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INSTITUTO PACKTER INSTITUTO INTERSEÇÃO SÃO PAULO CURSO BÁSICO DE FORMAÇÃO EM FILOSOFIA CLÍNICA Suely Angelo Correa APLICAÇÃO DA FILOSOFIA CLÍNICA EM GRUPOS COM ÊNFASE NAS INTERSEÇÕES E RELAÇÕES INTERPESSOAIS - UMA LEITURA São Paulo 2013

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INSTITUTO PACKTER

INSTITUTO INTERSEÇÃO – SÃO PAULO

CURSO BÁSICO DE FORMAÇÃO EM FILOSOFIA CLÍNICA

Suely Angelo Correa

APLICAÇÃO DA FILOSOFIA CLÍNICA EM GRUPOS COM ÊNFASE

NAS INTERSEÇÕES E RELAÇÕES INTERPESSOAIS - UMA LEITURA

São Paulo

2013

Artigo apresentado como requisito parcial

para conclusão do Curso Básico de

Formação em Filosofia Clínica, orientado

por Carlos Copelli Neto.

A todos que compartilham e

compartilharam a minha existência, pois

de algum modo contribuíram para o que

hoje sou.

Aos meus pais com quem iniciei a minha

história, dei meus primeiros passos e que

sempre me acompanharam e me ajudaram

a olhar e sentir o mundo.

Aos meus filhos e neta que com a suas

existências deram alegria e cor à minha

existência e pude com eles sentir a

plenitude do amor incondicional, alêm de

ter a certeza que podemos a cada

momento ter um novo olhar sobre a vida

Ao meu orientador Carlos Copelli Neto

pela sua dedicação, paciência,

benevolência e apoio. À minha profa.

Monica Aiub, pela suas aulas, sua

dedicação e incentivo. Também a todos os

meus colegas de curso pela troca de ideias

que muito contribuíram para esse

trabalho.

4

Aplicação da Filosofia Clínica em Grupos, com ênfase nas Interseções e

Relações Inter-Pessoais – Uma Leitura

Suely Angelo Correa

“O homem é a medida de todas as coisas daquelas que

são por aquilo que são e daquelas que não são por

aquilo que não são.” Protágoras1

RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar alguns aspectos da fundamentação

teórica e de como o ferramental da Filosofia Clínica poderá ser aplicado em grupos, ou

seja, em mais de uma partilhante simultaneamente, tendo como ênfase as relações

interpessoais e suas interseções. Para isso serão abordadas as idéias de Martin , o

filósofo das relações, e como elas podem ser agregadas, incorporadas e aplicadas. Um

especial interesse na aplicação destas em Consultoria em Empresas.

Palavras Chaves: Filosofia Clinica, Relações Interpessoais, Interseções,

Consultoria Empresarial

ABSTRACT

This article aims to present some aspects of theoretical foundations and how the

tools of Clinical Philosophy can be applied in groups, ie, in more than one sharer

simultaneously, with an emphasis on interpersonal relationships and their intersections.

For this will be view the ideas of Martin Buber, the philosopher of relationships, and

how they can be aggregated, incorporated and applied. There is special interest in

applying them at Consulting in Companies.

Key words: Clinical Philosophy, Relationships, Intersections, Consulting in

Companies.

1 �

Protágoras – filósofo grego que viveu entre 480 a.C. a 410 a.C.

5

Introdução

Ao iniciar o curso de Filosofia Clínica, o que salta aos olhos é a proposição de

auxiliar os seres humanos a refletirem, trabalharem em suas questões existenciais tão

presentes em suas interações com o mundo real, seu cotidiano e todos os contextos que

o cercam.

A Filosofia Clínica surge na década de 80, elaborada por Lucio Packter, que

propõe um instrumental metodológico tendo como base os estudos, o olhar e os

conhecimentos em Filosofia, para serem aplicados em consultas terapêuticas. Esse

instrumental é utilizado pelo filósofo clínico em conjunto com o partilhante, nome dado

à pessoa que procura ajuda na Filosofia Clínica, para apoio e resolução das suas

questões.

Quando Lucio Packter desenvolveu a metodologia da Filosofia Clínica, propôs

um ferramental rico, extenso e profundo, com um alto grau de síntese da compreensão

de como a Filosofia, a mãe de todas as ciências, pode auxiliar o homem a lidar com suas

questões, eliminando, entendendo suas angustias e dores, resolvendo seus problemas,

questões práticas e não práticas da vida, mas sempre levando em conta que esse homem

é um ser singular, que possui uma subjetividade, uma forma única de ser-no-mundo2,

como observou Monica Aiub (Aiub, 2005) em seu artigo Filosofia Clínica: o que é

isto?

Diante das crises contemporâneas, da insuficiência de respostas, das carências humanas e existenciais cada vez mais presentes e significativas, a Filosofia Clínica coloca-se como um novo paradigma, tentando conciliar a tarefa do filosofar com a possibilidade de ajuda-ao-outro, construindo uma terapêutica centrada na singularidade, no respeito ao universo e ao modo de ser de cada partilhante. O filósofo clínico é um profissional apto a pensar junto com a

pessoa, sem interferir em suas decisões, auxiliando-a a refletir sobre si mesma e sobre o mundo que a rodeia, sobre opções e possibilidades para lidar com as questões cotidianas, respeitando seus valores, sentimentos, necessidades e escolhas.

Nos cadernos de Lucio Packter 3, logo nas primeiras páginas já se pode ver

ressaltada a importância das relações interpessoais e interseções, seja na relação do

2 �

Ser-no mundo - conceito de Martin Heidegger, que mostra que o sentido da existência do homem é estar

no mundo

3

6

filosófico clínico com o seu partilhante, seja na relação deste com o mundo que o cerca,

como sua comunidade, sua família, seus amigos, seu ambiente de trabalho, entre tantos

outros, seja com suas emoções, com sua forma de pensar, de sentir os acontecimentos e

as circunstâncias vivenciadas. Temos assim a identificação do homem como um ser em

relação e, através destas, ele também se constitui, constrói sua história, se estrutura e

age no mundo.

Uma outra questão que sempre surge é a relação do ser humano, como um ser

social e, que desde o seu nascimento, vive circundado por grupos e sempre pertencerá a

algum deles, influenciando e sendo influenciado por esses e por outros tantos outros

grupos, mesmo que muitas vezes isso aconteça de forma imperceptível.

O ambiente social é uma grande malha de interseções entre homens e relações

inter e intragrupais que recebem e fornecem informações, modificam e consolidam

conceitos, atitudes, comportamentos, crenças, e tudo o mais que compõem a existência

humana. Analisar todo esse contexto provavelmente trará muitos elementos e inúmeras

variáveis de complexidades diversas;

O campo de atuação da Filosofia Clínica ganha então um espaço de atuação que

transcende a terapêutica individual e estende suas fronteiras possibilitando que o

instrumental seja aplicado quando dois ou mais partilhantes estiverem sendo ate ndidos

ao mesmo tempo como casais, famílias, escolas, empresas, entre tantos outros, desde

que tenham questões em comum, ou de certa forma, que se interrelacionam.

Nesses casos prevê-se um aumento da complexidade com novos matizes a serem

observados, diversas especificidades a serem levadas em conta, um estudo mais

aprofundado e extenso na fundamentação teórica que levem em conta questões comuns,

ou não, visto que aquilo que pode ser um problema para um não seja para outro. Assim,

as subjetividades poderão ser trabalhadas.

