60
4 Análise dos resultados Este capítulo está dividido nas seções: (1) Perfil e Caracterização dos entrevistados; (2) Motivações para ser adepto da Simplicidade Voluntária; (3) Como foi o processo de se tornar simples; (4) Consequências da adoção da Simplicidade Voluntária; (5) O papel do grupo do Facebook, (6) Entendimento sobre a Simplicidade Voluntária. 4.1. Perfil e caracterização dos entrevistados Treze pessoas foram entrevistadas, sendo quatro homens e oito mulheres. Na Tabela 8, são apresentados dados demográficos (idade, nível de instrução, profissão, religião, estado civil, filhos e cidade e estado de residência). Todos os entrevistados pertencem às classes socioeconômicas A e B (Critério Brasil, ABEP Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa), não tendo restrições financeiras. Moram em imóveis próprios ou alugados. Dois entrevistados possuem outros imóveis que alugam. Todos estavam praticando a Simplicidade Voluntária há pelo menos um ano, porém muitos a adotaram há mais tempo. Para manter seu anonimato, os nomes são fictícios.

4 Análise dos resultados - PUC-Rio€¦ · Rubem foi conduzida em uma praça na cidade de São Paulo, local onde o entrevistado ... Tem projeto futuro de fazer o caminho de Santiago

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

4 Análise dos resultados

Este capítulo está dividido nas seções: (1) Perfil e Caracterização dos

entrevistados; (2) Motivações para ser adepto da Simplicidade Voluntária; (3)

Como foi o processo de se tornar simples; (4) Consequências da adoção da

Simplicidade Voluntária; (5) O papel do grupo do Facebook, (6) Entendimento

sobre a Simplicidade Voluntária.

4.1. Perfil e caracterização dos entrevistados

Treze pessoas foram entrevistadas, sendo quatro homens e oito mulheres.

Na Tabela 8, são apresentados dados demográficos (idade, nível de instrução,

profissão, religião, estado civil, filhos e cidade e estado de residência).

Todos os entrevistados pertencem às classes socioeconômicas A e B

(Critério Brasil, ABEP – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa), não

tendo restrições financeiras. Moram em imóveis próprios ou alugados. Dois

entrevistados possuem outros imóveis que alugam. Todos estavam praticando a

Simplicidade Voluntária há pelo menos um ano, porém muitos a adotaram há

mais tempo. Para manter seu anonimato, os nomes são fictícios.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

68

Tabela 8: Perfil dos entrevistados

Nomes

Idade Formação /

Trabalho

Estado Civil

/ Filhos

Religião Cidade

/

Estado

Meio de

entrevista

José

28 Turismo /

Analista

comercial

Solteiro, sem

filhos

Ateu Capital

SP

Skype

Carlos 37 Administração /

Servidor público

Casado, uma

filha

Batista Capital

SP

Presencial

Rubem 38 Administração /

Negócio próprio

Casado, um

filho

Católico

(não

praticante)

Capital

SP

Presencial

Paulo 50 Letras /

Autônomo

Divorciado,

duas filhas

Sem religião Litoral

SP

Skype

Jane 32 Marketing /

Área comercial

Casada, sem

filhos

Espírita Capital

SP

Presencial

Clarice 51 Odontologia /

Consultório

Solteira, sem

filhos

Sem religião Interior

MG

Presencial

Marta 45 Gestão Pública /

Servidora

pública

Viúva, um

filho

Evangélica e

Espírita

Capital

SP

Presencial

Rosa 56 Jornalista /

Servidora

pública

Casada, três

filhos

Católica Capital

MG

Presencial

Marlena 40 Jornalista /

Professora de

Ioga

Casada, um

filho

Agnóstica Capital

MG

Presencial

Thalita 38 Transição na

carreira:

vestibular

Nutrição

Solteira, sem

filhos

Espírita Capital

RJ

Presencial

Eliza 60 Psicologia /

Consultório

Divorciada

duas filhas

Espiritualista

Sem religião

Capital

SP

Presencial

Beth 39 Psicologia/

Assistente

Administrativa

Solteira, sem

filhos

Espiritualista

Sem religião

Capital

SP

Presencial

Catarina 37 Pedagogia /

Professora

primária

Casada, sem

filhos

Sem religião Interior

PR

Skype

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

69

José

José mora na capital paulista e é o mais jovem, com 28 anos. Porém, no

momento da entrevista estava passando uma temporada na Austrália e a entrevista

ocorreu via Skype.

Começou a simplificar a vida há cerca de quatro anos, mas conheceu o

termo Simplicidade Voluntária há um ano e meio. As motivações para tornar-se

adepto da Simplicidade Voluntária foram várias: primeiramente, assistiu a um

documentário que o fez refletir sobre a sociedade. Para ele, o documentário

mostrava o quanto a sociedade estava “doente”. A partir daí, decidiu tornar-se

vegetariano, gatilho para uma vida mais simples. Também fez pesquisas na

internet sobre o tema da simplicidade e descobriu o livro ‘Simplicidade

Voluntária’, passando a fazer parte do grupo no Facebook.

A principal motivação para uma vida mais simples foi a insatisfação no

trabalho. José trabalhava em agências de viagem (tem formação na área de

turismo) e começou a se questionar em relação à vida estressante, a trabalho que o

ocupava mais de oito horas por dia, como se isso fosse natural. Percebeu então

que sua vida não tinha sentido dessa maneira e tomou uma decisão radical: pediu

demissão do emprego e planejou uma viagem de seis meses pela Austrália, para

pensar no que realmente queria, uma viagem em busca de experiências e

reflexões.

As principais mudanças em relação à vida simples foram: tornar-se

vegetariano, preparar pessoalmente algumas de suas refeições e comer menos

fora, comer de forma mais saudável, tornar-se mais paciente e tranquilo, comprar

menos roupas, ir menos a shopping centers, tornar-se mais humilde (não tem

ambição de ter alto cargo em uma empresa). Gosta de viajar, mas tem ficado

hospedado em hostels e tem evitado comprar lembranças e presentes para outros.

Considera que ainda não teve uma mudança radical de vida, mas está no processo.

Como nunca foi consumista e não tem maiores ambições, simplificar a vida é

considerado algo fácil e natural, porém com pontos negativos, como afastar-se de

amigos e família, devido a diferenças de visões.

Enquanto está na Austrália, José tem refletido sobre projetos futuros, como

visitar uma Ecovila, morar em uma cidade menor e procurar emprego em que

possa trabalhar menos tempo, talvez em meio período.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

70

Carlos

Carlos mora na capital paulista, é casado e tem uma filha. Está há um ano e

meio praticando a Simplicidade Voluntária. A entrevista com Carlos foi

conduzida em um shopping center localizado perto da sua residência.

A motivação inicial para simplificar a vida foi o estresse no trabalho. Tem

formação em Administração e atuava na área de Recursos Humanos. Surgiu uma

oportunidade para ocupar um cargo de diretoria, porém não era o que queria. A

gestora fora direcionada para outra área, deixando o cargo em aberto, e o mais

indicado para a substituição era Carlos. Ele se viu na obrigação de assumir o

cargo, apesar de ter certeza de que não tinha o perfil, já que não ambicionava ter

cargo alto, que para ele era sinônimo de estresse. Após assumir o novo cargo, teve

sua vida complicada e, como consequência, ficou doente. Insatisfeito, resolveu

estudar para concurso público, passou, saiu da empresa, tornou-se servidor

público e foi crescendo na carreira, porém de forma menos estressante e mais

prazerosa. O cargo público oferece salário inferior ao que ele ganharia como

diretor na empresa.

Sua religião também o auxiliou a ter vida mais simples. É batista e gosta de

estudar sobre religião. Acredita que as religiões incentivam a simplicidade na

vida, abordando que ser é mais importante do que ter, trazendo mais felicidade.

A partir de então, resolveu simplificar sua vida. Criou um blog dedicado ao

tema e passou a integrar o grupo Simplicidade Voluntária no Facebook. Leu o

livro ‘Simplicidade Voluntária’ e sempre faz pesquisas sobre o tema, para

aprender mais. Como não conhecia pessoas que buscavam a vida simples, a

criação do blog teve o intuito de interagir com indivíduos com o mesmo objetivo.

Alguns amigos não entendem sua opção de vida simples e às vezes até a

confundem com falta de dinheiro.

Quando decidiu tornar-se mais simples, refletiu sobre o propósito de vida e,

com base nele, pensou nas coisas que iria simplificar. Busca valorizar amizades e

a família. Resolveu diminuir coisas que não estavam ligadas diretamente a isso.

Valoriza encontrar com amigos em sua casa e experiências, como viajar. Reduziu

a compra de bens materiais, que não estão ligados diretamente ao que valoriza, e

tem a percepção de que o consumismo exagerado é nocivo para o mundo e para as

pessoas. Prioriza o consumo de serviços em detrimento do consumo de bens.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

71

Rubem

Rubem mora na capital paulista, é casado e tem um filho. A entrevista com

Rubem foi conduzida em uma praça na cidade de São Paulo, local onde o

entrevistado gosta de caminhar e ter contato com a natureza.

Pratica a Simplicidade Voluntária há cinco anos e também leu o livro

‘Simplicidade Voluntária’.

Não tem ambição de crescer no negócio próprio que possui. Pretende vender

a empresa, por estar consumindo seu tempo e ter outro trabalho, que consuma

menos tempo e que seja mais prazeroso. Uma das motivações para se tornar

simples é a redução de tempo de trabalho, para poder dedicar-se à família e ter

mais qualidade de vida. A pressão das pessoas cobrando crescimento profissional

o incomoda. Entende que isso não traz felicidade, pelo contrário, faz as pessoas

adoecerem. Critica o consumismo exagerado. Para Rubem, as pessoas trabalham

muito para ter bens materiais.

O processo de mudança ocorreu com a redução do consumo de bens

supérfluos. Valoriza a experiência ao invés de bens. Prefere serviços, como

viagens e restaurantes, pois trazem momentos de prazer que marcarão a vida,

diferente de bens materiais, que não trazem esse benefício.

Dentre os principais benefícios da Simplicidade Voluntária estão o

sossego e a tranquilidade. Tem projeto futuro de fazer o caminho de Santiago de

Compostela e de morar, algum dia, no interior. Afastou-se de alguns amigos e

parentes por causa de diferenças de visões.

Paulo

Paulo mora no litoral paulista. Devido à distância, a entrevista foi feita via

Skype.

Paulo pratica a Simplicidade Voluntária de forma mais radical. Muitos

entrevistados relataram que Paulo é o que mais a colocou em prática, sendo

considerado um exemplo. O próprio Paulo diz que, apesar de ser mais radical na

prática da Simplicidade Voluntária, as pessoas não precisam seguir seu exemplo,

podendo ser simples sem radicalismo. É bastante popular no grupo virtual, por ser

um dos mais participativos. Todos os entrevistados o conhecem.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

72

É descendente de estrangeiros, que gostavam de estar em contato com a

natureza em cidades do interior, tendo sido, portanto, influenciado pela família.

Passou por um período em que teve casa e automóvel, levando a vida

padrão na sociedade. Porém, não estava feliz, não tinha tempo para fazer o que

gostava. Teve duas filhas e, nesse momento, sentiu necessidade de voltar aos seus

valores originais, para ter tempo para elas. Com isso, mudou sua vida.

Hoje, tem um terreno próprio, onde vive acampado. Tem uma pequena

construção, que chama de rancho, para a cozinha, o banheiro e o escritório e

pretende construir um pequeno quarto para as filhas. Tem plantação, apesar de

comprar alguns alimentos, como frutas. Anda de bicicleta. Seu nível de consumo

é o mais baixo dentre os entrevistados, produz lixo reduzido e procura

reaproveitar tudo.

Trabalha ministrando oficinas sobre sustentabilidade. Critica o sistema.

Estuda bastante sobre os acontecimentos no mundo. Considera-se livre, “sem as

correntes no pé”. Para ele, as pessoas estão infelizes, doentes, trabalham muito,

sem tempo para outras coisas, o que não é a vida ideal.

Suas filhas moram com a mãe, porém estão muito presentes. Procura ensinar

a elas os valores da simplicidade.

Jane

Jane mora na capital paulista, é casada e não tem filhos. Seu marido também

pratica a vida simples. A entrevista foi conduzida na rodoviária de SP, próxima à

residência da entrevistada.

Jane tem um blog e um site de doação de objetos. Quando criança, foi

ensinada pela mãe a não ser consumista e a doar brinquedos quando não os usava

mais. Por ser assim desde cedo, não teve dificuldades para se tornar simples.

Passou por uma fase consumista, e resolveu simplificar.

É espírita, considera-se religiosa e alega que a religião a fez dar mais valor à

vida simples. Realiza trabalhos voluntários.

Reduziu o consumo de bens, comprando somente o que precisa e fazendo

muitas doações. Pensa e pesquisa antes de comprar um produto. Valoriza a

experiência e os serviços, gostando de ir a um restaurante e viajar. Gasta dinheiro

com cursos. Dá valor a esse tipo de experiência, dizendo que, “se eu morrer ali na

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

73

esquina, eu vou levar comigo as impressões, as impressões do que eu vivi, não do

que eu tenho”.

Entrou no grupo do Facebook por indicação de uma das integrantes, que

acompanhava seu blog. Trocaram mensagens e uma indicou para a outra o grupo.

Está insatisfeita com a vida profissional, pois trabalha na área comercial.

Tem formação superior e considera que seu cargo vai contra as ideias em que

acredita e que pratica. Tem projeto de iniciar novo curso de graduação, para

trabalhar com o que gosta, em área que tenha mais afinidade com a Simplicidade

Voluntária.

Clarice

Clarice mora no interior de Minas Gerais, é solteira e não tem filhos. Mora

sozinha em casa própria, onde foi conduzida a entrevista.

Clarice nasceu em uma família simples. Seus pais eram da área rural.

Aprendeu desde cedo a viver de forma simples. Saiu de casa para estudar,

morando em lugares pequenos, mantendo a vida simples. Hoje, tem consultório de

odontologia, casa própria e outros imóveis alugados. Contudo, sua vida é simples

e acha que pode simplificar ainda mais.

Valoriza o tempo disponível, que chama de “ócio criativo”, que torna a vida

mais saudável e com mais qualidade. Não tem ambição profissional de crescer

mais na profissão.

Critica o consumismo exagerado e não entende as pessoas que acumulam

bens buscando assim ser felizes. Reduziu, com facilidade, seu consumo de

produtos e despesas da casa (água, energia).

A pesquisadora conheceu a casa da entrevistada. Em seu armário, há poucas

roupas e acessórios. Há um cômodo vazio, pois, segundo ela, não precisa daquele

cômodo, alegando que a casa é grande para ela por ter dois quartos. Os aparelhos

eletrônicos não são novos, já que a entrevistada utiliza os bens até pararem de

funcionar.

Clarice mencionou que amigos a criticam por levar uma vida tão simples.

Por ter imóveis e consultório de odontologia, poderia ter posse de mais bens

materiais, mas está satisfeita com sua vida, não tem ambição de ter produtos

novos (por exemplo, seu carro é de um modelo antigo) ou bens materiais em

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

74

excesso. Acha que esse tipo de consumo é desnecessário e não conduz à

felicidade.

