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Sociedade & Natureza, Uberlândia, 21 (2): 39-56, ago. 2009 39 Impactos ambientais na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaratuba, Paraná, Brasil, sob o ponto de vista de moradores tradicionais Raphael Telles Kantek, Klaus Dieter Sautter, Mário Sérgio Michaliszyn IMPACTOS AMBIENTAIS NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APA) DE GUARATUBA, PARANÁ, BRASIL, SOB O PONTO DE VISTA DE MORADORES TRADICIONAIS Environmental impacts in the Environmental Protection Area (APA) of Guaratuba, State of Paraná, Brazil: the traditional communities point-of-view Raphael Telles Kantek Mestre em Gestão Ambiental pela Universidade Positivo Curitiba/PR – Brasil [email protected] Klaus Dieter Sautter Doutor em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná Professor da Universidade Positivo Curitiba/PR – Brasil [email protected] Mário Sérgio Michaliszyn Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Professor da Universidade Positivo Curitiba/PR – Brasil [email protected] Artigo recebido para publicação em 16/03/09 e aceito para publicação em 13/07/09 RESUMO: A pesquisa foi realizada na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaratuba, Paraná, e teve como objetivo analisar os impactos ambientais sob o ponto de vista dos moradores tradicionais locais. Utilizou-se dois instrumentos: Sistema de Informações Geográfica (SIG) e Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Embora o SIG contenha mais situações que no DSC, observou-se que são coinci- dentes. A forma como as pressões atuam é complexa e a análise deve envolver as comunidades naturais e tradicionais. Palavras-chave: APA de Guaratuba. Sistemas de Informações Geográficas. Impactos Ambientais. Po- pulações Tradicionais. ABSTRACT: The present research was carried out in the Environmental Protection Area (APA) of Guaratuba, State of Paraná, to analyze the environmental impacts of the APA as assessed by the local traditional communities. Two instruments were used: Geographical Information System (GIS) and Discourse of the Collective Subject (DSC). Although the GIS covers more situations that the DSC, results were similar. The pressures are complex and the analysis must involve the natural and traditional communities. Keywords : Environmental Protection Area of Guaratuba. Geographical Information System. Environmental impacts. Traditional communities.

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Impactos ambientais na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaratuba, Paraná, Brasil, sob o ponto de vista de moradores tradicionaisRaphael Telles Kantek, Klaus Dieter Sautter, Mário Sérgio Michaliszyn

IMPACTOS AMBIENTAIS NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APA) DE GUARATUBA,PARANÁ, BRASIL, SOB O PONTO DE VISTA DE MORADORES TRADICIONAIS

Environmental impacts in the Environmental Protection Area (APA) of Guaratuba, State of Paraná,Brazil: the traditional communities point-of-view

Raphael Telles KantekMestre em Gestão Ambiental pela Universidade Positivo

Curitiba/PR – Brasil

[email protected]

Klaus Dieter SautterDoutor em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná

Professor da Universidade Positivo

Curitiba/PR – Brasil

[email protected]

Mário Sérgio MichaliszynDoutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Professor da Universidade Positivo

Curitiba/PR – Brasil

[email protected]

Artigo recebido para publicação em 16/03/09 e aceito para publicação em 13/07/09

RESUMO: A pesquisa foi realizada na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaratuba, Paraná, e teve como

objetivo analisar os impactos ambientais sob o ponto de vista dos moradores tradicionais locais.

Utilizou-se dois instrumentos: Sistema de Informações Geográfica (SIG) e Discurso do Sujeito

Coletivo (DSC). Embora o SIG contenha mais situações que no DSC, observou-se que são coinci-

dentes. A forma como as pressões atuam é complexa e a análise deve envolver as comunidades

naturais e tradicionais.

Palavras-chave: APA de Guaratuba. Sistemas de Informações Geográficas. Impactos Ambientais. Po-

pulações Tradicionais.

ABSTRACT: The present research was carried out in the Environmental Protection Area (APA) of Guaratuba,

State of Paraná, to analyze the environmental impacts of the APA as assessed by the local traditional

communities. Two instruments were used: Geographical Information System (GIS) and Discourse

of the Collective Subject (DSC). Although the GIS covers more situations that the DSC, results were

similar. The pressures are complex and the analysis must involve the natural and traditional

communities.

Keywords: Environmental Protection Area of Guaratuba. Geographical Information System.

Environmental impacts. Traditional communities.

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1. INTRODUÇÃO

A Floresta Atlântica é um ecossistema rico embiodiversidade que ocorre em áreas que podem assu-mir um isolamento devido às condições geo-clima-tológicas. Este isolamento propicia à evolução naturaldas espécies a possibilidade de endemismo, o que tor-na a Floresta Atlântica ainda mais importante por apre-sentar regiões com espécies não existentes em qual-quer outro lugar do globo. Existente somente no Bra-sil, a Floresta Atlântica é a segunda floresta maisameaçada no mundo (CONSELHO NACIONAL DEPESQUISA - CNPq, 2001; WORLD WILDLIFEFUND - WWF, 2006).

A história da Floresta Atlântica mostra umasobrevivência dramática, que desde a colonização eu-ropéia teve de enfrentar desafios de perpetuação. Osdesafios que o meio ambiente enfrentou e ainda en-frenta se manifestam como impactos ambientais, mui-tas vezes ocasionados pela ação do ser humano, con-siderando-se, assim, o evento danoso ao ambientecomo pressão antrópica (CONSELHO NACIONALDE PESQUISA - CNPq, 2001).

A pressão no ecossistema exercida pelas co-munidades tradicionais é insignificante se comparadacom a pressão que as grandes empresas, como porexemplo, o setor madeireiro no Brasil, que por muitotempo se baseou no extrativismo sem o uso sustentá-vel da matéria-prima. Como conclusão do processoinsustentável, a crescente demanda de matéria-primapelas indústrias madeireiras levou à ocorrência de plan-tios florestais homogêneos, arrasando os ecossistemasexistentes (MLYNARZ, 2004).

A demanda constante de matéria-prima sejapara as carvoarias ou madeireiras, ou como reivindica-ção uso do solo para o plantio pelos latifúndios, agecomo um fator degradante que reduz as áreas natu-rais. O resultado é que as áreas naturais estão diminu-indo, a ponto de se tornar preocupante a pressão cau-sada pelas comunidades campesinas que realizam oextrativismo ancestral de subsistência na Floresta Atlân-tica.

Este trabalho teve como objetivo diagnosticar,com o uso de ferramentas multidisciplinares (SIG –Sistema de Informações Geográficas- e DSC – Dis-curso do Sujeito Coletivo), os impactos ambientais so-bre a cobertura vegetal da APA de Guaratuba.