Muitos filósofos, pensadores se dedicaram a refletir sobre diversas abordagens

de como conviver bem em comunidades, da importância de olhar o outro e os contextos

circunstanciais de cada existência, como Emanuel Levinás (1906-1995), Michel

Foucault (1926-1984), Gilles Deleuze (1925-1995), entre outros. Mas ao se estudar o

filosofo das relações Martim Buber, algumas idéias e abordagens aprofundam e

fundamentam a aplicação da Filosofia Clinica de uma forma muito enriquecedora e que

direciona o olhar dos que pesquisam esta área terapêutica para explorar alguns aspectos

Lucio Packter – sistematizador da Filosofia Clínica

7

que muito agregará nesta metodologia quando o estudo for um indivíduo dentro de um

grupo e nas relações intra e intergrupais, conforme já mencionado.

Contribuir neste caminho é a motivação deste artigo, que se iniciou no especial

interesse ao se verificar que diversas questões surgem no ambiente das empresas, onde

os seres humanos exercem seus papéis existenciais4 como profissionais que muitas

vezes são conflituosos e podem gerar angústias, sofrimentos e pressões, que afetam

sobremaneira a forma deste homem se estruturar, pensar, agir e sentir.

Nesse ambiente dito “ambiente corporativo”5, via de regra, os profissionais

passam uma grande parte do seu tempo exercendo suas funções, suas atividades

produtivas, geralmente em grupos, enfrentam diversos desafios individuais e grupais,

vindo a surgir questões individuais e coletivas. Dessa forma, a necessidade de se ter

metodologias e ferramentas que apóiem o indivíduo e todo o grupo no lidar com todas

essas circunstâncias e que cuidem e encontrem soluções que levem em conta o ser

humano, em toda a sua complexidade e singularidade, logo caminhos devem ser

buscados.

A expressão “Consultoria Empresarial” surge neste contexto em atendime nto a

um fim específico: abordar as relações interpessoais dentro das organizações. É

importante que se faça esta distinção, posto que outras questões dentro das empresas

não serão abordadas, como as de mando ou das relações de pessoas externas ao grupo

analisado.

Assim, este trabalho é uma pequena contribuição para tão importante assunto e

não pretende esgotá-lo, ou propor alguma técnica totalmente construída e pronta a ser

aplicada; tem como proposta a apresentação de uma leitura que foi feita na busca de

uma fundamentação teórica e formas de aplicação do ferramental da Filosofica Clínica

em grupos, ou seja, um ou mais partilhantes simultaneamente.

Para se atingir o objetivo proposto neste artigo o caminho trilhado será o de

apresentar uma resumida abordagem da metodologia da Filosofia Clínica, trabalhar

4

� Papel existencial: são rótulos em Filosofia Clínica. Segundo Lúcio Packter, o tópico estrutural XXII –

Papel Existencial diz respeito aos rótulos, aquilo que a pessoa utiliza como princípio de identificação, mas, em alguns casos, esta identificação pode ser uma roupagem.

5

� Ambiente corporativo é chamado todos os elementos que formam os ambientes empresariais.

8

alguns de seus conceitos, mais especificamente na importância que a Relação e

Interseção possui na metodologia e sua aplicabilidade, apresentar Buber e os

fundamentos das suas ideias e de como sua visão e conceitos de Relações e Interseções

podem ser importantes quando o objeto de estudo envolve mais de um Ser Humano;

fazer uma leitura de como essas ideias podem contribuir dentro da metodologia da

Filosofia Clínica para a sua aplicação em grupos e finalizar expondo como poderá ser

feito uma aplicação em um ambiente corporativo.

Sobre a Filosofia Clínica

Encontramos na Filosofica Clínica uma metodologia que tem um instrumental

terapêutico, onde são definidas etapas que servem de estrutura e guia para serem

planejadas e aplicadas.

Como o objeto de análise é o ser humano, certamente a rigidez não é benvinda e

nem pode ser utilizada, pois o homem está em constante devir existencial, não sendo

ele, portanto, um ser estático, que se comporta sempre seguindo as mesmas leis e regras

em todos os tempos, lugares e circunstâncias da vida. Além disso, cada indivíduo é um

ser ímpar, que se diferencia dos demais.

Com profundidade e riqueza de detalhes toda a metodologia pode ser encontrada

nos Cadernos de Filosofia Clínica elaborados por Lucio Packter e em livros de diversos

experientes filósofos clínicos como Monica Aiub 6, Margarida Nichele de Paulo7, entre

tantos outros. O que aqui será feito, é apenas a menção de salientar algumas partes,

conceitos e significados pertinentes ao objetivo já explicitado anteriormente.

Definir relação e interseção é uma árdua tarefa, pois são termos que, apesar de

terem muitos significados, quando os procuramos em qualquer dicionário e outros

compêndios, eles normalmente são apresentados como conceitos intuitivos, podendo,

assim, originar várias interpretações e diversos significados, que nem sempre serão

6

� Monica Aiub: filosófa clinica de São Paulo

7 �

Margarida Nichele de Paulo: filósofa clinica de Porto Alegre

9

corretas e para diminuir as más interpretações e também para evitar futuras confusões,

adotaremos neste artigo as seguintes definições:

Relação - é a conexão que se estabelece no encontro entre as partes, entre os

elementos, e quando estes em contato, ocorre de, alguma forma, uma interferência em

pelo menos uma das partes.

Intersecão – é como a conexão está estabelecida. É a qualidade da relação.

Costuma-se qualificar a intersecção como positiva, negativa, nebulosa, conflituosa, boa,

ruim, quase ausente, entre tantos outros adjetivos. Esta qualificação é feita pelos

elementos que constituem a relação e a qualificação de cada elemento para uma mesma

relação pode ser ou não a mesma, isto é, cada elemento possui a sua própria

qualificação.

Em seu primeiro caderno, Packter já menciona a importância das relações

interpessoais quando mostra que a relação entre o filósofo clinico e seu partilhante deve

possuir qualidades, isto é, ela deve ser analisada e refletida, ressaltando que para isso

deve-se usar a razão e a intuição, pois a relação assume um lugar tão importante que é

ela que irá levar ao conhecimento, assim ele cita Kant (1724-1804)8 quando diz. “O

entendimento nada pode intuir e os sentidos nada podem pensar. Só pela reunião se tem

conhecimento” (Kant, apud Packter, 1995)

Nos seus estudos Packter aborda a importância das proposições de Protágoras

atualizadas em Schopenhauer (1788-1860) 9, quando diz:

Entre a mistura de opiniões para todos os gostos, um homem, Protágoras veio por ordem à diversidade de opiniões. Protágoras não se debruçou exatamente sobre as teorias, mas sobre quem as erguia. Constatou que a teoria é apenas um modo de ser no mundo da criatura humana, constatou que todas as formas de relação que estabeleço com qualquer coisa mostram quem sou, que sou eu a medida exata de tudo quanto pretender mensurar sob qualquer significado:

ético, epistemológico, emocional... ...O filósofo clínico, a pessoa que busca seus serviços, cada um em si mesmo, a resultante da relação entre ambos, essa é a medida das coisas. (Packter – Caderno A, p. 08)

8

� Immanuel Kant filosofo alemão do sec XVIII/XIX

9 �

Arthur Schopenhauer filósofo alemão sec XIX

10

Ao se adiantar nos estudos da Filosofia Clínica, percebe-se que o pensamento de

Protágoras, pontuado na relação que um ser humano estabelece com outros seres

humanos e com tudo o que o cerca, vai ser de fundamental importância na constituição

deste ser humano, pois e é nessas relações que também pode refletir, se perguntar “quem

eu sou”, obter mais elementos para se autoperceber, ter o autoconhecimento mais

profundo e também é nela onde está uma importante parte da sua percepção e

conhecimento do mundo que o cerca. Assim, olhar o externo de si oferece elementos e

pontos básicos para formação da singularidade do homem e na forma dele representar o

mundo e tudo o que está nele inscrito.

