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A COMUNICAÇÃO ORAL EM EVENTOS CIENTÍFICOS E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O LETRAMENTO ACADÊMICO Juliana Bacan Zani Luzia Bueno Universidade São Francisco [email protected] Resumo: Este trabalho visa a apresentar uma pesquisa de doutorado que está sendo realizada na linha de “Práticas discursivas, processos culturais e educativos”, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco (USF), cujo objetivo central é compreender o trabalho de ensino com uma sequência didática para o gênero comunicação oral em eventos científicos e as implicações deste para o desenvolvimento de capacidades de linguagem dos alunos, contribuindo, desta forma, para o letramento acadêmico desses discentes. Adotamos a perspectiva teórico metodológica do interacionismo sociodiscursivo (Bronckart, 1999/2009, 2006, 2008, 2013) que orienta as pesquisas e os pressupostos propriamente didáticos sobre o ensino de gêneros e as questões referentes ao desenvolvimento humano, considerando também o papel da linguagem neste desenvolvimento. Baseamo-nos também nos estudos de didáticas das línguas (Schneuwly e Dolz, 2004/2013) no que se refere ao trabalho com gêneros em sala de aula e à questão das capacidades de linguagem. Como estamos tratando de um gênero oral, para o qual as questões da conversação também se fazem presentes, subsidiamo-nos, em Marcuschi (2001, 2003) e Koch (2007, 2012). A Sequência Didática para o minicurso foi desenvolvida em cinco encontros com duração de 2 (duas) horas cada, totalizando 10 (dez) horas. O minicurso já foi realizado e ainda que não tenha sido feita a análise final, já é possível perceber que a SD parece ter contribuído para a produção final dos alunos. Palavras-chave: Letramento Acadêmico, Gêneros de Texto, Comunicação Oral Apoio financeiro: Capes

4.2 a comunicação oral em eventos científicos e sua contribuição

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A COMUNICAÇÃO ORAL EM EVENTOS CIENTÍFICOS E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O LETRAMENTO ACADÊMICO

Juliana Bacan Zani

Luzia Bueno Universidade São Francisco

[email protected]

Resumo: Este trabalho visa a apresentar uma pesquisa de doutorado que está sendo realizada na linha de “Práticas discursivas, processos culturais e educativos”, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco (USF), cujo objetivo central é compreender o trabalho de ensino com uma sequência didática para o gênero comunicação oral em eventos científicos e as implicações deste para o desenvolvimento de capacidades de linguagem dos alunos, contribuindo, desta forma, para o letramento acadêmico desses discentes. Adotamos a perspectiva teórico metodológica do interacionismo sociodiscursivo (Bronckart, 1999/2009, 2006, 2008, 2013) que orienta as pesquisas e os pressupostos propriamente didáticos sobre o ensino de gêneros e as questões referentes ao desenvolvimento humano, considerando também o papel da linguagem neste desenvolvimento. Baseamo-nos também nos estudos de didáticas das línguas (Schneuwly e Dolz, 2004/2013) no que se refere ao trabalho com gêneros em sala de aula e à questão das capacidades de linguagem. Como estamos tratando de um gênero oral, para o qual as questões da conversação também se fazem presentes, subsidiamo-nos, em Marcuschi (2001, 2003) e Koch (2007, 2012). A Sequência Didática para o minicurso foi desenvolvida em cinco encontros com duração de 2 (duas) horas cada, totalizando 10 (dez) horas. O minicurso já foi realizado e ainda que não tenha sido feita a análise final, já é possível perceber que a SD parece ter contribuído para a produção final dos alunos.

Palavras-chave: Letramento Acadêmico, Gêneros de Texto, Comunicação Oral

Apoio financeiro: Capes

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Introdução

Este trabalho visa a apresentar uma pesquisa de doutorado que está sendo

realizada na linha de “Práticas discursivas, processos culturais e educativos”, do

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São

Francisco (USF), cujo objetivo central é compreender o trabalho de ensino com uma

sequência didática para o gênero comunicação oral em eventos científicos e as

implicações deste para o desenvolvimento de capacidades de linguagem dos alunos,

contribuindo, desta forma, para o letramento acadêmico desses discentes.

