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INSTITUTO PACKTER INSTITUTO INTERSEÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FILOSOFIA CLÍNICA CONTRIBUIÇÃO DE MAX SCHELER PARA A FILOSOFIA CLÍNICA Luiza Maria Conti Monografia apresentada ao programa de Especialização em Filosofia Clínica do Instituto Packter, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Especialista em Filosofia Clínica Orientadora: Mônica Aiub São Paulo 2009

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INSTITUTO PACKTER INSTITUTO INTERSEÇÃO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FILOSOFIA CLÍNICA

CONTRIBUIÇÃO DE MAX SCHELER PARA A FILOSOFIA CLÍNICA

Luiza Maria Conti

Monografia apresentada ao programa de Especialização em Filosofia Clínica do Instituto Packter, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Especialista em Filosofia Clínica Orientadora: Mônica Aiub

São Paulo 2009

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“Vou” Trocar almas, humores Tudo o que quero, sei Abro leques, asas Advinho, sei vôo

Aos meus filhos: Adah, Meco e Ana

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Índice

Resumo / Palavras Chaves i

1. Introdução 2

2. Aspectos Históricos 4

3. A filosofia de Max Scheler 10

4. A escala de Valores 11

5. A obra - A Reviravolta dos Valores 13

6. A Posição do Homem no Cosmos 15

7. Scheler e a Filosofia Clínica 16

8. Conclusão 20

9. Referências Bibliográficas 21

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Resumo

Este trabalho abordará relações entre o pensamento do filósofo Max Scheler e os

fundamentos da Filosofia Clínica, em especial a partir da Axiologia, como estudo e

escalonamento de Valores na singularidade do indivíduo.

Palavras-chave: Axiologia – Escala de Valores – Paradoxo – Posição do Homem no

Cosmo - Virtude

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Luiza M. Conti – Max Scheler e Filosofia Clínica

1. Introdução

É através da Axiologia (estudo dos valores) que a Filosofia Clínica pesquisa a

conseqüência e a interrelação dos valores com os outros tópicos da Estrutura de

Pensamento do partilhante, visando saber o peso subjetivo deles na sua vida.

O presente artigo mostra como o escalonamento dos valores proposto por Max

Scheler ajuda, a partir da historicidade do partilhante, a iluminar os valores subjetivos “

desse” indivíduo. Só em poder dos dados dessa historicidade verificamos os choques

entre os valores desse indivíduo, os valores da época e os valores dos outros. Que valores

são importantes para ele? E em que medida?

Na Clínica, o filósofo terá que se distanciar da tábua de Scheler, caracterizada por

um a priori valorativo e se fixar na do partilhante. Há um paradoxo na ética scheleriana,

porque ao mesmo tempo em que ela é pautada em princípios universais, nosso filósofo

elege o Amor e o Afeto humanos como sentimentos integrantes de sua filosofia. Sendo o

homem um ser limitado, contextualizado pela sua história e genética, qual das éticas rege

suas ações?

Conflitos aparecem quando valores familiares, sociais ou religiosos arraigados

entram em choque com nossas paixões ou preconceitos. Consequentemente essa pesquisa

é obrigatória e importante para direcionar o procedimento clínico baseado no método

proposto por Lúcio Packter.

Dentre os filósofos que estudei, escolhi Max Scheler por julgar que seu

pensamento é abrangente o suficiente para iluminar meu trabalho. Considerado o

Nietzsche cristão, seu “martelo” atinge, nesse caso, os hipócritas que desvirtuam o

pensamento e as virtudes cristãs.

Lendo seus livros, creio ter adquirido maior conhecimento do modo como ele formulou

sua filosofia que é absolutamente singular ainda que tenha incorporado várias idéias de

filósofos e cientistas na sua construção. E, nesse caminhar, meu objetivo foi atingido ao

ter me aproximado mais do meu interesse pela teologia e filosofia e pelo entrelaçamento

entre elas, tendo como elo a Filosofia Clinica.

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Luiza M. Conti – Max Scheler e Filosofia Clínica

Para cumprir a tarefa proposta, iniciarei apresentando aspectos históricos: um

percurso histórico das questões Axiológicas, a fim de situar o pensamento de Max Scheler

no interior da História da Filosofia. Em seguida, apresentarei brevemente as principais

idéias de Max Scheler, destacando seu escalonamento de valores, com especial atenção

para as obras A Reviravolta dos Valores e A posição do homem no cosmos. Para finalizar,

estabelecerei as relações entre a proposta axiológica de Scheler e o tópico Axiologia em

Filosofia Clínica, situando-o num processo autogênico.