Arthur Schopenhauer em sua obra “O Mundo como Vontade e Representação”

(Schopenhauer, s.d.),.nos mostra que o conhecimento que o homem tem do mundo nos

fala muito mais do homem do que do mundo, pois ele só tem acesso ao que esse mundo

mostra a ele, através dos fenômenos, que atingem a sua percepção, os quais são

entendidos pela sua consciência cognitva e então o homem pode se apropriar do

conhecimento. Esse conhecimento é sobre o que ele consegue ter acesso e não sobre o

conhecimento absoluto sobre o objeto do conhecimento. Aqui os conceitos advêm da

teoria de Kant proposta em sua obra Crítica da Razão Pura - Estética Transcendental

(Kant, 2009), onde ele defende que sujeito não é passivo no ato de conhecer um objeto,

pois ele tem acesso a uma realidade que aparece diante dele e ao que essa realidade

provoca nele, isto é ao fenômeno e não tem acesso a realidade, tal como ele é, em sua

essência (noumenon), pois esse é incognoscível, ou seja, não podemos conhecê-la, e

essa forma de ver o mundo, possibilitou a Schopenhauer entender a importância que a

forma subjetiva e singular que os seres humanos têm sobre o seu devir existencial.

Logo, pode-se inferir que é nas relações e por conseguinte na qualidade

estabelecida entre elas, ou seja, é nas interseções que se estabelece um importante e

elemento para a construção das singularidades, das individualidades, na forma de

entendimento e percepção de si e do mundo. No encontro entre pessoas têm-se sempre a

forma e conteúdo deste encontro e também cada parte e cada elemento o representou,

segundo a sua singularidade e sua individualidade..

Para um melhor entendimento, Packter utilizou a representação da lógica formal

de Cantor apresentada em forma do diagrama de Venn10, para apontar uma relação

10

11

sendo estabelecida entre dois elementos, que ao interagir dá origem a um espaço onde

acontece a interseção. Esse espaço além de simbolizar as diversas qualidades de

diversas relações, podem também ter várias intensidades e formas, como, por exemplo,

na interseção entre o filósofo clínico e o partilhante.

(Caderno A, p. 14):

Na interseção entre o filósofo clínico e partilhante, este último, além de trazer a

questão ou questões, a(s) qual(is) quer trabalhar, também inicia o processo terapêutico

pela historicidade que é contada e possibilitando, assim ao clínico notar e aplicar a

metodologia da Filosofia Clínica, que se baseia em três eixos centrais: Exames

Categoriais, Estrutura de Pensamento e Submodos.

De forma suscinta pode-se dizer que o assunto imediato, que é a questão trazida

ao consultório, o assunto último surge no decorrer da clínica e é o que será abordado no

e os Exames Categorias11 fornecerá informações do contexto, das diferentes épocas de

sua vida até o presente momento, como foram as suas circunstâncias, como ele se

sentiu, como foram e como lidou com as suas relações, a forma como lidou as suas

questões, consigo mesmo e com tudo que o cerca, com as emoções, etc. É a porta de

entrada para que o trabalho do filósofo clínico conheça o seu partilhante, a partir dos

elementos que ele traz, sem juízo de valor, sem preconceitos e sem nenhuma condição a

priori. Tomará o cuidado de ir ao universo do partilhante, entendendo os signi ficados, as

expressões, os conceitos e sempre que tiver alguma dúvida ou que considerar

importante um maior esclarecimento ou aprofundamento em algum ponto relevante ao

assunto em questão, tomando sempre cuidado em não agendar, isto é, em não direcionar

o partilhante.

Com essas informações poder-se-á levantar a sua Estrutura de Pensamento

(contendo 30 tópicos)12, que mostrará a sua visão de mundo, sua visão de si, sua

Diagramas de Venn são diagramas que são normalmente utlizados em matemática pra simbolizar lógca da teoria dos conjuntos. Também utilizados para auxiliar na explicação lógica de propriedades, axiomas, problemasr relativos aos conjuntso e sua teoria.

11

� Exames Categorias:Assunto imediato e último, Circunstância, Tempo, Lugar e Relação.

12

12

expressividade, religiosidade, suas verdades, seus juizos e todos os pontos que são

pertinentes a sua vida.. Esse levantamento é feito através de verificação da

historicidade, que é colhida sempre com uma escuta atenta, por parte do filósofo clínico,

que verificará os fatos e a correspondente significação que o partilhante deu a ele em

sua vida, como esse se relaciona com outros fatos e significâncias em diversos períodos

de sua vida, fornecendo assim dados e informações para que o filósofo clínico possa ter

indicação de como esse partilhante se constituiu. Faz parte desse escutar ativo não só o

conteúdo do que o partilhante está trazendo a consulta, mas também a observação de e

identificação das emoções envolvidas, o jogo de linguagem daquele partilhante, os

significados, suas expressões, enfim de tudo que for pertinente para que se obtenha um

maior conhecimento daquele ser que está compartilhando sua história.

O ser humano é único, através dos acontecimentos narrados, o clínico terá

elementos para entender como ele se situou, como se formou e como agiu. Isto através

de uma forma didática, conforme a metodologia da Filosofia Clínica. Além disso,

entenderá o que lhe é determinante, o que é passível de plasticidade, como também se

há conflitos inter e intratópicos. Enfim, todos os pontos que são necessários para um

planejamento clínico

O último eixo é o dos submodos13, chamados informais e não informais. Os

submodos são aqueles que levam ao partilhante a agir da forma como ele age, como ele

resolve as suas mais diversas questões nas mais variadas áreas de sua vida. Cabe ao

filósofo clínico destacar a eficácia destes e relacioná-los com os exames categoriais e

com os tópicos da estrutura de pensamento. Além disso, o filósofo clínico também

� Estrutura de Pensamento: 1. Como o Mundo Parece; 2. O Que Acha de Si Mesmo; 3. Sensorial e

Abstrato; 4. Emoções; 5. Pré-Juízos; 6. Termos Agendados no Intelecto; 7. Termos: Universal, Particular e Singular; 8. Termos: Unívoco e Equívoco; 9. Discurso: Completo e Incompleto; 10. Estruturação de Raciocínio; 11. Busca; 12. Paixões Dominantes; 13. Comportamento e Função; 14. Espacialidade: Inversão, Recíproca de Inversão, Deslocamento Curto e Deslocamento Longo; 15. Semiose; 16. Significado; 17. Armadilha Conceitual; 18. Axiologia;

19. Tópico de Singularidade Existencial; 20. Epistemologia; 21. Expressividade; 22. Papel Existencial; 23. Ação; 24. Hipótese; 25. Experimentação; 26. Princípios de Verdade; 27. Análise da Estrutura; 28. Interseções entre Estruturas

de Pensamento; 29. Matemática Simbólica; 30. Autogenia

13

� Submodos: 1. Em Direção ao Termo Singular; 2. Em Direção ao Termo Universal; 3. Em Direção às

Sensações; 4. Em Direção às Idéias Complexas; 5. Esquema Resolutivo; 6. Em Direção ao Desfecho; 7. Inversão; 8.

