4 Análise dos resultados
Este capítulo está dividido nas seções: (1) Perfil e Caracterização dos
entrevistados; (2) Motivações para ser adepto da Simplicidade Voluntária; (3)
Como foi o processo de se tornar simples; (4) Consequências da adoção da
Simplicidade Voluntária; (5) O papel do grupo do Facebook, (6) Entendimento
sobre a Simplicidade Voluntária.
4.1. Perfil e caracterização dos entrevistados
Treze pessoas foram entrevistadas, sendo quatro homens e oito mulheres.
Na Tabela 8, são apresentados dados demográficos (idade, nível de instrução,
profissão, religião, estado civil, filhos e cidade e estado de residência).
Todos os entrevistados pertencem às classes socioeconômicas A e B
(Critério Brasil, ABEP – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa), não
tendo restrições financeiras. Moram em imóveis próprios ou alugados. Dois
entrevistados possuem outros imóveis que alugam. Todos estavam praticando a
Simplicidade Voluntária há pelo menos um ano, porém muitos a adotaram há
mais tempo. Para manter seu anonimato, os nomes são fictícios.
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Tabela 8: Perfil dos entrevistados
Nomes
Idade Formação /
Trabalho
Estado Civil
/ Filhos
Religião Cidade
/
Estado
Meio de
entrevista
José
28 Turismo /
Analista
comercial
Solteiro, sem
filhos
Ateu Capital
SP
Skype
Carlos 37 Administração /
Servidor público
Casado, uma
filha
Batista Capital
SP
Presencial
Rubem 38 Administração /
Negócio próprio
Casado, um
filho
Católico
(não
praticante)
Capital
SP
Presencial
Paulo 50 Letras /
Autônomo
Divorciado,
duas filhas
Sem religião Litoral
SP
Skype
Jane 32 Marketing /
Área comercial
Casada, sem
filhos
Espírita Capital
SP
Presencial
Clarice 51 Odontologia /
Consultório
Solteira, sem
filhos
Sem religião Interior
MG
Presencial
Marta 45 Gestão Pública /
Servidora
pública
Viúva, um
filho
Evangélica e
Espírita
Capital
SP
Presencial
Rosa 56 Jornalista /
Servidora
pública
Casada, três
filhos
Católica Capital
MG
Presencial
Marlena 40 Jornalista /
Professora de
Ioga
Casada, um
filho
Agnóstica Capital
MG
Presencial
Thalita 38 Transição na
carreira:
vestibular
Nutrição
Solteira, sem
filhos
Espírita Capital
RJ
Presencial
Eliza 60 Psicologia /
Consultório
Divorciada
duas filhas
Espiritualista
Sem religião
Capital
SP
Presencial
Beth 39 Psicologia/
Assistente
Administrativa
Solteira, sem
filhos
Espiritualista
Sem religião
Capital
SP
Presencial
Catarina 37 Pedagogia /
Professora
primária
Casada, sem
filhos
Sem religião Interior
PR
Skype
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José
José mora na capital paulista e é o mais jovem, com 28 anos. Porém, no
momento da entrevista estava passando uma temporada na Austrália e a entrevista
ocorreu via Skype.
Começou a simplificar a vida há cerca de quatro anos, mas conheceu o
termo Simplicidade Voluntária há um ano e meio. As motivações para tornar-se
adepto da Simplicidade Voluntária foram várias: primeiramente, assistiu a um
documentário que o fez refletir sobre a sociedade. Para ele, o documentário
mostrava o quanto a sociedade estava “doente”. A partir daí, decidiu tornar-se
vegetariano, gatilho para uma vida mais simples. Também fez pesquisas na
internet sobre o tema da simplicidade e descobriu o livro ‘Simplicidade
Voluntária’, passando a fazer parte do grupo no Facebook.
A principal motivação para uma vida mais simples foi a insatisfação no
trabalho. José trabalhava em agências de viagem (tem formação na área de
turismo) e começou a se questionar em relação à vida estressante, a trabalho que o
ocupava mais de oito horas por dia, como se isso fosse natural. Percebeu então
que sua vida não tinha sentido dessa maneira e tomou uma decisão radical: pediu
demissão do emprego e planejou uma viagem de seis meses pela Austrália, para
pensar no que realmente queria, uma viagem em busca de experiências e
reflexões.
As principais mudanças em relação à vida simples foram: tornar-se
vegetariano, preparar pessoalmente algumas de suas refeições e comer menos
fora, comer de forma mais saudável, tornar-se mais paciente e tranquilo, comprar
menos roupas, ir menos a shopping centers, tornar-se mais humilde (não tem
ambição de ter alto cargo em uma empresa). Gosta de viajar, mas tem ficado
hospedado em hostels e tem evitado comprar lembranças e presentes para outros.
Considera que ainda não teve uma mudança radical de vida, mas está no processo.
Como nunca foi consumista e não tem maiores ambições, simplificar a vida é
considerado algo fácil e natural, porém com pontos negativos, como afastar-se de
amigos e família, devido a diferenças de visões.
Enquanto está na Austrália, José tem refletido sobre projetos futuros, como
visitar uma Ecovila, morar em uma cidade menor e procurar emprego em que
possa trabalhar menos tempo, talvez em meio período.
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Carlos
Carlos mora na capital paulista, é casado e tem uma filha. Está há um ano e
meio praticando a Simplicidade Voluntária. A entrevista com Carlos foi
conduzida em um shopping center localizado perto da sua residência.
A motivação inicial para simplificar a vida foi o estresse no trabalho. Tem
formação em Administração e atuava na área de Recursos Humanos. Surgiu uma
oportunidade para ocupar um cargo de diretoria, porém não era o que queria. A
gestora fora direcionada para outra área, deixando o cargo em aberto, e o mais
indicado para a substituição era Carlos. Ele se viu na obrigação de assumir o
cargo, apesar de ter certeza de que não tinha o perfil, já que não ambicionava ter
cargo alto, que para ele era sinônimo de estresse. Após assumir o novo cargo, teve
sua vida complicada e, como consequência, ficou doente. Insatisfeito, resolveu
estudar para concurso público, passou, saiu da empresa, tornou-se servidor
público e foi crescendo na carreira, porém de forma menos estressante e mais
prazerosa. O cargo público oferece salário inferior ao que ele ganharia como
diretor na empresa.
Sua religião também o auxiliou a ter vida mais simples. É batista e gosta de
estudar sobre religião. Acredita que as religiões incentivam a simplicidade na
vida, abordando que ser é mais importante do que ter, trazendo mais felicidade.
A partir de então, resolveu simplificar sua vida. Criou um blog dedicado ao
tema e passou a integrar o grupo Simplicidade Voluntária no Facebook. Leu o
livro ‘Simplicidade Voluntária’ e sempre faz pesquisas sobre o tema, para
aprender mais. Como não conhecia pessoas que buscavam a vida simples, a
criação do blog teve o intuito de interagir com indivíduos com o mesmo objetivo.
Alguns amigos não entendem sua opção de vida simples e às vezes até a
confundem com falta de dinheiro.
Quando decidiu tornar-se mais simples, refletiu sobre o propósito de vida e,
com base nele, pensou nas coisas que iria simplificar. Busca valorizar amizades e
a família. Resolveu diminuir coisas que não estavam ligadas diretamente a isso.
Valoriza encontrar com amigos em sua casa e experiências, como viajar. Reduziu
a compra de bens materiais, que não estão ligados diretamente ao que valoriza, e
tem a percepção de que o consumismo exagerado é nocivo para o mundo e para as
pessoas. Prioriza o consumo de serviços em detrimento do consumo de bens.
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Rubem
Rubem mora na capital paulista, é casado e tem um filho. A entrevista com
Rubem foi conduzida em uma praça na cidade de São Paulo, local onde o
entrevistado gosta de caminhar e ter contato com a natureza.
Pratica a Simplicidade Voluntária há cinco anos e também leu o livro
‘Simplicidade Voluntária’.
Não tem ambição de crescer no negócio próprio que possui. Pretende vender
a empresa, por estar consumindo seu tempo e ter outro trabalho, que consuma
menos tempo e que seja mais prazeroso. Uma das motivações para se tornar
simples é a redução de tempo de trabalho, para poder dedicar-se à família e ter
mais qualidade de vida. A pressão das pessoas cobrando crescimento profissional
o incomoda. Entende que isso não traz felicidade, pelo contrário, faz as pessoas
adoecerem. Critica o consumismo exagerado. Para Rubem, as pessoas trabalham
muito para ter bens materiais.
O processo de mudança ocorreu com a redução do consumo de bens
supérfluos. Valoriza a experiência ao invés de bens. Prefere serviços, como
viagens e restaurantes, pois trazem momentos de prazer que marcarão a vida,
diferente de bens materiais, que não trazem esse benefício.
Dentre os principais benefícios da Simplicidade Voluntária estão o
sossego e a tranquilidade. Tem projeto futuro de fazer o caminho de Santiago de
Compostela e de morar, algum dia, no interior. Afastou-se de alguns amigos e
parentes por causa de diferenças de visões.
Paulo
Paulo mora no litoral paulista. Devido à distância, a entrevista foi feita via
Skype.
Paulo pratica a Simplicidade Voluntária de forma mais radical. Muitos
entrevistados relataram que Paulo é o que mais a colocou em prática, sendo
considerado um exemplo. O próprio Paulo diz que, apesar de ser mais radical na
prática da Simplicidade Voluntária, as pessoas não precisam seguir seu exemplo,
podendo ser simples sem radicalismo. É bastante popular no grupo virtual, por ser
um dos mais participativos. Todos os entrevistados o conhecem.
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É descendente de estrangeiros, que gostavam de estar em contato com a
natureza em cidades do interior, tendo sido, portanto, influenciado pela família.
Passou por um período em que teve casa e automóvel, levando a vida
padrão na sociedade. Porém, não estava feliz, não tinha tempo para fazer o que
gostava. Teve duas filhas e, nesse momento, sentiu necessidade de voltar aos seus
valores originais, para ter tempo para elas. Com isso, mudou sua vida.
Hoje, tem um terreno próprio, onde vive acampado. Tem uma pequena
construção, que chama de rancho, para a cozinha, o banheiro e o escritório e
pretende construir um pequeno quarto para as filhas. Tem plantação, apesar de
comprar alguns alimentos, como frutas. Anda de bicicleta. Seu nível de consumo
é o mais baixo dentre os entrevistados, produz lixo reduzido e procura
reaproveitar tudo.
Trabalha ministrando oficinas sobre sustentabilidade. Critica o sistema.
Estuda bastante sobre os acontecimentos no mundo. Considera-se livre, “sem as
correntes no pé”. Para ele, as pessoas estão infelizes, doentes, trabalham muito,
sem tempo para outras coisas, o que não é a vida ideal.
Suas filhas moram com a mãe, porém estão muito presentes. Procura ensinar
a elas os valores da simplicidade.
Jane
Jane mora na capital paulista, é casada e não tem filhos. Seu marido também
pratica a vida simples. A entrevista foi conduzida na rodoviária de SP, próxima à
residência da entrevistada.
Jane tem um blog e um site de doação de objetos. Quando criança, foi
ensinada pela mãe a não ser consumista e a doar brinquedos quando não os usava
mais. Por ser assim desde cedo, não teve dificuldades para se tornar simples.
Passou por uma fase consumista, e resolveu simplificar.
É espírita, considera-se religiosa e alega que a religião a fez dar mais valor à
vida simples. Realiza trabalhos voluntários.
Reduziu o consumo de bens, comprando somente o que precisa e fazendo
muitas doações. Pensa e pesquisa antes de comprar um produto. Valoriza a
experiência e os serviços, gostando de ir a um restaurante e viajar. Gasta dinheiro
com cursos. Dá valor a esse tipo de experiência, dizendo que, “se eu morrer ali na
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esquina, eu vou levar comigo as impressões, as impressões do que eu vivi, não do
que eu tenho”.
Entrou no grupo do Facebook por indicação de uma das integrantes, que
acompanhava seu blog. Trocaram mensagens e uma indicou para a outra o grupo.
Está insatisfeita com a vida profissional, pois trabalha na área comercial.
Tem formação superior e considera que seu cargo vai contra as ideias em que
acredita e que pratica. Tem projeto de iniciar novo curso de graduação, para
trabalhar com o que gosta, em área que tenha mais afinidade com a Simplicidade
Voluntária.
Clarice
Clarice mora no interior de Minas Gerais, é solteira e não tem filhos. Mora
sozinha em casa própria, onde foi conduzida a entrevista.
Clarice nasceu em uma família simples. Seus pais eram da área rural.
Aprendeu desde cedo a viver de forma simples. Saiu de casa para estudar,
morando em lugares pequenos, mantendo a vida simples. Hoje, tem consultório de
odontologia, casa própria e outros imóveis alugados. Contudo, sua vida é simples
e acha que pode simplificar ainda mais.
Valoriza o tempo disponível, que chama de “ócio criativo”, que torna a vida
mais saudável e com mais qualidade. Não tem ambição profissional de crescer
mais na profissão.
Critica o consumismo exagerado e não entende as pessoas que acumulam
bens buscando assim ser felizes. Reduziu, com facilidade, seu consumo de
produtos e despesas da casa (água, energia).
A pesquisadora conheceu a casa da entrevistada. Em seu armário, há poucas
roupas e acessórios. Há um cômodo vazio, pois, segundo ela, não precisa daquele
cômodo, alegando que a casa é grande para ela por ter dois quartos. Os aparelhos
eletrônicos não são novos, já que a entrevistada utiliza os bens até pararem de
funcionar.
Clarice mencionou que amigos a criticam por levar uma vida tão simples.
Por ter imóveis e consultório de odontologia, poderia ter posse de mais bens
materiais, mas está satisfeita com sua vida, não tem ambição de ter produtos
novos (por exemplo, seu carro é de um modelo antigo) ou bens materiais em
74
excesso. Acha que esse tipo de consumo é desnecessário e não conduz à
felicidade.
Marta
Marta mora na capital paulista com seu filho. Trabalha como servidora
pública, é viúva e o namorado mora em outro estado. A entrevista foi conduzida
no seu local de trabalho.
Desde cedo, Marta teve um estilo de vida simples: “na minha juventude, eu
fui aquela que queria ser hippie (...), a gente ia acampar e já tinha essa ideia da
simplicidade”. Aprendeu os princípios da simplicidade com o espiritismo. Ela
mencionou que o espiritismo divulga práticas de uma vida simples, o que a
encorajou a adotar. Procura passar esses princípios para o filho.
Gosta de aprender sobre simplicidade na internet e, no grupo do Facebook,
aprende muito.
Não dá valor ao consumo de bens, comprando pouco. Gosta de viajar:
viagem acompanhada (para encontrar o namorado em sua cidade natal ou outras
cidades para turismo) ou com o filho; Também viaja sozinha, para reflexão e
autoconhecimento, um momento para dedicar-se a si mesma.