2. METODOLOGIA

O presente trabalho foi realizado na APA (Áreade Proteção Ambiental) de Guaratuba, que possui cer-ca de 199.586,51 hectares, representando aproxima-damente 1% do território paranaense. Sua extensãoabrange os municípios de Guaratuba, Matinhos,Paranaguá, Tijucas do Sul e São José dos Pinhais (FIG.1), situada nas unidades fisiográficas: Planície Litorâ-nea, Serra do Mar e Primeiro Planalto. Localiza-segeograficamente entre as coordenadas de latitudes25°32’41’’S e 26°00’29’’S e longitudes 49°08’22’’We 48°32’18’’W (SILVEIRA et al., 2005).

Foram utilizadas ferramentas multidisciplinarespara analisar impactos e a qualidade ambiental ocorri-dos na cobertura vegetal da APA de Guaratuba – PR,bem como, a relação da população que ali reside como meio ambiente. Para tanto, utilizou-se de um instru-mento de análise denominado por Lefévre e Lefévre(2003) como o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC),ou seja, um estudo construído a partir de duas figurasmetodológicas: a descrição do sentido dos depoimen-tos, revelando as maneiras sintéticas, precisas e fide-dignas de cada discurso analisado (Idéias centrais - IC)e de cada conjunto homogêneo de Expressões-chave(ECH). O Discurso do Sujeito Coletivo caracteriza-secomo uma breve representação de uma série de carac-terísticas apresentadas pelo entrevistado e que com-põem o caráter coletivo presente no pensamento decada individuo. Como instrumento de coleta de dadosfoi utilizado um questionário elaborado em núcleos deperguntas dispostas de forma temporal, com uma tra-jetória de extração do conhecimento, que relata do pas-sado, seguindo para o presente e, por final, o futuro.Esses núcleos foram criados com o objetivo de disper-sar o conhecimento do entrevistado possibilitando queeste explicite sua relação com determinada situação.Seguem os 19 núcleos utilizados no presente estudo:Caracterização do morador tradicional, Contexto his-

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FIGURA 1. Localização da APA de Guaratuba, PR, e suas comunidades tradicionais. Adaptado de SILVEIRA et al. (2005).

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tórico, Consciência ambiental, Caça (fauna), Flora, Pal-mito-jussara, Cacheteira ou Cacheta, Recurso hídricopotável, Ictiofauna, Agronegócio, Criação de gado,Esgoto, Lixo, Aspectos governamentais, Conhecimen-to popular, APA, IBAMA, IAP, Polícia Florestal.

Os núcleos foram definidos após a realizaçãode entrevistas informais com a população da região.Utilizando quantidade amostral, foi possível realizar aconstrução dos DSCs. Foram entrevistados morado-res tradicionais da APA de Guaratuba, da região deserra e da região litorânea, residentes no local há maisde 20 anos e cujos ancestrais também residiram naregião. Foram entrevistados moradores de região ser-rana (Colônias Cubatão e Castelhanos) e moradoresde região litorânea (Colônia Cabaraquara), totalizando,quatro construções de discursos coletivos, baseadosem entrevistas com a população. As entrevistas foramgravadas e transcritas, e a análise, bem como a cons-trução (síntese) dos discursos baseou-se nas idéias cen-trais de cada pergunta, selecionando-se as expressões-chave que representam conteúdos de caráter subjetivoexistente nos entendimentos e manifestações de cultu-ra, conhecimento, atitudes, condutas, envolvimento,maneiras de pensar e atuar, opiniões, sentimentos eações dessas coletividades, abordadas nos núcleos dosquestionários com os referenciais teóricos que embasama pesquisa.

É conveniente lembrar que o DSC é uma es-tratégia de analise adotada pelo pesquisador e tem comopropósito sistematizar o conjunto de discursos coletadosqualitativamente ao longo da pesquisa. Deste modo,os discursos sistematizados pelo pesquisador apresen-tam a essência do pensamento coletivo do grupo, pre-sente nas diferentes falas dos entrevistados.

O SIG, que teve como intuito detectar os im-pactos ambientais de origem antropogênica na APA deGuaratuba, foi construído a partir de imagens de saté-lite que foram obtidas do programa de compar-tilhamento de bases digitais do convênio GEOM (Nú-cleo de Geomática da Universidade Positivo) e Engesat.Capturadas em 2002, as imagens foram fornecidas pelosatélite Landsat 7 e foram visualizadas em composi-ção de cores RGB (Red [vermelho], Green [verde],

Blue [azul]) no programa ENVY 3.5, que processa osdados georreferenciados.

Para a fase de campo, utilizaram-se quatro ma-pas, preliminares, com variação de cores em composi-ção colorida, para comparação de informações. Os da-dos espaciais obtidos por meio do Sensoriamento Re-moto (SR) recebem colorações específicas segundouma determinada reflectância e de maneira a orientare auxiliar a pesquisa, é necessário que sejam cartogra-fados. Para tanto, utilizou-se do programa Arcmap.

A pesquisa pretendeu analisar a existência deuma dualidade, das informações provenientes, da co-leta de dados SIG e DSC e, a partir do estudo, apre-sentar os impactos ambientais na região, sob a óticados moradores tradicionais. Os dados obtidos a partirda formação do DSC, associados aos dados obtidospelo SIG (Sistema de Informações Geográficas) mani-festam uma forma mais apurada de compreensão doestado real das condições ambientais, exercido pelaalta pressão antrópica refletida nos diferentes impac-tos ambientais identificados.

3. A FLORESTA ATLÂNTICA E AS ÁREAS DEPROTEÇÃO AMBIENTAL (APA)

Existente somente no Brasil, a Floresta Atlân-tica, é uma unidade fitogeográfica que apresenta osmaiores agrupamentos de vida selvagem, e é a segun-da floresta mais ameaçada do mundo (WORLD WIL-DLIFE FUND - WWF, 2006); faz parte das 15 regi-ões identificadas mundialmente como hotspots (áreascom alta biodiversidade, altas taxas de endemismo e,ao mesmo tempo, com alta pressão antrópica) (CON-SELHO NACIONAL DE PESQUISA - CNPq, 2001).Foi o ecossistema brasileiro que mais sofreu com osimpactos ambientais dos ciclos econômicos da históriado país (CONSELHO NACIONAL DE PESQUISA -CNPq, 2001; WORLD WILDLIFE FUND - WWF,2006). É um ecossistema rico em biodiversidade queocorre em áreas que podem assumir um isolamentodevido às condições geo-climatológicas. Este isolamentopropicia à evolução natural das espécies a possibilida-de de endemismo, o que torna a Floresta Atlântica ain-da mais importante por apresentar regiões com espéci-

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es não existentes em qualquer outro lugar do globo.

A história mostra que, desde a colonização eu-ropéia, a Floresta Atlântica tem enfrentado impactosambientais ocasionados pela ação do ser humano (pres-são antrópica), como por exemplo, a ocupação maciçae desordenada do solo, o extrativismo de espécies per-tencentes à dinâmica da floresta com objetivo comer-cial, o meio de produção (por exemplo, a instalação deparques industriais e vilas de empregados), a inserçãode novas tecnologias e o desconhecimento da impor-tância de uma atitude correta em relação à questão darazão social.

