108
41038 – Metodologia das Ciências Sociais: Métodos Qualitativos Apontamentos de: Jorge Loureiro E-mail: [email protected] Data: 19.01.2009 Livro: Metodologia da Investigação. Guia para Auto-aprendizagem (Hermano Carmo, Manuela Malheiro Ferreira) Nota: Matéria referente ao ano lectivo 2008-2009 (Doutora Bárbara Bäckström) Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não pretende substituir o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão. A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possível imputar-lhe quaisquer responsabilidades. Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuído fora do site da Associação Académica da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito.

41038 – Metodologia das Ciências Sociais: Métodos Qualitativos · 2009-01-26 · 1. VISÃO PANORÂMICA Hermano Carmo 1.1. O Projecto de Investigação em Ciências Sociais 1.1.1

Embed Size (px)

Citation preview

41038 – Metodologia das Ciências Sociais: Métodos Qualitativos

Apontamentos de: Jorge LoureiroE-mail: [email protected]: 19.01.2009

Livro: Metodologia da Investigação. Guia para Auto-aprendizagem (Hermano Carmo, Manuela Malheiro Ferreira)

Nota: Matéria referente ao ano lectivo 2008-2009 (Doutora Bárbara Bäckström)

Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não pretende substituir o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão.

A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possível imputar-lhe quaisquer responsabilidades.

Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuído fora do site da Associação Académica da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito.

2

ÍNDICE

1. VISÃO PANORÂMICA1.1. O Projecto de Investigação em Ciências Sociais

1.1.1. Duas questões prévias1.1.1.1. A questão da informação disponível

1.1.1.1.1. Uma atitude de recordista1.1.1.1.2. Recolha preliminar de informação1.1.1.1.3. Já se escreveu tudo sobre determinado assunto?1.1.1.1.4. O nevoeiro informacional

1.1.1.2. A questão da gestão do tempo1.1.2. Elementos para o planeamento de uma investigação

1.1.2.1. Investigar o quê? (Delimitar o objecto de estudo)1.1.2.2. Definir o objectivo da pesquisa1.1.2.3. Programar a pesquisa1.1.2.4. Identificar e articular os recursos necessários

1.1.3. Ferramentas metacognitivas para investigação1.1.3.1. Os mapas conceptuais

1.1.3.1.1. O que é um mapa conceptual?1.1.3.1.2. Passos para a elaboração de um mapa conceptual1.1.3.1.3. Clarificar conceitos1.1.3.1.4. Desempacotar um conhecimento complexo1.1.3.1.5. Conceber um campo semântico

1.1.3.2. Outros diagramas estruturadores cognitivos1.1.3.3. O Vê heurístico, epistemológico ou de Gowin

1.2. Pesquisa Documental1.2.1. Papel da pesquisa documental no contexto do processo de

investigação1.2.2. Documentos escritos

1.2.2.1. Onde procurar?1.2.2.1.1. Bibliotecas e arquivos1.2.2.1.2. Primeira triagem

1.2.2.2. Exploração do texto1.2.2.2.1. A economia da leitura1.2.2.2.2. Estratégias de exploração de texto

1.2.2.3. Registo de dados1.2.2.3.1. Fichas bibliográficas1.2.2.3.2. Fichas de leitura1.2.2.3.3. Sistemas de classificação

1.2.2.4. Documentos oficiais1.2.2.4.1. Publicações oficiais1.2.2.4.2. Documentos não publicados

1.2.2.5. Estatísticas1.2.2.5.1. Virtualidades1.2.2.5.2. Limitações1.2.2.5.3. Princípios orientadores

1.2.2.6. Documentos pessoais1.2.2.6.1. Limitações1.2.2.6.2. Princípios orientadores

1.2.2.7. Documentos escritos difundidos1.2.2.7.1. O jornal como fonte de dados1.2.2.7.2. Análise de impacto

1.2.3. Documentos não escritos1.2.3.1. Objectos

1.3. Técnicas de Observação1.3.1. O que é observar?

1.3.1.1. O testemunho dos deficientes1.3.1.2. Os ensinamentos de Baden Powell

7777789

1011121214141516

16161718192124272727272728303030323235363636373737373838394040404142424243434344

3

1.3.1.3. As lições de Conan Doyle1.3.1.4. A experiência dos socorristas

1.3.2. Que aspectos observar?1.3.2.1. Os indicadores como filtro de informação

1.3.2.1.1. Questões conceptuais1.3.2.1.2. Indicadores demográficos e económicos1.3.2.1.3. Indicadores Sociais1.3.2.1.4. Critérios para a construção de indicadores sociais

1.3.2.2. Guiões de observação e sistemas de registo1.3.3. Tipos de observação

1.3.3.1. Observação não-participante1.3.3.2. Observação participante despercebida pelos observados1.3.3.3. Observação participante propriamente dita

1.3.4. Aspectos relevantes da observação participante1.3.4.1. A questão do observatório

1.3.4.1.1. Negociação e escolha do papel1.3.4.1.2. O horizonte de cada papel

1.3.4.2. A questão da intensidade do “mergulho”1.3.4.2.1. A Janela de Johari1.3.4.2.2. Mergulho restrito1.3.4.2.3. Mergulho profundo

1.3.5. Problemas deontológicos1.4. Inquéritos por entrevista

1.4.1. A interacção directa, questão-chave na técnica de entrevista1.4.1.1. Influência do entrevistador no entrevistado1.4.1.2. Diferenças culturais entre entrevistador e entrevistado1.4.1.3. Sobreposição de canais de comunicação

1.4.2. Quando recorrer à entrevista?1.4.3. Tipos de entrevistas1.4.4. Aspectos de natureza prática

1.4.4.1. Antes da entrevista1.4.4.2. Durante a entrevista1.4.4.3. Depois da entrevista

1.5. O Relatório de Pesquisa1.5.1. Introdução1.5.2. Reflexões prévias ao acto de relatar

1.5.2.1. O que é que se quer transmitir?1.5.2.2. A quem se destina o relatório?1.5.2.3. Quando e onde se realizou a pesquisa?

1.5.2.3.1. Condicionamentos espaço-institucionais1.5.2.3.2. Condicionamentos temporais

1.5.2.4. Como se desenrolou a investigação?1.5.3. Elaboração do Relatório

1.5.3.1. Conteúdo do Relatório1.5.3.1.1. Problematização da questão1.5.3.1.2. Itinerários e processos de pesquisa1.5.3.1.3. Resultados alcançados1.5.3.1.4. Consequências dos resultados

1.5.3.2. Construção e forma do relatório1.5.3.2.1. Dois princípios básicos indispensáveis: clareza e rigor1.5.3.2.2. Esquema de apresentação: o travejamento temático1.5.3.2.3. O corpo do texto

2. APROFUNDAMENTO TEMÁTICO2.1. Métodos Qualitativos

2.1.1. Introdução2.1.1.1. Métodos e técnicas de investigação em Ciências Sociais2.1.1.2. Métodos quantitativos e métodos qualitativos

2.1.2. Os métodos qualitativos2.1.2.1. Características dos métodos qualitativos2.1.2.2. Tradições teóricas em investigação qualitativa

444546464647485050525253535454545555565757586161626263636466666768717171717273737474747575757575767676778181818181818183

4

2.1.3. Possibilidade de utilizar uma combinação de métodos quantitativos e qualitativos

2.2. Técnicas de Amostragem2.2.1. Introdução2.2.2. Amostragens probabilísticas

2.2.2.1. Amostragem aleatória simples2.2.2.2. Amostragem estratificada2.2.2.3. Amostragem de “cachos” (clusters)2.2.2.4. Amostragem por etapas múltiplas2.2.2.5. Amostragem sistemática2.2.2.6. Determinação da dimensão da amostra

2.2.3. Amostras não probabilísticas2.2.3.1. Amostragem de conveniência2.2.3.2. Amostragem de casos muito semelhantes ou muito diferentes2.2.3.3. Amostragem de casos extremos2.2.3.4. Amostragem de casos típicos2.2.3.5. Amostragem em bola de neve2.2.3.6. Amostragem por quotas2.2.3.7. Utilidade das amostragens não probabilísticas

2.3. A Prática de Investigação2.3.1. Classificação da investigação

2.3.1.1. Classificação quanto ao propósito2.3.1.2. Classificação quanto ao método

2.3.2. Investigação histórica2.3.3. Investigação descritiva

2.3.3.1. Inquéritos2.3.3.2. Estudos relativos ao desenvolvimento2.3.3.3. Estudos complementares2.3.3.4. Estudos sociométricos

2.3.4. Estudo de caso2.3.4.1. Histórias de vida

2.4. A Análise de Conteúdo2.4.1. Definição de Análise de Conteúdo2.4.2. Tipos de Análise de Conteúdo

2.4.2.1. Análise de exploração e análise de verificação2.4.2.2. Análise quantitativa e análise qualitativa2.4.2.3. Análise directa e análise indirecta

2.4.3. A prática da Análise de Conteúdo2.4.3.1. Definição dos objectivos e do quadro de referência teórico2.4.3.2. Constituição de um corpus2.4.3.3. Definição das categorias2.4.3.4. Definição das unidades de análise2.4.3.5. Quantificação2.4.3.6. Interpretação dos resultados

2.4.4. Fidelidade e validade2.5. Considerações finais

2.5.1. Princípios Éticos2.5.2. O Projecto e o Relatório de Investigação

2.5.2.1. O Projecto de Investigação2.5.2.2. O Relatório de Investigação

2.5.2.2.1. Organização do Relatório de Investigação2.5.2.2.2. Revisão crítica de um Relatório de Investigação

84858586868686868787888888888888898991919192929494949595959799999999

100100100100101101103104104104105105106106106107107

5

6

1. VISÃO PANORÂMICAHermano Carmo

1.1. O Projecto de Investigação em Ciências Sociais

1.1.1. Duas questões préviasIndependentemente do tipo de investigação a realizar, existem duas questões de grande importância que exigem a atenção de quem pretende desenvolver um projecto:

● a questão da informação disponível e

● a questão da gestão do tempo

1.1.1.1. A questão da informação disponívelDuas atitudes típicas e ingénuas que se observam em estudantes de Mestrado, no momento em que são confrontados com a necessidade de produzir uma dissertação final, são a de que• o terreno que vão explorar é completamente virgem ou, pelo

contrário, que• já se escreveu tudo sobre determinado assunto.Ambas as posições são apriorísticas necessitando de desmontagem.

Perante esta atitude, dois objectivos devem ser atingidos pelo estudante, tão depressa quanto possível:

● adquirir uma atitude adequada perante o estudo que vai desenvolver;

● proceder a uma recolha preliminar de informação que lhe permita ter uma primeira ideia acerca dos diversos contributos existentes sobre o assunto.

1.1.1.1.1. Uma atitude de recordista

Em termos de atitudes, é indispensável combater a arrogância de quem pensa que descobriu caminhos nunca dantes trilhados e que pode iniciá-los sem a ajuda de ninguém. Atitudes ineficientes porque, para atingir os objectivos de investigação, o estudante será obrigado a contar apenas com os seus recursos gastando muito mais energias que se o fizesse contando com a cooperação de colegas e professores.

A experiência tem demonstrado que a única competição desejável num processo de pesquisa é aquela que o investigador tem consigo mesmo, numa postura de recordista de alta competição. Adquirir mais conhecimentos ou desenvolver melhor as suas estratégias de apreensão do saber são, deste modo, desígnios mais interessantes e positivos que simplesmente querer fazer melhor que os outros.

7

Esta atitude de recordista implica, antes de mais, uma curiosidade nunca satisfeita traduzida numa motivação sempre realimentada para aprender com os outros – comunidade académica, informadores qualificados e população-alvo da investigação – com as diversas fontes de informação e com a realidade em geral.

Implica, por outro lado, uma postura de sábia humildade intelectual, corolário da curiosidade, que permite capturar informação pertinente em fontes menos habituais, como em certa literatura não legitimada pela comunidade científica1 ou em interlocutores não académicos2.

Permite, finalmente, a constituição progressiva de redes de cooperação no seio da comunidade científica e entre esta e outros interessados – pessoas e instituições – pelo maior aprofundamento do saber na área em questão.

1.1.1.1.2. Recolha preliminar de informação

Em primeiro lugar, há que procurar colher elementos sobre as teorias existentes. Reconhecendo fundamentos em certas críticas, uma vez que algumas auto-designadas teorias não passam de especulações doutrinárias, concebidas por vezes sem a prova do confronto com o real, nunca é demais salientar a enorme economia de informação sistematizada numa boa teoria, o que permite ao investigador gerir melhor os seus recursos e orientar as suas estratégias de pesquisa.

Em segundo lugar, há que indagar que pesquisa tem sido feita no domínio em questão e com que métodos foi desenvolvida.

A análise crítica dos métodos adoptados em investigações anteriores é particularmente útil pois permite-nos fazer uma ideia sobre a fiabilidade dos seus resultados. A comunidade científica é constituída por gente mortal e imperfeita (ainda que nem sempre haja consciência disso) e como tal, também os académicos – cientistas e professores – estão sujeitos à pressão de modas. Para ilustrar isto bastará recordar três obsessões frequentes cuja prática indiscriminada pode levar a erros metodológicos:

● a obsessão pelo mais recente, o que nem sempre conduz a resultados satisfatórios uma vez que se perde informação de boas fontes clássicas ignorando que nem sempre o antigo é antiquado assim como nem sempre o moderno é inovador;

● a obsessão pelo quantitativo, que decorre da mitificação de toda a informação que integra números,

_______________________________________1 A bibliografia e a videografia de ficção podem ser excelentes fontes de informação e de hipóteses científicas. A Cidade da Alegria de Lapierre , sobre o quotidiano de comunidades abaixo do limiar de pobreza absoluta. Os Capitães da Areia de Jorge Amado , que relata as estratégias de sobrevivência das crianças de rua baianas, ou O Pixote, filme brasileiro que retrata magistralmente uma subcultura de pobreza, são exemplos de boas fontes de informação não ortodoxas.2 Os antropólogos há muito contam com informadores, muitos sem quaisquer habilitações académicas que, no entanto, se revelam indispensáveis como fontes de informação de alta qualidade.

8

considerando como não científica qualquer investigação de outra natureza; tal moda tem conduzido por vezes a autênticas aberrações analíticas uma vez que pressupõe como certas, informações completamente deformadas na origem; e

● a obsessão pelo qualitativo, tendência inversa actualmente muito em voga de que tem resultado, por vezes, trabalhos especulativos com alguma falta de rigor.

1.1.1.1.3. Já se escreveu tudo sobre determinado assunto?

No final desta fase, o investigador que pensava estar a entrar em terreno virgem, pode ficar com a ideia oposta, altamente desanimadora, de que tudo já se escreveu sobre o assunto. Esta sensação angustiante e vertiginosa é típica de quem desenvolve investigação na nossa época. Com efeito, o primeiro sentimento que nos assalta quando pretendemos entender o Mundo em que vivemos, é a perplexidade perante a transitoriedade, a novidade e a diversidade com que a vida social se nos apresenta, configurando um quadro desconhecido, por vezes mesmo assustador.

Margaret Mead, já em 1969, intuía o que hoje vivemos, utilizando a imagem dos imigrantes no tempo:

hoje em dia, todos os que nasceram e foram criados antes da segunda grande guerra são imigrantes no tempo – como os seus antepassados o foram no espaço – que lutam para apanhar as condições estranhas da vida numa nova era. Como todos os imigrantes e pioneiros, estes imigrantes no tempo são portadores de culturas mais antigas. A diferença hoje é que eles representam todas as culturas do mundo. (...) Quem quer que sejam, estes imigrantes cresceram em céus através dos quais nunca brilhou nenhum satélite. (...) Neste sentido, portanto, de nos termos mudado para um presente para o qual nenhum de nós estava preparado (...), deixámos os nossos mundos familiares para vivermos numa época em condições que são diferentes de qualquer das outras que nós já conhecíamos.

Com o mesmo olhar perplexo, Edgar Morin, defendia há poucos anos que estamos a entrar na Idade do Ferro Planetária3, em que o Homem tem cada vez mais consciência da mundialização, a qual, no entanto, é convulsiva e dilacerada pelas contradições que a integram:

“somos obrigados a considerar que ainda estamos na pré-história do espírito humano e que não saímos da idade de ferro planetária. O mais trágico, ou cómico, é que todas as novas ameaças (desastres ecológicos, aniquilamento nuclear, manipulações tecnocientíficas, etc.) provêm dos próprios desenvolvimentos da nossa civilização”.

_______________________________________3 De acordo com Morin, com a expansão europeia iniciada no séc. XV, começa a era planetária, em que o fenómeno da mundialização se expande progressivamente gerando-se uma cada vez maior integração dos subsistemas do planeta. Morin, E. et.al. (1991), A Idade de Ferro Planetária, in Os Problemas do Fim de Século, Editorial Notícias, Lisboa, pag. 17 e sgs.

9

1.1.1.1.4. O nevoeiro informacional

Para complicar um pouco mais o seu trabalho de cartógrafo da sociedade contemporânea, confonta-se com frequência, com aquilo a que Morin chamou “nevoeiro informacional”4, que se traduz num conjunto de três tipos de filtros que o impedem de vizibilizar convenientemente a sociedade que pretende estudar:

— Ao primeiro, chama Morin sobre-informação, que se traduz no excesso de informações em que é imerso no seu quotidiano profissional. Ilustremos este fenómeno apenas com um exemplo: o crescimento exponencial do número de livros e de revistas científicas, de jornais, de abstracts e de abstracts de abstracts, que alguns autores consideram haver-se multiplicado por dez em cada cinquenta anos, faz com que “seja cada vez menos possível ao cientista ter um conhecimento completo da literatura publicada, já não no domínio global da ciência, (...) mas, muito mais dramaticamente, sequer no do seu ramo especializado de investigação”.

— A par da sobre-informação, o cientista social confronta-se muitas vezes com o problema aparentemente contraditório, da sub-informação, semelhante ao dos cartógrafos do século XIX que, para não fantasiarem os seus mapas, tinham que representar espaços imensos a branco. Exemplo de sub-informação, foi a reacção de perplexidade geral e até de indignação de alguns decisores políticos quando, em 1985, foram divulgados os primeiros resultados do estudo sobre a pobreza em Portugal, que concluía que 35% das famílias portuguesas se encontravam abaixo da linha de pobreza absoluta. Para além da resposta política de quem sentiu a crueza dos resultados daquele estudo como um julgamento à sua política social, o que tal reacção pareceu demonstrar foi a ignorância dos vários actores sociais sobre o fenómeno.

— O terceiro filtro com que o investigador se defronta, é o da pseudo-informação, ou seja, o conjunto de informação, deliberada ou involuntariamente deformada, ou mesmo falseada, sobre a realidade social. São exemplos de pseudo-informação, as emitidas pelos sistemas de publicidade económica, propaganda política, e os mecanismos de boato. Mas também o são, muitas vezes, as informações produzidas pelos mass media e as que legitimam certas representações colectivas.

_______________________________________4 Morin, Edgar (1981), As Grandes Questões do Nosso Tempo, Editorial Notícias, Lisboa, pag.19 e sgs. Outros autores têm chamado a atenção para esta questão da falta de transparência da sociedade contemporânea. Pierre Rosanvallon, por exemplo, defende que o desenvolvimento da visibilidade social é uma das quatro estratégias indispensáveis à ultrapassagem da crise do Estado Providência. Rosanvallon, P. (1984), A Crise do Estado Providência, Inquérito, Lisboa.

10

O quadro que se acaba de descrever, serve para explicar que, talvez o maior dos problemas metodológicos com que um investigador se debate ao longo de qualquer processo de pesquisa, seja o da selecção e gestão da informação disponível obrigando-o a um triplo esforço para reduzir os efeitos de nevoeiro informacional:

— em primeiro lugar, procurar não se afogar em informação inútil tendo em vista o objectivo do trabalho;

— em segundo lugar, tentar explorar os espaços de sub-informação, através do cruzamento de técnicas diversas;

— finalmente, tentar reduzir os perigos da pseudo-informação através da análise contrastiva das fontes.

1.1.1.2. A questão da gestão do tempoSendo o tempo um dos recursos mais escassos que o investigador tem ao seu dispor pois contrariamente ao desejado no popular fado, o tempo não tem hipóteses de voltar para trás, é curioso notar a pouca relevância que lhe é conferida quando se está numa fase preliminar de pesquisa. No entanto ou por razões de natureza legal – caso dos prazos impostos para a conclusão de mestrados – ou de índole contratual, a verdade é que o tempo se tem vindo a posicionar como uma variável estratégica em qualquer processo de pesquisa. E isto por várias razões de que se salientam três:

● porque o nevoeiro informacional acima referido determina gastos consideráveis de tempo;

● porque a comunidade académica tem vindo a estabelecer inúmeras pontes com o mundo não académico, nomeadamente com as empresas, tendo de adaptar-se aos seus critérios mais rigorosos de prazos e custos;

● porque o encurtamento do ciclo de vida do saber5 não se compadece com ciclos de pesquisa demasiado longos que conduziriam inevitavelmente à divulgação de resultados desactualizados à nascença.

Qualquer destas tendências apela claramente para a noção de tempo útil de pesquisa que se assume como condicionador importante da determinação do objecto de estudo e da metodologia a adoptar.

Constituindo uma evidente dificuldade para quem enceta um processo de investigação a variável Tempo , se respeitada, pode ser transformada em oportunidade pela auto-disciplina a que

________________________________________5 O ciclo de vida do saber é o período que decorre entre o seu nascimento e a sua morte por desactualização. Tomemos o exemplo do frigorífico: o ciclo de vida do saber que lhe deu origem começou quando alguém descobriu que se podia transformar electricidade em frio; numa segunda fase, alguém percebeu que tal descoberta podia ser usada para a conservação de alimentos; num terceiro momento, outra pessoa terá concebido um modo de comercializar a ideia sob a forma de um armário estanque a que chamamos frigorífico; finalmente dir-se-á que o ciclo de vida terminou quando se inventar um outro sistema mais prático e barato de conservar alimentos em nossas casas.

11

obriga, podendo assumir-se como um elemento de controlo de qualidade da investigação e como um acelerador de resultados. Ao condicionar o investigador a alcançar um máximo de resultados num mínimo de tempo, chama a atenção para o seu papel social e para o seu sentido cívico que apela a que não desperdice recursos que não são seus mas dos financiadores da pesquisa (contribuintes, mecenas, etc.).

Uma boa maneira de começar a lidar com a questão do tempo é listar as principais fases e tarefas de investigação, calcular quanto demorará cada uma delas, como se articulam entre si (isto é, se a tarefa A antecede necessariamente a tarefa B, sucede a ela ou podem ser desempenhadas independentemente uma da outra) e encadeá-las de forma regressiva a partir de um dado momento no futuro que constitui a data limite de conclusão da pesquisa. As técnicas de programação, como o PERT e o CPM há muito usadas pela gestão podem ser usadas com grande proveito nesta fase.

1.1.2. Elementos para o planeamento de uma investigação

Uma vez feita uma reflexão séria sobre a disponibilidade desses dois recursos indispensáveis à pesquisa, a informação e o tempo, estamos em condições de continuar a planear o trabalho que a integrará. Recorde-se que planear é definir rumos e que sem se conhecer o rumo da pesquisa não se pode dizer que ela venha a alcançar qualquer bom porto.

1.1.2.1. Investigar o quê? (Delimitar o objecto de estudo)

A primeira questão a definir é o que se quer investigar.Em Ciências Sociais a determinação do campo que se vai investigar não deve ser feita ao acaso ainda que este desempenhe um papel importante. Ninguém de bom senso defende que se façam perfurações de prospecção petrolífera indiscriminadamente no terreno: qualquer perfuração deve ser precedida de um estudo geológico prévio.Na fase inicial da investigação, ainda de acordo com Raymond Quivy, é extremamente importante evitar três tipos de erros:

● a gula livresca ou estatística, que nos pode fazer afogar em sobre-informação;

● o desprezo pela disciplina que nos recomenda a prévia concepção de hipóteses e/ou de questões-bússola que funcionem como orientadores da pesquisa, fazendo-a demorar mais e aumentando a imprevisibilidade dos resultados;

● o gongorismo arrogante de quem considera que quanto mais hermético for o discurso mais científico será, revelando, sob a capa de pretensa erudição, uma deficiência de capacidade comunicativa decorrente de frequente imaturidade cognitiva e afectiva.

12

Deste modo, é recomendável:

● a precoce constituição de um corpo de perguntas ou de um conjunto de hipóteses que delimitem com progressiva clareza o objecto de estudo, funcionando como referências para a posterior definição dos rumos de investigação;

● a definição de uma estratégia de recolha de informação orientada por tais perguntas e hipóteses ainda que deixando algum espaço ao inesperado6;

● a preocupação, desde o primeiro minuto, com a definição rigorosa mas também clara das intenções da investigação traduzidas num discurso simples.

A experiência aponta alguns critérios úteis para a definição do objecto de estudo, para além, naturalmente, da sua pertinência científica.

1.º O critério da familiaridade do objecto de estudo, mostra-nos que é vantajoso que o trabalho a empreender se enraíze na experiência anterior do investigador.

Se este critério se desenha de forma natural em mestrados unidisciplinares ou cuja estrutura curricular é uma extensão lógica ou uma especialização da formação inicial, não emerge de forma tão evidente em programas de pós-graduação interdisciplinares ou transversais. Neste caso é frequente observar-se nalguns mestrandos, a tendência para quererem dar saltos demasiado longos dos campos disciplinares onde mergulhava a sua formação inicial para áreas recém descobertas na pós-graduação.

Frequentemente, a consequência de tal procedimento é a produção de estudos sincréticos sem suporte teórico e metodológico suficiente. Querer fazer um trabalho predominantemente sociológico, antropológico ou politológico, abandonando uma formação original no domínio da linguística ou da literatura, ou pelo contrário, pretender fazer um estudo no domínio da linguística ou da literatura tendo uma formação inicial completamente diferente, é desperdiçar capital cognitivo adquirido e arriscar-se a não ter bons resultados nem num campo nem noutro.

2.º O critério da afectividade, recomenda que a selecção do campo e do tema específico da investigação deva resultar de uma forte motivação pessoal.

3.º O critério dos recursos, resulta, mais prosaicamente da antevisão de facilidades na captura de meios necessários à investigação imaginada.

_______________________________________6 De acordo com Peter Drucker, uma das figuras mais importantes da Teoria e da Metodologia da Gestão, a gestão do facto, do fracasso e do êxito inesperados, constitui uma das principais fontes de inovação.

13

1.1.2.2. Definir o objectivo da pesquisaO objectivo é verificar uma dada hipótese? De acordo com as opções feitas quanto aos objectivos, Selttiz, Jahoda, Deutch e Cook (1967) classificam os estudos em três tipos:

● estudos exploratórios, cujo objectivo é, como o nome indica, proceder ao reconhecimento de uma dada realidade pouco ou deficientemente estudada e levantar hipóteses de entendimento dessa realidade;

● estudos sociográficos ou descritivos, em que a intenção é descrever rigorosa e claramente um dado objecto de estudo na sua estrutura e no seu funcionamento7;

● estudos verificadores de hipóteses causais, que partem de hipóteses para a sua verificação.

É importante denunciar o preconceito frequente de quem menos familiarizado com a Metodologia das Ciências Sociais tende a considerar apenas como científicos os estudos verificadores de hipóteses causais, desprezando os outros dois tipos.