É criticada pelas pessoas que conhece (amigos e parentes), que falam para
comprar mais roupas, arrumar-se melhor ou comprar um celular mais moderno.
Diz estar acostumada às críticas e não fica incomodada com elas. Continua
mantendo a vida simples, por acreditar ser a melhor opção.
Rosa
Rosa mora na capital mineira, é casada e tem filhos adultos. Jornalista,
trabalha como servidora pública. A entrevista foi conduzida no seu local de
trabalho.
Considera que ainda fez poucas mudanças para a vida simples, porém,
faltam poucos meses para sua aposentadoria e faz planos para simplificar ainda
mais a vida a partir daí. Gosta de estudar sobre religiões e, quando se aposentar,
pretende estudar mais e ter tempo para fazer o que gosta.
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A principal motivação para ser simples é a busca de serenidade e calma e
fugir do estresse do dia a dia. Rosa acha que as pessoas vivem na correria no
trabalho e no consumo: “ter que estar seguindo que nem boi, que nem boiada,
todo mundo no mesmo caminho”. No ambiente de trabalho, por exemplo, gostaria
de vestir roupas mais simples e não roupas formais.
Tem uma casa de campo para finais de semana, onde se dedica à horta e ao
jardim. Identifica-se com ela, onde pode viver uma vida simples, em contato com
a natureza. Após se aposentar, planeja se mudar para lá.
Algumas mudanças já estão incorporadas: reaproveitamento de objetos
(utilização de pneus velhos para decorar o jardim), plantação de alimentos em sua
casa de campo e redução do consumo de bens.
Rosa sente-se tão feliz por ter sua plantação de alimentos, por reaproveitar
objetos, que sentiu vontade de mostrar diversas fotos para a pesquisadora, das
suas plantações, do que já fez para reaproveitar objetos e de sua casa de campo.
Marlena
Marlena mora na capital mineira, é casada e tem um filho. Formada em
jornalismo, trabalhou como jornalista, mas hoje é professora de ioga. A entrevista
foi conduzida em um bistrô em Belo Horizonte, localizado em estabelecimento
comercial onde, além do bistrô, existem um cinema e uma livraria.
Um dos motivos para se tornar simples foi a insatisfação com o trabalho de
jornalista. Sentia que queria algo diferente e começou a procurar: “Então, eu fui
buscando me ouvir”. Fez aulas de ioga, que trouxe mais tranquilidade na vida. Fez
cursos de formação de professor e passou a dar aulas de ioga, abandonando o
jornalismo.
Sua mãe faleceu de câncer, o que despertou reflexões para a importância de
ter uma vida prazerosa, com qualidade: “Na vida, eu conheci muita gente que não
tinha dinheiro, que eu via que aproveitava bem a vida, e outras que tinham e que
eu via que não aproveitavam. Então, isso para mim também foi exemplo para o
que eu quero para mim”.
Nunca foi consumista, julga que o importante não é deixar de ter coisas, mas
sim não ter em excesso, evitando o acúmulo do que não é necessário. Faz muitas
doações. Busca ensinar essas ideias para o filho.
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Valoriza a experiência, aquilo que dá prazer e conhecimento: atividades
culturais, viagens. Gosta muito de ler, comprando livros ou tomando-os
emprestados. Para ela, livros são bens materiais que, por agregarem
conhecimento, são positivos de comprar, apesar de muitos serem adquiridos via
empréstimos.
Já conheceu pessoalmente alguns membros do grupo do Facebook.
Thalita
Thalita reside na cidade do Rio de Janeiro, é solteira e mora sozinha. É a
criadora e moderadora do grupo no Facebook. A entrevista foi realizada em um
shopping center no Rio de Janeiro próximo a sua casa.
Formou-se em Direito e trabalhou na área, mas não estava satisfeita. Migrou
para as áreas de hotelaria e tradução, dos quais também não gostou, eram
profissões que exigiam muito trabalho e carga horária elevada, não sobrando
tempo para descansar ou se divertir. Decidiu investir em outra formação, desta vez
algo com que ela se identifique: atualmente está estudando para o vestibular de
Nutrição.
Viveu um período consumista na adolescência e início da fase adulta. Sua
religião (espiritismo) contribuiu para que ela se tornasse simples, já que enfatiza
as ideias de simplicidade. Refletiu sobre o consumismo, pois incomodava-se
quando comprava coisas que não usava posteriormente. Já teve três armários de
roupa, o que a deixava insatisfeita. Questionou a situação e decidiu adotar a
Simplicidade Voluntária. Tem lembrança marcante de quando ingressou de vez na
vida simples: costumava viajar com duas malas cheias e passou a viajar com uma
mala de mão.
Reduziu o consumo de modo geral. Hoje tem somente um armário, que não
está cheio. Não frequenta salão de beleza para pintar unhas e cabelo. Gasta
dinheiro mais conscientemente: gosta de viajar.
Critica o consumismo desenfreado da sociedade, alegando que traz
felicidade falsa e momentânea. Também critica o trabalho em excesso, que faz
com que a pessoa não tenha momentos de divertimento.
Thalita pesquisa muito sobre a Simplicidade Voluntária e sobre a sociedade
atual, temas que a interessam.
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Eliza
Eliza mora na capital paulista. É estrangeira, mas mora no Brasil desde o
início da fase adulta. Divorciada, com duas filhas adultas, é psicóloga com
consultório próprio, onde foi conduzida a entrevista.
Sua família valorizava a simplicidade: “Nunca faltou nada em casa, mas
também nunca houve desperdício, gasto, excesso. Então, pra mim, desde a
infância fui acostumada”. Quando veio para o Brasil, assustou-se com o excesso
de consumo e desperdício, questionando-se sobre os pontos negativos do consumo
exagerado.
Admira o trabalho do físico e escritor Fritjof Capra, famoso pela postura
ambientalista. Lendo um livro dele, conheceu a Simplicidade Voluntária e, a partir
daí, começou a ler sobre o tema.
Seu consumo é reduzido, produz pouco lixo, reaproveita objetos e preocupa-
se com o descarte dos bens materiais. Os meios de transportes utilizados são
metrô, ônibus e táxi. Para a entrevistada, não é preciso ter nada além do suficiente.
Gosta de boas experiências e de cinema, teatro, viagens e programas
culturais. Gosta de ler e pintar. Durante a entrevista, a pesquisadora conheceu e
conversou sobre um de seus quadros, exposto no consultório.
Critica o consumismo exagerado, o desperdício e o que chamou de
“desperdício de talentos”, o fato de as pessoas trabalharem em profissões com as
quais não se identificam apenas para ganhar mais dinheiro. Para ela, é
fundamental fazer o que se gosta.
Beth
Beth mora na capital paulista, é solteira e não tem filhos. A entrevista foi
realizada em seu ambiente de trabalho (ela é servidora pública).
Considera-se espiritualizada, identifica-se muito com os princípios orientais
e budistas, o que contribuiu para a prática da vida simples.
Seu hobby é tocar instrumentos musicais.
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Relatou que sempre foi uma pessoa simples, por conta da criação que
recebeu dos pais, de origem humilde. Achava interessantes as ideias do pai sobre
uma sociedade mais justa. Nunca foi consumista.
A vida espiritualizada contribuiu para a busca da simplicidade. Já vivenciou
uma experiência mística, um momento importante em sua vida que deixou mais
clara a importância da simplicidade. Já pensou em ser monge.
É formada em Psicologia, mas não atua na área. Passou em concurso
público para um banco, porém, não gostou do cargo e pediu demissão,
contrariando amigos que achavam que deveria continuar em um emprego estável.
Mas como não estava satisfeita com o trabalho, resolveu sair e passou em outro
concurso.
Fez o processo contrário: ao invés de ir da cidade grande para o interior, foi
do interior para a cidade grande. Como a instituição em que trabalha tinha filial
em São Paulo, solicitou a transferência, contrariando novamente seus amigos, que
eram contra ela largar a vida estável que tinha no interior (com casa e conhecidos
por perto) e ir para a cidade grande. Na sua visão, São Paulo é uma cidade
cultural, com diversas oportunidades, principalmente para quem gosta de tocar
instrumentos musicais, sua paixão. Tem planos de fazer aulas de instrumentos.
Atualmente, mora em imóvel alugado.
Não valoriza o consumo de bens materiais, preferindo serviços,
principalmente relacionados à dança, música, e outras atividades culturais,
experiências prazerosas para ela.
Gosta muito do grupo do Facebook, pois os membros a entendem, já que
pensam de forma semelhante. O grupo a ajudou muito em alguns momentos, já
que as pessoas que conhece não a entendem e criticam muitas de suas decisões. O
grupo do Facebook, por ter objetivos de vida semelhantes, a entende e apoia.
Catarina
Catarina mora no interior do Paraná, é casada e não tem filhos. Morava na
capital de São Paulo e mudou-se há pouco para uma cidade menor com o marido.
Por motivos de distância geográfica, a entrevista foi conduzida via Skype.
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Catarina considera-se serena e sempre teve vontade de ter um sítio e viver
em cidade pequena. Quando viajava, gostava de ir para cidades do interior e não
para o litoral, que em feriados, ficava igual às grandes cidades.
Quando casou, o marido prestou concurso público para uma cidade no
interior do Paraná e eles se mudaram. Mas ela tem vontade de morar em local
menor ainda, visto que a atual cidade está crescendo rapidamente. Trabalhava em
São Paulo como professora, atualmente não está trabalhando.
A primeira vez que teve contato com a Simplicidade Voluntária foi por
meio de reportagem no programa Fantástico, em 2007, que, segundo ela, abordou
o tema como sendo relacionado a pessoas “de outro mundo”, diferente do normal.
Mas ela se identificou com o assunto e resolveu pesquisar.
É vegetariana, nunca foi consumista, e, quando compra algo novo, questiona
se realmente está precisando. Gosta de fazer as coisas, ao invés de comprar: faz
sua própria comida em casa, faz sua unha, seu cabelo. Compra alimentos de
produtores locais, valoriza a economia local e, por morar em cidade do interior,
julga que esse comportamento é fácil de ser colocado em prática. Gosta de ler
livros e, por isso, os compra (são os únicos bens materiais que ela acha positivo
comprar, já que agregam conhecimento).
Preocupa-se com o descarte de produtos, fazendo reciclagem, ao invés de
jogar fora, ou doando para alguém que esteja precisando (faz pesquisas para
encontrar lugares e pessoas para a doação).
Os amigos acham seus hábitos simples estranhos, confundindo-os com
mesquinharia ou problemas financeiros. As pessoas se assustam por ela ser
vegetariana, não conseguindo entender seu comportamento. Já no grupo do
Facebook, ela interage e aprende com pessoas que a entendem.
A Tabela 9 resume as características de cada entrevistado.
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Tabela 9: Resumo das características dos entrevistados
Nome Motivações para ser
simples
Práticas da vida simples
José Estresse no trabalho;
documentário que critica
a sociedade.
Vegetarianismo, redução do consumo de bens (compra
produtos de qualidade, que durem) busca de um
trabalho menos estressante, redução de ambição
profissional, valorização de experiências (viagens),
doações de bens que não usa, usar transporte público.
Carlos Estresse no trabalho;
religião
Redução do consumo de bens (compra produtos de
qualidade, que durem), busca de um trabalho menos
estressante (abriu mão de salário maior), redução de
ambição profissional, valorização de experiências
(viagens, encontros com amigos), doações de bens que
não usa e de dinheiro para instituições, usar transporte
público, vida mais organizada, comprar livros.
Rubem Estresse no trabalho Redução do consumo de bens (compra produtos de
qualidade, que durem), busca de um trabalho menos
estressante, redução de ambição profissional,
valorização de experiências (viagens, restaurantes,
caminhada em um parque, contato com natureza), usar
transporte público, reciclagem, não come carne
vermelha.
Paulo A família era assim,
sentiu necessidade de
resgatar essa forma de
vida, por causa do
estresse.
Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade),
trabalho que lhe dá prazer, usar transporte
público/bicicleta/caminhada, comida natural, planta o
que come, moradia simples, lixo reduzido e
reaproveitamento de objetos, valorização de
experiências (convívio com as filhas, ir à praia),
trabalho voluntário, redução do consumo de remédios.
Jane A família era assim,
sentiu necessidade de
resgatar essa forma de
vida; religião.
Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade),
quer mudar o trabalho (o atual é estressante),
valorização de experiências (viagens, restaurantes),
doações, trabalho voluntário, vida mais organizada,
reciclagem, trocas de produtos (ao invés de comprar),
preocupação com o meio ambiente, valorização de
cursos.
81
Clarice A família era assim,
sentiu necessidade de
resgatar essa forma de
vida.
Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa
o produto até não poder mais), redução de ambição
profissional, valorização de experiências (viagens),
alimentação natural, vida organizada, doações, trabalho
voluntário, preocupação com o meio ambiente.
Marta Religião Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa
o produto até não poder mais), valorização de
experiências (viagens), alimentação saudável, vida
organizada, compra livros, evita o desperdício.
Rosa Estresse no trabalho;
busca espiritual.
Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa
o produto até não poder mais), valorização de
experiências (viagens), alimentação saudável, planta
alguns alimentos, reaproveitamento de objetos, quando
se aposentar vai morar no campo, redução do consumo
de remédios.
Marlena Estresse no trabalho Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa
o produto até não poder mais), busca de um trabalho
menos estressante, valorização de experiências
(viagens, cinema), valorização de cursos, alimentação
saudável, troca e empréstimos de objetos, compra
livros, doações, fazer as coisas perto de casa.
Thalita Estresse no trabalho;
infelicidade por causa do
consumo exagerado;
religião
Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade),
busca de um trabalho menos estressante, valorização de
experiências (viagens), alimentação saudável, fazer as
coisas perto de casa.
Eliza A família sempre foi
assim.
Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade),
valorização de experiências (viagens, cinema, teatro),
alimentação saudável, reciclagem, reaproveitamento de
objetos, lixo reduzido, preocupação com o meio
ambiente, transporte público.
Beth Necessidade de resgatar
forma de vida simples da
família; busca espiritual,
estresse no trabalho.
Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade),
valorização de experiências (programas culturais,
contato com a natureza), alimentação saudável, redução
do consumo de remédios.
Catarina Redução do estresse e
correria do dia a dia.
Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa
o produto até não poder mais e prioriza o consumo
consciente), valorização de experiências (contato com
natureza), vegetarianismo, alimentação natural, ida para
interior, priorização de produtores locais, compra de
livros, reciclagem, evita o desperdício, doações.
82
4.2. Motivações declaradas
As motivações para adotar a Simplicidade Voluntária, de acordo com a
análise das entrevistas e discussões no grupo virtual, estão relacionadas a valores
individuais. Para categorizar as motivações, foram utilizados os valores propostos
por Schwartz (1994). As motivações encontradas relacionam-se com os valores
Benevolência, Tradição, Hedonismo e Autodireção.
