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7/21/2019 4 - FIGUEIREDO, L. & SANTI, P. Psicologia_ Uma (Nova) Introducao http://slidepdf.com/reader/full/4-figueiredo-l-santi-p-psicologia-uma-nova-introducao 1/19 FIGUEIREDO, L.C.M. e SANTI, P.L.R. – Psicologia: uma !o"a# i!$%o&u'(o – S(o Paulo: E&uc, )**+ A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA INDEPENDENTE Uma visão panorâmica e crítica E muito freqüente que os livros que tratam da história da psicologia comecem falando da filosofia ocidental desde os gregos e continuem, já nas épocas mais recentes, com físicos, fisiólogos e filósofos em cujas idéias podem ser encontrados elementos que hoje fazem parte do domínio da "psicologia científica". o!jetivo do presente te to, contrariando a regra acima, é apresentar resumidamente uma vis#o panor$mica e crítica da psicologia contempor$nea. %a verdade, só em época muito recente surgiu o conceito de ci&ncia tal como hoje é de uso corrente, e foi ainda mais recentemente que come'aram a ser ela!orados os primeiros projetos de psicologia como ci&ncia independente. u seja, só a partir da segunda metade do século ()( surgiram homens que pretendiam reservar aos estudos psicológicos um território próprio, cujo &ito se fez notar pelos discípulos e espa'os conquistados nas institui'*es de ensino universitário e de pesquisa. +ó ent#o passou a eistir a figura do psicólogo e passaram a ser criadas as institui'*es voltadas para a produ'#o e transmiss#o de conhecimento psicológico. claro que o processo de criar uma nova ci&ncia é muito compleo- é preciso mostrar que ela tem um o!jeto próprio e métodos adequados ao estudo desse o!jeto, que ela é, enfim, capaz de firmarse como uma ci&ncia independente das outras áreas de sa!er. /ara a psicologia, a quest#o era etremamente complicada, já que todos os grandes sistemas filosóficos desde a 0ntiguidade incluíam no'*es e conceitos relacionados ao que hoje faz parte do domínio da psicologia científica, como o comportamento, o "espírito" ou a "alma" do homem. 1á na )dade 2oderna, físicos, anatomistas, médicos e fisiólogos trataram de diversos aspectos dos comportamentos involuntários e mesmo de comportamentos voluntários do homem, ou seja, daqueles que, ao menos aparentemente, revelariam a presen'a de um "espírito" por detrás das a'*es humanas. 3am!ém na )dade 2oderna, particularmente no século ()(, come'aram a se constituir as ci&ncias da sociedade, como a Economia /olítica, a 4istória, a 0ntropologia, a +ociologia e a 5ingüística. Essas ci&ncias tam!ém tratavam das a'*es humanas e das suas o!ras, em particular dos comportamentos humanos mais importantes para a sociedade e que dependiam fundamentalmente das condi'*es históricas e sociais de uma dada comunidade. %esta medida, os temas da psicologia estavam dispersos entre especula'*es filosóficas, ci&ncias físicas e !iológicas e ci&ncias sociais. 6 que restaria para uma psicologia como ci&ncia independente7 %ada8 Em!ora, 9 primeira vista, possa parecer surpreendente, esta foi eatamente a resposta de um importante filósofo franc&s do século ()(, 0uguste :omte ;<=>?<?@=A. %o seu sistema de ci&ncias n#o ca!e uma "psicologia" entre as "ci&ncias !iológicas" e as "sociais". principal empecilho para a psicologia seria seu o!jeto- a "psique", entendida como "mente" n#o se apresenta como um o!jeto o!servável, n#o se enquadrando, por isto, nas eig&ncias do positivismo. !em verdade que o próprio :omte, num certo momento, reconhece a possi!ilidade de uma psicologia, mas sempre como uma área de conhecimento parcialmente dependente ou da !iologia ou da sociologia. 0inda hoje, após mais de cem anos de esfor'os para se criar uma psicologia científica, os estudos psicológicos mant&m rela'*es estreitas com muitas ci&ncias !iológicas e com muitas ci&ncias sociais, )sto parece ser !om e, na verdade, indispensável8 2as várias vezes é mais fácil, por eemplo, um psicólogo eperimentalista que tra!alha em la!oratórios com animais, tais como o rato e o pom!o, entenderse com um !iólogo do que com um psicólogo social que estuda o homem em sociedade. Este, por sua vez, poderá ter diálogo mais fácil com antropólogos e lingüistas do que com muitos psicólogos que foram seus colegas na faculdade e que hoje se dedicam 9 clínica psicoterápica. E, quando o psicólogo se p*e a estudar temas como pensamento e solu'#o de pro!lemas, ele inevitavelmente se aproima da filosofia e, em particular, da teoria do conhecimento. 0 situa'#o da psicologia científica, portanto, é curiosa. /or um lado, reivindica um lugar 9 parte entre as ci&ncias ;e para isso criamse faculdades e institutos de pesquisa em psicologiaAB ao mesmo tempo o psicólogo prático eige que sua compet&ncia específica seja reconhecida ;e para isso eistem órg#os como os conselhos de psicologia que e cluem a presen'a de outros profissionais nas áreas de atua'#o legalmente reservadas ao psicólogoA. /or outro lado, n#o conseguiu se desenvolver sem esta!elecer rela'*es cada vez mais estreitas com as ci&ncias !iológicas e com as da sociedade. 1

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FIGUEIREDO, L.C.M. e SANTI, P.L.R. – Psicologia: uma !o"a# i!$%o&u'(o – S(o Paulo: E&uc, )**+

A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA INDEPENDENTE

Uma visão panorâmica e crítica

E muito freqüente que os livros que tratam da história da psicologia comecem falando da filosofia ocidentaldesde os gregos e continuem, já nas épocas mais recentes, com físicos, fisiólogos e filósofos em cujas

idéias podem ser encontrados elementos que hoje fazem parte do domínio da "psicologia científica". o!jetivo do presente te to, contrariando a regra acima, é apresentar resumidamente uma vis#o

panor$mica e crítica da psicologia contempor$nea.

%a verdade, só em época muito recente surgiu o conceito de ci&ncia tal como hoje é de uso corrente, e foiainda mais recentemente que come'aram a ser ela!orados os primeiros projetos de psicologia comoci&ncia independente. u seja, só a partir da segunda metade do século ()( surgiram homens quepretendiam reservar aos estudos psicológicos um território próprio, cujo & ito se fez notar pelos discípulos eespa'os conquistados nas institui'*es de ensino universitário e de pesquisa.

+ó ent#o passou a e istir a figura do psicólogo e passaram a ser criadas as institui'*es voltadas para aprodu'#o e transmiss#o de conhecimento psicológico.

claro que o processo de criar uma nova ci&ncia é muito comple o- é preciso mostrar que ela tem umo!jeto próprio e métodos adequados ao estudo desse o!jeto, que ela é, enfim, capaz de firmar se comouma ci&ncia independente das outras áreas de sa!er.

/ara a psicologia, a quest#o era e tremamente complicada, já que todos os grandes sistemas filosóficosdesde a 0ntiguidade incluíam no'*es e conceitos relacionados ao que hoje faz parte do domínio dapsicologia científica, como o comportamento, o "espírito" ou a "alma" do homem. 1á na )dade 2oderna,físicos, anatomistas, médicos e fisiólogos trataram de diversos aspectos dos comportamentos involuntáriose mesmo de comportamentos voluntários do homem, ou seja, daqueles que, ao menos aparentemente,revelariam a presen'a de um "espírito" por detrás das a'*es humanas. 3am!ém na )dade 2oderna,particularmente no século ()(, come'aram a se constituir as ci&ncias da sociedade, como a Economia/olítica, a 4istória, a 0ntropologia, a +ociologia e a 5ingüística. Essas ci&ncias tam!ém tratavam das a'*es

humanas e das suas o!ras, em particular dos comportamentos humanos mais importantes para asociedade e que dependiam fundamentalmente das condi'*es históricas e sociais de uma dadacomunidade. %esta medida, os temas da psicologia estavam dispersos entre especula'*es filosóficas,ci&ncias físicas e !iológicas e ci&ncias sociais. 6 que restaria para uma psicologia como ci&nciaindependente7 %ada8

Em!ora, 9 primeira vista, possa parecer surpreendente, esta foi e atamente a resposta de um importantefilósofo franc&s do século ()(, 0uguste :omte ;<=>? <?@=A. %o seu sistema de ci&ncias n#o ca!e uma"psicologia" entre as "ci&ncias !iológicas" e as "sociais". principal empecilho para a psicologia seria seuo!jeto- a "psique", entendida como "mente" n#o se apresenta como um o!jeto o!servável, n#o seenquadrando, por isto, nas e ig&ncias do positivismo. !em verdade que o próprio :omte, num certomomento, reconhece a possi!ilidade de uma psicologia, mas sempre como uma área de conhecimentoparcialmente dependente ou da !iologia ou da sociologia. 0inda hoje, após mais de cem anos de esfor'os

para se criar uma psicologia científica, os estudos psicológicos mant&m rela'*es estreitas com muitasci&ncias !iológicas e com muitas ci&ncias sociais, )sto parece ser !om e, na verdade, indispensável8 2asvárias vezes é mais fácil, por e emplo, um psicólogo e perimentalista que tra!alha em la!oratórios comanimais, tais como o rato e o pom!o, entender se com um !iólogo do que com um psicólogo social queestuda o homem em sociedade. Este, por sua vez, poderá ter diálogo mais fácil com antropólogos elingüistas do que com muitos psicólogos que foram seus colegas na faculdade e que hoje se dedicam 9clínica psicoterápica. E, quando o psicólogo se p*e a estudar temas como pensamento e solu'#o depro!lemas, ele inevitavelmente se apro ima da filosofia e, em particular, da teoria do conhecimento.

0 situa'#o da psicologia científica, portanto, é curiosa. /or um lado, reivindica um lugar 9 parte entre asci&ncias ;e para isso criam se faculdades e institutos de pesquisa em psicologiaAB ao mesmo tempo opsicólogo prático e ige que sua compet&ncia específica seja reconhecida ;e para isso e istem órg#os comoos conselhos de psicologia que e cluem a presen'a de outros profissionais nas áreas de atua'#o

legalmente reservadas ao psicólogoA. /or outro lado, n#o conseguiu se desenvolver sem esta!elecer rela'*es cada vez mais estreitas com as ci&ncias !iológicas e com as da sociedade.

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Essa situa'#o poderia justificar a primitiva posi'#o de :omte de que n#o há lugar para uma psicologiaindependente e melhor faríamos se desenvolv&ssemos nossos estudos psicológicos junto a essas outrasdisciplinas, dentro de seus centros de pesquisa. E, no entanto, algo parece se opor a essa dispers#o ee igir que se pense a psicologia de maneira mais integrada, respeitando se, é claro, essa multiplicidade de$ngulos e a!ordagens.

4á, realmente, muitas dCvidas acerca do pro!lema, e é preferível, por enquanto, n#o esta!elecer nenhumaconclus#o. De qualquer maneira, a psicologia está aí com suas pretens*es de autonomia e,

independentemente da conclus#o a que cheguemos, é importante tentar compreender as origens e asimplica'*es da e ist&ncia dessa disciplina, por mais caótica que ela seja ou nos pare'a.

P ECONDI!"ES S#CIO$CULTU AIS PA A % APA ECIMENTO DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA NOS&CULO 'I'

A e(peri)ncia *a s+,-etivi*a*e privati.a*a

/ara que e ista um interesse em conhecer cientificamente o "psicológico" s#o necessárias duas condi'*es;além, naturalmente, da cren'a de que a ci&ncia com seus métodos e técnicas rigorosas é um meioinsu!stituível para o conhecimentoA- aA uma e peri&ncia muito clara da su!jetividade privatizadaB e hA ae peri&ncia da crise dessa su!jetividade. )sto, 9 primeira vista, pode parecer muito o!scuro, mas trataremosde clarificar essas idéias.

3er uma e peri&ncia da su!jetividade privatizada !em nítida é para nós muito fácil e natural- todos sentemque parte de suas e peri&ncias é íntima, que mais ninguém tem acesso a ela. E possível, por e emplo, ficar um longo tempo pensando se vamos ou n#o fazer uma coisa, quase decidir por uma e, no final, aca!ar fazendo a outra, sem que ninguém fique sa!endo de nada. :om freqü&ncia sentimos alegrias e tristezasintensas e procuramos escond& las. 0 possi!ilidade de mantermos nossa privacidade é altamentevalorizada por nós e relacionada ao nosso desejo de sermos livres para decidir nosso destino. 0 e peri&nciada solid#o, ansiada ou temida, é tam!ém altamente e pressiva daquilo que acreditamos ser nossaindividualidade.

0inda com maior freqü&ncia temos a sensa'#o de que aquilo que estamos vivendo nunca foi vivido antespor mais ninguém, de que a nossa vida é Cnica, de que o que sentimos e pensamos é totalmente original equase incomunicável. /ois !em, historiadores e antropólogos com suas pesquisas mostram que essas

formas de pensarmos e sentirmos nossa própria e ist&ncia n#o s#o universais. Essa e peri&ncia de sermossujeitos capazes de decis*es, sentimentos e emo'*es privados só se desenvolve, se aprofunda e sedifunde amplamente numa sociedade com determinadas características. %ossa preocupa'#o é identificar sumariamente essas características.

0o lermos com aten'#o as o!ras de historiadores, veremos que as grandes irrup'*es da e peri&nciasu!jetiva privatizada ocorrem em situa'*es de crise social, quando uma tradi'#o cultural ;valores, normas ecostumesA é contestada e surgem novas formas de vida. Em situa'*es como estas, os homens se v&emo!rigados a tomar decis*es para as quais n#o conseguem apoio na sociedade.

%essas épocas, as artes e a literatura revelam a e ist&ncia de homens mais solitários e indecisos do queem épocas nas quais dominam as velhas tradi'*es e n#o e istem graves conflitos. uando há umadesagrega'#o das velhas tradi'*es e uma prolifera'#o de novas alternativas, cada homem se v& o!rigado a

recorrer com maior const$ncia ao seu "foro íntimo" aos seus sentimentos ;que nem sempre condizem como sentimento geralA, aos seus critérios do que é certo e do que é errado ;e na sociedade em crise há várioscritérios disponíveis, mas incompatíveisA. 0 perda de refer&ncias coletivas, como a religi#o, a "ra'a", o"povo", a família, ou uma lei confiável o!riga o homem a construir refer&ncias internas. +urge um espa'opara a e peri&ncia da su!jetividade privatizada- quem sou eu, como sinto, o que desejo, o que considero

justo e adequado7 %essa situa'#o, o homem desco!re que é capaz de tomar suas próprias decis*es e queé responsável por elas. 0 conseqü&ncia desses conte tos é o desenvolvimento da refle #o moral e dosentido da tragédia.

Fma tragédia se dá quando um indivíduo se encontra numa situa'#o de conflito entre duas o!riga'*esigualmente fortes, mas incompatíveis. , tam!ém, numa situa'#o como esta que os homens s#o levados ase questionar acerca de que é certo e do que é errado e a procurar na sua própria consci&ncia umaresposta para essa quest#o.

%o campo das artes, além do surgimento e desenvolvimento do g&nero "tragédia", o!serva se, na literatura,o aparecimento da poesia lírica. %ela o poeta e pressa seus sentimentos e desejos como sentimentos e

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desejos particulares e muitas vezes opostos ao que a sociedade dele espera, como amores socialmenten#o recomendados ou mesmo proi!idos.

0s artes plásticas tam!ém testemunham o aprofundamento da e peri&ncia su!jetiva privatizada, sejareal'ando os tra'os particulares de seus modelos, na escultura ou na pintura representativas, sejae pressando de forma cada vez mais individualizada a su!jetividade do artista, de forma que, pela análisedas o!ras, podemos identificar com muita seguran'a seu autor e mesmo especular com alguma !ase so!requem e como ele era. Ginalmente, n#o podemos dei ar de mencionar que o pensamento religioso

acompanha esse processo de su!jetiviza'#o e individualiza'#o e que nos momentos de crise dedesagrega'#o sociocultural surgem novos sistemas religiosos, ou variantes de antigos, e heresias queenfatizam a responsa!ilidade individual e atri!uem 9 consci&ncia e 9s inten'*es mais valor que aos própriosatos e o!ras.

preciso ter claro que esse movimento na dire'#o de um aprofundamento da e peri&ncia su!jetivaprivatizada n#o foi um processo linear pelo qual tenham passado todas as sociedades humanas. +#o muitoimportantes os estudos de antropólogos que se dedicaram a descrever e a analisar sociedades n#oocidentais em que a su!jetiviza'#o e a individualiza'#o da e ist&ncia permaneceram em níveis muito menosela!orados. 2esmo nas sociedades ocidentais, provenientes das tradi'*es judaica, grega e latina, oprocesso foi repleto de ziguezagues. %o conjunto, porém, pode se dizer que ao longo dos séculos ase peri&ncias da su!jetividade privatizada foram se tornando cada vez mais determinantes da consci&nciaque os homens t&m da sua própria e ist&ncia. u seja, nos primórdios da nossa história eram poucos os

elementos de uma sociedade que podiam gozar de li!erdade para se reconhecerem como seresmoralmente autHnomos, capazes de iniciativas, dotados de sentimentos e desejos próprios. 4oje, aocontrário, esta se tornou a imagem generalizada que temos de nós mesmos. 0liás, !oa parte de nós sesente !astante incomodada quando essa cren'a é colocada em dCvidaB resistimos 9 idéia de que n#otenhamos controle de nossas vidas. 0 cren'a na li!erdade dos homens é um dos elementos !ásicos dademocracia e da sociedade de consumo e n#o estamos dispostos, em geral, a pHr em risco nossos valores.:omo se verá a seguir, em alguns aspectos importantes essa imagem é completamente ilusória, e uma dastarefas da psicologia será talvez a de revelar essa ilus#o.

Constit+i/ão e *es*o,ramentos *a no/ão *e s+,-etivi*a*e na Mo*erni*a*e

:omo foi dito acima, por estranho que pare'a, nosso modo atual de entendermos nossa e peri&ncia comoindivíduos autHnomos n#o é natural nem necessário, mas sim parte de um movimento de amplas

transforma'*es pelas quais o homem tem passado em sua história, so!retudo na 2odernidade.De forma simplificada, podemos dizer que nossa no'#o de su!jetividade privada data apro imadamente dosCltimos tr&s séculos- da passagem do Ienascimento para a )dade 2oderna. 6 sujeito moderno, teria seconstituído nessa passagem e sua crise viria a se consumar no final do século ()(.

Em A invenção do psicológico, desenvolvemos a idéia de que no Ienascimento teria surgido umae peri&ncia de perda de refer&ncias. 0 fal&ncia do mundo medieval e a a!ertura do ocidente ao restante domundo teriam lan'ado o homem europeu numa condi'#o de desamparo.

0 e peri&ncia medieval fazia com que o homem se sentisse parte de uma ordem superior que o amparava econstrangia ao mesmo tempo. /or um lado, a perda desse sentimento de comunh#o com uma ordemsuperior traz uma grande sensa'#o de li!erdade e a possi!ilidade de uma a!ertura sem limites para o

mundo, mas, por outro, dei a o homem perdido e inseguro- como escolher o que é certo e errado sem umponto seguro de apoio7

6 Ienascimento foi, por tudo isto, um período muito rico em variedade de formas e e peri&ncias e deprodu'#o intensa de conhecimento. 6 contato com a diversidade das coisas, dos homens e das culturasimpHs novos modos de ser.

%#o podendo esperar pelo conselho de uma figura de autoridade, o homem viu se o!rigado a escolher seuscaminhos e arcar com as conseqü&ncias de suas op'*es. %esse conte to houve uma valoriza'#o cada vezmaior do JJ4omem", que passou a ser pensado como centro do mundo.

0 cren'a em Deus n#o desapareceu ent#o, mas parece que Ele se distanciou e colocou se "so!re" omundo- Ele foi o criador da ordem do mundo e ca!e ao 4omem admirá la, conhecendo e controlando a

natureza. 0ssim, o mundo passou a ser considerado cada vez menos como sagrado e mais como o!jeto deuso movido por for'as mec$nicas a servi'o dos homens. Essa transforma'#o é parte essencial daorigem da ci&ncia moderna.

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0 grande valoriza'#o e confian'a no 4omem, geradas pela concep'#o de que ele é o centro do mundo elivre para seguir seu caminho, fazem nascer o humanismo moderno.

século (K) v& surgirem diversos personagens, reais ou fictícios, donos de um "inundo interno" rico eprofundo. 5eonardo da Kinci, Dom ui ote, 4amlet, entre muitos. 0lém disto, os personagens literárioscontri!uíam tam!ém para a constru'#o da interioridade dos leitores. +egundo /hilippe 0riLs, em História davida privada ;:ompanhia das 5etras, vol. M, <>><A, o surgimento da imprensa proporcionou uma dase peri&ncias mais decisivas da modernidade- a difus#o da leitura silenciosa. Ela possi!ilita que se escape

ao controle da comunidade e cria um diálogo interno que desenvolve a constru'#o de um ponto de vistapróprio. 6 tra!alho intelectual passa a ser progressivamente um ato individual e mesmo a religiosidade pHdese tornar uma quest#o íntima, já que cada vez mais pessoas podiam ter acesso diretamente aos te tossagrados, sem a intermedia'#o de sacerdotes. :ertamente essa e peri&ncia foi fundamental 9 Ieformaprotestante, movimento essencial na forma'#o do sujeito moderno.

6 pensador franc&s 2ichel de 2ontaigne dá um testemunho clássico da valoriza'#o da interioridade. %aintrodu'#o de seus Ensaios, diz ao leitor que tomará a si mesmo como assunto, ainda que sua vida sejacomum, totalmente desprovida de feitos heróicos ou notáveis. 6 "eu" de 2ontaigne será o assunto do livro e,enquanto o livro vai sendo escrito ;ao longo de quase vinte anos e mais de mil páginasA, esse "eu" vai setransformando. 6 livro foi muito criticado com o argumento de que uma vida comum n#o mereceria ser o!jeto de tal o!ra, mas a quest#o que nos interessa é justamente o surgimento da valoriza'#o de cadaindivíduo, da constru'#o de cada individualidade Cnica.

0 o!ra de 2ontaigne tam!ém foi considerada fruto de uma e trema vaidade. 2as há aí um parado o- aomesmo tempo em que indu!itavelmente o autor valoriza seu "eu", ele denuncia a grande ilus#o do homemao se pretender um ser privilegiado na natureza capaz de conhec& la e dominá la.

3oda a falta de refer&ncias a!solutas a que nos referimos mais acima fez renascer tam!ém uma escola dafilosofia grega chamada ceticismo. s céticos achavam impossível que pudéssemos o!ter algumconhecimento seguro so!re o mundo- a qualquer afirma'#o pode ser oposta outra de igual valorB qualquer impress#o que tenhamos pode ser um engano de nossos órg#os dos sentidos.

0ssim, podemos considerar que a constitui'#o do sujeito moderno é contempor$nea ao início da crítica aeste mesmo sujeito- autores como 2ontaigne, Erasmo e +haNespeare v#o denunciando desde ent#o avaidade do homem, que passa a assumir os atri!utos até ent#o próprios a Deus ;cf. +anti, <>>=A.

0 descren'a cética somada ao grande individualismo nascente aca!aram por produzir uma rea'#o que, naverdade, assumiu duas fei'*es !em distintas- a rea'#o racionalista e a rea'#o empirista. Em am!as,contudo, tratava se de esta!elecer novas e mais seguras !ases para as cren'as e para as a'*es humanas,e procuravam se essas !ases no $m!ito das e peri&ncias su!jetivas.

1á no século (K) surgiram tentativas de conter e circunscrever as a'*es dos homens. como se houvesseo desejo de poder voltar ao mundo medieval, em que uma Cnica ordem reinava. 2as, como n#o é possívelvoltar no tempo, a ordem a ser !uscada a partir de ent#o tinha que levar em considera'#o uma série denovas cren'as do homem, so!retudo a recém adquirida cren'a na li!erdade. 0 )greja :atólica e as novas)grejas /rotestantes ;5uteranos e :alvinistasA fizeram um esfor'o enorme em articular a cren'a num Deusonipotente e o livre ar!ítrio humano.

Fma solu'#o !astante precoce, mas cujo espírito foi muito duradouro foi dada pelo humanista /ico Della2irandola que, ainda no final do século (K, reescrevendo a O&nese, chegou 9 concep'#o de que ali!erdade teria sido o grande e e clusivo dom que Deus teria dado ao homem, já que este teria sido o Cltimodos seres a ser criado e nenhuma matéria original restara para forjá lo. 3endo o dom da li!erdade, ohomem pode ser recompensado se fizer um !om uso dela e punido caso se dei e perder do !om caminho.Essa articula'#o é importante na medida em que, preservando a cren'a na li!erdade humana, coloca se aimposi'#o de dirigir essa li!erdade com muita disciplina a um caminho reto. 6 sujeito deve "sujeitar se",uma vez mais, a uma ordem superior, desvalorizando seus desejos e projetos particulares. Daí surge umregime onde o corpo, so!retudo, deve ser controlado e desvalorizado, pois ele sempre é fonte de desejo edispers#o ;cf. "6 sil&ncio e as falas do corpo", em Gigueiredo, <>>@A.

Essa rea'#o 9 dispers#o surgiu, primeiramente, como era de se esperar, no $m!ito religioso, em!ora tenhase espalhado para muito além dele. Entre a Ieforma e a :ontra Ieforma v#o nascendo tanto a

individualidade quanto os modos de controle do indivíduo que conhecemos até hoje. 0 maior parte dos estudos so!re a modernidade costuma identificar como seu marco de início opensamento de Descartes, o fundador do racionalismo moderno. :ertamente, a constitui'#o da

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modernidade foi altamente comple a e longa, mas, se é preciso esta!elecer um marco, Descartes se presta!em a isto.

Descartes pretende esta!elecer as condi'*es de possi!ilidade para que o!tenhamos um conhecimentoseguro da verdade. Ele se alinha entre aqueles que quiseram superar a grande dispers#o do Ienascimentoe, o que talvez é o mais importante, superar o ceticismo.

0o lermos as primeiras páginas do Discurso do método, vemos o depoimento de um homem nascido no

limite do Ienascimento em meio a uma profus#o tamanha de idéias e opini*es, que se via levado adesacreditar todas elas. %#o querendo entregar se ao ceticismo, impHs se o projeto de !uscar algumaverdade so!re a qual n#o pairasse a menor som!ra de dCvida e pudesse, assim, tornar se o fundamentopara toda a constru'#o de conhecimento válido. /ara isto, curiosamente, utilizou o instrumento cético- adCvida. +ua inten'#o era su!meter toda e qualquer idéia, impress#o ou cren'a a uma dCvida metódica- asidéias erradas seriam descartadasB as incertas seriam igualmente descartadas, ao menos provisoriamenteBsomente idéias a!solutamente claras e distintas poderiam ser consideradas verdadeiras e servir de !asepara a filosofia e as ci&ncias. 3udo aquilo que se mostrasse incerto teria que ser analisado a partir doelemento verdadeiro revelado ao final do processo.

6 procedimento parece conduzir Descartes ao ceticismo. +eus mestres, os livros, as leis e os critériosmorais de cada cidade, tudo parece incerto. +eus órg#os do sentido tam!ém se mostram passíveis deenganos e seus sentimentos ainda mais, por serem t#o mutáveis. :onforme a dCvida se aprofundam,

Descartes se v& cada vez mais acuado, até imaginar a e ist&ncia de um "g&nio maligno", capaz deenganá lo em toda e qualquer idéia que fizesse do mundo. %esse ponto e tremo da dCvida, quando pareceque ela é insuperável, Descartes inverte a quest#o e acredita ter superado a dCvida e encontrado umfundamento inquestionável. para o conhecimento. Ele diz- parece que tudo o que tomo como o!jeto de meu

julgamento se mostra incerto, mas, no momento mesmo em que duvido, algo se mostra como uma idéiaindu!itávelB enquanto duvido, e iste ao menos a a'#o de duvidar, e essa a'#o requer um sujeito. Daí nascea famosa frase "penso, logo e isto". 3odo o movimento de duvidar traz a evid&ncia de que, ao menosenquanto um ser que pensa ;e duvidaA, eu e isto. Esta é minha Cnica certeza- eu ainda n#o sei se os outrose istem e mesmo se meu próprio corpo e iste. 0 evid&ncia primeira é a de um "eu" e ele será a partir deagora o fundamento de todo o conhecimento.

Descartes é tomado como inaugurador da modernidade no sentido em que ele marca o fim de todo umconjunto de cren'as que fundamentavam o conhecimento. 6 homem moderno n#o !usca a verdade num

além, em algo transcendenteB a verdade agora significa adquirir uma representa'#o correta do mundo. Essarepresenta'#o é interna, ou seja, a verdade reside no homem, dá se para ele. 6 sujeito do conhecimento ;o"eu"A é tornado agora um elemento transcendente, "fora do mundoP, pura representa'#o sem desejo oucorpo, e por isto supostamente capaz de produzir um conhecimento o!jetivo do mundo.

filósofo Grancis Qacon, contempor$neo de Descartes, pode ser apresentado como o fundador domoderno empirismo. +ua preocupa'#o, como a de Descartes, era a de esta!elecer !ases seguras para oconhecimento válido e, tam!ém como Descartes, ele as procurava no campo das e peri&ncias su!jetivas. 0diferen'a era que para Qacon a raz#o dei ada em total li!erdade pode se tornar t#o especulativa e deliranteque nada do que produza seja digno de crédito. necessário dar 9 raz#o uma !ase nas e peri&ncias dossentidos, na percep'#o, desde que essa percep'#o tenha sido purificada, li!erada de erros e ilus*es a queestá su!metida no cotidiano. Qacon escreveu uma série de o!ras importantes, entre as quais o Novumorganum, em que ela!ora suas propostas de como se livrar do erro e encontrar a verdade tendo como !ase

a e peri&ncia su!jetiva sensorial e racional. Qacon, como Descartes, é um dos grandes pioneiros napreocupa'#o com o Método na produ'#o de conhecimentos filosóficos e científicos que marcou toda a2odernidade ocidental desde o século (K)) até os dias de hoje.

A crise *a Mo*erni*a*e e *a s+,-etivi*a*e mo*erna em a01+mas *e s+as e(press2es 3i0os43icas

0 cren'a de que o homem pode atingir a verdade a!soluta e indu!itável, desde que siga estritamente ospreceitos do 2étodo correto, seja ele o racional de Descartes ou o empírico de Qacon, aca!ou por ser criticada no século seguinte no interior do )luminismo, o movimento filosófico que, no século (K))),representava o que havia de mais avan'ado e progressista no terreno das idéias. %o )luminismo as grandesconquistas do racionalismo cartesiano eram articuladas com a valoriza'#o das e peri&ncias individuais talcomo promovidas pelos filósofos empiristas, que formavam a outra grande corrente da 2odernidade. /or diversos caminhos, no século (K))), a quase onipot&ncia do "eu", da raz#o universal e do método seguroafirmada no século (K)) foi criticada. /or um lado, isto representou uma consci&ncia mais profunda, sólida ecomple a de toda a pro!lemática do conhecimento, mas, de toda a forma, come'ou a se colocar em equea so!erania do "eu", seja o "eu" da raz#o, seja o "eu" dos sentidos purificados.

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4ume, um dos grandes filósofos da época, chega a negar que o "eu" seja algo estável e su!stancial quepermane'a id&ntico a si mesmo ao longo da diversidade de suas e peri&ncias- ele seria muito mais oefeito de suas e peri&ncias do que o senhor de suas e peri&nciasB somos, para 4ume, algo que se formae se transforma nos em!ates da e peri&ncia e já n#o podemos nos conce!er como !ase e sustenta'#o dosconhecimentos e de nós mesmos. %essa medida, o conhecimento entendido como domínio dos o!jetos por um sujeito so!erano n#o pode mais se sustentar.

utro filósofo iluminista do século (K))), Emanuel Rant, procura opor se a essas formula'*es t#o radicais,

mas aceita a pro!lematiza'#o da cren'a em conhecimentos a!solutos. Em 0 crítica da ra ão pura,afirma que o homem só tem acesso as coisas tais como se apresentam para ele- a isto ele chama"fenHmeno". 0 Cnica forma de produzirmos algum conhecimento válido é nos restringimos ao campo dosfenHmenos, pois as "coisas em si" ;independentes do sujeitoA s#o incognoscíveis. verdade que, aomesmo tempo, Rant leva ainda mais longe as pretens*es do "sujeito"- se, de um lado ele n#o cr& nacapacidade de o homem conhecer a verdade a!soluta das "coisas em si", de outro, toda a quest#o doconhecimento é radicalmente colocada em termos su!jetivos, pois tudo que é "conhecível" repousa nasu!jetividade humana. Essa su!jetividade, contudo, n#o é a su!jetividade particular de cada indivíduo, é asu!jetividade transcedental. e universal do 4omem. Em!ora essa su!jetividade universal seja mantida evalorizada como "condi'#o de possi!ilidade" de todas as e peri&ncias, as outras, as su!jetividadesempíricas e particulares de cada um de nós, devem aprender a viver em um mundo de incertezas ehipóteses nunca plenamente confirmadas, procurando, sempre com muita dificuldade, e ercer o controleracional so!re seus impulsos, seus desejos, suas propens*es. /ara Rant, a so!erania do sujeito, suaautonomia, é uma tarefa supremamente desejável é a meta de todo esfor'o ético e ainda possível, mas ésempre muito pro!lemática porque as necessidades, os desejos e os impulsos nunca poder#o ser definitivamente sossegados pela raz#o.

0lém da autocrítica iluminista, o século (K))) trou e outras formas de crítica 9s pretens*es totalizantes do"eu", da raz#o universal e do 2étodo. 6 Iomantismo nasceu no final do século (K))) e atamente como umacrítica ao )luminismo e, mais particularmente, 9 vertente racionalista do )luminismo ;com a vertenteempirista, os rom$nticos puderam até esta!elecer uma conviv&ncia muito mais amistosaA. u seja, 9 idéiacartesiana de que o homem é essencialmente um ser racional ;o ser pensante do :ogitoA é contraposta aidéia de que o homem é um ser passional e sensível.

uando pensamos hoje em Iomantismo, vem nos 9 mente algo suave, delicado e ligado ao amor, o quetam!ém n#o dei a de ser verdade. 2as a origem do movimento na 0lemanha teve um sentido !em distinto-uma primeira manifesta'#o rom$ntica teve o nome de "3empestade e ímpeto", o que já sugere melhor acaracterística dessa sensi!ilidade. 3rata se de evidenciar a pot&ncia dos impulsos e for'as da natureza, emmuito superior 9 da consci&ncia ou do homem como um todo. 0 valoriza'#o da natureza op*e se, comoalgo mais original e verdadeiro, 9 civiliza'#o com suas regras, seus métodos e sua etiqueta.

Iomantismo toma os mais diversos aspectos, o que torna muito difícil sua defini'#o precisa, mas pareceque ele regularmente representa uma crítica 9 modernidade e uma nostalgia de um estado anterior perdido.

0quilo que na "funda'#o" da modernidade deve ser e cluído do "eu" ou mantido so! o férreo controle do2étodo parece agora invadi lo. 0 raz#o é destronada, o 2étodo feito em peda'os e o << eu" racional emetódico é deslocado do centro da su!jetividade e tomado agora como uma superfície mais ou menosilusória que enco!re algo profundo e o!scuro.

Fma imagem clássica disto é a pintura do ingl&s 3urner, que freqüentemente pinta tempestades no mar,nas quais mal se definem os limites entre céu, mar, chuva e ne!linaB em alguns casos aparece um !arcototalmente 9 merc&, das for'as naturais. 6 !arco representa o empreendimento humano de controle racionale metódico do mundo, e a imagem n#o dei a dCvidas quanto 9 sua impot&ncia.

0ssim, o Iomantismo é um momento essencial na crise do sujeito moderno pela destitui'#o do "eu" de seulugar privilegiado de senhor, de so!erano.

/or outro lado, o Iomantismo traz a e peri&ncia de que o homem possui níveis de profundidade que elemesmo, no entanto, desconhece. /arado almente, portanto, há uma grande valoriza'#o da individualidadee da intimidade. 0 idéia de "g&nio" e pressa !em essa valoriza'#o- ele seria um indivíduo naturalmenteespecial, dono de um dom Cnico que tem a o!riga'#o de realizarB por outro lado, por seu mergulho em si,ele tem uma grande indisposi'#o e dificuldade em sua vida prática. 3rata se de uma sensi!ilidade intimistae ao mesmo tempo crente na grandiosidade de sua miss#o. uando pensamos no alto grau deindividualismo e solid#o presentes no século ((, é inevitável pensarmos na presen'a em nós do sujeitorom$ntico.

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0o longo do século ()(, afirmou se a partir de diversas fontes a deposi'#o do "eu" de seu lugar privilegiado./or e emplo- a idéia de que o comportamento do homem é determinado por leis que n#o pode controlar eque freqüentemente nem mesmo conhece está presente no pensamento de 2ar , entre outrosB no mesmosentido vai a afirma'#o da teoria da evolu'#o de DarSin de que o homem é um ser natural como os demais,n#o possuindo uma origem distinta ;9 imagem e semelhan'a de DeusA.

2as talvez o ponto mais agudo dessa crise tenha sido a filosofia de %ietzsche. %ela, as idéias de "eu" ousujeito s#o interpretadas como fic'*es ;no que dá continuidade 9 crítica de 4ume 9 suposta

su!stancialidade e esta!ilidade do sujeitoA. :om seu procedimento, chamado "genealogia", %ietzscheprocura desconstruir os fundamentos de toda a filosofia ocidental desde /lat#o. Qasicamente, trata se demostrar como cada elemento tomado como fundamento a!soluto ou causa primeira de tudo o que e iste foitam!ém, por sua vez, criado num determinado momento com uma determinada finalidade. +e algo foicriado ao longo do tempo, n#o é eterno ou causa primeira. 0ssim, a "idéia" platHnica, Deus, o sujeitomoderno de Descartes ou de Qacon s#o revelados como cria'*es humanas. %ossas cren'as e valoresest#o comprometidos com a perspectiva em que nos colocamos a cada instante. 0 cren'a em algo fi o eestável seria uma necessidade humana, na tentativa de crer que tem controle so!re o devir. %ietzsche dáum passo !em largo e radical- n#o só o homem é deslocado da posi'#o de centro do mundo, como aprópria idéia de que o mundo tenha um centro ou uma unidade é destruída. 0ssim, quando %ietzschedenuncia o caráter ilusório e n#o necessário de todo o fazer humano, isto n#o representa a defesa doa!andono da ilus#o em favor de outro modo de ser mais legítimo ou !em fundamentado ;como na críticacatólica ou rom$ntica 9 modernidadeA. 0 ilus#o n#o pode ser su!stituída por nada melhor por que

simplesmente n#o e iste nada melhor. 0 quest#o para %ietzsche é sa!er o quanto cada ilus#o em cadaconte to se mostra Ctil 9 e pans#o da vida.

%#o só o privilégio do "eu" na modernidade, mas toda a metafísica, ocidental parece ser colocada em equeaí. 2as, como veremos, o projeto científico dos séculos ()( e (( e o humanismo ressurgido no século ((mant&m esse projeto vivo.

0 seguir, retomaremos o caminho da constitui'#o e dos desdo!ramentos da no'#o de "su!jetividadeprivada" por outro viés, o das condi'*es sócio econHmicas que deram sustenta'#o ao processo deindividualiza'#o no ocidente moderno. +erá a partir desse outro referencial que poderemos compreender asdimens*es culturais da modernidade por um outro $ngulo que nos será !em Ctil para entendermos onascimento das psicologias.

Sistema mercanti0 e in*ivi*+a0i.a/ão%o início da se'#o anterior, estivemos relacionando a import$ncia qualitativa e quantitativa das e peri&nciasda su!jetividade privatizada aos períodos de desagrega'#o e conflitos socioculturais ;sem nospreocuparmos com as origens desses períodos, tarefa que compete aos historiadoresA. :onvémassinalarmos, neste momento, a e ist&ncia de um sistema social e econHmico que, talvez pela carga deconflitos e transforma'*es que carrega consigo, aprofunda e universaliza aquelas e peri&ncias-referimo nos ao sistema mercantil plenamente desenvolvido.

Em quase todas as sociedades há alguma atividade de troca comercial, principalmente em termos de trocasentre comunidades. 6 produto e cedente de uma família, de um cl# ou de uma aldeia pode ser de temposem tempos trocado pelo produto e cedente de outras famílias, cl#s ou aldeias "especializadas" em outrotipo de produ'#o. %esses casos, a produ'#o é efetuada para atender 9s necessidades de quem produz,

quer dizer, cada comunidade procura ser auto suficiente. 0té recentemente, se fHssemos ao interior doQrasil, o!servaríamos como inCmeras grandes fazendas continuavam produzindo muito daquilo que seusmoradores consumiam, e esses produtos n#o eram produzidos para serem trocados.

Esse quadro muda quando se desenvolve uma produ'#o para a troca, em que cada um passa aproduzir aquilo a que está mais capacitado. 1á encontramos aí um forte motivo para a e peri&ncia dasu!jetividade privatizada- cada um deve ser capaz de identificar a sua especialidade, aperfei'oar se nela,identificar se com ela. 2as isso n#o !asta. s produtos produzidos para a troca devem ser levados aomercado. %este, os produtores v#o vender o que fazem e comprar aquilo que n#o produzem, mas de quenecessitam para viver. 3odo mundo que comprou ou vendeu conhece a situa'#o de !arganha- cada umquerendo ser mais esperto, vender mais caro e comprar mais !arato. 6 mercado cria inevitavelmente a idéiade que o lucro de um pode ser o prejuízo do outro e que cada um deve defender seus próprios interesses.uando o mercado toma conta de todas as rela'*es humanas, isto é, quando todas as rela'*es entre os

homens se d#o por meio de compra e venda de produtos ela!orados por produtores particulares,universaliza se a e peri&ncia de que os interesses de cada produtor s#o para ele mais importantes do queos interesses da sociedade como um todo e assim deve ser. ra, esta é e atamente a situa'#o numasociedade mercantil plenamente desenvolvida como a nossa. 2as nem sempre foi assim, nem é preciso

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que sempre o seja. Enquanto for, o o!jetivo continuará sendo, como dizia um comercial de televis#o, "tirar vantagem".

/orém ainda há mais a dizer. 6 mercado de produtos n#o é tudo- há tam!ém o mercado de tra!alho./ara este, v#o os homens que n#o t&m meios próprios para produzir e so!reviver, necessitando alugar suacapacidade de tra!alho para rece!er em troca um salário com o qual devem comprar os produtos de quenecessitam. :omo esses homens foram reduzidos 9 depend&ncia dos proprietários dos meios de produ'#oé uma história triste de e plora'*es e viol&ncias, rou!os e guerras, mas que n#o ca!e aprofundar neste

momento. 6 importante agora é avaliarmos os efeitos da e peri&ncia do indivíduo no mercado de tra!alho,quando este se generaliza, so!re a su!jetividade privatizada.

Em primeiro lugar, o que se disse so!re a consci&ncia de sua especialidade como produtor, de suaha!ilidade, destreza e rapidez aplica se igualmente ao tra!alhador assalariado, em!ora muitas vezes essetra!alhador, pelo caráter da atividade que e erce, venha a ser su!metido a uma atividade de tal modopadronizada que pouco lhe resta de seu. 2as isto já é uma outra história a que voltaremos adiante.

De forma a entender com mais profundidade o significado da economia mercantil para a individualiza'#o,devemos considerar com mais aten'#o as condi'*es que antecedem a própria forma'#o do regimeassalariado. /ara que e istam tra!alhadores necessitados de garantir a própria so!reviv&ncia, alugando suafor'a de tra!alho, é preciso que eles tenham perdido suas condi'*es mais antigas de vida e produ'#o. )stosignifica a ruptura dos vínculos que nas sociedades tradicionais pré capitalistas uniam os produtores uns

aos outros e todos aos meios de produ'#o. 0 produ'#o era sempre diretamente social- em!ora pudessehaver algumas especializa'*es entre os mem!ros de uma família ou entre os mem!ros de uma pequenacomunidade, a e ist&ncia de cada um dependia fundamentalmente de sua vincula'#o com o grupo. 2uitosdos meios de produ'#o podiam ser de uso comunitário, como florestas e pastagens. E aqueles meios deprodu'#o particulares eram t#o rCsticos que o acesso a eles n#o encontrava pro!lemas. 0lém dos vínculoscom os meios de produ'#o e da interdepend&ncia comunitária, havia rela'*es entre senhores e servos ouescravos que se, por um lado continham um elemento de e plora'#o de uns pelos outros, por outro lado,esta!eleciam o!riga'*es de prote'#o, defesa e apoio dos fortes em rela'#o aos fracos.

3udo isso precisa desaparecer para que surja o tra!alhador livre, que pode e necessita ir ao mercado detra!alho para arranjar uma ocupa'#o. Essa li!erdade, contudo, é muito am!ígua. Ela é principalmente umali!erdade negativa, isto é, o sujeito ao ganhá la perde uma por'#o de apoios e meios de sustenta'#o. /erdea solidariedade do seu grupo- a família ou a aldeia dei am de ser auto suficientes, e cada indivíduo vai

isoladamente procurar o seu sustento. /erde a prote'#o de um senhor- o patr#o que emprega o assalariadon#o o manterá se ele ficar doente, por e emplo ;isto hoje fica por conta do sistema da previd&ncia, que é aforma de fazer com que um assalariado pague a conta da doen'a, da invalidez ou da aposentadoria dooutroA. 0 sociedade fica, dessa forma, atomizada, quer dizer, em vez de comunidades produtivas, temosindivíduos livres produzindo ou vendendo sua for'a de tra!alho a proprietários privados. 2as esse indivíduolivre é um desamparado. Ele pode escolher ;até certo pontoA, mas, mesmo que a escolha seja real, elepassa a conviver com a indecis#o- seu destino, pelo menos teoricamente, passa a depender dele, de suacapacidade, de sua determina'#o, de sua for'a de vontade, de sua intelig&ncia e, tam!ém, de suaesperteza, de sua arte de vencer, de passar por cima dos concorrentes, de chegar primeiro e de sua sorte.Ele tem, é verdade, a li!erdade de lutar por condi'*es melhores, de mudar de posi'#o na sociedade ;nascepo!re, mas pode morrer ricoA, o que numa sociedade mais tradicional é quase impossível. 3odavia, se podesu!ir, pode tam!ém descer, pode chegar 9 miséria sem que ninguém se preocupe com ele e isto numasociedade tradicional tam!ém é muito improvável.

I*eo0o1ia 0i,era0 i0+minista5 romantismo e re1ime *iscip0inar

%os séculos (K))) e ()( desenvolveram se na cultura ocidental duas formas de pensamento que refletemmuito as e peri&ncias da su!jetividade privatizada numa sociedade mercantil em pleno processo dedesenvolvimento- a ideologia 5i!eral )luminista e o Iomantismo. De acordo com a ideologia 5i!eral, cujasprincipais idéias manifestaram se na Ievolu'#o Grancesa, os homens s#o iguais em capacidade e devemser iguais em direitos. +endo assim, todos devem ser livres. :ontudo, para que essa li!erdade n#o redundeem caos, todos devem ser solidários uns com os outros, sem renunciar a essa li!erdade. +e todos s#oiguais, é natural que devam ser livres para defender seus interesses sem limita'*es. Entretanto, como todoss#o iguais, é possível supor que, em Cltima análise, possam ser fraternos. :omo veremos adiante, essaCltima suposi'#o, infelizmente, ainda n#o se realizou...

%o Iomantismo do início do século ()( movimento que se e pressou intensamente no campo das artes eda filosofia, como vimos anteriormente , reconhece se a diferen'a entre os indivíduos, e a li!erdade ée atamente a li!erdade de ser diferente. 0pesar de todos serem diferentes e Cnicos, lá no fundo é possível

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!uscar uma comunica'#o entre esses seres diferentes- nas artes, na religi#o e no patriotismo, por e emplo,as diferen'as se anulam.

Kemos, assim, que tanto na )deologia 5i!eral como no Iomantismo se e pressam os pro!lemas dae peri&ncia su!jetiva privatizada- segundo a )deologia 5i!eral, todos s#o iguais, mas t&m interesses próprios;individuaisAB segundo o Iomantismo, cada um é diferente, mas sente saudade do tempo em que todosviviam comunitariamente e espera pelo retorno desse tempo. Enquanto isso n#o vem, os rom$nticosacreditam que os grandes e intensos sentimentos podem reunir os homens, apesar de suas diferen'as. 1á

os li!erais apostam na utópica fraternidade./arece que de fato a li!erdade individual aca!ou n#o sendo vivida como t#o !oa assim porque de um jeitoou de outro todos parecem se defender contra o desamparo, a solid#o e a imensa carga deresponsa!ilidade que implica ser livre, ser singular, ter interesses particulares e ser diferente. E na !usca dereduzir os "inconvenientes" da li!erdade, das diferen'as singulares, etc. que se foi instalando e sendo aceitoentre nós ocidentais e modernos um verdadeiro sistema de dociliza'#o, de domestica'#o dos indivíduos,sistema que coloca em risco tanto as idéias li!erais como as rom$nticas, em!ora tente se disfar'ar mediante algumas alian'as com o 5i!eralismo e com o próprio Iomantismo. Esse sistema que envolve aela!ora'#o e aplica'#o de técnicas "científicas" de controle social e individual será chamado de IegimeDisciplinar ou, mais simplesmente, "Disciplinas" e pode ser encontrado muito facilmente nas práticas detodas as grandes ag&ncias sociais, como as escolas, as fá!ricas, as pris*es, os hospitais, os órg#osadministrativos do Estado, os meios de comunica'#o de massa, etc. Em!ora essas Disciplinas reduzam em

muito efetivamente o campo de e ercício das su!jetividades privatizadas, impondo padr*es e controlesmuito fortes 9s condutas, 9 imagina'#o, aos sentimentos, aos desejos e 9s emo'*es individuais, faz partede seu modo de funcionamento dissimular se, esconder se, dei ando nos crer que somos cada vez maislivres, profundos e singulares. E claro, porém, que vai se instalando um certo mal estar e v#o se criandocondi'*es para a suspeita dos homens em rela'#o a si mesmos. disso, do crescimento das Disciplinas ede seus efeitos su!jetivos que trataremos no pró imo item.

A crise *a s+,-etivi*a*e privati.a*a o+ a *ecep/ão necess6ria

Qem, até agora falamos principalmente de uma das condi'*es para que surjam projetos de psicologiacientífica- uma clara idéia da e peri&ncia da su!jetividade privatizada. 2as há outra- é preciso que essae peri&ncia entre em crise, e algumas das manifesta'*es filosóficas dessa crise já foram apontadas nositens anteriores. Enquanto a su!jetividade privatizada n#o está sendo contestada ;e o 5i!eralismo e o

Iomantismo n#o a contestam, pelo contrário a afirmam como dado inquestionávelA, n#o há por que se fazer ci&ncia psicológica. Gazer ci&ncia é sempre ir além das apar&ncias. /ara isso, é preciso que eu desconfiedelas, que elas n#o sejam compreendidas facilmente. %o come'o do conhecimento há sempre umadesconfian'a e no fim há sempre uma decep'#o. 2as o que terá levado os homens do século ()( adesconfiarem de suas próprias e peri&ncias7

0 su!jetividade privatizada entra em crise quando se desco!re que a li!erdade e a diferen'a s#o, emgrande medida, ilus*es, quando se desco!re a presen'a forte, mas sempre disfar'ada, das Disciplinas emtodas as esferas da vida, inclusive nas mais íntimas e profundas. 0 cren'a de que a fraternidade seriapossível, ainda que todos defendessem seus interesses particulares, n#o so!reviveu por muito tempo. sinteresses particulares levam a conflitosB a li!erdade para cada um tratar de seu negócio desencadeoucrises, lutas e guerras. s tra!alhadores no século ()( foram aos poucos desco!rindo que se defenderiammelhor unidos em sindicatos e partidos do que sozinhos. 6 Estado, a administra'#o pC!lica n#o ficaram

inertes. /ara com!ater os movimentos operários reivindicatórios, para pHr um pouco de ordem na vidasocial em que cada um defendia o que era seu sem pensar nas conseqü&ncias para todos e paradefender os interesses dos produtores de uma na'#o contra os das outras, a administra'#o pC!lica cresceu,cresceram o Estado, a !urocracia, cresceram as for'as armadas. 0 partir daí, como ficava aquela idéia deli!erdade individual7 0inda no século ()(, conjuntamente com as !urocracias, cresce a grande indCstria!aseada na produ'#o padronizada e mecanizada, cresce o consumo de massa para os produtos industriais.nde ficava, ent#o, aquela idéia de que cada um é Cnico e diferente dos demais7

uando os homens passam pelas e peri&ncias de uma su!jetividade privatizada e ao mesmo tempoperce!em que n#o s#o t#o livres e t#o singulares quanto imaginavam, ficam perple os. /*em se a pensar acerca das causas e do significado de tudo que fazem, sentem e pensam so!re eles mesmos. s temposest#o ficando maduros para uma psicologia científica.

0o lado dessa necessidade que emerge no conte to das e ist&ncias individuais de se sa!er o que somos,quem somos, como somos, /or que agimos de uma ou outra maneira, surge para o Estado a necessidadede recorrer a práticas de previs#o e controle- como lidar melhor com os sujeitos individuais7B comoeducá los de forma mais eficaz, treiná los, selecioná los para os diversos tra!alhos7 Em todas essas

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quest*es se e pressa o reconhecimento de que e iste um sujeito individual e a esperan'a de que é possívelpadronizá lo segundo uma disciplina, normaliza lo, colocá lo, enfim, a servi'o da ordem social. +urge, dessemodo, a demanda por uma psicologia aplicada, principalmente nos campos da educa'#o e do tra!alho. useja, o Iegime Disciplinar, em si mesmo, e ige a produ'#o de um certo tipo de conhecimento psicológicode forma a tornar mais eficazes suas técnicas de controle. 2as tam!ém as su!jetividades formadas, pelosmodelos li!erais e rom$nticos, sentindo se contestadas e pro!lemáticas, s#o atraídas pelos estudospsicológicos.

E assim que no final do século ()( est#o dadas as condi'*es para a ela!ora'#o dos projetos de psicologiacomo ci&ncia independente e para as tentativas de defini'#o do papel do psicólogo como profissional nasáreas de saCde, educa'#o e tra!alho. 3oda aquela vertente da filosofia moderna que, como estivemosvendo anteriormente, vinha pondo em quest#o desde o século (K))) a so!erania do sujeito alguns filósofosiluministas ;principalmente os empiristasA e os filósofos rom$nticos dar#o su!sídios importantes para atarefa de construir uma psicologia como área específica de pesquisa e conhecimento.

Síntese

:onvém, a título de síntese, recapitularmos as idéias e postas nesta se'#o antes de passarmos ao tópicoseguinte.

<A 0 e peri&ncia da su!jetividade privatizada, em que nós nos reconhecemos como livres, diferentes,

capazes de e perimentar sentimentos, ter desejos e pensar independentemente dos demais mem!ros dasociedade é uma precondi'#o para que se formulem projetos de psicologia científica. Em!ora para nósessas e peri&ncias sejam ó!vias, os estudos históricos e antropológicos revelam que nem sempre é assimem outras sociedades e culturas.

TA utra precondi'#o para a formula'#o de projetos de psicologia científica é a e peri&ncia de que n#osomos assim t#o livres e t#o diferentes quanto imaginávamos. a suspeita de que há outras "for'asinvisíveis" nos controlando e de que n#o conseguimos espontaneamente ver com clareza as causas e ossignificados de nossas a'*es que nos leva a investigar o que há por detrás das apar&ncias. Essae peri&ncia se generaliza com o colapso da ideologia 5i!eral )luminista e do Iomantismo que, cada um 9sua maneira, mantinham inquestionável a no'#o de su!jetividade individual, em!ora já se encaminhassempara posi'*es muito críticas a respeito. Esse colapso está associado ao desenvolvimento e ao domíniocrescente do Iegime Disciplinar e se e pressa em ela!ora'*es filosóficas que p*em em quest#o a

so!erania, a autonomia e a identidade dos indivíduos.MA 0 suspeita de que a li!erdade e a singularidade dos indivíduos s#o ilusórias, que emerge com o declíniodas cren'as li!erais e rom$nticas, a!re espa'o, finalmente, para os projetos de previs#o e controlecientíficos do comportamento individual. Este será um dos principais o!jetivos da psicologia como ci&ncia aservi'o das Disciplinas. 2as a!re espa'o, tam!ém, para pro!lematiza'*es teóricas e práticas dassu!jetividades totalmente avessas ao regime disciplinar e que alimentar#o muitas das escolascontempor$neas do pensamento psicológico e, principalmente, suas incid&ncias na clínica e na educa'#o.

A P 7TICA CIENT89ICA E A EME GÊNCIA DA PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA

Con:ecimento cientí3ico; privaci*a*e e *i3eren/a

0s condi'*es socioculturais até agora referidas foram o terreno so!re o qual puderam ser ela!oradosos projetos de psicologia como ci&ncia independente e, o que é ainda mais importante, o terreno propício 9ampla difus#o desses projetos e 9 sua assimila'#o crescente pelo conjunto da sociedade.

/ara entendermos, contudo, o come'o da psicologia "científica" precisamos considerar mais de pertoo que se passava entre os cientistas e os filósofos do século ()(, pois foram eles que, levados por preocupa'*es com a própria ci&ncia, iniciaram a demarca'#o desse novo domínio de conhecimento.

0s ci&ncias naturais, tal como as conhecemos hoje, s#o formas !astante recentes de produ'#o deconhecimento. Goi apenas a partir dos quatro Cltimos séculos que se criaram os atuais modelos de ci&nciada natureza.

%as práticas científicas modernas a posi'#o do sujeito que produz o conhecimento é !astante contraditória.

/or um lado, o cientista sente se com o poder e com o direito de lidar com os fenHmenos naturais paraconhec& los, desvendar seus mistérios, dominá los, manipulá los em e perimentos !em controlados, etc.%enhuma dessas atitudes e procedimentos é possível, por e emplo, enquanto su!sista um respeito místicoe religioso pela natureza caso em que devemos apenas amá la, apreciá la, respeitá)a. Em outras palavras-

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a ci&ncia moderna está !aseada na suposi'#o de que o homem é o senhor que tem o poder e o direito decolocar a natureza a seu servi'o. Essa suposi'#o está claramente associada ao que dissemos acerca doaprofundamento da e peri&ncia su!jetiva individualizada, já que esta enfatiza a li!erdade dos homens paradecidir e agir de acordo com sua própria ca!e'a e sem qualquer tipo de limita'#o, ela!orando suas cren'ase avaliando as a partir de suas e peri&ncias pessoais, de suas conveni&ncias e interesses, livres dasrestri'*es impostas pelas tradi'*es.

/or outro lado, os procedimentos científicos e igem que os cientistas sejam capazes de "o!jetividade", isto

é, que dei em de lado seus preconceitos, seus sentimentos e seus desejos para o!terem um conhecimento"verdadeiro". :omo disse Grancis Qacon ;<@U< <UTUA o filósofo ingl&s que, como vimos anteriormente, foium dos precursores do novo espírito científico e contempor$neo de Descartes , "... a natureza n#o sevence sen#o quando se lhe o!edece". /ara vencer é preciso o!edecer e para o!edecer é preciso disciplinar a mente, eliminar todos os "su!jetivismos". 0 metodologia científica que vem se desenvolvendo desde osquatro Cltimos séculos representa e atamente o esfor'o de disciplinar o espírito para melhor o!edecer 9natureza.

ra, essa disciplina n#o é fácil e foi o próprio esfor'o para impH la que levou os cientistas a reconhecerem afor'a e a profundidade dos fatores su!jetivos. difícil n#o confundir o que se espera encontrar com o que"de fato" se encontra no fim de uma pesquisa, o que se quer ver com o que se v& "de fato"8 /ode, tam!ém,ser difícil conciliar o que um indivíduo conclui com as conclus*es de outro indivíduo que o!servou o mesmofenHmenoB e mesmo o que o indivíduo o!servou com o que foi o!servado pelos demais. Enfim, é a própria

li!erdade dos sujeitos e suas diferen'as que ficam acentuadas no momento em que se faz um enormeesfor'o para ser o!jetivo.

%essa medida, as práticas científicas contri!uíram para o reconhecimento, entre os próprios cientistas, comseus ideais de o!jetividade, de que há fatores su!jetivos e individuais permanentemente em a'#o. Qaconchamou os de "ídolos do conhecimento", e a denCncia desses ídolos é a primeira o!riga'#o do filósofo e docientista. )sto refor'a a idéia de uma e peri&ncia su!jetiva individualizada, privada, acessível apenas a quema vive.

2as para a ci&ncia progredir seria necessário conhecer e controlar essa su!jetividade e essas diferen'asindividuais, e é assim que o homem, o sujeito individual, dei a de ser apenas um possível pesquisador paravir a se tornar um possível o!jeto da ci&ncia. 0 epistemologia ;teoria do conhecimentoA e a metodologia;regras e procedimentos da produ'#o do conhecimento válidoA desem!ocam na psicologia- a denCncia e o

e purgo dos "ídolos do conhecimento" e igem um estudo prévio da su!jetividade e de seus su!terr$neos.s estudos psicológicos científicos come'aram e se desenvolveram sempre marcados por essa

contradi'#o- por um lado, a ci&ncia moderna pressup*e sujeitos livres e diferenciados senhores de fato ede direito da naturezaB por outro, procura conhecer e dominar essa própria su!jetividade, reduzir ou mesmoeliminar as diferen'as individuais, de forma a garantir a "o!jetividade", ou seja, a validade intersu!jetiva dosachados. Em contraposi'#o, como veremos adiante, muitos psicólogos repudiam essa meta de conhecer para dominar os meandros da su!jetividade e afirmam, ao contrário, que o que interessa é conhecer essesaspectos profundos e poderosos do "eu" para dar lhes voz, para e pandi los, para faz& los mais fortes elivres. claro que os que pensam assim querem fazer da psicologia uma "ci&ncia" sui generis n#o só por ter um campo e um o!jeto próprios, mas por adotarem, em rela'#o 9s demais ci&ncias, outros métodos eoutras metas.

Diante disso, estamos agora em condi'*es de entrar no domínio das psicologias "científicas" ;ou nemtanto8A para tentarmos compreender os principais projetos de psicologia que aí foram ela!orados com todaa sua atordoante diversidade teórica, metodológica e de propósitos.

OS P O<ETOS DE PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA INDEPENDENTE

O pro-eto *e =+n*t

alem#o V. Vundt ;<?MT <>T6A costuma ser reconhecido como um pioneiro na formula'#o de um projetode psicologia como ci&ncia independente, na cria'#o de institui'*es destinadas 9 pesquisa e ao ensino dapsicologia e na forma'#o de inCmeros psicólogos n#o só alem#es, mas tam!ém de outras nacionalidades./ara Vundt a psicologia era uma ci&ncia intermediária entre as ci&ncias da natureza e as ci&ncias dacultura. +ua o!ra se estende da psicologia e perimental fisiológica 9 psicologia social. u seja, desde seu

início o lugar da psicologia entre as ci&ncias é um tanto incerto, e um dos méritos de Vundt foi o deconce!er a psicologia nessa posi'#o intermediária. o!jeto da psicologia é, para Vundt, a e peri&nciaimediata dos sujeitos, em!ora ele n#o esteja primordialmente interessado nas diferen'as individuais entreesses sujeitos. E!peri"ncia imediata é a e!peri"ncia tal como o su#eito a vive antes de se p$r a pensar

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so%re ela, antes de comunic&'la, antes de (conhec"'la() *, em outras palavras, a e!peri"ncia tal como sed&:ontudo, Vundt n#o reduz a tarefa da psicologia 9 descri'#o dessa e peri&ncia su!jetiva. Ele quer ir além e tenta faz& lo de duas formas-

aA utilizando o método e perimental, ele pretende pesquisar os processos elementares da vida mental ques#o aqueles processos mais fortemente determinados pelas condi'*es físicas do am!iente e pelascondi'*es fisiológicas dos organismos. :om o método e perimental, em situa'*es controladas dela!oratório, Vundt procura analisar os elementos da e peri&ncia imediata e as formas mais simples de

com!ina'#o desses elementos. 2as isto é apenas o come'o da psicologia, e n#o é o mais importante paraVundtB e !A por meio da análise dos fenHmenos culturais como a linguagem, os sistemas religiosos, os mitos, etc. ,segundo Vundt, manifestam se os processos superiores da vida mental como o pensamento, aimagina'#o, etc.

0 psicologia social de Vundt n#o usa o método e perimental, mas os métodos comparativos daantropologia e da filologia, e seu o!jetivo é a investiga'#o dos processos de síntese, porque para Vundt ae peri&ncia imediata n#o é nem uma coisa desorganizada nem uma mera com!ina'#o mec$nica deelementos- a "e peri&ncia imediata" seria o resultado de processos de síntese criativa, em que asu!jetividade se manifestaria como vontade, como capacidade de cria'#o. 0o lado da causalidade física,Vundt reconhecia a e ist&ncia de uma causalidade psíquica, ou seja, de princípios da vida mentalindependentes dos princípios que e plicam o comportamento dos corpos físicos e fisiológicos. 0 dificuldade

de Vundt era a de entender como no homem que é uma unidade psicofísica, em que o corpo e a menten#o e istem separados as duas causalidades se ligavam uma 9 outra. Vundt aca!a criando, assim, duaspsicologias ;em!ora ele próprio pense que está fazendo uma coisa sóA - aA a psicologia fisiológicae perimental, em que a causalidade psíquica é reconhecida, mas n#o é enfocada em profundidade enesse sentido n#o se cria nenhum pro!lema mais sério para ligar essa psicologia 9s ci&ncias físicas efisiológicasB e !A a psicologia social ou "dos povos", cuja preocupa'#o é e atamente a de estudar osprocessos criativos em que a causalidade psíquica aparece com mais for'a. :omo esses processos s#oessencialmente "su!jetivos" mas só ocorrem claramente na vida social , n#o se podem fazer e perimentos controlados com eles, apenas estudá los por meio de seus produtos socioculturais.

/ara Vundt o domínio da psicologia era vasto e comple o, porque e plicar e compreender a e peri&nciaimediata e igiam tanto uma apro ima'#o com as ci&ncias naturais como uma apro ima'#o com as ci&nciasda sociedade e da cultura. 2as, na hora de juntar os dois enfoques metodológicos e de juntar as duas

imagens de homem no conceito de Wunidade psicofísica", as dificuldades eram imensas, e os discípulos deVundt, em sua maioria, desistiram de acompanhar o mestre e foram procurar solu'*es menoscomplicadas, em!ora, talvez, muito mais po!res.

O pro-eto *e Titc:ener

Depois de Vundt s#o inCmeros os autores que tentar#o colocar a psicologia no campo apenas das ci&nciasnaturais. o caso de 3itchener ;<?U= <>T=A um dos mais famosos alunos de Vundt e principalresponsável pela divulga'#o da o!ra deste nos EF0 que redefine o o!jeto da psicologia como sendo ae peri&ncia dependente de um sujeito sendo este conce!ido como um puro organismo e, em Cltimaanálise, como um sistema nervoso , e n#o mais a e peri&ncia imediata. )sto significa que ir além dae peri&ncia do sujeito, para elucidá la, acarretaria a !usca de justificativas fisiológicas para os fenHmenosda vida mental. 3itchener n#o nega a e ist&ncia da mente, mas esta perde sua autonomia- depende sempre

e se e plica completamente em termos do sistema nervoso. 6 psicólogo descreve a e peri&ncia em termospsicológicos, mas a e plica em termos emprestados de uma ci&ncia natural. :om isso, a psicologia dei ade ser t#o independente como pretendia Vundt. Em compensa'#o, come'a a desaparecer o pro!lema coma unidade psicofísica- 3itchener defende a posi'#o denominada paralelismo psicofísico, em que os atosmentais ocorrem lado a lado a processos psicofisiológicos. Fm n#o causa o outro, mas o fisiológico e plicao mental. :omo a mente e o corpo andam lado a lado, é possível fazer psicologia usando e clusivamente,segundo 3itchener, os métodos das ci&ncias naturais- a o!serva'#o e a e perimenta'#o. 0 Cnica diferen'aseria a de que na psicologia a o!serva'#o se daria so! a forma de auto o!serva'#o ou introspec'#o, emque os sujeitos e perimentais seriam treinados para o!servar atentamente e descrever com totalo!jetividade suas e peri&ncias su!jetivas em situa'*es controladas de la!oratório. %essa medida, 3itchener dei a de lado toda a o!ra de Vundt orientada para a psicologia dos povos.

Fma li'#o importante que se pode tirar quando se pensa na rela'#o entre Vundt e 3itchener é a seguinte-

Vundt, ao procurar ser fiel 9 concep'#o da psicologia como ci&ncia intermediária, mete se numa grandeenrascada metodológica, mas preserva para as suas propostas uma potencialidade a que sempre podemosretornar como fonte de inspira'#o. o que aconteceu <66 anos depois da funda'#o do famoso la!oratóriode 5epzig, quando, nas comemora'*es do acontecimento, re desco!riu se o pensamento de Vundt como

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esteio da moderna psicologia cognitivista, da nova psicologia social, da psicolingüística, etc. 3itchener, aocontrário, tornou a "encrenca" metodológica muito menor quando colocou a psicologia totalmentesu!ordinada ao campo das ci&ncias naturais. 2as isso a custo de uma redu'#o de alcance e de interessepara as suas propostas. E esse fenHmeno parece se repetir muitas vezes- os projetos de psicologia maisinteressantes s#o os que mais dificuldades t&m de se afirmar plenamente em termos epistemológicos emetodológicos.

A psico0o1ia 3+nciona0

Em oposi'#o 9 psicologia titcheneriana, mas tam!ém situando os estudos psicológicos entre as ci&nciasnaturais, surgiu nos EF0 o movimento da psicologia funcional, representado por autores como 1. DeSeX;<?@> <>@TA, 1. 0ngel ;<?U><>Y>A e 4. 0. :arr ;<?=M <>@YA.

s psicólogos funcionalistas definem a psicologia como uma ci&ncia !iológica interessada em estudar osprocessos, opera'*es e atos psíquicos ;mentaisA como formas de intera'#o adaptativa. /artem dopressuposto da !iologia evolutiva- os seres vivos, e entre eles os animais, so!revivem se t&m ascaracterísticas org$nicas e comportamentais adequadas a sua adapta'#o ao am!iente. Fm certo nível deadapta'#o envolve as capacidades de sentir, pensar, decidir, etc., ou seja, o nível propriamente psíquico. 0sopera'*es e processos mentais seriam, assim, instrumentos de adapta'#o e se e pressariam claramentenos comportamentos adaptados. /ara os psicólogos funcionalistas, o o!jeto da psicologia s#o os processose opera'*es mentais, mas o estudo científico desses processos e ige uma diversidade de métodos. %#o

e cluem a auto o!serva'#o, em!ora n#o aprovem a introspec'#o e perimental no estilo titcheneriano,porque esta seria muito artificial. %#o confiam totalmente na auto o!serva'#o, dadas as suas dificuldadescientíficas- é impossível conferir pu!licamente se uma auto o!serva'#o foi !em feita e, por isso, é difícilchegar a um acordo !aseado em o!serva'*es desse tipo. Em compensa'#o, se os processos e opera'*esmentais se e pressam em comportamentos e estes s#o facilmente o!serváveis, podemos estudar indiretamente a mente a partir dos comportamentos adaptativos. :onvém o!servar que, apesar domovimento funcionalista como um movimento 9 parte e independente ter se dissolvido, várias das idéiasfundamentais dessa escola est#o presentes em muito do que se faz até hoje no campo da pesquisapsicológica. %a verdade, a maior parte do que se produziu e se produz no campo da psicologia, entendidacomo ci&ncia natural, pode ser interpretada como diferentes vers*es do pensamento funcional.

O COMPO TAMENTALISMOEm completa oposi'#o 9 psicologia de 3itchener e em relativa oposi'#o ao funcionalismo mas devendo a

ele alguns pressupostos !ásicos surgiu, no come'o do século ((, um outro projeto de psicologia científica-o comportamentalismo. +egundo esse projeto, ela!orado originalmente pelo psicólogo americano 1. <M.Vatson ;<?=? <>@?A, o o!jeto da "psicologia" científica já n#o é a mente ;por isso o termo psicologia foicolocado entre aspasA. 6 o!jeto é o próprio comportamento e suas intera'*es com o am!iente. 6 métododeve ser o de qualquer ci&ncia- o!serva'#o e e perimenta'#o, mas sempre envolvendo comportamentospu!licamente o!serváveis e evitando a auto o!serva'#o.

0pesar de se apresentar como uma oposi'#o 9s correntes dominantes na psicologia, ocomportamentalismo foi criado com !ase em muitas das posi'*es defendidas por aquelas mesmascorrentes que, de uma certa forma, criaram as condi'*es favoráveis para o seu desenvolvimento. /or e emplo, a doutrina do paralelismo psicofísico tirava da vida mental sua especificidade e sua import$ncia- opsíquico apenas acompanharia o físico e seria e plicado por ele, mas am!os n#o interagiriam ;n#oe ercendo influ&ncia so!re o comportamentoA. ra, neste caso, qual o sentido de se continuar estudando a

mente7 +e 3itchener já assumia a posi'#o de que os mesmos métodos das ci&ncias naturais e perimentaispodem ser adotados pela psicologia, n#o seria mais sensato ir até as Cltimas conseqü&ncias e aca!ar coma Cnica diferen'a ;a auto o!serva'#o em vez da o!serva'#o e terna e pC!licaA7 2etade do caminho já forapercorrido pelos psicólogos funcionais, que aprovavam o uso de métodos o!jetivos no estudo psicológico.+egundo Vatson era preciso dar outros passos, a!andonando de vez a auto o!serva'#o. Iedefinindo apsicologia como "ci&ncia do comportamento", Vatson podia n#o só se livrar do método da auto o!serva'#o,t#o discutível, mas resolvia, tam!ém, a quest#o que desde Vundt vinha pertur!ando os psicólogos- aquest#o da "unidade psicofísica". 0 partir de agora, supunha Vatson, já n#o seria necessário dizer quemente e corpo interagem ou que somente caminham lado a lado- vamos estudar o comportamento, isto é,os movimentos do corpo e suas rela'*es com o am!iente. :om o comportamentalismo, pela primeira vez,os estudos psicológicos "deram as costas" 9 e peri&ncia imediata. 3udo aquilo que faz parte da e peri&nciasu!jetiva individualizada dei a de ter lugar na ci&ncia, seja porque n#o tem import$ncia, seja porque n#o éacessível aos métodos o!jetivos da ci&ncia.

%essa medida, o "sujeito" do comportamento n#o é um sujeito que sente, pensa, decide, deseja e éresponsável por seus atos- é apenas um organismo. Enquanto organismo, o ser humano se assemelha aqualquer outro animal, e é por isto que essa forma de conce!er a psicologia científica dedica uma grande

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aten'#o aos estudos com seres n#o humanos, como ratos, pom!os e macacos, entre outros. Esses sujeitosn#o falam, mas isto n#o representa um o!stáculo para o comportamentalismo de Vatson, já que ele n#otem o mínimo interesse na "viv&ncia" do sujeito, na sua e peri&ncia imediata. 6 comportamentalismoSatsoniano interessa se e clusivamente pelo comportamento o!servável, com o o!jetivo muito prático deprev& lo e controlá lo de forma mais eficaz. 6 funcionalismo está presente tanto nessa &nfase pragmática oque interessa é o conhecimento Ctil como na idéia !ásica de que comportar se é interagir adaptativamentecom o meio.

0 perspectiva de controle so!re o comportamento de Vatson enquadra se na !usca de uma sociedadeadministrativa e estritamente funcional. 0 literatura do início do século (( construiu utopias ;ouanti utopias7A, como <>?Y,+ processo, Admir&vel mundo novo ou,nos anos +, A laran#a mec-nica, quetalvez representem o temor pela possi!ilidade de efetiva'#o de tal controle.

P O<ETOS DE PSICOLOGIA E CONDI!"ES DE P ODU!>O 0ntes de prosseguirmos, convém tecer alguns comentários relacionando estes projetos de psicologia 9scondi'*es socioculturais que permitiram e incentivaram seu aparecimento.

Iecordemos que as condi'*es para a emerg&ncia de projetos de psicologia científica eram duas- aA um altonível de ela!ora'#o da e peri&ncia su!jetiva privatizadaB e !A a crise dessa e peri&ncia, com oreconhecimento de que o sujeito n#o é t#o livre como julga, nem t#o Cnico como cr&. isto que leva 9necessidade de superar a e peri&ncia imediata para compreend& la e e plicá la melhor.

Em Vundt, 3itchener e nos psicólogos funcionalistas, vimos tentativas de partir da e peri&ncia imediatarumo a e plica'*es fisiológicas, !iológicas ou socioculturais. :om o comportamentalismo de Vatson, ae peri&ncia imediata é totalmente desprezada- a finalidade da psicologia agora seria o estudo docomportamento independentemente do que o sujeito pensa, cr&, sente ou deseja.

Kimos, tam!ém, que essa posi'#o foi precedida de alguns passos já dados pelos autores que haviamreduzido o papel da vida mental ;como 3itchenerA ou que haviam posto em quest#o a auto o!serva'#o;como os funcionalistasA. +e a mente n#o interage com o físico que é a posi'#o do paralelismo psicofísico e se a introspec'#o n#o é um !om método científico, a conclus#o necessária é a comportamentalista-estudemos apenas os comportamentos adaptativos e adotemos apenas os métodos o!jetivos. :om isso,todavia, a psicologia propriamente dita aca!a.

6 comportamentalismo, na verdade, n#o é um projeto de psicologia científica, mas o projeto de uma novaci&ncia a ci&ncia do comportamento que viria ocupar o lugar da psicologia. Essa nova ci&ncia deveria ser,segundo Vatson, uma ci&ncia natural, um ramo da !iologia. 6 comportamentalismo leva 9s Cltimasconseqü&ncias a tarefa científica de ir além das apar&ncias, ou seja, de ir além da e peri&ncia tal como sedá. Essa é uma tarefa de desiludir e, sem dCvida, o comportamentalismo a cumpre rigorosamente- toda arica e peri&ncia su!jetiva dos indivíduos é e pulsa da ci&ncia do comportamento, todas as nossas cren'asde que somos seres livres, autoconscientes, responsáveis e Cnicos s#o ridicularizadasB somos apenasorganismos sujeitos 9s leis gerais do comportamento na sua intera'#o com o am!iente.

+ó que o comportamentalismo cumpre essa tarefa de desiludir sem conseguir e plicar a e peri&nciaimediata, ou seja, nega a, mas n#o a compreende. 6 pro!lema é que ela n#o dei a de e istir por causadisso, e esta aca!a sendo a raz#o por que ninguém consegue se identificar com a imagem de homemproposta pelo comportamentalismo Satsoniano. 3odos sentem que, apesar da crise e das dCvidas, há uma

e peri&ncia da +u!jetividade individualizada que, em!ora em crise, n#o pode ser simplesmente negada. o reconhecimento da e peri&ncia imediata su!jetiva que sustenta o esfor'o dos psicólogos que definem apsicologia como o estudo da su!jetividade individualizada e da e peri&ncia imediata. 2uitos psicólogos efilósofos, contempor$neos de Vundt e 3itchener, dos psicólogos funcionalistas e de Vatson, v&m insistindona necessidade de a psicologia dedicar se ao estudo da e peri&ncia imediata dos sujeitos, sem deformá la.%esse sentido, eles tam!ém negam a auto o!serva'#o controlada em situa'#o e perimental, como eraefetuada por 3itchener e assim se apro imam dos psicólogos funcionalistas. 2enos, ainda, admitem aaplica'#o dos métodos o!jetivos de o!serva'#o. W6 o!jetivo desses psicólogos é a compreens#o dos sereshumanos mediante a capta'#o de suas viv&nciasP, de suas e peri&ncias imediatas, su!jetivas eindividualizadas.

u seja, se no conte to da crise da e peri&ncia da su!jetividade individualizada ocorre uma cis#o entre a

viv&ncia e o comportamento, sendo que o que eu vivo, sinto, penso, desejo, etc. n#o se e pressadiretamente na minha a'#o, e esta, que já n#o é t#o minha assim, passa a ser controlada por outras for'as,a!re se um espa'o para uma op'#o fundamental- o comportamentalismo dei a de lado a viv&ncia paratentar identificar as for'as !iológicas e am!ientais que controlam o comportamento, enquanto as psicologias

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"humanistas" procuram captar as viv&ncias na sua intimidade e na sua privacidade. 0o faz& lo, porém,tornam se incapazes de duas coisas- em primeiro lugar, de e plicar os comportamentos, pois só est#ointeressados na compreens#o de como o sujeito "vive", mas n#o em por que ele age assim e n#o de outraforma. Em segundo lugar, de ultrapassar a e peri&ncia imediata, de questioná la, e plicá la ecompreend& la em maior profundidade. 3ornam se, enfim, incapazes de fazer psicologia científica. Emconseqü&ncia, essas psicologias humanistas, que s#o antigas, mas est#o sempre em moda, longe dedesfazerem ilus*es, muitas vezes contri!uem para que as ilus*es de li!erdade e singularidade so!revivamnum mundo em que, concretamente, há cada vez menos li!erdade e cada vez mais massifica'#o. 0pesar

de tudo, é necessário reconhecer que, ao insistir na su!jetividade individualizada, os psicólogos"humanistas" chamam a aten'#o para um aspecto que o comportamentalismo de Vatson rejeita e que,assim fazendo, em vez de fundar uma psicologia científica, tenta matá la e enterrá la.

A PSICOLOGIA DA GESTALT/assemos agora aos projetos de psicologia científica que, sem negar a e peri&ncia su!jetiva, procuramcompreend& la e e plicá la.

0inda no come'o do século (( surgiu outro projeto de psicologia científica na 0lemanha. Essa escolapsicológica denominou se "psicologia da gestalt", palavra alem# de difícil tradu'#o- ora traduz se por psicologia da estrutura, ora por psicologia da totalidade, ora por psicologia da forma, e freqüentementeconserva se o termo alem#o n#o traduzido ou aportuguesado, como na denomina'#o "gestaltismo". spsicólogos gestaltistas mais importantes 2. Vetheimer ;<??6 <>YMAB R. RoffNa ;<??U <>Y<A e V. Rohler

;<??= <>U=A partiam da e peri&ncia imediata e adotavam, como procedimento para capta'#o da e peri&nciatal como se dava ao sujeito, o método fenomenológico.

Esse método consiste na descri'#o ing&nua dos fenHmenos tais como aparecem na consci&ncia, antes dequalquer refle #o ou conhecimento, ou de qualquer tentativa de análise. 0plicando o métodofenomenológico, os gestaltistas desco!riram que todos os fenHmenos da percep'#o, da memória, dasolu'#o de pro!lemas, da afetividade, etc. eram vividos pelo sujeito so! a forma de estruturas, isto é, so! aforma de rela'*es entre partes que faziam com que a forma resultante fosse mais que a mera soma dassuas partes. 0ssim, apro imavam se da idéia de Vundt de que a e peri&ncia imediata é produto deprocessos de síntese em que os elementos se fundem e adquirem novos significados. Essa idéia, porém,estava particularmente presente na sua psicologia dos povos, que n#o conquistara muito respeito nacomunidade científica, 0o contrário de Vundt, os gestaltistas chegam a essas conclus*ese perimentalmente e, dessa maneira, procuram demonstrar o caráter estrutural dos fenHmenos da

e peri&ncia. 2as n#o ficam nisso- eles procuram transpor a e peri&ncia imediata e relacioná la com omundo físico e fisiológico. /ara eles o conceito de "gestalt" permite unificar todas as ci&ncias físicas,!iológicas e da cultura, de forma que a psicologia n#o precisa repartir se entre elas para e istir. 0 unidadepsicofísica n#o apresenta pro!lemas para os gestaltistas, já que eles cr&em que a natureza física, social epsicológica é conce!ível em termos de estruturas isomórficas, ou seja, de estruturas formalmenteequivalentes. %#o podemos, neste capítulo, aprofundar a compreens#o do isomorfismo proposto pelosgestaltistas. 6 que convém enfatizar aqui é o caráter do projeto de psicologia científica dos gestaltistas, quecomporta dois aspectos essenciais- aA o reconhecimento da e peri&ncia imediataB e hA a preocupa'#o derelacionar essa e peri&ncia com a natureza física e !iológica e com o mundo dos valores socioculturais.

O COMPO TA NENTALISMO DI9E ENCIADO; O ?E@A IO ISMO ADICAL DE SBINNEFm outro projeto de psicologia científica foi desenvolvido pelo psicólogo americano Q. E +Ninner ;<>6Y <>>6A. Em!ora se trate de um comportamentalismo, o projeto de +Ninner afasta se imensamente do

de Vatson, sendo um erro a!surdo reuni los numa mesma análise. +Ninner deu enormes contri!ui'*es aoestudo das intera'*es entre organismos vivos e seus am!ientes, adotando de forma rigorosa osprocedimentos e perimentais. %o entanto, n#o é a essa parte de sua o!ra que nos referimos quandoatri!uímos ao projeto de +Ninner um lugar de destaque no campo da psicologia. +Ninner torna se importantepara a psicologia além da sua import$ncia para o estudo do comportamento dos organismos quando sep*e a falar da su!jetividade- do mundo "privado" das sensa'*es, dos pensamentos, das imagens, etc.+Ninner n#o rejeita a e peri&ncia imediata, mas trata de entender sua g&nese e sua natureza. Ele n#oduvida que os homens sintam sem e pressar seus sentimentos, que os homens se iludam, alucinem,reflitam so!re as coisas e so!re si mesmos, relatem temores, aspira'*es e desejos. 3udo isso é real, mas,segundo +Ninner, devemos investigar em que condi'*es a vida su!jetiva privatizada se desenvolve. 0resposta do autor remete 9s rela'*es sociais. em sociedade que se aprende a falar e uma parte da falapode referir se ao próprio corpo e ao próprio comportamento do sujeito. :ontudo, essa capacidade parafalar de si é aprendida na conviv&ncia com os outros. 3oda linguagem é, assim, social, mesmo quando se

refere ao "inundo privado". /or isso mesmo, o mundo privado de cada um é uma constru'#o social. 6 queeu sinto, vejo, pressinto, lem!ro, penso, desejo, etc. sempre depende da maneira como a sociedade meensinou a falar e a prestar aten'#o aos estados do meu organismo. %uma condi'#o social em que ossentimentos e as inten'*es de um sujeito passam a ser fatores socialmente importantes para o controle do

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comportamento, já que outras formas de controle est#o reduzidas, é natural que a sociedade se preocupemuito com a "vida privada" e desenvolva em cada sujeito uma ha!ilidade especial para falar e "pensar" emsi mesmo, para preocupar se consigo e relatar claramente suas e peri&ncias Wimediatas" a fim de formular seus projetos, etc. 6 uso de aspas em imediatas justifica se porque, de fato, segundo +Ninner, ase peri&ncias su!jetivas n#o t&m nada de imediatoB s#o sempre construídas pela sociedade. 6 projeto depsicologia sNinneriano pode ser, ent#o, caracterizado como o do reconhecimento e crítica da no'#o dee peri&ncia imediata a partir de um ponto de vista social. clara aí a inten'#o de desiludir- aquilo queaparentemente mais nos pertence n#o é nosso, mas é apenas um produto social.

0 inten'#o desilusora dos valores humanistas modernos na o!ra de +Ninner é e plicitada por ele próprio,aliás, em seu livro 6 mito da li%erdade)%ele, a cren'a de que nossas a'*es s#o causadas pelo "eu" ou t&mmotivos internos é denunciada como a Cltima das supersti'*es. 6 homem antigo acreditava que osfenHmenos naturais eram causados pela inten'#o de seres superiores, os deuses. 6 avan'o da o!serva'#oso!re a regularidade das leis da natureza teria feito recuar cada vez mais esse modo antropomórfico decompreens#o do mundo- onde a ci&ncia chega, a cren'a em que uma consci&ncia teria causadointencionalmente os fenHmenos vai desaparecendo, a religi#o recua.

0 2odernidade teria aca!ado com quase todas as formas de cren'a dessa natureza, tendo restado apenasa cren'a numa Cltima alma- a nossa. 0 cren'a de que nossa consci&ncia é a causa determinante de nossasa'*es deveria ser tratada como um Cltimo preconceito ou ignor$ncia. 0 simples e ist&ncia de uma alma;menteA independente do corpo ou do am!iente já n#o faria qualquer sentido. 0ssim, a no'#o moderna de

sujeito, que tra!alhamos nos capítulos anteriores, como aquilo que "su!jaz" a tudo e é livre para determinar seu destino cai totalmente por terra com +Ninner.

A PSICOLOGIA COGNITI ISTA DE PIAGET E A PSICAN7LISE 9 EUDIANAutra proposta de psicologia científica foi desenvolvida pelo psicólogo suí'o 1. /iaget ;<?>U<>?6A. 0o ladodessa proposta, com um desenvolvimento totalmente independente, com outros pontos de partida e outrasfinalidades, encontramos a psicanálise conce!ida e desenvolvida por +. Greud ;<?@U <>M>A.

6 que une esses dois autores é apenas mas isso n#o é pouco a perspectiva de estudar a g&nese dosujeito, levando em considera'#o sua e peri&ncia imediata, mas n#o se restringindo a essa e peri&ncia na!usca de compreens*es e e plica'*es mais profundas. )sto poderia apro imá los de +Ninner. %o entanto háuma diferen'a decisiva. 0 crítica de +Ninner 9 e peri&ncia imediata, su!jetiva e individualizada conclui pelaWcoloniza'#o social do íntimo". 0 vida privada continua e istindo, só que ela só é privada na apar&ncia. De

fato, ela é de "ca!o a ra!o" social . 6 indivíduo n#o é nada, a sociedade é tudo. E plica se, por e emplo, anossa consci&ncia de sermos seres livres e responsáveis, mostrando e atamente que n#o somos nem umacoisa nem outra.

/iaget e Greud fazem o caminho inverso- do ser !iológico ao ser moral. 0m!os partem em suas teoriza'*esde certos pressupostos !iológicos, mas em nenhum dos casos a e peri&ncia imediata dos sujeitos s#oreduzidos a seus condicionantes naturais. %essa medida, am!os retomam, com todas as dificuldadessa!idas, o projeto de Vundt que n#o renunciava nem 9s determina'*es !iológicas nem 9s determina'*essocioculturais na delimita'#o do campo de estudos da psicologia. %a verdade, os caminhos desses doisautores s#o !em distintos.

/iaget, e !iólogo, estuda o desenvolvimento das fun'*es cognitivas ;da intelig&nciaA e da moralidade ;dacapacidade de julgar e comportar se moralmenteA pelo chamado "método clínico". Ele o!serva o

comportamento de crian'as e pede a elas que descrevam o que est#o fazendoB pede, tam!ém, que justifiquem o que e como est#o fazendo, prop*e a elas algumas tarefas para desenvolverem, sempre aso!servando e conversando com elas.

Se+ o,-etivo 5 antes *e t+*o5 tentar enten*er a e(peri)ncia ime*iata *as crian/as5 como e0asvivem 5 perce,em e pensam so,re o m+n*oF Com ,ase nisto5 e0e proc+ra constr+ir +ma teoria +ee(p0i +e essas e(peri)ncias e por +e5 ao 0on1o *o crescimento5 as e(peri)ncias *a crian/a vãom+*an*o e e0a vai viven*o o m+n*o *e 3orma ca*a ve. mais comp0e(a e a*aptativaF

Greud, como /iaget, veio da !iologia, mas, depois de a!andonar o la!oratório de fisiologia, cria e se dedica9 clínica psicanalítica. :omo é sa!ido, Greud teve sua forma'#o em neurologia. 0o rece!er em sua clínicacertos pacientes denominados histéricos com sintomas de paralisias e anestesias localizadas, ele sedefrontou com a falta de instrumental neurológico para responder ao sofrimento deles. +eus mestres n#o

reconheciam a e ist&ncia de uma doen'a nesses pacientes, na medida em que n#o podiam identificar nelesles*es org$nicas se n#o havia les#o, n#o poderia haver doen'a. 0lém do que, esses pacientes eramaltamente dramáticos e as paralisias de que reclamavam n#o correspondiam ao mapeamento nervoso ou

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muscular do corpo, o que fazia com que os médicos simplesmente n#o reconhecessem como legítimo seusofrimento.

3endo que lidar com o sofrimento desses pacientes, Greud n#o pHde se contentar com a atitude de seuscolegas médicos e chegou 9 compreens#o de que a "les#o" de que se tratava na histeria n#o incidia so!reum nervo, mas so!re a idéia relativa 9 determinada parte do corpo. Greud articula um evento corporal umaconvers#o histérica ao universo representativo da pessoa. %um certo sentido, ele atravessa a distin'#osimples e clássica entre mente e corpo.

0 história que se seguiu é e tensa e a retomamos apenas em linhas gerais. s sintomas histéricospassaram a ser tomados como resultado de uma din$mica psíquica composta por- conflito, repress#o eretorno do reprimido. Determinados conflitos entre tend&ncias contraditórias geram um tal sofrimento, quese toma impossível suportá losB como defesa contra esse sofrimento, há ent#o a ini!i'#o de uma dastend&ncias, a repress#o da representa'#o ;ou de um conjunto delasA cuja consci&ncia gera dor. Essae clus#o do campo da consci&ncia de fato evita a dor imediata, mas a representa'#o e cluída persisteinconscientemente no psiquismo, agora fora do controle do eu. %a medida em que ela é real e significativa,aca!ará por se manifestar 9 revelia do "eu". :omo resultado de um em!ate entre representa'#oinconsciente e defesa, e por uma série de compromissos, dá se o retomo sim!ólico do reprimido comosintoma, sonho, ato falho, etc. Essas forma'*es do inconsciente t&m necessariamente a característica dadeforma'#o, para que a consci&ncia n#o reconhe'a o desejo em quest#o. 6 termo sintoma talvez possa ser utilizado genericamente para todos estes produtos, na medida em que ele e pressa a idéia de que o sentido

daquilo que se trata está oculto- dizer que algo é sintoma é dizer que seu sentido n#o reside em si, mas elerepresenta outra coisa, esta, invisível diretamente.

Greud define o inconsciente como o o!jeto da psicanálise, o que seria um contra senso do ponto de vistapositivista- o inconsciente por defini'#o n#o é um fenHmeno positivo no sentido de que "dado diretamente 9o!serva'#o". %este ponto em que se coloca o impedimento para que a psicanálise seja reconhecida comouma ci&ncia nos moldes positivistas, reside provavelmente o que a psicanálise tem de mais particular entreas teorias psicológicas.

0 concep'#o do inconsciente poderia ser tomada simplesmente num referencial rom$ntico do século ()(,como uma psicologia das profundidades, como o próprio Greud por vezes enuncia. 2as a concep'#o de quea su!jetividade humana é cindida e incompleta, de que o "eu" n#o é a totalidade nem o centro do psiquismopode ser original, so!retudo porque a idéia de que o "eu" n#o é o centro n#o é su!stituída pela cren'a de

que "outra coisa" seja o centro. Em Greud n#o há lugar para se pensar num self, num "eu" verdadeiro ounuma natureza íntima. %#o há um centro do inconsciente. /oderíamos entender a psicanálise como umateoria racionalista que, no entanto, se defronta com os limites do representável.

Ietomando a quest#o da clínica, Greud entra em contato com as e peri&ncias su!jetivas altamenteindividualizadas de inCmeros pacientes que chegam quei ando se de sofrimentos os mais estranhos. /ois!em, Greud os ouve, tenta compreender o que dizem, mas vai aos poucos desco!rindo que as palavras eos sintomas de seus pacientes t&m um significado que os próprios doentes n#o conhecem. Greud tenta,ent#o, desenvolver uma técnica de interpreta'#o desse sentido oculto. /ede aos pacientes que lhe contemtudo sem censura alguma, tudo que lhes venha 9 ca!e'a. uando eles come'am a falar sem receio e semtentar ela!orar um discurso lógico, come'am a despontar os sentidos ocultos. 2as Greud n#o se contentaem compreender a e peri&ncia imediata do paciente melhor do que ele próprio a compreendia, e isto jáseria muito importante em termos científicosB já seria uma forma de transcender a e peri&ncia imediata.

Greud, porém, quer e plicar essa e peri&ncia e, para tanto, precisa desenvolver uma teoria da psique e dodesenvolvimento psicológico. :omo essa teoria vai além do "psicológico" e do "vivido", essa parte de suao!ra foi denominada "metapsicologia" .meta quer dizer "além dePA.

%as o!ras de /iaget e principalmente nas de Greud e seus seguidores ;e em algumas outras linhas queficaram de fora dessa !reve introdu'#o, como, por e emplo, a psicologia analítica de 1ung e a psicologiafenomenológica e istencialA, vemos que se a psicologia pode partir da e peri&ncia imediata, deve seesfor'ar para n#o se restringir a ela ;sem negá laA, de forma a ser capaz de compreende la eZou e plicá la.%esses projetos é possível reconhecer a import$ncia da "viv&ncia", da e peri&ncia tal como o sujeito a teme, ao mesmo tempo, a import$ncia de se tentar fugir ao fascínio dessa e peri&ncia, que em grande medidaé ilusória- se há um sentido que ultrapassa o sentido aparente e se há necessidade de uma compreens#oprofunda para a e peri&ncia imediata, é porque nós n#o somos para nós mesmos facilmentecompreensíveis, nem sa!emos ao certo como somos, por que somos e por que agimos de uma ou de outra

maneira. ra, isto reflete muito !em a nossa condi'#o e istencial- temos uma clara no'#o, vivemosintensamente e atri!uímos um alto valor 9 nossa e peri&ncia da su!jetividade privatizada e, ao mesmotempo, sentimos que nossa su!jetividade e nossa individualidade est#o amea'adas.

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Enfim- a psicologia está hoje, como desde o início, dividida entre diferentes linhas de pensamento, dasquais revimos algumas das mais importantes. 6 que gostaríamos que ficasse claro para o leitor é que essasdivis*es n#o s#o casuais nem se deve esperar que sejam !revemente superadas. 0 psicologia tornou sepossível, como ci&ncia independente, no !ojo de uma crise. +eu o!jeto, a e peri&ncia su!jetiva dosindivíduos, só pode ser tratado cientificamente se for de alguma forma superado, isto é, a psicologia estásempre sendo tentada a ir além da e peri&ncia imediata para compreend& la e para e plicá la e, nesseesfor'o, é natural que ela se apro ime de outras áreas do sa!er, como a Qiologia e a +ociologia. uando,contudo, a psicologia leva 9s Cltimas conseqü&ncias essas tend&ncias, ela pode simplesmente dei ar de ser

psicologia. +eria, ent#o, novamente o caso de perguntar- há lugar para uma psicologia científica comoci&ncia independente entre as demais ci&ncias7

A PSICOLOGIA COMO P O9ISS>O E COMO CULTU A

% psic40o1o; 3+n/2es e mitos

0 profiss#o de psicólogo esteve inicialmente ligada aos pro!lemas de educa'#o e tra!alho.

6 psicólogo "aplicava testes"- para selecionar o "funcionário certo" para o "lugar certo", para classificar oescolar numa turma que lhe fosse adequada, para treinar o operário, para programar a aprendizagem, etc.3odas essas fun'*es ainda s#o importantes na defini'#o da identidade profissional do psicólogo e mostramclaramente como até hoje a vincula'#o das psicologias 9s demandas do Iegime Disciplinar s#o

importantes.2as hoje, quando se fala em psicólogo, o leigo logo pensa no psicólogo clínico, e quem se decide a estudar psicologia quase sempre é com a inten'#o de se tornar um clínico. Em!ora durante muitos anos essaespecializa'#o nem e istisse legalmente, atualmente é a principal identidade do psicólogo aplicado.Enquanto o psicólogo do tra!alho ou das organiza'*es serve 9 indCstria ou a qualquer outra institui'#o,procurando torná la mais eficiente, e, enquanto o psicólogo escolar serve ao sistema educacional,procurando torná lo, tam!ém, mais eficaz, o psicólogo clínico costuma estar a servi'o do indivíduo ou depequenos grupos de indivíduos.

/arece realmente que é a crise da su!jetividade privatizada que incrementa a procura pelos servi'os dapsicologia clínica e faz com que o psicólogo clínico aca!e se tornando uma figura quase popular entrecertas camadas da popula'#o.

6 psicólogo aparece para muita gente como uma espécie de adivinho e de !ru o, que desco!rerapidamente quem somos e produz mudan'as mágicas no nosso jeito de ser. !om que todos sai!am dasdificuldades que tem o psicólogo para entender a sua própria ci&ncia e a sua própria pessoa. 0í, talvez,esperem menos dele...

0lguns psicólogos clínicos, principalmente alguns psicanalistas menos sérios, viraram conselheirossentimentais e modelos de comportamento charmoso. 0parentemente, nada disso teria a ver com apsicologia como ci&ncia. %o entanto, além de sua pretens#o 9 cientificidade, a psicologia é, tam!ém, umingrediente da nossa cultura. )sto quer dizer que é cada vez mais freqüente que as teorias psicológicas sepopularizem e sejam assimiladas pelo linguajar popular e que as pessoas cada vez mais pensem acerca desi e dos outros com termos emprestados das escolas psicológicas.

0o serem incorporadas 9 vida quotidiana de algumas camadas da popula'#o, "as psicologias" convertem sequase sempre numa vis#o de mundo altamente su!jetivista e individualista. :om isso, queremos dizer quemesmo as teorias psicológicas que n#o se restringem 9 e peri&ncia imediata da su!jetividadeindividualizada, como a psicanálise, ao ser assimilada pela sociedade, tem se tomado uma forma de manter a ilus#o da li!erdade e da singularidade de cada um, em vez de compreender e e plicar o que há de ilusórionessas idéias. assim que a psicologiza'#o da vida quotidiana tem nos levado a pensar o mundo social e anós mesmos a partir de uma vis#o !em pouco crítica.

0 psicologia popularizada tem servido para sustentar a palavra de ordem "cada um na sua, pensando osseus pro!lemas e defendendo os seus interesses e a sua felicidade".

:ertamente a tend&ncia que tem mais crescido e aumentado seu mercado recentemente é a das "terapiasde auto ajuda". %uma mistura de concep'*es do senso comum ou !aseadas em teorias psicológicas, em

pressupostos humanistas so!re a li!erdade do homem e num estilo de administra'#o empresarialnitidamente comportamentalista, esse discurso ;que soa como o de um pastor protestante americano, e istoé mais do que uma coincid&nciaA prega um parado al refor'amento do "eu" com sua su!miss#o a umconjunto de regras de gerenciamento da própria vida.

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)sso poderia ser designado como hiper individualismo, e cultivá lo é e atamente o contrário do quepoderíamos esperar de qualquer psicologia científica. Essa afirmativa n#o parte de uma postura moral dotipo "n#o é direito pensarmos em nós como se fHssemos o centro do Fniverso". 6 pro!lema é que de faton#o somos, e a tarefa da ci&ncia moderna tem sido sempre a de nos recordar que o +ol n#o gira em tornoda 3erra. Em!ora pare'a.

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