Recíproca de Inversão; 9. Divisão; 10. Argumentação Derivada; 11. Atalho; 12. Busca; 13. Deslocamento Curto; 14. Deslocamento Longo; 15. Adição; 16. Roteirizar; 17. Percepcionar; 18. Esteticidade; 19. Esteticidade Seletiva; 20.

Tradução; 21. Informação Dirigida; 22. Vice-Conceito; 23. Intuição; 24. Retroação; 25. Intencionalidade Dirigida; 26. Axiologia; 27. Autogenia; 28. Epistemologia; 29. Reconstrução; 30. Análise Indireta; 31. Expressividade; 32. Princípios de Verdade.

13

observará os submodos que o partilhante não faz uso, mas que poderá ser aplicado, caso

seja apontado no planejamento clínico para uma possível resolução do assunto último.

O que está exposto neste artigo, conforme já mencionado, é um sucinto resumo

da metodologia da Filosofia Clínica. Tal metodologia deve ser aplicada de forma

conscienciosa segundo todos os preceitos éticos e de respeito ao ser humano, pois trata-

se de um processo terapêutico que envolverá questões importantes sobre a vida do

partilhante. Muitas obras poderão ser consultadas, com o principal destaque para os

Cadernos de Filosofia Clínica, elaborados por Lucio Packter e no livro Para entender

Filosofia Clínica: o apaixonante exercício do filosofar, de Monica Aiub.

Sobre Martin Buber

Importante revisitar Martin Buber para esse trabalho pois ele foi um filósofo

que se preocupou com a ‘filosofia das relações’, apoia toda sua reflexão na importância

da complementaridade e reciprocidade das ações e das relações interpessoais e

existenciais para que os homens possam viver em sociedade. Ele também atenta da

importância da comunicação que transcende a comunicação, que nem sempre é

somente verbal e que também faz parte dela a atitude dos homens, em todo seu

contexto.

Martin Buber nasceu em 08 de fevereiro de 1878 em Viena e faleceu em 13 de

junho de 1965 em Jerusalém. De origem judaica, depois dos seus pais se divorciarem

ele vai viver com o seus avós paternos sendo que o seu avô era uma grande autoridade

da Haskalh14, o que muito o influenciou, pois o colocou em vivência com a tradição

judaica autêntica e a liberalidade do Haskalh.

Aos 14 anos volta a morar com o pai, matricula-se no colégio polonês de

Lemberg15 e dos 15 aos 17 anos vive um período atormentado com as ideias de tempo e

espaço e de como elas faziam sentido na existência humana, a ponto desta preocupação

o levar a uma crise que até chegou a pensar em suicídio. Nesta época tem contato com a

14 �

Haskalh – nome dado ao movimento surgido no sec XVIII dentro do judaísmo

15 �

Lemberg – cidade da Ucrânia

14

obra “Prolegômenos”, de Kant, onde conseguiu entender a proposição de Kant, que o

tempo e o espaço são apenas formas para se entender o que existe, para se perceber o

que nos rodeia, que existia mais do que podia se perceber pela experiência e aparência.

Também sofre uma grande influencia de Nietzsche por intermédio de sua obra “Assim

falou Zaratustra” (Nietzsche,1978). Tanto que em sua obra O Problema do Homem

(1948), ele escreve:

...dizer a mim mesmo que o Ser está subtraído tanto ao infinito quanto ao finito espacial e temporal, pois não faz senão aparecer no espaço e no tempo, e não se esgota a si mesmo nesta sua aparência. Eu começava então a perceber que há o eterno, muito diferente do infinito, e que, não obstante, pode haver uma comunicação entre eu, homem, e o eterno. (Buber apud Zuben, 2001).

Em 1896 Buber ingressou na Universidade de Viena, no curso de Filosofia e

História da Arte. Tomou contato com uma vida acadêmica aberta a todos os

pensamentos de várias correntes e culturas e em 1901 entrou na Universidade de

Berlim, onde teve como professores Dilthey16 e G. Simmel17, que o influenciam por toda

a sua vida. Dedicou-se ao estudo da psiquiatria e da sociologia em Leipzig e Zurich18. E

doutorou-se em Filosofia, no ano de 1904, em Berlim. Nesta cidade participou

ativamente da vida acadêmica e do movimento sionista com o qual, mais tarde rompeu

por discordar dos rumos do mesmo, mas entra em contato com uma comunidade

fundada pelos irmãos H. e J. Hart, a ”Neue Gemeinschaft19, onde se podia ter livre

expressão de pensamento e de fala, onde o lema era viver profundamente a humanidade

do homem. Nesta comunidade ele conhece Gustav Landauer20 que vai ser de grande

importância em sua vida, pelas suas idéias anarquistas e sociais.

16

� Wilhelm Dilthey – Filósofo, psicólogo, historiador e sociólogo alemão.

17 �

George Simmel – Professor e sociólogo alemão.

18

� Liipzig e Zurich – cidades Alemãs

19

� H e J Hart, a ”Neue Gemeinschaft – pensadores judeus

20

15

De 1916 a 1924 foi editor do jornal “Der Jude” e, em 1923, foi nomeado

professor na Universidade de Frankfurt, lecionando História das Religiões e Ética

Judaica, (esta cadeira posteriormente substituída por História das Religiões). Foi

destituído do cargo pelo nazismo em 1933.

Em 1938 mudou-se para Jerusalém, aceitando o convite de lecionar Sociologia

na Universidade Hebraica. Esse período de Buber é caracterizado por uma intensa

atividade intelectual, em pesquisas que se estendiam por diversas áreas: Bíblia,

Judaísmo, Hassidismo, Política, Sociologia e Filosofia.

É difícil situar a filosofia de Buber dentro de alguma corrente filosófica. Alguns

autores o qualificam como Existencialista, mas isso não constitui unanimidade. O

próprio Buber se considera um homem atípico e o professor Zuben prefere considerá-lo

dentro da Filosofia da Vida, devido ao seu caráter de compromisso com a vida concreta.

Seu pensamento é fortemente influenciado pela corrente hassídica da mística

judaica, à qual dedicou algumas de suas obras. O hassidismo prega uma vida de fervor e

alegria no cotidiano, não fazendo separação entre ética e religião (o compromisso com

Deus está ligado ao compromisso com os homens) e não criando dualismo entre a vida

em Deus e a vida no mundo. Em outras palavras, o relacionar-se com Deus para os

hassidim impõe um profundo compromisso com a vida no mundo, lugar do encontro

com o Divino.

De toda sua vasta bibliografia, podemos destacar as obras: “EU e TU” (Buber,

2001), onde ele apresenta as duas formas do homem estabelecer as relações

interpessoais e comunitárias, entendendo assim, que essas são as condições humanas de

existência. Em “Do Diálogo e do Dialógico” (Buber,1982) ele nos apresenta a discussão

das duas formas como o relacionamento, comportamento e atitude podem se dar em

relações interpessoais. Já em “Elementos do inter-humano” (Buber.1982), o filósofo

nos fala do ‘ENTRE”, que é o espaço onde ocorre as relações e de como ela se dá nas

atitudes EU-TU e EU-ISSO.

A existência do homem e as “palavras-princípios”

Para Buber o homem não é um ser-para-si e sim um ser-no-mundo, pois é no

mundo que ele encontra o sentido da sua existência e o mundo só tem o seu sentido pelo

homem. É na relação homem-mundo que o homem encontra o princípio do seu ser. Essa

Gustav Landauer – anarquista comunista alemão

16

relação não é estática e sim dinâmica e pressupõe que pensamento e ação estejam

presentes.

A forma que o homem tem para se relacionar é ter dois tipos de atitudes

fundamentais, reveladas por duas duplas de palavras-princípios EU-TU e EU-ISSO.