Benevolência: busca de uma vida espiritual, busca de uma vida
com mais sentido e priorização dos relacionamentos com
familiares e amigos (ELGIN e MITCHELL, 1977b; CRAIG-LEES
e HILL, 2002; ZAVESTOSKI, 2002; JOHNSTON e BURTON,
2003; BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; MILLER e
GREGAN-PAXTON, 2006; CHERRIER, 2009b; ABDALA, 2010;
ALEXANDER e USSHER, 2011).
Tradição: aceitação de ideias religiosas sobre a importância de uma
vida simples (quatro entrevistados têm religião que os influenciou
na escolha da vida simples) e aceitação de valores culturais da
família, já que, em alguns casos, os entrevistados vieram de uma
família humilde, com valores pautados nos princípios da vida
simples (LEONARD-BURTON, 1981; ZAVESTOSKI, 2002;
HUNEKE, 2005).
Hedonismo: busca de uma vida mais feliz e prazerosa. Nove
entrevistados estavam infelizes em seus trabalhos, não tinham
tempo para divertimento e buscavam uma vida mais feliz ao adotar
a vida simples (CHERRIER, 2002; ZAVESTOSKI, 2002;
HUNEKE, 2005; OATES et al., 2008; CHERRIER, 2009b;
BALLANTINE e CREERY, 2010).
Autodireção: independência em relação ao mercado e aos padrões
impostos por ele, tendo mais liberdade para viver, sem preocupar-
se com a opinião de outros (ELGIN e MITCHELL, 1977b;
LEONARD-BURTON, 1981; BEKIN et al., 2005; HUNEKE,
83
2005; BEKIN et al., 2007; CHERRIER, 2009b; ABDALA e
MOCELLIN, 2010).
Embora a literatura (ELGIN e MITCHELL, 1977b; CRAIG-LEES e
HILL, 2002; SHAW e NEWHOLM, 2002; HUNEKE, 2005; MILLER e
GREGAN-PAXTON, 2006; OATES et al., 2008; BALLANTINE e CREERY,
2010; ALEXANDER e USSHER, 2011) também aborde motivações ligadas ao
valor universalismo, proposto por Schwartz (1994), não foram encontradas as
motivações ligadas ao valor Universalismo. Segundo relato dos entrevistados e
depoimentos no grupo virtual, a Simplicidade Voluntária é adotada por motivos
de interesse pessoal, como busca de um trabalho que proporcione mais felicidade
e tempo para lazer.
4.2.1. Benevolência
A benevolência está relacionado à vida espiritual, busca de sentido na vida e
necessidade de se relacionar mais com familiares e amigos, valorizando esses
relacionamentos.
Alguns membros do grupo relatam que a vida espiritual (não relacionada à
religião) os fez optar pela vida simples. Para eles, é importante a vida espiritual,
em detrimento da vida materialista.
“(...) tem a ver um pouco também com essa busca espiritual”. (Rosa).
“(...) as minhas aspirações espiritualistas. Então o essencial não está na
matéria (...)”. (Beth).
Outros também relataram a necessidade de dar sentido à vida. Não estavam
encontrando sentido na maneira como viviam ou trabalhavam e viram a
Simplicidade Voluntária como uma solução para viver melhor.
“Ai comecei a ver que a vida não tinha muito sentido dessa forma: a gente
trabalha que nem um condenado para ter umas férias de sei lá, vinte dias,
trinta dias, e achar que a vida vale a pena. Para mim eu acho que isso não
vale a pena. Eu acho que a gente tem que todo dia acordar e querer viver
aquele dia. Quando eu estava trabalhando na agência eu acordava e queria
84
que o dia acabasse o quanto antes, isso para mim não era vida. Então eu
acho que a partir daí eu comecei a procurar viver de uma forma diferente”.
(José).
“(...) eu já tinha esse tipo de atitude (...). A primeira vez que eu ouvi falar,
achei muito interessante, porque eu já tinha algumas coisas disso. Eu sempre
gostei muito de tranquilidade, de calma, de ter uma vida mais tranquila, e
quando fui conhecendo fui vendo que ia de acordo com o que eu sempre
acreditava e o que eu sempre quis. Eu brinco que ‘deu nome aos bois’, é
algo que sempre tive, mas não sabia explicar”. (Catarina).
Os entrevistados e membros do grupo virtual relatam que não estavam
satisfeitos com a vida que estavam levando e perceberam que a Simplicidade
Voluntária fazia sentido. Com a vida simples, passaram a ter contato com amigos
e família, sem correria do dia a dia e a valorizar mais questões espiritualistas, no
lugar de preocupações materialistas.
Os entrevistados ressaltam a importância dos relacionamentos, de ter
amigos e familiares por perto, prezar esses laços de afeto. Tinham estilo de vida
que exigia excesso de trabalho e alto consumo. Resolveram adotar a Simplicidade
Voluntária para ter mais tempo para dedicarem-se a relacionamentos.
“(...) E assim, depois que minhas filhas nasceram que entrei nessa, preciso
ter mais tempo, inclusive para estar com elas”. (Paulo).
Os membros do grupo trocam muitas informações sobre a importância de
dar atenção a seus filhos e passar para eles os princípios da Simplicidade
Voluntária. A Figura 3 é uma imagem compartilhada no grupo de discussão do
Facebook e ilustra a valorização dos relacionamentos (neste caso com os filhos).
85
Figura 3: Relacionamentos com filhos
Fonte: Página do Facebook de “Humor Inteligente”
4.2.2. Tradição
Os valores de Tradição estão relacionados à religião (aceitação de ideias
religiosas) e à cultura familiar (valores adquiridos dos pais).
A religião tem papel importante na vida de alguns membros do grupo
(Carlos, Jane, Marta e Thalita), que passavam por momentos de incerteza e
insatisfação, trazendo respostas para eles. Segundo relatos dos entrevistados, a
religião mostrou caminhos para a prática da vida simples, onde não se precisa de
abundância para ser feliz, sendo grande impulsionadora na mudança de vida.
Quatro membros do grupo têm religião e procuram seguir seus
ensinamentos. Jane, Marta e Thalita declararam que o espiritismo as influenciou
para a prática da Simplicidade Voluntária, já que considera muitos princípios que
são relacionados à simplicidade.
“(...) por questões religiosas, também tinha um pouco dessa coisa de não
querer ter muito (...). O fato de eu ser espírita e a gente ter essa visão, é
meio Simplicidade Voluntária”. (Marta).
Carlos mencionou a religião batista, que também o influenciou para a
prática da vida simples.
86
Alguns entrevistados (Paulo, Jane, Clarice, Eliza e Beth) nasceram em
famílias humildes (pobres ou rurais). Porém, no decorrer da vida, passaram a
viver com trabalho em excesso e/ou compras de bens. Jane relatou que chegou a
ter vários pares de sapatos.
Esse estilo de vida lhes trouxe insatisfação constante, quando sentiram a
necessidade de resgatar os valores familiares de simplicidade: eram felizes
naquela época, perceberam que não precisavam de muitos bens materiais para
alcançar a felicidade.
“(...) Isso aí quase que é resgate mesmo, porque fui criada com meus avós
(...) e tinham horta em casa, comida era feita com tudo do quintal”. (Rosa).
4.2.3. Hedonismo
O Hedonismo está ligado à busca de prazer e felicidade.
Sete entrevistados estavam insatisfeitos no trabalho e resolveram mudar de
profissão ou ainda não mudaram, mas têm planos futuros, buscando trabalho que
traga prazer e felicidade.
“Porque eu acho que a demanda, assim o que me exigia o jornalismo, hoje
quando eu penso (...). Trabalhar com isso não é uma coisa que me dava
prazer. Não era prazerosa para mim (...). Depois de um tempo que eu fui
entender que aquilo não me fazia bem”. (Marlena).
Mensagens trocadas no grupo virtual revelam que os membros do grupo
debatem bastante sobre escolhas profissionais e sobre como a Simplicidade
Voluntária afeta suas trajetórias de carreira. A importância de ter um trabalho
prazeroso está muito presente nos debates, como pode ser apreendido em uma das
ilustrações compartilhadas (Figura 4).
87
Figura 4: Prazer no trabalho
Fonte: Página do Facebook de “Inteligente Vida”
Ter tempo livre para atividades prazerosas é muito valorizado pelos
membros da comunidade. A Simplicidade Voluntária, segundo eles, proporciona
esse benefício.
“Na vida, eu conheci muita gente que não tinha dinheiro e que eu via que
aproveitava bem a vida e outras que tinham e que eu via que não
aproveitavam. Então, isso para mim também foi exemplo para o que eu
quero para mim”. (Marlena).
Três entrevistadas decidiram adotar a Simplicidade Voluntária por estarem
insatisfeitas com consumo exagerado, o que as deixava frustradas. A Simplicidade
Voluntária levou-as a reduzir o nível de consumo e eliminar frustrações
decorrentes. Mensagens trocadas no grupo virtual também mostraram insatisfação
proveniente do consumo exagerado, que levou à adoção da vida simples.
“(...) eu acho que passou por um questionamento, porque a gente está nesse
círculo vicioso de você compra uma coisa, eu quero determinada coisa, é
um sonho de consumo para mim, quando você consegue a satisfação
advinda daquilo, dura pouco”. (Thalita).
“Sem querer ser panfletária, nossa sociedade confunde muito consumo
desenfreado com prazer e felicidade (mesmo que efêmeros, muito
efêmeros...). A gente pode embarcar nessa tão fácil que, quando vê, já está
dentro! É preciso um esforço consciente contínuo”. (Frase compartilhada no
grupo no Facebook).
88
“E o mais incrível é que milhões de pessoas ao redor do mundo vivem
entorpecidas na ilusão de que comprar é viver, atolondradas e enfiadas em
engarrafamentos, endividadas, gordas e doentes e acham que isso seja
NORMAL”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).
Os entrevistados e o grupo, através de mensagens trocadas, revelam
frustração e insatisfação com a época em que eram consumistas. Compravam bens
e tinham uma satisfação apenas momentânea, que rapidamente dava lugar para
outra necessidade de consumo. Segundo entendimento do grupo, as pessoas
dedicam a vida a trabalho em excesso, para ganharem dinheiro e acumular bens,
tendo pouco tempo livre para divertimento e prazer. São escravas do acúmulo de
bens materiais e da manutenção dos mesmos. Ao perceberam que esse estilo de
vida não lhes trazia felicidade, decidiram reduzir consumo de bens para ter mais
tempo voltado para o que realmente lhes dá prazer.
Houve relatos de entrevistados e no grupo que associavam a felicidade
prometida pelo consumo de bens à falsidade e à ilusão. Para eles, o consumo de
bens traz uma felicidade ilusória, pois é momentânea. Um membro do grupo citou
que a sociedade de consumo impõe desejos inalcançáveis, pois há discursos
contraditórios.
“Sociedade de consumo sempre nos impôs desejos inalcançáveis e, muitas
vezes, contraditórios. É preciso ser trabalhador e aproveitar a vida, é preciso
ter posses e ser desprendido, é preciso ter uma vida regrada e ser
aventureiro, preocupar-se com o futuro e viver como se não houvesse
amanhã. É preciso comer tudo que é bom e ser magro, é preciso buscar a
história de amor monogâmica perfeita e ser um objeto de desejo para todas
as pessoas”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).
Outra imagem compartilhada no grupo do Facebook (Figura 5) retrata
insatisfação que diversos entrevistados expressaram em relação ao consumo
exagerado, tema recorrente nos debates.
89
Figura 5: Frustração com o acúmulo de bens
Fonte: Perfil do Facebook de “ becoming minimalist”
Os entrevistados perceberam que as pessoas trabalham em excesso para ter
mais dinheiro e assim acumular mais bens materiais. Porém, se não há a
necessidade de acumular bens materiais, também não há a necessidade de se
trabalhar tanto. Oito entrevistados resolveram buscar trabalho que lhes desse
prazer, mesmo sem ganhar muito. Abdicaram da ambição profissional, passaram a
trabalhar naquilo que gostam e o dinheiro que ganham não é usado para acumular
bens materiais. Mensagens trocadas no grupo virtual também relatam essa busca
profissional.
“Há uma propaganda fortíssima do consumo e, para consumir, precisamos
trabalhar mais e ganhar mais dinheiro, tudo de forma rápida. As pessoas até
se endividam para isso, o que as fazem trabalhar (ainda) mais”. (Frase
compartilhada no grupo do Facebook).
4.2.4. Autodireção
Alguns entrevistados e membros do grupo adotaram a Simplicidade
Voluntária por se sentirem dependentes da pressão social de ter que consumir.
Queriam vida com mais liberdade, sem ter obrigação de ambições profissionais,
sem ter que se vestir da forma como a sociedade determina. Para eles, a
Simplicidade Voluntária significava a verdadeira liberdade de viver.
“(...) Só não quero ter que carregar o fardo de estar sempre tendo que fazer
isso ou aquilo, ou usando isso ou aquilo, em função do que as pessoas, do
90
que se intitulou como moda ou como viável ou como que está na onda, sabe.
Isso eu não quero”. (Rosa).
Seis entrevistados relataram que se incomodavam com as cobranças de
familiares e amigos, que os confundiam com acomodados ou pobres. Ao adotar a
Simplicidade Voluntária, deixaram de se importar com tais julgamentos, deixaram
de se incomodar com o que os outros falam sobre seu estilo de vida simples.
“Se você está sofrendo por coisas externas, não são elas que estão lhe
perturbando, mas o seu próprio julgamento sobre elas. E está em seu poder
anular este julgamento agora”. (Frase compartilhada no grupo do
Facebook).
Entrevistados e membros do grupo também gostam de se sentir mais
independentes não só em relação ao padrão que a sociedade diz que é correto
viver, mas também em relação ao consumo de alguns bens. Rosa e Paulo possuem
plantações em casa e quatro entrevistados fazem, eles mesmos, alguns serviços ou
produtos (costura, pintura).
“Tenho hábitos de consumo bastante reduzidos assim, para alimentação é só
o básico de mercado, é batata, abóbora, aquelas coisas, eu planto muitas
coisas do que eu consumo.” (Paulo).
4.2.5. Síntese das motivações
Das entrevistas e da leitura das mensagens trocadas no fórum do grupo,
emergiram os valores de Benevolência, Tradição, Hedonismo e Autodireção, que
parecem ser intimamente relacionados à prática da vida simples.
A benevolência é amplamente discutida na literatura da Simplicidade
Voluntária e, nos resultados aqui encontrados, também se fez presente. O grupo
busca vida com mais sentido, não aceitando a forma padrão de viver na sociedade
de consumo, que leva as pessoas a trabalharem em excesso para poderem ter bens
em excesso. Os membros do grupo valorizam vida mais espiritualizada e menos
materialista, o convívio com as pessoas e dão pouca importância às questões
materiais. Encontraram na Simplicidade Voluntária uma saída para viver melhor,
abrindo mão de trabalho em excesso, pois não buscam acumular bens materiais.