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Luiza M. Conti – Max Scheler e Filosofia Clínica

2. Aspectos Históricos

Comecemos por entender, por intermédio de uma história no tempo, como o

homem, desde as formas mais primitivas de comunidade, vivendo em grupo, tomava suas

decisões na sua vida cotidiana a qual, bem ou mal, ele foi se acomodando. Foram

precisos, entretanto, muitos milênios para que ele fosse capaz de refletir sobre esses atos e

percebê-los como algo que dependia dele.

A passagem do plano da prática moral ou da vivência do dia a dia para a moral

reflexa, coincide com o início do pensamento filosófico ou nascimento da ética, que pode,

assim, ser definida como a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade.

A ética é a ciência do “ethos” que a princípio significa “a morada do animal e passa

a ser a ‘casa’ (oikos) do ser humano, não já a casa material que lhe proporciona fisicamente

abrigo e proteção, mas a casa simbólica que o acolhe espiritualmente e da qual irradia para

a própria casa material uma significação propriamente humana entretecida por relações

afetivas, éticas ou mesmo estéticas, que ultrapassam suas finalidades puramente utilitárias

e a integram plenamente no plano humano da cultura” (VAZ,1999: 39-40).

Para que a comunidade pudesse crescer saudável era necessário, para os gregos

clássicos, construir essa casa apoiada na tradição, a fim de defender-se de hábitos

estranhos, advindos de outros povos. Ao mesmo tempo era necessário assimilar novos

valores em resposta a novas situações. Essa é, conforme Vaz, a historicidade própria do

“ethos”.

Vemos que em cada período histórico as doutrinas éticas se desenvolveram em

resposta aos problemas básicos da relação entre os homens, e aos problemas particulares

dos mesmos. Consequentemente parece não se poder desvincular a ética da história.

Se, no entanto, parece existir um vínculo claro entre elas, penso que o término de

um período histórico não determina o fim de sua ética. Ela ressurge modificada,

adaptando-se aos novos tempos. Heráclito intuiu essa dinâmica ao afirmar que embora o

“rio seja o mesmo”, as águas não o são.

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Aristóteles, apontado como o primeiro filósofo que propôs o problema teórico de

definir o que é o Bem, tornou-se o sistematizador da ética como ciência. Ele a vê como

parte da ciência política em que o bem supremo é a felicidade do cidadão e esta só pode

ser alcançada na vida em comum: na cidade ou “polis”.

Antes, Platão também relaciona a ética à política, mas não no sentido de

Aristóteles; pois diferente deste, na ética daquele, existe um dualismo ontológico entre o

mundo sensível e o mundo inteligível ou das idéias. Esse dualismo advém de Pitágoras

que acreditava no mundo harmonioso dos números ou formas, sendo este tão real quanto

o mundo das aparências.

Aristóteles não vê a idéia do Bem separada dos indivíduos concretos; estes para

alcançar a felicidade, por intermédio da virtude, precisam de algumas condições, como

maturidade, bens materiais, liberdade pessoal, saúde, etc.

Para os estóicos e epicuristas, também chamados “socráticos menores”, que

aparecem no processo de decadência do mundo greco-romano, a moral não mais se

define em relação a “polis”, mas ao universo. A doutrina ou escola de Epicuro é

caracterizada como naturalismo radical significando que a vida ética ou vida virtuosa é a

vida segundo a natureza, vista por eles como “logos” ou Razão. Os epicuristas possuem

certo grau de liberdade, acreditando que tudo o que existe, incluindo a alma, é formado de

átomos materiais, sendo estes independentes de toda a intervenção divina.

Consequentemente buscam o prazer, o Bem, para Epicuro, sem temor religioso, apesar de

postularem ser dever do homem procurar os valores espirituais, superiores aos valores

corporais.

O Estoicismo, como doutrina, caracteriza-se pela máxima “só a ação reta ‘orthos

logos’ é ação virtuosa” (VAZ,1999: 157) própria do Sábio que possui a intenção e a

disposição espiritual para agir em acordo interior com o Logos Universal sendo o que se

espera para uma vida ética. “Há, pois, segundo os estóicos, uma exata correspondência

entre bem=razão=virtude=vida ética; e sendo a razão expressão da physis ou Natureza

enquanto Logos universal, a vida ética ou vida virtuosa é a vida segundo a natureza” (VAZ,

1999:156).

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A escola estóica, diferente da epicurista , não foi fundada nem se desenvolveu

com um único fundador. Ela começou com Zenão de Cítio, mas teve entre seus primeiros

sucessores Cleantos de Assos e Crisipo de Solis.

Como a ética epicurista e estóica surgem numa época de decadência e crise social,

também perdem importância nesse momento, dando continuidade e passagem para a

ética cristã medieval.