Não se trata de dois tipos de homem, mas de duas posturas presente no ser humano e

que se revelam nas relações com o outro, com o mundo e com as coisas inseridas nesse

mundo e que delimitam, comprovam a existência do homem.

O “eu’ não existe sozinho, e ele é diferente nas duas palavras-principíos, como

ele descreve em sua obra “Eu e Tu” (Buber, 2001):

O Eu da palavra princípio Eu-Tu diferente do Eu da palavra princípio Eu-

Isso. O Eu da palavra princípio Eu-Isso aparece como egótico21

e toma

consciência de si como sujeito (de experiência e de utilização). O Eu da palavra princípio Eu-Tu aparece como pessoa e se conscientiza como subjetividade (sem genitivo dela dependente). O egótico aparece na medida em que se distingue de outros egóticos. A pessoa aparece no momento em que entra em relação a outras pessoas.

Essas palavras estabelecem mais do que relações, expressam atitudes,

intencionalidade, o conteúdo das situações cotidianas vividas entre os seres humanos e

deles com o mundo. O EU só existe neste contexto e se modifica quando este contexto

se modifica. O EU se projeta ao que está em sua frente. Não tão evidente está o sentido

da ação que está sempre presente, mas a ação está lá e pode ser experimentada através

do monológico e do dialógico.

A relação EU-TU é o ato essencial do homem, onde ele encontra a

reciprocidade, a confirmação mútua. Onde o EU se volta-para-o-outro, a alteridade se

instaura, pois há a percepção do outro e então a relação dialógica acontece. O ser

humano só se torna EU na presença da relação com TU. Esta é uma relação ontológica e

existencial e é considerada a relação plena, imediata que engloba a totalidade do ser. A

relação TU não é necessariamente outro ser humano, podendo-se referir a animais,

elementos da natureza, obras de arte, divindades, etc.

Nesta relação é que se confirma o ser humano como um ser social, pois está

conectado ao outro. Os aspectos essenciais desta atitude-relação, segundo Zuben são: a)

reciprocidade – pois ela é de dupla ação mútua entre os parceiros. Cada pessoa-sujeito

21 �

Egótico é mais que egoísta, pois não enxerga o outro.

17

pressupõe a existência da outra, pois a ausência de uma delas põe fim a inter-relação, a

reciprocidade. É entre homem que a reciprocidade atinge o máximo de intensidade; b)

presença – é quando acontece a reciprocidade, garante a alteridade, é o momento que

surge o “nós22”; c) imediatez – o encontro ocorre aqui-e-agora, é direta, imediata e nada

se interpõem entre os parceiros, como preconceitos, ideias egocêntricas, etc.; d)

responsabilidade – não deve ser entendido como um dever ético, ou moral, mas como

habilidade de ver, sentir o outro, ter a disponibilidade e a intencionalidade de estar

totalmente com o outro, um real encontro e ter comprometimento com esse (Zuben,

2003).

Na relação EU-ISSO não existe o voltar-ao-outro e sim o dobrar-se-para-si e

utilizar o outro como um instrumento, como um meio para se chegar ao fim. O

importante aqui é que o EU vê na sua existência somente o seu querer, o seu desejo, a

sua necessidade, ele é egótico e o TU da relação anterior então se transforma em um

ISSO o que não significa apenas um objeto, uma coisa, visto que pode ser outro homem,

animais, qualquer elemento da natureza e divindades, etc.

Esta relação leva o EU também a se tornar um ISSO pois não há fluxo de ação

recíproca e a relação é monológica. Isso acontece pois dentro dessa relação a postura do

EU se revela na relação com o outro servindo de meio, de um instrumento aos objetivos

do outro. Nessa atitude o EU encerra em si toda a iniciativa da ação, pois a ação parte

que ativa a ação presente na relação.

O exposto sobre as palavras não deve levar à conclusão de que a atitude EU-

ISSO seja algo negativo, mas elas não devem ser analisadas sob o ponto de vista ético e

nem de autenticidade ou de inautenticidade, pois são apenas atitudes presentes que

revelam a existência do homem, salientando que os seres humanos necessitam das duas

atitudes em suas vidas e segundo ele “Toda vida atual é encontro” e “O mundo é duplo

para o homem, pois sua atitude é dupla.”. (Buber, 2001, p. 12). A relação EU-ISSO se

torna negativa quando submete o homem à decadência do seu poder de decisão, quando

provoca um mal ao outro, quando não deixa nenhuma probabilidade para o encontro.

Buber esclarece que “E com toda a seriedade da verdade, ouça: o homem não pode

viver sem o Isso, mas aquele que vive somente com o Isso não é homem.” (Buber, 2001,

p. 39).

22 �

Nós no sentido do EU e TU estarem presentes ao mesmo tempo

18

Por todo o exposto, nesta relação-atitude percebe-se que é uma experiência

fugaz, rara a difícil. O homem não consegue manter um envolvimento tão intenso

constantemente e por vezes o TU tende a tornar-se um ISSO, como podemos ver no

trecho:

O mundo do Isso é coerente no espaço e tempo.,O mundo do Tu não tem coerência nem no espaço e nem no tempo. Cada Tu, após o término do evento da relação deve necessariamente se transformar em Isso.Cada Isso pode, se

entrar no evento da relação, tornar-se um Tu. Estes são os dois privilégios fundamentais do mundo do Isso. Eles impelem o homem a considerar o mundo do Isso como o mundo no qual se deve viver, no qual se pode viver, o mundo que oferece toda espécie de através e estímulos de atividades e conhecimentos. (Buber, 2001, p. 37).

A existência no “ENTRE” e o sujeito social

O dialógico, o verdadeiro diálogo, se dá através da linguagem e também através

da ação, da atitude e do comportamento. O EU-TU estabelece o dialógico e o que está

face a face não pode ser considerado um meio, um objeto, pois ele tem algo a ver com o

EU e sempre terá algo a realizar ou a aprender.

Para Buber não basta obter o conhecimento em qualquer esfera que for, se ele

não for usado na ação que se desenrola no “ENTRE”, que é o espaço onde a relação

acontece e onde acontece o diálogo, o monólogo e o dialógico. Neste espaço é onde

acontece o voltar-se-ao-outro ou dobrar-se-para-si. Logo o pensamento e a ação são

complementares e devem formar um laço inseparável e ser a base da existência do

homem.

Por considerar o ser humano como um ser relacional, o fato essencial que faz

com que os homens se liguem são os laços mútuos 23 onde se estabelecem relações de

dependências, independências e interdependências entre si e, assim se formam as

comunidades, onde os homens têm a ligação com o ser semelhante e se torna um ser

social. Sendo um ser social é nessa sociedade que a existência individual tem seu limite

na existência do grupo a que pertence e ao mesmo tempo tem a sua existência inserida

nesse grupo. Isso fica explícito nas seguintes palavras de Buber:

Podemos falar dos fenômenos sociais sempre que a coexistencia de uma multiplicidade dos homens, o vínculo que os une um-ao-outro, tem como

consequência experiências e reações em comum. Mas este vínculo significa apenas que todas as experiências individuais são delimitas por uma

23 �

Vínculos de interesses entre as duas partes.

19

existência de grupo e nela contida; ele não siginifica que entre um e outro membro exista qualquer relação pessoal.... (Buber, 1982, p. 20)

A comunidade se forma com a “união entres seres semelhantes” e é nela que o

homem pode estabelecer a autonomia, suas relações e explorar toda sua capacidade de

participação social e de sua existência nesse mundo.