91
A tradição foi outro valor que emergiu e com papel fundamental na prática
da Simplicidade Voluntária. Alguns entrevistados relataram que começaram a
praticá-la por questões religiosas, outros começaram a praticá-la para retomar
valores familiares esquecidos. Vinham de família pobre ou do meio rural, viveram
de forma simples na infância, mas acabaram inserindo-se na sociedade de
consumo e perdendo os valores familiares. Com o tempo, sentiram-se infelizes e
quiserem resgatar a vida simples e feliz que tiveram no passado.
A autodireção diz respeito à necessidade de independência e liberdade,
tendo maior controle sobre a própria vida. Os entrevistados consideram que a
sociedade vive prisioneira do consumo e do trabalho. Com a prática da
Simplicidade Voluntária, sentem-se livres de padrões impostos. Segundo relato
dos entrevistados e membros do grupo, as pessoas normalmente vivem seguindo
padrões impostos pela sociedade. Alguns desses padrões são acumular bens
materiais e almejar crescimento na carreira profissional e, as pessoas que não os
seguem, sofrem pressão social, sendo cobradas para que tenham esse
comportamento padrão.
Ao adotar a Simplicidade Voluntária, eles deixaram que ter ambições
profissionais, pois não precisam trabalhar muito, ganhar muito dinheiro e ter bens
em excesso. Libertaram-se dos padrões impostos pela sociedade, passando a ter
autonomia sobre que caminho seguir.
Entrevistados e membros do grupo sentiam prazer em fazer, eles próprios,
algumas coisas, como plantar alimentos que consumiam e fazer rituais de beleza
em casa, deixando de ir ao salão de beleza. Para eles, ao realizarem isso, estavam
sendo mais livres, se sentiam mais donos da própria vida.
A literatura de marketing discute o papel do hedonismo no consumo
(HIRSCHMAN e HOLBROOK, 1982; HOLBROOK, 2000). Os participantes do
grupo da Simplicidade Voluntária parecem buscar viver experiências prazerosas,
mas por meio de uma forma de anticonsumo. Procuram prazer não no consumo, já
que o consumo não os levou a ter uma vida mais feliz, voltada para experiências
vividas.
Não foram encontrados relatos que sugerissem a motivação ligada ao valor
do Universalismo (preocupação social e ambiental). O grupo estudado não
pareceu adotar a Simplicidade Voluntária por razões relacionadas a preocupações
ambientais ou com a sociedade, mas por razões puramente individuais.
92
A Tabela 10 apresenta uma síntese das motivações reveladas nas entrevistas
e na leitura das mensagens trocadas no fórum.
Tabela 10: Motivações reveladas
Valores ligados à
motivação
Descrição
Apoio na Literatura
Benevolência Busca espiritual
Busca de sentido na vida
Valorização do
relacionamento com
familiares e amigos
ELGIN e MITCHELL, 1977b; CRAIG-LEES
e HILL, 2002; ZAVESTOSKI, 2002;
JOHNSTON e BURTON, 2003; BEKIN et al.,
2005; HUNEKE, 2005; MILLER e
GREGAN-PAXTON, 2006; CHERRIER,
2009b; ABDALA, 2010; ALEXANDER e
USSHER, 2011.
Tradição Resgate de valores
familiares
Religião
LEONARD-BURTON, 1980; ZAVESTOSKI,
2002; HUNEKE, 2005.
Hedonismo Prazer no trabalho
Tempo livre para
atividades prazerosas
Eliminar a insatisfação e
frustração provenientes
do consumo
Ser feliz
CHERRIER, 2002; ZAVESTOSKI, 2002;
HUNEKE, 2005; OATES et al., 2008;
CHERRIER, 2009b; BALLANTINE e
CREERY, 2010.
Autodireção Independência do
consumo e da pressão
social
Liberdade
ELGIN e MITCHELL, 1977b; LEONARD-
BURTON, 1981; BEKIN et al., 2005;
HUNEKE, 2005; BEKIN et al., 2007;
CHERRIER, 2009b; ABDALA e
MOCELLIN, 2010.
Na literatura sobre Simplicidade Voluntária, Elgin e Mitchell (1977b)
sugerem que as motivações para sua adoção estão ligadas aos valores
benevolência (busca de crescimento pessoal, espiritual), autodireção (busca de
autossuficiência e maior controle sobre a vida) e universalismo (preocupação com
o meio ambiente e sociedade). Elgin e Mitchell (1977b) enfatizam a preocupação
com a responsabilidade social e ambiental, que, como sugerem, está presente, nos
dias de hoje, na vida das pessoas. Diversos autores enfatizam o valor
universalismo (CRAIG-LEES e HILL, 2002; SHAW e NEWHOLM, 2002;
93
HUNEKE, 2005; MILLER e GREGAN-PAXTON, 2006; OATES et al., 2008;
ALEXANDER e USSHER, 2011).
Autores como Craig-Lees e Hill (2002), Zavestoski (2002), Cherrier
(2009b) e Abdala (2010) ressaltam forte relação entre vida espiritual
(benevolência) e tornar-se adepto da vida simples e McDonald et al. (2006) e
Cherrier (2009b) observam o desejo de crescimento individual, em busca de uma
vida com mais sentido. Autores também citam a valorização do relacionamento,
buscando a Simplicidade Voluntária para ter mais tempo de dedicação aos
relacionamentos (CHERRIER, 2009b; ALEXANDER e USSHER, 2011).
Leonard-Burton (1980) sugeriu motivações ligadas à tradição, onde
adeptos seriam provenientes de famílias com princípios da vida simples, sentindo
necessidade de resgatar esses valores. Zavestoski (2002) e Huneke (2005) também
ressaltaram as motivações ligadas à tradição, porém sob a perspectiva da
influência da religião.
Cherrier (2002) aponta que a adoção da Simplicidade Voluntária vem da
necessidade de ser feliz e ter bem-estar (hedonismo). Autores como Zavestoski
(2002), Huneke (2005) e Oates et al. (2008) citam o desejo de reduzir estresse e
ter prazer na vida (hedonismo).
A autodireção é mencionada por Bekin et al. (2005; 2007) e Cherrier
(2009b), sendo um desejo de ser autossuficiente, dependendo o menos possível do
mercado e se emancipando em relação aos padrões impostos pela sociedade, tendo
uma vida com liberdade.
O presente estudo corroborou com estudos anteriores em relação às
motivações para prática de vida simples, com exceção do valor universalismo, que
não foi mencionado nem por entrevistados nem surgiu em mensagens trocadas no
grupo. Parece que a Simplicidade Voluntária é adotada por conta de interesses
pessoais e não pela preocupação com sociedade e meio ambiente, apesar deste ser
amplamente mencionado na literatura.
4.3. Mudanças decorrentes da adoção da Simplicidade Voluntária
As mudanças ocorridas na vida dos entrevistados e membros do grupo
virtual foram divididas com base nos achados da literatura.
94
Vida profissional: como foi amplamente mencionado na literatura,
praticantes da vida simples, reduzem carga horária de trabalho e buscam
empregos que lhes deem prazer, não priorizando ganhos financeiros. Os
resultados encontrados corroboram com a literatura.
Moradia: adeptos da Simplicidade Voluntária, reduzem complexidade de
moradia e podem mudar-se para regiões de interior e rurais, resultados que
corroboram com o que já foi descrito na literatura.
Transporte: tema amplamente mencionado na literatura, os adeptos da vida
simples buscam utilizar mais transporte público, bicicleta e andar a pé.
Quando possuem carro, não se preocupam que seja modelo moderno, já
que é utilizado somente por razões utilitárias. Os resultados encontrados
corroboram com a literatura.
Alimentação: assunto também amplamente mencionado na literatura.
Alteram alimentação, que passa a ser natural, alguns plantam alimentos
que consomem. Os resultados encontrados corroboram com a literatura.
Consumo de bens: o consumo é um dos assuntos mais abordados na
literatura sobre Simplicidade Voluntária. Autores mencionam a redução
drástica do consumo de produtos, consumindo somente o que acham
necessário e considerando as questões utilitárias dos produtos. Os
resultados corroboram com a literatura.
Descarte: mencionado na literatura, os adeptos da vida simples se
preocupam com o lixo de geram (reduzindo o lixo) e com o descarte de
produtos (reaproveitando, reciclando e doando). Os resultados foram
semelhantes com achados da literatura.
Vida organizada: mencionado na literatura, adeptos da vida simples
reduzem o acúmulo de bens e a bagunça, sendo vigilantes para não
acumular bens. A presente tese encontrou resultados semelhantes.
Experiências e Vivências: a literatura menciona a valorização de
experiências pelos adeptos da vida simples. Preferem estar em contato
com a natureza, ter tempo para relacionamento com amigos e familiares,
viagens, atividades que lhes dão prazer. Apesar de ser assunto amplamente
mencionado na literatura, os estudos não abordam que a busca por
95
experiências, muitas vezes, está relacionada ao consumo de serviços. Este
foi um achado relevante da presente pesquisa, já que o grupo ressaltou a
valorização do consumo de serviços.
Consciência ambiental e social: amplamente abordado na literatura,
principalmente como motivação para adotar a Simplicidade Voluntária.
Porém, no presente estudo, os adeptos pareceram não adotar a vida
simples por preocupações de natureza ambiental ou social. Entretanto ao
praticar a Simplicidade Voluntária, passaram a se preocupar com essas
questões.
4.3.1. Mudanças na vida profissional
Muitos entrevistados e membros do grupo virtual estavam insatisfeitos no
trabalho e, ao adotarem a Simplicidade Voluntária, realizaram a mudança ou têm
planos futuros para tal. Os resultados foram ao encontro da literatura, pois
buscaram redução de carga horária, um trabalho prazeroso com significado e
deixaram de se preocupar com remuneração alta.
O grupo estudado passou a almejar trabalho que lhes desse prazer e que lhes
proporcionasse mais tempo livre para dedicação ao lazer. Uma grande motivação
para ser adepto da vida simples foram insatisfação e estresse no trabalho e, por
isso, diversos membros do grupo mudaram em busca de algo que oferecesse
satisfação. Para eles, é fundamental que o trabalho lhes dê sentido e felicidade.
“O que me exigia o jornalismo, hoje quando eu penso (...). Trabalhar com
isso não é uma coisa que me dava prazer. Não era prazerosa para mim (...).
Depois de um tempo que eu fui entender que aquilo não me fazia bem”.
(Marlena).
“(...) eu estou passando o negócio e estou querendo fazer outra coisa. Estou
querendo trabalhar com sustentabilidade ou terceiro setor ou orgânicos. Eu
quero tentar me aproximar da natureza. Alguma coisa nesse sentido”.
(Rubem).
Ao procurarem um trabalho que lhes desse mais tempo livre, alguns
recorreram a concursos públicos, outros a um trabalho em que eles pudessem
fazer seus próprios horários (como passar a dar aulas de ioga, ministrar cursos),
96
outros buscam um trabalho em tempo parcial. Dessa forma, eles podem ter mais
tempo livre, com atividades de lazer, divertimento e para a família e para si.
“Quando eu comecei a delegar tarefas e a simplificar o trabalho (2 anos e
meio atrás), ganhei tempo para outros interesses, para família, passeios,
leitura, esporte”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).
“Eu também fiz isso há uns dois anos. Fui diminuindo o número de aulas
que dou por semana e isso me fez muito bem. Se eu não tivesse mudado
minha maneira de perceber a vida, estaria pensando no dinheiro que estou
deixando de ganhar, o que poderia comprar a mais do que não preciso, etc.
Só que a vida é muita curta para só pensarmos em trabalhar, comprar,
acumular, e para que? ”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).
Clarice citou que a sociedade exerce pressão para que as pessoas tenham
elevada carga horária no trabalho, como se trabalhar muito fosse o normal. Ela
citou que quando alguém menciona que não tem trabalhado muito, as pessoas ao
redor ficam achando que há algum problema, algo de errado está acontecendo. Ela
critica esse padrão imposto pela sociedade de que trabalhar em excesso é o certo.
Sua carga horária é reduzida e não vislumbra trabalhar mais, pois valoriza seu
tempo livre.
Outra mudança em relação ao trabalho diz respeito a abrir mão de salários
altos. Passaram, então, a abrir mão de altos salários para ter uma vida mais
prazerosa. Abriram mão de ambições profissionais, não vislumbrando ter altos
cargos em empresas ou trabalhar muito para ser promovido.
“(...) talvez trabalhar meio período também (...), aí eu já cortei aquela
expectativa de virar coordenador, diretor de uma grande corporação (...). Eu
nunca tive esse sonho de ter uma grande casa, carro do ano, ao mesmo
tempo, eu não tenho motivo de me matar no trabalho para ganhar mais
dinheiro”. (José).
“Eu fui para ganhar, do meu salário de analista que eu tinha, eu ganho
sessenta por cento do que eu ganhava como analista”. (Carlos)
A literatura aponta que os adeptos da Simplicidade Voluntária buscam
trabalho com carga horária reduzida (ETZIONI, 1998; JOHNSTON e BURTON,
2003; BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; ALEXANDER e USSHER, 2011).
Esses achados foram encontrados no presente estudo, os membros do grupo
97
reduziram carga horária, buscando empregos em tempo parcial, buscando
trabalhos em que poderiam fazer os próprios horários e optando por pouca carga
horária.
A literatura também aponta a busca de significado no trabalho, que deve ser
condizente com valores individuais (CRAIG-LEES e HILL, 2002; JOHNSTON e
BURTON, 2003; HUNEKE, 2005), e trabalho prazeroso (HUNEKE, 2005). Os
resultados também apontaram para a busca de um trabalho que lhes oferecesse
prazer e sentido. Não queriam mais um emprego que não estivesse de acordo com
seus princípios de vida. Paulo, por exemplo, migrou para trabalho na área da
sustentabilidade, Rubem tem planos de migrar para essa área também.
A literatura também menciona que os praticantes da vida simples passam a
não se preocupar com salários altos (ETZIONI, 1998; JOHNSTON e BURTON,
2003). Os resultados aqui encontrados corroboram com esses achados. O grupo
estudado está disposto a abrir mão de salários superiores, pois para ganhar
dinheiro, precisariam trabalhar em excesso.
4.3.2. Moradia
Alguns entrevistados e membros do grupo já realizaram mudanças em
relação à moradia e outros possuem planos para o futuro, mudando-se para o
interior, já que julgam que assim terão vida calma e pacata, diferente da vida nos
centros urbanos.
“Eu gostaria de mudar para o interior de São Paulo, eu já estou com essa
ideia (...). Eu gostaria de morar entre 100, 150 Km de São Paulo”. (Rubem).
“Eu morava em São Paulo na capital e agora moro numa cidade de interior
do Paraná (...). São Paulo é uma cidade opressiva. Aqui a gente vive mais
sossegada”. (Catarina).