Deve ficar claro que aí houve um lento trabalho de assimilação das virtudes gregas

que foram incorporadas às cristãs, sendo estas normativas ao contrário daquelas,

reflexivas. Esse período pode ser marcado pelas obras de Agostinho de Hipona,

claramente influenciadas por Platão,e posteriormente pelo teólogo Tomás de Aquino. No

caso de Aquino, suas idéias são calcadas na metafísica e ética aristotélicas. As tradições

platônica e aristotélica permaneceram vivas e vigorosas por toda a Renascença.

Na modernidade, com Descartes, a espiritualidade sai do âmbito da religião e

centra-se no homem, que a partir daí adquire um valor pessoal, não só como ser

espiritual, mas também corpóreo, sensível, dotado de razão e especialmente de vontade.

Dando continuidade a essa investigação, Kant defende que a bondade de uma

ação depende da vontade com que ela é praticada. Dessa forma, o único bem em si

mesmo, sem restrição, é uma “boa vontade”, centrada no dever, como liberdade do

querer. Há assim, no sujeito, algo de universal, que ele chama de Imperativo Categórico.

Nesse fluxo histórico, aparece Brentano, pensador não valorizado por muitos na

história da filosofia contemporânea, mas sem o qual ela seria impensável. Seus estudos de

Aristóteles e suas investigações lógico-linguísticas foram o tronco a partir do qual se

desenvolveu a fenomenologia e a filosofia analítica.

A tese fundamental de Brentano é a do caráter intencional da consciência. A

intencionalidade vem de “intentio”, idéia que já aparecia nos escolásticos. Segundo

Brentano, a intencionalidade é o caráter específico dos fenômenos psíquicos, enquanto se

referem a um objeto, que está sempre imanente na consciência.

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Luiza M. Conti – Max Scheler e Filosofia Clínica

No texto “L’origine de la connaissance morale”, Brentano toma o sentido da palavra

natural “como aquilo que é dado naturalmente” ou “inato”, em oposição ao que é

sensível, isto é, adquirido pela experiência através dos sentidos. Ele acredita que nossas

faculdades cognitivas são “por natureza” capazes de conhecer os conceitos de Justiça,

Bem, Moralidade, etc. Nesse ponto, aproxima-se do Imperativo Categórico de Kant,

embora não comungue de todas as idéias do filósofo.

A representação, o juízo e o sentimento, são basicamente as três intencionalidades

e distinguem-se entre si pela natureza do ato intencional que as constitui. Na

representação, o objeto está simplesmente presente; no juízo é afirmado ou negado e no

sentimento ou emoções o objeto é amado ou odiado

Brentano prioriza as emoções, mas não crê que essas sejam meramente

representações subjetivas. Ele as vê como a “coisa em si”, análoga a uma lei matemática

do mundo emocional. A intencionalidade da consciência encontra eco na filosofia de

Husserl, discípulo de Brentano, que teve uma grande influência no seu pensamento.

Husserl, à semelhança do cogito cartesiano, funda o método fenomenológico, dando

origem ao movimento que mais influenciou a filosofia do século XX, antes calcada nas

ciências da natureza. Esse método pretende separar o “mundo exterior” da consciência,

colocando-o “entre parênteses”, numa operação que Husserl denomina de epoque ou

redução fenomenológica, para assim estudá-la melhor.

A partir dessa época, a questão da objetividade e subjetividade dos valores trouxe

novos desafios para a ética. Daí a importância da Axiologia, ciência que estuda os valores.

A filosofia respondeu de duas formas à pergunta se os objetos tinham valores por si

mesmos ou se era o sujeito que os valora. De um lado encontra-se o objetivismo

axiológico que possui antecedentes tão longínquos, como a doutrina metafísica de Platão

sobre as idéias e que está representado contemporaneamente pelos filósofos Max Scheler

e Hartmann. Também são filósofos dessa linha Kierkegaard, Heidegger e Sartre.

São traços fundamentais dos objetivistas a idéia de que os valores subsistem por si

próprios sendo absolutos, ou seja, não dependentes dos homens: são imutáveis e

incondicionados. Eles estão relacionados com os bens que os encarnam e esses só são

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valiosos quando os suportam. Exemplos disso são a Bondade, nos atos bons, a Beleza,

nas coisas belas e a Utilidade, nas coisas úteis.

De outro lado, a segunda resposta da filosofia elege o sujeito como aquele que

valora o objeto. Sustenta que não existem objetos com valor em si, independentes de

qualquer relação com o sujeito.

O ano de 1903, em matéria de história das idéias, marca o início do neo-

positivismo com a publicação da Principia Ethica de Moore. Esse movimento iniciou-se na

Inglaterra com eco no movimento pragmático, nos Estados Unidos. Mais tarde migrou-se

para Viena onde constituiu o chamado Círculo de Viena. Assim como Kant realizou a

chamada revolução Copernicana, o Círculo de Viena operou a chamada virada lingüística.