Um exemplo disto é o que se passou na História da Antropologia: para que a teoria antropológica amadurecesse foi preciso que muitos estudos de natureza etnográfica fossem realizados por missionários, viajantes, administradores coloniais e também, naturalmente, antropólogos. Em resumo, são os estudos de natureza exploratória e sociográfica que criam terreno propício à realização de trabalhos de verificação de hipóteses pela massa crítica de informação que coligem.

1.1.2.3. Programar a pesquisaVejamos algumas questões a responder nesta fase8:

● em função da árvore de objectivos definida e operacionalizada em variáveis e indicadores, que técnicas de recolha de dados vou utilizar: pesquisa documental, observação, inquérito por entrevista ou por questionário, escalas de atitudes?

● como tenciono tratar e interpretar os dados: que estratégia adoptar, sobretudo quantitativa ou qualitativa?

● que modelo de análise utilizarei e com que elementos?

● que estratégia vou usar para difundir os meus resultados? apenas o discurso scripto? usarei gráficos? tabelas? diagramas? audiovisuais? software educativo? de que tipo?

● como situar cada uma das tarefas no tempo?

_______________________________________7 Situam-se neste tipo os estudos de natureza monográfica.8 Cada questão deve ser operacionalizada desmultiplicando as perguntas de acordo com a clássica proposta de Lasswell: o quê, quando, onde, quanto, como e porquê.

14

1.1.2.4. Identificar e articular os recursos necessários

Como refere Drucker (1986) um recurso é algo para que descobrimos uma dada utilidade. O petróleo, antes de ser percepcionado como um recurso indispensável à economia mundial, foi considerado um líquido peganhento e mal-cheiroso que estragava a agricultura. Muitas plantas medicinais foram mondadas como ervas daninhas antes de serem identificadas como recursos. Os velhos, nas sociedades industriais, são olhados por certas comunidades como problemas, enquanto outras os consideram e utilizam como recurso para a sua coesão e desenvolvimento.

Vejamos resumidamente alguns aspectos a não esquecer:

● Instalações— onde se vai realizar a pesquisa? em casa? na

Universidade? em laboratório? em meio natural?

— que instalações serão necessárias à realização do trabalho?

● Equipamentos— que tipo de hardware vou necessitar para o meu estudo

(computador – com que capacidade de disco, com que memória RAM – impressora, scanner, modem, telefone, gravador de video ou de audio, câmara fotográfica ou de video – com que características)?

— que tipo de software será preciso (processamento de texto, folha de cálculo, base de dados, gráfico, estatístico, para telecomunicações, etc)?

● Apoio financeiro— que patrocínios será possível obter para este tipo de

estudo?

— que bolsas?

● Apoio logístico— expediente (cartas, recado, fax, arquivo)

— apoio administrativo (fotocópias, contabilidade)

● Apoio documentalístico— bibliotecas, centros de documentação e arquivos

— documentalistas

● Orientação científica— quem quero convidar para orientador(a)?

— que tipo de orientação pretendo? mais ou menos directiva? mais centrada nos conteúdos ou na metodologia da investigação?

15

1.1.3. Ferramentas metacognitivas para investigação

No início deste capítulo, salientou-se que o investigador deve ter uma atitude adequada ao trabalho a realizar , caracterizada por ser competitiva consigo (de permanente busca de aperfeiçoamento, característica dos recordistas) e cooperante com os outros. Dissemos também que tal atitude exige uma curiosidade insaciável e uma forte motivação para a aprendizagem. Esta última característica merece ser sublinhada: com efeito, o investigador deve assumir-se, antes de mais, como um aprendente do Mundo e da Vida9. Se assim é, então é fundamental que o investigador ganhe competências de aprendizagem, isto é, aprenda a aprender cada vez melhor.

É neste contexto que se perfilam algumas propostas de ferramentas metacognitivas cujo objectivo é, justamente, ajudar o investigador a gerir melhor a informação e transformá-la em conhecimento10.

1.1.3.1. Os mapas conceptuais1.1.3.1.1. O que é um mapa conceptual?

Um mapa conceptual é uma ferramenta de representação do conhecimento (Novak, 2000) que assume a forma de um diagrama bidimensional que procura mostrar conceitos hierarquicamente organizados e as relações entre esses conceitos num dado campo de conhecimento (Moreira e Buchweitz, 1993:15).

1.1.3.1.2. Passos para a elaboração de um mapa conceptual

Para a sua elaboração são recomendados os seguintes passos (Buchweitz, 1984, cit. in Buchweitz e Moreira, 1993:29):

1. Localizam-se os conceitos

2. Catalogam-se os conceitos segundo uma ordem hierárquica (dos mais gerais para os mais específicos)

3. Distribuem-se os conceitos em duas dimensões

4. Traçam-se as linhas que indicam as relações entre os conceitos

_______________________________________9 Na fase final da investigação, em que irá partilhar o que aprendeu com a comunidade científica, terá de assumir-se como seu ensinante, devendo para isso, adquirir competências de comunicação , como será referido na unidade relativa ao relatório de pesquisa.10 De acordo com Dinis, J., 2005, Guerra da informação – perspectivas de segurança e competitividade, Lisboa, Sílabo, pp 23-25, «os conceitos de dados, informação, conhecimento e saber são pedras basilares que caracterizam o funcionamento da sociedade de informação. Dados são conjuntos de elementos discretos, não organizados, compostos por números, palavras, sons ou imagens independentes, e que podem ser facilmente estruturados. (...) Informação é um conjunto de dados organizados, padronizados, agrupados e/ou categorizados que dizem respeito a uma descrição, definição ou perspectiva. (...) Conhecimento é informação associada a uma experiência, que compreende uma estratégia, uma prática, um método ou uma abordagem. (...) Saber ou sabedoria exprime um princípio, discernimento, costume ou arquétipo, correspondendo a uma dada competência». É neste quadro semântico que se afirma que o investigador tem de transformar informação em conhecimento.

16

5. Escreve-se a natureza da relação

6. Procede-se à revisão e refaz-se o mapa

7. Prepara-se o mapa final.

Um aspecto importante é que um mapa conceptual deve ser sempre encarado não como uma representação definitiva de um dado campo de conhecimentos (o mapa conceptual), mas como uma representação possível de um conhecimento, sempre susceptível de ser aperfeiçoada. O termo mapa, pretende justamente salientar a natureza instrumental e orientadora do diagrama.

Melhor do que uma longa dissertação sobre as virtualidades dos mapas conceptuais, será apresentar alguns exemplos significativos devidamente comentados, e propor-lhe, seguidamente, que experimente elaborar um.

Nesse sentido, vejamos alguns exemplos de mapas conceptuais, concebidos com o intuito de clarificar conceitos complexos (exemplo: exclusão social), desempacotar um conhecimento complexo (Por exemplo: uma conferência) e conceber um campo semântico (exemplo: educação para a cidadania e um dos seus módulos, a educação da personalidade).

Importa salientar que nem sempre o autor deste texto seguiu à risca as recomendações de Novak para construir os mapas conceptuais, uma vez que considera que estes não devem ser entendidos como espartilhos mas como bússolas para organizar melhor o conhecimento.

1.1.3.1.3. Clarificar conceitos

Figura 1 – Elementos integrantes do conceito de exclusão social

Como se observa no mapa, o conceito de exclusão social, de acordo com aqueles autores, envolve a ideia de uma situação sem qualidade de vida (vida digna), experimentada por um

17

Exclusão Social

Conhecimento

Alfabetização Escolarizaçãosuperior

Populaçãoinfantil

Violência

VulnerabilidadeVida digna

DesigualdadeDesempregoPobreza

% > 15 anosalfabetizados

% de populaçãoactiva com

formação superior

% de população< 15 anos

N.º de homicídiospor 100 mil habitantes

Rend. do 10% + ricos/rend. dos 10% + pobres

% de populaçãoc/ rend. < 2US$dol/dia

% de desempregadosna população activa

Fonte: Carmo, 2005, O com bate à pobreza com o afirmação dos Direitos Hum anos, Conferências Abertas, Coimbra, inédito.

dado agregado social com baixos índices de qualificações (conhecimento) e elevados problemas de segurança (vulnerabilidade).

Para além de clarificar os conceitos que integram o campo semântico do conceito de exclusão social, o mapa mostra que o conceito de exclusão social é mais abrangente que o de pobreza.

Para além dessa primeira leitura estimular a formulação de diversas hipóteses, relacionando cada uma das outras variáveis (desigualdade, alfabetização, ...) com o conceito de pobreza, permite a análise crítica do conceito (por exemplo: será que em vez da simples percentagem de população inferior a quinze anos no total da população, não valeria a pena incluir também a população com idade superior a 65 anos? Se assim fosse, o índice respectivo teria de ser substituído pelo índice de dependência, robustecendo o índice agregado de exclusão social).

1.1.3.1.4. Desempacotar um conhecimento complexo

Outra utilidade dos mapas conceptuais é desempacotar conhecimentos, na feliz expressão de Gowin (Buchweitz e Moreira, 1993:90), documentados sob diversas formas, isto é, permitir a análise mais clara e rigorosa de documentos de diversa natureza. É o caso da conferência intitulada Trópicos da Europa, de Adriano Moreira, cujo mapa conceptual se apresenta na figura 2.

Fonte: Moreira, Adriano, 2002, Os trópicos da Europa, Lisboa, Academia Internacional da Cultura PortuguesaFigura 2 – Desconstrução da conferência Trópicos da Europa.

18

Colonização

Agressores dos tempos modernos

IberotropicalismoLusotropicalismo Eurotropicalismo

Descolonização

Políticasecuritária

Podererrático

Dependênciamigratória

Teologia demercado

Trópicos na Europa Terrorismo

Sociedade cosmopolita

Colónias interiores Mitos raciais

Papel da Universidade

Interpretarincidentes críticos

Conceptualizarmacrotendências

Assumir-se comoinstrumento de coesão

e de orientação

A construção do mapa, permitiu, antes de mais, clarificar o texto que é extremamente denso, permitindo salientar as linhas mestras do pensamento do autor, os conceitos que seleccionou para pintar um fresco notável sobre a problemática da imigração na Europa do século XXI, sobre as políticas públicas em competição para fazer face a este problema social de desorganização social e de anomia e sobre os riscos que se perfilam, contextualizados numa sociedade desequilibrada por aquilo que chama teologia de mercado.

Adriano Moreira começa por recordar em breves traços a História Mundial recente, a partir dos processos de colonização (simbolizada pela expressão Europa nos trópicos) e de descolonização.

1.1.3.1.5. Conceber um campo semântico

Para além de excelentes instrumentos que facilitam o desempacotamento de conhecimentos, os mapas conceptuais também servem para os empacotar.

No primeiro exemplo (figura 3), procurou-se integrar diversos conceitos com que temos vindo a trabalhar nos últimos anos, em matéria de teoria da educação para a cidadania. No segundo exemplo (figura 4), elaborou-se um mapa conceptual a partir de um subsistema do primeiro, a educação da personalidade.

Figura 3 – Vertentes da educação para a cidadania (1º nível)

O desenvolvimento pessoal, abrange a educação para a autonomia e para a solidariedade. Para que um indivíduo venha a ser um ser autónomo, é necessário ser sujeito a um processo educativo que estimule a construção de uma personalidade rica e que possibilite dotá-lo de competências de liderança sobre o seu destino. Para ser solidário, terá de ganhar competências sociais de solidariedade com as gerações passadas presentes e futuras. É nesse contexto

19

Educação para a cidadaniaintegra

Desenvolvimento pessoal Desenvolvimento social

SolidariedadeAutonomia Diversidade Democracia

Personalidade Liderança Património(geraçõespassadas)

Geraçõesvivas

(presentes)

Ambiente(geraçõesfuturas)

Mudança Pluralismocultural

Igualdadede género

Como meta

Como método

Ver MC 11 Ver MC 12 Ver MC 13 Ver MC 14 Ver MC 15

que se insere a educação para a defesa do património e para a educação ambiental.

O desenvolvimento social, integra a educação para a diversidade, uma das características estruturantes da nossa época, e a educação para a democracia, o melhor sistema que se conhece. Para se situar nesta sociedade heterogénea, o indivíduo necessita de ganhar competências para encarar a mudança, o pluralismo cultural e, em particular, a nova distribuição de papéis e de estatutos em função do género. Para poder compreender a democracia e assumir-se como um cidadão activo, terá de aprender as características da democracia (a democracia como meta) e o modo de agir numa sociedade democrática (a democracia como método).

Na base deste mapa conceptual (MC), estão assinaladas várias remissões para outros Mcs, que objectivam alguns conceitos deste (um mapa a outra escala).

Educação da personalidade

Conjunto de traços

Carácter (identidade)

pessoa

Fonte: Carmo, 2004, Educar para a identidade nacional, numa economia solidária e numa cultura de paz, in Educação da juventude: carácter, liderança e cidadania, “Nação e Defesa” (Número Extra Série, Julho de 2004) Lisboa, Instituto de Defesa Nacional

Figura 4 – Vertentes da educação para a cidadania (MC11 – 2º nível)

A leitura deste mapa sugere que:

● a personalidade é a resultante de uma série de traços que moldam a identidade de uma dada pessoa.

● ao longo do processo de socialização existe um conjunto de constrangimentos que vão influenciar a construção da personalidade, nomeadamente os

20

Que moldamo

daorganização região nação espécie humanagrupo

da da da dado

traços cognitivo-emocionais traços éticos

integra integra

integra integraCf r Gardner, 1995 e Goleman, 1995 Cf r Dalailama, 2000

1. Linguísticos2. Lógico-matemáticos3. Espaciais4. Musicais

5. Cinestésica-corporais6. Naturalistas ou biológicos7. Intra-pessoais8. Inter-pessoais

9. Inibidores de solidariedade(ódio, impaciência, intolerância,rancor, soberba e afins => ética derefream ento: disciplina interior

10. Promotores desolidariedade (am or,paciência, tolerância,perdão, humildade e afins

grupos e organizações a que pertença, as regiões e países a que pertença e onde tenha estado e, naturalmente a consciência que tem (ou não) de pertencer a uma família comum, a espécie humana.

● Os traços que integram a personalidade são vários, desenhando em cada pessoa um perfil único, decorrente do maior ou menor desenvolvimento de cada um deles. Para a sua enunciação recorreu-se à teoria das inteligências múltiplas de Gardner, ao conceito de inteligência emocional de Goleman e à concepção das dimensões éticas do Dalailama.

Um MC deste tipo, tanto pode ser usado como grelha de análise sobre o modo como um dado agregado (família, escola, comunidade, país) educa a personalidade dos seus mais jovens, como de estrutura base para desenhar intervenções com esse objectivo.

1.1.3.2. Outros diagramas estruturadores cognitivos11

A título de exemplo vejamos dois, um sob a forma de um diagrama sistémico que permite analisar o conceito de intervenção social e descrever alguns dos seus principais tipos e dimensões (figura 5), o outro que representa os vários passos do seu processo (figura 6).

A figura 5 procura sintetizar os diversos níveis de complexidade da intervenção social, partindo do seu conceito operacional:

● qualquer processo social em que uma dada pessoa, grupo, organização, comunidade ou rede social – a que chamaremos sistema-interventor – se assume como recurso social de outra pessoa, grupo, organização, comunidade ou rede social – a que chamaremos sistema-cliente – com ele interagindo através de um sistema de comunicações diversificadas, com o objectivo de o ajudar a suprir um conjunto de necessidades sociais, potenciando estímulos e combatendo obstáculos à mudança pretendida (Carmo, 2000: 61).

Para isso, distinguem-se claramente dois níveis de intervenção social:

● no primeiro nível, situado num plano interpessoal, grupal ou organizacional (nível micro e meso), situam-se três tipos de intervenção social:• os cuidados de proximidade,• as actividades de observatório social e• as actividades de laboratório social;

● no segundo nível, situado no plano sócio-político, identificam-se diversas políticas sociais, na óptica das políticas públicas e das políticas dos parceiros sociais.

_______________________________________11 Chamamos estruturadores cognitivos aos diagramas que permitem uma melhor estruturação da informação possibilitando a sua transformação em conhecimento.

21

Níveis de complexidadeda intervenção social

Sistema interventor Interacção Sistema cliente Contexto

PessoaGrupo

OrganizaçãoParceriaComunidade

- Cuidados e serviços de proxi-midade(intervenção tendencialmente per-sonalizada)Profissões cuidadoras: trabalho/ serviço social, educação ou peda-gogia social, psicologia comunitá-ria, animação sócio-cultural, medi-cina, enfermagem...(óptica predominantemente micro e meso)- Observatório social (diagnósti-co de recursos e necessidades so-ciais)- Laboratório social (experimen-tação de práticas e de políticas i-novadoras)

PessoaGrupo

OrganizaçãoComunidade

Micro:Inter-pessoalGrupal

Meso:Organizacional

Adminitração Pública

Estado

Entidade supra-esta-tal

- Política Social:(intervenção tendencialmente ge-ral, abstracta e tipificada, com uma óptica predominante de nível me-so e macro)

Traduz-se numa estratégia de co-esão social orientada para a defe-sa dos direitos humanos e para o desenvolvimento, concretizada em políticas públicas de educa-ção e formação, segurança social e familiar, saúde, habitação social, ambiente, cultura e desenvolvi-mento económico...

Adminitração Pública

Estado

Entidade supra-estatal

Macro:ComunitárioMetropolitanoRegionalNacionalInternacionalGlobal

Recurso Processo de ajuda Necessidades sociaisFonte: Carmo, 2008, O rasto do PETI, Lisboa, MTSS

Figura 5 – Dimensões da intervenção social

Como foi referido há pouco, a figura 6 representa qualquer processo de intervenção social seja qual for o seu nível de complexidade ou tipo, sob a forma de um fluxograma:

22

Fonte: Carmo, 2001: 73

Figura 6 – Um exemplo de fluxograma

Em Metodologia e ideologia do trabalho social, (1982) Vicente de Paula Faleiros refere um sugestivo paradigma de intervenção proposto por Peter Ketner (...) Para a análise do fluxograma chama-se a atenção para os seguintes aspectos:

● a distinção que se deve observar, ao longo de todo o conjunto de procedimentos que integram o processo de intervenção social, entre tarefas que implicam acções (rectângulos) e tarefas que implicam decisões (losangos);

● uma coerência lógica de procedimentos, iniciados com a identificação e análise do problema, seguidos da definição de objectivos, programas e acções, e da sua implementação e avaliação;

● a necessidade de cada procedimento só ter início depois de verificado se os procedimentos anteriores foram realizados (setas sim/não) o que obriga a uma coerência cronológica;

● a necessidade da obtenção de consensos adequados entre sistema-cliente e sistema-interventor sobre a identificação e a análise do problema, o que implica a

23

Identif icaçãodo problema

Háconsenso?Não

Análise doproblema

Sim

Háconsenso?

SimDefinição deobjectivos,programase acções

Háconsenso?

Não

SimImplementação eseguimento das

normas do contrato

Programascumpridos?

NãoObjectivos

alcançados?

Sim

Não

Sim

Avaliação

Encerramento

participação do primeiro desde o início do processo, evitando uma relação paternalista/infantilizadora entre ambos mesmo na fase de estudo e diagnóstico da situação-problema;

● a ideia de contrato psicológico entre os protagonistas da intervenção social, com a explicitação do papel que cabe a cada um no decorrer do processo (Carmo, 2000:72).

1.1.3.3. O Vê heurístico, epistemológico ou de Gowin

(...) Os conceitos são definidos (...) como signos/símbolos que apontam regularidades em eventos e que utilizamos para pensar, pesquisar, aprender, enfim para dar respostas rotineiras e estáveis ao fluxo de eventos. Os sistemas conceptuais são conjuntos de conceitos logicamente ligados, geralmente permitindo um padrão de raciocínio ao relacionar uns conceitos com os outros. Os princípios e teorias podem ser interpretados como sistemas conceptuais mais abrangentes (Buchweiz e Moreira, 1993:87).

Com base nestes pressupostos, Gowin concebeu um esquema a que chamou Vê heurístico ou epistemológico, também conhecido na comunidade científica por Vê de Gowin, que pretende representar qualquer campo de conhecimentos.

De acordo com este autor, um campo de conhecimentos integra dois domínios específicos:• o domínio conceptual – filosofia(s), teoria(s), princípios,

sistemas conceptuais e conceitos – e• o domínio metodológico – registos, dados, transformações,

asserções de conhecimento e de valor.

Com base nesta proposta, e procurando-a aplicar ao tema deste capítulo, o projecto de investigação, observe-se a figura 7, que representa sob a forma de um Vê de Gowin as peças fundamentais de qualquer projecto:

● Objecto de estudo: antes de mais dissemos que o investigador deve identificar um objecto de estudo observável, coerente com os recursos disponíveis (tempo, informação disponível, recursos materiais, humanos, financeiros, etc.).

● Questão chave: seguidamente, há que definir com clareza e rigor uma ou várias perguntas que identifiquem o objectivo da pesquisa (a meta a alcançar).

● Concepções do Mundo e da Vida: Identificar e discutir as concepções do Mundo e da Vida (crenças, estereótipos, preconceitos) do investigador que possam afectar a investigação.

● Teorias: Identificar as teorias que vão fundamentar a investigação.

● Modelos: Caracterizar os modelos de observação ou de análise que eventualmente irão ser adoptados.

24

Planeamento e avaliação de projectos de investigação

Domínio Conceptual

Cfr. Novak, Joseph; Gowin, Bob, 1996, Aprender a aprender, Lisboa Plátano, 1.ª ed. De 1984 ou Moreira, M.A.; Buchweitz, B., 1993, Novas estratégias de ensino e aprendizagem: os mapas conceptuais e o Vê epistemológico, Lisboa, Plátano; Novak, Joseph, 2000, Aprender, criar e utilizar o conhecimento – mapas conceptuais como ferramentas de facilitação nas escolas e empresas, Lisboa, Plátano.

Figura 7 – Aplicação de um Vê ao projecto de investigação

● Conceitos: Identificar os principais conceitos a utilizar, relacioná-los e hierarquizá-los sob a forma de um mapa conceptual.

● Registos: Conceber instrumentos de registo de informação.

● Transformações: Definir estratégias de recolha, tratamento e interpretação de dados.

— Estratégias de recolha de dados (tipo de amostra, pesquisa documental, observação, inquéritos por entrevista ou por questionário, etc.)

— Estratégias de tratamento de dados (tabulações, gráficos, diagramas, testes estatísticos, etc.)

25

Domínio metodológico

Concepções do Mundoe da Vida:Identif icar e discutir asconcepções do Mundo e daVida (crenças, estereótipos,preconceitos) do investigadorque possam afectar a investigação

Questão-Chave :Def inir com clareza e rigor

uma ou várias perguntas queidentif iquem o objectivo

da pesquisa

Juízos de valor:Identif icar o valor acrescentadoda pesquisa que se antevê, parao desenvolvimento da teoria, dametodologia e/ou da prática

Teorias :Identif icar as teorias que vãofundamentar a investigação.Fazer revisão da literatura sobreo assunto

Juízos cognitivos (resultados):Identif icar os resultados que seesperam obter sob a forma de questõesrespondidas, hipóteses levantadas,caracterizações feitas, hipótesesverif icadas

Modelos :Caracterizar os modelos deobservação ou de análise queeventualmente irão ser adoptados

Transform ações :Def inir estratégias de recolha, tratamentoe interpretação de dados- Estratégias de recolha de dados (tipode amostra, pesquisa documental,observação, inquéritos por entrevistaou por questionário, etc.)- Estratégias de tratamento de dados(tabulações, gráf icos, diagramas, testesestatísticos, etc.)- Estratégias de análise de dados (análisequantitativa e/ou qualitativa)

Registos :Conceber instrumentos de registo deinformaçãoFichas bibliográf icas e de leitura,roteiros de observação, guias de entrevista,questionários, etc

Dialéctica

Conceitos :Identif icar os principais conceitos autilizar, relacioná-los e hierarquizá-lossob a forma de um mapa conceptual

Note bem : após a realização das10 tarefas, deverá testar a coerênciado projecto relacionando cadauma com todas as outras

Objecto de estudo:Identif icar um objecto de estudo observável,

coerente com os recursos disponíveis(tempo, informação disponível; recursos

materiais, humanos, f inanceiros, etc.)

HC, 97 (versão 1.4)

— Estratégias de análise de dados (análise quantitativa e/ou qualitativa).

● Resultados: Identificar os resultados que se espera obter sob a forma de questões respondidas, hipóteses levantadas, caracterizações feitas, hipóteses verificadas.

● Valor acrescentado: Identificar o valor acrescentado da pesquisa que se antevê, para o desenvolvimento da teoria, da metodologia e/ou da prática.

Conforme é referido no Vê, após a realização das dez tarefas, o investigador deverá testar a coerência do projecto relacionando cada uma com todas as outras (por exemplo: será que os resultados que se pretendem obter, têm a ver com a pergunta de partida, com as teorias, modelos e conceitos explicitados no projecto? As opções de recolha, tratamento e análise dados são consistentes com os resultados que pretendem obter?)

26

1.2. Pesquisa Documental1.2.1. Papel da pesquisa documental no

contexto do processo de investigaçãoAntes de mais uma pesquisa documental adequada visa seleccionar, tratar e interpretar informação bruta existente em suportes estáveis (scripto, audio, video e informo) com vista a dela extrair algum sentido. Por outro lado tem por objectivo executar essas mesmas operações relativamente a fontes indirectas.

Do que acima foi referido deduz-se que um processo de investigação é algo de semelhante a uma corrida de estafetas: para atingir os seus objectivos, o onvestigador necessita de recolher o testemunho de todo um trabalho anterior, introduzir-lhe algum valor acrescentado e passar esse testemunho à comunidade científica a fim de que outros possam voltar a desempenhar o mesmo papel no futuro. Neste sentido a pesquisa documental assume-se como passagem do testemunho, dos que investigaram antes no mesmo terreno, para as nossas mãos. Estudar o que se tem produzido na mesma área é, deste modo, não uma afirmação de erudição académica ou de algum pedantismo intelectual, mas um acto de gestão de informação, indispensável a quem queira introduzir algum valor acrescentado à produção científica existente sem correr o risco de estudar o que já está estudado tomando como original o que já outros descobriram.

1.2.2. Documentos escritos1.2.2.1. Onde procurar?Relativamente aos documentos escritos o primeiro aspecto a considerar é onde procurá-los.

1.2.2.1.1. Bibliotecas e arquivos

Os primeiros locais que naturalmente ocorrem ao investigador são as bibliotecas e os arquivos públicos e privados. No entanto, para respeitar o princípio da economia de tempo, há que proceder a uma selecção prévia dos centros de documentação, ainda que possam frequentar, com proveito, bibliotecas gerais como por exemplo a Biblioteca Nacional.

Na área das relações interculturais vale a pena começar pelas bibliotecas das instituições de ensino superior, nomeadamente as que leccionam cursos de graduação ou de pós-graduação neste domínio específico ou em áreas afins (Antropologia, Sociologia, Psicologia Social, Ciência Política, Comunicação Social, Ciências da Educação e outras) como as seguintes:

● Universidade Aberta. No âmbito do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais, tem vindo a ser coligido um património documental e em suporte mediatizado de grande valor para os investigadores desta área. Sendo prioritariamente

27

para uso dos académicos desta Universidade (docentes e discentes de pós-graduação) tem-se assumido como (bom) costume abrir o acesso a investigadores de fora dentro das possibilidades espaciais e materiais da instituição.

● Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade Técnica de Lisboa. Sendo a escola de Ciências Sociais mais antiga do país, tem um valioso património documental nas áreas da Antropologia Cultural, particularmente no que respeita a regiões tropicais, Política e Serviço Social, Sociologia, Ciência Política e Comunicação Social.

● Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE).

● Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

● Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa.

● Departamentos de Sociologia, de Antropologia e de Comunicação Social das várias Universidades.

● Institutos Superiores de Serviço Social de Lisboa, Porto e Coimbra (Serviço Social, Política Social e Sociologia).

● Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) e Faculdades de Psicologia e Ciências da Educação (Psicologia e Ciências da Educação).

● Escolas Superiores de Educação dos vários Institutos Politécnicos (Ciências da Educação).

Para além das instituições de ensino superior, pode encontrar-se muita documentação relevante em diversos organismos públicos e privados que se têm dedicado ao estudo ou à intervenção nesta área:

● Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian (Ciências da Educação)

● Biblioteca da Sociedade de Geografia (Antropologia Cultural, Etnografia e História)

● Centros de Documentação de diversos Ministérios e Secretarias de Estado com actuação nesta área (Ex: Emprego, Formação Profissional, Solidariedade Social, Educação, Comunidades Portuguesas, etc.).

1.2.2.1.2. Primeira triagem

Antes de começar a consultar indiscriminadamente documentos sobre o objecto de estudo cedendo à tentação da gula livresca para que nos previne Quivy, o investigador deve proceder por aproximações sucessivas, seleccionando progressivamente conjuntos de documentos até chegar a uma dimensão manuseável.

28

Um modo de seleccionar com alguma facilidade conjuntos abundantes de documentação escrita é através da consulta de bibliografias já publicadas.

Também a consulta de enciclopédias, dicionários e vocabulários especializados é de grande utilidade uma vez que os seus artigos apresentam os assuntos de forma resumida, contendo frequentemente indicações bibliográficas adicionais interessantes. Este trabalho é particularmente útil quando precisamos de clarificar conceitos ou de criar conceitos operacionais.

A consulta de bases de dados, quer os catálogos em suporte scripto (nas clássicas fichas em cartolina) quer em suporte microfilmado e digital, revela-se uma etapa indispensável. Qualquer que seja a base de dados a consultar, é recomendável que a consulta seja previamente preparada a fim de não se perder tempo a inventar critérios de selecção no momento da recolha de dados.

Se vai fazê-lo por palavras-chave (descritores) é conveniente que anteriormente tenha elaborado uma lista. Actualmente há dois modos principais de aceder a bases de dados:

● em suporte local, para além dos suportes clássicos ou em microfilme, através de conjuntos de CD Rom encontram-se excelentes indicações bibliográficas tanto em formato de simples resumo, podendo muitas vezes os textos integrais ser encomendados à editora, como em formato integral obtendo-se cópia em suporte scripto (por impressão) ou informo (por cópia para disquete);

● em suporte remoto, é possível e fácil aceder a bases de dados em qualquer parte do Mundo através da Internet.

Um risco a prevenir é o desnorteamento. Perante a situação de sobre-informação que emerge de uma triagem desta natureza, ou o investigador sabe bem o que quer e, nesse caso, está em condições de fazer uma navegação segura por entre o extenso leque de opções com que é defrontado, ou não planeou suficientemente a sua consulta e perde-se num turbilhão de nevoeiro informacional.

Outro critério de selecção que se afigura de grande utilidade é o recurso a uma prévia identificação de revistas especializadas.

No trabalho exploratório de escolha de informação documental relevante, é útil recorrer aos documentalistas , figuras muitas vezes negligenciadas como informadores qualificados.

Para finalizar esta primeira aproximação é conveniente referir que uma fas áreas mais promissoras para a reprodução do conhecimento na sociedade de informação integra a chamada literatura cinzenta, constituída por um conjunto

29

cada vez maior de relatórios de pesquisa, produzidos em contexto académico de graduação e de pós-graduação, não publicados, mas validados por júris qualificados de professores especialistas em diversos domínios, que desempenham um papel equivalente aos referees das revistas de especialidade.

Muitos destes trabalhos, até há alguns anos ignorados pelo facto de não estarem publicados, têm sido crescentemente valorizados, devido a dois tipos de factores:

● por um lado, a informatização dos catálogos dos centros de documentação, permitiu a sua identificação em tempo real, com evidentes vantagens para os seus utilizadores, em termos de selecção, organização e acesso a informação relevante;

● por outro, a universalização da Internet e de vários poderosos sistemas de busca (ex: Google), propiciou que tais facilidades tendessem a tornar-se disponíveis para um número crescente de utilizadores sem barreiras espaciais, ajudados em muitas situações pelo estreitamento das relações entre centros de documentação, que têm possibilitado o empréstimo mútuo e a cópia autorizada em formato analógico e digital.

1.2.2.2. Exploração do textoUma vez feita a dupla triagem de informação acima referida – a dos locais onde procurar e a das unidades de informação a seleccionar (monografias, artigos, relatórios, etc.), a fase seguinte consiste na exploração destas últimas.

1.2.2.2.1. A economia da leitura

Também esta operação deve ser efectuada com algumas preocupações económicas, tendo em atenção o reduzido tempo disponível para a pesquisa. Não se fique, com isto, com a ideia que o autor é um tecnocrata empedernido com exclusivas preocupações de engenharia social. Bem pelo contrário, ele tem defendido o extraordinário valor das leituras e conversas vadias (parafraseando Agostinho da Silva), como catalizadores de inovação e de processos cognitivos divergentes. A questão que aqui estamos a debater, no entanto, é bem específica: não se trata de uma pesquisa qualquer, é uma dissertação de mestrado que dispõe de um tempo muito limitado para ser realizada requerendo cuidados particulares de gestão desse resurso tão escasso.

1.2.2.2.2. Estratégias de exploração de texto

Neste contexto de preocupações, não parece muito eficiente que o estudo de uma monografia ou de um artigo seja feito sem interrupções, do princípio ao fim. Se o fizermos arriscamo-nos a ler muita informação inútil para o nosso

30

trabalho o que não só gasta tempo como produz ruído informacional.

Eis algumas sugestões que a experiência tem legitimado:

● Comece por observar atentamente o título da unidade de informação (artigo, monografia ou outra qualquer). Se por vezes é mal escolhido ou não tem grande valor como informação, habitualmente funciona como cartão de visita do documento em causa, fornecendo elementos valiosos sobre o seu conteúdo12.

● O nome do autor, naturalmente fornece indicações sobre a qualidade do trabalho, partindo do conhecimento do valor de trabalhos anteriores da sua autoria. Há, no entanto, que usar este critério com alguma reserva para que não sejamos induzidos por efeitos de halo13.

● A data e o local das várias edições dão-nos elementos valiosos sobre o contexto espaço-temporal em que ocorreram o que nalguns casos, particularmente quando se examinam obras clássicas com várias edições, é extremamente importante para o entendimento do documento.

● O nome do editor é por vezes um indicador de fiabilidade do documento.

● Das badanas (orelhas) e da contracapa dos livros podemos extrair uma visão resumida sobre o autor e a obra (da responsabilidade do editor), pelo que devem ser examinadas com cuidado.

● Abrindo o livro, o primeiro elemento a observar com cuidado é o índice que fornece informações interessantes sobre a estruturação do trabalho.

● Seguidamente, e provavelmente só após observar com cuidado as conclusões e a introdução, o investigador deve seleccionar os capítulos ou os fragmentos de texto que quer examinar cuidadosamente por serem os pertinentes para o seu objecto de estudo.

● A exploração de um artigo ou de uma monografia é assim um processo não contínuo mas helicoidal em

________________________________12 Grande parte dos títulos são descrições sintéticas dos conteúdos, apresentadas de forma directa ou metafórica. Um exemplo de metáfora extremamente sugestiva escolhida para título é o da clássica investigação de Ruth Benedict sobre a cultura japonesa: O Crisântemo e a Espada, que espelha a dicotomia dialéctica omnipresente naquela cultura, entre o culto da estética, da harmonia e da paz interior simbolizadas pela flor, e a exaltação de tudo o que a espada simboliza: a violência e a desvalorização do indivíduo como fenómeno que não se repete.13 O efeito de halo é a tendência de valorizar um determinado fenómeno, situação ou resultado presente, de acordo com informações passadas e não de acordo com o quadro actual. Este efeito, pode fazer com que um bom aluno que deixou de o ser demore a baixar as notas pelo facto dos professores ainda o verem como bom aluno, assim como pode fazer com que um investigador fascinado pelo brilhantismo (ou pela sua falta) da obra anterior de um dado autor, classifique uma dada obra actual de acordo com a imagem que dele retém de trabalhos anteriores.

31

que o investigador mergulha Q.B. naquele mar de informação a fim de extrair apenas a que necessita.

1.2.2.3. Registo de dadosA questão que a seguir se põe é a de criar um bom sistema de registo de dados.

Havendo quem ainda prefira usar fichas em cartolina ou em folhas soltas de papel, começa a observar-se certa tendência para o registo directo em bases de dados já preparadas para o efeito ou formatadas por medida pelo próprio investigador. A vantagem deste segundo tipo de suporte é a de se poupar tempo e melhorar a qualidade da gestão da informação registada, permitindo procedimentos de busca, classificação, análise e uso dos dados disponíveis, muito mais rápidos e por vezes mais rigorosos. Parece prudente, todavia, não ceder a tentações de novo-riquismo tecnológico, com uma conversão demasiado apressada aos novos suportes. Também aqui o critério económico é determinante: cabe ao investigador pesar os custos (em tempo, sobretudo) dessa aprendizagem tecnológica e compará-los com os benefícios esperados. Uma coisa é certa: um sistema de registo de dados não é mais do que um instrumento de trabalho que o investigador pode e deve personalizar.

Existem dois tipos de fichas particularmente úteis a quem está a fazer uma dissertação, as fichas bibliográficas e as fichas de leitura.

1.2.2.3.1. Fichas bibliográficas

Apesar da sua função eminentemente instrumental recomendar uma adequação personalizada, há elementos informativos que todas as fichas bibliográficas devem possuir, funcionando como uma espécie de bilhete de identidade do documento. As normas que a seguir se enunciam são as que se têm usado na Universidade Aberta e que se têm mostrado adequadas aos tipos de pesquisa até agora efectuadas.

Três tipos de documentos são habitualmente objecto de fichas bibliográficas: monografias, artigos de revistas e unidades (partes, capítulos e secções) de obras colectivas.

Um formato que se tem revelado adequado a uma ficha bibliográfica que pretende identificar uma monografia é o seguinte: apelido do autor, primeiro nome (data de edição), título da obra, local da edição, editora, outras observações.

Exemplo 1

GRAWITZ, Madeleine (1993), Méthodes des sciences sociales, Paris, Dalloz, 870 pp, com um excerto da lição de abertura do Cours de science sociale (1888) de E. Durkheim, prefácios da autora às 1ª e 9ª edições.

Chama-se a atenção para os seguintes pormenores:

32

● O último apelido do autor pode ser registado em maiúsculas ou não, seguido do respectivo nome; no entanto, e isto aplica-se a qualquer outra indicação, o critério de registo deve ser uniforme para todo o trabalho;

● Quando se trata de uma obra de autoria colectiva é costume adoptar-se os seguintes critérios:

- até três autores, mencionam-se os três nomes separados por ”;”:

Exemplo 2

ABADIA, António Farjas; COLLAZO, Carmen Madrigal (1989), Sociologia del Estudiantado y Rendimiento Académico, Madrid, UNED.

- para mais de três autores mas com um principal, basta mencioná-lo e acrescentar et al. (e outros):

Exemplo 3

DOERFERT, Frank et al. (1989), Short descriptions of selected distance education institutions, Hagen, FernUniversitat.

- para mais de três autores com a menção de um coordenador ou editor, regista-se o nome da figura pivot seguida da indicação abreviada (coord. ou ed.) do seu papel:

Exemplo 4

BOUDON, Raymond, coord. (1990), Dicionário de Sociologia, Lisboa, D. Quixote.

- para mais de três autores sem menção de um coordenador ou editor, anota-se a designação AAVV (autores vários) ou VVAA (vários autores):

Exemplo 5

AAVV, (1990), Ciências da Educação em Portugal, Porto, Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação.

● Nos exemplos anteriores a data foi colocada entre parêntesis a seguir ao autor, por se revelar um elemento de interesse imediato; há muitos autores, no entanto, que preferem colocá-la no fim ou sem ser entre parêntesis.

● O título , campo seguinte, dada a sua importância identificadora costuma frequentemente ser destacado,

33

umas vezes a negrito, outras a itálico, outras a sublinhado, outras ainda iniciando os nomes e verbos por maiúscula; também aqui o importante é usar um critério uniforme.

● O local de edição e a editora (sem ed.), devem aparecer em seguida; quando se trata de uma co-edição ou de um livro publicado simultaneamente em vários locais, essa informação deve figurar separada por uma barra:

Exemplo 6

CEREZO, Sérgio Sánchez (coord.) 1983, Diccionario de las Ciencias de la Educación, Madrid, Diagonal/Santillana.

● nalgumas bibliografias torna-se útil, como elemento informativo adicional, fazer referência ao número de páginas da obra.

● as outras observações são separadas por vírgulas sem qualquer parêntesis.

Para artigos de revistas ou outras publicações periódicas, o formato usual de uma ficha bibliográfica é o seguinte: apelido do autor, primeiro nome (data de edição), título da obra, nome da revista entre aspas, local da edição, editora, volume (nº), data, localização (pp xx-yy), outras observações:

Exemplo 7

COSTA, A. Bruto da (1984), Conceito de Pobreza, “Estudos de Economia”, Lisboa, (3), Abril-Junho, pp. 275-295.

Quando se trata de unidades (partes, capítulos e secções) de obras colectivas, a ficha bibliográfica deve conter os seguintes elementos: apelido do autor, primeiro nome (data de edição), título da obra, a designação in, autor(es) da obra colectiva, título da obra colectiva entre aspas, local da edição, editora, outras observações:

Exemplo 8

CÂMARA, J. Bettencourt da (1986), A III Revolução Industrial e o Caso Português, in AAVV, “Portugal Face à III Revolução Industrial; Seminário dos 80”, Lisboa, ISCSP, pp. 63-111.

Há casos em que é necessário fazer registos de legislação. Nessas circunstâncias, a ficha deve conter os seguintes elementos: tipo de norma (Constituição, Lei, Decreto-Lei, Decreto, Portaria, ou Despacho), código (numérico ou alfanumérico), data, autor, fonte em que foi publicada e conteúdo resumido.

34

Em qualquer dos casos anteriores é fundamental não deixar de registar na ficha bibliográfica a identificação do centro de documentação onde foi consultado o documento e a respectiva cota, precaução que prevenirá perdas de tempo em futuras consultas.

1.2.2.3.2. Fichas de leitura

Neste tipo de ficha é comum:

● resumir parte do que se leu

● citar passagens consideradas importantes

● anotar ideias que surjam como eco da reflexão sobre o texto

O trabalho de resumo é uma operação complexa que exige um bom treino. No sentido de gerir o melhor possível o tempo disponível, é conveniente o hábito de escrever directamente no processador de texto os resumos da documentação estudada14. É claro que isto só é exequível quando os documentos estejam no mesmo local do computador. Quando se resume uma dada unidade de informação, interessa ter sempre presente o objectivo da recolha de dados uma vez que um resumo é um acto de selecção da informação pertinente e só dessa.

As citações deverão figurar na ficha entre aspas, com o local de onde foram extraídas devidamente identificado (obra e página, mesmo em relação aos documentos não publicados). Se não houver esse cuidado, ao fim de certo tempo e de muitos registos, o onvestigador não distingue facilmente o que é de sua autoria, resumos e comentários, das citações de outrem, podendo produzir textos plagiados o que, para além da gravidade de que se reveste do ponto de vista ético, pode acarretar consequências criminais ao prevaricador uma vez que objectivamente se está em presença de um acto de apropriação indevida, previsto na legislação sobre direitos de autor.

Os comentários e ideias do investigador deverão ser cuidadosamente anotados na ficha de leitura, enquadrados por um sinal convencional, por exemplo com um P de particular15.

A organização espacial da ficha pode ser de várias formas de modo a preencher adequadamente os requisitos da pesquisa. Tanto pode apresentar-se sob a forma de um texto corrido (neste caso é fundamental distinguir claramente a identificação do documento e os três tipos de elementos que

_______________________________________14 Uma alternativa ao resumo em texto corrido é a diagramação da informação, sob vários formatos (mapas conceptuais, vês heurísticos, fluxogramas, etc.). Este modo de desempacotar conhecimento obriga um esforço maior de análise mas, em contra-partida, permite uma aprendizagem mais significativa dos conteúdos em questão.15 (Rego, 1964: 66). Sobre as vantagens de um bom arquivo de ideias a partir de fichas de leitura, vale a pena ler a já clássica A Imaginação Sociológica, (Mills, 1969), sobretudo o apêndice intitulado O Artesanato Intelectual.

35

se acabam de enunciar) como podem reservar espaços próprios para cada tipo de informação:

Exemplo 9

Identificação da obra

Comentáriospessoais

Resumos

e

“(...)citações (pág. n)”

1.2.2.3.3. Sistemas de classificação

Exemplo 10

Miranda, Joana Catarina Tarelho de (1994), Grupos étnicos em Portugal. Os estereótipos dos “portugueses”, Lisboa, s.n., 197 pp, tese de mestrado em relações interculturais.

Psicologia Social, Interculturalismo, Comportamento, Juventude, Identidade, MRI, Questionários, Grupos étnicos, Portugal, Relações intergrupos, Estereotipo, Racismo, Xenofobia.

No exemplo 10, observa-se que a ficha bibliográfica seleccionada apresenta treze descritores, a que corresponderiam se o suporte fosse de papel ou cartolina, treze diferentes fichas. Como neste caso o ficheiro é em suporte informático, sempre que a base de dados for interrogada com um dos referidos descritores a ficha será seleccionada.

1.2.2.4. Documentos oficiaisPara muitos estudos torna-se necessária a consulta de documentos oficiais que podemos tipificar em dois grupos: as publicações oficiais e os documentos não publicados.

1.2.2.4.1. Publicações oficiais

O Diário da República é uma fonte riquíssima de informações para variados estudos16 dado ser o órgão oficial em que se publicam as principais normas jurídicas.

Também o Diário das Sessões da Assembleia da República constitui uma fonte essencial de informação. Imagine-se, por exemplo, que se está a estudar a política portuguesa relativamente aos refugiados. Neste caso, é tão importante analisar o quadro normativo vigente através do estudo da le-

________________________________16 Um exemplo ilustrador é a dissertação de doutoramento de João Pereira Neto que utiliza como principal fonte para o estudo da política portuguesa de integração racial o Boletim Oficial de Angola, publicação com funções equivalentes às do, então, Diário do Governo (hoje Diário da República) para aquele território. NETO, João Pereira (1964), Angola: Meio Século de Integração, Lisboa, ISCSPU.

36

gislação publicada em Diário da República, como investigar a posição dos diversos partidos sobre o assunto. Este segundo aspecto da questão pode ser clarificado fazendo a análise de conteúdo do Diário das Sessões, no respeitante aquelas em que a legislação sobre os refugiados foi debatida e aprovada.

Tal como as fontes anteriores, as publicações oficiais oriundas da Administração Central (Ministérios e Secretarias de Estado), Regional (dos Órgãos descentralizados das Regiões Autónomas) e Local (dos municípios) podem fornecer informações interessantes ao investigador.

1.2.2.4.2. Documentos não publicados

É frequente depararmo-nos com algumas dificuldades uma vez que o acesso aos arquivos públicos é condicionado17.

Na expectativa de ter de recorrer a arquivos públicos, o investigador deve, por isso munir-se de uma prévia autorização dos respectivos decisores para o que lhe é conveniente possuir uma credencial passada pelo orientador da dissertação ou pela instituição que legitima a sua investigação.

1.2.2.5. EstatísticasAs estatísticas podem também ser excelentes fontes de informação. No entanto, há que ter consciência que não passam de simples instrumentos ao serviço do investigador tendo potencialidades e limitações e devendo ser usadas adequadamente como qualquer outra ferramenta.

1.2.2.5.1. Virtualidades

Dados provenientes de Censos, de Anuários ou de Estatísticas Especiais, podem constituir elementos valiosos por exprimirem grandes tendências nos campos demográfico, social, económico e cultural, de outra maneira dificilmente percepcionáveis.

1.2.2.5.2. Limitações

1.º As estatísticas são concebidas por pessoas, com critérios de categorização e arrumação discutíveis, nem sempre suficientemente explícitos. Polémicas frequentes em torno do modo como se concebem e analisam as taxas de inflação e de desemprego, mostram que nem sempre a fundamentação conceptual das estatísticas é consensual, permitindo margens de interpretação demasiado amplas para serem fiáveis em

________________________________17 O fenómeno a que Adriano Moreira chama clandestinidade do Estado (1979, Ciência Política, Lisboa, Bertrand) traduz-se, mesmo nos Estados em que a Democracia tem fortes raízes, num manto secreto e/ou sagrado com que a informação é coberta face aos cidadãos exteriores ao aparelho de Estado, o que naturalmente dificulta o trabalho de qualquer investigador. Isto, apesar da legislação conducente a dar maior transparência ao trabalho da Administração como, entre nós, o Código de Procedimento Administrativo.

37

termos absolutos.

2.º Há que não esquecer que, por vezes, as estatísticas são concebidas não para clarificarem a realidade mas para justificarem prévias interpretações sobre essa mesma realidade. A posição do investigador perante os dados estatísticos deve ser, por isso, acompanhada de uma atenção crítica constante, sobretudo no que respeita aos critérios de categorização e de cálculo.

3.º Os conceptores das estatísticas não têm os mesmos interesses que os investigadores o que os leva a não terem em conta os mesmos critérios classificatórios. A simples categorização de grupos culturais inserta na base de dados Entreculturas ilustra as dificuldades que se podem encontrar nestes domínios, sublinhando o cuidado com que as estatísticas devem ser manipuladas.

1.2.2.5.3. Princípios orientadores

Em função do exposto constituem medidas de prudência:

● escolher como fontes estatísticas as provenientes de instituições credíveis;

● mesmo neste caso, reflectir criticamente sobre o modo como os indicadores foram concebidos e calculados;

● utilizar a imaginação sociológica para tirar partido das estatísticas, cruzando a matéria prima informativa desta proveniência com informações oriundas de outras fontes documentais e obtidas com base noutras técnicas de recolha de dados (ex: observação e inquérito por entrevista e por questionário).

1.2.2.6. Documentos pessoaisO estudo de Thomas e Znaniecki, no âmbito do que é designado por Escola de Chicago, feito em 1919 sobre os camponeses polacos que emigraram para os Estados Unidos ilustra com clareza a riqueza e também as limitações deste tipo de documentos. Pretendendo fazer luz sobre a teia de experiências de um emigrante desde o momento em que toma a decisão de procurar outras paragens para viver até à sua integração definitiva (ou não) na sociedade de acolhimento, aqueles autores assentaram a sua investigação na análise de dois tipos de documentos pessoais: cartas a que tiveram acesso e relatos escritos pelos próprios emigrantes em que era descrita toda a experiência migratória18.

O interesse deste tipo de documentos reside sobretudo em dois aspectos:

● possibilita aceder a informação que não se encontra noutras fontes podendo extrair-se informação única, sem a

________________________________18 Entre nós, vale a pena referir Paulo Monteiro que utilizou a mesma abordagem para proceder à análise sociológica do abandono de nove lugares agro-pastoris da Serra da Lousã: Monteiro, P., 1985, Terra que Já Foi Terra, Lisboa, Edições Salamandra. Virtualidades

38

qual dificilmente se poderiam entender certas facetas da realidade social.

● permite dar voz aos que normalmente não a têm, possibilitando a difusão da versão de acontecimentos e processos sociais relevantes, contados pelos próprios protagonistas com as suas palavras e estilo.

Não seria possível, por exemplo, entender a complexidade do processo pelo qual um cego-surdo pode conseguir vencer o mundo do silêncio e da insularização social e integrar-se totalmente na sociedade que o rodeia, sem o valioso contributo de Helen Keller que, na sua autobiografia, descreve a espinhosa caminhada que conseguiu fazer, poderosamente apoiada numa mestra excepcional que foi Anne Sullivan.

O mesmo se poderia dizer, noutros campos, no que respeita, por exemplo, a autobiografias de emigrantes, refugiados, prostitutas, exploradores, missionários, administradores coloniais e políticos: possuidores de um património existencial único, não se poderia entender em profundidade o peso de tal experiência na sua vida e na dos agregados com os quais interagem, sem o seu testemunho pessoal, por maior que fosse a empatia 19 dos cientistas sociais .

É o caso do antropólogo Oscar Lewis que, após uma longa investigação no terreno sobre aquilo que chamou cultura da pobreza, selecionou uma família a que deu o pseudónimo de Sanchez, tendo pedido a cada um dos seus elementos que contasse a sua história pessoal. O resultado dessa pesquisa é relatado em duas obras extremamente interessantes que fazem luz sobre o modo como se vive e morre numa cultura da pobreza.

1.2.2.6.1. Limitações

Em síntese é importante ter em conta que:

● como expressões subjectivas dos actores sociais, estão limitados pelos preconceitos, esteriótipos e ideologias dos autores; valendo como testemunhos privilegiados de quem viveu dada realidade, não a retratam com objectividade mas com os olhos de quem a viveu por dentro, por vezes em situações de grande envolvimento emocional com os inevitáveis filtros perceptivos de natureza afectiva e cognitiva;

● por vezes não constituem documentos sociográficos (ainda que subjectivos) mas auto-justificações mais ou menos fundamentadas do comportamento dos autores (bastante frequente em autobiografias de celebridades);

● dada a singularidade de algumas informações que os integram, é difícil provar a sua veracidade;

________________________________19 Utilizamos o termo empatia no sentido rogeriano do termo, expressando a ideia de o investigador entender o modo como o Outro (neste caso o investigado) vê e experimenta o Mundo e a Vida, tendo no entanto consciência que não se é o Outro. Para ilustrar o conceito de empatia, Gisela Konopka numa obra clássica cita um provérbio índio que diz: Nunca julgue um homem sem antes ter caminhado com os seus moccasins durante uma lua. Konopka, G. (1972) Serviço Social de Grupo: Um Processo de ajuda, Rio de Janeiro, Zahar, 2ª edição, da edição original de 1963, pp. 111-112

39

● a análise quantitativa deste tipo de documentos sendo possível através por exemplo de análise de conteúdo é, no entanto, muito trabalhosa.

1.2.2.6.2. Princípios orientadores

É, pois recomendado:

● verificar os factos, sempre que possível, cruzando a informação proveniente de documentos pessoais com a oriunda de outras fontes documentais ou vivas;

● proceder a uma rigorosa crítica externa, averiguando se o documento terá sido escrito pelo autor manifesto;

● fazer uma cuidadosa crítica interna, cotejando a coerência do texto com a realidade conhecida, de forma a apurar a sua veracidade.

Em suma, poder-se-á dizer com alguma segurança que a informação fornecida pelos documentos pessoais podendo ser fonte valiosa para a investigação, tem de ser combinada com a informação proveniente de outras fontes, dadas as limitações acima referidas.