A pesquisa se insere em um projeto maior, Projeto Institucional “Trabalho

docente, letramento e gêneros textuais”, coordenado pela Prof.ª Dr.ª Luzia Bueno na

Universidade São Francisco (USF), e se articula aos estudos desenvolvidos nos

grupos de pesquisa ALTER_LEGE (CNPQ-USF), sob a coordenação das professoras

Luzia Bueno e Milena Moretto da Universidade São Francisco e ALTER-AGE, sob

coordenação da Prof.ª Dr.ª Eliane Gouvêa Lousada (Universidade de São Paulo –

USP) e da Prof.ª Dr.ª Luzia Bueno (Universidade São Francisco - USF), grupos dos

quais faço parte.

Adotamos a perspectiva teórico metodológica do interacionismo sociodiscursivo

(Bronckart, 1999/2009, 2006, 2008, 2013) que orienta as pesquisas e os pressupostos

propriamente didáticos sobre o ensino de gêneros e as questões referentes ao

desenvolvimento humano, considerando também o papel da linguagem neste

desenvolvimento. Baseamo-nos também nos estudos de didáticas das línguas

(Schneuwly e Dolz, 2004/2013) no que se refere ao trabalho com gêneros em sala de

aula e à questão das capacidades de linguagem. Como estamos tratando de um

gênero oral, para o qual as questões da conversação também se fazem presentes,

subsidiamo-nos, em Marcuschi (2001, 2003) e Koch (2007, 2012).

Para atender o objetivo deste artigo organizamo-lo em três seções. A primeira

apresenta uma breve justificativa em relação à escolha da temática e a proposta da

pesquisa, procurando expor a importância de trabalhar com um gênero de texto como

ferramenta para o processo de ensino, contribuindo, assim, para o desenvolvimento do

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letramento acadêmico. Na segunda seção estão descritos os caminhos a serem

percorridos pela pesquisa. Na terceira e última seção são tecidos alguns resultados

parciais da pesquisa.

1. A temática escolhida

Pesquisas e publicações recentes têm mostrado a desvalorização e o desprezo

para trabalhos com gêneros orais, como apontados por Bueno e Costa-Hübes (2015,

p.7), “pouco se pesquisou, estudou e divulgou sobre gêneros orais”.

Ao fazermos um levantamento bibliográfico, estado da arte sobre letramento e

oralidade, constatamos que, dentro do quadro de pesquisas básicas e educacionais no

Brasil, a oralidade relacionada ao letramento continua sendo um segmento

negligenciado, pois o oral ainda é colocado a serviço da escrita, assumindo-se assim,

uma perspectiva menor de letramento, que muito prejudica os alunos, já que lhes

passa a falsa ideia de que nas relações de comunicação o domínio da escrita por si só

poderia levar a situações bem sucedidas.

Negligenciam-se, assim, as relações entre leitura, escrita, fala e escuta, ou

seja, dos gêneros orais com os escritos em um contínuo na escola e na vida.

Considerando a importância de se trabalhar com as práticas de letramento que

contemplem o escrito e o oral, e que essas práticas têm significados específicos em

diferentes instituições e grupos sociais, podemos, assim, admitir que as práticas de

uso da oralidade e escrita são diferentes, sendo possível adquirir a existência de

múltiplos letramentos, a depender das esferas e grupos sociais, como proposto por

Street (2007), que é o caso da esfera acadêmica em que ler, produzir um texto escrito,

apresentá-lo oralmente ou ouvir a apresentação de outro são atividades cotidianas.

Dessa forma, é possível falar em letramento acadêmico, sob a concepção de

Fiad (2011, p.362), assumindo que “há usos específicos da escrita no contexto

acadêmico, usos que diferem de outros contextos, inclusive de outros contextos de

ensino”.

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Ficher (2008, p. 179) aponta que “em virtude dessas práticas de letramento que

são próprias do meio acadêmico, muitos alunos podem se sentir distantes,

inicialmente, de propostas advindas de professores, por não dominarem as linguagens

sociais recorrentes nesse meio”.

É o que sentimos quando os alunos que ingressam no mestrado e doutorado,

apresentando uma experiência de escrita restrita a alguns gêneros, sem mensurar a

dificuldade e/ou quase a inexistência de um conhecimento sobre os gêneros de textos

orais, ou seja, a experiência desses alunos é praticamente nula quando se trata de

uma socialização com as especificidades do discurso acadêmico oral.