Moore, como Bertrand Russell, concluiu que o trabalho do filósofo deveria ser

analítico, ao contrário dos idealistas que viram, nas grandes sínteses tradicionais, a

totalidade do mundo.

Com Moore, a palavra passa a ser o objeto que expressa o valor, por isso terá que

ser analisada. Para ele, apesar da ética se interessar por problemas de bom

comportamento ou conduta, sua tarefa mais importante é responder às perguntas prévias:

o que é o Bom, o que é o Mal? O que é Conduta?

O livro Principia Ethica é a aplicação de um método prático de análise, tentando

explicar a natureza da moral, a partir do entendimento de expressões usadas na linguagem

corrente e das proposições filosóficas.

Moore aceita mais facilmente a fala do “senso comum” do que a dos filósofos

idealistas. Ele não vê, por exemplo, ”bom” como uma palavra misteriosa, mas

simplesmente como um predicado básico, irredutível, só podendo ser captado por meio

da intuição. Quando temos diante do nosso espírito o objeto singular, como a palavra

amarelo ou bom, ele nos dá sua significação de uma maneira intuitiva.

As idéias de Moore foram resgatadas por Schlick e Wittgenstein, que faziam parte

do Círculo de Viena. Eram chamados positivistas lógicos, constituindo a filosofia

analítica. Se as investigações do Círculo foram de início apenas lógicas, mais tarde abrirão

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espaço para uma ética que inclui a metafísica. Postura diferente dos analíticos terá Max

Scheler.

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3. A filosofia de Max Scheler

Max Scheler nasceu em Munique, em 1874 e morreu em Frankfurt, em 1928. Foi

o mais notável expoente da ética fenomenológica da primeira metade do século XX. Os

estudiosos do filósofo costumam dividir sua vida em 3 épocas:

Na primeira, escreveu uma tese na Universidade de Iena. Na segunda, em contato

com Husserl e Brentano, escreveu sua Ética, uma teoria de valores, na última fase,

aproxima-se do pensamento de Spinoza e Hegel, crendo que o Ser Primordial adquire

consciência de si mesmo no Homem. Como conseqüência desse pensar, é só no humano

que a divindade se mostra.

Todo o pensamento de Scheler, produto de seus questionamentos filosóficos,

desde a primeira fase, fixou-se nas perguntas: o que é o homem? E qual a sua posição no

interior do ser? Para ele, citando Platão, as massas nunca serão filósofos. Esta idéia é

válida até hoje, pois

A maioria dos homens retira sua visão do mundo de uma tradição religiosa ou de qualquer outra

tradição que suga com o leite materno. Mas quem aspira a uma visão do mundo fundada filosoficamente

tem que ter a coragem de se apoiar na sua própria razão. Deve duvidar tentativamente de todas as

opiniões herdadas e não deve reconhecer nada que não lhe seja pessoalmente inteligível e fundamentável

(SCHELER,1986:7).

Por isso, o pensamento de Scheler não é apreciado por personalidades fracas que

não podem suportar um deus imperfeito.

Suas obras mais importantes são: O formalismo na Ética e a ética material dos Valores,

Para a reabilitação do conceito de Virtude e O ressentimento na construção das morais. Esses textos

que nutrem-se da fenomenologia de Husserl que o inspirou a aplicar o método

fenomenológico ao mundo dos valores, fazem parte do livro Da Reviravolta dos Valores. Sua

última obra, A posição do homem no Cosmo, traduz uma evolução de seu pensamento desde

sua conversão ao Catolicismo até uma metafísica panteísta, próxima ao pensamento de

Spinoza, Bruno, Schelling, Hartmann entre outros.

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4. A escala de Valores

Embora considerando Kant o maior de todos os filósofos modernos, Scheler não

o eximia de críticas. Ele o contestava, pois, segundo ele, Kant confunde bens com valores.

Os bens são coisas valiosas, mas que podem ser destruídas pelas forças da natureza, assim

como desaparecem por um período da história. Os Valores, ao contrário, são eternos.

imutáveis.

Ele procurou sair da lógica transcendental kantiana e do psicologismo empirista,

criando uma nova ética, a Ética Material de Valores, que não via a ciência ética como uma

forma de Dever e sim um impulso praticado pela vida, baseado numa percepção afetiva,

que percebe o que é Bom ou Mal. E em consonância com sua hierarquia de valores é

possível julgar se um ato é Bom ou Mal, levando-se em conta a preferência de quem o

pratica. A ordenação dos valores passa a ser então a tarefa mais importante da reflexão

ética.