1.2.2.7. Documentos escritos difundidosTomemos o caso de um jornal: o mesmo número pode ter unidades de informação com características diferentes:• notícias com a finalidade de informar o público,• crónicas cujo objectivo é exprimir uma opinião sobre

determinada situação,• artigos claramente apontando para um objectivo formativo,• anúncios com intenções comerciais, institucionais ou políticas,

etc.

Se numa crónica, num anúncio ou mesmo num artigo é de esperar uma intencionalidade do autor que lhe sublinha a sua condição de discurso construído sobre o real mas que dele por vezes se afasta, no caso da notícia o leitor desprevenido tende a confundi-la com o real esquecendo que, ao longo do seu ciclo de vida20 e ainda que tenha havido particulares preocupações de objectividade, a informação sofre progressivas filtragens afastando-se muitas vezes da realidade que pretendia descrever. O investigador tem de estar consciente de todos estes factores para os poder ponderar devidamente na análise da autenticidade e validade dos dados.

1.2.2.7.1. O jornal como fonte de dados

Quando se debruça sobre um jornal com o intuito de o analisar o investigador quer frequentemente atingir um de três objectivos:

● colher informações brutas sobre um dado fenómeno social;

________________________________20 O ciclo de vida de uma notícia começa com a recolha da informação, passando por um complexo processo de verificação, elaboração, paginação, difusão, recepção e reacção dos diversos segmentos de opinião terminando com a sua morte por esquecimento.

40

● salientar o conteúdo da informação difundida;

● revelar o tipo de impacto que dado tipo de informação difundida tem sobre os segmentos de opinião.

Já vimos que o primeiro objectivo deve ser visto com alguma reserva uma vez que a informação difundida é o resultado de sucessivas decantações que lhe podem alterar a fiabilidade. Por seu turno a questão da análise de conteúdo será referida na segunda parte deste Manual.

1.2.2.7.2. Análise de impacto

Para fazer uma ideia aproximada do impacto de uma dada unidade de informação (UI), seja ela notícia, crónica, artigo, anúncio ou outra qualquer, há que ter em conta algumas variáveis:

● o nome do jornal fornece informações sobre o controlo a que está sujeito (por parte de agentes públicos ou privados, de grupos de interesse ou de pressão, de partidos políticos ou de movimentos sociais, etc);

● a data da difusão permite avaliar a importância dada pela opinião pública à informação difundida comparando-a com os relatos de acontecimentos ocorridos na mesma altura (que podem contribuir para sublinhar ou neutralizar o seu impacto);

● a página em que a UI é colocada é um bom indicador do seu impacto;

● o lugar que a UI ocupa na página é também normalmente hierarquizado dando-se maior importância às que se situam em cima e nas colunas da esquerda;

● a grandeza do título constitui um indicador de bastante importância dada a competição existente entre as várias UI relativamente à atenção do leitor; tal grandeza deve ser vista tanto em valor absoluto (número de colunas que abrange, altura e superfície) como relativamente à dimensão dos outros títulos da página;

● no que respeita ao conteúdo do título há que ter em conta a concordância ou não com o texto, a acentuação de determinadas ideias mestras, bem como a vizinhança de títulos que neutralizem ou sublinhem a mensagem daquele.

Na selecção da mensagem a ler o leitor é normalmente receptivo à apresentação da mesma. Assim, para avaliar o grau de impacto que uma UI tem no público, há que ter em conta também as variáveis seguidamente listadas:

41

● Ilustrações. A notícia é acompanhada de ilustrações? Se é, de que tipo? (fotos, diagramas, desenhos, caricaturas, tabelas, gráficos, etc)

● Tipografia. A UI está dividida em partes com caracteres diferenciados?

● Estrutura. Está a mensagem contida numa só página ou fragmentada em duas ou mais? Está subdividida em unidades inteligíveis?

● Origem. Qual a origem da informação? (Agência informativa; corpo redactorial; outro órgão de informação; cidadãos comuns; entidades oficiais; etc.)

● Selecção. Que aspectos dos factos conhecidos pelo investigador foram sublinhados ou omitidos?

Relativamente aos jornais em formato digital, as variáveis atrás assinaladas devem ser tidas em conta com as devidas adaptações (por exemplo, em vez do número da página em que está inserida a unidade de informação, poder-se-á considerar que esta terá tanto mais impacto, quanto menos cliques obrigar o utilizador a fazer, ou seja, quanto mais fácil seja o acesso).

1.2.3. Documentos não escritos1.2.3.1. ObjectosNão cabendo neste Manual o aconselhamento de investigadores em matéria de recolha deste tipo de material21 chama-se a atenção para o facto de qualquer objecto observado com relevância para o estudo dever ser devidamente catalogado e analisado. Uma forma típica de iniciar este processo é fazer uma espécie de ficha de leitura com os seguintes elementos: descrição, localização no espaço e no tempo, funcionalidade.

Um exemplo vivenciado no início dos anos setenta ilustra bem esta afirmação: surpreendida com o grande número de receptores de televisão que detectou num bairro de lata, uma equipa de investigadores descobriu que a TV era usada sobretudo como meio de controlo social. Com efeito, uma desculpa frequente das jovens adolescentes para saírem à noite era irem ver a televisão ao clube do bairro. Sabendo que aquele local era um centro de aliciamento de adolescentes para a prostituição, muitos pais com um enorme esforço financeiro que implicava por vezes endividarem-se, compravam um televisor para reterem as suas filhas em casa.

________________________________21 Este tipo de aproximação é mais próprio dos arqueólogos e dos antropólogos culturais que estudam culturas tradicionais. Numa dissertação sobre Relações Interculturais provavelmente o investigador observará objectos e classificá-los-á mas não necessitará de os recolher. Para quem precisar de o fazer é recomendável a leitura de um livro dessas especialidades. Cfr. por exemplo Mauss, Marcel (s/d) ou Ribeiro (2003).

42

1.3. Técnicas de ObservaçãoNas unidades anteriores foi abordado o planeamento de uma investigação e o processo de pesquisa documental, tendo então procurado também chamar a atenção para a necessidade de ser tomada, por parte do investigador, uma atitude profissional, o que obriga a uma severa disciplina pessoal. O investigador deverá assumir, assim, o papel de um verdadeiro gestor do projecto de investigação pelo qual é responsável, o que implica delinear rigorosas estratégias de acção e planear as consequentes tácticas de pesquisa.

Termina-se dando especial realce à observação participante, pela frequência com que esta técnica é usada, sublinhando ainda alguns aspectos relevantes no desenvolvimento da sua aplicação.

1.3.1. O que é observar?Para clarificar o que se entende por técnica de observação recorrer-se-á a quatro diferentes contextos em que a palavra é utilizada.

1.3.1.1. O testemunho dos deficientesEm 1977 decorreu no Instituto António Feliciano de Castilho, uma escola para crianças cegas, em Lisboa, um curso sobre técnicas de locomoção indispensáveis ao dia-a-dia de um cego, destinado a sensibilizar para elas os profissionais de educação especial.

Em dada altura, já na fase final do módulo, o grupo foi dividido em pares propondo-se-lhes o seguinte exercício:

● em cada par foi atribuído a um dos elementos o papel de guia e ao outro, o de cego;

● para o efeito cada um dos que desempenhou o segundo papel foi devidamente impedido de ver, por colocação de uma venda nos olhos;

● o parceiro que desempenhava o papel de guia conduziria o que simulava ser cego por onde quizesse, observando rigoroso silêncio, preocupando-se exclusivamente em preservar a sua segurança, usando para isso as técnicas aprendidas para guiar um cego;

● o segundo, à medida que a caminhada decorresse, iria descrevendo todo o ambiente circundante com os pormenores que pudesse;

● ao fim de meia hora trocariam de papéis sem comentar a experiência;

● finalmente, em plenário, proceder-se-ia à discussão do exercício.

Os resultados da experiência foram espectaculares: a primeira surpresa revelou-se ao fim de trinta metros de caminhada, por ter sido reconhecido um cruzamento, pela diferença de correntes de ar e pela mudança significativa de ruídos de tráfego. A partir daí as descobertas sucederam-se: a percepção de estarmos passando ao lado de um barbeiro, pelo cheiro a água de colónia e pelo barulho

43

ritmado da tesoura; da estação de serviço, através do característico cheiro misturado de gasolina e óleo queimado; a descoberta do lugar pelo cheiro das hortaliças e legumes e pela conversa entre clientes e lojistas, etc.

Na avaliação do exercício, para além da comprovação de que o invisual tem muito mais possibilidades de orientação espacial do que à partida um normo-visual possa pensar, foi ainda sublinhada através de uma descoberta por todos experimentada de que ver não é só olhar e escutar não é só ouvir .

A passagem do olhar para o ver e do ouvir para o escutar, ou seja a criação de uma atitude de observação consciente passa por um treino de atenção de forma a poder aprofundar a capacidade de seleccionar informação pertinente através dos órgãos sensoriais.

1.3.1.2. Os ensinamentos de Baden PowellA segunda aproximação ao conceito de observação é-nos trazida pelos ensinamentos de Lord Baden-Powell of Gillwell (1857-1941), fundador do movimento mundial do escutismo.

Uma das coisas mais importantes que um escuteiro 22 tem de aprender, quer seja escuteiro de guerra, quer caçador, quer escuteiro de paz, é que nada escape à sua atenção. É indispensável que veja as coisas mais insignificantes e as interprete.

Dos ensinamentos de Baden-Powell pode-se extrair uma segunda característica do conceito de observação: é a de que saber observar, implica confrontar indícios com a experiência anterior para os poder interpretar.

Para qualquer investigador, este procedimento implica, três operações:

● saber identificar indícios, o que requer um treino continuado da atenção;

● possuir uma experiência anterior adequada, o que implica possuir uma boa preparação teórica e empírica;

● ter capacidade para comparar o que observa com o que constitui a sua experiência anterior e a partir daí poder tirar conclusões pertinentes, o que obriga a uma formação metodológica sólida.

1.3.1.3. As lições de Conan DoyleQualquer dos exemplos atrás referidos sublinha a importância do treino da observação. No primeiro caso de Sherlock Holmes intitulado Um estudo em vermelho, é significativa a gostosa passagem em que aquela personagem defende este ponto de vista:

________________________________22 O termo scout significa literalmente batedor, explorador, observador militar, sentinela avançada. Em português a palavra foi traduzida por escoteiro (designação adoptada pela Associação dos Escoteiros de Portugal) e por escuteiro ou escuta (tradução convencionada pelo Corpo Nacional de Escutas).

44

Toda a vida é uma grande cadeia cuja natureza se revela ao examinarmos qualquer dos elos que a compõem. Como todas as outras artes, a Ciência da Dedução e Análise só pode ser adquirida por meio de um demorado e paciente estudo e a vida não é tão longa que permita a um mortal o aperfeiçoar-se ao máximo nesse campo. Pelas unhas de um homem, pela manga do seu casaco, pelos seus sapatos, pelas joelheiras nas calças, pelas calosidades do seu indicador e polegar, pela sua expressão, pelos punhos da camisa... em cada uma destas coisas a profissão de um homem é claramente indicada. Que o conjunto delas não esclareça um indagador competente é virtualmente inconcebível.

1.3.1.4. A experiência dos socorristasA observação é, por conseguinte, um meio indispensável para entender e interpretar a realidade social. Por maioria de razão se compreende que sem uma observação cuidada, feita de modo sistemático, não é possível uma intervenção social eficaz.

Mesmo em campos elementares como no do socorrismo, o treino da observação é indispensável como suporte à acção subsequente.

Noutros domínios da Ciência Aplicada, sobretudo nos campos das Ciências Sociais e da Educação, não é tão evidente a necessidade de uma cuidadosa observação, uma vez que facilmente se toma quase como natural aquilo que é culturalmente construído, agindo muitas vezes os profissionais com base em representações estereotipadas da realidade social.

Daqui decorrem outras duas características importantes no treino da observação:• a capacidade para o observador se distanciar do objecto de

observação, ainda que este pertença à sua própria cultura, de modo a ganhar uma conveniente perspectiva, e

• a capacidade para interpretar um dado comportamento à luz da diversidade cultural.

Resumindo os pontos anteriores, pode-se dizer que observar é seleccionar informação pertinente, através dos órgãos sensoriais e com recurso à teoria e à metodologia científica, a fim de poder descrever, interpretar e agir sobre a realidade em questão.

Mesmo que seja possuidor de treino básico em matéria de técnicas de observação, para cada projecto específico o investigador tem necessidade de planear a estratégia de observação a adoptar de modo a recolher os dados adequados com economia de meios.

Esta preparação da observação implica, antes de mais, responder às seguintes questões:

● observar o quê?

● que instrumentos se deverão utilizar para registar as observações efectuadas?

● que técnica de observação escolher?

45

● no caso de opção pela observação participante que papel assumir, como observatório, e qual o grau de envolvimento a manter com o objecto de estudo?

● que questões deontológicas terá de gerir?

● que dificuldades particulares antevê no processo de observação e como pensa ultrapassá-las?

1.3.2. Que aspectos observar?Na unidade “O projecto de investigação em Ciências Sociais” já se fez referência ao envolvimento do investigador por densas camadas de nevoeiro informacional, integradas por situações de sobre-informação, sub-informação e pseudo-informação, que apelam à necessidade de construção de instrumentos capazes de lhe permitir seleccionar a informação relevante necessária à resolução do seu problema de investigação.

1.3.2.1. Os indicadores como filtros de informação

É neste contexto que se impõe uma breve reflexão sobre a construção e/ou selecção de indicadores, de modo a funcionarem como instrumentos de filtragem de informação, que permitem uma orientação mais segura no terreno.

1.3.2.1.1. Questões conceptuais

A palavra “indicador”, ensina-nos a Enciclopédia Britânica, designa um instrumento que revela condições ou aspectos da realidade, que de outra maneira não seriam perceptíveis à vista desarmada. Descodificando esta definição em partes inteligíveis observa-se que:

1º Trata-se de um instrumento , i.e. não é um fim em si próprio. Desta natureza instrumental, emerge a preocupação de combater o frequente erro, de gastar demasiadas energias e tempo na sua concepção, energias e tempo esses que poderiam ser utilizados para atingir os objectivos principais da pesquisa. É o que acontece, por exemplo, com complicados índices utilizados nalguns estudos que ocuparam demasiado tempo na sua concepção tendo benefícios insignificantes em termos de valor acrescentado à investigação previamente existente.

2º Outro aspecto da definição de indicador que nos parece significativo é a sua faceta de revelador : tal como o revelador fotográfico, que é uma substância que permite o aparecimento da imagem na chapa impressionada, de outro modo não percepcionável, o indicador faz emergir informação, doutra maneira dificilmente inteligível.

46

No meio deste turbilhão informacional, é necessário ao investigador recorrer a processos de selecção da informação útil.

A partir do que se acaba de referir, pode-se definir operacionalmente indicador como um instrumento construído com o objectivo de revelar certos aspectos pertinentes de uma dada realidade, de outro modo não perceptíveis, com o fito de a estudar, de a diagnosticar e/ou de agir sobre ela.

À primeira definição referida, acrescentou-se a ideia de construção, sublinhando que o indicador é sempre um instrumento artificial, acentuando a sua faceta selectiva e pragmática, fazendo ressaltar a sua natureza informativa para a acção. Esta última ideia merece ser sublinhada: com efeito, em toda a nossa vida quotidiana utilizamos indicadores, se bem que muitas vezes não nos apercebamos que o são:

● por exemplo, o médico, para diagnosticar o padecimento do cliente, utiliza indicadores quer de carácter qualitativo (palidez ou rubor da pele, dimensão da pupila e outras queixas feitas pelo doente) quer quantitativos (tensão sanguínea, velocidade de sedimentação, quantidade de glóbulos, percentil do peso e da altura, etc.);

● o meteorologista, por seu turno, não poderia exercer a sua profissão se não recorresse aos indicadores da pressão atmosférica, da temperatura, da humidade, da quantidade de precipitação e de tantos outros;

● o simples motorista, e muitos de nós o somos, utiliza indicadores de nível de gasolina e óleo, da velocidade, das rotações do motor, entre outros, para uma condução mais eficiente e segura.

Ora se os indicadores são tão úteis no nosso viver quotidiano, por maioria de razão o serão para entendermos o sistema social onde estamos inseridos, cuja complexidade e diversidade necessita ser descodificada, sistematizada, avaliada e, se possível, medida para ser inteligível.

1.3.2.1.2. Indicadores demográficos e económicos

Os primeiros neste campo, a serem sistematicamente recolhidos e tratados foram os indicadores demográficos , que permitiram a investigadores e administradores aperceberem-se com maior rigor e clareza de aspectos relacionados com a estrutura da população, na sua distribuição espacial e funcional, e retratar a sua dinâmica, através dos indicadores de natalidade, mortalidade e migrações. A resultante prática da utilização dos indicadores demográficos foi tão grande, que há autores que a referem como um dos pilares fundamentais sobre o qual assentou o Estado-Providência.

47

Paralelamente e respondendo às necessidades de analisar as grandes crises económicas dos dois últimos séculos desenvolveram-se os indicadores económicos que todos os dias são publicados e publicitados pelos media.

1.3.2.1.3. Indicadores Sociais

Houve que criar instrumentos que permitissem revelar com clareza e precisão o que se estava a passar. É desta necessidade que emergem os primeiros estudos sobre indicadores sociais. Estes, tal como no caso dos anteriores, podem ser quantitativos ou qualitativos.

Um exemplo de indicador quantitativo é a taxa de mobilidade intergeracional calculada por Birnbaum e a sua equipa, construído para revelar a fraca mobilidade social existente na classe dirigente francesa nos últimos 30 anos: Para a construir, Birnbaum começou por agrupar as diversas profissões em diferentes níveis de status social. Com base nestes elementos construíu o indicador referido, a taxa de mobilidade intergeracional que, como o nome indica, se destina a revelar a mobilidade social no espaço de uma geração, considerando:

● haver mobilidade vertical quando a posição social do filho fosse superior à do pai (ascendente) ou inferior (descendente);

● existir mobilidade horizontal, quando pai e filho pertencessem a profissões diferentes mas do mesmo nível;

● hereditariedade social quando pai e filho tivessem exactamente a mesma profissão e o mesmo nível hierárquico.

De acordo com aqueles critérios, Birnbaum observa que em França, nos 30 anos que antecederam o estudo, se havia verificado uma diminuição substancial de mobilidade ascendente, ocorrendo com cada vez maior frequência a situação de dirigentes, quer do sector privado quer do sector público, serem filhos de outros dirigentes ou de ex-dirigentes.

Os indicadores qualitativos não são menos importantes na produção científica contemporânea. Um exemplo ilustrativo é o quadro de várias dezenas de indicadores de que Oscar Lewis se serve para caracterizar a cultura da pobreza, (Lewis, 1968, op.cit), e que podemos observar na fig. 8.

Tanto os indicadores sociais quantitativos como os qualitativos, são construídos para atingir quatro objectivos concretos:• retratar a realidade social nas suas facetas estrutural e

dinâmica,• revelar as percepções dos diferentes grupos sociais

sobre o sistema social,• planear a intervenção social e, finalmente,• avaliar essa intervenção com clareza e rigor.

48

Fig. 8 – Quadro de indicadores qualitativos indiciadores da cultura da pobreza, segundo o antropólogo americano Oscar Lewis (1968)

I – Relação com a sociedade envolvente

1. Falta de recursos económicos2. Medo3. Suspeita4. Discriminação5. Apatia6. Salários baixos7. Desemprego e subemprego cró-

nicos8. Rendimentos baixos9. Ausência de posse de proprieda-

des10. Ausência de posse de economi-

as11. Ausência de reservas alimenta-

res no lar12. Ausência de dinheiro no dia-a-

dia13. Alta taxa de uso de penhores

para crédito14. Alta taxa de uso de agiotas lo-

cais15. Créditos locais espontâneos16. Uso de roupas e mobiliário em

2ª mão17. Prática de compra de pequenas

quantidades de géneros18. Baixa produção e baixo consu-

mo19. Baixa taxa de alfabetização

20. Baixa participação nos sindica-tos

21. Baixa participação nos partidos políticos

22. Baixa participação associativa23. Baixa utilização dos bancos

24. Baixa utilização dos hospitais25. Baixa utilização de grandes lo-

jas26. Baixa utilização dos museus e

galerias27. Ódio à polícia28. Desconfiança face à hierarquia

da “outra cidade” (governo, ad-ministração, etc.)

29. Desconfiança face à Igreja

30. Consciência dos valores da classe média, mas sem os prati-carem

31. Alta taxa de casamento consen-sual

32. Alta taxa de jus materno

II – Natureza da comunidade33. Más condições habitacionais34. Amontoamento (sobrelocação)35. Fraca organização36. Consciência de pertença face

ao exterior

III – Caracterização da família37. Ausência de infância como fase

protegida38. Iniciação sexual prematura39. Uniões livres em casamentos

consensuais40. Alta taxa de abandonos

41. Alta taxa de famílias chefiadas por mães

42. Maior conhecimento do paren-tesco materno

43. Maior autoritarismo

44. Falta de vida privada

45. Ênfase verbal sobre a solidarie-dade familiar, desmentida na prática

IV – Aspectos individuais46. Forte sensação de marginalida-

de, desamparo, dependência, inferioridade, resignação e fata-lismo

47. Alta incidência de privação ma-terna e de oralidade

48. Estrutura fraca do ego49. Confusão quanto à identificação

sexual50. Falta de controle sobre os im-

pulsos. Espontaneidade com-portamental

51. Orientação quase exclusiva pa-ra o Presente. Fraco sentido de Passado e Futuro do Exterior

52. Machismo53. Tolerância quanto a patologia fi-

siológica54. Ausência de consciência de

classe55. Baixo nível de aspirações56. Exaltação da aventura como um

valor57. Presença quotidiana da violên-

cia

Fonte: Carmo, H. (1986), Análise e intervenção organizacional, Lisboa, Fundetec.

Utilizando o conceito operacional anteriormente definido, poderá dizer-se que, os indicadores sociais são instrumentos construídos com o objectivo de revelar certos aspectos pertinentes da realidade social, de outro modo não

49

percepcionáveis, com o fito de a estudar, de a diagnosticar e de sobre ela poder intervir.

1.3.2.1.4. Critérios para a construção de indicadores sociais

O primeiro critério referido por diversos autores para a construção de indicadores sociais é o do reconhecimento da sua utilidade: com efeito, ao construir um indicador, há que questionar se ele poderá ser útil quer para a análise da realidade quer para a intervenção dos actores sociais.

Os caminhos utilizados para a sua elaboração são, assim, variados podendo-se:

● partir de dados já disponíveis e utilizá-los em bruto (por exemplo: número de alunos de uma minoria que frequentam uma determinada escola);

● construir índices a partir da sua combinação (por exemplo: número de alunos de uma minoria étnica que frequentam uma determinada escola sobre o número total de alunos vezes cem, o que permite ver o seu peso relativo no total da população discente);

● recolher dados brutos através de pesquisa directa para responder a certas questões (por exemplo, presença de indicadores de subcultura de pobreza no grupo considerado).

1.3.2.2. Guiões de observação e sistemas de registo

Quando se planeia uma observação no terreno é do terceiro tipo de indicadores que se trata. O critério da utilidade deve estar sempre presente, devendo construir-se um guião de observação que inclua um conjunto de indicadores necessário para retratar o objecto de estudo mas não excessivamente abundante de modo a poder criar uma situação de sobre-informação.

Para se conceber tal instrumento, é conveniente tirar partido das leituras e contactos efectuados no estudo exploratório bem como a um reconhecimento prévio no terreno a observar. É extremamente importante que o investigador não vá desarmado para o campo.

Para além do uso dos próprios guiões de observação que podem funcionar como instrumentos de registo, é usual recorrer-se a outros elementos como os seguintes:

● bloco-notas;

● diário de pesquisa;

● gravações em audio ou em vídeo.

O bloco-notas deve ser uma companhia permanente do investigador. É nele que são anotadas as primeiras impressões, sob a forma de tópicos, diagramas e breves memorandos, de modo

50

a auxiliar a sua memória quando vier a registar mais detalhadamente os resultados da sua observação.

Este primeiro apontamento é necessário mas não é suficiente tendo de ser completado com um relato mais detalhado em que se registem os factos observados, interpretações que nos mereceram, hipóteses que se nos levantaram fruto da observação, bem como outras informações úteis a não esquecer (ex: nomes de pessoas contactadas ou a contactar, bibliografia a revisitar, etc.). É com essa função que vários autores recomendam a elaboração de um diário de pesquisa.

Trata-se, como o nome indica, de um autêntico diário de bordo, em que o investigador vai assentando por ordem cronológica os vários procedimentos da sua investigação, os resultados das observações efectuadas, os acontecimentos relevantes, etc. É conveniente que a sua formatação permita a inserção de diversos tipos de documentos anexos como fotografias, mapas, gráficos, tabelas e outros, pelo que não é aconselhável o uso de cadernos e blocos que dificultam a inserção desse tipo de informação adicional.

Se o investigador optar por usar um diário de pesquisa em suporte scripto, uma solução prática é o uso de um dossier com folhas soltas, em que se podem entremear os elementos anexos directamente ou em pastas transparentes.

Se a escolha recair em suporte informático, isto é, se se quiser escrever directamente num computador, ou é possível dispor de um scanner a fim de guardar imediatamente em memória os documentos adicionais, ou se fazem remissões no texto do diário de pesquisa para um dossier devidamente organizado onde fique esse material. O registo imediato do diário de pesquisa em suporte informático tem, a nosso ver, algumas vantagens sobre o clássico dossier:

● em primeiro lugar, permite construir texto que pode vir a ser recuperado facilmente na elaboração do relatório final da investigação;

● em segundo lugar proporciona uma pesquisa rápida da informação registada através do recurso às ferramentas do processador de texto;

● em terceiro lugar, permite um arquivo seguro e organizado dos dados recolhidos o que não é de desprezar para quem tem de lidar com quantidades tão grandes e tão dispersas de informação.

Em qualquer dos casos, a experiência recomenda alguns procedimentos na feitura de um diário de pesquisa:

● o registo deve ser feito tanto quanto possível no mesmo dia do registado a fim de não se perder informação relevante;

● as anotações devem ser registadas por ordem cronológica;

● a formatação do diário deve permitir que, numa leitura posterior, o investigador possa destrinçar os factos

51

observados, dos juízos de valor, interpretações e hipóteses que lhe tenham ocorrido;

● periodicamente o diário deve ser usado como fonte de reflexão e cuidadosamente anotadas novas ideias que surjam desse procedimento; duas leituras são possíveis e úteis:• uma leitura por ordem cronológica permite ao

investigador tomar consciência da sua caminhada dando-lhe pistas para uma monitorização da sua pesquisa e para a introdução de correcções a fazer;

• uma leitura temática possibilita-lhe a apropriação progressiva de cachos de ideias por processos de comparação, justaposição e combinação de informações colhidas em momentos e locais diferentes;

● para uma leitura temática eficiente é conveniente que o investigador, sobretudo se trabalhar em suporte scripto, elabore um índice analítico do seu diário de pesquisa.

1.3.3. Tipos de observaçãoUma forma usual de tipificar as técnicas de observação é distingui-las de acordo com o envolvimento do observador no campo do objecto de estudo.

1.3.3.1. Observação não-participanteSe o observador não interage de forma alguma com o objecto de estudo no momento em que realiza a observação, não poderá ser considerada como participante.