Marta

Marta mora na capital paulista com seu filho. Trabalha como servidora

pública, é viúva e o namorado mora em outro estado. A entrevista foi conduzida

no seu local de trabalho.

Desde cedo, Marta teve um estilo de vida simples: “na minha juventude, eu

fui aquela que queria ser hippie (...), a gente ia acampar e já tinha essa ideia da

simplicidade”. Aprendeu os princípios da simplicidade com o espiritismo. Ela

mencionou que o espiritismo divulga práticas de uma vida simples, o que a

encorajou a adotar. Procura passar esses princípios para o filho.

Gosta de aprender sobre simplicidade na internet e, no grupo do Facebook,

aprende muito.

Não dá valor ao consumo de bens, comprando pouco. Gosta de viajar:

viagem acompanhada (para encontrar o namorado em sua cidade natal ou outras

cidades para turismo) ou com o filho; Também viaja sozinha, para reflexão e

autoconhecimento, um momento para dedicar-se a si mesma.

É criticada pelas pessoas que conhece (amigos e parentes), que falam para

comprar mais roupas, arrumar-se melhor ou comprar um celular mais moderno.

Diz estar acostumada às críticas e não fica incomodada com elas. Continua

mantendo a vida simples, por acreditar ser a melhor opção.

Rosa

Rosa mora na capital mineira, é casada e tem filhos adultos. Jornalista,

trabalha como servidora pública. A entrevista foi conduzida no seu local de

trabalho.

Considera que ainda fez poucas mudanças para a vida simples, porém,

faltam poucos meses para sua aposentadoria e faz planos para simplificar ainda

mais a vida a partir daí. Gosta de estudar sobre religiões e, quando se aposentar,

pretende estudar mais e ter tempo para fazer o que gosta.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

75

A principal motivação para ser simples é a busca de serenidade e calma e

fugir do estresse do dia a dia. Rosa acha que as pessoas vivem na correria no

trabalho e no consumo: “ter que estar seguindo que nem boi, que nem boiada,

todo mundo no mesmo caminho”. No ambiente de trabalho, por exemplo, gostaria

de vestir roupas mais simples e não roupas formais.

Tem uma casa de campo para finais de semana, onde se dedica à horta e ao

jardim. Identifica-se com ela, onde pode viver uma vida simples, em contato com

a natureza. Após se aposentar, planeja se mudar para lá.

Algumas mudanças já estão incorporadas: reaproveitamento de objetos

(utilização de pneus velhos para decorar o jardim), plantação de alimentos em sua

casa de campo e redução do consumo de bens.

Rosa sente-se tão feliz por ter sua plantação de alimentos, por reaproveitar

objetos, que sentiu vontade de mostrar diversas fotos para a pesquisadora, das

suas plantações, do que já fez para reaproveitar objetos e de sua casa de campo.

Marlena

Marlena mora na capital mineira, é casada e tem um filho. Formada em

jornalismo, trabalhou como jornalista, mas hoje é professora de ioga. A entrevista

foi conduzida em um bistrô em Belo Horizonte, localizado em estabelecimento

comercial onde, além do bistrô, existem um cinema e uma livraria.

Um dos motivos para se tornar simples foi a insatisfação com o trabalho de

jornalista. Sentia que queria algo diferente e começou a procurar: “Então, eu fui

buscando me ouvir”. Fez aulas de ioga, que trouxe mais tranquilidade na vida. Fez

cursos de formação de professor e passou a dar aulas de ioga, abandonando o

jornalismo.

Sua mãe faleceu de câncer, o que despertou reflexões para a importância de

ter uma vida prazerosa, com qualidade: “Na vida, eu conheci muita gente que não

tinha dinheiro, que eu via que aproveitava bem a vida, e outras que tinham e que

eu via que não aproveitavam. Então, isso para mim também foi exemplo para o

que eu quero para mim”.

Nunca foi consumista, julga que o importante não é deixar de ter coisas, mas

sim não ter em excesso, evitando o acúmulo do que não é necessário. Faz muitas

doações. Busca ensinar essas ideias para o filho.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

76

Valoriza a experiência, aquilo que dá prazer e conhecimento: atividades

culturais, viagens. Gosta muito de ler, comprando livros ou tomando-os

emprestados. Para ela, livros são bens materiais que, por agregarem

conhecimento, são positivos de comprar, apesar de muitos serem adquiridos via

empréstimos.

Já conheceu pessoalmente alguns membros do grupo do Facebook.

Thalita

Thalita reside na cidade do Rio de Janeiro, é solteira e mora sozinha. É a

criadora e moderadora do grupo no Facebook. A entrevista foi realizada em um

shopping center no Rio de Janeiro próximo a sua casa.

Formou-se em Direito e trabalhou na área, mas não estava satisfeita. Migrou

para as áreas de hotelaria e tradução, dos quais também não gostou, eram

profissões que exigiam muito trabalho e carga horária elevada, não sobrando

tempo para descansar ou se divertir. Decidiu investir em outra formação, desta vez

algo com que ela se identifique: atualmente está estudando para o vestibular de

Nutrição.

Viveu um período consumista na adolescência e início da fase adulta. Sua

religião (espiritismo) contribuiu para que ela se tornasse simples, já que enfatiza

as ideias de simplicidade. Refletiu sobre o consumismo, pois incomodava-se

quando comprava coisas que não usava posteriormente. Já teve três armários de

roupa, o que a deixava insatisfeita. Questionou a situação e decidiu adotar a

Simplicidade Voluntária. Tem lembrança marcante de quando ingressou de vez na

vida simples: costumava viajar com duas malas cheias e passou a viajar com uma

mala de mão.

Reduziu o consumo de modo geral. Hoje tem somente um armário, que não

está cheio. Não frequenta salão de beleza para pintar unhas e cabelo. Gasta

dinheiro mais conscientemente: gosta de viajar.

Critica o consumismo desenfreado da sociedade, alegando que traz

felicidade falsa e momentânea. Também critica o trabalho em excesso, que faz

com que a pessoa não tenha momentos de divertimento.

Thalita pesquisa muito sobre a Simplicidade Voluntária e sobre a sociedade

atual, temas que a interessam.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

77

Eliza

Eliza mora na capital paulista. É estrangeira, mas mora no Brasil desde o

início da fase adulta. Divorciada, com duas filhas adultas, é psicóloga com

consultório próprio, onde foi conduzida a entrevista.

Sua família valorizava a simplicidade: “Nunca faltou nada em casa, mas

também nunca houve desperdício, gasto, excesso. Então, pra mim, desde a

infância fui acostumada”. Quando veio para o Brasil, assustou-se com o excesso

de consumo e desperdício, questionando-se sobre os pontos negativos do consumo

exagerado.

Admira o trabalho do físico e escritor Fritjof Capra, famoso pela postura

ambientalista. Lendo um livro dele, conheceu a Simplicidade Voluntária e, a partir

daí, começou a ler sobre o tema.

Seu consumo é reduzido, produz pouco lixo, reaproveita objetos e preocupa-

se com o descarte dos bens materiais. Os meios de transportes utilizados são

metrô, ônibus e táxi. Para a entrevistada, não é preciso ter nada além do suficiente.

Gosta de boas experiências e de cinema, teatro, viagens e programas

culturais. Gosta de ler e pintar. Durante a entrevista, a pesquisadora conheceu e

conversou sobre um de seus quadros, exposto no consultório.

Critica o consumismo exagerado, o desperdício e o que chamou de

“desperdício de talentos”, o fato de as pessoas trabalharem em profissões com as

quais não se identificam apenas para ganhar mais dinheiro. Para ela, é

fundamental fazer o que se gosta.

Beth

Beth mora na capital paulista, é solteira e não tem filhos. A entrevista foi

realizada em seu ambiente de trabalho (ela é servidora pública).

Considera-se espiritualizada, identifica-se muito com os princípios orientais

e budistas, o que contribuiu para a prática da vida simples.

Seu hobby é tocar instrumentos musicais.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

78

Relatou que sempre foi uma pessoa simples, por conta da criação que

recebeu dos pais, de origem humilde. Achava interessantes as ideias do pai sobre

uma sociedade mais justa. Nunca foi consumista.

A vida espiritualizada contribuiu para a busca da simplicidade. Já vivenciou

uma experiência mística, um momento importante em sua vida que deixou mais

clara a importância da simplicidade. Já pensou em ser monge.

É formada em Psicologia, mas não atua na área. Passou em concurso

público para um banco, porém, não gostou do cargo e pediu demissão,

contrariando amigos que achavam que deveria continuar em um emprego estável.

Mas como não estava satisfeita com o trabalho, resolveu sair e passou em outro

concurso.

Fez o processo contrário: ao invés de ir da cidade grande para o interior, foi

do interior para a cidade grande. Como a instituição em que trabalha tinha filial

em São Paulo, solicitou a transferência, contrariando novamente seus amigos, que

eram contra ela largar a vida estável que tinha no interior (com casa e conhecidos

por perto) e ir para a cidade grande. Na sua visão, São Paulo é uma cidade

cultural, com diversas oportunidades, principalmente para quem gosta de tocar

instrumentos musicais, sua paixão. Tem planos de fazer aulas de instrumentos.

Atualmente, mora em imóvel alugado.

Não valoriza o consumo de bens materiais, preferindo serviços,

principalmente relacionados à dança, música, e outras atividades culturais,

experiências prazerosas para ela.

Gosta muito do grupo do Facebook, pois os membros a entendem, já que

pensam de forma semelhante. O grupo a ajudou muito em alguns momentos, já

que as pessoas que conhece não a entendem e criticam muitas de suas decisões. O

grupo do Facebook, por ter objetivos de vida semelhantes, a entende e apoia.

Catarina

Catarina mora no interior do Paraná, é casada e não tem filhos. Morava na

capital de São Paulo e mudou-se há pouco para uma cidade menor com o marido.

Por motivos de distância geográfica, a entrevista foi conduzida via Skype.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

79

Catarina considera-se serena e sempre teve vontade de ter um sítio e viver

em cidade pequena. Quando viajava, gostava de ir para cidades do interior e não

para o litoral, que em feriados, ficava igual às grandes cidades.

Quando casou, o marido prestou concurso público para uma cidade no

interior do Paraná e eles se mudaram. Mas ela tem vontade de morar em local

menor ainda, visto que a atual cidade está crescendo rapidamente. Trabalhava em

São Paulo como professora, atualmente não está trabalhando.

A primeira vez que teve contato com a Simplicidade Voluntária foi por

meio de reportagem no programa Fantástico, em 2007, que, segundo ela, abordou

o tema como sendo relacionado a pessoas “de outro mundo”, diferente do normal.

Mas ela se identificou com o assunto e resolveu pesquisar.

É vegetariana, nunca foi consumista, e, quando compra algo novo, questiona

se realmente está precisando. Gosta de fazer as coisas, ao invés de comprar: faz

sua própria comida em casa, faz sua unha, seu cabelo. Compra alimentos de

produtores locais, valoriza a economia local e, por morar em cidade do interior,

julga que esse comportamento é fácil de ser colocado em prática. Gosta de ler

livros e, por isso, os compra (são os únicos bens materiais que ela acha positivo

comprar, já que agregam conhecimento).

Preocupa-se com o descarte de produtos, fazendo reciclagem, ao invés de

jogar fora, ou doando para alguém que esteja precisando (faz pesquisas para

encontrar lugares e pessoas para a doação).

Os amigos acham seus hábitos simples estranhos, confundindo-os com

mesquinharia ou problemas financeiros. As pessoas se assustam por ela ser

vegetariana, não conseguindo entender seu comportamento. Já no grupo do

Facebook, ela interage e aprende com pessoas que a entendem.

A Tabela 9 resume as características de cada entrevistado.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

80

Tabela 9: Resumo das características dos entrevistados

Nome Motivações para ser

simples

Práticas da vida simples

José Estresse no trabalho;

documentário que critica

a sociedade.

Vegetarianismo, redução do consumo de bens (compra

produtos de qualidade, que durem) busca de um

trabalho menos estressante, redução de ambição

profissional, valorização de experiências (viagens),

doações de bens que não usa, usar transporte público.

Carlos Estresse no trabalho;

religião

Redução do consumo de bens (compra produtos de

qualidade, que durem), busca de um trabalho menos

estressante (abriu mão de salário maior), redução de

ambição profissional, valorização de experiências

(viagens, encontros com amigos), doações de bens que

não usa e de dinheiro para instituições, usar transporte

público, vida mais organizada, comprar livros.

Rubem Estresse no trabalho Redução do consumo de bens (compra produtos de

qualidade, que durem), busca de um trabalho menos

estressante, redução de ambição profissional,

valorização de experiências (viagens, restaurantes,

caminhada em um parque, contato com natureza), usar

transporte público, reciclagem, não come carne

vermelha.

Paulo A família era assim,

sentiu necessidade de

resgatar essa forma de

vida, por causa do

estresse.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade),

trabalho que lhe dá prazer, usar transporte

público/bicicleta/caminhada, comida natural, planta o

que come, moradia simples, lixo reduzido e

reaproveitamento de objetos, valorização de

experiências (convívio com as filhas, ir à praia),

trabalho voluntário, redução do consumo de remédios.

Jane A família era assim,

sentiu necessidade de

resgatar essa forma de

vida; religião.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade),

quer mudar o trabalho (o atual é estressante),

valorização de experiências (viagens, restaurantes),

doações, trabalho voluntário, vida mais organizada,

reciclagem, trocas de produtos (ao invés de comprar),

preocupação com o meio ambiente, valorização de

cursos.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

81

Clarice A família era assim,

sentiu necessidade de

resgatar essa forma de

vida.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa

o produto até não poder mais), redução de ambição

profissional, valorização de experiências (viagens),

alimentação natural, vida organizada, doações, trabalho

voluntário, preocupação com o meio ambiente.

Marta Religião Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa

o produto até não poder mais), valorização de

experiências (viagens), alimentação saudável, vida

organizada, compra livros, evita o desperdício.

Rosa Estresse no trabalho;

busca espiritual.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa

o produto até não poder mais), valorização de

experiências (viagens), alimentação saudável, planta

alguns alimentos, reaproveitamento de objetos, quando

se aposentar vai morar no campo, redução do consumo

de remédios.

Marlena Estresse no trabalho Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa

o produto até não poder mais), busca de um trabalho

menos estressante, valorização de experiências

(viagens, cinema), valorização de cursos, alimentação

saudável, troca e empréstimos de objetos, compra

livros, doações, fazer as coisas perto de casa.

Thalita Estresse no trabalho;

infelicidade por causa do

consumo exagerado;

religião

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade),

busca de um trabalho menos estressante, valorização de

experiências (viagens), alimentação saudável, fazer as

coisas perto de casa.

Eliza A família sempre foi

assim.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade),

valorização de experiências (viagens, cinema, teatro),

alimentação saudável, reciclagem, reaproveitamento de

objetos, lixo reduzido, preocupação com o meio

ambiente, transporte público.