Scheler distingue cinco ordens de valores:

A – valores sensíveis, centrados sobre o prazer

B – valores pragmáticos, centrados na utilidade

C - valores vitais, centrados sobre a nobreza de vida

D – valores intelectuais, centrados sobre a verdade e Justiça

E – valores do sagrado, centrados sobre a santidade e o amor

Assim sendo, a pessoa é julgada não pela intenção, mas quando se põe em “ser

ato” na preferência de um valor por outro, o que sinaliza um pensamento de inspiração

cristã.

Resumidamente; devemos preferir:

1- Bens duráveis aos bens passageiros e mutáveis

2- Os valores são tanto mais elevados quanto menos divisíveis, isto é, que possam ser

partilhados pelo maior número de participantes

3- Os valores mais elevados são os mais independentes de outros valores

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Luiza M. Conti – Max Scheler e Filosofia Clínica

4- Os valores são tanto mais elevados quanto maior a plenitude de satisfação que

produzem.

Scheler era atraído pela existência concreta dos homens semelhante à Kierkegaard,

Hartmann, Sartre, Heidegger e outros que fazem parte da doutrina fenomenológica na

qual predomina a lógica do coração. Scheler também foi influenciado por Santo

Agostinho, Pascal e Nietzsche, todos os filósofos que priorizavam o impulso vital, todos

os filósofos da vida.

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5. A obra - A Reviravolta dos Valores

Os textos que compõem esse livro, Para a reabilitação da virtude e o Ressentimento na

construção das morais, apesar de terem sido escritos durante a lª Guerra Mundial, não se atém

a uma visão nuclear daquele momento, mas num contexto histórico que arrasta um

passado e se projeta para um futuro.

Scheler, como um filósofo lúcido, ilumina a sua época criando uma nova filosofia

baseada numa tábua de valores sólida, que não se entusiasma com o que está em voga. Ao

mesmo tempo, ele sabe que “nenhum filósofo em particular pode ser o ponto mais

elevado da história em todos os seus momentos. O filósofo é apenas o ponto mais

elevado da história do pensamento em seu tempo.” (1994:10).

Com o passar do tempo, como Scheler mesmo declara, não houve modificações

em sua opinião sobre os valores, que ele, auxiliando-se do método fenomenológico,

procurou distinguir, “separando o joio do trigo”.

Nessa sua empreitada, faz uma crítica sobre a má compreensão da Virtude e nos

fala do prejuízo causado pelo Ressentimento.

O que pretendo não é senão liberar a juventude alemã de todo o ressentimento. Este intuito não é

válido apenas para a juventude alemã. Nos tempos de crise pelos quais passamos, o ressentimento é tão

devastador quanto a peste negra. Perdidos em discussões formais, os homens de nosso tempo parecem já

não ter mais o menor interesse pela verdade (Scheler, 1994:12).

Sobre a Virtude, sua intenção é clara, quer resgatá-la na sua origem, quando ela

significava “uma consciência de potência para o Bem, totalmente individual e pessoal”

(1994:22). Essa potência não se acha presa a nenhum esforço penoso, como um dever

para ser apreciado pelos outros.

No passado, as pessoas realmente virtuosas possuíam uma aura de nobreza em

que a beleza e a leveza aderiam resultando numa “graça”. Ser virtuoso ou amoroso não

atendia a nenhuma finalidade a não ser a consciência de seu próprio valor.

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Luiza M. Conti – Max Scheler e Filosofia Clínica

Diz Scheler “Nos tempos atuais o mais importante é o trabalho é o sucesso: por

isso é melhor usar a palavra ‘habilidade”. Talvez seja esse o motivo pelo qual hoje em dia,

os virtuosos são tão feios e tão poucos humanos. Ele postula ser a humildade a mais bela

de todas as virtudes que ele chama “virtude dos ricos”, enquanto o orgulho “a virtude dos

pobres”.

A partir daí, vai tecendo uma distinção entre as verdadeiras e as falsas virtudes.

Ainda faz parte dessa obra, o texto O ressentimentto na construção das morais, onde a inveja, o

ciúme e a competição são os venenos que se contrapõem às virtudes autênticas.

Quanto ao Ressentimento, Scheler faz uma crítica à moral burguesa. Como

resultado da impossibilidade de se igualar a seus antigos senhores, com valores mais

elevados, porque baseados no divino, esses novos senhores cuja prioridade valorativa se

centrava no homem, a partir de seu trabalho, não podiam suportar a verdadeira virtude

que aqueles portavam. Daí o ressentimento que acompanha as paixões como a inveja,

ódio e a vingança.

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Luiza M. Conti – Max Scheler e Filosofia Clínica

6. A Posição do Homem no Cosmos

Nesse pequeno livro, Scheler consegue chegar a um amadurecimento de idéias

sobre questões que, conforme suas palavras, o instigaram desde a primeira fase de seus

escritos. Uma dessas questões é: Em que consiste o humano?