Se o investigador optar por observar a dinâmica do grupo em situação de aula, oculto por detrás de um painel espelhado, está a fazer uma observação não-participante.

Este tipo de técnica, possui características interessantes por:

● reduzir substancialmente a interferência do observador no observado;23

● permitir o uso de instrumentos de registo sem influenciar o grupo-alvo;

● possibilitar um grande controlo das variáveis a observar.

No entanto, a sua aplicação é limitada não só porque o equipamento adequado apenas está disponível em algumas instituições (Escolas Superiores de Educação, por exemplo) mas também porque só se adequa a alguns objectos de estudo. Grande parte das pesquisas exige um trabalho de campo em situação natural não se podendo simular em laboratório situações de alta complexidade com grande número de actores e de variáveis. Para tais situações o investigador tem de recorrer a técnicas de observação caracterizadas pelo seu envolvimento através da assunção de um dado papel social junto da população observada:

________________________________23 Não reduz totalmente a interferência uma vez que, por imperativo ético, o observador deve previamente colher a autorização dos elementos do grupo-alvo da observação.

52

são as técnicas de observação participante .

1.3.3.2. Observação participante despercebida pelos observados

Em certas investigações deste tipo, o papel que o investigador assume é ténue, passando completamente despercebido à população observada, sem que esse facto possa considerar-se incorrecto do ponto de vista deontológico uma vez que as situações observadas ocorrem em ambiente aberto, como nas situações que a seguir se enumeram:

● estudo do comportamento de claques de futebol;

● padrões de actuação de vendedores ambulantes ciganos em feiras;

● expressões associativas de grupos minoritários;

● padrões de ocupação de tempos livres de cabo-verdeanos.

No primeiro exemplo, poderá o investigador assistir a diversos jogos, de lugares contíguos aos das claques, observando o seu comportamento sem que a sua presença seja tida em consideração.

Em locais ou situações de acesso condicionado, a questão deontológica já se põe, uma vez que o papel de investigador não lhe dá o direito de assumir um estatuto semelhante ao do infiltrado, permitido a algumas polícias criminais.

1.3.3.3. Observação participante propriamente dita

Como o desempenho do seu papel de estudioso junto da população observada o faz de algum modo participar da vida da população observada, dá-se a esta técnica o nome de observação participante.

De Outubro de 1970 a Julho de 1971 foi realizado um estudo exploratório sobre um bairro de lata de Lisboa com o duplo objectivo de fazer um levantamento sociográfico sobre o estilo de vida da população e de levantar algumas hipóteses sobre as suas estratégias de sobrevivência24. Como estratégia de base para a recolha de dados, cada um dos oito elementos da equipa assumiu um papel reconhecido como socialmente útil pela comunidade:• três inscreveram-se como professores dos cursos nocturnos

para adultos, que faziam parte do programa da instituição particular de solidariedade social implantada no bairro;

• outros três assumiram o papel de recepcionistas do seu posto médico, onde eram facultadas consultas de diversas especialidades e donde estava a ser desencadeada uma campanha de saúde pública;

• os dois restantes, ofereceram-se para o serviço de bufete do clu-________________________________24 Incidindo sobre um bairro hoje desaparecido, a Quinta do Bacalhau, o trabalho foi desenvolvido no âmbito da disciplina de Metodologia das Ciências Sociais, do curriculo das licenciaturas em Serviço Social e em Ciências Sociais e Política Ultramarina do ISCSPU/UTL.

53

be do bairro, local de encontro habitual da juventude e de alguma população adulta.

No fim de cada semana, a equipa fazia uma reunião em que era comparada a informação registada nos respectivos diários de pesquisa e discutida a sua fiabilidade.

Da avaliação deste caso sobressaem as principais vantagens e limitações da técnica de observação participante:

● a possibilidade25 de entender profundamente o estilo de vida de uma população e de adquirir um conhecimento integrado da sua cultura é, sem dúvida, a sua principal vantagem;

● como limitações dominantes salientam-se a morosidade que tal técnica exige e as dificuldades que levanta a uma posterior quantificação dos dados.

1.3.4. Aspectos relevantes da observação participante

Há muito utilizada pelos antropólogos em estudos sobre pequenas comunidades, a observação participante tem vindo a ser cada vez mais usada em trabalhos de natureza sociológica, interdisciplinar ou em antropologia das sociedades complexas, quer como ferramenta exploratória quer como técnica principal de recolha de dados, quer ainda como instrumento auxiliar de pesquisas de natureza quantitativa.

Dada a sua utilidade vale a pena reflectir um pouco sobre duas questões a ter em conta no seu uso, a fim de dela melhor se poder tirar partido:

● a questão do papel social que se vai desempenhar como observatório

● a questão da intensidade do mergulho

1.3.4.1. A questão do observatórioNo estudo exploratório sobre a Quinta do Bacalhau, atrás referido, tirou-se partido do facto de ser uma equipa diversificada e numerosa, assumindo cada um dos estudantes um papel diferente.

1.3.4.1.1. Negociação e escolha do papel

Numa dissertação de Mestrado, como aliás acontece na maior parte das vezes, isto não é possível realizar, uma vez que o investigador está a trabalhar sozinho. Neste caso tem de se ter especial cuidado na negociação, desenvolvida com a população-alvo, e ponderar seriamente sobre o papel social que se propõe desempenhar.

Uma vez que o investigador é habitualmente considerado como intruso, a sua presença desperta no mínimo alguma perplexidade e, frequentemente, desconfiança, sentimento que é necessário vencer com habilidade e perseverança. De

________________________________25 Tal conhecimento não é automático. Exige da parte do investigador uma profunda vigilância relativamente aos seus preconceitos de raíz etnocêntrica ou não.

54

facto, o investigador é objectivamente um forasteiro que precisa de ganhar a confiança do grupo ou da comunidade onde se vai integrar. Para isso é recomendável a assunção de um papel que seja simultaneamente claro para a população-alvo – por exemplo que não seja identificável com papéis antipáticos ou temidos26 – e de utilidade social reconhecida.

No exemplo acima referido, os papéis assumidos eram facilmente inteligíveis e reconhecidamente úteis, uma vez ter sido dado a conhecer a nossa dupla condição: estudantes que precisavam de apresentar um trabalho académico e que haviam querido conciliar tal necessidade com o desempenho de um trabalho voluntário na comunidade, professores, recepcionistas ou voluntários no apoio ao clube do bairro.

Após uma cautelosa fase inicial, por parte da população residente no bairro, em que os testes à nossa autenticidade foram constantes e revelaram a verdade dos nossos discursos, a equipa foi adoptada sem reservas, desenvolvendo-se uma relação de grande franqueza e, nalguns casos, mesmo de amizade, o que permitiu a nossa presença assídua no bairro a qualquer hora do dia ou da noite sem qualquer precaução particular de segurança.

1.3.4.1.2. O horizonte de cada papel

Na escolha do papel social a desempenhar pelo investigador, quando em trabalho de campo, é preciso ter consciência que este cria um espaço que vai funcionar como observatório.

O papel de professor de adultos exercido na Quinta do Bacalhau, por exemplo, que era extremamente adequado para observar em profundidade os processos e as dificuldades de aprendizagem de uma população adulta de trabalhadores manuais não qualificados, não permitia obter informações significativas no respeitante ao modo como geriam os seus tempos livres, uma vez que havia um objectivo conflito de interesses entre o tempo consagrado ao estudo e o pouco que destinavam ao lazer. Esta situação levava a uma certa reserva quando eram interrogados sobre o que faziam fora das aulas.

Em suma, a escolha de cada papel social tem benefícios e custos que é preciso ter em conta, devendo ser feita de acordo com o objectivo da pesquisa.

1.3.4.2. A questão da intensidade do “mergulho”As consequências da sua opção são extremamente relevantes como adiante se poderá ver.

________________________________26 A suspeita de que o investigador poderá ser um polícia infiltrado, em comunidades com problemas de comportamento desviado, ou que é um aliado dos outros, em zonas dominadas por diferentes facções locais, constitui um sério obstáculo à realização de uma investigação que requeira a realização de trabalho de campo.

55

1.3.4.2.1. A Janela de Johari

Conhecidopelo outro

Desconhecidopelo outro

Conhecidopelo próprio Área livre Área secreta

Desconhecidopelo próprio Área cega Área inconsciente

Fonte: LUFT, J., s/d, Introdução à Dinâmica de Grupos, Lisboa, Moraes

Figura 9 – Janela de Johari

Este modelo representa o grau de lucidez nas relações interpessoais, classificando os elementos que influem nessas relações em quatro áreas, relativamente a um dado ego:• área livre: aqueles que integram a informação conhecida

pelo ego e pelo outro;• área cega: os que são conhecidos apenas pelo outro (ex:

a imagem não verbalizada que o outro tem do ego);• área secreta: os que, pelo contrário, o ego conhece sem

os partilhar com o outro;• área inconsciente: os elementos que condicionam a

relação mas dos quais, nem o ego nem o outro têm consciência.

No caso vertente a situação é a da relação de um investigador com um dado objecto de estudo (grupo, organização, comunidade ou outro sistema social mais amplo). Tomemos um caso como exemplo:

Ao iniciarmos o nosso trabalho (de campo aquando da pesquisa para a dissertação de doutoramento), tínhamos consciência de dois tipos de limitações que poderiam funcionar como filtros comunicacionais ao longo do processo.A primeira, decorria do diferente observatório em que nos colocávamos para estudar cada uma das organizações que constituíam o nosso objecto de estudo:– relativamente à UNED, posicionávamo-nos como

observador exterior, o que acarretava a evidente vantagem de podermos interpretar a informação que sobre ela recolhessemos com um olhar distanciado e eventualmente menos comprometido; esta vantagem era simultaneamente um inconveniente, na medida em que a nossa condição de investigador externo não nos permitiria objectivamente27 aceder a alguma informação importante. Dito de outro modo, e utilizando o conhecido modelo da Janela de Johari, o nosso observatório permitia-nos o fácil acesso à área cega da UNED mas dificultava-nos o acesso à sua área secreta;

________________________________27 Com o termo objectivamente, quer sublinhar-se que as consequências desta situação seriam independentes da boa vontade dos nossos informadores.

56

Outro

Próprio

– a posição de observador mergulhado na Universidade Aberta, possibilitava, pelo contrário, o acesso à área secreta da instituição28 mas dificultava aceder à sua área cega29, por outro lado, se o papel de coordenador de ensino nos colocava numa boa posição para observar o funcionamento da UA, criava uma situação de ambivalência sociológica devido às diferentes exigências dos papéis em jogo – o de investigador e o de dirigente30; (...)

1.3.4.2.2. Mergulho restrito

Como se pode ler na citação, o posicionamento distanciado do investigador pode trazer-lhe o benefício de aceder mais facilmente à área cega do objecto de estudo do que aqueles que nele estão envolvidos. Aquele caso, em concreto, permitiu ao investigador perceber que a instituição observada apresentava três características ameaçadoras pouco perceptíveis para alguns dos que nela trabalhavam:

● o seu gigantismo, que lhe estava a ocasionar alguns problemas de coesão interna e rapidez de resposta aos desafios da mudança;

● um modelo demasiado dependente de tutorias presenciais, o que obrigava a aumentar particularmente os custos cada vez que se aumentava a oferta de disciplinas;

● uma tensão perigosa entre centro e periferias, factor de redução de eficiência e de eficácia.

No entanto, há que ter consciência que quanto maior for o distanciamento do investigador menor será o seu acesso à área secreta do objecto a observar .

1.3.4.2.3. Mergulho profundo

A opção contrária, isto é, a escolha de um papel em que o investigador se envolve com maior profundidade com a população a observar tem também, como é óbvio, os benefícios e os custos contrários à situação acabada de descrever: o acesso à área secreta do objecto de estudo é facilitado enquanto que a observação da sua área cega fica substancialmente dificultada.

Esta foi a situação em que nos encontrámos ao observar a nossa própria instituição, permitindo o acesso a informação reservada aos de dentro mas retirando-nos a perspectiva do observador exterior.

________________________________28 Esta situação, em parte facilitadora da pesquisa levantava-nos, em contrapartida, a questão ética da utilização da informação, o que implicava um esforço adicional da sua selecção.29 Fosse qual fosse o ponto de observação em que nos situássemos, este seria fonte de miopia organizacional, termo que designa o conjunto de filtros que impedem o observador de percepcionar a organização na sua dinâmica. Carmo, H. (1986), Análise e Intervenção Organizacional, Lisboa, Fundetec.30 Um problema evidente era o da clássica interferência do observador no objecto de estudo. Esta questão, no entanto, pareceu-nos de importância relativa, porque a postura meso e macro em que nos colocávamos, distanciava-nos da nossa interferência como coordenador de ensino.

57

A situação de observador participante é portanto muito complexa, contendo em si dois papéis em constante dialéctica – o de observador e o de participante – exigindo por parte do investigador uma constante auto-vigilância se quer manter o equilíbrio precário conferido pela sua dupla condição.

Tal equilíbrio apesar de difícil é possível como o demonstram trabalhos clássicos como os de Moreno, Lewin, Lebret, e tantos outros que conseguiram aliar a objectividade da observação científica à militância da intervenção social.

Foi também a partir do seu papel de participante mergulhado nas comunidades de pescadores da Bretanha em que exercia o seu magistério, que o padre Lebret, uma das figuras mais interessantes e mais esquecidas no domínio da teoria e da prática da intervenção social, implementou a metodologia do inquérito-participação como instrumento de desenvolvimento de comunidades. Foi igualmente reflectindo sobre a sua prática que, aquele que veio a ser um dos principais peritos do Concílio Vaticano II em matéria de Desenvolvimento, marcando com o seu pensamento documentos fundamentais como a Constituição Pastoral da Igreja no Mundo Contemporâneo (Gaudium et Spes), elaborou uma teoria do Desenvolvimento que quase quarenta anos mais tarde mantém uma surpreendente actualidade.

Nalguns casos, como nos de Paulo Freire31 e de Camilo Torres32, a relação existente entre o papel de observador e o de participante tende a desequilibrar-se claramente em favor do segundo chamando alguns autores a esta situação a de observação militante. Independentemente dos perigos de oerda de objectividade científica que são muito evidentes, sendo uma posição civicamente respeitável, em contexto de investigação para a obtenção de um grau académico é uma opção perigosa pois dispersa o investigador e afasta-o objectivamente desse objectivo de curto prazo.

1.3.5. Problemas deontológicosPartindo do princípio que todos os aspectos técnicos da observação estão controlados é fundamental que o investigador, antes de iniciar a recolha de dados e no seu decorrer, tenha em conta a questão deontológica levantada por eventuais conflitos de interesses entre si e a população-alvo.

________________________________31 Andragogo brasileiro desenvolveu uma eficaz metodologia de alfabetização e educação cívica de adultos cuja aplicação o levou ao exílio na altura da ditadura militar. O seu método tem sido utilizado em todo o Mundo quer por organismos transnacionais como a UNESCO quer por entidades estatais e ONGs.32 Nascido em 1929 em Bogotá numa família da classe alta e ordenado em 1954, o padre Camilo Torres, após ter realizado estudos superiores na Universidade de Louvain ocupou em 1958 o lugar de professor de Sociologia na Universidade de Bogotá. Após quatro anos em que conseguiu articular a sua actividade de docente e de investigador com a de militante dos direitos civis, entrou em rotura com o sistema após a crise estudantil de 1962, acabando por aderir à guerrilha em 1965 e ser morto em 1966. A sua principal obra sociológica foi postumamente compilada em Torres, C. (1968), Ecrits et Paroles, publicada em Paris pelas Éditions du Seuil.

58

Ao ganhar a confiança da população observada, o investigador passa a ter acesso a um conjunto de informações secretas e eventualmente sagradas sobre a sua cultura33. Em contrapartida, compromete-se implicitamente a respeitar certas regras de controlo de informação obrigando-se a só divulgá-la quando autorizado.

Um caso particular que naturalmente agudiza esta questão é o dos estudos sobre grupos de acesso restrito como alguns agregados políticos e económicos (movimentos sociais, elites, grupos de pressão e partidos), comunidades étnicas e religiosas, grupos com estatuto socialmente desvalorizado (homossexuais, delinquentes, prostitutas) e associações secretas. Nessas situações é previsível ocorrerem resistências ao trabalho do investigador devido às suas características pessoais (género, idade, classe social, religião, etc.). Quando as barreiras são vencidas e a confiança estabelecida a filtragem da informação a difundir é de primordial importância.

Esta importante questão leva à necessidade de uma prévia negociação com a população-alvo sobre os limites até onde pode exercer o seu papel de investigador, não sendo desejável qualquer acção que possa conduzir à sua identificação como ladrão de informação . Tal situação não só seria eticamente condenável como vacinaria a população contra trabalhos a efectuar futuramente por outros investigadores.

Podendo por vezes assumir contornos difíceis, tal negociação é possível, como o provam estudos clássicos como o já citado de William F. Whyte sobre os bandos de esquina, ao qual poderiam acrescentar-se muitos outros como a que Allinsky fez sobre o bando de Al Capone ou, entre nós, como a que Olímpio Nunes realizou sobre os ciganos.

Em suma qualquer investigador deverá ter a maturidade emocional e a integridade moral suficientes para saber gerir a situação de ambivalência sociológica que o confronta com o dilema da dupla fidelidade, à comunidade académica que lhe pede resultados cientificamente interessantes e à população-alvo que em si confiou um património de informações de acesso reservado.

________________________________33 Correspondentes à sua área secreta.

59

60

1.4. Inquéritos por entrevista1.4.1. A interacção directa, questão-chave na

técnica de entrevistaA interacção directa é uma questão-chave da técnica de entrevista. Recordando o que se disse na unidade anterior relativamente à janela de Johari, a situação habitual no início de uma entrevista é a da presença de dois interlocutores (duas janelas) cuja interacção apresenta áreas livres muito reduzidas, áreas cegas relativamente grandes e áreas secretas igualmente extensas34. Dito de outro modo, quando vai começar uma entrevista o investigador partilhou habitualmente pouca informação com o entrevistado (área livre pequena), sabe pouco sobre ele (grande área cega do entrevistador e secreta do entrevistado) encontrando-se este último na mesma situação (extensa área cega própria e secreta de quem o vai entrevistar).

Em termos globais o objectivo de qualquer entrevista é abrir a área livre dos dois interlocutores no que respeita à matéria da entrevista, reduzindo, por consequência, a área secreta do entrevistado e a área cega do entrevistador.

Para atingir tal meta uma estratégia habitualmente eficaz é a de começar por reduzir a nossa área secreta aplicando uma regra fundamental das relações humanas, a regra da reciprocidade. Uma primeira forma de o fazer é através de uma apresentação bem feita a qual assume três vertentes:

● a apresentação do investigador

● a apresentação do problema da pesquisa

● e a explicação do papel pedido ao entrevistado.

Ao abrir a sua área secreta, o entrevistador fornece ao entrevistado dados que lhe permitem entender a sua importância como fornecedor de informação e, por consequência, a sua utilidade para a investigação em curso. Quando é criado este tipo de entendimento, o entrevistado tem tendência a colaborar (co-laborare = trabalhar com), sentindo que não está a ser simplesmente utilizado ou mesmo manipulado.

A circunstância de ser uma situação em interacção directa ou presencial faz com que no acto de entrevistar se tenham de gerir três problemas em simultâneo:

● 1º, a influência do entrevistador no entrevistado;

● 2º, as diferenças que entre eles existem (de género, de idade, sociais e culturais);

● 3º, a sobreposição de canais de comunicação.

________________________________34 Não é relevante falar-se das áreas inconscientes uma vez que estas não se alterarão significativamente numa entrevista deste tipo.

61

1.4.1.1. Influência do entrevistador no entrevistado

Apesar de ser desejável criar uma situação simétrica no estabelecimento do diálogo entre o entrevistador e o entrevistado, a verdade é que existe, regra geral, uma objectiva assimetria entre os dois interlocutores: o entrevistador possui um dado estatuto diferente do do entrevistado, que pode limitar a comunicação quer inibindo este último de colaborar abertamente (por desconfiança), quer levando-o a responder às questões que lhe são postas de acordo com o que pensa que o entrevistador deseja que ele próprio responda (por efeito mimético).

O risco aumenta se o entrevistador for pouco cuidadoso na forma como coloca as perguntas, induzindo as respostas com formas enfáticas de perguntar ou com modos de excluir respostas possíveis. Vejamos dois exemplos:

● uma pergunta começada por uma expressão deste tipo: “o Sr. não acha que...” é uma forma indutora por via enfática conduzindo o entrevistado a uma resposta esperada pelo entrevistador;

● quando se pergunta ao entrevistado se concorda ou não com determinada situação, admite-se apenas uma de duas respostas - sim ou não - quando podem existir outras como “não sei, nunca tinha pensado nisso” (entrevistado não familiarizado com o problema) ou “depende da circunstância X, Y ou Z” (entrevistado muito familiarizado com o problema e com as suas nuances).

1.4.1.2. Diferenças culturais entre entrevistador e entrevistado

Uma pergunta perfeitamente inocente numa dada cultura, como inquirir «que idade tem?» pode ser considerada por um entrevistado de outra cultura um atentado à sua privacidade. Para as gerações mais velhas, sobretudo em certos estratos sociais é considerado falta de educação perguntar a idade a uma senhora.

Outras vezes surgem questões que são extremamente claras para o entrevistador uma vez que fazem parte da sua cultura, mas que não fazem parte do campo de conhecimentos do entrevistado, obrigando-o a especular improvisadamente sobre o assunto e a dar respostas que não correspondem à sua experiência.

Imagine-se, por exemplo, que se está a inquirir uma população de imigrantes cabo-verdeanos e quer-se indagar da sua familiaridade com a literatura do seu país. Se a pergunta for demasiado aberta (ex: que pensa sobre a literatura cabo-verdeana?) as respostas serão demasiado ambíguas ou laterais. Se as perguntas forem objectivas as respostas serão por certo mais verdadeiras.

Outra situação: perguntar a professores que não usam o computador no seu quotidiano qual a sua opinião sobre a aplicabilidade da conferência por computador como instrumento

62

pedagógico é um convite a especulações desenfreadas e à explicitação de ideias pré-concebidas sobre o assunto.

Os resultados deste erro podem ser desastrosos em termos de investigação.

1.4.1.3. Sobreposição de canais de comunicaçãoOutra questão a ter em conta numa situação de interacção directa é a sobreposição de canais de comunicação. Quando se faz uma pergunta, não se explicita verbalmente, apenas, uma interrogação: a questão pode ser formulada com vários tipos de entoação que revelam a expectativa do entrevistador quanto à resposta; pode ser sublinhada ou neutralizada pela sua postura, pela sua mímica ou por lapsos inconscientes.

Deste modo, ao preparar uma entrevista, o investigador tem de ter em conta que o modo como põe as questões e como as enquadra em termos não verbais é tão importante como o seu conteúdo específico devendo ter tantos cuidados com a estratégia formal a adoptar como com a estruturação do guião.

1.4.2. Quando recorrer à entrevista?Como qualquer outra técnica de recolha de dados, o inquérito por entrevista deve ser escolhido em certos contextos e evitado noutros. Duas situações típicas em que o uso da entrevista é recomendável são as seguintes:

● nos casos em que o investigador tem questões relevantes, cuja resposta não encontra na documentação disponível ou, tendo-a encontrado, não lhe parece fiável, sendo necessária comprová-la35;

● em situações em que o investigador deseja ganhar tempo e economizar energias recorrendo a informadores qualificados como especialistas no campo da sua investigação ou líderes da população-alvo que pretende conhecer.

Em qualquer dos contextos mencionados é fundamental ter consciência que ao ser seleccionada uma qualquer fonte de informação estão a rejeitar-se outras, que podem ser igualmente importantes. Um informador qualificado é um recipiente de informação relevante, mas é também um filtro da própria informação. Num estudo de comunidade, por exemplo, é fundamental cruzar as informações de vários líderes locais, obtidas por entrevista, e todas elas com outro tipo de informação proveniente de outras fontes, a fim de testar a sua fiabilidade. Se não se tiver esta precaução, o investigador correrá o risco de se limitar a funcionar como caixa de ressonância dos seus informadores, os quais têm uma percepção filtrada (necessariamente parcial) da realidade.

________________________________35 Um exemplo deste tipo de questões: na pesquisa sobre os sistemas ibéricos de ensino superior à distância não se encontrou, na documentação escrita, qualquer alusão significativa às resistências à criação da Universidade Aberta, ocorridas durante os diversos anos da sua gestação. Para se responder a esta questão, foi necessário recorrer a entrevistas a informadores qualificados.

63

1.4.3. Tipos de entrevistasDe acordo com Madeleine Grawitz pode-se classificar as entrevistas de acordo com um continuum, variando entre um máximo e um mínimo de liberdade concedida ao entrevistado e o grau de profundidade da informação obtida. A partir desses dois critérios foi construído o diagrama com um segmento de recta vertical, que representa o nível de profundidade de informações que a entrevista pode fornecer; e o esboço de um polígono que progressivamente se vai fechando tornando-se num hexágono, correspondente ao decrescente grau de liberdade de resposta proporcionada ao entrevistado.

Fig. 10 – Tipos de entrevista

● Entrevistas dominantemente informais

1 - Entrevista clínica

2 - Entrevista em profundidade

● Entrevistas mistas

3 - Entrevista livre

4 - Entrevista centrada

● Entrevistas dominantemente formais

5 - Entrevista com perguntas abertas

6 - Entrevista com perguntas fechadas

A entrevista clínica (tipo 1), como o nome indica, é utilizada habitualmente em contextos terapêuticos, caracterizando-se por uma liberdade quase total dada ao entrevistado na sua resposta e na grande abundância e profundidade 36 de informações que são partilhadas.

A entrevista em profundidade (tipo 2), típica de situações de aconselhamento como as que se realizam utilizando o método de Serviço Social de Casos ou as que decorrem em situações de aconselhamento vocacional, apresenta ainda um grande grau de liberdade no diálogo e profundidade na forma de abordagem temática por parte do entrevistado, ainda que inferior à clínica.

Num grau intermédio de informalidade, encontram-se a entrevista livre (tipo 3) e a entrevista centrada (tipo 4). Ambas são características dos estudos exploratórios, diferindo entre si pelo nível de estruturação em torno das temáticas específicas que são tratadas.

Características dominantemente formais têm as entrevistas estruturadas com perguntas abertas (tipo 5) ou fechadas (tipo 6). Nestas últimas, típicas em situação de sondagem, feitas a populações de muito grande dimensão, o grau de liberdade do respondente é claramente reduzido bem como a profundidade da informação obtida.

A fim de melhor caracterizar os seis tipos de entrevista observe-se a figura 11 em que se procura diferenciá-las de acordo com seis variáveis: o número das perguntas, a sua ordem, a sua forma, a sua focagem dominante, o grau de interacção entre entrevistador e entrevistado e a

________________________________36 Madeleine Grawitz utiliza o termo profundidade, no sentido de quantidade de informação de acesso reservado.

64

facilidade de análise das respostas.