Não que o aspecto político tenha que ser colocado em um segundo plano, mas

ele está, de certa forma, subjulgado ao aspecto social, às suas culturas e ao equilíbrio

entre elas e, então à verdadeira paz, “a paz vital 24”, se estabelece e acontece a

eliminação dos conflitos e as diferenças são minimizadas.

A “paz vital” acontece no movimento, onde os homens experienciam o estar um-

com-o-outro e então a verdadeira comunidade passa a existir. Quando os homens estão

apenas um-ao-lado-do-outro, mesmo que estejam no mesmo objetivo, o que se

estabelece é a coletividade. Tanto na coletividade, como na comunidade se estabelecem

as relações interpessoais e em grupos.

No conceito de coletividade distingue-se quando uma relação tem uma base

“laços mútuos” e podemos correlacionar com as relações que escolhemos ter e as que

não escolhemos, ou ainda as que nos são impostas no nosso cotidiano. Essa forma de

correlação é livre, pois nada impede que seja estabelecida uma forma específica.

Há uma clara distinção na filosofia Buberiana do social e do inter-humano. No

social a relação pode se estabelecer em relações inclusive quando estes não estão um em

presença do outro, mesmo podendo existir uma relação de amizade, de companheirismo

e esta esteja somente na recordação de um ou de outro. Nesta relação não há o dialógico

que se estabelece no inter-humano, quando o EU encontra o TU face a face e distingue-

se do psicológico, pois este se dá no interior de cada indivíduo. Segundo Zuben, “.O

sentido dialógico está no intercâmbio, nas “inter-ação”, no intervalo das duas

palavras...”(Zuben 2012, p. 02)

Outros pontos a obervar são o da autenticidade e o da aparência, pois só haverá a

autenticidade no dialógico e então a problemática do Ser e do parecer Ser se faz

presente. Só haverá “verdade”, em qualquer sentido que se queira invocar, quando um

se comunica com o outro da maneira como são, ou seja, quando o EU e TU forem

autênticos. Neste caso ele escreve: “É a autenticidade do inter-humano que se importa é

24 �

Paz vital termos que Buber usava para designar a paz que nasce de uma solidariedade profunda

20

o diálogo aonde ela não existe, o humano também não pode ser autêntico.”(Buber,

1982, p. 4).

Portanto podemos distinguir três formas de inter-ação, nas interações humanas, a

saber: o dialógico, que mesmo sem pronunciar às vezes qualquer palavra e às vezes com

muitas palavras, é o autêntico diálogo, onde cada um dos participantes estão em

reciprocidade viva; o diálogo técnico o que o que está sendo requisitado é o

entendimento sobre algo e o monólogo, onde podem estar duas ou mais pessoas, falando

ou em silêncio, mas cada parte está consigo mesmo e a outra não tem nenhuma

importância naquela inter-ação.

Aplicação da Filosofia Clínica em Grupos – Uma Leitura

Ao se olhar com atenção para o ferramental da Filosofia Clínica, pode-se ver os

elementos do pensamento de Buber, pois o processo terapêutico se dá na relação do

filósofo clínico com o seu partilhante; na relação entre o partilhante com o seu meio

social nos mais diversos grupos a que ele pertence como, família, amigos, colegas de

trabalho, e tantos outros.

Interessante notar que, dentro da Filosofia Clínica, Packter chama a atenção para

a qualidade da Interseção (positiva, negativa, indefinida e confusa), Buber chama

atenção nas atitudes dos homens nas relações, definidas nas palavras-princípios EU-TU

e EU-ISSO, ressaltando que as duas formas são necessárias e elas podem ser

estabelecidas dinamicamente dentro das relações. Como um ser social, o homem

estabelece suas relações segundo os seus padrões sociais, suas axiologias, seus

princípios de verdade, seu modo de ver o mundo e ele interage nesse mundo através de

suas atitudes e comportamentos revelados nas relações interpessoais. Logo, olhar as

relações e interações sobre o prisma das palavras-princípios, conceitualizadas por

Buber, obteremos uma forma complementar e enriquecida de ver as relações e

interseções interpessoais.

Não há como fazer a relação direta entre a qualidade da interseção e as atitudes

que Buber coloca, mas é interessante notar que ao perceber, analisar essas atitudes é

possível fornecer mais elementos para que o filósofo clínico possa, além de

compreender a forma do partilhante interagir com o mundo, ter um apoio ao seu

planejamento terapêutico.

O espaço que Packter exemplifica com o diagrama de Venn, onde ocorre a

interseção, é o espaço ENTRE que Buber entende como o espaço onde acontece a

21

relação interpessoal, o um-estar-com-o-outro, onde acontece o dialógico, o diálogo e o

monólogo. É nele que também acontece a ação, a comunicação e onde as atitudes se

revelam.

Se levarmos em conta o encontro no consultório, teremos o espaço ENTRE, o

espaço onde se dá a Interseção, além de ser preenchido pelo conteúdo dos dados

proveniente da sua historicidade e das representações do partilhante, das intervenções

do filósofo clínico provenientes do planejamento clínico, que terá como base os Exames

Categorias, Estrutura de Pensamento e Submodos. Neste espaço o filósofo clínico está

em um processo de voltar-se-ao-outro e o partilhante em um processo de dobrar-a-si,

pois ele tem como objetivo usufruir da consulta para o seu objetivo.

Logo, o que se tem neste caso é uma aplicação híbrida das atitudes-princípio,

onde há a aplicação de uma atitude EU-TU por parte do filósofo clínico e de uma

atitude EU-ISSO por parte do partilhante e por isso que não se pode dizer que se

estabelece um diálogo ou um dialógico, segundo a conceitualização de Buber. Neste

espaço também haverá elementos do filósofo clínico, mas os que são provenientes do

seu papel existencial de terapeuta e não com elementos de sua historicidade, exames

categorias, etc., mesmo salientando que ele é também um ser humano com as sua

singularidade, sua subjetividade e representações, mas que deverão estar sempre sendo

“gerenciadas”25 para que não interfira negativamente no processo terapêutico.

Quando Buber pensou em sua teoria de palavras-princípios, formas de

convivência em comunidade e na paz vital, ele não estava pensando em um processo

terapêutico e por isso que esta situação não foi apresentada por ele.

Sem uma atitude de reciprocidade, imediatez, responsabilidade e presença o

filósofo clínico não poderá realizar o seu trabalho, bem como entender que o partilhante

deve voltar-se-a-si, para poder refletir sobre suas questões e saber que contará com o

estar-junto com o terapeuta em uma postura dialógica, mesmo que ele esteja em uma

postura de diálogo.

Este espaço “ ENTRE” que está sendo mencionado, é um espaço que não é

físico e o termo “espaço” está sendo usado, para se dar a ideia de que essa interseção só

acontece na relação entre as partes e que é formado por ambas e para se ter coerência

25 �

Gerenciadas no sentido de observadas, conduzidas, reflet idas

22

com a representação lógica de Cantor, proposta por Packter. Para um melhor

entendimento podemos, então, colocar em diagrama, como se segue.

Uma outra forma de representação que poderá ser feita é a de pensarmos no

ENTRE como um espaço de Interseção, onde o conteúdo transcende o que é (o

conteúdo) das partes:

Quando analisamos a aplicação da Filosofia Clínica em mais de um partilhante,

o cenário que obtemos é outro, mais complexo e que tem que ser analisado com mais

detalhes e com mais cuidado, pois mesmo que o assunto que os trazem à terapia seja o

mesmo, temos que cada partilhante tem a sua historicidade, suas representações e

podem até ter assuntos últimos diferentes a resolver; e cada um possui as suas

Categorias, sua Estrutura de Pensamento e seus Submodos.