Beth Necessidade de resgatar

forma de vida simples da

família; busca espiritual,

estresse no trabalho.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade),

valorização de experiências (programas culturais,

contato com a natureza), alimentação saudável, redução

do consumo de remédios.

Catarina Redução do estresse e

correria do dia a dia.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa

o produto até não poder mais e prioriza o consumo

consciente), valorização de experiências (contato com

natureza), vegetarianismo, alimentação natural, ida para

interior, priorização de produtores locais, compra de

livros, reciclagem, evita o desperdício, doações.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

82

4.2. Motivações declaradas

As motivações para adotar a Simplicidade Voluntária, de acordo com a

análise das entrevistas e discussões no grupo virtual, estão relacionadas a valores

individuais. Para categorizar as motivações, foram utilizados os valores propostos

por Schwartz (1994). As motivações encontradas relacionam-se com os valores

Benevolência, Tradição, Hedonismo e Autodireção.

Benevolência: busca de uma vida espiritual, busca de uma vida

com mais sentido e priorização dos relacionamentos com

familiares e amigos (ELGIN e MITCHELL, 1977b; CRAIG-LEES

e HILL, 2002; ZAVESTOSKI, 2002; JOHNSTON e BURTON,

2003; BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; MILLER e

GREGAN-PAXTON, 2006; CHERRIER, 2009b; ABDALA, 2010;

ALEXANDER e USSHER, 2011).

Tradição: aceitação de ideias religiosas sobre a importância de uma

vida simples (quatro entrevistados têm religião que os influenciou

na escolha da vida simples) e aceitação de valores culturais da

família, já que, em alguns casos, os entrevistados vieram de uma

família humilde, com valores pautados nos princípios da vida

simples (LEONARD-BURTON, 1981; ZAVESTOSKI, 2002;

HUNEKE, 2005).

Hedonismo: busca de uma vida mais feliz e prazerosa. Nove

entrevistados estavam infelizes em seus trabalhos, não tinham

tempo para divertimento e buscavam uma vida mais feliz ao adotar

a vida simples (CHERRIER, 2002; ZAVESTOSKI, 2002;

HUNEKE, 2005; OATES et al., 2008; CHERRIER, 2009b;

BALLANTINE e CREERY, 2010).

Autodireção: independência em relação ao mercado e aos padrões

impostos por ele, tendo mais liberdade para viver, sem preocupar-

se com a opinião de outros (ELGIN e MITCHELL, 1977b;

LEONARD-BURTON, 1981; BEKIN et al., 2005; HUNEKE,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

83

2005; BEKIN et al., 2007; CHERRIER, 2009b; ABDALA e

MOCELLIN, 2010).

Embora a literatura (ELGIN e MITCHELL, 1977b; CRAIG-LEES e

HILL, 2002; SHAW e NEWHOLM, 2002; HUNEKE, 2005; MILLER e

GREGAN-PAXTON, 2006; OATES et al., 2008; BALLANTINE e CREERY,

2010; ALEXANDER e USSHER, 2011) também aborde motivações ligadas ao

valor universalismo, proposto por Schwartz (1994), não foram encontradas as

motivações ligadas ao valor Universalismo. Segundo relato dos entrevistados e

depoimentos no grupo virtual, a Simplicidade Voluntária é adotada por motivos

de interesse pessoal, como busca de um trabalho que proporcione mais felicidade

e tempo para lazer.

4.2.1. Benevolência

A benevolência está relacionado à vida espiritual, busca de sentido na vida e

necessidade de se relacionar mais com familiares e amigos, valorizando esses

relacionamentos.

Alguns membros do grupo relatam que a vida espiritual (não relacionada à

religião) os fez optar pela vida simples. Para eles, é importante a vida espiritual,

em detrimento da vida materialista.

“(...) tem a ver um pouco também com essa busca espiritual”. (Rosa).

“(...) as minhas aspirações espiritualistas. Então o essencial não está na

matéria (...)”. (Beth).

Outros também relataram a necessidade de dar sentido à vida. Não estavam

encontrando sentido na maneira como viviam ou trabalhavam e viram a

Simplicidade Voluntária como uma solução para viver melhor.

“Ai comecei a ver que a vida não tinha muito sentido dessa forma: a gente

trabalha que nem um condenado para ter umas férias de sei lá, vinte dias,

trinta dias, e achar que a vida vale a pena. Para mim eu acho que isso não

vale a pena. Eu acho que a gente tem que todo dia acordar e querer viver

aquele dia. Quando eu estava trabalhando na agência eu acordava e queria

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

84

que o dia acabasse o quanto antes, isso para mim não era vida. Então eu

acho que a partir daí eu comecei a procurar viver de uma forma diferente”.

(José).

“(...) eu já tinha esse tipo de atitude (...). A primeira vez que eu ouvi falar,

achei muito interessante, porque eu já tinha algumas coisas disso. Eu sempre

gostei muito de tranquilidade, de calma, de ter uma vida mais tranquila, e

quando fui conhecendo fui vendo que ia de acordo com o que eu sempre

acreditava e o que eu sempre quis. Eu brinco que ‘deu nome aos bois’, é

algo que sempre tive, mas não sabia explicar”. (Catarina).

Os entrevistados e membros do grupo virtual relatam que não estavam

satisfeitos com a vida que estavam levando e perceberam que a Simplicidade

Voluntária fazia sentido. Com a vida simples, passaram a ter contato com amigos

e família, sem correria do dia a dia e a valorizar mais questões espiritualistas, no

lugar de preocupações materialistas.

Os entrevistados ressaltam a importância dos relacionamentos, de ter

amigos e familiares por perto, prezar esses laços de afeto. Tinham estilo de vida

que exigia excesso de trabalho e alto consumo. Resolveram adotar a Simplicidade

Voluntária para ter mais tempo para dedicarem-se a relacionamentos.

“(...) E assim, depois que minhas filhas nasceram que entrei nessa, preciso

ter mais tempo, inclusive para estar com elas”. (Paulo).

Os membros do grupo trocam muitas informações sobre a importância de

dar atenção a seus filhos e passar para eles os princípios da Simplicidade

Voluntária. A Figura 3 é uma imagem compartilhada no grupo de discussão do

Facebook e ilustra a valorização dos relacionamentos (neste caso com os filhos).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

85

Figura 3: Relacionamentos com filhos

Fonte: Página do Facebook de “Humor Inteligente”

4.2.2. Tradição

Os valores de Tradição estão relacionados à religião (aceitação de ideias

religiosas) e à cultura familiar (valores adquiridos dos pais).

A religião tem papel importante na vida de alguns membros do grupo

(Carlos, Jane, Marta e Thalita), que passavam por momentos de incerteza e

insatisfação, trazendo respostas para eles. Segundo relatos dos entrevistados, a

religião mostrou caminhos para a prática da vida simples, onde não se precisa de

abundância para ser feliz, sendo grande impulsionadora na mudança de vida.

Quatro membros do grupo têm religião e procuram seguir seus

ensinamentos. Jane, Marta e Thalita declararam que o espiritismo as influenciou

para a prática da Simplicidade Voluntária, já que considera muitos princípios que

são relacionados à simplicidade.

“(...) por questões religiosas, também tinha um pouco dessa coisa de não

querer ter muito (...). O fato de eu ser espírita e a gente ter essa visão, é

meio Simplicidade Voluntária”. (Marta).

Carlos mencionou a religião batista, que também o influenciou para a

prática da vida simples.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

86

Alguns entrevistados (Paulo, Jane, Clarice, Eliza e Beth) nasceram em

famílias humildes (pobres ou rurais). Porém, no decorrer da vida, passaram a

viver com trabalho em excesso e/ou compras de bens. Jane relatou que chegou a

ter vários pares de sapatos.

Esse estilo de vida lhes trouxe insatisfação constante, quando sentiram a

necessidade de resgatar os valores familiares de simplicidade: eram felizes

naquela época, perceberam que não precisavam de muitos bens materiais para

alcançar a felicidade.

“(...) Isso aí quase que é resgate mesmo, porque fui criada com meus avós

(...) e tinham horta em casa, comida era feita com tudo do quintal”. (Rosa).

4.2.3. Hedonismo

O Hedonismo está ligado à busca de prazer e felicidade.

Sete entrevistados estavam insatisfeitos no trabalho e resolveram mudar de

profissão ou ainda não mudaram, mas têm planos futuros, buscando trabalho que

traga prazer e felicidade.

“Porque eu acho que a demanda, assim o que me exigia o jornalismo, hoje

quando eu penso (...). Trabalhar com isso não é uma coisa que me dava

prazer. Não era prazerosa para mim (...). Depois de um tempo que eu fui

entender que aquilo não me fazia bem”. (Marlena).

Mensagens trocadas no grupo virtual revelam que os membros do grupo

debatem bastante sobre escolhas profissionais e sobre como a Simplicidade

Voluntária afeta suas trajetórias de carreira. A importância de ter um trabalho

prazeroso está muito presente nos debates, como pode ser apreendido em uma das

ilustrações compartilhadas (Figura 4).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

87

Figura 4: Prazer no trabalho

Fonte: Página do Facebook de “Inteligente Vida”

Ter tempo livre para atividades prazerosas é muito valorizado pelos

membros da comunidade. A Simplicidade Voluntária, segundo eles, proporciona

esse benefício.

“Na vida, eu conheci muita gente que não tinha dinheiro e que eu via que

aproveitava bem a vida e outras que tinham e que eu via que não

aproveitavam. Então, isso para mim também foi exemplo para o que eu

quero para mim”. (Marlena).

Três entrevistadas decidiram adotar a Simplicidade Voluntária por estarem

insatisfeitas com consumo exagerado, o que as deixava frustradas. A Simplicidade

Voluntária levou-as a reduzir o nível de consumo e eliminar frustrações

decorrentes. Mensagens trocadas no grupo virtual também mostraram insatisfação

proveniente do consumo exagerado, que levou à adoção da vida simples.

“(...) eu acho que passou por um questionamento, porque a gente está nesse

círculo vicioso de você compra uma coisa, eu quero determinada coisa, é

um sonho de consumo para mim, quando você consegue a satisfação

advinda daquilo, dura pouco”. (Thalita).

“Sem querer ser panfletária, nossa sociedade confunde muito consumo

desenfreado com prazer e felicidade (mesmo que efêmeros, muito

efêmeros...). A gente pode embarcar nessa tão fácil que, quando vê, já está

dentro! É preciso um esforço consciente contínuo”. (Frase compartilhada no

grupo no Facebook).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

88

“E o mais incrível é que milhões de pessoas ao redor do mundo vivem

entorpecidas na ilusão de que comprar é viver, atolondradas e enfiadas em

engarrafamentos, endividadas, gordas e doentes e acham que isso seja

NORMAL”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

Os entrevistados e o grupo, através de mensagens trocadas, revelam

frustração e insatisfação com a época em que eram consumistas. Compravam bens

e tinham uma satisfação apenas momentânea, que rapidamente dava lugar para

outra necessidade de consumo. Segundo entendimento do grupo, as pessoas

dedicam a vida a trabalho em excesso, para ganharem dinheiro e acumular bens,

tendo pouco tempo livre para divertimento e prazer. São escravas do acúmulo de

bens materiais e da manutenção dos mesmos. Ao perceberam que esse estilo de

vida não lhes trazia felicidade, decidiram reduzir consumo de bens para ter mais

tempo voltado para o que realmente lhes dá prazer.

Houve relatos de entrevistados e no grupo que associavam a felicidade

prometida pelo consumo de bens à falsidade e à ilusão. Para eles, o consumo de

bens traz uma felicidade ilusória, pois é momentânea. Um membro do grupo citou

que a sociedade de consumo impõe desejos inalcançáveis, pois há discursos

contraditórios.

“Sociedade de consumo sempre nos impôs desejos inalcançáveis e, muitas

vezes, contraditórios. É preciso ser trabalhador e aproveitar a vida, é preciso

ter posses e ser desprendido, é preciso ter uma vida regrada e ser

aventureiro, preocupar-se com o futuro e viver como se não houvesse

amanhã. É preciso comer tudo que é bom e ser magro, é preciso buscar a

história de amor monogâmica perfeita e ser um objeto de desejo para todas

as pessoas”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

Outra imagem compartilhada no grupo do Facebook (Figura 5) retrata

insatisfação que diversos entrevistados expressaram em relação ao consumo

exagerado, tema recorrente nos debates.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

89

Figura 5: Frustração com o acúmulo de bens

Fonte: Perfil do Facebook de “ becoming minimalist”

Os entrevistados perceberam que as pessoas trabalham em excesso para ter

mais dinheiro e assim acumular mais bens materiais. Porém, se não há a

necessidade de acumular bens materiais, também não há a necessidade de se

trabalhar tanto. Oito entrevistados resolveram buscar trabalho que lhes desse

prazer, mesmo sem ganhar muito. Abdicaram da ambição profissional, passaram a

trabalhar naquilo que gostam e o dinheiro que ganham não é usado para acumular

bens materiais. Mensagens trocadas no grupo virtual também relatam essa busca

profissional.

“Há uma propaganda fortíssima do consumo e, para consumir, precisamos

trabalhar mais e ganhar mais dinheiro, tudo de forma rápida. As pessoas até

se endividam para isso, o que as fazem trabalhar (ainda) mais”. (Frase

compartilhada no grupo do Facebook).

4.2.4. Autodireção

Alguns entrevistados e membros do grupo adotaram a Simplicidade

Voluntária por se sentirem dependentes da pressão social de ter que consumir.

Queriam vida com mais liberdade, sem ter obrigação de ambições profissionais,

sem ter que se vestir da forma como a sociedade determina. Para eles, a

Simplicidade Voluntária significava a verdadeira liberdade de viver.

“(...) Só não quero ter que carregar o fardo de estar sempre tendo que fazer

isso ou aquilo, ou usando isso ou aquilo, em função do que as pessoas, do

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

90

que se intitulou como moda ou como viável ou como que está na onda, sabe.

Isso eu não quero”. (Rosa).

Seis entrevistados relataram que se incomodavam com as cobranças de

familiares e amigos, que os confundiam com acomodados ou pobres. Ao adotar a

Simplicidade Voluntária, deixaram de se importar com tais julgamentos, deixaram

de se incomodar com o que os outros falam sobre seu estilo de vida simples.

“Se você está sofrendo por coisas externas, não são elas que estão lhe

perturbando, mas o seu próprio julgamento sobre elas. E está em seu poder

anular este julgamento agora”. (Frase compartilhada no grupo do

Facebook).

Entrevistados e membros do grupo também gostam de se sentir mais

independentes não só em relação ao padrão que a sociedade diz que é correto

viver, mas também em relação ao consumo de alguns bens. Rosa e Paulo possuem

plantações em casa e quatro entrevistados fazem, eles mesmos, alguns serviços ou

produtos (costura, pintura).

“Tenho hábitos de consumo bastante reduzidos assim, para alimentação é só

o básico de mercado, é batata, abóbora, aquelas coisas, eu planto muitas

coisas do que eu consumo.” (Paulo).