As pressões antrópicas que ocorrem mais re-centemente manifestam-se tanto no ambiente naturalquanto no ambiente cultural das comunidades locali-zadas em áreas com relevância ambiental da FlorestaAtlântica. O aumento dos processos ligados à incorpo-ração das terras aos modos de produção vigentes, ini-ciados sempre pela etapa do desmatamento, consisteum importante impacto ambiental. A deterioração dascondições de vida no ambiente rural e urbano e a per-da de traços culturais autóctones também são impac-tos decorrentes na Floresta Atlântica. A associação des-sas pressões sugere uma condição comercial lucrativade exploração extensiva dos recursos naturais, umavez que a Floresta Atlântica foi base de produção em-presarial e conectava-se no início da seqüência logística,como matéria-prima (CONSELHO NACIONAL DEPESQUISA - CNPq, 2001).

A pressão exercida pelas comunidades tradici-onais no ecossistema é insignificante se comparada coma pressão exercida pelas grandes empresas.

Resultado dos diferentes ciclos de exploraçãoeconômica, a destruição da Floresta Atlântica ocorreudesde o início da colonização européia até a alta densi-dade demográfica em sua área atual de abrangência,decorrente do uso de áreas para a criação de espaçosurbanos (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE -MMA, 2000).

4. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DEGUARATUBA – PR

A APA é uma região com qualidades ambientaisrelevantes à conservação e apresenta certa ocupaçãohumana, pelo fato que o domínio da terra pode serpúblico ou privado. Existe uma série de restrições quantoao uso do solo e dos recursos naturais com o objetivode disciplinar o extrativismo por parte das populaçõesexistentes. No geral, estas áreas têm atributos bióticose abióticos, estéticos ou culturais importantes para aqualidade de vida.

A APA de Guaratuba (FIG. 01), foi criada peloDecreto Estadual n° 1.234 de 27 de Março de 1992. Écomposta por porções dos municípios de Matinhos,Paranaguá, São José dos Pinhais, Tijucas do Sul egrande parte do município de Guaratuba. Inserida naFloresta Atlântica, incide sobre ela o Decreto Federalnº 750 de 10 de fevereiro de 1993 que dispõe sobre ocorte, a exploração e a supressão de vegetação primá-ria ou nos estágios avançado e médio de regeneração(INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ - IAP,2006). Também estão inseridas no perímetro da APAde Guaratuba, o Parque Estadual do Boguaçu, com6.052 ha, o Parque Nacional Saint Hilaire/Lange, com25.161 ha e a Lagoa do Parado, de utilidade pública.

O perímetro da APA abrange parte do Primei-ro Planalto, a Serra do Mar, e grande parte da PlanícieLitorânea, que inclui a Baía de Guaratuba. Abriga vá-rios rios e riachos, entre os mais importantes estão osrios Sagrado, Cubatãozinho, Canavieiras, Arraial e SãoJoão (formadores do rio Cubatão), São Joãozinho (pa-ralelo à BR-376). Há duas grandes represas: Vossorocae Guaricana, ambas da Companhia Paranaense deEnergia Elétrica (COPEL). Os principais gruposgeomorfológicos serranos são as Serras das Canavieiras,da Igreja, dos Castelhanos, Guaraparim, Araraquara,Imbira e do Papanduva. Assim, em conjunto com asAPA’s de Guaraqueçaba e da Serra do Mar, a APA deGuaratuba conclui a mais completa Unidade de Con-servação do bioma Floresta Ombrófila Densa (Flores-ta Atlântica) dentro de um Estado (INSTITUTOAMBIENTAL DO PARANÁ - IAP, 2006). O clima éconsiderado úmido e com alta pluviosidade.

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5. COMUNIDADES TRADICIONAIS NA APA DEGUARATUBA: O QUE DIZEM E PENSAM OSCAIÇARAS

Definem-se “populações tradicionais” comogrupos assentados em territórios delimitados ou deli-mitáveis, que exploram recursos comuns, sempre poli-ticamente subordinados, com identidade cultural fortee diferente daquela nacional. Devido à relação cotidianadireta com o meio que exploram, desenvolveram umcomplexo conhecimento sobre os recursos e sua con-servação (DIEGUES, 1992; COLCHESTER, 2000).

Os recursos naturais formam a base da culturamaterial dessas populações, que têm em seu modo devida uma relação intrínseca com o meio ambiente. Di-ferentes pesquisadores tratam sobre o uso destes re-cursos, organizando, citando e enumerando-os de acor-do com a finalidade definida por essas populações: ali-mentação, cura de doenças, ornamentos, rituais,indumentária, utensílios domésticos, para caça e pes-ca, venenos e outros (CARVALHO, 2001).

As comunidades são formadas por famílias queapresentam maiores ou menores capacidades de arti-culação com a sociedade envolvente. Uma vez que,comunidades, costumes e técnicas fundamentam e sãoderivados de domínios territoriais específicos, a essaspopulações se associam direitos comuns sobre terra erecursos: uso partilhado, áreas coletivas usufruídas porgrupos de vizinhança ou parentesco, partilhas de usodentro de uma mesma unidade de domínio, gradaçõesde domínio e uso da terra. Os usos são mediados porrelações de parentesco ou proximidade e norteados pelanecessidade de regulação, pois são essenciais à repro-dução do grupo (MARTINS, 1981; BARBOSA, 1986;DIEGUES, 1995; WOORTMANN, 1997; GALIZONI,2000).

Neste trabalho constatou-se a existência de seiscomunidades tradicionais instaladas dentro da APA deGuaratuba (FIG. 01). A Comunidade Castelhanos estálocalizada no município de São José dos Pinhais e temno cultivo da banana sua principal fonte de renda. AComunidade Pedra Branca do Araraquara está locali-zada no município de Guaratuba. Tem sua economia

voltada para monocultura da banana e o comérciolindeiro na BR 376. Também localizada no municípiode Guaratuba, a Comunidade Cubatão explora amonocultura da banana e, recentemente, a monoculturado palmito de palmeira real e de pupunha. A Comuni-dade Limeira pertence ao município de Guaratuba eabrange as localidades da Limeira, Rasgado e Rasga-dinho. Sua economia segue o mesmo exemplo das de-mais comunidades. Porém, Limeira se destaca pelacriação de gado, dentre outras práticas rurais, além docultivo da banana ou de palmito pupunha. As Comuni-dades Cabaraquara e do Parati, no município de Guara-tuba, desenvolvem práticas extrativistas - pesca emanguezais. Existem alguns projetos de desenvolvi-mento sustentável, envolvendo as comunidades tradi-cionais, projetos de criação em confinamento de espé-cies marinhas nativas (Ex: cultivo de ostra e camarão).A região possui uma população flutuante que injetadinheiro na economia local. Segundo relato dos mora-dores, com a criação do Parque Nacional Saint Hilaire/Langue, as práticas do ecoturismo tornaram-se restri-tas e são dificultadas pelo governo. Todos os entrevis-tados apresentam características típicas de populaçõestradicionais. Juntamente com toda a bagagem culturalherdada de seus ancestrais, as práticas extrativistas desubsistência desenvolvidas na APA de Guaratuba (aextração de subsistência do palmito, a caça e a pesca)estão fortemente presentes na história e na identidadedestes grupos. Dentre as falas e relatos colhidos ementrevistas, comentam os moradores:

“A APA de Guaratuba é a minha vida, é olugar onde sou pessoa digna porque não pre-ciso de nada, a natureza nos dá tudo, feliz-mente ainda dá tudo por meio de seus recur-sos naturais. (...) O problema é que tem genteque tem que parar, que faz a extração semnem precisar, às vezes desperdiça só por ma-tar. Eu acredito que está certo algum recursonatural se utilizar, já que nesse local a minhafamília veio morar, porque de nada adiantaeu aqui morar, se tudo na loja eu ir comprar.O palmito tem por todos os lugares aqui, eujá cortei uma vez quando andava percorren-do alguma trilha na Floresta Atlântica, cor-tei o palmito porque estava com fome na oca-

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sião. (...) Aqui já tem pouco, mas ainda éfácil de achar, basta procurar. O que tambémé muito procurada é a nossa fauna e a nossaflora que são exuberantes para os nossosolhos, mas principalmente aos olhos de quemvem de fora.”

Segundo Agripa (2002), as populações tradici-onais destacam-se pela noção de território, por ondeuma porção da natureza é reivindicada para todos, oupara parte de seus membros, instituindo direitos está-veis de acesso, controle e uso sobre a totalidade ouainda para parte dos recursos naturais. Nesta pesqui-sa, os entrevistados revelam a aceitação da naturezacomo fonte de alimento e a tendência natural das po-pulações tradicionais, de regular o desperdício, vedan-do ou limitando os usos predatórios, mercantis ou ex-tensivos. Comentam os entrevistados sobre o acessoaos recursos naturais que as espécies são por eles utili-zadas “(...) em momentos difíceis, ou então quandovier fácil na porta de casa, porque meu pai me ensi-nou que a natureza está nos dando, para nos alimen-tar. Esta é a natureza das pessoas, comer animais eplantas (...) não vou morrer de fome, sendo que anatureza me provê muitas variedades deliciosas.

As populações conseguem não só conservar,mas também ampliar a qualidade dos recursos, a bio-diversidade ou coibir o consumo abusivo de outrosgrupos ou interesses mercantis. Para Smeke et al.(2003), o posicionamento antiprogresso (contra a “urba-nização da vila”), que, em geral, as populações tradici-onais demonstram, ao contrário do que muitas pesso-as pensam, não significa que estão parados no tempo,e sim protegendo algo importante: cultura e natureza.

De acordo com estes moradores tradicionais,o palmito-jussara, é fonte de alimento. A construçãodo conhecimento das técnicas costumeiras de extraçãodo palmito e outros, exerceu no passado, uma forteconstrução conceitual, para a geração anterior que vi-via na APA, se comparada com a atual, sobretudo du-rante o período em que as fábricas de extração dopalmito ali estiveram. Embora hoje o palmito tenharecursos legais de proteção, sua extração ainda se fazpresente na cultura e no imaginário social daquela po-

pulação e de muitas outras pessoas envolvidas comsua comercialização.

Para Diegues (2000a), no entendimento de tra-dição em movimento, o que importa marcar é “quealgo é entregue” de geração a geração para reproduzir-se no tempo, ainda que ressignificado no fluxo da his-tória. Esta ressignificação pode ser observada em dife-rentes falas dos entrevistados. “(...) Eu gostaria quemeu filho pudesse aprender, tudo o que aprendi, comesta natureza que está ai. E pra que isto ocorra, eletem que querer, e a natureza tem que existir, pelomenos do que é hoje pra melhor, é isso que desejo.

A pesquisa também procurou identificar oenvolvimento da população com o meio ambiente, seuconhecimento sobre o ecossistema e a forma como seutilizam dos recursos naturais. Observou-se que osentrevistados detêm conhecimento especializado so-bre a sua região, o ecossistema e possuem consciênciaconservacionista. Embora conscientizados das redu-ções dos espaços naturais de extrativismo, e da conse-qüente diminuição de oferta natural destes recursosainda assim vêem a si e aos demais membros da co-munidade como envolvidos em práticas de consumoque aprenderam diretamente no cotidiano de relaçõescom o ecossistema.

“Esse meu conhecimento sobre as belezas na-turais e culturais da região, faz despertar emmim um sentimento de propriedade e zelo.Muitas vezes demonstro conhecer muito maissobre a região, do que eu próprio imaginava.Como se colocado à prova, e em condiçõesextremas, todas as informações ancestraisapresentadas em meu sangue e ao meu coti-diano fossem muito mais evidentes à de umforasteiro. (...)”

O ponto de vista dos entrevistados encontrasemelhança em Diegues (2000a), ao afirmar que aspopulações tradicionais conhecem e vivem seu territó-rio, e ao mesmo tempo desenvolvem condições paranormalizá-lo. Para estes grupos, o conhecimento estáassociado à posse da terra no momento de produzir ede gerir as circunstâncias específicas de cada localida-

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de tradicional. E é por meio do conhecimento que de-monstram o domínio do território específico, e expli-cam que produzir é a base do conservar. A este respei-to, dizem os entrevistados: “A maneira que entendo omeio ambiente é a forma que me relaciono com anatureza, e com as pessoas que me ensinaram comoreagir às intempéries. Esta condição natural de vidaem um habitat sem as facilidades das cidades é o quedeterminou o grau de conhecimento que eu tenho so-bre a região...”

Brandão (1981), Posey (1987), Turner (1990)e Romeiro (1998), afirmam que as populações tradici-onais realizam com a natureza uma cadeia de negocia-ções. Com esta série de negociações, estipulam as re-gras do extrativismo. Sendo assim, as técnicas agríco-las variam não somente na história, mas também nodecorrer da variação dos ambientes em resposta àsatividades exercidas. Populações, natureza e técnicasformam, em muitas situações, um equilíbrio ecológicode relações. Este equilíbrio, envolvendo diversas situ-ações, não pode perder nenhum elemento, porque obalanço final da perda de algum elemento, provoca odesequilíbrio no ecossistema. Característica esta quepode ser interpretada como aumento da pressãoantrópica exercida pelas comunidades tradicionais.Comentam os moradores que “Antigamente a nature-za era infinita, e hoje aqui na nossa região já sepercebe ela finita. A falta de manejo apropriado emanos anteriores já reflete a devastação causada pelohomem, na natureza aqui da APA”.

As populações tradicionais da APA deGuaratuba apresentam carência de informações admi-nistrativas e científicas sobre o meio ambiente, ao ma-nifestar o seu parecer sobre as necessidades da região.Esta atitude provém de uma consciência construídapelas populações tradicionais, após uma capacitação(aulas de educação ambiental, por exemplo). Para For-tes e Rammê (s/data), a carência social, manifestadana falta de conhecimento sobre as coerências científi-cas e legais que envolvem a esfera de seu habitat, tor-na-se a ferramenta hábil para se identificar a fragilida-de do sistema de defesa e proteção do meio ambiente.Comentam os entrevistados: “...Eu sou meio leigonesses assuntos de ciência, mas conheço também

muitas espécies de plantas e animais (...) Esse co-nhecimento adquirido de maneira simples e humil-de, que me faz perceber que temos que cuidar aquida região...”