Figura 11 – Variáveis caracterizadoras do tipo de entrevista

Tipo deentrevista

Número dequestões

Ordem dasquestões

Forma dasquestões

Focagem das questões

SituaçãoComuni-cacional

Possibi-lidades de

análise 1. Clínica <<< <<< +

abertas

no

entrevistado

Quase

monólogo

+

qualitativa

2. Em profundi- dade << << 3. Livre

< < 4. Centrada

> > 5. Com perguntas abertas >> >> 6. Com perguntas fechadas >>> >>>

+

fechadas

nos conhe-cimentos doentrevistado

Quase diálogo+

quantitativa

Assim, por exemplo, a entrevista clínica (tipo 1) de duração tendencialmente longa, caracteriza-se por um número de perguntas muito reduzido, quase sem ordenação, apresentando uma forma quase sempre aberta, focadas dominantemente sobre a vivência pessoal do entrevistado o que conduz a respostas eminentemente subjectivas. O grau de interacção entre entrevistador e entrevistado apresenta-se sob a forma de um quase-monólogo37 e a facilidade de análise quantitativa das respostas é reduzida.

No outro extremo do continuum, situa-se a entrevista com perguntas fechadas, de duração tendencialmente curta, que se caracteriza por um número de perguntas em regra mais elevado, com uma ordenação muito rigorosa, apresentando uma forma quase sempre fechada, focadas dominantemente nos conhecimentos e opiniões do entrevistado. O grau de interacção entre entrevistador e entrevistado apresenta-se sob a forma de um quase-diálogo38 e a facilidade de análise quantitativa das respostas é grande.

________________________________37 Quase-monólogo uma vez que o entrevistador tem uma intervenção extremamente reduzida. O termo quase, exprime a interacção do entrevistador que, ainda que reduzida, intervém na produção do discurso com a sua simples presença.38 Quase-diálogo visto que a situação de entrevista é artificial. Apesar da dinâmica interactiva gerada pelo conjunto perguntas/respostas ser semelhante a um diálogo vulgar, a sua formalização retira-lhe a espontaneidade; daí a expressão quase.

65

1.4.4. Aspectos de natureza práticaIndependentemente do tipo de entrevista a realizar a experiência resultante do trabalho de campo aconselha a adopção de um conjunto de padrões de actuação que se tornaram habituais, e devem ser tidos em conta antes, durante e depois da entrevista.

Fig. 12 – ASPECTOS A TER EM CONTA NA UTILIZAÇÃO DATÉCNICA DE ENTREVISTA

ANTES:● Definir o objectivo● Construir o guia de entrevista● Escolher os entrevistados● Preparar as pessoas a serem entrevistadas● Marcar a data, a hora e o local● Preparar os entrevistadores (formação técnica)

DURANTE:● Explicar quem somos e o que queremos● Obter e manter a confiança● Saber escutar● Dar tempo para “aquecer” a relação● Manter o controlo com diplomacia● Utilizar perguntas de aquecimento e focagem● Enquadrar as perguntas melindrosas● Evitar perguntas redutoras

DEPOIS:● Registar as observações sobre o comportamento do entrevistado● Registar as observações sobre o ambiente em que decorreu a

entrevista

1.4.4.1. Antes da entrevistaDefinir os objectivos. O planeamento de uma entrevista deve começar por integrar a explicitação dos objectivos que se querem alcançar. Um modo de testar a sua clareza e rigor é interrogarmo-nos, após a sua concepção se, quando terminar a recolha de dados, estaremos em condições de afirmar rigorosamente que os objectivos foram ou não foram atingidos.

Construir o guião. Após a definição clara e rigorosa dos objectivos da entrevista, há que os operacionalizar sob a forma de variáveis. Após este procedimento, o investigador vai ter de operacionalizar as variáveis em perguntas adequadas às metas que pretende atingir. Por exemplo a variável idade pode ser formatada no guião de várias formas:

– Que idade tem?

ou

– Em que ano nasceu?

ou

– A sua idade está incluída em qual dos seguintes grupos

Menos de 20 □ Entre 20 e 24 □ Entre 25 e 29 □ Entre 30 e 34 □ Mais de 34 □

66

ou ainda

Menos de 20 □ Entre 20 e 29 □ Entre 30 e 39 □ Entre 40 e 49 □ Mais de 49 □

Para o guião de entrevista ficar pronto a ser utilizado haverá ainda que encadear as questões de forma adequada ao objectivo da pesquisa.

Escolher entrevistados. Tal como na selecção e encadeamento das perguntas, a escolha dos futuros entrevistados deve ser adequada aos objectivos da pesquisa. Tal adequação pode ser personalizada, no caso de amostras intencionais em que se procura inquirir um conjunto de informadores qualificados, ou feita aleatoriamente dentro do universo correspondente ao objecto de estudo.

Preparar os entrevistados. A fim de garantir a disponibilidade dos entrevistados no acto da entrevista é aconselhável, sempre que possível, contactá-los previamente. Os objectivos dessa diligência são os seguintes:

● informá-los sobre os resultados que esperamos obter daquela entrevista;

● explicitar os motivos de os havermos escolhido para serem entrevistados, mostrando o valor acrescentado que as suas respostas podem trazer à investigação em curso;

● informá-los sobre o tempo de duração previsto para a sua realização;

● combinar a data, a hora e o local para realizá-la.

A experiência tem demonstrado que o contacto prévio com os entrevistados (que pode ser feito presencialmente mas também pelo correio, telefone, fax, correio electrónico ou outro qualquer canal) não é um gasto inútil de energias mas constitui, pelo contrário, um investimento. Ao ter esse procedimento o investigador não só fica com mais garantias sobre a disponibilidade física e psicológica39 da pessoa escolhida mas também se lhe apresenta com uma imagem de profissionalismo e demonstra ter respeito pelo seu tempo, o que, decerto, irá ter efeitos positivos no ambiente em que a mesma irá decorrer.

1.4.4.2. Durante a entrevistaÉ comum vermos e ouvirmos, na televisão e na rádio, situações de entrevista que retratam exactamente o que um entrevistador em contexto de investigação científica não deve fazer. Esta afirmação não envolve necessariamente uma crítica global aos jornalistas, uma vez que o contexto e os objectivos de tais entrevistas são completamente diferentes dos de uma entrevista que serve os fins de uma dada pesquisa científica.

________________________________39 O efeito habitual da ausência de contactos prévios é a entrevista não se realizar ou, o que é pior, decorrer em ambiente tenso com o entrevistado a despachar o entrevistador com respostas esteriotipadas por ter outras coisas agendadas conferindo ao entrevistador o papel de intruso ou de ladrão do seu precioso tempo.

67

A questão inicial. Ao iniciar a entrevista e após uma breve síntese enquadradora lembrando as informações já partilhadas no contacto prévio, torna-se importante escolher uma questão inicial que coloque o entrevistado no tema da conversa e que o ajude a aquecer o ambiente relacional. Os especialistas em negociação afirmam que os primeiros momentos são cruciais por determinarem a criação de um clima de confiança ou de desconfiança difusa que se vai reflectir ao longo das negociações. Isto aplica-se claramente à situação de entrevista, uma vez que se está em presença de uma negociação, ainda que implicita, cuja matéria prima é a informação.

Saber escutar. Contrariamente ao jornalista que, pressionado pelo tempo de antena e pelo consequente ritmo que tem de imprimir ao programa, interrompe frequentes vezes o entrevistado, o investigador em Ciências Sociais (provavelmente como o jornalista de investigação) tem de assumir uma atitude de escuta, evitando cortar a palavra ao entrevistado. Esta atitude implica, antes de mais, dar-lhe tempo para se adaptar – expontaneamente40 ou recorrendo a perguntas de aquecimento – e deixá-lo exprimir-se pelas suas próprias palavras e ao seu ritmo pessoal. É importante, sobretudo em entrevistas pouco estruturadas, saber respeitar os silêncios que por vezes ocorrem no discurso do entrevistado, permitindo-lhe assim reflectir sobre o que fala. As situações de silêncio são difíceis de aguentar podendo afirmar-se que o saber geri-las adequadamente constitui um sinal sólido da experiência e tecnicidade de um investigador.

Controlar o fluxo de informação. É comum observar-se, no entanto, que após um período de inibição inicial, em que as respostas são dadas de forma curta e incompleta, obrigando o entrevistador a perguntas de suporte ou de focagem para obter a informação pretendida, o respondente ganha confiança e aumenta excessivamente o fluxo de informação. Nessas circunstâncias é necessário manter o controlo do fluxo de respostas com diplomacia, especialmente se se tratar de uma entrevista mais estruturada.

Enquadrar as perguntas melindrosas. Tais questões devem ser posicionadas no fim da entrevista, altura em que existe um maior clima de confiança. As questões delicadas devem assim ser cuidadosamente enquadradas por perguntas preparatórias. Não é tarefa fácil, temos que reconhecê-lo, razão pela qual os entrevistados têm que ser cuidadosamente escolhidos e preparados para o seu desempenho.

1.4.4.3. Depois da entrevistaApós a entrevista é sempre útil registar as observações sobre o comportamento verbal e não verbal do entrevistado, bem como sobre o ambiente em que a mesma decorreu. Tal registo permitirá levantar hipóteses mais seguras sobre a autenticidade das respostas obtidas e sobre o grau de liberdade com que foram

________________________________40 Um recurso habitualmente usado para dar confiança ao entrevistado é o uso de técnicas de reforço através de expressões como “estou a ver...”, da repetição parcial e da reformulação do discurso do entrevistado.

68

das. Numa entrevista feita em público, por exemplo, o respondente está sujeito a um conjunto de constrangimentos sociais que poderá não ter se tal entrevista for efectuada na intimidade da sua casa, sem a presença de espectadores.

69

70

1.5. O Relatório de Pesquisa1.5.1. IntroduçãoO objectivo de um relatório, seja ele qual for, é pôr em comum uma determinada acção do autor e partilhar um conjunto de informações por ele consideradas relevantes. Isto implica, antes de mais, que a preocupação dominante de quem tem a incumbência de produzir um qualquer relatório deve ser a de ter uma estratégia de comunicação adequada ao público a quem esse documento se destina.

No caso paricular do relatório de um dado projecto de investigação científica, este deve assumir-se como um espelho da pesquisa efectuada que permita aos leitores, não só entender os problemas que estão em jogo e os resultados alcançados, mas também os procedimentos metodológicos escolhidos a fim de os poderem verificar para confirmar ou infirmar os resultados do autor.

Exemplos típicos de relatórios deste tipo são as dissertações de mestrado e de doutoramento.

1.5.2. Reflexões prévias ao acto de relatarAntes de iniciar o relatório, é conveniente que o investigador reflicta sobre alguns aspectos fundamentais do seu trabalho, que se podem equacionar sob a forma de quatro questões:

● O que é que se quer transmitir?

● A quem se destina o relatório?

● Quando e onde se desenvolveu a pesquisa?

● Como foi realizada a investigação?

1.5.2.1. O que é que se quer transmitir?Antes de mais, é preciso ter consciência da informação que se quer obter e como se quer difundi-la. Também na elaboração de um relatório se aplica o princípio da economia de informação que temos vindo a defender nas anteriores unidades. Isto significa que nunca se deve transmitir tudo o que se fez e como se fez ao longo do complexo percurso da pesquisa, uma vez que esse procedimento iria produzir nevoeiro informacional nos receptores, para além de lhes fazer gastar tempo inutilmente. Há, por isso, que saber seleccionar a informação pertinente (e não mais que essa) a difundir no relatório.

Independentemente do teor da pesquisa efectuada é relativamente consensual considerar que qualquer relatório científico deve conter informação sobre os seguintes aspectos:

● objectivo da pesquisa (com indicação dos resultados previstos)

● objecto (traduz o campo bem delimitado sobre que incidiu a investigação)

● relação entre a problemática investigada e a teoria existente

71

● resultados efectivamente obtidos

● apresentação dos resultados não alcançados e justificação dos motivos que impediram atingi-los

Os conteúdos da investigação e o modo como são explicitados sob a forma de relatório devem ser, por outro lado, coerentes com a motivação que presidiu à concepção do projecto:

● saber mais (ex: comprovar uma teoria);

● saber fazer melhor (ex: conceber e administrar uma política de urbanização, de saúde, de educação ou de segurança social, etc.);

● saber situar-se melhor (ex: perante conflitos raciais, perante problemas novos como o da integração de certo tipo de refugiados, etc.)

1.5.2.2. A quem se destina o relatório?A segunda interrogação prende-se à caracterização dos utilizadores do relatório, uma vez que o investigador não escreve para si próprio. Na unidade 1.1. foi referido que um processo de investigação é semelhante a uma corrida de estafetas, uma vez que para atingir os seus objectivos, o investigador precisa de recolher o testemunho de todo um trabalho anterior, introduzir-lhe algum valor acrescentado e passar esse testemunho à comunidade científica a fim de que outros possam voltar a desempenhar o mesmo papel no futuro.

Assim como a pesquisa documental se deve assumir como a passagem do testemunho dos que investigaram antes no mesmo terreno, para as mãos do investigador, o relatório da pesquisa efectuada corresponde à devolução do testemunho, pelo investigador à comunidade científica, corporizado na mais valia introduzida com o seu trabalho. O relatório deve concretizar, por isso, uma estratégia comunicacional adequada aos grupos-alvo a que se destina.

Fig. 13 – Adequação do relatório aos públicos-alvo

Aspectos a ter em conta:

Para aUniversidade

Para organizaçõespúblicas e privadas

Para acomunicação

socialClareza + + + + + +Rigor + + + + + +Terminologia Codificada

para acomunidade

científica

Codificação deacordo com o tipode organização-

cliente

Simplificada

Estrutura Rigorosa eminuciosa

Relativamentesimplificada

Apelativa

O rigor do discurso académico não deve dispensar a sua clareza se bem que a homogeneidade do público-alvo implique uma terminologia codificada para o público a que se destina. Um

72

exemplo disso é a minúcia e o rigor da sua estrutura representada no índice.

Se se trata de um relatório destinado aos financiadores da investigação, é conveniente que retrate a congruência dos resultados alcançados com os interesses que levaram os investidores a financiar a pesquisa e utilizar uma linguagem adaptada à sua maneira de comunicar.

Investigações encomendadas por entidades públicas ou privadas, cuja principal motivação é resolver problemas concretos, devem culminar com relatórios cuja informação possa ser facilmente digerível por decisores e técnicos, que não são necessariamente académicos, como matéria útil para o desenvolvimento prático da sua acção profissional.

Deste modo o discurso deve ter uma terminologia codificada de acordo com a organização-cliente sendo a sua estrutura normalmente mais simplificada que a usada para comunidades académicas.

Finalmente, se o público-alvo é integrado por órgãos de comunicação social ou se os resultados obtidos se destinam a ser difundidos pelo público em geral, a informação contida no relatório deve assumir uma forma clara e sucinta, sem as escoras teóricas e metodológicas indispensáveis para públicos de natureza académica ou técnica. O que para uns é sinal de rigor científico para outros é considerado pretencioso, confusionista e ilegível. A terminologia é simplificada, por vezes sacrificando o rigor à clareza, e a estrutura deve ser apelativa.

1.5.2.3. Quando e onde se desenrolou a pesquisa?

Uma terceira questão prende-se ao conjunto dos condicionamentos espaço-institucionais e temporais que envolveram o desenrolar da investigação.

1.5.2.3.1. Condicionamentos espaço-institucionais

Se Ruth Benedict (1887-1948), figura de proa da Antropologia Cultural americana, tivesse sido contactada para fazer um estudo sobre a cultura japonesa por uma qualquer instituição académica numa altura em que o Japão e os Estados Unidos não estivessem em guerra, provavelmente teria feito um trabalho bem diferente do que resultou do seu clássico O Crisântemo e a Espada. O facto desta obra lhe ter sido encomendada pelo Estado Maior Americano durante a Segunda Guerra Mundial, com o intuito de entender o comportamento dos soldados japoneses nos teatros de operações, considerado então paradoxal41, impôs-lhe um conjunto de condicionamentos, de entre os quais se salientam:

________________________________41 Um exemplo que poderá clarificar o que se afirma: contrariamente ao soldado ocidental que quando em situação militar de derrota eminente apresentava uma baixa motivação para combater, o militar japonês parecia ganhar combatitividade, o que evidentemente tinha efeitos práticos graves em termos de baixas nos aliados.

73

● do ponto de vista metodológico, foi obrigada a não utilizar a técnica designada como observação participante, habitual em investigação antropológica, enquanto meio de recolher dados sobre o objecto de estudo; em sua substituição, teve de recorrer a uma engenhosa combinação de entrevistas a informadores qualificados e a cidadãos americanos de origem japonesa, à análise de conteúdo das emissões de propaganda da Rádio Tóquio, e ainda, a uma árdua pesquisa de natureza documental;

● relativamente à motivação que havia presidido à encomenda daquele estudo, teve de efectuar uma pesquisa de grande complexidade no exíguo tempo disponível.

Estudos sobre prisões, hospitais psiquiátricos, internatos, investigações efectuadas sobre grupos com comportamento desviado, trabalhos em organizações burocráticas sobre simplificação administrativa, estudos sobre grupos fechados, etc., são alguns exemplos de pesquisas com fortes condicionamentos institucionais (ou grupais), limitações essas que devem ser consciencializadas pelo investigador e por ele partilhadas no relatório final a fim de que os seus resultados possam ser alvo de uma avaliação contextual adequada.

1.5.2.3.2. Condicionamentos temporais

Também os condicionamentos de natureza temporal devem não só ser explicitados no relatório, como proporcionada ao leitor, por parte do investigador, a justificação do ocorrido.

No acto de relatar, a limitação dos prazos deve ser explicitada claramente, não como legitimação dos resultados que não se alcançaram mas como indicador de custo(tempo)/qualidade(resultados obtidos) da pesquisa.

1.5.2.4. Como se desenrolou a investigação?Uma última reflexão que é conveniente fazer é sobre a metodologia adoptada e as dificuldades encontradas na sua execução. Esta auto e heterocrítica metodológica é indispensável a quem pretende apresentar um trabalho sério e ter consciência sobre o seu valor acrescentado e sobre as suas limitações.

1.5.3. Elaboração do RelatórioFeito o conjunto de reflexões acima enunciadas, falemos um pouco mais detalhadamente do conteúdo e da forma do relatório.

74

1.5.3.1. Conteúdo do RelatórioQuanto ao conteúdo e independentemente de padrões institucionais particulares e da natureza da investigação é consensual que qualquer relatório de pesquisa deva conter os seguintes elementos:

● apresentação do problema

● processos de pesquisa

● resultados alcançados

● consequências dos resultados

1.5.3.1.1. Problematização da questão

Para a apresentação do fenómeno que a investigação visou estudar e compreender, o relatório deve explicitar claramente a delimitação do objecto da pesquisa, os seus objectivos e a moldura teórica (quadro conceptual, teorias e hipóteses) em que o mesmo se enquadra.

Naturalmente que a elaboração desta parte do relatório é fortemente facilitada se o investigador tiver tido o cuidado de planear cuidadosamente o seu trabalho e de registar exaustivamente o resultado desse planeamento.

1.5.3.1.2. Itinerários e processos de pesquisa

A explicitação dos problemas epistemológicos com que o investigador se confrontou, os que se prendem com a metodologia adoptada, com as técnicas escolhidas, com as dificuldades encontradas e com o modo como todos eles foram ultrapassados é, como acima se disse, um elemento indispensável de qualquer relatório científico.

1.5.3.1.3. Resultados alcançados

É extremamente importante o investigador estar ciente de que os resultados alcançados pela investigação (positivos e negativos), constituem a parte substantiva de qualquer relatório.

Para além da inevitável desqualificação académica traduzida em classificações inferiores às que os candidatos esperariam, tal desequilíbrio tem como consequência um desperdício de informação interessante que poderia ter sido partilhada com a comunidade científica, retirando valor acrescentado ao trabalho.

1.5.3.1.4. Consequências dos resultados

Finalmente, é conveniente que o relatório contenha uma meditação sobre esse valor acrescentado, permitindo evidenciar as consequências, nos planos prático, teórico ou metodológico, do trabalho desenvolvido.

75

Em suma, o conteúdo do relatório deve abranger os dez elementos que integram o Vê de Gowin referido na unidade 1.1. (reveja a figura 7) e que aqui se recordam:

● Na vertente conceptual: Objecto de estudo, objectivo (questão-chave), concepções extra-científicas do investigador que possam ter afectado a investigação, teorias, modelos e conceitos que a tenham fundamentado.

● Na vertente metodológica: registos, transformações (estratégias de recolha, tratamento e interpretação de dados), resultados obtidos e valor acrescentado da pesquisa efectuada para o desenvolvimento da teoria, da metodologia e/ou da prática.

1.5.3.2. Construção e forma do relatórioUma vez que um relatório de pesquisa é, antes de mais, um instrumento de comunicação, a forma como é apresentado é tão importante como o seu conteúdo.

1.5.3.2.1. Dois princípios básicos indispensáveis: clareza e rigor

O princípio da clareza obriga, antes de mais, a um discurso morfológica, sintáctica e lexicalmente correcto. Isto implica, por exemplo, a fuga a lugares comuns e a chavões que, constituindo muletas de comunicação do autor, fazem frequentemente tropeçar o leitor ou, pelo menos, têm efeito distractivo no acto da leitura. O uso de palavras despropositadamente difíceis ou ambíguas é sempre de evitar, pois confundem o leitor e fazem-lhe inutilmente perder tempo, num acrescido trabalho de interpretação. Como refere Quivy (1992: 21), por vezes investigadores principiantes (nós acrescentaríamos que não só esses) para assegurarem a sua credibilidade, julgam útil exprimir-se de forma pomposa e ininteligível e, na maior parte das vezes, não conseguem evitar raciocinar da mesma maneira.

O princípio do rigor assenta no valor, defendido por qualquer ramo da Ciência, da busca da Verdade. Sem um pensamento estruturado com rigor, concretizado na sua partilha oral ou escrita com a comunidade científica, não é possível contribuir para o verdadeiro desenvolvimento das ciências.

1.5.3.2.2. Esquema de apresentação: o travejamento temático

É conveniente que, o mais precocemente possível, o autor elabore um esquema provisório da estrutura do relatório final. Em todo este processo é importante salientar que o esquema funciona como uma espécie de bússola, com funções orientadoras, e não como um espartilho à criatividade do investigador.

76

Um esquema pode obedecer a uma classificação numérica, alfanumérica ou alfabética. Sendo indiferente a opção tomada é fundamental, no entanto, ter em consideração que deve apresentar um critério uniforme de estruturação. Uma forma usual é a numérica hierarquizada que se apresenta sob o formato seguinte, por todos conhecido:

1.1.1. 1.2.

1.2.1. 1.2.1.1. 1.2.1.2.

1.2.2. 1.3.

2.2.1., etc

Opiniões de não especialistas não são de negligenciar, uma vez que frequentemente conduzem a um aperfeiçoamento do esquema em termos de clareza.

1.5.3.2.3. O corpo do texto

Uma vez possuidor desse instrumento poderoso que é o esquema, o investigador pode escolher um de dois caminhos:• ou escreve o relatório final apenas ao terminar todo o

processo de investigação• ou vai progressivamente escrevendo sucessivas versões

provisórias paralelamente ao processo de pesquisa.

Sendo a primeira uma opção respeitável, tem o inconveniente de gastar muito tempo inutilmente com operações redundantes de registo de informação. Em muitos contextos de pesquisa este procedimento pode hoje ser substituído com vantagem pela segunda opção que, no entanto, pressupõe a estruturação prévia cuidadosa atrás referida.

Em vez do processo clássico de redacção, que poderá ser descrito como o enchimento de um recipiente, a segunda opção assemelha-se à construção de um puzzle, inserindo previamente a estrutura do relatório e escrevendo texto provisório em várias partes do esquema. Nesta fase, o investigador pode não ter grandes preocupações formais com o texto que vai produzindo, uma vez que na revisão final irá ter esses cuidados. É, no entanto, vantajoso que se rotine essa prática, desde o início, assumindo um estilo que facilite tal operação.

Dimensão dos parágrafos e períodos. Deve ser suficientemente pequena para permitir uma fácil leitura.

Formatação da mancha (retirados, alíneas, espaços, etc.). Deve apresentar-se arejada criando, através da combinação de diferentes corpos de letra, de sublinhados e de espaços abertos, espaços de concentração da atenção e pausas visuais que permitem ao leitor fixar-se na mensagem essencial.

77

Pés de página. O pé de página ou nota de rodapé pode ser usado com êxito para comentários a propósito e referências ao pensamento de outros autores que, no entanto, iriam tornar o discurso excessivamente pesado ou que desviariam o leitor do essencial se fossem postos no corpo do texto.

Quadros, gráficos, diagramas, mapas, fotos e outras ilustrações. Podendo e devendo ser usados como instrumentos de clarificação e de escoramento do texto, é bom não esquecer que não são mais do que isso mesmo, instrumentos, devendo servir o texto e não contrariá-lo, tornando-o confuso. As ilustrações que introduzam um valor acrescentado imediato devem ser incluídas no corpo do texto. Todas as que constituam informação complementar deverão ser remetidas para anexo. Quando se lida com quadros numéricos demasiado complexos será um procedimento prudente decompô-los em unidades mais simples, adequadas ao texto. Cada ilustração deverá ser convenientemente titulada e a fonte de onde foi retirada indicada junto, com referência específica do autor, da identificação da fonte e da data da sua produção. Por vezes, há necessidade ainda de introduzir notas e legendas que devem ser curtas e claras.

Em suma: o material ilustrativo a inserir tem de constituir um todo, articulando-se com o texto e tem de estar doseado em função do objectivo da comunicação a transmitir.

Sínteses parciais e conclusão. A fim de conferir solidez ao texto, em relatórios de maior dimensão, pode-se recorrer a sínteses de final de capítulo, que têm o objectivo de sublinhar as principais ideias do trabalho.

Introdução. Estamos de acordo com o saudoso investigador Silva Rego quando aconselhava os seus alunos a deixar a introdução para o fim da redacção, uma vez que funciona como apresentação geral do trabalho.

Anexos. Como atrás foi referido, deve ser incluída em anexo a informação que, não fazendo parte integrante do texto, lhe serve, apesar de tudo, como complemento indispensável. Do nosso ponto de vista, um relatório de pesquisa não deve ser sobrecarregado com informação excessiva, incluindo apenas aquela que se apresenta com utilidade imediata para o leitor e a que, dada a sua raridade ou originalidade, enriquece o texto principal.

Glossários. Trabalhos que tenham de recorrer a vocabulário especializado e mal conhecido, a conceitos polémicos, bem como a siglas e acrónimos, devem incluir um glossário para esclarecimento do leitor.

Índices. Para além do Índice Geral, é conveniente que os relatórios que contenham quadros e ilustrações de vária ordem, apresentem os índices correspondentes.

Bibliografia. No final de um relatório de pesquisa toda a bibliografia consultada deve ser referenciada com a

78

identificação correcta e com um critério uniforme. Em nossa opinião, só a documentação efectivamente utilizada deve ser referenciada na bibliografia. O modo mais habitual é a mera arrumação por autores seguindo a ordem alfabética.

Título. Muitas vezes descurado o título constitui, quando bem escolhido, um excelente cartão de visita para uma pesquisa, tendo um efeito de atracção ou de repulsão sobre os potenciais leitores.

79

80

2. APROFUNDAMENTO TEMÁTICOManuela Malheiro Ferreira

2.1. Métodos Qualitativos2.1.1. Introdução

2.1.1.1. Métodos e técnicas de investigação em Ciências Sociais

Madeleine Grawitz (1993) define métodos como um conjunto concertado de operações que são realizadas para atingir um ou mais objectivos, um corpo de princípios que presidem a toda a investigação organizada, um conjunto de normas que permitem seleccionar e coordenar as técnicas.