4.2.5. Síntese das motivações

Das entrevistas e da leitura das mensagens trocadas no fórum do grupo,

emergiram os valores de Benevolência, Tradição, Hedonismo e Autodireção, que

parecem ser intimamente relacionados à prática da vida simples.

A benevolência é amplamente discutida na literatura da Simplicidade

Voluntária e, nos resultados aqui encontrados, também se fez presente. O grupo

busca vida com mais sentido, não aceitando a forma padrão de viver na sociedade

de consumo, que leva as pessoas a trabalharem em excesso para poderem ter bens

em excesso. Os membros do grupo valorizam vida mais espiritualizada e menos

materialista, o convívio com as pessoas e dão pouca importância às questões

materiais. Encontraram na Simplicidade Voluntária uma saída para viver melhor,

abrindo mão de trabalho em excesso, pois não buscam acumular bens materiais.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

91

A tradição foi outro valor que emergiu e com papel fundamental na prática

da Simplicidade Voluntária. Alguns entrevistados relataram que começaram a

praticá-la por questões religiosas, outros começaram a praticá-la para retomar

valores familiares esquecidos. Vinham de família pobre ou do meio rural, viveram

de forma simples na infância, mas acabaram inserindo-se na sociedade de

consumo e perdendo os valores familiares. Com o tempo, sentiram-se infelizes e

quiserem resgatar a vida simples e feliz que tiveram no passado.

A autodireção diz respeito à necessidade de independência e liberdade,

tendo maior controle sobre a própria vida. Os entrevistados consideram que a

sociedade vive prisioneira do consumo e do trabalho. Com a prática da

Simplicidade Voluntária, sentem-se livres de padrões impostos. Segundo relato

dos entrevistados e membros do grupo, as pessoas normalmente vivem seguindo

padrões impostos pela sociedade. Alguns desses padrões são acumular bens

materiais e almejar crescimento na carreira profissional e, as pessoas que não os

seguem, sofrem pressão social, sendo cobradas para que tenham esse

comportamento padrão.

Ao adotar a Simplicidade Voluntária, eles deixaram que ter ambições

profissionais, pois não precisam trabalhar muito, ganhar muito dinheiro e ter bens

em excesso. Libertaram-se dos padrões impostos pela sociedade, passando a ter

autonomia sobre que caminho seguir.

Entrevistados e membros do grupo sentiam prazer em fazer, eles próprios,

algumas coisas, como plantar alimentos que consumiam e fazer rituais de beleza

em casa, deixando de ir ao salão de beleza. Para eles, ao realizarem isso, estavam

sendo mais livres, se sentiam mais donos da própria vida.

A literatura de marketing discute o papel do hedonismo no consumo

(HIRSCHMAN e HOLBROOK, 1982; HOLBROOK, 2000). Os participantes do

grupo da Simplicidade Voluntária parecem buscar viver experiências prazerosas,

mas por meio de uma forma de anticonsumo. Procuram prazer não no consumo, já

que o consumo não os levou a ter uma vida mais feliz, voltada para experiências

vividas.

Não foram encontrados relatos que sugerissem a motivação ligada ao valor

do Universalismo (preocupação social e ambiental). O grupo estudado não

pareceu adotar a Simplicidade Voluntária por razões relacionadas a preocupações

ambientais ou com a sociedade, mas por razões puramente individuais.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

92

A Tabela 10 apresenta uma síntese das motivações reveladas nas entrevistas

e na leitura das mensagens trocadas no fórum.

Tabela 10: Motivações reveladas

Valores ligados à

motivação

Descrição

Apoio na Literatura

Benevolência Busca espiritual

Busca de sentido na vida

Valorização do

relacionamento com

familiares e amigos

ELGIN e MITCHELL, 1977b; CRAIG-LEES

e HILL, 2002; ZAVESTOSKI, 2002;

JOHNSTON e BURTON, 2003; BEKIN et al.,

2005; HUNEKE, 2005; MILLER e

GREGAN-PAXTON, 2006; CHERRIER,

2009b; ABDALA, 2010; ALEXANDER e

USSHER, 2011.

Tradição Resgate de valores

familiares

Religião

LEONARD-BURTON, 1980; ZAVESTOSKI,

2002; HUNEKE, 2005.

Hedonismo Prazer no trabalho

Tempo livre para

atividades prazerosas

Eliminar a insatisfação e

frustração provenientes

do consumo

Ser feliz

CHERRIER, 2002; ZAVESTOSKI, 2002;

HUNEKE, 2005; OATES et al., 2008;

CHERRIER, 2009b; BALLANTINE e

CREERY, 2010.

Autodireção Independência do

consumo e da pressão

social

Liberdade

ELGIN e MITCHELL, 1977b; LEONARD-

BURTON, 1981; BEKIN et al., 2005;

HUNEKE, 2005; BEKIN et al., 2007;

CHERRIER, 2009b; ABDALA e

MOCELLIN, 2010.

Na literatura sobre Simplicidade Voluntária, Elgin e Mitchell (1977b)

sugerem que as motivações para sua adoção estão ligadas aos valores

benevolência (busca de crescimento pessoal, espiritual), autodireção (busca de

autossuficiência e maior controle sobre a vida) e universalismo (preocupação com

o meio ambiente e sociedade). Elgin e Mitchell (1977b) enfatizam a preocupação

com a responsabilidade social e ambiental, que, como sugerem, está presente, nos

dias de hoje, na vida das pessoas. Diversos autores enfatizam o valor

universalismo (CRAIG-LEES e HILL, 2002; SHAW e NEWHOLM, 2002;

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

93

HUNEKE, 2005; MILLER e GREGAN-PAXTON, 2006; OATES et al., 2008;

ALEXANDER e USSHER, 2011).

Autores como Craig-Lees e Hill (2002), Zavestoski (2002), Cherrier

(2009b) e Abdala (2010) ressaltam forte relação entre vida espiritual

(benevolência) e tornar-se adepto da vida simples e McDonald et al. (2006) e

Cherrier (2009b) observam o desejo de crescimento individual, em busca de uma

vida com mais sentido. Autores também citam a valorização do relacionamento,

buscando a Simplicidade Voluntária para ter mais tempo de dedicação aos

relacionamentos (CHERRIER, 2009b; ALEXANDER e USSHER, 2011).

Leonard-Burton (1980) sugeriu motivações ligadas à tradição, onde

adeptos seriam provenientes de famílias com princípios da vida simples, sentindo

necessidade de resgatar esses valores. Zavestoski (2002) e Huneke (2005) também

ressaltaram as motivações ligadas à tradição, porém sob a perspectiva da

influência da religião.

Cherrier (2002) aponta que a adoção da Simplicidade Voluntária vem da

necessidade de ser feliz e ter bem-estar (hedonismo). Autores como Zavestoski

(2002), Huneke (2005) e Oates et al. (2008) citam o desejo de reduzir estresse e

ter prazer na vida (hedonismo).

A autodireção é mencionada por Bekin et al. (2005; 2007) e Cherrier

(2009b), sendo um desejo de ser autossuficiente, dependendo o menos possível do

mercado e se emancipando em relação aos padrões impostos pela sociedade, tendo

uma vida com liberdade.

O presente estudo corroborou com estudos anteriores em relação às

motivações para prática de vida simples, com exceção do valor universalismo, que

não foi mencionado nem por entrevistados nem surgiu em mensagens trocadas no

grupo. Parece que a Simplicidade Voluntária é adotada por conta de interesses

pessoais e não pela preocupação com sociedade e meio ambiente, apesar deste ser

amplamente mencionado na literatura.

4.3. Mudanças decorrentes da adoção da Simplicidade Voluntária

As mudanças ocorridas na vida dos entrevistados e membros do grupo

virtual foram divididas com base nos achados da literatura.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

94

Vida profissional: como foi amplamente mencionado na literatura,

praticantes da vida simples, reduzem carga horária de trabalho e buscam

empregos que lhes deem prazer, não priorizando ganhos financeiros. Os

resultados encontrados corroboram com a literatura.

Moradia: adeptos da Simplicidade Voluntária, reduzem complexidade de

moradia e podem mudar-se para regiões de interior e rurais, resultados que

corroboram com o que já foi descrito na literatura.

Transporte: tema amplamente mencionado na literatura, os adeptos da vida

simples buscam utilizar mais transporte público, bicicleta e andar a pé.

Quando possuem carro, não se preocupam que seja modelo moderno, já

que é utilizado somente por razões utilitárias. Os resultados encontrados

corroboram com a literatura.

Alimentação: assunto também amplamente mencionado na literatura.

Alteram alimentação, que passa a ser natural, alguns plantam alimentos

que consomem. Os resultados encontrados corroboram com a literatura.

Consumo de bens: o consumo é um dos assuntos mais abordados na

literatura sobre Simplicidade Voluntária. Autores mencionam a redução

drástica do consumo de produtos, consumindo somente o que acham

necessário e considerando as questões utilitárias dos produtos. Os

resultados corroboram com a literatura.

Descarte: mencionado na literatura, os adeptos da vida simples se

preocupam com o lixo de geram (reduzindo o lixo) e com o descarte de

produtos (reaproveitando, reciclando e doando). Os resultados foram

semelhantes com achados da literatura.

Vida organizada: mencionado na literatura, adeptos da vida simples

reduzem o acúmulo de bens e a bagunça, sendo vigilantes para não

acumular bens. A presente tese encontrou resultados semelhantes.

Experiências e Vivências: a literatura menciona a valorização de

experiências pelos adeptos da vida simples. Preferem estar em contato

com a natureza, ter tempo para relacionamento com amigos e familiares,

viagens, atividades que lhes dão prazer. Apesar de ser assunto amplamente

mencionado na literatura, os estudos não abordam que a busca por

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

95

experiências, muitas vezes, está relacionada ao consumo de serviços. Este

foi um achado relevante da presente pesquisa, já que o grupo ressaltou a

valorização do consumo de serviços.

Consciência ambiental e social: amplamente abordado na literatura,

principalmente como motivação para adotar a Simplicidade Voluntária.

Porém, no presente estudo, os adeptos pareceram não adotar a vida

simples por preocupações de natureza ambiental ou social. Entretanto ao

praticar a Simplicidade Voluntária, passaram a se preocupar com essas

questões.

4.3.1. Mudanças na vida profissional

Muitos entrevistados e membros do grupo virtual estavam insatisfeitos no

trabalho e, ao adotarem a Simplicidade Voluntária, realizaram a mudança ou têm

planos futuros para tal. Os resultados foram ao encontro da literatura, pois

buscaram redução de carga horária, um trabalho prazeroso com significado e

deixaram de se preocupar com remuneração alta.

O grupo estudado passou a almejar trabalho que lhes desse prazer e que lhes

proporcionasse mais tempo livre para dedicação ao lazer. Uma grande motivação

para ser adepto da vida simples foram insatisfação e estresse no trabalho e, por

isso, diversos membros do grupo mudaram em busca de algo que oferecesse

satisfação. Para eles, é fundamental que o trabalho lhes dê sentido e felicidade.

“O que me exigia o jornalismo, hoje quando eu penso (...). Trabalhar com

isso não é uma coisa que me dava prazer. Não era prazerosa para mim (...).

Depois de um tempo que eu fui entender que aquilo não me fazia bem”.

(Marlena).

“(...) eu estou passando o negócio e estou querendo fazer outra coisa. Estou

querendo trabalhar com sustentabilidade ou terceiro setor ou orgânicos. Eu

quero tentar me aproximar da natureza. Alguma coisa nesse sentido”.

(Rubem).

Ao procurarem um trabalho que lhes desse mais tempo livre, alguns

recorreram a concursos públicos, outros a um trabalho em que eles pudessem

fazer seus próprios horários (como passar a dar aulas de ioga, ministrar cursos),

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

96

outros buscam um trabalho em tempo parcial. Dessa forma, eles podem ter mais

tempo livre, com atividades de lazer, divertimento e para a família e para si.

“Quando eu comecei a delegar tarefas e a simplificar o trabalho (2 anos e

meio atrás), ganhei tempo para outros interesses, para família, passeios,

leitura, esporte”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

“Eu também fiz isso há uns dois anos. Fui diminuindo o número de aulas

que dou por semana e isso me fez muito bem. Se eu não tivesse mudado

minha maneira de perceber a vida, estaria pensando no dinheiro que estou

deixando de ganhar, o que poderia comprar a mais do que não preciso, etc.

Só que a vida é muita curta para só pensarmos em trabalhar, comprar,

acumular, e para que? ”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

Clarice citou que a sociedade exerce pressão para que as pessoas tenham

elevada carga horária no trabalho, como se trabalhar muito fosse o normal. Ela

citou que quando alguém menciona que não tem trabalhado muito, as pessoas ao

redor ficam achando que há algum problema, algo de errado está acontecendo. Ela

critica esse padrão imposto pela sociedade de que trabalhar em excesso é o certo.

Sua carga horária é reduzida e não vislumbra trabalhar mais, pois valoriza seu

tempo livre.

Outra mudança em relação ao trabalho diz respeito a abrir mão de salários

altos. Passaram, então, a abrir mão de altos salários para ter uma vida mais

prazerosa. Abriram mão de ambições profissionais, não vislumbrando ter altos

cargos em empresas ou trabalhar muito para ser promovido.

“(...) talvez trabalhar meio período também (...), aí eu já cortei aquela

expectativa de virar coordenador, diretor de uma grande corporação (...). Eu

nunca tive esse sonho de ter uma grande casa, carro do ano, ao mesmo

tempo, eu não tenho motivo de me matar no trabalho para ganhar mais

dinheiro”. (José).

“Eu fui para ganhar, do meu salário de analista que eu tinha, eu ganho

sessenta por cento do que eu ganhava como analista”. (Carlos)

A literatura aponta que os adeptos da Simplicidade Voluntária buscam

trabalho com carga horária reduzida (ETZIONI, 1998; JOHNSTON e BURTON,

2003; BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; ALEXANDER e USSHER, 2011).

Esses achados foram encontrados no presente estudo, os membros do grupo

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

97

reduziram carga horária, buscando empregos em tempo parcial, buscando

trabalhos em que poderiam fazer os próprios horários e optando por pouca carga

horária.

A literatura também aponta a busca de significado no trabalho, que deve ser

condizente com valores individuais (CRAIG-LEES e HILL, 2002; JOHNSTON e

BURTON, 2003; HUNEKE, 2005), e trabalho prazeroso (HUNEKE, 2005). Os

resultados também apontaram para a busca de um trabalho que lhes oferecesse

prazer e sentido. Não queriam mais um emprego que não estivesse de acordo com

seus princípios de vida. Paulo, por exemplo, migrou para trabalho na área da

sustentabilidade, Rubem tem planos de migrar para essa área também.

A literatura também menciona que os praticantes da vida simples passam a

não se preocupar com salários altos (ETZIONI, 1998; JOHNSTON e BURTON,

2003). Os resultados aqui encontrados corroboram com esses achados. O grupo

estudado está disposto a abrir mão de salários superiores, pois para ganhar

dinheiro, precisariam trabalhar em excesso.