Como generalidade tocante, as populações tra-dicionais apresentam-se em diversas situações de con-flito, relacionadas principalmente com a invasão de suasterras pela especulação imobiliária (KEMPF, 1993;DIEGUES, 1995; 2000a; DIEGUES; ARRUDA, 2001;AGRIPA, 2002). Para um dos moradores, “...A faltade manejo apropriado em anos anteriores já reflete adevastação causada pelo homem, na natureza aquida APA de Guaratuba...”

Para Albagli (2003a), desde os tempos remo-tos, as populações tradicionais vêm contribuindo paraa conservação e o desenvolvimento sustentável in situde diversas espécies florestais importantes, utilizandoo conhecimento empiricamente acumulado sobre oshabitats naturais, bem como de suas práticas agrícolassustentáveis e de extrativismo de subsistência adequa-das ao meio ambiente local, e atuando como verdadei-ros guardiões do patrimônio biogenético ambiental.

Procurou-se identificar entre os entrevistadosa sua vontade de participar de atividades que promo-vam o envolvimento da comunidade, que apresentemconhecimento sobre as ações governamentais, a eco-logia da região e a preocupação e vontade de melhoraras condições ambientais. Das entrevistas realizadasobservou-se que existe vontade de aprender mais so-bre a região e tudo que a envolve, tais como, sanea-mento, ecologia, conceitos de biodiversidade,ecossistemas, reciclagem de materiais e geopolítica. Oconhecimento é visto como esperança de futuro, comopossibilidade de melhoria das condições ambientais eda dignidade humana.

Segundo Diegues (2000b), as populações tra-dicionais tendem a proteger e gerenciar os recursosnaturais tidos como comuns, contrapondo-se a gruposexternos extrativistas, e construindo elaboradas regraspara acesso e uso. Considerando o recurso um bemem comum, é necessário que sejam estipuladas regraspela maioria para o uso comum. As reuniões entre os

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integrantes da sociedade tradicional, não escrevem asconclusões; elas são ditas e repetidas durante gera-ções, e realmente estabelecem normas de uso comum.Vale a pena rever a fala do entrevistado, quando afir-ma que, “Como morador aqui da região da APA deGuaratuba, me sinto envolvido e responsável peloambiente coletivo ao qual pertenço...”

Na diferença entre a ausência de normas es-critas e a presença de normas costumeiras, podem serdesconsideradas práticas que, às vezes, explicam açõescoletivas e esforços comunitários que animam lutaslocais e contribuem para conservação da biodiversidade(Diegues, 2000a).

Aqui, o discurso se caracteriza como a mani-festação da carência, em ferramentas hábeis, para re-gular as individualidades capitalistas, que consome gran-des áreas naturais. Para os entrevistados, o ambientenatural “é fonte de informação, e atua de maneiradinâmica para nós que moramos aqui e nos conhece-mos. Estamos vivendo isso, mas infelizmente, semsaber exatamente o que está acontecendo. Se isso fossefeito aqui comigo e minha comunidade, com certezaem um breve futuro haveria grandes melhorias ambien-tais”. Esta fala reflete a necessidade de, como afirmaAlbagli (2003b), prover meios legais, para que as po-pulações tradicionais exerçam o direito de praticar eutilizar ferramentas destinadas a proteger os remanes-centes que ainda estão disponíveis de maneira que acomunidade, segundo orientação científica especializadana área, apresente um parecer em conjunto. A esterespeito, comentam os entrevistados que “...todo oconhecimento em prol da natureza é bem vindo, masde maneira sutil, segundo o rendimento das pessoase com alguma maneira de envolver todos os inte-grantes da comunidade. Assim posso cuidar melhor,dentro da lei, no que cabe à proteção da natureza...”

Para Batistella et al. (2005) o conhecimentotradicional assegura o acesso rápido a informações ele-mentares para pesquisas científicas, além de dar sub-sídios à população local na defesa de “seu lugar”.“...Aqui onde vivo o nível de conhecimento das ciên-cias naturais é muito baixo, o que nós sabemos é naprática, mas sem saber os porquês da ciência...”

Em um mundo cada vez mais globalizado ehomogêneo, é crescente a idéia, de que a continuida-de, da diversidade de culturas humanas é elementofundamental. A constituição de sociedades pluralistase democráticas, atrelando-se a isso a imutabilidade dospadrões culturais em que se deveriam manter as popu-lações tradicionais nas unidades de conservação(Diegues; Arruda, 2001).

“...Eu acredito que mudando para melhor ascondições de vida das pessoas, com a mu-dança que vai nos ensinar a cuidar melhorda natureza e nos ensinar os porquês da ciên-cia natural, vou recuperar a dignidade quemeus ancestrais tinham, e o sentimento degrandeza que a natureza intocada transmi-tia, e que talvez não transmita aos meus fi-lhos e netos...”

Diegues e Arruda (2001) relatam que o campode aplicação das técnicas das populações tradicionaisgeralmente é restrito à área de exploração em comumdas comunidades e aos objetivos extrativistas previa-mente planejados, a possibilidade de generalização élimitada porque busca conhecer uma área específica eum conjunto de variáveis que agem sobre ela, apre-sentando-se de certa forma como endemismo cultural.Para estes endemismos as soluções não podem sergeneralizadas, cada lugar é uma forma específica dereação natural ao manejo humano. É por isso que oenvolvimento da sociedade tradicional é necessário,justificando novamente a preocupação da comunida-de, que sem saber o porquê, ou o que é, mas sabe queestá acontecendo e se vê presente no envolvimento dasua região, como afirmou o entrevistado: “...Eu devocomeçar a cuidar de onde moro; quem vai cuidar pramim, vocês de fora? Tudo o que posso aprender sobrea natureza, é de bom agrado, mas muitas vezes o quepassa na televisão não é o suficiente...”

Segundo Ribeiro (1987), os contínuos insu-cessos e limitações de políticas públicas de gestão dosrecursos naturais refletem sobre os sistemas locais degestão. Os costumes específicos de grupos rurais con-seguem, muitas vezes, ser muito mais eficientes que o

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setor público, que a iniciativa privada, e que os siste-mas de gestão social compartilhada, no que diz respei-to à conservação das áreas naturais.

“(...) Eu gostaria mesmo que houvesse algumcurso que envolva a comunidade com algoque possa melhorar tanto a condição do na-tural quanto do social. Aqui na APA nós mo-ramos junto com o ambiente natural, e nãopodemos ser tratadas separadamente, ou commenos importância.”

Na seqüência das entrevistas com moradores,procurou-se identificar a compreensão destes acercado futuro, sua percepção sobre as condições naturaisdecorrentes de hábitos extrativistas e da relação em queo homem torna-se um elemento insustentável em con-traponto à natureza, e não mais parte integrante dela.