Para ele, a Filosofia deveria se transformar em Antropologia Filosófica que é a

reflexão sobre o lugar que o Homem ocupa no Universo. Ele nega a teoria clássica que

explica Deus acima do humano, representada pela tradição judaico-cristã, assim como a

teoria helênica cultuando a Razão , o logos e a teoria da moderna ciência da natureza e da

psicologia genética. Todas elas, a teológica, a filosófica e a científica natural não

conseguem se entender, não existindo assim uma idéia una do homem.

Scheler rejeita todas,apresenta a sua filosofia e introduz a idéia de ESPIRITO,

semelhante a Hegel, mas distanciando-se dele à medida que explica o espírito, como uma

força que vem “de baixo” na sua escala de valores, vem da natureza cega. Já nos referimos

acima que os valores mais altos são os mais frágeis, no sentido de mais sutis. São os

valores do sagrado: “o poderoso é originalmente o mais baixo, o impotente o mais

elevado” (Scheler,1874/1928/2003 pg.63) A realidade mais potente que existe no mundo,

é portanto constituída de centros de força do mundo inorgânico, onde age o impulso

fundamental.

É aí que sua idéia de espírito o aproxima da de Nietzsche e Freud. Incorporando a

noção de evolução de Darwin, como movimento dinâmico, deduz que o que na planta é

mero processo evolutivo, no animal já aparece como memória e inteligência e, finalmente,

no Homem culmina com a reflexão que, ultrapassando o real, consegue idear e com isso

pensar sobre aquilo que não é visível.

Vê-se que Scheler resgata a metafísica que estava eclipsada desde o século anterior.

Para Sheler, o espírito é uma função particular da consciência, e que possui a

capacidade de se desprender do que é orgânico, das prisões biológicas e lançar-se ao

“mundo” (Scheler, 1874/1928/2003).

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Luiza M. Conti – Max Scheler e Filosofia Clínica

7. Scheler e a Filosofia Clínica

Sem dúvida, o escalonamento de Valores do filósofo nos ajuda, a partir da

historicidade do partilhante, a iluminar os valores subjetivos “daquele” indivíduo e só em

poder desses dados, verificamos os choques com os valores da época ou com os dos

outros. Que valores são importantes para ele? E em que medida?

Packer nos avisa ser da maior importância para a Clínica filosófica os estudos de

como os dados axiológicos da pessoa se inserem na sua Estrutura de Pensamento. Porém

é só na Autogenia, observando o entrelaçamento da Axiologia com os outros tópicos é

que finalmente podemos ter uma visão mais precisa e iniciar os procedimentos clínicos.

Axiologia é o estudo dos valores, e é nesse tópico que a Filosofia Clínica vai se

debruçar pesquisando o peso de cada um deles na vida do partilhante, assim como a

interrelação desses valores com os outros tópicos da sua Estrutura de pensamento. Trata-

se de um tópico abrangente, porque é por intermédio dele que se observa a verdadeira

intenção e, consequentemente, a atuação da pessoa, nem sempre tão clara a ela. Lucio

Packter vê a Axiologia como medida sanitária em Filosofia Clínica, pois é através dela que

se conhecem os critérios de valor e os motivos escondidos por trás das palavras que

forjaram a estrutura de pensamento e que nem sempre condizem com que aparece à

primeira vista na clínica. Às vezes a pessoa reconhece intelectualmente que determinados

valores são muito importantes para ela, mas seu comportamento na vida prática mostra o

contrário. Refiro-me, a alguém, por exemplo,que com um grande desejo de ser acariciado

se esconde atrás de uma máscara “fria”,conseguindo desse modo afastar a oportunidade

de realizá-lo. Outro que considera a honestidade seu lema de vida e “esquece” de pagar

suas dívidas.

É importante, por isso e sempre, a investigação do filósofo na historicidade da

pessoa,aplicando as divisões que se fizerem necessárias por épocas ou eventos de vida da

mesma, a fim de precisar quais os dados determinantes,isto é, aqueles que aparecem com

maior força em cada tópico da sua Estrutura de Pensamento. O planejamento clínico se

fará avaliando-se os dados obtidos no processo, denominado autogênico que nos

informará como a pessoa está estruturada. Em seguida estabelecer as relações entre eles e

os choques provenientes disso. E só a partir daí poder fazer uso dos Submodos,que nada

mais são do que os jeitos ou maneiras que cada um escolheu para realizar suas ações no

mundo.E quando isso ou não funciona mais ou é motivo de sofrimento as pessoas

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procuram ajuda. Finalmente,na aplicação dos procedimentos, o filósofo clínico terá o

cuidado de não querer substituir uma representação por outra, sem antes fazer uma

acomodação aceitável evitando assim causar prejuízos a pessoa.Posso acrescentar, sem

deixá-la “desvalorizada”.