Neste caso atitudes EU-TU e EU-ISSO entre os partilhantes estarão

estabelecidas, bem como diversos matizes delas, de tal forma que elas aparecerão dentro

da clínica e devem ser notadas e analisadas pelo filósofo clínico. Estas fornecerão

informações sobre atitudes sociais, de comportamento e se fizermos uma extensão,

23

poderemos notar aspectos de comunicação como, qual é o jogo de linguagem utilizado,

quais as expressões utilizadas com os seus respectivos significados para todas as partes,

se a relação é de reciprocidade ou não; enfim, além de ter sempre a atenção sobre o que

acontece com cada partilhante, também essa deverá estar também focada no que

acontece na relação entre eles.

Nesses casos, os eixos da metodologia são os mesmos quando são aplicados a

um só partilhante apenas a forma de coletar a historicidade será definida pelo filósofo

clínico, tendo como base o assunto imediato que os trouxeram à clínica.

O que se percebe é que quando dois ou mais partilhantes contam sua

historicidade, com as suas representações, eles estarão preenchendo o espaço ENTRE

com as suas singularidades, de forma que o conjunto das partes conterá elementos dos

Exames Categoriais, Tópicos de Estrutura de Pensamento e Submodos que

transcenderão aos desses indivíduos. Eles não são simples somatórias ou qualquer

operação matemática que possamos supor. As atitudes EU-TU e EU-ISSO provenientes

das relações entre todas as partes, da mesma forma que quando só há um partilhante;

todavia essas são únicas, têm a sua singularidade, suas próprias representações e

podemos aqui pensar nesta relação como um organismo vivo. O que estará contido

nesse espaço “ ENTRE” podem ser maiores, menores, diferentes, iguais e opostos do

que os apresentados pelas partes. Isso também acontece quando pensamos no

atendimento de um só partilhante, mas aqui essa visão toma uma forma essencial no

processo terapêutico de grupo.

Cabe ao terapeuta, decifrar, entender o que pertence a cada partilhante e o que

pertence a essa relação, ou no ENTRE buberiano e certamente um grau maior de

complexidade na terapia acontecerá, pois apesar de entender que haverá mais um

partilhante no ENTRE e que qualquer ação em qualquer uma das partes poderá acarretar

modificação nas Categorias, nos Tópicos da Estrutura de Pensamento e nos Submodos

de uma ou outra parte.

Também não se pode esquecer que, também está acontecendo, no consultório um

processo terapêutico e que também está acontecendo no ENTRE, com o filósofo clínico

no seu papel existencial de terapeuta, mas agora ele interage com cada um dos

partilhantes individualmente e com o ENTRE formado entre os partilhantes e todos os

cuidados e tudo mais que for notado, destacado, apreendido e elencado quando da

terapia com um só partilhantes devem ser mantidos e até aumentados.

24

Ao se lidar com mais de um partilhante o planejamento terapêutico deverá então,

levar em conta todos os eixos do ferramental da Filosofia Clinica, tanto para cada um,

como para a relação que se estabelece entre eles e para o que está contido no ENTRE.

O desafio é enorme e levará o filósofo clínico a desenvolver métodos específicos

de atuação para cada situação e que nunca se esqueça que sempre terá mais elementos

do que o número de partilhantes, que estarão presentes na consulta.

Neste caso o que poderá ser feito é a escuta das historicidades individuais, com

suas representações e o levantamento dos Exames Categoriais, da Estrutura de

Pensamento e dos Submodos informais para cada um dos partilhantes. Do mesmo modo

para a interseção entre eles, como se essa interseção fosse um outro partilhante, com

peculiaridades diferentes, como já mencionado acima. O planejamento clinico exigirá

que seja elaborado de forma a ser aplicado independente para cada parte, ou seja, a cada

movimento, a cada atualização, deverá se ter em mente que poderá haver movimentos,

com sequências nas outras partes.

Para uma melhor visualização, se analisarmos o caso de 2 (dois) partilhantes

podemos usar o seguinte diagrama:

Para 3 partilhantes teremos:

25

Se pensarmos em grupos com grande quantidade de partilhantes, de intergrupos

e até a uma rede de grupos, a lógica aplicada poderá ser a mesma feita acima, mas com

o aumento exponencial na complexidade e na dificuldade de se lidar com esse cenário.

Tendo o mesmo raciocínio, podemos também entender que a qualidade da

relação, ou seja, as interseções entre todos os partilhantes entre si, e com o filósofo

clinico, têm a mesma importância e uma grande atenção deverá ser dada, pois ela é um

elemento vital para o sucesso da terapia.

Se pensarmos especificamente na aplicação em consultoria dentro nas empresas,

com as questões a serem tratadas serão demandas pelos participantes e não por uma

pessoa externa ao grupo, podemos, certamente, através dessa forma de atuação, apoiar

pequenos e grandes grupos na solução das suas questões, aplicando o instrumental da

Filosofia Clínica, em conjunto com a abordagem buberiana, obter-se-á um potente

ferramental nas questões empresariais. Tem-se aqui um grande diferencial de outras

abordagens, pois a Filosofia Clínica tem como fio condutor a preocupação da visão

humanística, que entende que o profissional é um ser humano, com sua singularidade.

Assim, há o respeito aos significados específicos, a riqueza advinda das historicidades

das Relações, a(s) questão(ões) trazidas, suas significações, suas representações e suas

26

categorias, estruturas e modos de agir e o conhecimento que como há um ENTRE, que

também tem todas essas peculiaridades e, que como entes interligados, que qualquer

movimento em um ponto poderá refletir nos outros e portanto todo cuidado deve ser

tomado e um rigoroso planejamento clínico deve ser seguido.

Não é escopo desse trabalho a pesquisa e análise da evolução e do pensamento e

ideias que permearam a história da administração e as questões dos profissionais, mas

para que se ressalte a importante da visão das relações interpessoais e suas interseções,

alguns pontos devem ser levantados.

Diferente de diversas áreas do conhecimento, somente nos séculos XIX e XX,

teve início a sistematização e a reflexão sobre as organizações e a sua influência no

mundo e nos indivíduos. O trabalho “As Notas Sobre Correias”, apresentadas, em 1895,

por Frederick Taylor, (1856-1915), na Sociedade Americana dos Engenheiros

Mecânicos, talvez seja uma das primeiras obras das teorias da administração, apesar de

já encontrarmos em Aristóteles em sua obra “Política” 26,uma referência sobre o

trabalho, que diz que o nobre se orgulhava de não trabalhar. Essa forma de pensar o

trabalho e as atividades produtivas passaram desde então por muitas mudanças e se

refletem nas teorias de diversos pensadores, como : Adam Smith (1723-1790), Karl

Marx (1818-1883), Stuart Mills (1806-1873), Nicolo Maquiavel (1469-1527), Charles

Montesquieu (1686-1755), Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704),

Jean-Jacque Rousseau (1712-1778), entre tantos outros.

Grandes marcos podem ser destacados como a Revolução Industrial, no século

XIX até o início do século XX, onde paradigmas criados por Henry Ford, Sistema

Volvo, Toyota (BONDARICK & PILATTI, 2007)27, com os seus desdobramentos e

teorias de produção, tinham como base técnicas e sistemas de gerenciamento e controle

de qualidade, pois o foco eram as linhas de produção, a divisão de trabalho braçal, a

utilização de máquinas e equipamentos. Mas, o ser humano e o seu trabalho eram

26

� Po lít ica é um texto do filósofo grego Aristóteles de Estagira, composto por oito livros (I: 1252a - 1260b, II:

1261a - 1274b, III: 1275a - 1288b, IV: 1289a - 1301b, V: 1301b - 1316b, VI: 1317a - 1323a, VII: 1323b - 1337a, VIII: 1337b -

1342b) e não existem dúvidas acerca da autenticidade da obra.