As técnicas são procedimentos operatórios rigorosos, bem definidos, transmissíveis, susceptíveis de serem novamente aplicados nas mesmas condições, adaptados ao tipo de problema e aos fenómenos em causa. A escolha das técnicas depende do objectivo que se quer atingir, o qual, por sua vez, está ligado ao método de trabalho.

A técnica representa a etapa de operações limitadas, ligadas a elementos práticos, concretos, definidos, adaptados a uma determinada finalidade, enquanto que o método é uma concepção intelectual coordenando um conjunto de operações, em geral várias técnicas.

2.1.1.2. Métodos quantitativos e métodos qualitativos

Tradicionalmente a investigação quantitativa e a investigação qualitativa estão associadas a paradigmas. A distinção entre paradigmas diz respeito à produção do conhecimento e ao processo de investigação e pressupõe existir uma correspondência entre epistemologia, teoria e método. No entanto, a distinção é usualmente empregada a nível do método. Cada tipo de método está portanto ligado a uma perspectiva paradigmática distinta e única.

Nas últimas décadas têm sido objecto de discussão não só as vantagens e inconvenientes relativos à adequada utilização de métodos quantitativos e de métodos qualitativos em trabalhos de investigação em Ciências Sociais, como tem sido encarada a possibilidade de utilizar uma articulação de ambos.

2.1.2. Os métodos qualitativos2.1.2.1. Características dos métodos qualitativosSem pretensão de uma enunciação exaustiva das características dos métodos qualitativos, entendemos ser, no entanto, importante para a sua compreensão indicar algumas delas:

81

Indutiva – Os investiagdores tendem a analisar a informação de uma “forma indutiva”. A teoria é desenvolvida de “baixo para cima” (em vez de cima para baixo), tendo como base os dados que obtiveram e estão inter-relacionados. Esta teoria designa-se por “teoria fundamentada” (Glaser e Strauss, 1967);

Holística – Os investigadores têm em conta a “realidade global”. Os indivíduos, os grupos e as situações não são reduzidos a variáveis mas são vistos como um todo, sendo estudado o passado e o presente dos sujeitos de investigação;

Naturalista – A fonte directa de dados são as situações consideradas “naturais”;

Os investigadores são “sensíveis ao contexto” - Os actos, as palavras e os gestos só podem ser compreendidos no seu contexto;

O “significado” tem uma grande importância – Os investigadores procuram compreender os sujeitos a partir dos “quadros de referência” desses mesmos sujeitos. Procuram compreender as perspectivas daqueles que estão a estudar, de todos na sua globalidade e não apenas de alguns;

Os métodos qualitativos são “humanísticos” - Quando os investigadores estudam os sujeitos de uma forma qualitativa tentam conhecê-los como pessoas e experimentar o que eles experimentam na sua vida diária (não reduzem a palavra e os actos a equações estatísticas);

Os investigadores interessam-se mais pelo processo de investigação do que unicamente pelos resultados ou produtos que dela decorrem;

Em investigação qualitativa o “ plano de investigação é flexível ” ;

A investigação qualitativa é “descritiva”. A descrição deve ser rigorosa e resultar directamente dos dados recolhidos. Os investigadores analisam as notas tomadas em trabalho de campo, os dados recolhidos, respeitando, tanto quanto possível, a forma segundo a qual foram registados ou transcritos;

O investigador é o “instrumento” de recolha de dados; a validade e a fiabilidade dos dados depende muito da sua sensibilidade, conhecimento e experiência.

Em investigação qualitativa dá-se uma grande importância à validade do trabalho realizado. Neste tipo de investigação tenta-se que os dados recolhidos estejam de acordo com o que os indivíduos dizem e fazem;

Em investigação qualitativa “a preocupação central não é a de saber se os resultados são susceptíveis de generalização, mas sim a de que outros contextos e sujeitos a eles podem ser generalizados” (Bogdan e Biklen, 1994).

82

As técnicas mais utilizadas em investigação qualitativa são a observação participante, a entrevista em profundidade e a análise documental.

2.1.2.2. Tradições teóricas em investigação qualitativa

A investigação qualitativa não é uniforme devido a existirem diferentes tradições teóricas e orientações metodológicas.

Patton (1990) refere as principais, que estão indicadas no Quadro seguinte:

Quadro 1 – Tradições teóricas em investigação qualitativa

Perspectiva Origem disciplinar Questões centrais

1 - Etnografia Antropologia Qual é a cultura deste grupo de indivíduos ?

2 - Fenomenologia Filosofia Qual é a estrutura e a essência da experiência deste fenómeno para estes indivíduos ?

3 - Heurística Psicologia Huma-nística

Qual é a minha experiência deste fenómeno e a experiência essen-cial de outros que também tive-ram uma experiência intensa des-te fenómeno ?

4 - Etnometodologia Sociologia Como é que os indivíduos a-tribuem sentido às actividades diárias, de modo a comportarem-se de uma maneira socialmente considerada como aceitável ?

5 – Interaccionismo Simbólico

Psicologia social Qual o conjunto comum de símbolos e conhecimentos que se criaram para dar sentido às in-teracções entre indivíduos ?

6 – Psicologia Eco-lógica

Ecologia, Psicologia Como é que os indivíduos tentam alcançar os seus fins mediante comportamentos específicos em ambientes determinados ?

7 – Teoria sistémica Interdisciplinar Como e porquê este sistema fun-ciona como um todo ?

8 – Teoria do caos: dinâmica não linear

Física teórica, Ciên-cias Naturais

Qual é a ordem subjacente (no caso de existir alguma) aos fenó-menos desordenados ?

9 - Hermenêutica Teologia, Filosofia, Crítica Literária

Quais são as condições em que se realizou uma actividade huma-na ou um produto foi elaborado de tal forma que se possa inter-pretar o seu significado ?

10 – QualitativaOrientacional

História das Ideias, Economia Política

Como é que uma dada perspe-ctiva ideológica se manifesta (ou se manifestou) neste fenómeno ?

Fonte: (Patton, 1990, 88)

83

2.1.3. Possibilidade de utilizar uma combinação de métodos quantitativos e qualitativos

Autores como Reichardt e Cook (1986) afirmam que um investigador não é obrigado a optar pelo emprego exclusivo de métodos quantitativos ou qualitativos e se a investigação o exigir poderá combinar a sua utilização.

Patton (1990) afirma que uma forma de tornar um plano de investigação mais “sólido” é através da triangulação, isto é, da combinação de metodologias no estudo dos mesmos fenómenos ou programas. O autor cita Denzin (1978) que identificou quatro grandes tipos de triangulação:

1 - triangulação de dados - o uso de uma variedade de fontes num mesmo estudo;

2 - triangulação de investigadores - o uso de vários investigadores ou avaliadores;

3 - triangulação de teorias - o uso de várias perspectivas para interpretar um mesmo conjunto de dados;

4 - triangulação metodológica - o uso de diferentes métodos para estudar um dado problema ou programa.

A lógica da triangulação é que cada método revela diferentes aspectos da realidade empírica e consequentemente devem utilizar-se diferentes métodos de observação da realidade.

No entanto é referido por todos os autores que o facto de se combinarem métodos quantitativos e qualitativos apresenta vários problemas relativamente ao:

– custo

– tempo

– experiência e competência do investigador na utilização dos dois tipos de métodos pois raramente ele domina de igual modo cada um desses tipos de métodos de forma a poder utilizá-los eficazmente.

84

2.2. Técnicas de Amostragem2.2.1. IntroduçãoPatton (1990) afirma que provavelmente nada põe tão bem em evidência a diferença entre métodos quantitativos e métodos qualitativos como as diferentes lógicas que estão subjacentes às técnicas de amostragem.

População ou universo é o conjunto de elementos abrangidos por uma mesma definição. O número de elementos de uma população designa-se por grandeza ou dimensão e representa-se por N (os estudantes universitários portugueses, os imigrantes caboverdianos residentes em Portugal, podem constituir exemplos do que designámos como populações). A população deve ser definida em pormenor, de tal forma que um investigador possa determinar se os resultados que se obtiveram ao estudar uma dada população podem ser aplicados a outras populações com características idênticas.

Na prática, em grande número de casos, como os indicados anteriormente, o número de elementos de uma população é demasiado grande para ser possível, dado o custo e o tempo, observá-los na sua totalidade, sendo então necessário proceder-se à selecção de elementos pewrtencentes a essa população ou universo. A técnica designada por amostragem (processo de selecção de uma amostra) conduz à selecção de uma parte ou subconjunto de uma dada população ou universo que se denomina amostra, de tal maneira que os elementos que constituem a amostra representam a população a partir da qual foram seleccionados. O número de elementos que fazem parte de uma amostra designa-se por dimensão ou grandeza da amostra e representa-se por n. O propósito da amostragem é obter informação acerca de uma dada população; sendo raro um estudo incidir sobre a totalidade da população. De facto, em grande número de casos não só não é possível utilizar a totalidade dos elementos que constituem a população, como também não é necessário fazê-lo. Se a população é constituída por um grande número de elementos, ou se estes estão geograficamente dispersos, o facto de se estudar toda a população implicaria um grande gasto de tempo e de dinheiro. A selecção da amostra pode ser feita de tal forma que esta seja representativa do conjunto da população que se pretende estudar.

Existem dois grandes tipos de técnicas de amostragem:• a probabilística. Amostras probabilísticas são seleccionadas de tal

forma que cada um dos elementos da população tenha uma probabilidade real (conhecida e não nula) de ser incluído na amostra, e

• a não probabilística. Amostras não probabilísticas são seleccionadas de acordo com um ou mais critérios julgados importantes pelo investigador tendo em conta os objectivos do trabalho de investigação que está a realizar (não está garantida uma probabilidade conhecida e não nula de cada um dos elementos da população ser seleccionado para fazer parte da amostra).

Seja qual for a técnica utilizada, ao realizar uma amostragem devem ser dados os passos seguintes :

– Definição da população;

85

– Determinação da dimensão ou grandeza da amostra necessária;

– Selecção da amostra

2.2.2. Amostragens probabilísticasAs amostragens probabilísticas implicam que a selecção dos elementos que vão fazer parte da amostra seja feita aleatoriamente. Procede-se à selecção de amostras probabilísticas com o objectivo de poder generalizar à totalidade da população os resultados obtidos com o estudo dos elementos constituintes da amostra, devendo assim ser estes representativos dessa população.

Existem cinco técnicas básicas de amostragem probabilística.

2.2.2.1. Amostragem aleatória simplesNa amostragem aleatória simples cada elemento de uma dada população tem uma igual probabilidade de ser seleccionado. Todos os elementos de uma população fazem parte de uma lista que, em cada caso considerado, inclui a sua totalidade e o número de elementos que constituem a amostra são seleccionados aleatoriamente a partir dela.

2.2.2.2. Amostragem estratificadaA amostragem estratificada é o processo de seleccionar uma amostra de tal forma que subgrupos ou estratos previamente identificados na população em estudo estejam representados na amostra em proporção idêntica à que existem na população em estudo. Os elementos pertencentes a cada um dos estratos, depois de numerados, deverão ser seleccionados aleatoriamente (utilizando uma tabela de números aleatórios).

2.2.2.3. Amostragem de “cachos” (clusters)Na amostragem de “cachos” (clusters) cada elemento da população pertence a um dado grupo ou “cacho” (cluster). O “cacho” é neste caso um conjunto que se identifica com a unidade de amostragem, que não é, portanto, constituída por cada elemento individual da população estudada.

Utiliza-se esta técnica de amostragem quando os “cachos” estão geograficamente dispersos tal como o caso de escolas dispersas pelo País, prédios de residência inseridos em diversos locais de uma cidade, etc.

2.2.2.4. Amostragem por etapas múltiplasA amostragem por etapas múltiplas resulta da extensão do conceito de amostragem de cachos. A forma mais simples é o processo de amostragem ser realizado em duas etapas, mas por vezes faz-se em várias etapas de selecção. Tome-se o seguinte exemplo:

Selecciona-se aleatoriamente uma dada percentagem de escolas do País e em cada escola seleccionada é escolhido um

86

determinado número de turmas. Os alunos dessas turmas é que irão fazer parte da amostra.

2.2.2.5. Amostragem sistemáticaNa amostragem sistemática os elementos são seleccionados a partir de uma lista dos elementos da população. Aleatoriamente escolhe-se o primeiro elemento a ser seleccionado e seguidamente, com intervalos iguais, os restantes elementos. A maior diferença relativamente ao processo de amostragem aleatória simples é que de facto todos os elementos da população não têm uma probabilidade independente de serem seleccionados. Uma vez escolhido o primeiro elemento a ser seleccionado os outros elementos são em fase subsequente automaticamente determinados. Apesar disso, uma amostragem sistemática pode ser considerada aleatória se a lista da população for ordenada aleatoriamente. Se os elementos da lista não tiverem sido ordenados aleatoriamente a amostra não representa, com a mesma qualidade, a população considerada comparativamente às outras técnicas indicadas anteriormente.

A vantagem deste tipo de amostragem é a facilidade como são seleccionados os elementos para constituição da amostra quando se está, por exemplo, a realizar trabalho de campo.

2.2.2.6. Determinação da dimensão da amostraA resposta à pergunta qual deverá ser a dimensão da amostra é difícil. Se ela for de muito pequena dimensão, os resultados do estudo podem não ser generalizáveis à população considerada. Os resultados podem apenas ser válidos para a amostra e poder-se-iam obter diferentes resultados se se estudasse a totalidade dos elementos dessa mesma população.

Usualmente considera-se que quanto maior for a amostra mais possibilidades tem de ser representativa da população. Para um estudo descritivo, uma amostra que integre 10% do total da população considerada é julgado como a dimensão mínima a obter. Se a população é pequena, pode ser necessário uma amostra de 20%. Para um estudo correlacional são necessários pelo menos 30 sujeitos para estabelecer se existe ou não uma relação entre duas variáveis. Para estudos experimentais e causal-comparativos é geralmente recomendado um número mínimo de 30 sujeitos por grupo. Por vezes é necessário utilizar amostras maiores, por exemplo em estudos experimentais, quando se espera que a diferença entre o grupo experimental e o grupo de controlo seja pequena, pois se a amostra não for suficientemente grande a diferença pode não ser evidenciada. Existem no entanto técnicas estatísticas relativamente precisas, que podem ser utilizadas para estimar qual a dimensão necessária da amostra para um dado estudo experimental; o uso de tais técnicas exige que se conheçam determinados factos acerca da população, tais como as diferenças esperadas entre grupos.

87

2.2.3. Amostras não probabilísticasAs amostras não probabilísticas são utilizadas em muitos projectos de investigação. Amostras não probabilísticas podem ser seleccionadas tendo como base critérios de escolha intencional sistematicamente utilizados com a finalidade de determinar as unidades da população que fazem parte da amostra. Muitas vezes são utilizadas para fazer estudos em profundidade.

Enumera-se, a título ilustrativo, sete das técnicas de amostragem não probabilística mais frequentemente utilizadas:

2.2.3.1. Amostragem de conveniênciaNa amostragem de conveniência utiliza-se um grupo de indivíduos que esteja disponível ou um grupo de voluntários. Poderá tratar-se de um estudo exploratório cujos resultados obviamente não podem ser generalizados à população à qual pertence o grupo de conveniência, mas do qual se poderão obter informações preciosas, embora não as utilizando sem as devidas cautelas e reserva.

2.2.3.2. Amostragem de casos muito semelhantes ou muito diferentes

Nestes estudos os elementos seleccionados são normalmente em pequeno número e portanto os recursos necessários para fazer o estudo são limitados, mas é evidente que se levanta o problema querendo generalizar os resultados para além dos casos estudados.

2.2.3.3. Amostragem de casos extremosEsta técnica de amostragem consiste em seleccionar elementos em que o fenómeno em estudo se manifesta em grau muito elevado. A lógica que subjaz a este tipo de amostragem é a de que os resultados obtidos ao estudar casos extremos possam contribuir para explicar casos mais típicos.

2.2.3.4. Amostragem de casos típicosEste tipo de amostragem é o melhor exemplo de técnica de amostragem utilizada quando existem grandes limitações em tempo e nos recursos disponíveis, o que torna impossível efectuar uma amostragem de tipo probabilístico. Para aumentar a autenticidade do estudo, casos que sejam considerados únicos ou especiais não serão, obviamente incluídos na amostra. A suspeita de que um ou mais deles não são típicos vai afectar o reconhecimento da cientificidade que o estudo reveste.

2.2.3.5. Amostragem em bola de neveEste tipo de amostragem implica que a partir de elementos da população já conhecidos se identifiquem outros elementos da mesma população. Frequentemente esta forma de seleccionar a

88

amostra é utilizada quando se torna impossível obter uma lista completa dos elementos da população que se quer estudar.

2.2.3.6. Amostragem por quotasCom esta técnica pretende-se atingir um objectivo idêntico ao que se consegue na amostragem aleatória: constituir uma amostra que seja um modelo reduzido da população. A população é dividida em sub-grupos, por exemplo grupos de homens e de mulheres, definição de escalões de idade, enumeração de grupos étnicos de pertença, etc. Seguidamente, tendo como base as percentagens de indivíduos necessários para a amostra final, é indicada aos entrevistadores uma quota ou seja, o número de sujeitos pertencentes a cada sub-grupo que têm que seleccionar e entrevistar.

Este tipo de amostragem apresenta similaridades com amostragens de carácter probabilístico, especialmente com a amostragem estratificada, mas difere dela num importante aspecto: os sujeitos são escolhidos por entrevista. Aos entrevistadores são dadas instruções específicas sobre os sujeitos que deverão seleccionar para realizá-la, mas esta selecção pode ocasionar enviesamentos na amostra, pois muitas vezes os entrevistadores têm tendência a entrevistar pessoas pertencentes à sua rede de relações pessoais ou então indivíduos detentores de determinadas características que os tornam mais facilmente contactáveis.

Por outro lado, o problema da não resposta não existe, porque quando um sujeito se recusa a responder ou o entrevistador não encontra ninguém em casa procura outro sujeito com as mesmas características para ser entrevistado. É possível impôr aos entrevistadores um itinerário, dependendo neste caso a representatividade da amostra da pessoa que estabelece o plano de estudo. Se o processo de selecção for mal definido não há nenhum método estatístico válido para estimar o erro de amostragem, o que constitui um perigo a ter em conta.

A amostragem por quotas não é tão dispendiosa como a amostragem aleatória estratificada, mas apresenta grandes inconvenientes relativamente a esta, nomeadamente no que diz respeito à representatividade da amostra e, consequentemente, à possibilidade de generalização dos resultados.

2.2.3.7. Utilidade das amostragens não probabilísticas

O processo de constituição de uma amostra por selecção não probabilística é uma técnica de amostragem útil em determinadas circunstâncias, algumas das quais já indicadas anteriormente. Retomá-las-emos de forma sistematizada:

● Quando se estudam determinadas populações cuja listagem completa é impossível de obter. A amostragem em bola de neve é quase a única técnica possível de ser aqui utilizada com êxito em casos como os citados;

89

● Quando o investigador está interessado em estudar apenas determinados elementos pertencentes à população, de características bem recortadas;

● Numa fase exploratória do processo de investigação, quando o investigador quer averiguar se um problema é ou não relevante.

É necessário não esquecer que devido ao carácter subjectivo que envolve o processo de selecção, põe-se o problema da validade externa (relativo à generalização dos resultados obtidos). Não é possível saber-se se os resultados alcançados seriam os mesmos no caso de os elementos da população seleccionados serem outros.

Quando utiliza um processo de amostragem não probabilística o investigador deverá explicar pormenorizadamente como procedeu à selecção dos elementos da população em estudo, que deverão também ser descritos com o maior rigor possível.

90

2.3. A Prática de Investigação2.3.1. Classificação da investigaçãoJá anteriormente tinha sido referida a dificuldade de definir métodos e, do mesmo modo, a sua classificação levanta grandes problemas (vide Almeida e Pinto, 1995).

Embora com algumas adaptações, apresenta-se a classificação de L. R. Gay que foi elaborada relativamente à investigação em Ciências de Educação, mas que pode ser extensiva a outras Ciências Sociais.

O referido autor classifica a investigação:

Quanto ao propósito - Esta classificação é baseada fundamentalmente na aplicabilidade dos resultados e no grau em que estes são generalizáveis à população em estudo. Ambos os critérios são função do controlo da investigação exercido durante a condução do estudo.

Quanto ao método - O autor põe em evidência que embora muitos trabalhos de investigação tenham aspectos em comum, apresentam um método ou estratégia característico. As diferenças existentes entre eles são devidas ao método de investigação, pois cada um deles foi concebido para responder a uma determinada questão.

2.3.1.1. Classificação quanto ao propósitoQuanto ao propósito da investigação o autor considera cinco categorias:

a) Investigação básica - Na sua forma mais pura, a investigação básica tem como propósito desenvolver a teoria e estabelecer princípios gerais.

b) Investigação aplicada - Como o nome indica, é conduzida com o propósito de aplicar ou testar a teoria e avaliar a sua utilidade na resolução de problemas sociais.

O mesmo autor põe em evidência que frequentemente é difícil distinguir a investigação básica da investigação aplicada porque existe entre elas um continuum.

c) Investigação em Avaliação - O propósito da investigação em avaliação é recolher e analisar dados com o fim de facilitar tomadas de decisão que digam respeito a duas ou mais acções alternativas. Os dados deverão ser assim recolhidos em função de um ou mais critérios.

Avaliar a eficácia de um projecto é ainda mais complexo porque envolve naturalmente juízos de valor.

Alguns investigadores defendem que a avaliação é uma investigação, enquanto outros defendem que é uma disciplina individualizada. Na realidade, a separação entre investigação e avaliação é ténue, porque em avaliação adopta-se frequentemente um plano de investigação. Muitos trabalhos de investigação são conduzidos na situação real e envolvem problemas de controlo da mesma maneira que muitas avaliações. Embora o problema não

91

esteja resolvido, com maior frequência a avaliação aparece classificada como uma investigação cujo propósito é facilitar tomadas de decisão.

d) Investigação e Desenvolvimento (I & D) - O principal propósito de I & D é desenvolver produtos para serem utilizados com determinados fins e de acordo com especificações pormenorizadas. Uma vez elaborados, os produtos são testados e revistos até que um nível de eficácia pré-determinado seja atingido. O processo é dispendioso mas pode resultar na elaboração de produtos de qualidade elevada.

e) Investigação-Acção - O propósito desta investigação é resolver problemas de carácter prático, através do emprego do método científico. A investigação é levada a cabo a partir da consideração da situação real. A sua principal finalidade é a resolução de um dado problema para o qual não há soluções baseadas na teoria previamente estabelecida.

2.3.1.2. Classificação quanto ao métodoQuanto ao método de investigação o autor acima referido considera cinco categorias de investigação:• investigação histórica,• investigação descritiva,• investigação correlacional,• investigação experimental e• investigação causal-comparativa.

2.3.2. Investigação históricaO propósito da investigação histórica é testar hipóteses ou responder a questões que digam respeito às causas, aos efeitos ou às tendências de acontecimentos passados, que possam ajudar a explicar acontecimentos actuais e a prever acontecimentos futuros.

As etapas da investigação histórica são as mesmas de outras investigações e um estudo histórico deverá compreender• a definição de um problema;• a formulação de hipóteses ou de questões de investigação;• a recolha, organização, verificação, validação, análise e selecção de

dados;• a testagem de hipóteses ou a resposta às questões; e• a redacção de um relatório de investigação.

Uma das principais diferenças da pesquisa histórica relativamente a outras é a de que nela se utiliza informação já existente. As fontes de informação podem ser de dois tipos fundamentais: primárias e secundárias. As fontes primárias fornecem informação directa (em 1ª mão) e podem ser de vária natureza: por exemplo - • artefactos, tais como: esqueletos, fosseis, armas, utensílios, edifícios,

quadros, mobiliário, moedas e obras de arte; ou• documentos e relatos orais de quem testemunhou ou participou nos

acontecimentos, obtidos frequentemente por entrevista.Os documentos podem ser manuscritos, legislação, registos, ficheiros, cartas, minutas de reuniões, memorandos, memórias, biografias,

92

publicações oficiais, testamentos, jornais, revistas, mapas, diagramas, catálogos, filmes, pinturas, inscrições, gravações, transcrições, agendas e relatórios de investigação, entre outros, capazes de intencionalmente ou não transmitir a descrição de um acontecimento.

As fontes secundárias não são fontes originais, mas sim relatos escritos por alguém que não presenciou um acontecimento, mas a quem foi relatado esse acontecimento, muitas vezes não por quem o presenciou, mas por alguém a quem já tinha sido por sua vez relatado, o que frequentemente dá origem a distorções do que realmente se passou. Obviamente que sempre que for possível, será preferível utilizar fontes primárias, mas não se deverá minimizar, de modo nenhum, o papel que as fontes secundárias podem desempenhar.

Definição do problema - É importante definir um problema sobre o qual seja possível realizar investigação, isto é, um problema relativamente ao qual haja informação disponível pois, caso contrário, se não há sobre ele informação suficiente, o problema não poderá ser correctamente estudado, e as hipóteses levantadas não poderão ser adequadamente testadas. É do mesmo modo preferível estudar um problema mais restrito, bem definido, para o qual seja possível formular hipóteses ou colocar questões de forma concreta, em vez de investigar um problema mais amplo relativamente ao qual se formulam hipóteses ou questões de uma forma imprecisa. Tome-se como exemplo: Sanches, em 1990, realizou um trabalho de investigação sobre a educação durante o período comumente designado por “Estado Novo”, em que formulou a seguinte hipótese: “O principal objectivo do Estado Novo em relação à educação da população portuguesa tinha sido o de inculcar atitudes de passividade e um comportamento conformista através da desmobilização e despolitização”.

Análise dos dados - Todas as fontes históricas deverão ser sujeitas a uma crítica externa para determinar a sua autenticidade e a uma crítica interna para determinar o rigor do conteúdo. A idade de um documento pode actualmente ser estabelecida utilizando testes físicos e químicos, mas para determinar o rigor do documento, há pelo menos quatro aspectos que deverão ser considerados:

– Conhecimento e competência do autor;

– Tempo que passou entre o desenrolar do acontecimento e a data do relato do mesmo. Quanto mais longo for esse período de tempo maiores são as probabilidades de haver distorções dos acontecimentos relatados;

– Enviesamentos e motivações do autor. Tal distorção pode ser ou não intencional;

– Consistência dos dados. Cada documento deverá ser comparado com outros para determinar o grau de concordância entre a informação que deles consta.

Síntese dos dados - Após a análise e crítica dos dados recolhidos estes deverão ser organizados procedendo-se à elaboração de uma síntese e à formulação (se possível) de conclusões e generalizações. Em investigação histórica levanta-se o problema de ser ou não possível generalizar os estudos da investigação, dado que os acontecimentos nunca se poderão repetir da mesma maneira; daí a necessidade dessa

93

generalização, ao ser efectuada, dever revestir grandes cuidados. Em investigação histórica, como noutras investigações, quanto mais similar for uma nova situação relativamente à anterior, mais aplicáveis poderão ser as generalizações baseadas no passado.

Atendendo a que a síntese histórica compreende fundamentalmente uma análise lógica, o investigador deverá ser o mais objectivo possível para não cometer os erros de eliminar dados precisos que contrariem a hipótese formulada ou dados que a confirmem, embora obtidos sem o rigor que deve ser característico da sua recolha.

