência, como é indicadopelo próprio exemplo geométrico de que sevaleu Aristóteles em Met., V, 30, e em numero-sos textos dos Tópicos.

    Com esse segundo significado aristotélicoda palavra pode-se relacionar o terceiro signifi-cado, segundo o qual ela designa, em geral, asqualidades ou os caracteres de uma realidade(substância) que não podem ficar sem ela, por-que o seu modo de ser é o de "inerir" (ínesse) à

    própria realidade. Talvez esse uso tenha sidoiniciado por Porfírio, que define o aci-dente (Isag., V, 4 a, 24): "O que pode ser gera-do ou desaparecer sem que o sujeito sejadestruído". Essa definição, obviamente, refere-se à definição aristotélica do acidente como "oque pode pertencer e não pertencer a um só emesmo objeto". S. Tomás anota corretamente(Met., V, 1.143) que, no segundo dos dois signi-ficados aristotélicos, o acidente se contrapõe àsubstância. Em virtude dessa contraposição, oacidente é "o que está em outra coisa" (S. Th.,III, q. 77, a. 2 ad le), isto é, em um sujeito ousubstrato sem o qual ele, no curso ordinário danatureza (isto é, prescindindo da ordem da gra-ça que se manifesta no sacramento do altar)não pode subsistir (ibid., III, q. 76, a. 1 ad\-).Nesse significado, em que o acidente se contra-põe à substância, porquanto o seu modo de seré inerir (inesse) a algum sujeito, em oposiçãoao subsistir da substância que não tem neces-sidade de apoiar-se em outra coisa para existir, otermo acidente torna-se coextensivo ao de qua-lidade em geral, sem referência a seu carátercasual e gratuito, que Aristóteles tinha ilustra-do. A terminologia dos escolásticos adere habi-tualmente a este último significado, que destespassa para os escritores modernos, na medidaem que se valem da linguagem escolástica. To-davia, mais próxima da definição aristotélicaque do uso escolástico encontra-se a definiçãode Stuart Mill, para quem os acidentes são to-dos os atributos de uma coisa que não estãocompreendidos no significado do nome e nãotêm vínculo necessário com os atributosindivisíveis dessa mesma coisa (Logic, I, 7, § 8).

    Locke e os empiristas ingleses, o mais das ve-zes, usam no lugar da palavra acidente, a pa-lavra qualidade (v.). Mas a sua insistência nainseparabilidade das qualidades em relação àsubstância, que sem elas se esvai no nada, influino uso posterior da palavra em questão: usoque tende a reduzir ou a anular a oposição en-tre acidente e substância e a considerar os aci-dentes como a própria manifestação da subs-tância. Na verdade esse uso também pode serencontrado em Spinoza, se, porém, se admi-tir que a palavra "modo" que ele emprega ésinônimo de acidente; essa sinonímia pareceser sugerida pela definição que ele dá de"modo" (Et., I, def. 5) como o que está em outracoisa e é concebido por meio dessa outra coisa.De qualquer forma, a mudança de significado éclaramente verificável em Kant e Hegel. Kant

  • ACIDIA 15 ACORDO

    diz (Crít. R. Pura, Analítica dos princípios, Pri-meira Analogia): "As determinações de umasubstância, que não são senão modos especiaisdo seu existir, chamam-se acidentes. Eles sãosempre reais, porque dizem respeito à existên-cia da substância. Ora, se a esse real que está nasubstância (p. ex., ao movimento como aciden-te da matéria) se atribui uma existência especial,essa existência é chamada de inerência, paradistingui-la da existência da substância, que sechama subsistência". Essa passagem retoma aterminologia escolástica com um significado to-talmente diferente, pois os acidentes são consi-derados "modos especiais de existir" da própriasubstância. Noção análoga encontra-se emHegel, que diz (Ene, § 151): "A substância é atotalidade dos acidentes nos quais ela se reve-la como a absoluta negatividade deles, isto é,como potência absoluta e, ao mesmo tempo, co-mo a riqueza de cada conteúdo". O que signi-fica que os acidentes, na sua totalidade, sãoa revelação ou a própria manifestação da subs-tância. Fichte exprimira, por outro lado, umconceito análogo, afirmando, na esteira deKant, que "Nenhuma substância é pensável se-não com referência a um A. ... Nenhum A. épensável sem substância" (Wíssenschaftslehre,1794, § 4 D, 14). O uso desse termo sofreu, as-sim, ao longo da sua história, uma evolução pa-radoxal: começou significando as qualidades oudeterminações menos estreitamente ligadas ànatureza da realidade, ou até mesmo gratuitasou fortuitas, e acabou por significar todas as de-terminações da realidade e, assim, a própria rea-lidade em sua inteireza.