4.3.2. Moradia

Alguns entrevistados e membros do grupo já realizaram mudanças em

relação à moradia e outros possuem planos para o futuro, mudando-se para o

interior, já que julgam que assim terão vida calma e pacata, diferente da vida nos

centros urbanos.

“Eu gostaria de mudar para o interior de São Paulo, eu já estou com essa

ideia (...). Eu gostaria de morar entre 100, 150 Km de São Paulo”. (Rubem).

“Eu morava em São Paulo na capital e agora moro numa cidade de interior

do Paraná (...). São Paulo é uma cidade opressiva. Aqui a gente vive mais

sossegada”. (Catarina).

Alguns entrevistados e membros do grupo realizaram outro tipo de

mudanças em relação à moradia: a redução de sua complexidade. Essa

simplificação ocorreu mudando-se para um imóvel menor, com menos cômodos,

para não ter a necessidade de ter muitos bens e para simplificar a vida em relação

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

98

à manutenção do imóvel, ou reduzindo o acúmulo de itens considerados

desnecessários, que resultam em bagunça.

“A casa é muito grande para mim, eu vou querer por quê? Por que era no

centro? Por que eu vou querer uma casa tão grande se eu sou sozinha?”

(Clarice).

“Morava numa casa enorme, fiz três dias de bazar, doações para família e

entidades, me desfiz de coisas que eu nem lembrava que tinha, e de coisas

que guardava e não utilizava, que não usava mais, dá uma sensação de

leveza....Vim morar num lugar bem menor e quando vejo que estou

acumulando coisas, vou e me desfaço daquilo que realmente não preciso e

posso muito bem viver sem.” (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

A literatura aponta que alguns praticantes da Simplicidade Voluntária

passam a residir no interior, em áreas rurais, menos urbanas (ETZIONI, 1998;

JOHNSTON e BURTON, 2003; SHAW e MORAES, 2009), outros se mudam

para comunidades alternativas (BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; BEKIN et

al., 2007). As mudanças mencionadas na literatura enfatizam a ida para áreas

rurais. Os dados analisados corroboram com esse ponto, mostrando que os

entrevistados e membros do grupo consideram a ida para regiões menos urbanas.

Porém, não mencionaram a mudança para comunidades alternativas, somente o

interesse em conhecê-las.

No presente estudo, o grupo investigado também mencionou a simplificação

da moradia como um todo (em termos de tamanho e objetos), assunto que é

tratado por poucos autores (HUNEKE, 2005).

4.3.3. Transporte

Os entrevistados e membros do grupo passaram a andar de bicicleta, a pé,

utilizar transporte público ou ‘carona solidária’. Aqueles que têm carro reduziram

sua utilização e não têm modelos novos, um inclusive é do ano de 1997

(automóvel de Clarice). Os resultados corroboram com relatos encontrados na

literatura sobre mudança no meio de transporte dos adeptos da vida simples.

“Começando a sentir o ventinho no rosto e toda a renovação do projeto de

usar a bike como meio de transporte! (Depois de uns 25 anos sem

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

99

pedalar...)”. (Frase compartilhada por um dos membros do grupo no

Facebook).

“Eu ando de ônibus e de metrô, eu não tenho carro. Não é porque não possa

tê-lo, odeio tê-lo, odeio ficar parada no trânsito (...). Quando preciso pego

táxi, senão vou de ônibus ou de metrô”. (Eliza).

“Tudo o que eu faço é a pé. É uma das coisas que eu gosto muito. É muito

raro precisar de carro”. (Catarina).

Alguns membros do grupo possuem carro, porém dão preferência a utilizar

o transporte público na maior parte dos casos. Os carros são mais usados nos

finais de semanas, quando fazem algum passeio ou viagem. Dizem que possuem

carros por terem filhos pequenos, o que facilita a locomoção. Porém, apesar de

terem carro, não buscam ter modelos novos e modernos, pautando-se nas questões

utilitárias do carro.

“Meu carro tem dez anos. Se eu pudesse abrir mão totalmente, eu até

abriria. Mas, assim, eu utilizo vez ou outra o carro, já usei mais, com a

simplicidade eu consegui reduzir o uso”. (Rubem).

Estudos anteriores sobre Simplicidade Voluntária sugeriram que adeptos

alteram o meio de transporte utilizado no dia-a-dia, passando a adotar bicicletas

(LEONARD-BURTON, 1981; ELGIN, 2000), transporte público (ELGIN, 2000),

carros mais eficientes (SHAMA, 1995; ELGIN, 2000), ‘carona solidária’ (SHAW

e NEWHOLM, 2002), redução do uso de automóveis (SHAW e NEWHOLM,

2002; HUNEKE, 2005), opção por ter carros antigos ou usados (BEKIN et al.,

2005). As entrevistas e depoimentos do grupo corroboram com a literatura,

indicando a preferência pela utilização de transporte público, por carros antigos e

a utilização de bicicleta ou caminhar. Porém, não foi mencionado o uso de carros

mais eficientes.

Alguns entrevistados relataram que procuram fazer as coisas perto de casa,

para encurtar distância e gastar menos tempo com transporte. A literatura sobre

Simplicidade Voluntária não menciona esta mudança de hábito na vida dos

adeptos, sendo mais encontrada em estudos sobre comunidades alternativas

(BEKIN et al., 2005).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

100

“Como também facilitar a vida, assim, por exemplo, como eu dou aula de

ioga, eu tinha a oportunidade de escolher os lugares onde eu dava aula.

Então o que eu fazia? Se era possível para mim, eu podia escolher entre um

lugar mais próximo de casa.” (Marlena).

4.3.4. Alimentação

Este é um tema recorrente na literatura, no discurso dos entrevistados e nas

mensagens trocadas no fórum.

Estudos encontrados na literatura indicam que a alimentação dos adeptos da

vida simples sofrem modificações, como: redução do consumo de carne ou

adoção do vegetarianismo (LEONARD-BURTON, 1981; BEKIN et al., 2005;

SHAW e MORAES, 2009), plantação de alimentos em casa (LEONARD-

BURTON, 1981; BEKIN et al., 2005; SHAW e MORAES, 2009; ABDALA e

MOCELLIN, 2010); adoção de alimentação saudável, natural e/ou orgânica

(IWATA, 1997; ELGIN, 2000; SHAW e NEWHOLM, 2002; BEKIN et al., 2005;

HUNEKE, 2005; SHAW e MORAES, 2009). Em muitos casos, foi constatado

que esse tipo de alimentação tem preço alto, que estão dispostos a pagar

(HUNEKE, 2005). Também ocorre a compra de alimentos de produtores locais

(SHAW e MORAES, 2009). Todos esses pontos mencionados na literatura

revelaram-se no discurso do grupo estudado.

Os membros do grupo relataram ter alterado sua alimentação ao adotar a

Simplicidade Voluntária, passando a consumir alimentos não industrializados.

Preferem a comida caseira, que consideram ser associada à saúde, evitando

alimentos que tenham sido produzidos com agrotóxicos, hormônios e

conservantes.

Muitos se tornaram vegetarianos, outros não comem carne vermelha e

alguns optaram por sementes germinadas e alimentação crua (frutas, verduras),

que chamam de alimentação viva. Não se importam em pagar mais por produtos

saudáveis. Os que residem no interior preferem comprar alimentos de produtores

locais.

“Agora que estou até pela Simplicidade Voluntária, comecei a pesquisar

alimentação mais saudável, mais simples, menos conservantes e coisas

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

101

menos industrializadas (...). Eu era a rainha de comer na rua e se bobeasse

comia todas as refeições na rua. Agora faço todas as refeições em casa,

todas (...). É menos processado, menos industrializados, mais natural, mais

frutas e legumes possível”. (Thalita).

“(...) a gente vai gastar com alimentação saudável, e alimentação saudável

custa caro, infelizmente”. (Carlos).

4.3.5. Consumo de bens

Nas entrevistas e nos debates no grupo virtual, os termos mais recorrentes

sobre consumo de bens foram não acumular, não ter em excesso, ter o que

realmente precisa, reduzir consumo de bens, consumir de forma inteligente, não

cair em armadilhas, e se livrar daquilo que não precisa de maneira consciente.

Estes temas são encontrados na literatura, que enfatiza a redução dos níveis de

consumo dos adeptos da vida simples. Os entrevistados e membros do grupo

desenvolveram mais consciência ao comprar bens, diferenciando o que era de fato

necessário e o que era desnecessário, relatando que esse é um processo contínuo,

já que não acumular, para alguns, é difícil. Declararam ter que, continuamente,

avaliar o que realmente precisavam para comprar de forma inteligente e

consciente e livrar-se do que estava sobrando.

Uma síntese das principais mudanças de cada entrevistado no consumo de

bens materiais é apresentada na Tabela 11.

Tabela 11: Mudanças no consumo de bens

Entrevistado Mudanças

José Menos roupas, sapatos, acessórios; não valoriza marcas famosas; ir menos a

lojas (objetividade); qualidade ao invés de quantidade (apesar de poder ser mais

caro); menos objetos decorativos.

Carlos Menos roupas, sapatos, acessórios; não valoriza marcas famosas; menos

produtos de natureza tecnológica; menor rotatividade de troca de produtos;

qualidade ao invés de quantidade (apesar de poder ser mais caro); livros.

Rubem Menos roupas, sapatos, acessórios; menos produtos de natureza tecnológica;

menor rotatividade de troca de produtos; menos objetos decorativos.

Paulo Menos roupas, sapatos, acessórios; menos produtos de natureza tecnológica;

menor rotatividade de troca de produtos; menos produtos de limpeza; menos

remédios.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

102

Jane Menos roupas, sapatos, acessórios; não valoriza marcas famosas; compra em

brechós; menos produtos de natureza tecnológica; menor rotatividade de troca

de produtos; menos objetos decorativos; preferências por produtos verdes;

livros.

Clarice Menos roupas, sapatos, acessórios; compra em brechós; menor rotatividade de

troca de produtos; qualidade ao invés de quantidade (apesar de poder ser mais

caro); menos produtos de limpeza.

Marta Menos roupas, sapatos, acessórios; não valoriza marcas famosas; menos

produtos de natureza tecnológica; menor rotatividade de troca de produtos;

qualidade ao invés de quantidade (apesar de poder ser mais caro); livros.

Rosa Menos roupas, sapatos, acessórios; não valoriza marcas famosas; menos

produtos de natureza tecnológica; menor rotatividade de troca de produtos;

produtos artesanais, menos produtos industrializados; menos remédios.

Marlena Menos roupas, sapatos, acessórios; menor rotatividade de troca de produtos;

qualidade ao invés de quantidade (apesar de poder ser mais caro); livros.

Thalita Menos roupas, sapatos, acessórios; não valoriza marcas famosas; menos objetos

decorativos; menos produtos femininos.

Eliza Menos roupas, sapatos, acessórios; menos produtos de natureza tecnológica;

Menor rotatividade de troca de produtos.

Beth Menos roupas, sapatos, acessórios; qualidade ao invés de quantidade (pode ser

mais caro); menos remédios; menos produtos femininos.

Catarina Menos roupas, sapatos, acessórios; menos produtos de natureza tecnológica;

menor rotatividade de troca de produtos; preferências por produtos verdes e

socialmente responsáveis; menos produtos femininos; livros.

Para os participantes do grupo da Simplicidade Voluntária, a compra de um

bem somente ocorre quando realmente precisam. Se existir a possibilidade de

consertar o bem, a compra não será necessária. Parece que esse comportamento

ocorre com todos os bens materiais: automóvel, telefone celular, roupas,

acessórios, televisão, ar condicionado e produtos eletrônicos, mesmo com

produtos que envolvem processo de decisão de compra mais complexo, como o

automóvel, que no Brasil representa status (GROHMANN et al., 2012). Os

entrevistados relatam que não se importam em possuir um automóvel de modelo

novo (uma entrevistada tem um carro fabricado em 1997).

Ao comprar um produto, prezam a qualidade, algo que dure, uma vez que

não estão dispostos a trocar o bem sempre que for lançado um modelo novo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

103

Os discursos no grupo virtual também convergem nessa linha. O que é

valorizado não é o acúmulo de bens materiais, mas o uso ou consumo do que

realmente é necessário, sem excessos.

“É ter aquilo que você realmente precisa e usa, na justa medida” (Frase

compartilhada no grupo do Facebook).

“Lá em casa, meu pai comprou uma lava louça, para mim isso foi bem

desnecessário”. (José).

“80% do tempo utilizamos apenas 20% da roupas, então eliminei grande

parte das roupas” (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

Baudrillard (2008) mencionou que, na sociedade moderna, “o essencial está

sempre além do indispensável” (2008, p. 42). Porém, em relação aos resultados do

estudo, parece que as compras, em geral, têm motivações utilitárias. Enquanto

alguns autores apontam que o consumo de produtos, muitas vezes, ocorre em

função do seu significado, não sendo apenas pelas características utilitárias

(LEVY, 1959; BAUDRILLARD, 2008), os entrevistados alegam que compram o

que realmente é útil (Tabela 12). Muitos relatam que não gostam de ir a shopping

centers ou sair para comprar, mostrando não sentir prazer em comprar.

Tabela 12: Principais mudanças no consumo de bens - entrevistas e debates no

grupo

Consumo de

bens

Descrição Alguns depoimentos ilustrativos

Redução do

consumo de

bens

Redução no consumo em

geral, principalmente:

roupas, sapatos, acessórios,

objetos decorativos,

produtos tecnológicos,

remédios, produtos de

limpeza e produtos de

beleza.

“Faz um ano que eu não compro roupa. Hoje

estou com celular que já tem três anos. Se

fosse antigamente, eu teria mudado. Não tenho

pretensão de trocar recentemente.” (Carlos).

“Em relação a sapatos, já cheguei a ter 60

pares. Hoje eu tenho acho que dez”. (Jane).

“Eu não uso sapatos de salto faz muitos anos,

só uso sapatos confortáveis para os meus pés,

afinal são eles que carregam o meu corpo e

devo respeito a eles”. (Frase compartilhada no

grupo do Facebook)

“Duas coisas que eu simplifiquei bastante e dá

como exemplo de coisas de mulher é não fazer

unha e não pintar cabelo” (Thalita)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

104

Produtos com

qualidade e

durabilidade

Preferência por produtos

com qualidade e longa

durabilidade, podendo ser

mais caros e não

necessariamente de marcas

famosas

“Sem me preocupar se a marca é conhecida ou

não”. (José)

“Sendo de qualidade, compro em qualquer

lugar. Não sou presa à marcas nem a status”.

(Frase compartilhada no grupo do Facebook).

Produtos

ecológicos e

socialmente

responsáveis

Preferência por produtos que

não agridam o meio

ambiente e marcas

conhecidas pela ética e

responsabilidade social.

Boicote a marcas social e

ambientalmente incorretas.

“Tomando consciência, quando eu vou

comprar alguma coisa quero saber se faz teste

com animais e se tem consciência”. (Catarina).

“Eu não compro, sei lá, eu não compro

determinado material, não é biodegradável,

que faz mal, que não sei o que, não vou

comprar esse tipo de material. Às vezes eu

pago um pouco mais caro, para ter alguma

coisa mais limpa” (Jane).