Pode-se observar que existe a consciênciaconservacionista de indignação pelo considerado bemem comum, por integrantes externos às comunidadesresidentes nas áreas naturais, que são as florestas dentroda APA de Guaratuba. Os entrevistados demonstramcompreender a necessidade de conscientização, imple-mentação de novos métodos de convivência com afloresta, transformando a relação sustentável com alte-rações no cotidiano elegidas pelo conhecimento da co-munidade e provendo a melhoria ambiental e cultural.

Na fala dos entrevistados, observa-se a rela-ção estreita que estes mantêm com o ambiente.

“Eu moro aqui e conheço muito mais do queninguém essa área aqui de onde eu moro. Poressas áreas aí, sei que entram pessoas com oobjetivo de caçar, às vezes quando não estoucuidando, também caçam aqui onde eu cui-do. Aqui na APA de Guaratuba, existem vári-as áreas, que é muito comum que, como osnossos ancestrais diziam: - “Eles derrubamsó pra ver o tombo”. Infelizmente, para nósque gostamos e cuidamos. Antigamente, seera preciso fazer uma casa ou uma canoa, seextraía madeira em abundância. Antigamen-te, eu entrava, com a matilha, e a espingarda

22 de tiro longo, na Floresta Atlântica, exer-cer meu papel de predador supremo da APAde Guaratuba. Eu entrava no período da ma-nhã, na Floresta Atlântica, para trazer algu-ma mistura para o almoço. Os recursos eramde extrema abundância. Com o decorrer dealgumas décadas, o incremento tecnológicotornou o ser humano muito mais perigoso paraa Floresta Atlântica, que meros assassinosexóticos, em associação com outra espécie,no caso meus dois cachorrinho-magro-de-andá-no-mato, com os sentidos aguçados ca-pazes de localizar e encurralar diversas espé-cies nativas, liderados por um predador su-premo, no caso a minha pessoa, e que dispa-ro de espingarda projéteis de chumbo em altavelocidade, e com precisão de pontaria. (...)”

Para Fortes e Rammê (s/data), em cenárioscomo este, prevalecem os interesses privados majori-tários, com ponto de vista econômico ascendente. Aação corrupta e sem consciência ambiental, encontra aliberdade necessária para expandir o modelo de desen-volvimento econômico que se instalou a partir da re-volução industrial. A mão-de-obra e o ambiente natu-ral são meros elementos inseridos na cadeia econômi-ca produtiva. Segundo Ribeiro (1987), a expansãotecnológica na agricultura agravou ainda mais amarginalização. As novas tecnologias concentraram-seem parâmetros como escala produtiva, custos elogística. Isto conduz, evidentemente, a procedimen-tos técnicos profundamente homogeneizados que po-dem ser aplicados a qualquer espaço, produto, produ-tor ou ambiente; totalmente o oposto da lógica de vidacampesina. Neste sentido, comenta o entrevistado:

“Hoje eu quero exercer o papel de controladore regulador dos recursos naturais, porém mefaltam educação e os meios por onde exercera função. Estou de prontidão e de pronta ação.Porque acredito, dentro daquilo que aprendipor aqui mesmo, com meus pais e avós, se-gundo o conhecimento tradicional ancestraldeles, e segundo também aquilo que eu apren-di, na minha vida com a natureza aqui daAPA de Guaratuba, que em pouco tempo mui-

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tas espécies vão desaparecer, outras já estãodesaparecendo aqui na APA de Guaratuba,se nada for feito.”

Segundo Fortes e Rammê (s/data), a lógicacampesina tende a ser ao mesmo tempo mais holísticae mais localizada, mais diversificada e maisambientalizada. Portanto, situou-se na contracorrenteda lógica da transformação tecnológica, da integraçãoprodutiva agroindustrial e mercantil ocupando, cadavez mais, uma posição de marginalidade e empobreci-mento. Observe-se o discurso a seguir:

“...O incremento do maquinário tecnológicotornou a presença humana, na Floresta Atlân-tica em uma força sobre-humana fazedora decampo. O campo por aqui na APA deGuaratuba, nós entendemos, como aquela áreadescampada, onde o trator passou por cima,e fez o campo. E é contra essa força burocrá-tica fazedora de campo em especial que que-ro brigar, porque ela vem aqui faz o campo,planta em cima ou deixa como campo mes-mo, e tira a nossa Floresta Atlântica, eu seique é muito bonito e lucrativo o campo praeles, que são de opinião contrária, mas euprefiro a natureza como ela é...”

Segundo Diegues (1995) os territórios são mar-cados por fronteiras definidas, normas coletivas de for-mulação de regulamentos internos, controle comunitá-rio dos recursos naturais, sanções específicas aplicá-veis ao descumprimento destes regulamentos, e meca-nismos internos de negociação dos conflitos. Estas ca-racterísticas geralmente presentes nas comunidades tra-dicionais, tornam possível controlar a logística dos re-cursos naturais, delimitá-los para o consumo comuni-tário e preservar grandes áreas para usufruto coletivo.O desenvolvimento deve ser um processo tão externoque interfere quase que somente as circunvizinhançaslegais e morais das sociedades tradicionais da APA deGuaratuba, e será tão excludente para elas como sefosse um desenvolvimento pensado para outros po-vos, lugares e territórios.

Em associação aos ecossistemas da APA de

Guaratuba, encontram-se comunidades residentes emlocais isolados devido a condições climáticas e geográ-ficas. Cada um destes agrupamentos estabelece carac-terísticas e relações muito particulares com o meioambiente.

Descritos como obstáculos à modernização eao desenvolvimento econômico, especialmente quan-do interesses poderosos concorrem pelo acesso e pelouso dos recursos naturais, esquecem os defensores destetipo de pensamento, que os povos indígenas e outraspopulações tradicionais, há muito desenvolveram sis-temas elaborados de conhecimento (base de suas es-tratégias de subsistência) sobre a ecologia, e os usospráticos dos recursos da flora e fauna.

Observa-se pelas entrevistas que uma das ma-neiras mais eficazes, dignas e com responsabilidadesócio-ambiental que garantiria o monitoramento e con-trole da degradação das áreas naturais poderia ser a deatribuir este encargo à população local, por meio detrabalho remunerado.

Tomou-se como mais uma idéia central a serpesquisada, a referência dos grupos entrevistados pe-los recursos industrializados em detrimento às práticastradicionais e o grau de insatisfação destes para com oGoverno. Pode-se observar que em termos culturais,as populações tradicionais, que ainda reconstroem seucotidiano baseadas na estrutura extrativista tradicionalde subsistência, estão sujeitas a este processo devidoao alto grau de exclusão social. Muitas destas pessoasparecem demonstrar pouco ou quase nenhum apreçoaos conhecimentos de seus ancestrais, mas ainda as-sim obrigam-se a utilizá-los.