A seguir descrevo alguns tópicos da Estrutura de Pensamento e suas respectivas

relações com o tópico axiologia, a título de exemplificação.

Como o mundo parece

O que acha de si mesmo

Esses tópicos são fundamentados por muitos filósofos, mas principalmente por

Protágoras com o primeiro ensinamento aos filósofos clínicos “O homem é a medida de todas

as coisas daquelas que são por aquilo que são e daquelas que não são por aquilo que não são” O que a

pessoa manifesta é o resultado de como estruturou o seu mundo, por isso na clínica a

verdade é sempre subjetiva o que significa como o mundo aparece para ela. Mas ao

mesmo tempo o filósofo também é sua medida e isso nos leva a um relativismo. Então o

que importa realmente é que não existe uma verdade absoluta fora daquilo que foi

convencionado e, segundo Packter, a interseção, resultante do encontro do filósofo

clínico com seu partilhante, cada um em si mesmo, é a medida de todas as coisas.

Schoppenhauer, no seu “Mundo como vontade e Representação” ajuda a

fundamentar esse tópico, desenvolvendo o pensamento de Protágoras, ao postular que o

mundo é representação minha.

A fenomenologia de Husserl instrumentaliza a “epoquê” ou redução

fenomenológica na clínica, quando o mundo do partilhante é posto “entre parenteses”

para melhor ser pesquisado. Gadamer e Merleau-Ponty acreditam na gradual aproximação

na verdade do partilhante, sem, entretanto, conseguirmos uma visão completa.

O tópico “O que acha de si mesmo” se confunde com o tópico acima, mudando o

foco do mundo para a própria pessoa. Como ela vê a si mesma?

No tocante à Axiologia, quais os valores determinantes no seu intelecto que a

fizeram ver o mundo deste ou daquele jeito? Todos eles aparecerão na clínica e os

conflitos desencadeados por choques entre eles.

Pessoas criadas dentro de um rigor religioso, por exemplo, podem ter do mundo a

mesma visão severa, ou ter dificuldade para entrar em contato com formas de intenso

prazer, valor que esse mesmo mundo pode lhe proporcionar.

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Outras pessoas, por considerarem-se portadoras de virtudes ou valores que não

condizem com que os outros acham delas, podem se sentir injustiçadas, o que talvez seja

motivo para procurar ajuda na terapia.

Busca

O tópico busca se propõe a averiguar os projetos, objetivos, metas ou sonhos, às

vezes inconfessos da pessoa que procura a clínica filosófica. Podemos identificar a busca,

observando os termos que o partilhante traz na sua linguagem, como vontade, querer,

desejar, planejar, entre tantos outros.

Em relação à Axiologia, precisamos nos deter nos valores que o impulsionaram a

essa procura pois será a partir deles que se entenderá o traçado da sua trajetória existencial

para atingir sua meta. Às vezes esse objetivo perde sua força inicial, é abandonado pelo

caminho para só mais tarde reaparecer e atingir o objetivo. Vê-se que esse movimento não

é constante e dificilmente segue uma rota linear.

Durante a vida, muitos dos nossos valores mudam, transformam-se, e,

consequentemente, muda também nossa estrutura de pensamento, que não é rígida,

conforme prega a Filosofia Clinica. Ainda assim, muitos deles são determinantes, o que

explica que em algumas pessoas é só na velhice que redescobrem suas metas,

impulsionadas por eles. Outras, tendo atingidos seus objetivos e concluído seus projetos

“batem com a cabeça no teto” e a partir daí tornam-se desinteressadas e repetitivas frente

à vida.

A Filosofia Clínica pesquisará todos esses movimentos e associações entre os

tópicos citados, procurando soluções através de submodos, que são procedimentos

clínicos usados objetivando estimular movimentos existenciais necessários à pessoa.

Significado

O tópico significado tem uma abrangência muito ampla na Filosofia Clínica, pois é

através dele que o filósofo pesquisará o sentido que a pessoa deu aos dados que recebeu

do mundo. Por isso, na Filosofia Clínica, não são aceitas tipologias, por entendermos que

cada um dará um sentido próprio às coisas e o expressará também a seu modo singular.

Em relação à Axiologia, temos que pesquisar qual o significado de cada valor que

aparece na clínica. O que é ser honesto para aquela pessoa? E corajoso? E religioso?