Alguns entrevistados e membros do grupo realizaram outro tipo de
mudanças em relação à moradia: a redução de sua complexidade. Essa
simplificação ocorreu mudando-se para um imóvel menor, com menos cômodos,
para não ter a necessidade de ter muitos bens e para simplificar a vida em relação
98
à manutenção do imóvel, ou reduzindo o acúmulo de itens considerados
desnecessários, que resultam em bagunça.
“A casa é muito grande para mim, eu vou querer por quê? Por que era no
centro? Por que eu vou querer uma casa tão grande se eu sou sozinha?”
(Clarice).
“Morava numa casa enorme, fiz três dias de bazar, doações para família e
entidades, me desfiz de coisas que eu nem lembrava que tinha, e de coisas
que guardava e não utilizava, que não usava mais, dá uma sensação de
leveza....Vim morar num lugar bem menor e quando vejo que estou
acumulando coisas, vou e me desfaço daquilo que realmente não preciso e
posso muito bem viver sem.” (Frase compartilhada no grupo do Facebook).
A literatura aponta que alguns praticantes da Simplicidade Voluntária
passam a residir no interior, em áreas rurais, menos urbanas (ETZIONI, 1998;
JOHNSTON e BURTON, 2003; SHAW e MORAES, 2009), outros se mudam
para comunidades alternativas (BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; BEKIN et
al., 2007). As mudanças mencionadas na literatura enfatizam a ida para áreas
rurais. Os dados analisados corroboram com esse ponto, mostrando que os
entrevistados e membros do grupo consideram a ida para regiões menos urbanas.
Porém, não mencionaram a mudança para comunidades alternativas, somente o
interesse em conhecê-las.
No presente estudo, o grupo investigado também mencionou a simplificação
da moradia como um todo (em termos de tamanho e objetos), assunto que é
tratado por poucos autores (HUNEKE, 2005).
4.3.3. Transporte
Os entrevistados e membros do grupo passaram a andar de bicicleta, a pé,
utilizar transporte público ou ‘carona solidária’. Aqueles que têm carro reduziram
sua utilização e não têm modelos novos, um inclusive é do ano de 1997
(automóvel de Clarice). Os resultados corroboram com relatos encontrados na
literatura sobre mudança no meio de transporte dos adeptos da vida simples.
“Começando a sentir o ventinho no rosto e toda a renovação do projeto de
usar a bike como meio de transporte! (Depois de uns 25 anos sem
99
pedalar...)”. (Frase compartilhada por um dos membros do grupo no
Facebook).
“Eu ando de ônibus e de metrô, eu não tenho carro. Não é porque não possa
tê-lo, odeio tê-lo, odeio ficar parada no trânsito (...). Quando preciso pego
táxi, senão vou de ônibus ou de metrô”. (Eliza).
“Tudo o que eu faço é a pé. É uma das coisas que eu gosto muito. É muito
raro precisar de carro”. (Catarina).
Alguns membros do grupo possuem carro, porém dão preferência a utilizar
o transporte público na maior parte dos casos. Os carros são mais usados nos
finais de semanas, quando fazem algum passeio ou viagem. Dizem que possuem
carros por terem filhos pequenos, o que facilita a locomoção. Porém, apesar de
terem carro, não buscam ter modelos novos e modernos, pautando-se nas questões
utilitárias do carro.
“Meu carro tem dez anos. Se eu pudesse abrir mão totalmente, eu até
abriria. Mas, assim, eu utilizo vez ou outra o carro, já usei mais, com a
simplicidade eu consegui reduzir o uso”. (Rubem).
Estudos anteriores sobre Simplicidade Voluntária sugeriram que adeptos
alteram o meio de transporte utilizado no dia-a-dia, passando a adotar bicicletas
(LEONARD-BURTON, 1981; ELGIN, 2000), transporte público (ELGIN, 2000),
carros mais eficientes (SHAMA, 1995; ELGIN, 2000), ‘carona solidária’ (SHAW
e NEWHOLM, 2002), redução do uso de automóveis (SHAW e NEWHOLM,
2002; HUNEKE, 2005), opção por ter carros antigos ou usados (BEKIN et al.,
2005). As entrevistas e depoimentos do grupo corroboram com a literatura,
indicando a preferência pela utilização de transporte público, por carros antigos e
a utilização de bicicleta ou caminhar. Porém, não foi mencionado o uso de carros
mais eficientes.
Alguns entrevistados relataram que procuram fazer as coisas perto de casa,
para encurtar distância e gastar menos tempo com transporte. A literatura sobre
Simplicidade Voluntária não menciona esta mudança de hábito na vida dos
adeptos, sendo mais encontrada em estudos sobre comunidades alternativas
(BEKIN et al., 2005).
100
“Como também facilitar a vida, assim, por exemplo, como eu dou aula de
ioga, eu tinha a oportunidade de escolher os lugares onde eu dava aula.
Então o que eu fazia? Se era possível para mim, eu podia escolher entre um
lugar mais próximo de casa.” (Marlena).
4.3.4. Alimentação
Este é um tema recorrente na literatura, no discurso dos entrevistados e nas
mensagens trocadas no fórum.
Estudos encontrados na literatura indicam que a alimentação dos adeptos da
vida simples sofrem modificações, como: redução do consumo de carne ou
adoção do vegetarianismo (LEONARD-BURTON, 1981; BEKIN et al., 2005;
SHAW e MORAES, 2009), plantação de alimentos em casa (LEONARD-
BURTON, 1981; BEKIN et al., 2005; SHAW e MORAES, 2009; ABDALA e
MOCELLIN, 2010); adoção de alimentação saudável, natural e/ou orgânica
(IWATA, 1997; ELGIN, 2000; SHAW e NEWHOLM, 2002; BEKIN et al., 2005;
HUNEKE, 2005; SHAW e MORAES, 2009). Em muitos casos, foi constatado
que esse tipo de alimentação tem preço alto, que estão dispostos a pagar
(HUNEKE, 2005). Também ocorre a compra de alimentos de produtores locais
(SHAW e MORAES, 2009). Todos esses pontos mencionados na literatura
revelaram-se no discurso do grupo estudado.
Os membros do grupo relataram ter alterado sua alimentação ao adotar a
Simplicidade Voluntária, passando a consumir alimentos não industrializados.
Preferem a comida caseira, que consideram ser associada à saúde, evitando
alimentos que tenham sido produzidos com agrotóxicos, hormônios e
conservantes.
Muitos se tornaram vegetarianos, outros não comem carne vermelha e
alguns optaram por sementes germinadas e alimentação crua (frutas, verduras),
que chamam de alimentação viva. Não se importam em pagar mais por produtos
saudáveis. Os que residem no interior preferem comprar alimentos de produtores
locais.
“Agora que estou até pela Simplicidade Voluntária, comecei a pesquisar
alimentação mais saudável, mais simples, menos conservantes e coisas
101
menos industrializadas (...). Eu era a rainha de comer na rua e se bobeasse
comia todas as refeições na rua. Agora faço todas as refeições em casa,
todas (...). É menos processado, menos industrializados, mais natural, mais
frutas e legumes possível”. (Thalita).
“(...) a gente vai gastar com alimentação saudável, e alimentação saudável
custa caro, infelizmente”. (Carlos).
4.3.5. Consumo de bens
Nas entrevistas e nos debates no grupo virtual, os termos mais recorrentes
sobre consumo de bens foram não acumular, não ter em excesso, ter o que
realmente precisa, reduzir consumo de bens, consumir de forma inteligente, não
cair em armadilhas, e se livrar daquilo que não precisa de maneira consciente.
Estes temas são encontrados na literatura, que enfatiza a redução dos níveis de
consumo dos adeptos da vida simples. Os entrevistados e membros do grupo
desenvolveram mais consciência ao comprar bens, diferenciando o que era de fato
necessário e o que era desnecessário, relatando que esse é um processo contínuo,
já que não acumular, para alguns, é difícil. Declararam ter que, continuamente,
avaliar o que realmente precisavam para comprar de forma inteligente e
consciente e livrar-se do que estava sobrando.
Uma síntese das principais mudanças de cada entrevistado no consumo de
bens materiais é apresentada na Tabela 11.
Tabela 11: Mudanças no consumo de bens
Entrevistado Mudanças
José Menos roupas, sapatos, acessórios; não valoriza marcas famosas; ir menos a
lojas (objetividade); qualidade ao invés de quantidade (apesar de poder ser mais
caro); menos objetos decorativos.
Carlos Menos roupas, sapatos, acessórios; não valoriza marcas famosas; menos
produtos de natureza tecnológica; menor rotatividade de troca de produtos;
qualidade ao invés de quantidade (apesar de poder ser mais caro); livros.
Rubem Menos roupas, sapatos, acessórios; menos produtos de natureza tecnológica;
menor rotatividade de troca de produtos; menos objetos decorativos.
Paulo Menos roupas, sapatos, acessórios; menos produtos de natureza tecnológica;
menor rotatividade de troca de produtos; menos produtos de limpeza; menos
remédios.
102
Jane Menos roupas, sapatos, acessórios; não valoriza marcas famosas; compra em
brechós; menos produtos de natureza tecnológica; menor rotatividade de troca
de produtos; menos objetos decorativos; preferências por produtos verdes;
livros.
Clarice Menos roupas, sapatos, acessórios; compra em brechós; menor rotatividade de
troca de produtos; qualidade ao invés de quantidade (apesar de poder ser mais
caro); menos produtos de limpeza.
Marta Menos roupas, sapatos, acessórios; não valoriza marcas famosas; menos
produtos de natureza tecnológica; menor rotatividade de troca de produtos;
qualidade ao invés de quantidade (apesar de poder ser mais caro); livros.
Rosa Menos roupas, sapatos, acessórios; não valoriza marcas famosas; menos
produtos de natureza tecnológica; menor rotatividade de troca de produtos;
produtos artesanais, menos produtos industrializados; menos remédios.
Marlena Menos roupas, sapatos, acessórios; menor rotatividade de troca de produtos;
qualidade ao invés de quantidade (apesar de poder ser mais caro); livros.
Thalita Menos roupas, sapatos, acessórios; não valoriza marcas famosas; menos objetos
decorativos; menos produtos femininos.
Eliza Menos roupas, sapatos, acessórios; menos produtos de natureza tecnológica;
Menor rotatividade de troca de produtos.
Beth Menos roupas, sapatos, acessórios; qualidade ao invés de quantidade (pode ser
mais caro); menos remédios; menos produtos femininos.
Catarina Menos roupas, sapatos, acessórios; menos produtos de natureza tecnológica;
menor rotatividade de troca de produtos; preferências por produtos verdes e
socialmente responsáveis; menos produtos femininos; livros.
Para os participantes do grupo da Simplicidade Voluntária, a compra de um
bem somente ocorre quando realmente precisam. Se existir a possibilidade de
consertar o bem, a compra não será necessária. Parece que esse comportamento
ocorre com todos os bens materiais: automóvel, telefone celular, roupas,
acessórios, televisão, ar condicionado e produtos eletrônicos, mesmo com
produtos que envolvem processo de decisão de compra mais complexo, como o
automóvel, que no Brasil representa status (GROHMANN et al., 2012). Os
entrevistados relatam que não se importam em possuir um automóvel de modelo
novo (uma entrevistada tem um carro fabricado em 1997).
Ao comprar um produto, prezam a qualidade, algo que dure, uma vez que
não estão dispostos a trocar o bem sempre que for lançado um modelo novo.
103
Os discursos no grupo virtual também convergem nessa linha. O que é
valorizado não é o acúmulo de bens materiais, mas o uso ou consumo do que
realmente é necessário, sem excessos.
“É ter aquilo que você realmente precisa e usa, na justa medida” (Frase
compartilhada no grupo do Facebook).
“Lá em casa, meu pai comprou uma lava louça, para mim isso foi bem
desnecessário”. (José).
“80% do tempo utilizamos apenas 20% da roupas, então eliminei grande
parte das roupas” (Frase compartilhada no grupo do Facebook).
Baudrillard (2008) mencionou que, na sociedade moderna, “o essencial está
sempre além do indispensável” (2008, p. 42). Porém, em relação aos resultados do
estudo, parece que as compras, em geral, têm motivações utilitárias. Enquanto
alguns autores apontam que o consumo de produtos, muitas vezes, ocorre em
função do seu significado, não sendo apenas pelas características utilitárias
(LEVY, 1959; BAUDRILLARD, 2008), os entrevistados alegam que compram o
que realmente é útil (Tabela 12). Muitos relatam que não gostam de ir a shopping
centers ou sair para comprar, mostrando não sentir prazer em comprar.
Tabela 12: Principais mudanças no consumo de bens - entrevistas e debates no
grupo
Consumo de
bens
Descrição Alguns depoimentos ilustrativos
Redução do
consumo de
bens
Redução no consumo em
geral, principalmente:
roupas, sapatos, acessórios,
objetos decorativos,
produtos tecnológicos,
remédios, produtos de
limpeza e produtos de
beleza.
“Faz um ano que eu não compro roupa. Hoje
estou com celular que já tem três anos. Se
fosse antigamente, eu teria mudado. Não tenho
pretensão de trocar recentemente.” (Carlos).
“Em relação a sapatos, já cheguei a ter 60
pares. Hoje eu tenho acho que dez”. (Jane).
“Eu não uso sapatos de salto faz muitos anos,
só uso sapatos confortáveis para os meus pés,
afinal são eles que carregam o meu corpo e
devo respeito a eles”. (Frase compartilhada no
grupo do Facebook)
“Duas coisas que eu simplifiquei bastante e dá
como exemplo de coisas de mulher é não fazer
unha e não pintar cabelo” (Thalita)
104
Produtos com
qualidade e
durabilidade
Preferência por produtos
com qualidade e longa
durabilidade, podendo ser
mais caros e não
necessariamente de marcas
famosas
“Sem me preocupar se a marca é conhecida ou
não”. (José)
“Sendo de qualidade, compro em qualquer
lugar. Não sou presa à marcas nem a status”.
(Frase compartilhada no grupo do Facebook).
Produtos
ecológicos e
socialmente
responsáveis
Preferência por produtos que
não agridam o meio
ambiente e marcas
conhecidas pela ética e
responsabilidade social.
Boicote a marcas social e
ambientalmente incorretas.
“Tomando consciência, quando eu vou
comprar alguma coisa quero saber se faz teste
com animais e se tem consciência”. (Catarina).
“Eu não compro, sei lá, eu não compro
determinado material, não é biodegradável,
que faz mal, que não sei o que, não vou
comprar esse tipo de material. Às vezes eu
pago um pouco mais caro, para ter alguma
coisa mais limpa” (Jane).
Compra de
produtos usados
Compra de roupas, livros e
acessórios em brechó,
bazares e sebos.
“Eu compro muita roupa em brechó”. (Jane).
“Gosto mais de bazares. Além das roupas
serem mais baratas, ajudo as entidades”. (Frase
compartilhada no grupo do Facebook).
Uso de
produtos até o
fim da vida útil
Não trocam produtos só
porque foi lançado modelo
novo ou entrou na moda.