2.3.3. Investigação descritivaOs dados numa investigação descritiva são normalmente recolhidos mediante a administração de um questionário, a realização de entrevistas ou recorrendo à observação da situação real. Dado que são formuladas questões que não tinham sido postas anteriormente ou que se procura obter dados que não estavam disponíveis, esta investigação exige frequentemente a elaboração de um instrumento apropriado para obter a informação necessária. É possível, no entanto, utilizar um instrumento já existente desde que este se revele adequado. A construção de um novo instrumento é, no entanto, geralmente baseada em instrumentos já utilizados anteriormente. Este deverá ser testado e corrigido antes de ser administrado aos sujeitos que constituem a amostra. Os procedimentos de administração, assim como de análise dos dados recolhidos, deverão ser cuidadosamente planeados.

Há vários estudos incluídos nesta categoria:

2.3.3.1. InquéritosNestes estudos utilizam-se questionários e entrevistas para recolher dados.

2.3.3.2. Estudos relativos ao desenvolvimento (“Developmental Studies”)

Em Ciências Sociais, nomeadamente em Ciências da Educação, são na maioria dos casos estudadas variáveis comportamentais em diferentes escalões de idade. Os estudos podem ser longitudinais ou transversais (“cross-sectional”).

Nos estudos longitudinais um mesmo grupo de sujeitos é seguido durante um período de tempo mais ou menos longo, com o objectivo de poder analisar a evolução das variáveis em estudo. O principal problema destes estudos diz respeito ao facto de ser difícil manter o número inicial de crianças, durente um período de tempo muito prolongado, devido a diferentes razões, tais como mudança de residência ou desistência em colaborar no estudo ao fim de alguns anos, e de igual modo, exigem um envolvimento do investigador durante o mesmo período, o que muitas vezes se torna difícil ou impossível devido a motivos pessoais ou profissionais.

Nos estudos transversais (“cross-sectional”) grupos de crianças em diferentes estádios de desenvolvimento são estudadas simultaneamente. A vantagem destes estudos relativamente aos

94

anteriores será a possibilidade que oferecem de estudar grupos de crianças mais numerosos.

2.3.3.3. Estudos complementares (“Follow-Up Studies”)

Estes estudos são levados a cabo para averiguar qual a situação dos sujeitos de investigação após um dado período de tempo.

2.3.3.4. Estudos sociométricosSociometria consiste na avaliação e análise das relações interpessoais dentro de um dado grupo de sujeitos. A cada membro do grupo será pedido que indique outros membros do grupo com os quais gostaria, preferencialmente, de executar um trabalho, ou desenvolver uma dada actividade. Obviamente a escolha dos membros do grupo poderá variar de acordo com a actividade a realizar em conjunto, pois os sujeitos com quem preferencialmente se gostaria de executar uma tarefa poderão não ser os mesmos com quem se preferiria exexcutar uma outra tarefa.

As escolhas feitas pelos membros do grupo são representadas num gráfico denominado sociograma que põe em evidência as escolhas mútuas dos membros do grupo. Um sociograma mostra aqueles que são escolhidos por muitos membros do grupo, aqueles que ninguém escolhe e pequenos grupos cujos membros se escolhem mutuamente.

As técnicas sociométricas são utilizadas com fins práticos ou para investigação no caso de se pretender estudar relações entre membros de um grupo e características comportamentais.

2.3.4. Estudo de CasoO estudo de caso tem sido largamente usado em investigação em Ciências Sociais, nomeadamente em Sociologia, Ciência Política, Antropologia, História, Geografia, Economia e Ciências da Educação.

Definição - Yin (1988) define um estudo de caso como uma abordagem empírica que:

– investiga um fenómeno actual no seu contexto real; quando,

– os limites entre determinados fenómenos e o seu contexto não são claramente evidentes; e no qual

– são utilizadas muitas fontes de dados.

De acordo com o mesmo autor esta definição permite distinguir o estudo de caso de outras investigações:• experimental, que deliberadamente separa o fenómeno do seu

contexto;• histórica, que estuda acontecimentos passados; e• descritiva, onde se procura estudar o fenómeno e o contexto, mas em

que o estudo do contexto é extremamente limitado.

Além destes estudos de caso cujo objectivo é a explicação de fenómenos, o mesmo autor refere ainda a existência de estudos de caso exploratórios e descritivos. Em estudo de caso pode ainda estudar-se um

95

caso único ou casos múltiplos e os dados recolhidos podem ser de natureza qualitativa, quantitativa ou ambas.

Merriam (1988) resumiu as características de um estudo de caso qualitativo:

• particular - porque se focaliza numa determinada situação, acontecimento, programa ou fenómeno;

• descritivo - porque o produto final é uma descrição “rica” do fenómeno que está a ser estudado;

• heurístico - porque conduz à compreensão do fenómeno que está a ser estudado;

• indutivo - porque a maioria destes estudos tem como base o raciocínio indutivo;

• holístico - porque tem em conta a realidade na sua globalidade.É dada uma maior importância aos processos do que aos produtos, à compreensão e à interpretação.

A planificação de um estudo de caso varia segundo se trata de um estudo de carácter essencialmente qualitativo ou quantitativo.

Yin (1988) põe em evidência a necessidade de definir as questões de investigação:• as proposições que focalizam a atenção do investigador sobre algo

que deverá ser observado durante o estudo;• a(s) unidade(s) de análise que poderão ser um ou mais programas,

acontecimentos, indivíduos, processos, instituições ou grupos sociais conforme se trata do estudo de um caso único ou de casos múltiplos;

• a lógica que liga os dados às proposições; e• os critérios para interpretação dos resultados.

Uma rigorosa análise de dados é fundamental em qualquer investigação e no caso de um estudo de caso qualitativo o investigador deverá proceder à análise dos dados à medida que procede à sua recolha. O produto final é uma descrição “rica” e rigorosa do caso que constitui o objecto de estudo.

Nos estudos de caso, como em quaisquer outros estudos, torna-se necessário assegurar a validade e fiabilidade do estudo. A validade interna diz respeito à correspondência entre os resultados e a realidade, isto é, à necessidade de garantir que estes traduzam a realidade estudada. A fiabilidade diz respeito à replicação do estudo, isto é, à necessidade de assegurar que os resultados obtidos seriam idênticos aos que se alcançariam caso o estudo fosse repetido.

A validade interna pode ser assegurada de diferentes maneiras:• por triangulação – utilizando vários onvestigadores, várias fontes de

dados ou diferentes métodos;• verificando se os dados recolhidos estão de acordo com o que os

participantes disseram ou fizeram e se a sua interpretação foi correctamente feita;

• observando o fenómeno em estudo durante um período longo ou realizando observações repetidas do mesmo;

• discutindo os resultados com outros investigadores;• envolvendo os participantes em todas as fases da investigação.

A fiabilidade pode ser garantida sobretudo através de uma descrição pormenorizada e rigorosa da forma como o estudo foi realizado, a qual

96

implica, não só uma explicitação dos pressupostos e da teoria subjacentes ao próprio estudo, mas também uma descrição do processo de recolha de dados e da forma como se obtiveram os resultados.

A possibilidade de generalização dos resultados a outras situações – validade externa – continua a ser debatida.

Yin (1988) indica 5 características de um bom estudo de caso:• ser relevante,• ser completo,• considerar perspectivas alternativas de explicação,• evidenciar uma recolha de dados adequada e suficiente e• ser apresentado de uma forma que motive o leitor.

2.3.4.1. Histórias de vidaSão um tipo de estudo de caso, em que o investigador mediante entrevistas em profundidade tenta coligir uma narrativa de um indivíduo. Em Psicologia são utilizadas para a compreensão de aspectos básicos do comportamento humano. Em Ciências de Educação têm sido igualmente realizadas histórias de vida, visando sobretudo utilizá-las na (auto)formação de professores.

97

98

2.4. A Análise de Conteúdo2.4.1. Definição de Análise de ConteúdoBerelson, (1952, 1968), por exemplo, definiu Análise de Conteúdo como “uma técnica de investigação que permite fazer uma descrição objectiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto das comunicações, tendo por objectivo a sua interpretação”. Pormenorizando:

Objectiva - porque a análise deve ser efectuada de acordo com determinadas regras, obedecer a instruções suficientemente claras e precisas para que investigadores diferentes, trabalhando sobre o mesmo conteúdo, possam obter os mesmos resultados.

Sistemática - porque a totalidade do conteúdo deve ser ordenado e integrado em categorias previamente escolhidas em função dos objectivos que o investigador quer atingir.

Quantitativa - uma vez que na maior parte das vezes é calculada a frequência dos elementos considerados significativos.

Posteriormente foram propostas outras definições.

Como salienta Bardin (1977), a Análise de Conteúdo não deve ser utilizada apenas para se proceder a uma descrição do conteúdo das mensagens, pois a sua principal finalidade é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção (ou eventualmente de recepção), com a ajuda de indicadores (quantitativos ou não).

Se a descrição (a enumeração resumida após tratamento das características do texto) constitui a primeira etapa de realização numa Análise de Conteúdo e se a interpretação (o significado atribuído a essas mesmas características) é a última etapa, a inferência é o procedimento intermédio que permite a passagem, explícita e controlada, de uma à outra.

De acordo com o mesmo autor, esta técnica de pesquisa pode considerar-se como a articulação entre:

– o texto, descrito e analisado (pelo menos em relação a certos dos seus elementos característicos), e

– os factores que determinaram essas características, deduzidos logicamente,

constituindo estes a especificidade da Análise de Conteúdo.

2.4.2. Tipos de Análise de ConteúdoUtilizando, mais uma vez, o que Madeleine Grawitz (1993) escreveu sobre o assunto, apresenta-se seguidamente a distinção dos vários tipos de Análise de Conteúdo:

2.4.2.1. Análise de exploração e análise de verificação

Corresponde à distinção entre a análise de documentos que tem como finalidade a verificação de uma hipótese, cujo objectivo é bem definido e conduz à quantificação dos resultados; e aquela

99

cuja finalidade é fundamentalmente explorar. Uma análise fortemente sistematizada, dirigida, apresenta inconvenientes pois podem ser deixados fora do campo de estudo elementos essenciais que não foram previstos antecipadamente.

2.4.2.2. Análise quantitativa e análise qualitativaA principal distinção entre as duas é que na análise quantitativa, o que é mais importante é o que aparece com frequência, sendo o número de vezes o critério utilizado, enquanto que numa análise qualitativa, a noção de importância implica a novidade, o interesse, o valor de um tema.

2.4.2.3. Análise directa e análise indirectaA análise quantitativa emprega na maior parte das vezes a medida de uma forma directa. Este é o modo mais simples de proceder.

A análise indirecta que procura uma interpretação do que se encontra latente sob a linguagem expressa é geralmente considerada como característica de uma análise de tipo qualitativo; mas, por vezes a partir de uma análise quantitativa indirecta, para além do que é manifesto num discurso, por inferência, pode chegar-se a conclusões sobre o que propositadamente não foi dito ou escrito.

2.4.3. A prática da Análise de ConteúdoA Análise de Conteúdo compreende no seu percurso um certo número de etapas:

– Definição dos objectivos e do quadro de referência teórico;

– Constituição de um corpus;

– Definição de categorias;

– Definição de unidades de análise;

– Quantificação (não obrigatória);

– Interpretação dos resultados obtidos.

2.4.3.1. Definição dos objectivos e do quadro de referência teórico

Como qualquer outra técnica de investigação a Análise de Conteúdo implica que sejam definidos objectivos e um quadro de referência teórico. Dado a definição de objectivos e o papel da teoria no desenvolvimento da investigação já terem sido abordados em capítulos anteriores não serão aqui novamente desenvolvidos esses aspectos.

100

2.4.3.2. Constituição de um corpusO investigador deverá proceder à escolha dos documentos que vão ser sujeitos à análise. A escolha pode ser feita de duas maneiras:• determinada a priori (por exemplo, por análise sistemática de

todos os números de uma revista que só foi editada durante quatro anos) ou

• os documentos podem ser escolhidos de acordo com os objectivos da investigação em curso (por exemplo, o investigador pretende analisar a evolução da importância dada nos programas do Ensino Básico a questões ambientais, nos últimos 10 anos; para isso pode escolher e analisar os programas de Biologia e de Geografia deste nível de ensino).

Constitui-se assim o corpus ou seja o conjunto dos documentos escolhidos para se proceder posteriormente à Análise de Conteúdo.

Essa escolha deverá ser feita tendo em atenção certas regras, tais como:• a exaustividade (o que implica considerar todos os elementos

do conjunto, no exemplo dado todos os programas das duas disciplinas dos últimos 10 anos);

• a representatividade (o que implica proceder à análise de uma parte dos documentos, devendo a parte seleccionada ser representativa do conjunto dos documentos);

• a homogeneidade (os documentos escolhidos devem obedecer a critérios de escolha rigorosos e não apresentar demasiada singularidade relativamente a esses critérios de escolha);

• a pertinência (ou seja, os documentos escolhidos devem ser adequados como fonte de informação para corresponder ao objecto da análise que sobre eles irá recair). (Bardin, 1977).

2.4.3.3. Definição das categoriasAs categorias são “rubricas significativas, em função das quais o conteúdo será classificado e eventualmente quantificado” (Grawitz, 1993). A definição das categorias pode ser feita a priori ou a posteriori.

No primeiro caso foram formuladas hipóteses e o investigador pretende verificá-las, tendo para tal definido antecipadamente as categorias de análise. A Análise de Conteúdo permitir-lhe-á detectar se as categorias estabelecidas estão ou não presentes nos documentos que constituem o corpus. Por exemplo, pode ser este o caso de um inquérito por entrevista em que na fase de pré-testagem se puderam definir as categorias.

No segundo caso as categorias não foram definidas antecipadamente. Este tipo de análise é designado por “procedimento exploratório”.

A escolha das categorias é fundamental na Análise de Conteúdo. As categorias devem ter as seguintes características:

Exaustivas – o que significa que todo o conteúdo que se tomou a decisão de classificar deve ser integralmente incluído nas categorias consideradas, sendo no entanto possível, de acordo

101

com os objectivos, não considerar alguns aspectos do conteúdo, caso em que se torna necessário justificar porque razão esses aspectos não foram considerados. (Por exemplo, entrevistados relatam por vezes factos ou emitem opiniões sobre aspectos que estão fora dos objectivos da investigação);

Exclusivas – os mesmos elementos devem pertencer a uma e não a várias categorias;

Objectivas – as características de cada categoria devem ser explicitadas sem ambiguidade e de forma suficientemente clara de modo a que diferentes codificadores classifiquem os diversos elementos, que seleccionaram dos conteúdos em análise, nas mesmas categorias;

Pertinentes – devem manter estreita relação com os objectivos e com o conteúdo que está a ser classificado. Note-se que quando se definem categorias a priori pode-se pôr em risco a pertinência da sua inclusão.

Dever-se-á também ter sempre em conta, em alguns casos, elementos cuja ausência poderá também ser significativa.

Como foi referido, categorias definidas a priori podem levar a que não se tenha em consideração aspectos importantes do conteúdo; a definição de categorias a posteriori deve ser feita com muitos cuidados, após leituras sucessivas do texto e tendo em atenção os objectivos da investigação; as categorias não devem igualmente ser numerosas, nem demasiado pormenorizadas ou, pelo contrário, serem em número insuficiente e demasiadamente englobantes e, por conseguinte, de fronteiras imprecisas.

Um problema levantado por muitos autores incide sobre a possibilidade de definir um conjunto de aspectos da realidade comuns a muitas análises, de forma a facilitar e a normalizar a Análise de Conteúdo, apesar das diferenças de objectivos que encerram e dos textos que lhe venham a ser submetidos.

Reconhecendo a importância que revestem, enumeram-se alguns desses aspectos que podem constituir objectos da análise (Grawitz, 1993):

Matéria – importa saber de que trata a comunicação (assuntos que nela são abordados);

A direcção da comunicação – que pode ser por exemplo, favorável, neutra, desfavorável, entre outras;

Os valores – procuram explicar a orientação da comunicação pelo reconhecimento dela ser favorável, neutra ou desfavorável, revelando as finalidades que os indivíduos nela implicados procuram alcançar;

Os meios – dizem respeito aos instrumentos de comunicação utilizados para os receptores aderirem aos valores do emissor (por exemplo, em discursos, a ameaça, a persuasão, a negociação, etc.);

Os actores – trata-se de definir as características individuais dos actores intervenientes, como por exemplo: a idade, o sexo, a

102

profissão, o nível de instrução, o nível sócio-económico, a nacionalidade, a naturalidade, a religião;

A origem – diz respeito à origem dos textos utilizados, tais como: artigos de revistas ou de jornais regionais, nacionais ou internacionais, etc.

2.4.3.4. Definição das unidades de análiseApós a definição de categorias torna-se necessário proceder à definição de três tipos de unidades:

a) Unidade de registo é o segmento mínimo de conteúdo que se considera necessário para poder proceder à análise, colocando-o numa dada categoria.

A unidade de registo pode ser de natureza e de dimensões muito diversas, sendo a distinção mais habitual entre unidades formais, que podem ou não coincidir com unidades linguísticas, e unidades semânticas.

Podem considerar-se unidades formais a palavra, a frase, uma personagem, um qualquer item (designação esta empregue para unidades muito diferentes tais como um livro, um filme ou um discurso, que são utilizados como “unidade” quando as variações dentro do item considerado são menos relevantes do que as variações entre itens diversos).

A unidade semântica considerada mais comum é o tema (a título de exemplo: a democracia, o sucesso escolar, a imigração). O tema é também uma das unidades de registo mais utilizadas, no entanto, verifica-se frequentemente discordância entre codificadores sobre onde começa e acaba um dado tema (por exemplo, ao efectuar a análise de um discurso), o que põe problemas quanto à fidelidade do estudo.

b) Unidade de contexto constitui o segmento mais longo de conteúdo que o investigador considera quando caracteriza uma unidade de registo, sendo a unidade de registo o mais curto. Por exemplo, se a palavra for considerada a unidade de registo, a unidade de contexto poderá ser a frase. É assim importante considerar a unidade de contexto para assegurar a fidelidade e a validade da análise.

c) Unidade de enumeração é a unidade em função da qual se procede à quantificação. Por exemplo, num dado discurso se se pretende distinguir a importância que foi prestada a vários temas, a unidade de registo será traduzida pelo número de vezes que aparece em cada um dos temas e a unidade de enumeração o número de linhas dedicadas a cada um deles.

A escolha das unidades de enumeração deve ser cuidadosamente feita e devem ser indicados os critérios que a orientaram. A realidade pode no entanto ser outra, porque o autor pode intencionalmente omitir de forma estratégica objectos a que dá real importância.

103

2.4.3.5. QuantificaçãoEstá fora do âmbito deste Manual indicar toda a variedade das técnicas de quantificação na Análise de Conteúdo, técnicas que evoluíram muito e se diversificaram devido não só ao desenvolvimento da análise estatística aplicada ao campo das Ciências Sociais como à utilização do próprio computador.

2.4.3.6. Interpretação dos resultadosA interpretação de resultados obtidos, feita à luz dos objectivos e do suporte teórico, é fundamental. No entanto, para assegurar a validade de qualquer previsão que venha a ser feita, torna-se necessário fazer o cruzamento com os resultados obtidos por outras técnicas.

2.4.4. Fidelidade e validadeA fidelidade diz respeito ao problema de garantir• que diferentes codificadores cheguem a resultados idênticos

(fidelidade inter-codificadores), e• que um mesmo codificador ao longo do trabalho aplique de forma

igual os critérios de codificação (fidelidade intra-codificador).Para que tal aconteça é necessário que o investigador explique pormenorizadamente os critérios de codificação por ele utilizados e que estes sejam aplicados com o maior rigor.

A validade diz respeito àquilo que o investigador pretendia medir. Uma Análise de Conteúdo será válida, quando a descrição que se fornece sobre o conteúdo tem significado para o problema em causa e reproduz fielmente a realidade dos factos. Para isso, é necessário que todas as etapas que integram o processo de análise sejam correctamente executadas.

104

2.5. Considerações finais2.5.1. Princípios ÉticosA realização de uma qualquer investigação implica por parte do investigador a observância de princípios éticos, geralmente aceites pela comunidade de investigadores em Ciências Sociais, que o obrigam a:

1 - Respeitar e garantir os direitos daqueles que participam voluntariamente no trabalho de investigação.

2 - Informar os participantes sobre todos os aspectos da investigação que podem ter influência na sua decisão de nela colaborar ou não e explicar-lhes todos os aspectos da investigação sobre os quais possam vir a ser postas questões.

3 - Manter total honestidade nas relações estabelecidas com os participantes. Dever-lhes-ão ser explicadas as razões porque não se torna conveniente indicar-lhes os verdadeiros ou a totalidade dos objectivos subjacentes à investigação, o que os poderá então levar a optar por colaborar ou não.

4 - Aceitar a decisão dos indivíduos de não colaborar na investigação ou de desistir no seu decurso.

5 - Antes de iniciar a investigação estabelecer um acordo com os participantes de forma a que fiquem explícitas conjuntamente as responsabilidades do investigador e a deles próprios.

6 - Proteger os participantes de quaisquer danos ou prejuízos físicos, morais e profissionais no decurso da investigação ou causada pelos resultados que venham a ser obtidos.

7 - Informar os participantes dos resultados da investigação e do mesmo modo, esclarecer quaisquer dúvidas que estes possam a vir a levantar aos participantes.

8 - Garantir a confidencialidade da informação obtida, salvo se os participantes não se opuserem a tal e solicitarem eles próprios a sua divulgação.

9 - Solicitar autorização das instituições a que pertencem os participantes para estes colaborarem no estudo.

A estes princípios orientadores a que devem obedecer as relações do investigador com os participantes, juntam-se outros que o devem levar a ter a obrigação de fazer uma rigorosa explicitação das fontes utilizadas quer estas sejam documentais ou não; de ser autêntico quando redige o relatório da investigação, nomeadamente no que diz respeito aos resultados que apresenta e às conclusões a que chega, mesmo que por razões ideológicas ou de outra natureza os mesmos não lhe agradem.

105

2.5.2. O Projecto e o Relatório de Investigação2.5.2.1. O Projecto de InvestigaçãoA elaboração do projecto deve conter 4 secções:

Título (ainda que provisório)

1. Objecto da Investigação

1.1. Problema de investigação;

1.2. Justificação do estudo;

1.3. Limitações do estudo;

1.4. Questões ou hipóteses de investigação (incluindo as variáveis que vão ser investigadas);

1.5. Definição de termos (palavras-chave do estudo).

2. Revisão da literatura

Indicação do enquadramento teórico e sumário de trabalhos de investigação já realizados que estejam relacionados com o tema em estudo e sua importância e implicações para o trabalho de investigação que o mestrando se propõe efectuar.

3. Procedimentos

3.1. Explicitação do plano de investigação (com indicação e descrição do palno experimental, se para ele houver lugar);

3.2. Indicação da população em estudo e do processo de amostragem e justificação da sua escolha;

3.3. Técnicas e instrumentos de pesquisa a serem utilizados para recolha de dados;

3.4. Actividades a desenvolver (descrição em pormenor do que se vai fazer, quando, onde e como);

3.5. Validade (como vai ser assegurada a validade interna do estudo);

3.6. Análise dos dados (com explicitação dos procedimentos de organização e tratamento);

3.7. Calendarização.

4. Referências bibliográficas (as obras devem ser pesquisadas em função do tema de estudo e da metodologia da investigação a ser utilizada).

2.5.2.2. O Relatório de InvestigaçãoA elaboração do relatório de investigação reveste-se da maior importância dado ser a sua leitura que vai permitir avaliar a pertinência, o rigor e o valor científico do trabalho de investigação realizado.

No entanto, não se pretende que todos os Mestrandos apresentem a mesma organização do relatório da pesquisa por eles efectuada,

106

dado aquela estar dependente do trabalho efectivamente realizado e reflectir as características do seu autor. Rigor e criatividade são as condições essenciais para a realização de um trabalho de investigação, que o relatório de investigação deverá traduzir através de uma descrição pormenorizada, precisa e imaginativa.

2.5.2.2.1. Organização do Relatório de Investigação

Resumo (em Português, Francês e Inglês - uma página A4)

I. Secção Introdutória1.1. Título1.2. Índice1.3. Lista das Figuras1.4. Lista dos Quadros

II. Parte Principal1. Objecto da Investigação1.1. Problema de investigação1.2. Justificação do estudo1.3. Limitações do estudo1.4. Questões ou hipóteses de investigação1.5. Definição de termos2. Revisão da literatura (enquadramento teórico e estado da arte relativo ao tema de investigação)3. Procedimentos3.1. Descrição do plano de investigação3.2. Explicitação da população em estudo e do processo de amostragem3.3. Descrição das técnicas e dos instrumentos utilizados para recolha de dados3.4. Explicação das actividades desenvolvidas3.5. Discussão da validade interna3.6. Discussão e justificação da análise dos dados efectuada4. Resultados4.1. Descrição dos resultados relativos a cada uma das questões ou hipóteses5. Conclusões5.1. Discussão à luz da teoria, das implicações dos resultados e seu significado5.2. Sugestões para futuros trabalhos de investigação

III. Referências bibliográficas

IV. Anexos (por exemplo, guiões e transcrições de entrevistas; formulários de questionários e cartas de envio dos mesmos; documentos vários).

2.5.2.2.2. Revisão crítica de um Relatório de Investigação

1 - O problema está convenientemente definido?

2 - A justificação do estudo é convincente? É lógica? É suficiente? É indicado como é que os resultados do estudo terão implicações tanto ao nível teórico, como prático?

107

3 - As questões ou hipóteses de investigação estão claramente formuladas? São apropriadas? É possível responder-lhes? Podem ser testadas?

4 - Os conceitos utilizados e termos empregues são claros e não oferecem qualquer ambiguidade na interpretação?

5 - A investigação realizada anteriormente acerca do mesmo assunto é convenientemente referida?

6 - O plano de investigação está bem apresentado e descrito? Parece adequado à investigação que foi realizada?

7 - Se o tipo de estudo exigiu ou foi aconselhável a constituição de uma amostra, que tipo de amostra foi utilizada? É uma amostra aleatória? Se o não for, está claramente definido o processo de selecção utilizado? No caso da generalização dos resultados a uma dada população, a população está bem determinada? São discutidas as eventuais limitações do estudo, nomeadamente no que respeita à generalização dos resultados?

8 - As técnicas e os instrumentos de pesquisa utilizados estão devidamente caracterizados? São indicadas a sua validade e fiabilidade? Em que medida é que inferências baseadas nos instrumentos merecem credibilidade científica?

9 - O autor faz uma descrição pormenorizada das actividades realizadas?

10 - Quais as ameaças evidentes à validade interna do estudo? Foram devidamente controladas?

11 - Os dados estão sintetizados e foram apresentados com clareza? As estatísticas (descritivas e inferenciais) foram bem utilizadas? A sua interpretação é correcta? São discutidas as respectivas limitações?

12 - Os resultados e a discussão dos mesmos estão claramente apresentados?

13 - As conclusões são satisfatórias?

14 - O autor apresenta sugestões pertinentes para futuras investigações?

15 - A linguagem é clara e rigorosa?

16 - A apresentação gráfica é adequada?

17 - A bibliografia relevante para o tema é citada?

18 - Nos anexos estão incluídos todos os documentos necessários para que se possa fazer um juízo crítico dos procedimentos adoptados e dos resultados a que o autor chegou?

108