Vários filósofos fundamentam esse tópico e elejo Wittgenstein com seus “jogos de

linguagem”, onde se entende que só se pode compreender os signos do partilhante a

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partir do seu uso na vida prática, e Schopenhauer, através do O mundo como vontade e

representação, como os mais importantes.

As más interpretações de valores resultam em conseqüências desastrosas para as

pessoas assim como para o mundo. Que tal pensarmos nos eternos conflitos resultantes

dessa incompreensão sobre valores religiosos?

Armadilha Conceitual

Por armadilha conceitual entendemos as fixações em padrões de comportamentos

que se assemelham a círculos, com ocultamento de saídas, parecendo não nos levar a lugar

nenhum. Esses padrões não são necessariamente maus, podem significar uma escolha

pessoal na falta de outra maneira da pessoa seguir seu percurso existencial. Nesse caso ela

mostra-se suficientemente livre e crítica para impor seus próprios limites, mesmo que isso

lhe cause algum sofrimento.

Pensando nesse tópico, com referência ao tópico Axiologia, pode ocorrer de

valores religiosos, familiares e políticos terem um peso considerável e gerarem conflitos às

vezes são difíceis de administrar. Há pessoas atadas a outras por alguma “armadilha”, e

não conseguem desatar esse vínculo. Outras, mesmo depois de um casamento, sociedade

ou relação infeliz, ao terem novos parceiros, refazem a outra relação baseada nos mesmos

valores que já haviam se mostrado nocivos.

Conforme observado, o tópico axiologia, assim como os demais tópicos da

estrutura de pensamento, é sempre considerado a partir das relações com os demais

tópicos, categorias e submodos.

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8. Conclusão

A Filosofia Clinica parte da singularidade do homem: cada um de nós é um ser

com suas particularidades. Para aproximar-se dessa singularidade, tarefa difícil, ela se

aproxima da Filosofia, faz uso de seus conceitos para procurar entender nossa Estrutura

do Pensamento. Essa Estrutura, na concepção da Filosofia Clinica, não é dada a priori, e

nem é uma estrutura rígida. É objetivo do filósofo clínico ir ao encontro de seu

partilhante sem uma visão pré concebida sobre ele, mas aberto a percepção de sua

singularidade.

Para isso o método fenomenológico é crucial, e utilizado na Filosofia Clinica pois

“a fenomenologia não pressupõe nada: nem o mundo natural,nem o senso comum, nem

as proposições da Ciência,nem as experiências psíquicas. Coloca-se antes de toda crença e

de todo o pré-juízo para explorar simplesmente e ingenuamente os dados”. (MORA,

1994, 40).

O mais conhecido expoente da Ética fenomenológica foi Max Scheler que

substituiu o dever kantiano com seu Imperativo Categórico por uma Ética de Valores

inaugurando uma nova etapa na investigação ética, o estudo da Axiologia, ciência que

marcou a ética durante a Idade Moderna.

Este trabalho mostra como é possível um diálogo da Filosofia Clínica com Max

Scheler, um filósofo que aparentemente se distancia dela por apresentar uma tábua de

valores, como um dado de verdade.

Este diálogo á possível porque tomamos a tábua de Scheler, não como uma

camisa de força, mas a tomamos como régua ou baliza para pensarmos a escala de valores

do nosso partilhante. E assim, sempre a partir dos valores “daquela” pessoa, pensar

melhor sua singularidade e permitir uma melhor inserção dessa singularidade no mundo.

Realizar esse trabalho não foi fácil, mas foi prazeroso, pois através dele descobri

um potencial que eu no fundo adivinhava. Sua realização partiu de conceitos teóricos que

ganharam vida e repercutiram no sujeito que o realizava.

Senti que durante o percurso de idas e vindas, minha alma visitou toda a minha

vida desde a infância até hoje. E se identificou com os objetivos da Filosofia Clínica na

sua prática psicotarápica que se realiza através de um diálogo com a tradição filosófica.

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9. Referencias bibliográficas

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CARVALHO, José Maurício. Filosofia Clinica - Estudos de Fundamentação. São

João del Rei:UFSJ, 2005

MORA, J.F. Dicionário de filosofia. Barcelona: Editorial Ariel, 1994

PACKTER, Lucio. Cadernos de Filosofia Clínica. Porto Alegre: Instituto

Packter, s/d.

_____. Filosofia Clinica. São Paulo: All Print, 2008.

RUSSELL, Bertrand. História do Pensamento Ocidental. São Paulo: Ediouro,

2001.

SCHELER, Max. Visão Filosófica do Mundo. São Paulo: Pespectiva, 1986.

________. Da Reviravolta dos Valores. Petrópolis:Vozes, 1994.

________. A Posição do Homem no Cosmos. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2003.

VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de Filosofia IV. Introdução à Ética

Filosófica1. São Paulo-Loyola,1999.

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