Utilizam o produto até não
funcionar mais. Tentam
consertá-lo ao invés de
comprar um novo.
“Se você for olhar o meu celular, os meus
amigos me gozam, é jurássico (...). Mas só se
ele quebrar ou ficar com defeito e ser uma
coisa assim, mas não porque saiu o próximo
aparelho”. (Eliza).
“Então eu acho que eu gastei para consertar
uma coisa que para mim vai continuar sendo
útil. Não precisei comprar um sapato novo”.
(Marta).
Produtos
artesanais e
locais
Preferência por produtos
feitos a mão e vendidos
localmente.
“A simplicidade passa muito pela coisa do
trabalho manual, do prestigio ao artesanato,
você valorizar as coisas mais artesanais e
menos industrializadas” (Rosa).
“Eu gosto mais de feira, por ser uma cidade
pequena os feirantes são os próprios
produtores” (Catarina).
Produtos mais
simples
Redução da complexidade
tecnológica. Roupas simples.
“Até menos tecnologia, você não vai estar
preocupada com o telefone último modelo,
nem com o último modelo de televisão (...). Eu
estou com um iPad (...) porque eu tive uma
oportunidade de comprar” (Rosa)
“Gosto de roupas simples e confortáveis”
(Frase compartilhada no grupo do Facebook).
“Minha vestimenta ficou muito simples”.
(Marta).
Valorização do
consumo de
livros
São apaixonados por livros.
Difícil reduzir consumo.
Compram em sebos, pegam
empréstimos, fazem trocas,
mas continuam comprando.
“Esse é o meu pecado. Eu sou louca por livros,
eu não posso ver, fico assim, tentada (...). Mas
sempre tento comprar em sebos”. (Catarina)
105
“(...) eu compro o novo, eu doo depois, às
vezes eu doo os livros todos novos, porque eu
sei que eu não vou ler mais. Ou às vezes eu
troco”. (Jane).
Recebimento de
doações
Alguns já receberam
doações de roupas de
pessoas conhecidas.
“Até tinha uma sobrinha, ela foi engordando e
ela acabava dando muita roupa para mim.
Então tinha umas roupas bem bonitas mesmo,
então tinha muita roupa.” (Clarice)
Os resultados encontrados estão de acordo com achados apresentados na
literatura, identificando as principais mudanças que ocorrem no consumo de bens
daqueles que optam pela vida simples. Todas as pesquisas sobre Simplicidade
Voluntária destacam a redução do consumo de bens em geral. Os praticantes da
vida simples compram menos bens materiais, evitando acúmulo e excesso do que
não é necessário. Compram para satisfazer a necessidade real, deixando de
consumir produtos supérfluos (SHAMA, 1981; SHAMA, 1995; IWATA, 1997;
ETZIONI, 1998; CRAIG-LEES e HILL, 2002; JOHNSTON e BURTON, 2003;
HUNEKE, 2005; MCDONALD et al., 2006; BEKIN et al., 2007; CHERRIER,
2009b; SHAW e MORAES, 2009; BALLANTINE e CREERY, 2010). Porém,
quando precisam comprar um produto, dão preferência àqueles com qualidade,
que duram mais, mesmo que sejam mais caros (IWATA, 1997; SHAMA, 1981;
ELGIN, 2000; JOHNSTON e BURTON, 2003; HUNEKE, 2005; SHAW e
MORAES, 2009; BALLANTINE e CREERY, 2010), a produtos mais simples
(SHAMA, 1981) ou ecológicos e socialmente responsáveis (ELGIN, 2000;
CRAIG-LEES e HILL, 2002; JOHNSTON e BURTON, 2003; HUNEKE, 2005;
MCDONALD et al., 2006; OATES et al., 2008; SHAW e MORAES, 2009;
BALLANTINE e CREERY, 2010; ALEXANDER e USSHER, 2011). Boicotam
produtos de empresas antiéticas e que agridem o meio ambiente (ELGIN, 2000;
OATES et al., 2008).
Shama (1985) e Elgin (2000) enfatizaram a valorização da compra de
produtos eficientes, que não desperdiçam energia, e de produtos funcionais.
Craig-Lees e Hill (2002) também citaram a compra de produtos funcionais.
Outros autores identificaram a compra de produtos usados, chamados
‘produtos de segunda-mão’, como roupas, automóveis e mobília (LEONARD-
BURTON, 1981; CRAIG-LEES e HILL, 2002; BEKIN et al., 2005;
BALLANTINE e CREERY, 2010).
106
Os adeptos da vida simples tendem a utilizar o produto até parar de
funcionar, não valorizando a troca constante de bens por modelos novos e que
estão na moda (ETZIONI, 1998), recorrendo, em muitos momentos, a consertos,
empréstimos e trocas (ALBINSSON e PERERA, 2009). Alguns passam a
produzir seus produtos (LEONARD-BURTON, 1981; SHAMA, 1981), como
roupas, acessórios e presentes criativos. Outros preferem comprar em lojas locais
menores (SHAMA, 1981; BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; SHAW e
MORAES, 2009; ABDALA e MOCELLIN, 2010). Os resultados aqui
encontrados reforçam esses achados anteriores. Contudo, apontaram para a
valorização da compra de livros. Entrevistados relataram a paixão pela leitura e os
membros do grupo virtual indicam livros uns aos outros. Apesar de tentarem
reduzir as compras, por meio de empréstimos e trocas, ainda os adquirem em
sebos e livrarias e, após sua leitura, doam-nos, pois não irão mais precisar deles.
Alguns entrevistados e membros do grupo relataram que já receberam
doações de roupas de conhecidos, que doam para amigos e familiares, em bom
estado, o que reduz ainda mais a necessidade de comprar. Este também é um
achado interessante, que não recebe atenção na literatura.
4.3.6. Descarte
As formas de descarte encontradas nas entrevistas e nos debates no grupo
foram a reciclagem (separar o lixo para coleta seletiva), o reaproveitamento de
objetos (dar novos usos a objetos que não servem mais), a doação ou troca do que
não está em uso, a redução do lixo, para minimizar desperdício (não utilizar
sacola plástica em compras de supermercado, reduzir o uso de papel, reduzir as
sobras de alimentos).
Alguns depoimentos ilustram a preocupação com o descarte de produtos.
“(...) alimentação a gente nunca descarta, sempre faço a quantidade certa
para mim e para ele (o marido)”. (Catarina).
“Estou há dois anos e meio sem gerar resíduo algum. Aproveito tudo e, o
que não aproveito está guardado para aproveitar. Precisamos ter consciência
dos resíduos no ato da compra, só isso...Se posso, qualquer um pode.”
(Frase compartilhada no grupo do Facebook).
107
O descarte é mencionado frequentemente nos estudos sobre Simplicidade
Voluntária. Os praticantes separam produtos para reciclagem (LEONARD-
BURTON, 1981; ELGIN, 2000; HUNEKE, 2005; MCDONALD et al., 2006;
PEPPER et al., 2009), evitam desperdício (IWATA, 1997), doam objetos que não
usam (PEPPER et al., 2009) e reutilizam ou reaproveitam produtos (BEKIN et al.,
2007). Os resultados aqui encontrados estão coerentes com o conhecimento
existente sobre o tema.
O cuidado com o descarte foi um ponto relatado pelos entrevistados e pelo
grupo virtual quando nas fases iniciais da adoção da Simplicidade Voluntária.
Como alguns membros do grupo tinham muitos bens materiais, tiveram que se
desfazer do que não precisavam, doando aquilo que não necessitavam.
“Há alguns anos doei meus ternos, sapatos,gravatas de seda...Hoje, quando
muito, reponho peças básicas...Espero nunca mais torrar uma única hora de
minha vida escolhendo roupas, muito menos para uso formal”. (Frase
compartilhada no grupo do Facebook).
“Arrumei meus armários e gavetas e separei itens para doação/ brechós”.
(Frase compartilhada no grupo do Facebook).
4.3.7. Vida organizada
Organização diz respeito a livrar-se da desordem, reduzir quantidade de
papéis e de objetos em casa (HUNEKE, 2005).
Nas entrevistas e nas discussões no grupo virtual, a organização foi
apontada como uma das mudanças importantes para tornar-se simples. Os
participantes do grupo relataram terem reduzido a quantidade de itens que
ocupavam espaço e desorganizavam a vida, na forma apresentada por Huneke
(2005). Avaliaram continuamente o que devia ser doado e controlavam melhor
suas finanças. Para eles, quem não conseguir tornar-se organizado, terá
dificuldades para adotar a Simplicidade Voluntária.
“Eu vou falar para você, perdia muito tempo, eu morava com minha mãe, eu
gostava de bibelôzinho, eu vivia doando bibelô, eu vivia tendo bibelô,
porque alguém me dava ou eu comprava e tal. Eu comecei a me desprender
108
dos bibelôs, eu comecei a limpar a casa mais rápido. Porque você não tem
mais tanta coisa para ficar passando paninho”. (Jane).
“Casas mais simples, sem tralha, são mais fáceis de manter. Quando
comecei a entrar em contato com a SV, em 2007 (...), um site de
organização doméstica me ajudou muito (...). Aprendi que tralha nunca é
organizável, temos é que nos desvencilhar dela!” (Frase compartilhada no
grupo do Facebook)
4.3.8. Experiências e vivências
Apesar de terem reduzido drasticamente o consumo de produtos, os
entrevistados e membros do grupo valorizam experiências e vivências. Para eles, é
mais prazeroso gastar o tempo com momentos do que comprando produtos: “Que
tal não dar coisas e sim momentos?” (Frase compartilhada no grupo).
Crescimento intelectual, espiritual e emocional (IWATA, 1997;
ELGIN, 2000; HUNEKE, 2005);
Momentos de lazer (IWATA, 1997);
Contato com a natureza (ELGIN, 2000; SHAW e MORAES,
2009);
Atenção aos familiares e amigos (HUNEKE, 2005).
As experiências estavam relacionadas tanto a atividades gratuitas, como a
atividades que demandavam custo financeiro (consumo de serviços): viagens;
contato com a natureza e consigo mesmo; atividades culturais; cursos; contato
com familiares e amigos; momentos de lazer; praticar esportes.
Valorização de viagens
Muitos dos entrevistados são apaixonados por viagens, conhecendo novos
lugares, culturas e pessoas. Para eles, viagens trazem conhecimento, experiência
de vida, reflexão e descanso. Um dos entrevistados estava na Austrália por
ocasião da entrevista. Havia pedido demissão no emprego, por insatisfação, e foi
109
passar seis meses em outro país, para ter uma experiência diferente de vida e para
refletir sobre seus planos futuros.
Para os adeptos da vida simples, viagens representam momentos que
proporcionam prazer e divertimento, além de ser um bom momento para estreitar
relacionamento com amigos e familiares. Consideram que viagens agregam
conhecimento e vivência para suas vidas, conhecendo outras culturas. São
experiências que ficarão em suas memórias para sempre.
“Se meu filho fizer aniversário, eu falo: vamos fazer um passeio, vamos
fazer uma viagem aqui pertinho de São Paulo, vamos ficar numa pousada.
Assim, do que comprar. “Eu quero trocar o videogame”. Não, filho, fica
com o seu aí. Eu acho que vale mais uma experiência de vida. Isso eu acho
que traz mais do que a coisa. Eu acho que a simplicidade voluntária vai
muito nisso, trocar coisas que você põe no armário, usa uma vez, duas,
guarda, trocar isso por um momento”. (Rubem).
“Eu viajo muito. E as pessoas, às vezes, não entendem como eu gasto
dinheiro viajando e não gasto dinheiro comprando uma televisão nova”.
(Marta).
Contato com a natureza e consigo mesmo
Os relatos indicam a vontade dos membros do grupo em estarem mais em
contato com a natureza, por meio de passeios, caminhadas ou viagens. Alguns têm
plantações e jardins em casa, não somente para plantar parte do alimento que
consomem, mas pelo prazer de estar em contato com a natureza.
“Esse contato com a natureza é fundamental para mim... Recarrega as
baterias legal...” (Frase compartilhada no grupo do Facebook).
Buscam também estar em contato consigo mesmos, praticando ioga ou
meditação. Valorizam o tempo livre, para poderem refletir sobre suas vidas.
“Ficar à toa deitado numa rede, porque eu acho que o ócio faz parte da vida
da gente”. (Clarice).
110
Atividades culturais
Entrevistados valorizam programas culturais, como cinema, teatro e museus,
atividades que aliam conhecimento e prazer. Eliza gosta de pintar, Beth de tocar
instrumentos musicais. O grupo do Facebook divulga filmes em cartaz, peças de
teatro, exposições e eventos, que eles consideram interessantes e músicas de seus
gostos. Alguns já se encontraram pessoalmente em eventos musicais e divulgaram
no fórum fotos do encontro.
Para eles, essas atividades agregam conhecimento, o que consideram
importante. Não valorizam o acúmulo de bens, preferindo acumular conhecimento
e momentos de lazer e divertimento.
Por outro lado, os adeptos da vida simples não estão dispostos a gastar
muito dinheiro com essas atividades, já que considerariam um gasto exagerado,
dada a variedade de atividades culturais existentes, que possibilitam gastos
reduzidos.
“Dança é um negócio que eu gasto, aulas de música, agora eu vou tentar de
graça. Mas assim, eu não economizo muito em termos de serviços. É porque
eu acho que é um ganho permanente, eu sinto como um ganho permanente”.
(Catarina).
“Curtir não precisa ser sinônimo de gastar dinheiro, podemos obter prazer, e
muito, na simplicidade, longe das grandes mesas e grandes luxos! A música-
por vezes disponível até gratuitamente numa praça pública da sua cidade- é
uma grande fonte de diversão” (Frase compartilhada no grupo no
Facebook).
Importância de fazer cursos
Outra atividade relevante para os entrevistados é o aprendizado. Valorizam
a obtenção de conhecimento, representando gastos dos quais não abrem mão,
principalmente em relação a seus filhos. Como valorizam o acúmulo de
conhecimento e formação pessoal, estão dispostos a investir em cursos.
“Ah, curso, eu invisto muito em curso, a gente investe (...). Curso a gente
não tem dó. Porque é conhecimento”. (Jane).
111
“Os cursos que eu faço de ioga, sempre que tem um professor de fora, eu
sempre faço. Mas são coisas que me fazem muito bem, então são coisas que
eu faço questão também. Hoje, talvez eu seja mais seletiva, antes eu fazia
tudo (...). A escola do meu filho também, a gente não falou de escola, mas
assim, é uma coisa que é um gasto essencial, não tem como abrir mão desse
tipo de gasto”. (Marlena).
Contato com familiares e amigos
Os relatos evidenciam a importância do convívio com familiares e amigos,
que representam experiências importantes, fortalecedoras de laços pessoais e
fontes de prazer. Essas experiências podem ser reunião com amigos e familiares
em casa ou em restaurantes (alguns entrevistados optaram por reduzir ida a
restaurantes e receber amigos em casa, outros preferem ir a restaurantes para
encontrar conhecidos e estreitar relacionamentos), atividades culturais ou viagens
em grupo.