Compra de

produtos usados

Compra de roupas, livros e

acessórios em brechó,

bazares e sebos.

“Eu compro muita roupa em brechó”. (Jane).

“Gosto mais de bazares. Além das roupas

serem mais baratas, ajudo as entidades”. (Frase

compartilhada no grupo do Facebook).

Uso de

produtos até o

fim da vida útil

Não trocam produtos só

porque foi lançado modelo

novo ou entrou na moda.

Utilizam o produto até não

funcionar mais. Tentam

consertá-lo ao invés de

comprar um novo.

“Se você for olhar o meu celular, os meus

amigos me gozam, é jurássico (...). Mas só se

ele quebrar ou ficar com defeito e ser uma

coisa assim, mas não porque saiu o próximo

aparelho”. (Eliza).

“Então eu acho que eu gastei para consertar

uma coisa que para mim vai continuar sendo

útil. Não precisei comprar um sapato novo”.

(Marta).

Produtos

artesanais e

locais

Preferência por produtos

feitos a mão e vendidos

localmente.

“A simplicidade passa muito pela coisa do

trabalho manual, do prestigio ao artesanato,

você valorizar as coisas mais artesanais e

menos industrializadas” (Rosa).

“Eu gosto mais de feira, por ser uma cidade

pequena os feirantes são os próprios

produtores” (Catarina).

Produtos mais

simples

Redução da complexidade

tecnológica. Roupas simples.

“Até menos tecnologia, você não vai estar

preocupada com o telefone último modelo,

nem com o último modelo de televisão (...). Eu

estou com um iPad (...) porque eu tive uma

oportunidade de comprar” (Rosa)

“Gosto de roupas simples e confortáveis”

(Frase compartilhada no grupo do Facebook).

“Minha vestimenta ficou muito simples”.

(Marta).

Valorização do

consumo de

livros

São apaixonados por livros.

Difícil reduzir consumo.

Compram em sebos, pegam

empréstimos, fazem trocas,

mas continuam comprando.

“Esse é o meu pecado. Eu sou louca por livros,

eu não posso ver, fico assim, tentada (...). Mas

sempre tento comprar em sebos”. (Catarina)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

105

“(...) eu compro o novo, eu doo depois, às

vezes eu doo os livros todos novos, porque eu

sei que eu não vou ler mais. Ou às vezes eu

troco”. (Jane).

Recebimento de

doações

Alguns já receberam

doações de roupas de

pessoas conhecidas.

“Até tinha uma sobrinha, ela foi engordando e

ela acabava dando muita roupa para mim.

Então tinha umas roupas bem bonitas mesmo,

então tinha muita roupa.” (Clarice)

Os resultados encontrados estão de acordo com achados apresentados na

literatura, identificando as principais mudanças que ocorrem no consumo de bens

daqueles que optam pela vida simples. Todas as pesquisas sobre Simplicidade

Voluntária destacam a redução do consumo de bens em geral. Os praticantes da

vida simples compram menos bens materiais, evitando acúmulo e excesso do que

não é necessário. Compram para satisfazer a necessidade real, deixando de

consumir produtos supérfluos (SHAMA, 1981; SHAMA, 1995; IWATA, 1997;

ETZIONI, 1998; CRAIG-LEES e HILL, 2002; JOHNSTON e BURTON, 2003;

HUNEKE, 2005; MCDONALD et al., 2006; BEKIN et al., 2007; CHERRIER,

2009b; SHAW e MORAES, 2009; BALLANTINE e CREERY, 2010). Porém,

quando precisam comprar um produto, dão preferência àqueles com qualidade,

que duram mais, mesmo que sejam mais caros (IWATA, 1997; SHAMA, 1981;

ELGIN, 2000; JOHNSTON e BURTON, 2003; HUNEKE, 2005; SHAW e

MORAES, 2009; BALLANTINE e CREERY, 2010), a produtos mais simples

(SHAMA, 1981) ou ecológicos e socialmente responsáveis (ELGIN, 2000;

CRAIG-LEES e HILL, 2002; JOHNSTON e BURTON, 2003; HUNEKE, 2005;

MCDONALD et al., 2006; OATES et al., 2008; SHAW e MORAES, 2009;

BALLANTINE e CREERY, 2010; ALEXANDER e USSHER, 2011). Boicotam

produtos de empresas antiéticas e que agridem o meio ambiente (ELGIN, 2000;

OATES et al., 2008).

Shama (1985) e Elgin (2000) enfatizaram a valorização da compra de

produtos eficientes, que não desperdiçam energia, e de produtos funcionais.

Craig-Lees e Hill (2002) também citaram a compra de produtos funcionais.

Outros autores identificaram a compra de produtos usados, chamados

‘produtos de segunda-mão’, como roupas, automóveis e mobília (LEONARD-

BURTON, 1981; CRAIG-LEES e HILL, 2002; BEKIN et al., 2005;

BALLANTINE e CREERY, 2010).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

106

Os adeptos da vida simples tendem a utilizar o produto até parar de

funcionar, não valorizando a troca constante de bens por modelos novos e que

estão na moda (ETZIONI, 1998), recorrendo, em muitos momentos, a consertos,

empréstimos e trocas (ALBINSSON e PERERA, 2009). Alguns passam a

produzir seus produtos (LEONARD-BURTON, 1981; SHAMA, 1981), como

roupas, acessórios e presentes criativos. Outros preferem comprar em lojas locais

menores (SHAMA, 1981; BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; SHAW e

MORAES, 2009; ABDALA e MOCELLIN, 2010). Os resultados aqui

encontrados reforçam esses achados anteriores. Contudo, apontaram para a

valorização da compra de livros. Entrevistados relataram a paixão pela leitura e os

membros do grupo virtual indicam livros uns aos outros. Apesar de tentarem

reduzir as compras, por meio de empréstimos e trocas, ainda os adquirem em

sebos e livrarias e, após sua leitura, doam-nos, pois não irão mais precisar deles.

Alguns entrevistados e membros do grupo relataram que já receberam

doações de roupas de conhecidos, que doam para amigos e familiares, em bom

estado, o que reduz ainda mais a necessidade de comprar. Este também é um

achado interessante, que não recebe atenção na literatura.

4.3.6. Descarte

As formas de descarte encontradas nas entrevistas e nos debates no grupo

foram a reciclagem (separar o lixo para coleta seletiva), o reaproveitamento de

objetos (dar novos usos a objetos que não servem mais), a doação ou troca do que

não está em uso, a redução do lixo, para minimizar desperdício (não utilizar

sacola plástica em compras de supermercado, reduzir o uso de papel, reduzir as

sobras de alimentos).

Alguns depoimentos ilustram a preocupação com o descarte de produtos.

“(...) alimentação a gente nunca descarta, sempre faço a quantidade certa

para mim e para ele (o marido)”. (Catarina).

“Estou há dois anos e meio sem gerar resíduo algum. Aproveito tudo e, o

que não aproveito está guardado para aproveitar. Precisamos ter consciência

dos resíduos no ato da compra, só isso...Se posso, qualquer um pode.”

(Frase compartilhada no grupo do Facebook).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

107

O descarte é mencionado frequentemente nos estudos sobre Simplicidade

Voluntária. Os praticantes separam produtos para reciclagem (LEONARD-

BURTON, 1981; ELGIN, 2000; HUNEKE, 2005; MCDONALD et al., 2006;

PEPPER et al., 2009), evitam desperdício (IWATA, 1997), doam objetos que não

usam (PEPPER et al., 2009) e reutilizam ou reaproveitam produtos (BEKIN et al.,

2007). Os resultados aqui encontrados estão coerentes com o conhecimento

existente sobre o tema.

O cuidado com o descarte foi um ponto relatado pelos entrevistados e pelo

grupo virtual quando nas fases iniciais da adoção da Simplicidade Voluntária.

Como alguns membros do grupo tinham muitos bens materiais, tiveram que se

desfazer do que não precisavam, doando aquilo que não necessitavam.

“Há alguns anos doei meus ternos, sapatos,gravatas de seda...Hoje, quando

muito, reponho peças básicas...Espero nunca mais torrar uma única hora de

minha vida escolhendo roupas, muito menos para uso formal”. (Frase

compartilhada no grupo do Facebook).

“Arrumei meus armários e gavetas e separei itens para doação/ brechós”.

(Frase compartilhada no grupo do Facebook).

4.3.7. Vida organizada

Organização diz respeito a livrar-se da desordem, reduzir quantidade de

papéis e de objetos em casa (HUNEKE, 2005).

Nas entrevistas e nas discussões no grupo virtual, a organização foi

apontada como uma das mudanças importantes para tornar-se simples. Os

participantes do grupo relataram terem reduzido a quantidade de itens que

ocupavam espaço e desorganizavam a vida, na forma apresentada por Huneke

(2005). Avaliaram continuamente o que devia ser doado e controlavam melhor

suas finanças. Para eles, quem não conseguir tornar-se organizado, terá

dificuldades para adotar a Simplicidade Voluntária.

“Eu vou falar para você, perdia muito tempo, eu morava com minha mãe, eu

gostava de bibelôzinho, eu vivia doando bibelô, eu vivia tendo bibelô,

porque alguém me dava ou eu comprava e tal. Eu comecei a me desprender

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

108

dos bibelôs, eu comecei a limpar a casa mais rápido. Porque você não tem

mais tanta coisa para ficar passando paninho”. (Jane).

“Casas mais simples, sem tralha, são mais fáceis de manter. Quando

comecei a entrar em contato com a SV, em 2007 (...), um site de

organização doméstica me ajudou muito (...). Aprendi que tralha nunca é

organizável, temos é que nos desvencilhar dela!” (Frase compartilhada no

grupo do Facebook)

4.3.8. Experiências e vivências

Apesar de terem reduzido drasticamente o consumo de produtos, os

entrevistados e membros do grupo valorizam experiências e vivências. Para eles, é

mais prazeroso gastar o tempo com momentos do que comprando produtos: “Que

tal não dar coisas e sim momentos?” (Frase compartilhada no grupo).

Crescimento intelectual, espiritual e emocional (IWATA, 1997;

ELGIN, 2000; HUNEKE, 2005);

Momentos de lazer (IWATA, 1997);

Contato com a natureza (ELGIN, 2000; SHAW e MORAES,

2009);

Atenção aos familiares e amigos (HUNEKE, 2005).

As experiências estavam relacionadas tanto a atividades gratuitas, como a

atividades que demandavam custo financeiro (consumo de serviços): viagens;

contato com a natureza e consigo mesmo; atividades culturais; cursos; contato

com familiares e amigos; momentos de lazer; praticar esportes.

Valorização de viagens

Muitos dos entrevistados são apaixonados por viagens, conhecendo novos

lugares, culturas e pessoas. Para eles, viagens trazem conhecimento, experiência

de vida, reflexão e descanso. Um dos entrevistados estava na Austrália por

ocasião da entrevista. Havia pedido demissão no emprego, por insatisfação, e foi

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

109

passar seis meses em outro país, para ter uma experiência diferente de vida e para

refletir sobre seus planos futuros.

Para os adeptos da vida simples, viagens representam momentos que

proporcionam prazer e divertimento, além de ser um bom momento para estreitar

relacionamento com amigos e familiares. Consideram que viagens agregam

conhecimento e vivência para suas vidas, conhecendo outras culturas. São

experiências que ficarão em suas memórias para sempre.

“Se meu filho fizer aniversário, eu falo: vamos fazer um passeio, vamos

fazer uma viagem aqui pertinho de São Paulo, vamos ficar numa pousada.

Assim, do que comprar. “Eu quero trocar o videogame”. Não, filho, fica

com o seu aí. Eu acho que vale mais uma experiência de vida. Isso eu acho

que traz mais do que a coisa. Eu acho que a simplicidade voluntária vai

muito nisso, trocar coisas que você põe no armário, usa uma vez, duas,

guarda, trocar isso por um momento”. (Rubem).

“Eu viajo muito. E as pessoas, às vezes, não entendem como eu gasto

dinheiro viajando e não gasto dinheiro comprando uma televisão nova”.

(Marta).

Contato com a natureza e consigo mesmo

Os relatos indicam a vontade dos membros do grupo em estarem mais em

contato com a natureza, por meio de passeios, caminhadas ou viagens. Alguns têm

plantações e jardins em casa, não somente para plantar parte do alimento que

consomem, mas pelo prazer de estar em contato com a natureza.

“Esse contato com a natureza é fundamental para mim... Recarrega as

baterias legal...” (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

Buscam também estar em contato consigo mesmos, praticando ioga ou

meditação. Valorizam o tempo livre, para poderem refletir sobre suas vidas.

“Ficar à toa deitado numa rede, porque eu acho que o ócio faz parte da vida

da gente”. (Clarice).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

110

Atividades culturais

Entrevistados valorizam programas culturais, como cinema, teatro e museus,

atividades que aliam conhecimento e prazer. Eliza gosta de pintar, Beth de tocar

instrumentos musicais. O grupo do Facebook divulga filmes em cartaz, peças de

teatro, exposições e eventos, que eles consideram interessantes e músicas de seus

gostos. Alguns já se encontraram pessoalmente em eventos musicais e divulgaram

no fórum fotos do encontro.

Para eles, essas atividades agregam conhecimento, o que consideram

importante. Não valorizam o acúmulo de bens, preferindo acumular conhecimento

e momentos de lazer e divertimento.

Por outro lado, os adeptos da vida simples não estão dispostos a gastar

muito dinheiro com essas atividades, já que considerariam um gasto exagerado,

dada a variedade de atividades culturais existentes, que possibilitam gastos

reduzidos.

“Dança é um negócio que eu gasto, aulas de música, agora eu vou tentar de

graça. Mas assim, eu não economizo muito em termos de serviços. É porque

eu acho que é um ganho permanente, eu sinto como um ganho permanente”.

(Catarina).

“Curtir não precisa ser sinônimo de gastar dinheiro, podemos obter prazer, e

muito, na simplicidade, longe das grandes mesas e grandes luxos! A música-

por vezes disponível até gratuitamente numa praça pública da sua cidade- é

uma grande fonte de diversão” (Frase compartilhada no grupo no

Facebook).

Importância de fazer cursos

Outra atividade relevante para os entrevistados é o aprendizado. Valorizam

a obtenção de conhecimento, representando gastos dos quais não abrem mão,

principalmente em relação a seus filhos. Como valorizam o acúmulo de

conhecimento e formação pessoal, estão dispostos a investir em cursos.

“Ah, curso, eu invisto muito em curso, a gente investe (...). Curso a gente

não tem dó. Porque é conhecimento”. (Jane).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

111

“Os cursos que eu faço de ioga, sempre que tem um professor de fora, eu

sempre faço. Mas são coisas que me fazem muito bem, então são coisas que

eu faço questão também. Hoje, talvez eu seja mais seletiva, antes eu fazia

tudo (...). A escola do meu filho também, a gente não falou de escola, mas

assim, é uma coisa que é um gasto essencial, não tem como abrir mão desse

tipo de gasto”. (Marlena).