27 �

Este art igo tem como objetivo a compreensão das mudanças ocorridas nos paradigmas produtivos industriais que

constituíram modelos de homens distintos, com v istas ao alcance de determinados objetivos intermediados, e assim exp licá -la

causalmente em seu curso e seus efeitos.

27

complementares, logo as interseções interpessoais não tinham uma importância tão

acentuada, ou de certa forma, mínima, dentro do contexto das organizações, onde as

relações intermáquinas e interprocessos eram o que ocupava o centro das atenções e o

que mais pesava para os empregados, era que eles ficavam com os trabalhos repetitivos,

com grande esforço manual e tinham que respeitar os processos das máquinas que nem

sempre eram naturais para eles, levando-os a um desgaste físico e mental muito grande

e um desgaste para os patrões que tinham que gerenciar todo esse processo de uma

forma otimizada e eficiente.

No final do século XX e já no século XXI, os sistemas empresariais mudaram o

seu foco, até por conta da evolução em tecnologia. Grandes avanços científicos,

comunicação via internet, globalização, aprimoramento dos equipamentos e processos,

entre tantas outras variáveis fizeram com que adentrássemos na Sociedade do

Conhecimento, com foco em processos colaborativos, centrados nos homens e na sua

capacidade de criação, comunicação e interseção.

Logo, questões como as pesquisas dentro da Filosofia Clínica e por Buber ficam

cada vez mais importantes e preementes de serem pesquisadas e aplicadas, pois trazem

uma nova visão, que tem como foco o ser humano e suas questões e mostram a

complexidade, mas também mostram um caminho que pode ser seguido, com a

filosofia trazendo uma importante colaboração a esse tema.

Um estudo aprofundado e bem fundamento também deverá ser feito, pois há

muitos aspectos a serem questionados e levados em conta, pois a finalidade será sempre

o auxilio do ser humano, singular em suas questões e passar a entendê-lo e ajudá-lo em

suas dificuldades de lidar com as mudanças, pressões e questões existenciais que o

cercam, sem se esquecer que ele está inserido em uma rede de relações, que também

possuem suas singularidade, tendo que atender processos organizacionais, dentro de

objetivos propostos para grupo, que em última instância, formam uma organização que

também possui suas especificidades e singularidades.

Esta é uma proposta com traz em seu bojo um olhar diferente dos propostos até

então e que pode ser utilizado de forma incremental. Outro ponto a ser lembrado

novamente, devido a sua importância, é que esta não ser uma metodologia para atender

os objetivos singulares de uma pessoa ou até os objetivos e metas institucionais de uma

empresa ou de um determinado grupo, mas de incorporar uma visão humanizada na

resolução das questões provenientes dos participantes da empresa..

28

Por extensão teremos, via de regra, o filósofo clínico tendo que atender um

grande número de partilhantes e, consequentemente, tendo que realizar o planejamento

terapêutico, sempre tendo como base os 03 (três) eixos do ferramental da Filosofia

Clinica por para cada um dos partilhantes, incluindo o que está contido no ENTRE.

A complexidade dos números de elementos dificulta a apresentação em forma de

diagrama, mas abaixo um provável cenário/diagrama:

Da mesma forma como tratado acima, o filósofo clínico terá que desenvolver

métodos específicos de atuação para cada situação, tendo que levantar a historicidade,

suas representações, estrutura de pensamento e submodos informais para cada um dos

partilhantes e para a interseção entre eles, isso norteará todo o trabalho do profissional

da clínica filosófica.

O mesmo cuidado, descrito anteriormente, que o planejamento clínico exigirá

que seja elaborado de forma a ser aplicado interdependente para cada parte, ou seja, a

cada movimento, a cada atualização, deverá se ter em mente que poderá haver

movimentos, com sequencias nas outras partes, tal deverá ser levado em conta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

29

Atender mais de um partilhante, mesmo que de forma simultânea, requer que o

filósofo clínico leve em conta algumas peculiaridades em todo o processo terapêutico.

O instrumental desenvolvido por Lucio Packter permite que ele seja aplicado

individualmente, em grupos, em consultoria em empresas, escolas, mas alguns cuidados

e adaptações devem ser feitos e novas abordagens são exigidas pelo filósofo clínico.

Além de ter a filosofia, mãe de todas as ciências, como base para a sua

metodologia, Packter alerta para que sempre se atente para que as relações interpessoais

e interseções sejam consideradas elementos chaves a serem contemplados no processo

terapêutico. Nada mais justo, pois o que se tem no cenário terapêutico é, em primeira

instância, a interação entre o filósofo clínico e seu partilhante, que é aonde se revelam

os elementos da historicidade do partilhante que foi construída em interações com

outros seres humanos e com os mais diversos elementos do seu devir existencial.

Assim, se olharmos para as ideias de Buber, podemos ver uma real identificação

com a proposição da Filosofia Clínica e assim, fazendo uma análise de como eles se

complementam e, de certa forma, se fundem, de forma a que em conjunto oferecem uma

grande contribuição de como realizar um processo terapêutico em grupos.

Martin Buber nos alerta para que as interseções entre seres humanos, mais do

que conterem atitudes das palavras-princípios EU-TU e EU-ISSO dos participantes,

criam um espaço ENTRE que carrega sua própria historicidade, sua estrutura e o sua

forma própria de agir.

A complexidade e a fundamentação teórica, proveniente dos diversos filósofos

na formação e aplicação da Filosofia Clínica, aliada a esse “novo “partilhante “, criado

nas interseções, fornecerá ao filósofo clínico um ferramental mais rico, mais dinâmico,

mais profundo para ser utilizado no planejamento e no processo terapêutico de grupos.

Olhando especificamente, as complexas questões que as organizações hoje

possuem, verifica-se que muitas delas são provenientes de interseções e relações

interpessoais, que são potencializadas com as atividades colaborativas cada vez mais

presentes nas organizações. É um novo paradigma, que os homens estão tendo que

enfrentar que, em muitos casos, são contextos novos, onde eles não possuem

experiências, não foram capacitados, educados para enfrentarem, e que trazem

angústias, sofrimentos, questões existenciais, dúvidas em como agir.

Forma-se então um ciclo contínuo que parece não ter solução, pois as questões e

problemas individuais alimentam as mesmas questões e problemas nas organizações

30

como um todo e, consequentemente, potencializam as mesmas questões e problemas

individuais, logo, algo tem que ser feito.

Levar, portanto, a aplicação de processos terapêuticos para grupos e até

intergrupos, com uma visão humanista de não deixar de lado a singularidade de cada

participante do grupo, é essencial um passo que deve ser dado para que a seja

alcançado o fio condutor presente na ideia primeira da Filosofia Clínica que foi e

sempre será a de ser um ferramental de auxílio aos seres humanos em seu devir

existencial e em todas as áreas de sua vida.

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__________________. Diálogo e Existência no Pensamento de Martin Buber –

www.fae.unicamp.br/vonzuben/dialogo.html em 25/10/2012

__________________O Primado da Presença e o Diálogo em Martin Buber –

Campinas Anais Encontro Internacional de Filosofia da Linguagem, Unicamp- p. 81-

Agosto 1981.