“O nosso propósito é valorizar a família e os amigos, a gente parou de gastar
dinheiro com pizzaria, churrascaria, restaurante (...). A gente aumentou os
gastos com alimentação, porque a gente recebe amigos em casa.” (Carlos).
Praticar esportes
A prática de esportes e de exercícios físicos é muito valorizada pelos
entrevistados, que, além de serem saudáveis, são uma forma de estar bem consigo
próprio.
Muitas vezes, as atividades esportivas estão aliadas ao contato com a
natureza, fazendo caminhadas em praias ou praças. Valorizam atividades ao ar
livre.
“Eu comecei a inserir atividade física no meu cotidiano”. (Jane).
O grupo valoriza experiências, que muitas vezes ocorrem através de
serviços, preferidos à aquisição de bens.
“Estou vivendo, se eu morrer ali na esquina, eu vou levar comigo as
impressões, as impressões do que eu vivi, não do que eu tenho. Se eu morrer
ali, as coisas vão ficar tudo aí, o que eu vivi eu levo no espírito, na alma, a
112
experiência. A felicidade, ela se resume aos momentos que eu vivo que são
felizes”. (Jane).
Embora tenham ressaltado a importância de experiências e de vivências dos
adeptos da Simplicidade Voluntária (IWATA, 1997; ELGIN, 2000; HUNEKE,
2005; SHAW e MORAES, 2009), estudos encontrados na literatura não são
aprofundados em relação à valorização do contato com pessoas, com natureza e
consigo mesmo e em momentos de lazer, ignorando o consumo de serviços que
geram experiências. Craig-Lees e Hill (2002) mencionaram que o consumo de
serviços dos adeptos da Simplicidade Voluntária diminuiu, mas não especificaram
razões para a redução, nem detalharam de que forma ela se deu.
Os resultados aqui encontrados sugerem que os adeptos da Simplicidade
Voluntária reduzem o consumo de bens materiais, valorizando o consumo de
serviços, por representarem experiências prazerosas e enriquecedoras: o prazer
está associado a serviços e não a bens.
A Tabela 13 resume os serviços valorizados por cada entrevistado.
Tabela 13: Serviços valorizados
Entrevistados Serviços
José Viagens
Carlos Viagens, cursos
Rubem Viagens, restaurantes, atividades físicas
Paulo Viagens, atividades físicas
Jane Viagens, cursos, restaurantes, atividades físicas
Clarice Viagens, restaurantes, atividades físicas
Marta Viagens, atividades culturais
Rosa Viagens, cursos
Marlena Viagens, cursos, atividades físicas, cinema e outras atividades culturais
Thalita Viagens
Eliza Viagens, cinema, teatro, espetáculos de dança, museu e outras atividades
culturais.
Beth Atividades culturais
Catarina Viagens
113
Dentre as experiências, as mais valorizadas são as viagens, que servem para
dar prazer e conhecer novas culturas e pessoas. Relataram não abrir mão de
viagens, ainda que sejam para lugares próximos do local onde residem.
Atividades culturais também são valorizadas, como cinema, teatro, museu e
espetáculos de dança e música, momentos de entretenimento que agregam
conhecimento. No grupo virtual, alguns membros já combinaram de se encontrar
em um evento de música.
Entrevistados relataram a importância de estudar assuntos novos em cursos
profissionais e acadêmicos, que representam um investimento pessoal e
profissional. Apesar de relatarem não ter ambições de posições e salários mais
altos no trabalho, querem aprender mais.
A prática de exercícios físicos é comum entre os entrevistados, embora, na
maior parte das vezes, se dê em áreas livres, como parques e praias. A ida a
restaurantes foi um item em que houve controvérsia entre os entrevistados e
membros do grupo: Rubem, Jane e Clarice associam ir a um restaurante a um
momento de prazer, enquanto que Carlos, Thalita, Catarina e Marlena preferem
comer em casa, em ambiente mais propício para receber amigos e familiares, uma
oportunidade de preparar comidas mais saudáveis.
4.3.9. Consciência ambiental e social
A literatura aponta o desenvolvimento de maior consciência, ecológica e
social, dos adeptos da Simplicidade Voluntária. A consciência ecológica envolve
valorizar produtos ecológicos, minimizar desperdício e impactos ambientais,
reciclar produtos, buscar informações sobre a preservação do meio ambiente e
contribuir para organizações ou causas que defendam o meio ambiente
(LEONARDO-BURTON, 1981; SHAMA, 1985; IWATA, 1997; ELGIN, 2000;
JOHNSTON e BURTON, 2003; BEKIN et al, 2007; OATES et al., 2008;
ALBINSSON e PERERA, 2009; ALEXANDER e USSHER, 2011). Parece que
os membros do grupo adquiriram consciência ambiental, apesar de suas
motivações para aderirem à Simplicidade Voluntária parecerem ser de interesse
pessoal. Ao praticá-la, passaram a preocupar-se mais com questões ambientais.
114
“A Simplicidade Voluntária também passa pelo uso que você faz da água,
da luz, uma série de coisas. Eu tenho ar condicionado (...), não vou deixar
ligado se não for necessário.” (Eliza).
A literatura também menciona a consciência social adquirida por adeptos da
vida simples, que passam a se preocupar com pessoas necessitadas, com o
maltrato a animais e com rejeição a empresas antiéticas (ELGIN, 2000;
CHERRIER, 2009b; ALEXANDER e USSHER, 2011). Os adeptos da
Simplicidade Voluntária tornam-se politizados e conscientes em relação ao que
acontece no mundo (ALEXANDER e USSHER, 2011).
Os membros do grupo adquiriram maior preocupação com a sociedade,
mantendo-se informados e realizando doações financeiras para instituições de
caridade, ou doação de produtos e trabalhos voluntários.
“Eu e a minha esposa, hoje a gente doa, a gente assiste uma ONG que cuida
de pessoas pobres lá no nordeste. A gente não tem condição de ajudar hoje
fisicamente, pessoalmente, mas a gente doa financeiramente. Por quê?
Porque a gente deixou de gastar com consumo desnecessário e pega esse
dinheiro, essa parte da renda e redistribui”. (Carlos).
No grupo, os membros discutem bastante sobre a sociedade e sobre o meio
ambiente, compartilhando reflexões e informações sobre diversos temas:
o Aumento do consumismo e do materialismo, principalmente o
infantil, e suas consequências negativas;
o Aumento da população obesa, por causa de alimentação
inadequada;
o Consumidores compulsivos;
o O papel da propaganda, muitos consideram que ela deturpa o que é
importante e ilude as pessoas;
o Consideram o sistema de educação moldado para atender
demandas do mercado, sem priorizar o desenvolvimento de
pensamento crítico e criativo;
o O esgotamento dos recursos do planeta;
o Os problemas sociais e econômicos no mundo;
115
o A passividade das pessoas com menos senso crítico, reclamando
muito, mas pouco fazendo para mudar;
o A falta de sentido na vida das pessoas e suas consequências:
consumismo, uso de drogas, infelicidade, depressão, violência.
o Importância da reflexão diária para não viver de forma automática,
sem pensar no que se está fazendo. Uma frase compartilhada no
grupo ilustra uma dessas discussões:
"Não é suficiente simplesmente viver no mundo como ele é e fazer o que os
adultos disseram que você deve fazer, ou o que a sociedade diz que você
deve fazer. Eu acredito que você deve sempre estar se questionando (...). As
coisas podem ser mudadas. E mais importante: há coisas que são erradas e
devem ser mudadas. Depois que percebi isso, não havia como voltar
atrás." (Aaron Swartz).
4.3.10. Síntese do que foi mudado na adoção da vida simples
A Figura 6 sintetiza as principais mudanças na vida dos membros do grupo.
Cada mudança está seguida por uma seta, que indica se o comportamento
aumentou ou diminuiu.
Figura 6: Principais mudanças do grupo
Tempo dedicado ao trabalho Consumo de bens
Complexidade da moradia Preocupação com descarte de bens
Uso de transporte público Organização da vida
Uso de alimentos industrializados Valorização de Experiências/Vivências
Consciência ambiental Consciência social
Processo contínuo
PRINCIPAIS MUDANÇAS
Avaliação periódica sobre o que precisa mudar
116
Os membros do grupo pesquisado reduziram sua jornada de trabalho (alguns
reduziram também o salário), o tamanho da casa ou simplificaram suas
residências, tendo menor quantidade de produtos e móveis, ou mudando-se para
imóveis menores, gastos com alimentos (alguns plantam o que comem ou
reduziram os gastos, para evitar desperdício de alimentos), consumo de bens,
descarte (alguns reaproveitam objetos, evitam desperdício ou produzem pouco
lixo). Por outro lado, aumentaram o uso de transporte público (em detrimento dos
automóveis), a valorização das experiências, organização da vida (para evitar o
acúmulo de bens) e adquiriram maior consciência ambiental e social.
Dez entrevistados ressaltaram que as mudanças ocorridas constituem um
processo contínuo, com vigilância diária, sublinhando que ainda não mudaram
tudo que gostariam e ressaltando a importância de estarem alertas sobre o que
podem mudar mais em relação à vida simples, ou evitando retornar hábitos
antigos. Para eles, é importante informar-se sobre quais novas práticas da
Simplicidade Voluntária podem ser adotadas.
“A Simplicidade Voluntária tem que ser constante, acho que a gente nunca
vai chegar à perfeição, é uma coisa que sempre tem que melhorar, sempre
tem que buscar aonde pode melhorar”. (José).
Seis entrevistados consideraram que as mudanças para se tornarem simples
são fáceis de colocar em prática. Como queriam resgatar valores de simplicidade
dos familiares, que já fizeram parte de suas vidas, ou por perceberem a evolução
pessoal que a Simplicidade Voluntária representaria (como não acumular bens, ter
trabalhos mais prazerosos, ter uma vida com mais sentido), a migração para a
Simplicidade Voluntária foi fácil.
Por outro lado, os demais entrevistados relataram dificuldades, identificar o
que é necessário e o que é supérfluo demandou esforço.
“Eu acho que não é fácil. Tem umas partes fáceis até (...). É difícil saber se
aquilo é importante para mim (...). Então assim, eu tinha um notebook e um
netbook, aí eu estava toda preocupada porque eu perdi o carregador do
notebook, aí de repente eu me toquei que eu não preciso do notebook. Mas,
demorou para eu me desapegar”. (Beth).
117
Alguns se desfaziam de alguma coisa, mas viam que tinham necessidade
dela e a compravam novamente. Mas essas dificuldades, em alguns casos, foram
superadas rapidamente.
“Eu gosto muito de doar as coisas. Então, eu comecei a observar um padrão
novo, que eu doava muito, mas eu precisava comprar tudo de novo. Porque
às vezes pela compulsão de doar ou por achar que eu preciso, eu acabava me
desfazendo de coisas que eu não precisava me desfazer”. (Marlena).
Diversos estudos identificaram dificuldades para se tornar adepto da
Simplicidade Voluntária (SHI, 1997; HUNEKE, 2005; ALEXANDER e
USSHER, 2011), como a redução da carga horária de trabalho, porém ainda é um
assunto pouco abordado. A literatura enfatiza mais a mudança do que as
facilidades ou dificuldades enfrentadas.
O presente estudo identificou que alguns acham a mudança para a vida
simples fácil de ser colocada em prática, porém outros a veem como uma
mudança difícil, principalmente no início do processo de adoção, quando devem
decidir quais são os bens que precisam e quais não necessitam, sendo um assunto
pouco explorado na literatura.
4.4. Benefícios e pontos negativos percebidos na adoção da Simplicidade Voluntária
4.4.1. Benefícios percebidos
A prática da Simplicidade Voluntária parece resultar em consequências
positivas.
Benefícios pessoais relatados (Tabela 14) envolveram felicidade,
tranquilidade e qualidade de vida (relacionados à vida mais prazerosa), saúde
(devido à alimentação saudável e redução de jornada de trabalho), economia
(redução de gastos desnecessários), economia de tempo (gasto com trabalho
excessivo e compra de bens) e liberdade (não se submeter à pressão social).
118
Tabela 14: Benefícios da Simplicidade Voluntária
Benefícios Pessoais Benefícios Coletivos
Felicidade Preservação do meio ambiente
Tranquilidade Contribuições para a sociedade
Qualidade de vida
Saúde
Economia financeira
Economia de tempo
Liberdade
Os membros do grupo discutem, de forma recorrente, os benefícios que a
vida simples traz às suas vidas (Figura 7).
Figura 7: Benefícios percebidos
Fonte: Página do Facebook de “Liberte-se do Sistema”
Os entrevistados também percebem benefícios para o meio ambiente e para
a sociedade. Ao adotar a Simplicidade Voluntária, consideram que estão
beneficiando o planeta: o fato de mudarem individualmente contribui para um
mundo melhor. Muitos citaram a frase de Mahatma Gandhi: “Seja a mudança que
você quer ver no mundo”.
Apesar da literatura sobre Simplicidade Voluntária dar mais atenção às
mudanças na vida dos adeptos do que suas consequências, alguns estudos
destacam os benefícios de se tornar simples: felicidade (ETZIONI, 1998;
JOHNSTON e BURTON, 2003; ALEXANDER e USSHER, 2011), tranquilidade
119
(ETZIONI, 1998; JOHNSTON e BURTON, 2003; ELGIN, 2012), qualidade de
vida (JOHNSTON e BURTON, 2003; HUNEKE, 2005), economia de tempo
(JOHNSTON e BURTON, 2003) e de dinheiro (CRAIG-LEES e HILL, 2002),
maior controle da vida (ELGIN e MITCHELL, 1977b; LEONARD-BARTON e
ROGERS, 1980; IWATA, 1997; JOHNSTON e BURTON, 2003; BEKIN et al.,
2005), saúde (IWATA, 1997) e minimização de impactos ambientais e sociais
(JOHNSTON e BURTON, 2003; ELGIN, 2012). Elgin (2012) considera que a
adoção da Simplicidade Voluntária é uma das formas para minimizar alguns
problemas do mundo, principalmente ambientais.
Os resultados corroboram estudos anteriores sobre o tema.
“Acho que ter menos coisas, dá uma sensação de liberdade, a gente fica
presa a tantas coisas: tem que ter – tem que ser – tem que mostrar. Com
essas escolhas eu percebo que é mais leve, eu me sinto mais leve”.
(Catarina).
“A terra não está suportando, não estamos olhando o amanhã, tudo tem que
ser o imediatismo, tudo tem que ser agora, eu acho que a Simplicidade
Voluntária é até uma questão de sobrevivência”. (Catarina).