Contato com familiares e amigos

Os relatos evidenciam a importância do convívio com familiares e amigos,

que representam experiências importantes, fortalecedoras de laços pessoais e

fontes de prazer. Essas experiências podem ser reunião com amigos e familiares

em casa ou em restaurantes (alguns entrevistados optaram por reduzir ida a

restaurantes e receber amigos em casa, outros preferem ir a restaurantes para

encontrar conhecidos e estreitar relacionamentos), atividades culturais ou viagens

em grupo.

“O nosso propósito é valorizar a família e os amigos, a gente parou de gastar

dinheiro com pizzaria, churrascaria, restaurante (...). A gente aumentou os

gastos com alimentação, porque a gente recebe amigos em casa.” (Carlos).

Praticar esportes

A prática de esportes e de exercícios físicos é muito valorizada pelos

entrevistados, que, além de serem saudáveis, são uma forma de estar bem consigo

próprio.

Muitas vezes, as atividades esportivas estão aliadas ao contato com a

natureza, fazendo caminhadas em praias ou praças. Valorizam atividades ao ar

livre.

“Eu comecei a inserir atividade física no meu cotidiano”. (Jane).

O grupo valoriza experiências, que muitas vezes ocorrem através de

serviços, preferidos à aquisição de bens.

“Estou vivendo, se eu morrer ali na esquina, eu vou levar comigo as

impressões, as impressões do que eu vivi, não do que eu tenho. Se eu morrer

ali, as coisas vão ficar tudo aí, o que eu vivi eu levo no espírito, na alma, a

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

112

experiência. A felicidade, ela se resume aos momentos que eu vivo que são

felizes”. (Jane).

Embora tenham ressaltado a importância de experiências e de vivências dos

adeptos da Simplicidade Voluntária (IWATA, 1997; ELGIN, 2000; HUNEKE,

2005; SHAW e MORAES, 2009), estudos encontrados na literatura não são

aprofundados em relação à valorização do contato com pessoas, com natureza e

consigo mesmo e em momentos de lazer, ignorando o consumo de serviços que

geram experiências. Craig-Lees e Hill (2002) mencionaram que o consumo de

serviços dos adeptos da Simplicidade Voluntária diminuiu, mas não especificaram

razões para a redução, nem detalharam de que forma ela se deu.

Os resultados aqui encontrados sugerem que os adeptos da Simplicidade

Voluntária reduzem o consumo de bens materiais, valorizando o consumo de

serviços, por representarem experiências prazerosas e enriquecedoras: o prazer

está associado a serviços e não a bens.

A Tabela 13 resume os serviços valorizados por cada entrevistado.

Tabela 13: Serviços valorizados

Entrevistados Serviços

José Viagens

Carlos Viagens, cursos

Rubem Viagens, restaurantes, atividades físicas

Paulo Viagens, atividades físicas

Jane Viagens, cursos, restaurantes, atividades físicas

Clarice Viagens, restaurantes, atividades físicas

Marta Viagens, atividades culturais

Rosa Viagens, cursos

Marlena Viagens, cursos, atividades físicas, cinema e outras atividades culturais

Thalita Viagens

Eliza Viagens, cinema, teatro, espetáculos de dança, museu e outras atividades

culturais.

Beth Atividades culturais

Catarina Viagens

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

113

Dentre as experiências, as mais valorizadas são as viagens, que servem para

dar prazer e conhecer novas culturas e pessoas. Relataram não abrir mão de

viagens, ainda que sejam para lugares próximos do local onde residem.

Atividades culturais também são valorizadas, como cinema, teatro, museu e

espetáculos de dança e música, momentos de entretenimento que agregam

conhecimento. No grupo virtual, alguns membros já combinaram de se encontrar

em um evento de música.

Entrevistados relataram a importância de estudar assuntos novos em cursos

profissionais e acadêmicos, que representam um investimento pessoal e

profissional. Apesar de relatarem não ter ambições de posições e salários mais

altos no trabalho, querem aprender mais.

A prática de exercícios físicos é comum entre os entrevistados, embora, na

maior parte das vezes, se dê em áreas livres, como parques e praias. A ida a

restaurantes foi um item em que houve controvérsia entre os entrevistados e

membros do grupo: Rubem, Jane e Clarice associam ir a um restaurante a um

momento de prazer, enquanto que Carlos, Thalita, Catarina e Marlena preferem

comer em casa, em ambiente mais propício para receber amigos e familiares, uma

oportunidade de preparar comidas mais saudáveis.

4.3.9. Consciência ambiental e social

A literatura aponta o desenvolvimento de maior consciência, ecológica e

social, dos adeptos da Simplicidade Voluntária. A consciência ecológica envolve

valorizar produtos ecológicos, minimizar desperdício e impactos ambientais,

reciclar produtos, buscar informações sobre a preservação do meio ambiente e

contribuir para organizações ou causas que defendam o meio ambiente

(LEONARDO-BURTON, 1981; SHAMA, 1985; IWATA, 1997; ELGIN, 2000;

JOHNSTON e BURTON, 2003; BEKIN et al, 2007; OATES et al., 2008;

ALBINSSON e PERERA, 2009; ALEXANDER e USSHER, 2011). Parece que

os membros do grupo adquiriram consciência ambiental, apesar de suas

motivações para aderirem à Simplicidade Voluntária parecerem ser de interesse

pessoal. Ao praticá-la, passaram a preocupar-se mais com questões ambientais.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

114

“A Simplicidade Voluntária também passa pelo uso que você faz da água,

da luz, uma série de coisas. Eu tenho ar condicionado (...), não vou deixar

ligado se não for necessário.” (Eliza).

A literatura também menciona a consciência social adquirida por adeptos da

vida simples, que passam a se preocupar com pessoas necessitadas, com o

maltrato a animais e com rejeição a empresas antiéticas (ELGIN, 2000;

CHERRIER, 2009b; ALEXANDER e USSHER, 2011). Os adeptos da

Simplicidade Voluntária tornam-se politizados e conscientes em relação ao que

acontece no mundo (ALEXANDER e USSHER, 2011).

Os membros do grupo adquiriram maior preocupação com a sociedade,

mantendo-se informados e realizando doações financeiras para instituições de

caridade, ou doação de produtos e trabalhos voluntários.

“Eu e a minha esposa, hoje a gente doa, a gente assiste uma ONG que cuida

de pessoas pobres lá no nordeste. A gente não tem condição de ajudar hoje

fisicamente, pessoalmente, mas a gente doa financeiramente. Por quê?

Porque a gente deixou de gastar com consumo desnecessário e pega esse

dinheiro, essa parte da renda e redistribui”. (Carlos).

No grupo, os membros discutem bastante sobre a sociedade e sobre o meio

ambiente, compartilhando reflexões e informações sobre diversos temas:

o Aumento do consumismo e do materialismo, principalmente o

infantil, e suas consequências negativas;

o Aumento da população obesa, por causa de alimentação

inadequada;

o Consumidores compulsivos;

o O papel da propaganda, muitos consideram que ela deturpa o que é

importante e ilude as pessoas;

o Consideram o sistema de educação moldado para atender

demandas do mercado, sem priorizar o desenvolvimento de

pensamento crítico e criativo;

o O esgotamento dos recursos do planeta;

o Os problemas sociais e econômicos no mundo;

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

115

o A passividade das pessoas com menos senso crítico, reclamando

muito, mas pouco fazendo para mudar;

o A falta de sentido na vida das pessoas e suas consequências:

consumismo, uso de drogas, infelicidade, depressão, violência.

o Importância da reflexão diária para não viver de forma automática,

sem pensar no que se está fazendo. Uma frase compartilhada no

grupo ilustra uma dessas discussões:

"Não é suficiente simplesmente viver no mundo como ele é e fazer o que os

adultos disseram que você deve fazer, ou o que a sociedade diz que você

deve fazer. Eu acredito que você deve sempre estar se questionando (...). As

coisas podem ser mudadas. E mais importante: há coisas que são erradas e

devem ser mudadas. Depois que percebi isso, não havia como voltar

atrás." (Aaron Swartz).

4.3.10. Síntese do que foi mudado na adoção da vida simples

A Figura 6 sintetiza as principais mudanças na vida dos membros do grupo.

Cada mudança está seguida por uma seta, que indica se o comportamento

aumentou ou diminuiu.

Figura 6: Principais mudanças do grupo

Tempo dedicado ao trabalho Consumo de bens

Complexidade da moradia Preocupação com descarte de bens

Uso de transporte público Organização da vida

Uso de alimentos industrializados Valorização de Experiências/Vivências

Consciência ambiental Consciência social

Processo contínuo

PRINCIPAIS MUDANÇAS

Avaliação periódica sobre o que precisa mudar

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

116

Os membros do grupo pesquisado reduziram sua jornada de trabalho (alguns

reduziram também o salário), o tamanho da casa ou simplificaram suas

residências, tendo menor quantidade de produtos e móveis, ou mudando-se para

imóveis menores, gastos com alimentos (alguns plantam o que comem ou

reduziram os gastos, para evitar desperdício de alimentos), consumo de bens,

descarte (alguns reaproveitam objetos, evitam desperdício ou produzem pouco

lixo). Por outro lado, aumentaram o uso de transporte público (em detrimento dos

automóveis), a valorização das experiências, organização da vida (para evitar o

acúmulo de bens) e adquiriram maior consciência ambiental e social.

Dez entrevistados ressaltaram que as mudanças ocorridas constituem um

processo contínuo, com vigilância diária, sublinhando que ainda não mudaram

tudo que gostariam e ressaltando a importância de estarem alertas sobre o que

podem mudar mais em relação à vida simples, ou evitando retornar hábitos

antigos. Para eles, é importante informar-se sobre quais novas práticas da

Simplicidade Voluntária podem ser adotadas.

“A Simplicidade Voluntária tem que ser constante, acho que a gente nunca

vai chegar à perfeição, é uma coisa que sempre tem que melhorar, sempre

tem que buscar aonde pode melhorar”. (José).

Seis entrevistados consideraram que as mudanças para se tornarem simples

são fáceis de colocar em prática. Como queriam resgatar valores de simplicidade

dos familiares, que já fizeram parte de suas vidas, ou por perceberem a evolução

pessoal que a Simplicidade Voluntária representaria (como não acumular bens, ter

trabalhos mais prazerosos, ter uma vida com mais sentido), a migração para a

Simplicidade Voluntária foi fácil.

Por outro lado, os demais entrevistados relataram dificuldades, identificar o

que é necessário e o que é supérfluo demandou esforço.

“Eu acho que não é fácil. Tem umas partes fáceis até (...). É difícil saber se

aquilo é importante para mim (...). Então assim, eu tinha um notebook e um

netbook, aí eu estava toda preocupada porque eu perdi o carregador do

notebook, aí de repente eu me toquei que eu não preciso do notebook. Mas,

demorou para eu me desapegar”. (Beth).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

117

Alguns se desfaziam de alguma coisa, mas viam que tinham necessidade

dela e a compravam novamente. Mas essas dificuldades, em alguns casos, foram

superadas rapidamente.

“Eu gosto muito de doar as coisas. Então, eu comecei a observar um padrão

novo, que eu doava muito, mas eu precisava comprar tudo de novo. Porque

às vezes pela compulsão de doar ou por achar que eu preciso, eu acabava me

desfazendo de coisas que eu não precisava me desfazer”. (Marlena).

Diversos estudos identificaram dificuldades para se tornar adepto da

Simplicidade Voluntária (SHI, 1997; HUNEKE, 2005; ALEXANDER e

USSHER, 2011), como a redução da carga horária de trabalho, porém ainda é um

assunto pouco abordado. A literatura enfatiza mais a mudança do que as

facilidades ou dificuldades enfrentadas.

O presente estudo identificou que alguns acham a mudança para a vida

simples fácil de ser colocada em prática, porém outros a veem como uma

mudança difícil, principalmente no início do processo de adoção, quando devem

decidir quais são os bens que precisam e quais não necessitam, sendo um assunto

pouco explorado na literatura.

4.4. Benefícios e pontos negativos percebidos na adoção da Simplicidade Voluntária

4.4.1. Benefícios percebidos

A prática da Simplicidade Voluntária parece resultar em consequências

positivas.

Benefícios pessoais relatados (Tabela 14) envolveram felicidade,

tranquilidade e qualidade de vida (relacionados à vida mais prazerosa), saúde

(devido à alimentação saudável e redução de jornada de trabalho), economia

(redução de gastos desnecessários), economia de tempo (gasto com trabalho

excessivo e compra de bens) e liberdade (não se submeter à pressão social).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

118

Tabela 14: Benefícios da Simplicidade Voluntária

Benefícios Pessoais Benefícios Coletivos

Felicidade Preservação do meio ambiente

Tranquilidade Contribuições para a sociedade

Qualidade de vida

Saúde

Economia financeira

Economia de tempo

Liberdade

Os membros do grupo discutem, de forma recorrente, os benefícios que a

vida simples traz às suas vidas (Figura 7).

Figura 7: Benefícios percebidos

Fonte: Página do Facebook de “Liberte-se do Sistema”

Os entrevistados também percebem benefícios para o meio ambiente e para

a sociedade. Ao adotar a Simplicidade Voluntária, consideram que estão

beneficiando o planeta: o fato de mudarem individualmente contribui para um

mundo melhor. Muitos citaram a frase de Mahatma Gandhi: “Seja a mudança que

você quer ver no mundo”.

Apesar da literatura sobre Simplicidade Voluntária dar mais atenção às

mudanças na vida dos adeptos do que suas consequências, alguns estudos

destacam os benefícios de se tornar simples: felicidade (ETZIONI, 1998;

JOHNSTON e BURTON, 2003; ALEXANDER e USSHER, 2011), tranquilidade

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

119

(ETZIONI, 1998; JOHNSTON e BURTON, 2003; ELGIN, 2012), qualidade de

vida (JOHNSTON e BURTON, 2003; HUNEKE, 2005), economia de tempo

(JOHNSTON e BURTON, 2003) e de dinheiro (CRAIG-LEES e HILL, 2002),

maior controle da vida (ELGIN e MITCHELL, 1977b; LEONARD-BARTON e

ROGERS, 1980; IWATA, 1997; JOHNSTON e BURTON, 2003; BEKIN et al.,

2005), saúde (IWATA, 1997) e minimização de impactos ambientais e sociais

(JOHNSTON e BURTON, 2003; ELGIN, 2012). Elgin (2012) considera que a

adoção da Simplicidade Voluntária é uma das formas para minimizar alguns

problemas do mundo, principalmente ambientais.

Os resultados corroboram estudos anteriores sobre o tema.

“Acho que ter menos coisas, dá uma sensação de liberdade, a gente fica

presa a tantas coisas: tem que ter – tem que ser – tem que mostrar. Com

essas escolhas eu percebo que é mais leve, eu me sinto mais leve”.

(Catarina).

“A terra não está suportando, não estamos olhando o amanhã, tudo tem que

ser o imediatismo, tudo tem que ser agora, eu acho que a Simplicidade

Voluntária é até uma questão de sobrevivência”. (Catarina).