“Na floresta, os recursos ainda estão dispo-níveis, e são maravilhosos, porém é muito di-fícil o translado na floresta. Eu gostaria queo Governo me ajudasse, e aos integrantes aquida comunidade onde vivo, oferecendo meiospara que nós, aqui da APA de Guaratuba pu-déssemos desfrutar de certas facilidades dosmeios industrializados. Com certeza, muitos denós, já não realizariam o extrativismo, aceitan-do a troca pelos recursos industrializados.”

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O discurso colhido entre moradores tradicio-nais evidencia que estes, assim como outros gruposque compõem sociedades de campesinato, marginali-zados pela moderna sociedade atual demonstram dis-posição e interesse a mudanças em favor de seu habitat,sobretudo quando tais mudanças são propostas pelasociedade externa. Segundo Ribeiro (1987), é a visãoholística contra a corrente da modernização, que tentase opor ao inevitável final marginalizado e empobreci-do do sistema estabelecido atualmente. Vencidos, en-tregam-se à sociedade de consumo. Diz o entrevista-do: “Eu vivo aqui e gosto de viver aqui, e isto écerto. Mas também gosto de consumir produtos ori-ginados das cidades, consumir as facilidades dosgrandes centros urbanos, sem ter que ficar sofrendodentro da Floresta Atlântica...”

Segundo Diegues (2000a, b), o saber tradicio-nal só começou a ser valorizado no decorrer das últi-mas décadas e, principalmente, a partir dos anos 80,se tornou ainda mais relevante para intervir na criseecológica. É importante conhecer práticas e represen-tações de diferentes grupos tradicionais, pois estes con-seguiram executar diferentes planos de manejo sobreos ecossistemas ao longo do tempo. Além de compar-tilhar sabedoria popular com conhecimento científicodo meio natural, a diversidade cultural em si é valori-zada ao se estudar os processos tradicionais de desen-volvimento.

Diegues (2000a, b) considera que as políticasaplicadas para este processo de inserção social e eco-nômica tiveram na verdade efeitos localizados, que ja-mais alteraram a posição de subordinação política, eco-nômica e, sobretudo, cultural do campesinato na soci-edade rural brasileira.

Ao referir-se sobre a relação com o poder pú-blico (o Estado e seus representantes), os entrevista-dos comentam:

“O Governo e os políticos poderiam e deve-riam, exercer a voz do povo, aqui pela APAde Guaratuba também. Eles vêm e passam,sempre muito rápido, e a parte assistencialtanto com a natureza, quanto com a socieda-

de, sempre fica pra depois. (...) Eu e minhafamília, minha comunidade, e também meusparentes que moram aqui na APA deGuaratuba, queremos participar, ser ouvidose conhecer os projetos dos políticos e do Go-verno aqui para nossa região”.

Ribeiro (1987) relata que as sociedades tradi-cionais foram, ao longo da história, marginalizadas edesqualificadas social e culturalmente. A expansãotecnológica na agricultura acentuou ainda mais amarginalização das sociedades tradicionais, que per-dem espaço na mão de obra da lavoura para a auto-matização da colheita. As populações tradicionais con-tam com o apoio de iniciativas, por meio de projetosque expressam a preocupação do Governo Federal queas considera como parte importante do mosaico desoluções para a proteção ambiental e o desenvolvimen-to sustentável em regiões de florestas tropicais. Porém,no que diz respeito à APA de Guaratuba, até o presentemomento, não há qualquer apoio de iniciativa federal.

“... Eu gostaria que houvesse alguma formade comunicação facilitada, o pronto atendi-mento para os problemas com a natureza, epara as carências das pessoas que assimcomo nós, aqui da minha comunidade, vive-mos aqui na APA de Guaratuba...”

Sem o conhecimento de práticas sustentáveis,as áreas naturais, sujeitas a essa condição lucrativa,tendem a desaparecer muito rapidamente. Diversosestudos têm sugerido que as comunidades tradicionaisestejam envolvidas na proteção e gestão das unidadesde conservação, construindo um novo modelo de con-servação e desenvolvimento comunitário.

6. SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA(SIG)

A partir das informações do dado matricial doSIG, com referente confirmação em campo, obteve-sea descrição de 18 formas de pressão antrópica queimpactam a APA de Guaratuba. São elas: Represa doVossoroca, Rodovia BR 277, Circunvizinhança da ci-dade de Garuva, Cultivos de banana e arroz, Áreas de

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FIGURA 2. Impactos ambientais de origem antropogênica na APA de Guaratuba, PR. Mapa adaptado de SILVEIRA et al. (2005).

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extração de areia, Criação de gado, Alteração da quali-dade da vegetação nas proximidades das rodovias BR277 e de acesso à Colônia Cubatão, Alteração da ve-getação nas proximidades da Rodovia Máximo Jamur,Urbanização, Alteração na qualidade da floresta ciliar,cabeceiras de rio e nascentes da margem sul da Baíade Guaratuba na região do Rio Boguaçu e do Boguaçu-Mirim, Alteração da qualidade da floresta ciliar, cabe-ceiras de rio e nascentes da margem sul da Baia deGuaratuba, Alteração na qualidade da floresta ciliar doRio Cubatão, Alteração na qualidade da margem lestedo Rio Cubatão da porção final que segue a jusante aonorte, Alteração na qualidade da vegetação no man-guezal da margem norte da Baía de Guaratuba, Altera-ção da vegetação na face leste da Serra do Cabaraquara,Alteração da vegetação na circunvizinhança da Serrado Prata, Alteração na vegetação da porção noroesteda APA de Guaratuba e Alteração da vegetação na re-gião que compreende a Colônia Pedra Branca doAraraquara (FIG. 2).

7. INTERAÇÃO ENTRE DSC E SIG

Segundo Burrough e Mcdonnel (1998), Ma-guire et al. (1999) e Gunasekera (2004), é natural, naárea de SIG, a obtenção de dados, de maneira a gerarum maior número de métodos de interpretação, eintegração de dados adicionais. A análise dos dados foirealizada de maneira comparativa com as situaçõesevidenciadas durante a fase de campo, com dois obje-tivos que, em parceria, poderiam fornecer dados sobrea relação da população e do meio ambiente.

O SIG utiliza a interpretação sócio-culturalobtida em campo, das condições pertencentes à massade dados da pesquisa DSC. Os dados provenientes doDSC devem ser analisados como um manual semióticode interpretação cultural das relações antrópicas, paravisualização de maneira holística dos objetos geográfi-cos descritos.

Os dados provenientes do SIG apontam ascondições ambientais segundo a descrição em propor-ções macro de dimensões e localizações geográficas.E os dados provenientes do DSC apontam as con-dições de relação antrópica na área, segundo a des-

crição sócio-cultural.

O critério básico para a formação dos mapasfinais foi a análise da Remoção Total da CoberturaVegetal Original. As grandes áreas naturais removidassão pertencentes aos valores culturais das pessoas quedependem da biota para sobreviver. Todo o conheci-mento, adquirido pelas práticas ancestrais, assim comoas preocupações com relação à conservação, igualmenteestão presentes entre os integrantes das comunidadestradicionais de Guaratuba, em decorrência da percep-ção da diminuição da qualidade das áreas naturais, ese encontram incluídas nas falas dos entrevistados.

As comunidades tradicionais reconhecem osprejuízos provocados pela remoção total da coberturavegetal original em grandes áreas. Tais áreas são cria-das com objetivo de obter desenvolvimento social ecomercial rentável, tornando o ser humano um ele-mento comercial inserido na Floresta Atlântica que podealcançar um potencial destrutivo muito além do alcan-ce de regeneração da floresta. As comunidades tradici-onais têm hábito extrativista. Por outro lado, tambémé perceptível sua preocupação com a preservaçãoambiental.

Os entrevistados demonstram um forte des-contentamento em relação às áreas que antes eramfloresta e agora são elementos de uma conexão lucrati-va da logística agrícola. Essas áreas apresentam gran-de dispersão dentro da APA, segundo a informação dapopulação tradicional, confirmada pelos dados SIG. Apreocupação em diferentes comunidades tradicionaisestá refletida os dados SIG que apresentam grandesáreas com remoção total da cobertura vegetal original.A população tradicional, sem ter o conhecimento dosdados SIG, confirma o alarmante estado de degrada-ção evidenciado pelas grandes quantidades de tons cla-ros (os tons escuros representam maior densidade devegetação, e os tons claros, menor densidade de vege-tação) encontrados em todos os mapas.

Embora as informações provenientes do SIGe do DSC sejam de procedências diferentes, apresen-tam resultados coerentes. Isto confirma o elevado co-nhecimento que as comunidades tradicionais têm so-

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bre a região de domínio. Como exemplo, é possívelcitar o fato de que toda região da planície do Cubatãoapresenta populações tradicionais, e estas exercem in-fluência sobre as áreas montanas e fluviais localizadasem sua circunvizinhança.

Os mapas apresentam alteração da vegetaçãoem região montana sob área de influência das comuni-dades extrativistas da APA de Guaratuba localizadas àcircunvizinhança das Serras do Castelhanos, Ara-raquara, Pedra Branca do Araraquara, Guaraparim,Cubatão e Prata. Essas áreas de circunvizinhança dasserras citadas apresentam habitantes com característi-cas de população tradicional, podendo ser evidencia-das nos diferentes trechos de entrevistas aqui apresen-tados.

As características extrativistas exercem diver-sas formas de pressão sobre a biota, como, por exem-plo, a extração seletiva de espécies animais e vegetais,a ocupação do solo com moradia e lavoura tradicional,a formação de estradas e trilhas para percorrer o ambi-ente natural. A associação desses fatores contribui parauma coloração em tons claros apresentados nos dadosSIG dos mapas. Estas colorações claras ocorrem emáreas que seguem a tendência natural de ocupação eutilização do terreno pelas comunidades tradicionais,situadas em áreas de relevo e acesso facilitado. Essasáreas são encontradas nos mapas com regiões de mai-or intensidade de impacto (tons mais claros), localiza-das na base das serras estendendo-se até o cume dasfaces adjacentes às áreas de ocupação antrópica, como,por exemplo, as faces adjacentes da Serra da PedraBranca do Araraquara e Serra do Araraquara, na rodo-via BR 277, e as faces adjacentes à rodovia de acessoà Colônia Cubatão, da Serra do Araraquara, Serra doGuaraparim e Serra do Cubatão. A Serra do Prata temsua maior influência ocasionada pela facilidade de aces-so e instalação de comércios lindeiros na rodovia Ale-xandra-Matinhos e PR 376.

Essas áreas apresentam um padrão de altera-ção da vegetação que começa com um ponto (poden-do ser uma área bem delimitada ou apenas a linhaestabelecendo a rodovia nos mapas) central de influ-ência, onde ocorre a coloração mais clara para a re-

gião, que vem a representar área urbanizada. Essesdados SIG estão também presentes na posiçãoconservacionista do DSC.

Durante a fase de campo, foi evidenciado queo interior, que aqui compreende a região de área natu-ral, dentro da APA de Guaratuba, afastada das rodovi-as, é de conhecimento único das populações tradicio-nais.

8. CONCLUSÃO

O processo de levantamento de dados ocorreude maneira eficiente. O SIG da APA de Guaratubapermitiu a confecção de mapas com característicasmatriciais de variação da vegetação, que são um regis-tro ambiental da alarmante situação em que se encon-tra a vida selvagem (fauna e flora) na APA de Guaratuba.

Foram levantados 18 impactos ambientais; sen-do o principal as rodovias existentes, porque é atravésdelas que todos os demais processos impactantes sãofacilitados. Segundo os mapas de variação de vegeta-ção, as áreas de maior influência impactante das co-munidades estão as margens das rodovias.

A situação alarmante é relatada igualmente pe-las populações tradicionais entrevistadas. Foram levan-tados, por meio das entrevistas, Discursos do SujeitoColetivo (DSCs), que relatam a maneira campesina derelacionamento entre as comunidades tradicionais e omeio ambiente. A dualidade na procedência dos dadosé o resultado associativo entre as metodologias. As áreasnaturais estão diminuindo devido ao processo de cres-cimento populacional em que a atual civilização se en-contra. Esse processo, em contrapartida à oferta deinsumos e serviços, é decorrente de uma consciênciacapitalista lucrativa, que se espalha entre os projetoseconômicos da população residente em uma área qual-quer, que acabam sendo envolvidos com a condiçãocomercial lucrativa da sociedade moderna atual.

Dentro do perímetro da APA de Guaratuba nãoé diferente. A consciência comercial lucrativa existe damesma maneira que nas cidades, porém os meios deprodução são os insumos oferecidos pela floresta. O

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escritório do caboclo é a floresta, e é por meio deleque tira seu sustento e de sua família. É na florestaque faz suas descobertas profissionais, supera-se e sen-te-se importante como ser humano e como profissio-nal. O caboclo é o executivo da floresta, e deve servalorizado como tal. É com o conhecimento tradicio-nal do caboclo que será possível realizar novos planosde gestão e diretrizes para as Unidades de Conservação.

As populações tradicionais devem ser devida-mente capacitadas, remuneradas e encarregadas empreservar a floresta da APA de Guaratuba. O caboclodeve preservar e ter os meios para executar a funçãoremunerada de salvaguardo da floresta da APA deGuaratuba.

É imprescindível que se monitore de maneiraeficiente, vindo a utilizar as populações tradicionais,como ferramenta, contra a ação impactante da remo-ção total da cobertura vegetal original, de regiões deflorestas sob a ação de especulações imobiliária, agrí-cola e industrial. E ainda, que se monitore o interior dafloresta, contra a ação de agressores de menor intensi-dade de impacto, como por exemplo, a extração seleti-va de espécies pertencentes à dinâmica da floresta. Aintensidade do impacto ambiental da extração seletivade espécies pertencentes à dinâmica da floresta é me-nor, porém, no decorrer de um dado período essa açãocontínua pode se tornar nociva.

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