    ACÍDIA (lat. Acedia; in. Sloth; fr. Accidie, ai.Acedie, it. Accidia). O tédio ou a náusea nomundo medieval: o torpor ou a inércia em quecaíam os monges que se dedicavam à vidacontemplativa. Segundo S. Tomás, consiste no"entristecimento do bem divino" e é uma espé-cie de torpor espiritual que impede de iniciar obem (S. Th., II, II, q. 35, a. 1). Com o tédio, aacídia tem em comum o estado que a con-diciona, que não é de necessidade, mas de sa-tisfação (V. TÉDIO).

    ACLARAÇÃO (in. Clarification; fr. Éclair-cissement; ai. Klàrung, Erhellung; it. Chiarifi-cazioné). No uso filosófico contemporâneo,esse termo tem um significado específico, por-que não significa genericamente "esclarecimen-to", mas indica o processo com que se leva àclareza conceituai certo substrato de consciên-cia ou de experiências vividas. Foi precisamen-

    te nesse sentido que Husserl falou de "métododa A. (Klãrung)" (Ideen, I, § 67, 125). Husserlinsistiu no fato de que a A. exige que seja leva-do à evidência o seu substrato (as experiênciasvividas que a sustentam) de tal modo que"transforme todo elemento morto em vivo,toda confusão em distinção e todo elementonão intuível em intuível" (Jbid., § 125). Por suavez, Jaspers usou do termo Erhellung para indicara relação entre existência e razão. A A. é aexistência que procura tornar-se evidente parasi mesma e assim aclarar-se como razão. "A A.existencial", diz Jaspers, "não é conhecimentoda existência, mas recorre às suas possibilida-des" (Vernunft undExistenz, II, 7). Isto signi-fica que "a razão não existe como pura razão,mas é o fazer-se da existência possível" (ibid.,II, 6); e precisamente este fazer-se é a aclaração.

    ACONTECIMENTO (gr. crvu.(3epriKÓç; lat. Ac-cidens; in. Occurrence; fr. Événement; ai.Vorfall; it. Accadimentó). Um fato ou um eventoque tem certo caráter acidental ou fortuito ou,pelo menos, do qual não se pode excluir essecaráter.

    A CONTRARIO. Forma de argumentaçãodialética por analogia: do contrário se concluio contrário. (Se a A convém um predicado B, anâo-A é provável que convenha um predicadonão-B). G. P.

    ACORDO (in. Agreement; fr. Convenance;ai. Übereinstímmung; it. Accordó). Essa noçãoserviu, na Idade Moderna, para definir a natu-reza do juízo ou da proposição em geral. Diz aLógica de Port-Royal: "Depois de conceber ascoisas através de nossas idéias, comparamosessas idéias entre si; e descobrindo que algu-mas estão de acordo entre si e outras não, nósas ligamos ou as desligamos, o que se chamaafirmar ou negar e, geralmente, julgar" (Log.,II, 3). Essa noção foi usada no mesmo sentidopor Locke, para definir o conhecimento emgeral, entendido como "a percepção do víncu-lo e do acordo ou desacordo e da oposiçãoentre as nossas idéias, quaisquer que sejamelas" (Ensaio, IV, 1, § 2). Essa noção foi criticadapor Leibniz: "O acordo ou o desacordo não épropriamente o que é expresso pela proposi-ção. Dois ovos estão de acordo e dois inimigosestão em desacordo. Trata-se aqui de um modode acordo ou de desacordo bastante particular"(Nouv. ess., IV, 5). Spinoza falou de acordo(convenientia) entre a idéia e o seu objeto. "Aidéia verdadeira deve convir com o seu ideado;ou seja, o que objetivamente está contido nointelecto deve necessariamente ser dado na na-

  • ACOSMISMO 16 ADEQUAÇÃO

    tureza" (Et., I, 30). Mas para esse significado, v.VERDADE.

    ACOSMISMO (in. Acosmism; fr. Acosmis-me, ai. Akosmismus; it. Acosmismó). Termo em-pregado por Hegel (Ene, § 50) para caracte-rizar a posição de Spinoza, em oposição àacusação de "ateísmo" freqüentemente dirigidaa este filósofo. Spinoza, segundo Hegel, nãoconfunde Deus com a natureza e com omundo finito, considerando o mundo comoDeus, mas, antes, nega a realidade do mundofinito afirmando que Deus, e só Deus, é real.Nesse sentido a sua filosofia não é ateísmo,mas acosmismó, e Hegel nota, ironicamente,que a acusação contra Spinoza deriva da ten-dência a crer que se pode mais facilmente ne-gar Deus do que negar o mundo.

    ACRIBIA (g