4.4.2. Pontos negativos percebidos
Estudos existentes sobre a Simplicidade Voluntária não mencionaram
aspectos negativos da adoção da vida simples, embora haja referências à
dificuldade de abrir mão de bens materiais (SHI, 1997) ou de tornar-se
autossuficiente (BEKIN et al., 2005). Bekin et al. (2005) sublinham que adeptos
da vida simples, residentes em comunidades alternativas, em determinados
momentos, têm necessidade de trabalhar demasiadamente para a comunidade,
contrariando um dos motivos para adotar a Simplicidade Voluntária.
Entrevistados e outros membros do grupo mencionam que o principal ponto
negativo é o isolamento de alguns conhecidos, devido a diferenças de criação e
forma de viver. Este pode ser um isolamento que não é de natureza física, quando
são incompreendidos pelas pessoas ao redor, criticados ou questionados sobre as
razões para ser simples. Relatam que, quem não os conhece, confunde a vida que
120
levam com voto de pobreza ou mesquinharia. A Simplicidade Voluntária, na visão
do grupo, é “remar contra a maré”, “contramão de tudo”.
“Olha, ponto negativo eu acho que seria você se afastar um pouco dos
amigos e da família (...). Não que tenha conflito, mas a convivência acaba
tendo um afastamento sim. Isso não tem como negar.” (José).
“As pessoas não entendem. As pessoas confundem com mesquinharia, as
pessoas confundem com pobreza, as pessoas confundem com um monte de
coisa: Você quer ser pobre? Mas você é muito pão-duro! (...). As pessoas
olham para você e falam assim: esse cara é louco, loucura”. (Carlos).
“Curiosidade, vocês são taxados de pão-duro por não serem consumistas?
Sofro isso a todo instante. As pessoas pegam no meu pé porque não compro
nada. Dizem porque você não troca de carro, pega um melhorzinho? Tenho
um Uno que quase não uso que funciona perfeitamente, porque iria trocar?
Ah, troque esse computador, pega um mais "massa". O meu me atende pro
que quero, porque preciso de um novo? Escuto isso o tempo todo "você tem
dinheiro, porque não compra? Deixa de ser pão-duro". Mas não é esse o
caso, simplesmente não preciso... não quero...” (Frase compartilhada no
grupo do Facebook).
A literatura sobre Simplicidade Voluntária não aborda o isolamento dos
adeptos, embora seja um assunto recorrente no discurso do grupo investigado.
Em seus estudos sobre solidão, Weiss (1973) a divide em duas dimensões: a
emocional e o isolamento social. A solidão emocional geralmente é associada à
perda de um ente querido (familiares, amigos), que faz com que a pessoa sinta-se
emocionalmente sozinha. O isolamento social ocorre quando um indivíduo não se
sente integrado a alguma rede de relacionamentos, excluído de alguma
comunidade.
Os entrevistados e membros do grupo relatam sofrer de solidão de
isolamento social, por distanciarem-se de pessoas conhecidas (familiares e
amigos), ou por serem incompreendidos.
“Com isso você acaba se afastando da família e dos amigos um pouco. É a
pior parte. Acho que na própria vivencia também, não que tenha conflito,
mas a convivência acaba tendo um afastamento sim. Isso não tem como
negar”. (José).
121
4.5. O Grupo do Facebook na visão dos entrevistados
Ao acompanhar os debates do grupo virtual, sentiu-se a necessidade de
inserir uma questão em relação ao grupo do Facebook sobre a visão dos
entrevistados, no roteiro de entrevista. Notou-se que os membros trocavam
informação sobre como se tornar simples, muitas vezes de forma detalhada (como
exemplo, um passo a passo para preparar alimentação saudável ou debates sobre
qual a melhor forma de se obter água filtrada – filtro de barro, filtro
industrializado, compra de garrafões de água). Como a troca de informações é
intensa, houve necessidade de entender o papel do grupo virtual para os
entrevistados.
Descobriram e entraram no grupo após realizarem pesquisas on-line sobre
Simplicidade Voluntária. Há mais de um ano, o grupo existia na rede social Orkut,
mas com a redução de sua utilização no Brasil, criou-se o grupo no Facebook.
Apesar de ter 280 membros, poucos interagem com frequência.
Em geral, as amizades são virtuais, eles adicionaram-se uns aos outros na
rede de amigos virtuais e trocam mensagens e e-mails. Algumas amizades já se
tornaram reais, ao marcarem de se conhecer quando visitam a cidade de residência
de alguém do grupo.
“Inclusive eu já as conheci pessoalmente em 2011. A gente foi num evento,
Ioga da Paz (...). A gente se encontrou lá, foi super bacana”. (Rubem).
Os entrevistados consideram o grupo como referência, pois recebem apoio,
conhecem outros que os entendem e aprendem sobre o que fazer para ser simples.
Compartilham vídeos, discutem sobre hábitos diários, dão informações sobre
produtos, conversam sobre o que está acontecendo no mundo.
“Eu acho o grupo sensacional (...). Então eu acho que o grupo proporciona
isso, eles te dão ideias, de falar: Eu tenho isso daqui, eu não uso isso aqui
para nada, eu vou doar, mas será que aquilo ali mais tarde eu não vou
precisar, eu vou usar de que maneira aquilo, eu posso utilizar de que
maneira?” (Jane).
“Então é uma troca de ideias mesmo e respeitando o ponto de vista do
outro”. (Thalita).
122
Também há desabafos: quando alguém sente a necessidade de pedir ajuda,
sabe que pode contar com o grupo, pois são pessoas que os entendem.
“Inclusive esse grupo me fortalece nesse momento, porque eu fiz uma
loucura no senso comum (...). E ao mesmo tempo, eu pedi socorro para
algumas pessoas do grupo, tipo assim, se eu falar para as pessoas (que não
são do grupo) elas não entendem (...). As pessoas (do grupo) se apoiam,
elas acabam se agrupando, acabam querendo se conhecer, acabam se
fortalecendo uma as outras”. (Beth).
“Vocês me enchem de esperança - pois hoje eu sei que não estou "remando
contra a maré" sozinha!” (Frase compartilhada no grupo do Facebook).
A comunidade no Facebook pode ser considerada como um grupo de
referência (SOLOMON, 2011) importante na vida dos entrevistados, é um meio
que possibilita conhecer pessoas com o mesmo objetivo, que os compreendam.
“Eu senti muita identidade com as pessoas, com as buscas, com os temas.
Sempre eram coisas que faziam parte das minhas buscas diárias, do meu dia
a dia, das minhas, assim, a leitura que eu buscava fazer, os livros, essa coisa
de organizar a casa, de simplificar, de reduzir coisas. Tudo isso que eu via
falando ali, eram coisas que eu sentia que eu buscava, mas não tinha, vamos
dizer, não estava conversando isso com ninguém do mundo real. E ali eu
encontrei essa identidade com as pessoas (...). Então foram coisas que,
assim, amizades que foram até se consolidando a partir do grupo”.
(Marlena).
Além de ser um grupo de referência, o grupo virtual funciona como uma
comunidade ou tribo. Uma tribo é um grupo que possui um senso de identificação
uns com os outros, compartilham os mesmos valores e visão de vida (COVA,
1997). Nessas comunidades e tribos, os indivíduos “compartilham emoções,
estilos de vida, novas crenças morais, senso de justiça e práticas de consumo”
(COVA, 1997, p. 301) e também se formam de maneira virtual (ARMSTRONG e
HAGEL III, 1996; COVA, 1997; KOZINETS, 1999).
123
4.6. Entendimento do grupo sobre a Simplicidade Voluntária
Optou-se, em um primeiro momento, por perguntar para os entrevistados o
que Simplicidade Voluntária significa (primeira pergunta do roteiro de entrevista).
Em seguida, procurou-se compreender como eles construíram esse entendimento,
ao longo da entrevista.
Quando perguntados no início da entrevista sobre o que é a Simplicidade
Voluntária, as respostas foram variadas:
“(...) uma vida mais em contato com as pessoas, a natureza, mais
felicidade”. (José).
“De uma forma que você consegue satisfação com coisas corriqueiras do
cotidiano, com coisas que as pessoas acham que é comum e ordinário (...).
Se voltar mais para si, uma alegria interior maior. Não perder tempo com o
que não é importante (...). Viver momentos que estão ao nosso alcance
(...).Menos preocupações relativas a consumir ou a ter que ganhar mais
dinheiro para poder adquirir produtos (...). Descoisificar, limpar, doar o que
não tem uso, não comprar o que não é importante”. (Rubem).
“Se dedicar a amigos, família, passeios, inclusive também ajudar outras
pessoas (...). Aproveitamento do tempo, fazer o que gosta”. (Clarice).
“Viver mais com menos”. (Marta).
“Simplificar é ‘focar o essencial’.” (Frase compartilhada no Facebook).
Uma imagem compartilhada no grupo do Facebook (Figura 8) talvez
sintetize a visão dos membros.
124
Figura 8: O que é Simplicidade Voluntária
Fonte: Página do Facebook de “Saber viver”
A Simplicidade Voluntária parece ser vista como uma maneira de viver em
que se dá valor a momentos de prazer (como uma caminhada, mais contato com
familiares) e se minimiza o que não é considerado importante, assim
simplificando a vida. Diversos itens são considerados como desnecessários. O
fundamental é ter somente o suficiente, o essencial. Ter além do que não se tem
necessidade, dificulta a vida, tirando o foco no que realmente importa.
A entrevistada Marta resume o que os entrevistados disseram e o que os
membros do grupo discutem: Simplicidade Voluntária é “viver mais com menos”.
Essa maneira de ver traduz a forma como Elgin e Mitchell (1977b) a definem:
como uma vida “aparentemente simples e interiormente rica” (p. 2).
“Viver mais” seria ter mais momentos prazerosos, boas experiências de
vida, buscar a felicidade em coisas não materiais, de natureza intangível (em
serviços, na convivência com amigos e familiares, nos momentos de descanso e
lazer, no contato com a natureza); e “viver com menos” estaria relacionado a
possuir menos bens materiais, trabalhar menos horas, mesmo reduzindo receitas,
mas simplificando a vida.
“Fomos condicionados a julgar luxos necessidades. Enquanto para
sobreviver "civilizadamente" (embora viver no mato não seja má ideia) não
125
precisamos de tantas coisas materiais: alimentação natural, água, algumas
peças de roupa e uma casa/apto pequeno: um banheiro, um quarto e uma
cozinha. Qualquer coisa além disso é por motivos sociais: impressionar as
pessoas. Vamos inspirar as pessoas, vivendo em contentamento com menos!
Vamos listar as vantagens de uma vida simples de verdade?” (Frase
compartilhada no grupo do Facebook).
“O que mais me surpreende nisso tudo é que vivemos num mundo de
excessos, onde o tempo é escasso, onde o dinheiro é escasso e os estímulos
excessivos e ninguém para pra pensar em reduzir, aquietar, diminuir o
ritmo. Todo mundo continua freneticamente correndo atrás do próprio rabo.
Parar para pensar, selecionar, discernir e entender suas prioridades para ter
mais qualidade de vida é básico e pouca gente pensa a respeito, é
impressionante”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).
Os entrevistados e membros do grupo ressaltam que não há um padrão para
a Simplicidade Voluntária. Ela pode variar, de acordo com o propósito de vida de
cada um: alguns podem praticá-la de forma mais extrema, outros de maneira
menos radical, mas sempre seguindo os princípios de “viver mais com menos”, a
forma como Elgin e Mitchell (1977b), Etzioni (1998) e McDonald et al. (2006) a
compreenderam: há diferentes níveis de Simplicidade Voluntária em função do
estilo de vida dos indivíduos, não havendo padrão. Gregg (1977) ressaltou que a
simplicidade pode variar de acordo com cultura e o país em que a pessoa está
inserida, também sugerindo a ausência de padrões únicos.
“Não existe um padrão (...), mas você vai começar a consumir e gastar de
acordo com os propósitos de vida que você decidiu para você. Então se para
você é importante viajar, você vai parar de gastar com roupa, parar de gastar
com comida fora, vai parar de gastar com sapato, mas você vai gastar mais
com viagem (...). O que é essencial para você? É isso? Beleza, o resto você
ou diminui ou você elimina. Então é muito variado”. (Carlos).
“Tem pessoas de vários níveis de Simplicidade Voluntária, e eu acho que é
um caminho muito pessoal, porque ser simples pra mim pode não ser pra
você, depende do ponto de partida da pessoa (...). É muito subjetivo, de cada
um”. (Thalita).
“Isso é muito relativo (...), não existe receita de bolo pra Simplicidade
Voluntária, cada trajeto é individual e melhor que seja feito de uma forma
não violenta, aos poucos... Depende da sua realidade, de como você é, de
tanta coisa... Como a gente pode listar o que é necessário pra outra pessoa?”
(Frase compartilhada no grupo do Facebook).
126
Outro ponto destacado pelos entrevistados é que a adoção da Simplicidade
Voluntária não está associada à falta de dinheiro, sendo uma opção de vida, uma
escolha consciente por abrir mão do consumo, o que já foi mencionado por
diversos autores (LEONARD-BURTON, 1981; ETZIONI, 1998; ELGIN, 2000;
CRAIG-LEES e HILL, 2002; HUNEKE, 2005; MCDONALD et al., 2006).
Os entrevistados também comentaram ser a Simplicidade Voluntária um
estilo de vida ou um movimento. Eles a adotaram como estilo de vida, porém,
consideram que pode ser um movimento, já que há pessoas que tendem a se
agrupar para buscar apoio mútuo e percebem que há a tendência de as pessoas
repensarem suas vidas, por não estarem felizes.
“Eu chamo movimento, mas eu não sei o que é. Eu adotei como estilo de
vida, por conta daquilo que eu estou enxergando”. (Carlos).
Há autores que definem a Simplicidade Voluntária como um movimento
(ELGIN e MITCHELL, 1977b), outros como estilo de vida (LEONARD-
BURTON, 1981; IWATA, 1997). A Simplicidade Voluntária foi adotada como
estilo de vida pelos entrevistados, porém pode ser um movimento que está
crescendo, já que percebem que muitas pessoas estão infelizes com suas vidas,
buscando alternativas de viver. Os entrevistados têm a impressão de que tem
havido um aumento na divulgação de alternativas de vida, dando a esperança de
que a Simplicidade Voluntária pode crescer no futuro.
“Não sei, eu acho (...), porque eu vejo o que é real, concreto, um movimento
e pessoas buscando um certo estilo de vida, com simplicidade, lugares mais
tranquilos, menores, profissões que realizam mais a pessoa. Mas ao mesmo
tempo o mundo continua movimentando, o trânsito, essa correria das
pessoas. Então assim, até que ponto isso tem afetado a sociedade, eu não sei.
Então a longo prazo eu acho, assim, que tem gente mudando”. (Marlena).
Percebeu-se que, na visão dos entrevistados, Simplicidade Voluntária é um
estilo de vida, que busca de forma contínua viver mais intensamente com menos
preocupações e menos valor para posses materiais, uma busca que pode variar de
pessoa para pessoa, em diferentes níveis. Além disso, eles percebem que é um
movimento em busca de mudança que está crescendo.
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