4.4.2. Pontos negativos percebidos

Estudos existentes sobre a Simplicidade Voluntária não mencionaram

aspectos negativos da adoção da vida simples, embora haja referências à

dificuldade de abrir mão de bens materiais (SHI, 1997) ou de tornar-se

autossuficiente (BEKIN et al., 2005). Bekin et al. (2005) sublinham que adeptos

da vida simples, residentes em comunidades alternativas, em determinados

momentos, têm necessidade de trabalhar demasiadamente para a comunidade,

contrariando um dos motivos para adotar a Simplicidade Voluntária.

Entrevistados e outros membros do grupo mencionam que o principal ponto

negativo é o isolamento de alguns conhecidos, devido a diferenças de criação e

forma de viver. Este pode ser um isolamento que não é de natureza física, quando

são incompreendidos pelas pessoas ao redor, criticados ou questionados sobre as

razões para ser simples. Relatam que, quem não os conhece, confunde a vida que

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

120

levam com voto de pobreza ou mesquinharia. A Simplicidade Voluntária, na visão

do grupo, é “remar contra a maré”, “contramão de tudo”.

“Olha, ponto negativo eu acho que seria você se afastar um pouco dos

amigos e da família (...). Não que tenha conflito, mas a convivência acaba

tendo um afastamento sim. Isso não tem como negar.” (José).

“As pessoas não entendem. As pessoas confundem com mesquinharia, as

pessoas confundem com pobreza, as pessoas confundem com um monte de

coisa: Você quer ser pobre? Mas você é muito pão-duro! (...). As pessoas

olham para você e falam assim: esse cara é louco, loucura”. (Carlos).

“Curiosidade, vocês são taxados de pão-duro por não serem consumistas?

Sofro isso a todo instante. As pessoas pegam no meu pé porque não compro

nada. Dizem porque você não troca de carro, pega um melhorzinho? Tenho

um Uno que quase não uso que funciona perfeitamente, porque iria trocar?

Ah, troque esse computador, pega um mais "massa". O meu me atende pro

que quero, porque preciso de um novo? Escuto isso o tempo todo "você tem

dinheiro, porque não compra? Deixa de ser pão-duro". Mas não é esse o

caso, simplesmente não preciso... não quero...” (Frase compartilhada no

grupo do Facebook).

A literatura sobre Simplicidade Voluntária não aborda o isolamento dos

adeptos, embora seja um assunto recorrente no discurso do grupo investigado.

Em seus estudos sobre solidão, Weiss (1973) a divide em duas dimensões: a

emocional e o isolamento social. A solidão emocional geralmente é associada à

perda de um ente querido (familiares, amigos), que faz com que a pessoa sinta-se

emocionalmente sozinha. O isolamento social ocorre quando um indivíduo não se

sente integrado a alguma rede de relacionamentos, excluído de alguma

comunidade.

Os entrevistados e membros do grupo relatam sofrer de solidão de

isolamento social, por distanciarem-se de pessoas conhecidas (familiares e

amigos), ou por serem incompreendidos.

“Com isso você acaba se afastando da família e dos amigos um pouco. É a

pior parte. Acho que na própria vivencia também, não que tenha conflito,

mas a convivência acaba tendo um afastamento sim. Isso não tem como

negar”. (José).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

121

4.5. O Grupo do Facebook na visão dos entrevistados

Ao acompanhar os debates do grupo virtual, sentiu-se a necessidade de

inserir uma questão em relação ao grupo do Facebook sobre a visão dos

entrevistados, no roteiro de entrevista. Notou-se que os membros trocavam

informação sobre como se tornar simples, muitas vezes de forma detalhada (como

exemplo, um passo a passo para preparar alimentação saudável ou debates sobre

qual a melhor forma de se obter água filtrada – filtro de barro, filtro

industrializado, compra de garrafões de água). Como a troca de informações é

intensa, houve necessidade de entender o papel do grupo virtual para os

entrevistados.

Descobriram e entraram no grupo após realizarem pesquisas on-line sobre

Simplicidade Voluntária. Há mais de um ano, o grupo existia na rede social Orkut,

mas com a redução de sua utilização no Brasil, criou-se o grupo no Facebook.

Apesar de ter 280 membros, poucos interagem com frequência.

Em geral, as amizades são virtuais, eles adicionaram-se uns aos outros na

rede de amigos virtuais e trocam mensagens e e-mails. Algumas amizades já se

tornaram reais, ao marcarem de se conhecer quando visitam a cidade de residência

de alguém do grupo.

“Inclusive eu já as conheci pessoalmente em 2011. A gente foi num evento,

Ioga da Paz (...). A gente se encontrou lá, foi super bacana”. (Rubem).

Os entrevistados consideram o grupo como referência, pois recebem apoio,

conhecem outros que os entendem e aprendem sobre o que fazer para ser simples.

Compartilham vídeos, discutem sobre hábitos diários, dão informações sobre

produtos, conversam sobre o que está acontecendo no mundo.

“Eu acho o grupo sensacional (...). Então eu acho que o grupo proporciona

isso, eles te dão ideias, de falar: Eu tenho isso daqui, eu não uso isso aqui

para nada, eu vou doar, mas será que aquilo ali mais tarde eu não vou

precisar, eu vou usar de que maneira aquilo, eu posso utilizar de que

maneira?” (Jane).

“Então é uma troca de ideias mesmo e respeitando o ponto de vista do

outro”. (Thalita).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

122

Também há desabafos: quando alguém sente a necessidade de pedir ajuda,

sabe que pode contar com o grupo, pois são pessoas que os entendem.

“Inclusive esse grupo me fortalece nesse momento, porque eu fiz uma

loucura no senso comum (...). E ao mesmo tempo, eu pedi socorro para

algumas pessoas do grupo, tipo assim, se eu falar para as pessoas (que não

são do grupo) elas não entendem (...). As pessoas (do grupo) se apoiam,

elas acabam se agrupando, acabam querendo se conhecer, acabam se

fortalecendo uma as outras”. (Beth).

“Vocês me enchem de esperança - pois hoje eu sei que não estou "remando

contra a maré" sozinha!” (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

A comunidade no Facebook pode ser considerada como um grupo de

referência (SOLOMON, 2011) importante na vida dos entrevistados, é um meio

que possibilita conhecer pessoas com o mesmo objetivo, que os compreendam.

“Eu senti muita identidade com as pessoas, com as buscas, com os temas.

Sempre eram coisas que faziam parte das minhas buscas diárias, do meu dia

a dia, das minhas, assim, a leitura que eu buscava fazer, os livros, essa coisa

de organizar a casa, de simplificar, de reduzir coisas. Tudo isso que eu via

falando ali, eram coisas que eu sentia que eu buscava, mas não tinha, vamos

dizer, não estava conversando isso com ninguém do mundo real. E ali eu

encontrei essa identidade com as pessoas (...). Então foram coisas que,

assim, amizades que foram até se consolidando a partir do grupo”.

(Marlena).

Além de ser um grupo de referência, o grupo virtual funciona como uma

comunidade ou tribo. Uma tribo é um grupo que possui um senso de identificação

uns com os outros, compartilham os mesmos valores e visão de vida (COVA,

1997). Nessas comunidades e tribos, os indivíduos “compartilham emoções,

estilos de vida, novas crenças morais, senso de justiça e práticas de consumo”

(COVA, 1997, p. 301) e também se formam de maneira virtual (ARMSTRONG e

HAGEL III, 1996; COVA, 1997; KOZINETS, 1999).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

123

4.6. Entendimento do grupo sobre a Simplicidade Voluntária

Optou-se, em um primeiro momento, por perguntar para os entrevistados o

que Simplicidade Voluntária significa (primeira pergunta do roteiro de entrevista).

Em seguida, procurou-se compreender como eles construíram esse entendimento,

ao longo da entrevista.

Quando perguntados no início da entrevista sobre o que é a Simplicidade

Voluntária, as respostas foram variadas:

“(...) uma vida mais em contato com as pessoas, a natureza, mais

felicidade”. (José).

“De uma forma que você consegue satisfação com coisas corriqueiras do

cotidiano, com coisas que as pessoas acham que é comum e ordinário (...).

Se voltar mais para si, uma alegria interior maior. Não perder tempo com o

que não é importante (...). Viver momentos que estão ao nosso alcance

(...).Menos preocupações relativas a consumir ou a ter que ganhar mais

dinheiro para poder adquirir produtos (...). Descoisificar, limpar, doar o que

não tem uso, não comprar o que não é importante”. (Rubem).

“Se dedicar a amigos, família, passeios, inclusive também ajudar outras

pessoas (...). Aproveitamento do tempo, fazer o que gosta”. (Clarice).

“Viver mais com menos”. (Marta).

“Simplificar é ‘focar o essencial’.” (Frase compartilhada no Facebook).

Uma imagem compartilhada no grupo do Facebook (Figura 8) talvez

sintetize a visão dos membros.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

124

Figura 8: O que é Simplicidade Voluntária

Fonte: Página do Facebook de “Saber viver”

A Simplicidade Voluntária parece ser vista como uma maneira de viver em

que se dá valor a momentos de prazer (como uma caminhada, mais contato com

familiares) e se minimiza o que não é considerado importante, assim

simplificando a vida. Diversos itens são considerados como desnecessários. O

fundamental é ter somente o suficiente, o essencial. Ter além do que não se tem

necessidade, dificulta a vida, tirando o foco no que realmente importa.

A entrevistada Marta resume o que os entrevistados disseram e o que os

membros do grupo discutem: Simplicidade Voluntária é “viver mais com menos”.

Essa maneira de ver traduz a forma como Elgin e Mitchell (1977b) a definem:

como uma vida “aparentemente simples e interiormente rica” (p. 2).

“Viver mais” seria ter mais momentos prazerosos, boas experiências de

vida, buscar a felicidade em coisas não materiais, de natureza intangível (em

serviços, na convivência com amigos e familiares, nos momentos de descanso e

lazer, no contato com a natureza); e “viver com menos” estaria relacionado a

possuir menos bens materiais, trabalhar menos horas, mesmo reduzindo receitas,

mas simplificando a vida.

“Fomos condicionados a julgar luxos necessidades. Enquanto para

sobreviver "civilizadamente" (embora viver no mato não seja má ideia) não

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

125

precisamos de tantas coisas materiais: alimentação natural, água, algumas

peças de roupa e uma casa/apto pequeno: um banheiro, um quarto e uma

cozinha. Qualquer coisa além disso é por motivos sociais: impressionar as

pessoas. Vamos inspirar as pessoas, vivendo em contentamento com menos!

Vamos listar as vantagens de uma vida simples de verdade?” (Frase

compartilhada no grupo do Facebook).

“O que mais me surpreende nisso tudo é que vivemos num mundo de

excessos, onde o tempo é escasso, onde o dinheiro é escasso e os estímulos

excessivos e ninguém para pra pensar em reduzir, aquietar, diminuir o

ritmo. Todo mundo continua freneticamente correndo atrás do próprio rabo.

Parar para pensar, selecionar, discernir e entender suas prioridades para ter

mais qualidade de vida é básico e pouca gente pensa a respeito, é

impressionante”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

Os entrevistados e membros do grupo ressaltam que não há um padrão para

a Simplicidade Voluntária. Ela pode variar, de acordo com o propósito de vida de

cada um: alguns podem praticá-la de forma mais extrema, outros de maneira

menos radical, mas sempre seguindo os princípios de “viver mais com menos”, a

forma como Elgin e Mitchell (1977b), Etzioni (1998) e McDonald et al. (2006) a

compreenderam: há diferentes níveis de Simplicidade Voluntária em função do

estilo de vida dos indivíduos, não havendo padrão. Gregg (1977) ressaltou que a

simplicidade pode variar de acordo com cultura e o país em que a pessoa está

inserida, também sugerindo a ausência de padrões únicos.

“Não existe um padrão (...), mas você vai começar a consumir e gastar de

acordo com os propósitos de vida que você decidiu para você. Então se para

você é importante viajar, você vai parar de gastar com roupa, parar de gastar

com comida fora, vai parar de gastar com sapato, mas você vai gastar mais

com viagem (...). O que é essencial para você? É isso? Beleza, o resto você

ou diminui ou você elimina. Então é muito variado”. (Carlos).

“Tem pessoas de vários níveis de Simplicidade Voluntária, e eu acho que é

um caminho muito pessoal, porque ser simples pra mim pode não ser pra

você, depende do ponto de partida da pessoa (...). É muito subjetivo, de cada

um”. (Thalita).

“Isso é muito relativo (...), não existe receita de bolo pra Simplicidade

Voluntária, cada trajeto é individual e melhor que seja feito de uma forma

não violenta, aos poucos... Depende da sua realidade, de como você é, de

tanta coisa... Como a gente pode listar o que é necessário pra outra pessoa?”

(Frase compartilhada no grupo do Facebook).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

126

Outro ponto destacado pelos entrevistados é que a adoção da Simplicidade

Voluntária não está associada à falta de dinheiro, sendo uma opção de vida, uma

escolha consciente por abrir mão do consumo, o que já foi mencionado por

diversos autores (LEONARD-BURTON, 1981; ETZIONI, 1998; ELGIN, 2000;

CRAIG-LEES e HILL, 2002; HUNEKE, 2005; MCDONALD et al., 2006).

Os entrevistados também comentaram ser a Simplicidade Voluntária um

estilo de vida ou um movimento. Eles a adotaram como estilo de vida, porém,

consideram que pode ser um movimento, já que há pessoas que tendem a se

agrupar para buscar apoio mútuo e percebem que há a tendência de as pessoas

repensarem suas vidas, por não estarem felizes.

“Eu chamo movimento, mas eu não sei o que é. Eu adotei como estilo de

vida, por conta daquilo que eu estou enxergando”. (Carlos).

Há autores que definem a Simplicidade Voluntária como um movimento

(ELGIN e MITCHELL, 1977b), outros como estilo de vida (LEONARD-

BURTON, 1981; IWATA, 1997). A Simplicidade Voluntária foi adotada como

estilo de vida pelos entrevistados, porém pode ser um movimento que está

crescendo, já que percebem que muitas pessoas estão infelizes com suas vidas,

buscando alternativas de viver. Os entrevistados têm a impressão de que tem

havido um aumento na divulgação de alternativas de vida, dando a esperança de

que a Simplicidade Voluntária pode crescer no futuro.

“Não sei, eu acho (...), porque eu vejo o que é real, concreto, um movimento

e pessoas buscando um certo estilo de vida, com simplicidade, lugares mais

tranquilos, menores, profissões que realizam mais a pessoa. Mas ao mesmo

tempo o mundo continua movimentando, o trânsito, essa correria das

pessoas. Então assim, até que ponto isso tem afetado a sociedade, eu não sei.

Então a longo prazo eu acho, assim, que tem gente mudando”. (Marlena).

Percebeu-se que, na visão dos entrevistados, Simplicidade Voluntária é um

estilo de vida, que busca de forma contínua viver mais intensamente com menos

preocupações e menos valor para posses materiais, uma busca que pode variar de

pessoa para pessoa, em diferentes níveis. Além disso, eles percebem que é um

movimento em busca de mudança que está crescendo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA