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Pedagogia Griô: relato de prática fundante na educação das relações étnico- raciais em Porto Alegre *Vanderlei de Paula Gomes * Vanderlei de Paula Gomes, (Vander de Paula) Griô Aprendiz formado pela Pedagogia Griô de Lençóis-BA, graduado em Pedagogia da Arte, Teatro Licenciatura, pela UERGS, especialista em Supervisão Escolar pela UBM, percussionista, com atuação nacional e internacional. Há três anos Coor- denador de Educação das Relações Étnico-Raciais da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Filho de Ogum com Iansã. Coordenador de projeto comunitário Nação Periférica e Comunidar-te, percussão e maracatu, respectivamente. Estudioso de saberes tradicionais de tradição oral, para projeto de vida de Mestre Griô. O trabalho de educação das Relações Étnico -Raciais da rede pública muni- cipal de ensino de Porto Alegre objetiva efetivar a aplicação dos artigos 26A e 79B, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (alterados pelas leis 10639/03 e 11645/08) bem como o parecer 003/04 do CNE, juntamente com a viabi- O artigo expõe procedimentos da Pedagogia Griô como elementos importantes para a inclusão de vivências na formação continuada de professores da rede municipal de ensino de Porto Alegre, quan- to prerrogativas da lei 10639/03, substituída pela lei 11645/08. As condições iguais e as potenciais vantagens dos procedimentos didático-pedagógicos da Pedagogia Griô, diante de epistemologias dos cur- sos acadêmicos, evidenciam valores epistêmicos dos saberes e conhecimentos de Mestres e Mestras Griôs, os quais melhoram as relações humanas, agregando respeito à diversidade étnico-racial e cultural de cada uma das regiões nas quais estão instaladas as escolas públicas. Palavras-Chave: Pedagogia Griô, epistemologia, diversidade

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Pedagogia Griô: relato de prática

fundante na educação das

relações étnico-raciais em Porto

Alegre

*Vanderlei de Paula Gomes

* Vanderlei de Paula Gomes, (Vander de Paula) Griô Aprendiz formado pela Pedagogia Griô de Lençóis-BA, graduado em Pedagogia da Arte, Teatro Licenciatura, pela UERGS, especialista em Supervisão Escolar pela UBM, percussionista, com atuação nacional e internacional. Há três anos Coor-denador de Educação das Relações Étnico-Raciais da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Filho de Ogum com Iansã. Coordenador de projeto comunitário Nação Periférica e Comunidar-te, percussão e maracatu, respectivamente. Estudioso de saberes tradicionais de tradição oral, para projeto de vida de Mestre Griô.

O trabalho de

educação das

Relações Étnico

-Raciais da rede

pública muni-

cipal de ensino de Porto Alegre

objetiva efetivar a aplicação

dos artigos 26A e 79B, da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação

Nacional – LDBEN (alterados

pelas leis 10639/03 e 11645/08)

bem como o parecer 003/04 do

CNE, juntamente com a viabi-

O artigo expõe procedimentos da Pedagogia Griô como elementos importantes para a inclusão de vivências na formação continuada de professores da rede municipal de ensino de Porto Alegre, quan-to prerrogativas da lei 10639/03, substituída pela lei 11645/08. As condições iguais e as potenciais vantagens dos procedimentos didático-pedagógicos da Pedagogia Griô, diante de epistemologias dos cur-sos acadêmicos, evidenciam valores epistêmicos dos saberes e conhecimentos de Mestres e Mestras Griôs, os quais melhoram as relações humanas, agregando respeito à diversidade étnico-racial e cultural de cada uma das regiões nas quais estão instaladas as escolas públicas. Palavras-Chave: Pedagogia Griô, epistemologia, diversidade

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lização objetiva do Plano Nacional de Implementação

das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História Afro

-brasileira e Africana e, finalmente, alcançar o efetivo

cumprimento do parecer 297/2009 do Conselho Esta-

dual de Educação que institui normas complementares

às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e

Cultura Afro-Brasileira e Africana e trata da obrigatorie-

dade da inclusão do estudo da história e cultura indíge-

na, nos currículos escolares das instituições de ensino,

integrantes do Sistema Estadual de Ensino.1

A ação de Assessoria Pedagógica proposta, consiste

em realizações de formação diretamente com o as-

sessor e na criação, articulada com professores(as) da

RME, Universidades, organismos governamentais e não

governamentais, agentes do movimento social e cultural

da cidade, de espaços de formação continuada para o

corpo docente da RME, na perspectiva de acrescer, junto

ao conceito de educação integral da Secretaria Muni-

cipal de Educação de Porto Alegre, princípios metodo-

lógicos de ação didática, que tenham foco a busca de

1 Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada, alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica.

uma educação para a diversidade racial, multicultural e

pluriétnica, em todos os níveis e modalidades de en-

sino das comunidades escolares municipais, os quais

possam viabilizar experiências educativas de divulgação

e promoção de costumes, saberes, conhecimentos e

atitudes, de maneira equânime de todas as especificida-

des das culturas e etnias de Porto Alegre, nos ambientes

escolares de ensino.

A articulação dos serviços de Formação Continuada

da Assessoria de Educação das Relações Étnico-Raciais,

ocorre tanto à RME quanto para entidades educativas

conveniadas, no que se refere elucidação dos conceitos,

posturas, saberes e conhecimentos da Educação das Re-

lações Étnico-Raciais para educadores sociais e profis-

sionais da educação, funcionários estatutários do qua-

dro de professores e professoras da Rede Municipal de

Ensino de Porto Alegre. A principal metodologia utiliza-

da no trabalho da Assessoria de Educação das Relações

Étnico-Raciais de Porto Alegre é a Pedagogia Griô, como

reinvenção das infinitas possibilidades de construção de

vínculos afetivos entre professores, professoras, estu-

dantes e comunidade em geral nas escolas municipais.

Os fundamentos da ação da Assessoria de Educação das

Relações Étnico-Raciais, tem origem na formação de seu

coordenador Vanderlei de P. Gomes, professor de Teatro

(Graduado na UERGS - Pedagogia da Arte, qualificação

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em Teatro Licenciatura), músico e Griô Aprendiz forma-

do na Pedagogia Griô. Sendo assim, as proposições da

Assessoria de Educação das Relações Étnico-Raciais são

produtos de uma caminhada pessoal que, não fosse a

existência de mestres e mestras de saberes populares

de tradição oral, os Griôs das várias regiões de nosso

país, não teria sua viabilidade encantadora de resistên-

cia cultural, utilizando-se, em função disso, os elemen-

tos que constituem a Pedagogia Griô, que absorve e so-

cializa conhecimentos e práticas dos saberes populares

de tradição oral, nas práticas de formação continuada

dessa Assessoria.

É dessa forma que fica evidente os fundamentos que

embasam a atuação da Assessoria de Educação das Re-

lações Étnico-Raciais, advindos dos princípios identifi-

cados em práticas dos programas pedagógicos de Vanda

Machado, baiana, doutora em educação que, inclusive,

foi uma das assessoras pedagógicas da Ação Griô Nacio-

nal, Líllian Pacheco e Márcio Caires, educadores criado-

res e coordenadores da Ação Griô Nacional, do Ponto de

Cultura Grãos de Luz e Griô e da Pedagogia Griô e, além

de interações com outros Pontos de Culturas e Organi-

zações, tais como: Nina Griô, de Campinas (SP), Bola de

Meia, de São José (SP) e, principalmente, Griôs, Mestres

e Mestras Griôs, os mestres e mestras de saberes po-

pulares de tradição oral do Rio Grande do Sul e do país.

Pessoas como D. Andila Kaingang (professora e pedago-

ga da comunidade Kaingang de Ronda Alta-RS), mestres

e mestras de Porto Alegre, como o Mestre Renato Beabá

de Angola, Mestra D. Elaine (comunidade Mocambo),

professora D. Franquilina, Mestre Chico, Mestra Iara e

Paulo Romeu (Odomodê), Professor Pernambuco, Pingo

(filho do Mestre Borel), Zezão da Terreira, Mestre Guto

Africanamente (capoeira), Baba Diba de Iemonjá, Nina

Fola, Jessé (Grupo Caixa Preta), Dra. Rosa Rosado M’Byá,

Vherá Poty (Cacique M’Byá Guarani) e Grupo de Ação

Afirmativa Afrodescendente e seu núcleo de ação cultu-

ral e cinematográfica.

Dentro da demanda atual do cotidiano das escolas

municipais a Educação das Relações Étnico-Raciais é

um fator que vem consolidando-se como ferramenta

importante nas questões que se referem à afirmação

positiva das relações humanas contidas nos encontros

dos processos de ensino-aprendizagem. Essas relações

são previamente definidas em projetos apresentados ao

setor pedagógico da mantenedora, cujas características

fundamentais referem-se aos assuntos de ordem cul-

tural, ambiental e étnica, que definem posturas à cria-

ção de espaços de convivências, divulgação, promoção

e garantia de direitos e deveres ligados à diversidade

racial, multicultural é pluriétnica das crianças e jovens

recebidos, principalmente, nos ambientes formais de

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ensino e educação. Nesse sentido, temos a Educação das

Relações Étnico-Raciais focada na prática de criação de

bons encontros da Pedagogia Griô, atuante no sentido

de fomentar o surgimento de experiências “reflexivas”

que a escola deve propiciar aos seus alunos, para que

seus ambientes possam voltar a fazer parte de ações

que marquem positivamente a vida dos e das estudan-

tes da Rede Municipal de Ensino.

O tratamento com os professores da rede, feito pela

Assessoria de Educação das Relações Étnico-Raciais, vai

desde o contato direto com os professores-referências

nos encontros de Formação Continuada de cada escola

até o acompanhamento das ações de professores-agen-

tes sociais proponentes (PAS), como são denominados

nessa assessoria. Os PAS são os elementos fundado-

res de instrumentos de uma ação pedagógica geradora

da diminuição das tensões entre a escola normal, em

relação ao que a escola integral vem inovando e pro-

pondo às comunidades escolares. A partir do estudo e

convivência coletiva com a realidade étnico-cultural dos

alunos e alunas, os projetos, elaborados por professo-

res e agentes comunitários, artistas, ONGs e alunos, são

apresentados para serem analisados pelo pedagógico

da SMED (Secretaria Municipal de Educação) de Porto

Alegre e instalados dentro da dinâmica estrutural do

conceito de Educação Integral da Rede Municipal de

Ensino2, através de um programa denominado Cidade

Escola, que garante horas a educadores sociais e profes-

sores da rede para trabalhos em temáticas específicas,

durante todo o ano em turno e contra turno. É nesse

ínterim que age a Pedagogia Griô, focada em projetos

propostos que têm como proposição fundante assuntos

ligados à Educação das Relações Étnico-Raciais, ambien-

tais e de expressão artística.

A operacionalidade da ação proposta nos projetos

apresentados, gera os encaminhamentos que vão sen-

do estruturados no ambiente formal de ensino, com

horários específicos a sua aplicabilidade. O projeto e

a ação resultam em uma catalização, no ambiente das

escolas, de valores culturais das etnias que compõem a

diversidade cultural da comunidade escolar, através de

suas provocações a alunos, professores, funcionários e

comunidade em geral. Assim, com a ajuda da Assessoria

de Educação das Relações Étnico-Raciais, vão estrutu-

rando-se redes de colaboração entre a escola e os agen-

tes comunitários que as cercam: pais, mães, responsá-

veis, ONGs, associações, clubes, igrejas, casas de religião

2 Articulada pelo Programa Cidade Escola da Secretaria Municipal de Edu-cação de Porto Alegre e na condição de instrumento de política pública, a educação integral atende três vertentes: a ampliação do turno escolar, a complementação do currículo de atividades no “contraturno” e a sustenta-ção financeira de resgate do currículo em jornada integral.( http://www2.portoalegre.rs.gov.br/)

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de matriz africana, terreiros e comunidades de terreiros,

grupos culturais, artistas, comunidades de quilombos

urbanos, religiosos em geral, entre outros organismos

sociais e culturais. Os espaços de projetos de Educação

das Relações Étnico-Raciais, dentro do Programa Cidade

Escola, constituem-se em um dos ambientes principais

à consolicação da abertura diferenciada e qualitativa

dos portões das escolas municipais à efetiva construção

do encontro entre os saberes da escola e os saberes da

localidade na qual ela está instalada.

Pedagogia Griô como instrumento da formação continuada de professores

Algumas escolas começam a propor uma prática de

ensino onde experiências reais, com fins em si mes-

mas, e não apenas “preparatórias”, onde relações inter-

pessoais, baseadas no respeito mútuo, se estabelecem

em diversos níveis e onde os aprendizados científicos

e para as vidas públicas e privadas acontecem de ma-

neira integrada (Dewey, 1990). É nesse contexto que a

Pedagogia Griô surge como uma ferramenta fundamen-

tal utilizada pela Assessoria de Educação das Relações

Étnico-Raciais.

Essa nova dinâmica do cotidiano escolar, leva em

consideração aspectos que são estruturados, a partir de

realidades conflitantes dos modos de ser e fazer, nele

encontrados. A Pedagogia Griô situa-se nas escolhas

emblemáticas entre os professores, com suas forma-

ções culturais pessoais, juntamente com as ações de

realizações de experimentações efetivas, advindas da

formação cultural de cada aluno participante dos proje-

tos, que trazem novos e diferentes personagens, cores e

linguagens ao ambiente formal de educação, tais como:

Mestres e Mestras Griôs de várias regiões da cidade

e projetos sociais relacionados a grupos religiosos de

matriz africana, povos indígenas (trazidos e visitados),

ciganos, descendentes de italianos, judeus e alemães,

capoeiristas, tamboreiros, dançarinos, bailarinas, além

de grupos de teatro e estudantes universitários.

E nesse ambiente, que se cria e vai expondo, nas

paredes das escolas, emblemas simbólicos da existên-

cia de patrimônios materiais e imateriais dos povos e

etnias que constituem a população da cidade de Porto

Alegre. Criam-se diversas possibilidades de trocas no

exercício prático do respeito à diferença, na convivência

diária: ações de combate ao racismo, sexismo, machis-

mo e homofobias, por meio da comunicação, exposição

e promoção de experiências, que consolidam dentro

daquilo que vem sendo denominado Educação Integral

em Porto Alegre. È a Pedagogia Griô pedindo passagem e

integrando as várias identidades coletivas e suas iden-

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tidades individuais, dos grupos agremiados em cada

bairro, vila, comunidade, nas quais estão instaladas as

escolas Municipais.

As ferramentas evidentes da Pedagogia Griô são as

que explicitamente provocam reverberações nas rela-

ções interpessoais dos entes aprendentes que parti-

cipam dos projetos aprovados pelo programa Cidade

Escola e executados durante o ano letivo em sua maio-

ria nas relações extraclasse do ambiente escolar. São

proposições ligadas às rodas de conversas “informais”,

estruturação de grupos de teatro que tenham assun-

tos temáticos ligados à questões ambientais e com-

portamentais, além das proposições que já trazem em

seu bojo a participação de Mestres e Mestras Griôs de

ofícios e folguedos específicos, tais como os mestres

confeccionadores de tambores, capoeiristas, contadoras

de história, coletivos de griozinhos (crianças contadoras

de história), Mestras Griôs de customização, projetos

focados nas danças folclóricas locais e do país, coletivos

articuladores da oralidade via equipamentos de novas

tecnologias, além de uma infinidade de outras ativida-

des ligadas a territórios indígenas visitados e trazidos

aos ambientes escolares, territórios negros da cidade,

que são estudados in loco, com programas de coletas de

imagem desenhada, grafitada ou fotografada.

Relato sobre a mudança de abordagem da forma-ção continuada

A Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre é, pro-

vavelmente, uma das redes de capitais de Estado cuja

formação acadêmica, dos professores atuantes em sala

de aula, atinge um alto nível. De um total aproximado

de 4.300 professores, distribuídos em 96, 83,2% dos pro-

fissionais são graduados, dos quais 39,9% são mestres e

doutores que atuam em sala de aula e outra parte são

todos especialistas.

Essa ilustração de observações numéricas sobre a for-

mação dos profissionais de educação atuantes em sala

de aula, fornecidas pelo SIE/SMED Porto Alegre (Sistema

de Informações e Estatísticas) serve para que possamos

afirmar o quanto ainda se enfrenta resistências, dentro

do trabalho com a Pedagogia Griô, que é realizado pela

Assessoria de Educação das Relações Étnico-Raciais, na

rede de ensino municipal. As formações precisam ser

bem fundamentadas dentro dos aspectos teóricos e a

reflexão realizada, por coordenadores anteriores des-

sa Assessoria de Educação das Relações Étnico-Raciais,

colocava a condição da discussão teórica antecipada

à fruição vivencial, o que foi invertido na postura das

ações do novo Assessor de Educação das Relações

Étnico-Raciais, uma vez que a formação acadêmica e

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cultural desse funcionário é permeada por elementos

da educação, pertencentes, ao campo das artes do corpo

e da vivência presencial, antecipada à fundamentação

teórica, aprendizado que é reforçado pelas proposições

ou modos de vida dos Mestres e Mestras Griôs.

A metodologia dos encontros de formação conti-

nuada, reintroduzida a partir do ano de 2012, pela nova

composição da Assessoria de Educação das Relações

Étnico-Raciais, aproximou-se muito da ação didático-pe-

dagógica de oficineiros e educadores sociais (em sua

grande maioria não graduados) já atuantes dentro dos

ambientes formais das unidades de ensino da rede, que

geralmente não são incluídos com boa consideração nos

planejamentos pedagógicos, realizados pelos serviços de

orientação e supervisão “oficiais” das unidades de ensino.

As ações vivenciais nos encontros dos professores e

professoras, passou a exigir, previamente, os seguintes

requisistos para sua realização: roupa adequada para

participação, um mínimo de três horas para sua efeti-

vação, um espaço físico em que se possa fazer rodas

e danças, um equipamento de som, datashow, entre

outros materiais necessários à confecção de instrumen-

tos didático-pedagógicos, além da abertura do convite à

participação de outros agentes, que não apenas profes-

sores e professoras, profissionais de sala de aula.

Nos encontros de formação continuada, com a

Assessoria de Educação das Relações Étnico-Raciais, a

prioridade foi dada ao processo do encontro mais hu-

manizado em busca de saber que professor é esse, bem

graduado, que atua em comunidades escolares tem,

muitas vezes, a maioria de sua clientela com formação

cultural, extremamente, distinta da sua. A ação de for-

mação continuada se antecipa à observação do elemen-

to teórico, então fundante da relação ensino-aprendiza-

gem e vai ao encontro de envolver afetivamente, através

da história de vida de cada professor, suas memórias

físicas e emocionais, para depois avançar às funda-

mentações mais teóricas e experiências das formações

acadêmicas de cada professor, aliadas ao nível de expe-

rimentações ligadas ao tempo de cada professor na rede

de ensino municipal, respeitando-se os mais velhos

educadores e educadoras dessa caminhada de formação

continuada no campo institucional da educação.

No contexto acima ilustrado, enviamos, previamente

para cada escola materiais (textos, vídeos e referên-

cias bibliográficas) sobre os fundamentos da Pedagogia

Griô, que mostram (visibilizando e valorizando) desde

os mestres da Rede Ação Griô Nacional em conceitos in-

seridos pela Dra. Líllian Pacheco e Márcio Caires, até os

fundamentos de Griôs da história do país, como Abdias

do Nascimento e tantos outros, do Estado do Rio Gran-

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de do Sul, de Porto Alegre. Quando o Assessor Peda-

gógico de Educação das Relações Étnico-Raciais chega

na escola para trabalhar com o grupo de professores e

professoras, alguns já tem noções sobre os fundamen-

tos da Pedagogia Griô, então parte-se para a vivência

mais integral de corpo e pensamento, o que surpreende

grande maioria de participantes. A metodologia é guiada

pelos valores civilizatórios afro-brasileiros e indígenas:

corporeidade, oralidade, axé, ludicidade, circularidade,

ancestralidade, religiosidade, territorialidade, musicali-

dade, cooperativismo, comunitarismo e memória.

O encontro visa construir uma “aura” de alegria, leve-

za, abertura e cumplicidade entre o grupo que está na

formação para possibilitar um momento de se conhe-

cerem sem a mediação da excessiva verbalização esté-

ril. Os colegas são colocados em círculo e começamos

um conjunto de ações com os pedidos de respeito aos

nossos ancestrais aos mais velhos presentes, avança-

mos para cantorias e, logo após, o grupo de participan-

tes é introduzido em um conjunto de jogos do teatro

do oprimido, para desestruturação dos gestos e com-

portamentos condicionados, abertura para o momento

criativo e de alto potencial de crítica que vamos fazer

em nossa abordagem teórica, em relação à escola onde

atuamos na qual percebemos o quanto estamos vicia-

dos e mergulhados, reforçando velhos preconceitos ra-

cistas, homofóbicos, de gênero e sexualidade, com nos-

sas posturas etnocêntricas e obtusas quanto ao que se

refere às diversidades existentes, diariamente, na pró-

pria escola onde os professores e professoras atuam.

No meio da vivência, retomamos cantorias e danças e

ao final ainda construímos jogos lúdicos nos quais as

pessoas (professores e professoras presentes) deixam

transparecer crianças envolvidas por um corpo adulto

que tornou-se sisudo e fechado a propostas vívidas que

permeiam o dia a dia de trabalho, que na maioria das

vezes, deixadas à margem, são consideradas não con-

dizentes com os objetivos e metas do ritual viciado das

rotinas do ano letivo e seus currículos escolares.

Durante a vivência são evidenciados os Valores Civi-

lizatórios Afro-Brasileiros e Indígenas, junto de cada um

dos exercícios. Os mais difíceis de serem compreendi-

dos são aqueles ligados aos ritos indígenas e de religio-

sidades de matriz africana ou afro-brasileiras, junto dos

quais identificamos muitas posturas, dos participantes

da formação continuada, relacionadas ao preconceito

quanto ao diferente, da cultura de outros povos, que

não os europeus. A última parte do encontro é uma

apresentação dos conceitos, de onde vêm, aliado aos

porquês que a escola precisa entender para abrir seus

portões aos saberes das ciências empíricas trazidos por

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Mestres e Mestras Griôs de saberes populares de tradi-

ção oral de sua região, de sua cidade ou país.

A cada ano trabalhamos em número cada vez maior

de escolas com essa metodologia. O primeiro encontro é

o mais intenso, posteriormente retomamos relações com

professores em trabalhos de planejamentos de aborda-

gens, que são mais ligados ao que se chama de conteúdo

curricular, para que se possa envolver alunos, Mestres e

Mestras Griôs, estudiosos e, principalmente, crianças e

adolescentes na abordagem didático-pedagógica.

Esse ano introduzimos a formação com Pedagogia

Griô em 70 (setenta), das noventa e seis escolas da rede,

entretanto, ainda temos um problema quanto a conti-

nuidade de proposição posterior ao primeiro encontro

de formação continuada. Das 70 escolas apenas 42 estão

em um trabalho que exige um acompanhamento mais

continuado, após o primeiro encontro da Assessoria de

Educação das Relações Étnico-Raciais.

Com as ferramentas pedagógicas que constituem à

Pedagogia Griô, com seu jeito de penetrar na “dureza” e

rotina fria da escola formal, utilizando-se de muita frui-

ção artística, alegria, respeito, encantamento e carisma

inicia-se então, o alargamento de seu espaço de exercí-

cio de ensino, por esse motivo não é incomum notar-

mos que várias das produções que ocorrem em uma

ação do Cidade Escola3, com as temáticas da Educação

das Relações Étnico-Raciais de uma comunidade escolar

da Região Norte possa ser apresentada, por seu profes-

sor, ou agente cultural responsável, como boa prática

pedagógica, como vivência em uma Escola da Região Sul

e vice-versa.

O que devemos garantir, para além da aplicabilidade

das leis, é que o processo educacional, em sua lógica

mais integral, caracterizado pela interação entre ação,

interesse, compartilhamento e pensamento continue

se realizando da mesma forma e em condições ainda

melhores, pois os estudos da Educação das Relações

Étnico-Raciais, trazidos ao ambiente formal de educa-

ção apropriam-se, na sua maioria, de conteúdos pou-

co vivenciados dentro do ambiente escolar. Apesar da

escola ser laica, ainda enfrentamos muitas dificuldades

na compreensão do papel da mantenedora, na execução

de um serviço educativo com equidade e sem racismo,

principalmente, nos estudos que referem-se às temá-

ticas da mitologia africana e de povos indígenas, suas

ritualidades e religiões, sazonalidades e outras perspec-

tivas de cosmovisões de povos ciganos, negros, judeus,

indígenas e asiáticos.

3 Programa responsável pelo processo de instalação da educação integral em toda a rede de ensino de Porto Alegre, utilizando-se de envolvimento das horas de projetos que as escolas tenham em contraturno.

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A Educação das Relações Étnico-Raciais, com a Peda-

gogia Griô e dentro das novas dinâmicas propostas pelo

modelo de Educação Integral da Rede Municipal de En-

sino de Porto Alegre (RME-POA), acrescenta aos espaços

formais de educação das escolas da cidade novas cores,

novos sabores, novos jeitos de fazer e de saber, sobre

povos, nações e culturas não europeias, pois ainda te-

mos, na maioria das escolas do país, um olhar ainda ex-

cessivamente centrado na cultura dos povos europeus,

que acaba deixando à margem crianças, jovens e adoles-

centes que precisam conviver, na escola normal, com as

referências da cultura, seus saberes e conhecimentos,

de outros povos que também compõem a diversidade

cultural, multirracial e pluriétnica do povo brasileiro.

Fórum Ubuntu de prática pedagógicas em educa-ção das relações étnico-raciais

A ação mais ampla da Assessoria de Educação das

Relações Étnico-Raciais em sua meta de divulgação da

Pedagogia Griô, amplia-se em toda a rede de ensino

de Porto Alegre, tendo como meta principal o encanta-

mento e a sensibilização de professores a fim de que

os mesmos criem coragem de assumir novas posturas

e metodologias para suas práticas de ensino-aprendiza-

gem e possam entender a necessidade pessoal e profis-

sional de se reconectarem à vida de si e de seus pró-

prios alunos e alunas dentro dos ambientes escolares.

Nas escolas nas quais temos essa nova postura fica evi-

dente a real possibilidade da retomada de relações mais

humanizadas nos ambientes com o alcance da necessária

flexibilização das rotinas e burocracias da escola, o que

vem diminuindo drasticamente a violência existentes nas

relações interpessoais nos processos de ensino-aprendi-

zagem, reduzindo evasão e desistência escolares.

Para que se pudesse ter o efeito de como essa prática

existe e é intensa, com a utilização de várias metodologias

e diferentes epistemologias, que ainda não tinham sido

vistas sob a ótica da Pedagogia Griô, foi criado um espaço

ao final do ano letivo, que denominamos UBUNTU. Um

encontro realizado em dois dias, com inscrição prévia

de relatores e relatoras, para mostra e demonstração de

boas práticas realizadas durante o ano letivo nas escolas

da rede municipal de ensino. Nesse encontro, expõem

os trabalhos os professores e professoras e seus alunos,

ou outro colaborador, Mestre ou Mestra Griô, agente

cultural comunitário, artista da cidade, entre outros tan-

tos participantes que constaram na boa prática pedagó-

gica.

UBUNTU, definido como a filosofia de povos afri-

canos, trazida à luz da humanidade pelo Presidente

Nelson Mandela da Àfrica do Sul, refere-se ao fato da

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diminuição da ação do pronome pessoal de autoria in-

dividual em ações pedagógicas “EU”, e sua amplificação

para o pronome pessoal “NÓS”, traduzido no significado

maior da filosofia UBUNTU, nas frases proferidas por

Mandela “Eu sou, porque somos todos nós”, “Eu sou,

porque todos nós somos”.

O III Fórum Ubuntu de Práticas Pedagógicas da SMED

Porto Alegre, teve a participação de 43 escolas e 60 rela-

toras de práticas. Os relatores são professores e alunos

que expõem ou apresentam resultados práticos de con-

tação de história, teatro, música, painéis desenhados,

artefatos produzidos pelas escolas, esculturas, totens,

máscaras, tambores e instrumentos musicais diversos,

feitos com materiais recicláveis, grupos de vozes e rit-

mos corporais, desfiles de orixás, jogos indígenas e de

culturas de povos africanos, entre outras vivências pro-

postas nos ambientes escolares, como ferramentas pos-

síveis aos processos de instrução, maiores instrumentos

pedagógicos de geração de motivação aos encontros das

escolas com seus assistidos.

A Pedagogia Griô constitui-se em uma ferramenta

essencial à garantia de continuidade dos encontros de

formação e de assessoria entre professores e o Asses-

sor Pedagógico de Educação das Relações Étnico-Raciais

da SMED Porto Alegre, uma vez que ela evidencia, antes

de relações pragmáticas, que possibilitam o encontro

apenas no papel, a identificação da geografia dos corpos

atuantes na educação, sejam eles dos e das estudantes,

dos professores e professoras e dos corpos e saberes

de seus agentes locais. É prioridade a corporificação de

exemplos pela prática do respeito ao valor sagrado do

encontro que tem por base a troca de saberes e conhe-

cimentos entre as pessoas humanas, seja nos ambientes

da educação formal (escolas públicas), seja nos ambien-

tes da educação informal: associações de bairro, CTGs,

clubes, Escolas de Samba, terreiros, sedes e núcleos de

expressões artísticas, ateliês, entre outros espaços pos-

síveis que a escola atual começa a entender como ne-

cessários ao desvelamento de atitudes racistas, sexistas

e homofóbicas, em prol de uma vida mais integralizada

com elementos da natureza e do cosmos.

Referências bibliográficas

Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação

Básica. Secretaria de Educação Continuada, fabetiza-

ção, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação

Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da

Educação. Câmara Nacional de Educação Básica.

PACHECO, Líllian. Pedagogia Griô – A reinvenção da

Roda da Vida. Grão de Luz e Griôs, Lençóis/BA, 2006.

Page 12: 4. GOMES, Vanderlei de Paula. Pedagogia Griô_relato de prática

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Rela

to d

e pr

átic

a

Articulada pelo Programa Cidade Escola da Secretaria

Municipal de Educação de Porto Alegre e, na condi-

ção de instrumento de política pública, a educação

integral atende três vertentes: a ampliação do turno

escolar, a complementação do currículo de atividades

no “contraturno” e a sustentação financeira de res-

gate do currículo em jornada integral.(http://www2.

portoalegre.rs.gov.br)

Programa responsável pelo processo de instalação da

educação integral em toda a rede de ensino de Porto

Alegre, utilizando-se de envolvimento das horas de

projetos que as escolas tenham, em contraturno.