Dessa forma buscamos verificar como o aluno de mestrado e doutorado se

organiza e apresenta comunicações orais em eventos científicos, pois esta é uma das

tarefas constantes durante o programa de Pós-Graduação Stricto Sensu.

A comunicação oral em eventos científicos é um exemplo de gênero textual

público, relativamente formal, materializado na interface escrito-oral, ou seja, que parte

de uma escrita, mas se concretiza ao ser oralizado. Se revela na esfera acadêmica,

envolvendo, de um lado o expositor (orador) que dirige-se ao destinatário veiculando

informações referente a um determinado conteúdo e, de outro, o auditório

(destinatário) disposto a aprender alguma coisa.

Nos últimos anos, assistindo e participando de sessões de comunicações,

evidenciou-se, ainda mais, a dificuldade das pessoas em transmitir um conhecimento

a um auditório, reforçando, assim, o desconhecimento em preparar, elaborar um

esquema destinado a sustentar a apresentação oral.

Essas dificuldades avivou o desejo de aprofundar a pesquisa nesta área.

Sendo assim, organizamos um minicurso sobre comunicação oral em eventos

científicos, com base no modelo didático desenvolvido por Schneuwly e Dolz (2004)

sobre o gênero “exposição oral” e o modelo didático do gênero “a arguição do

candidato para qualificação ou defesa de mestrado e doutorado” desenvolvido por nós

(ZANI e BUENO, 2013) para a elaboração de uma sequência didática.

O minicurso foi ofertado para alunos de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Educação de Mestrado e Doutorado, na Universidade São Francisco em Itatiba, cujo

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objetivo era levar os alunos a se apropriarem de estratégias discursivas para auxiliá-

los a realizar comunicações orais em eventos acadêmicos.

Tomamos o conceito de “Modelo Didático de Gênero - MDG” baseado nos

estudos de pesquisadores da equipe de Didática das Línguas da Faculdade de

Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra, que definem o MDG

como o resultado de um estudo sistematizado com um número significativo de textos

de um determinado gênero, visando a conhecer suas características predominantes e

formalizando as dimensões ensináveis dos gêneros orais e escritos para o ensino.

É “um objeto descritivo e operacional, construído para apreender o fenômeno

complexo da aprendizagem de um gênero” (DE PIETRO, 1996/1997, p. 118), ou seja,

a construção do mesmo possibilita conhecer as dimensões constitutivas do gênero e

selecionar as que podem ser ensinadas e necessárias para um determinado grupo

escolar. Assim, o MDG está estreitamente relacionado a um trabalho que propicie o

desenvolvimento das capacidades de linguagem necessárias para a produção de

textos escritos ou orais.

As “capacidades de linguagem”, de acordo com Dolz, Pasquier e Bronckart

(1993), são as aptidões requeridas do aprendiz para a produção de um gênero diante

de um determinado contexto de produção. Para os pesquisadores, em qualquer

situação de produção de textos (orais ou escritos), os sujeitos sempre irão mobilizar as

capacidades de que precisam.

Para Schneuwly e Dolz (2004) essas capacidades de linguagem envolvidas na

produção de um texto se dividem em três: a) a capacidade de ação que se refere à

mobilização das características do contexto de produção, percebendo em que situação

de comunicação um texto de um dado gênero pode ser produzido, por quem o

produziu, para quem, com que objetivo, onde, em que momento e a que se refere; b) a

capacidade discursiva que diz respeito ao modo como o texto foi organizado, ou seja,

a infraestrutura geral do texto; e c) a capacidade linguístico-discursiva que se refere

aos recursos linguísticos utilizados adequadamente no contexto de produção de um

determinado gênero.

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Assim, o modelo didático de um gênero pode ser transformado em conteúdos

de ensino para serem mobilizados nas atividades escolares, permitindo a construção

de um vasto conjunto de sequências didáticas, como destacado por Dolz e Gagnon

(2015).

A “Sequência Didática – SD” é um dispositivo didático criado para o ensino de

um gênero textual oral ou escrito, ou seja, é um “conjunto de atividades escolares

organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero” (DOLZ, NOVERRAZ e

SCHNEUWLY, 2004, p. 82).

A SD é constituída de uma produção inicial, após a apresentação de uma

situação de produção que orientaria a sequência didática, e de módulos que levam os

alunos a se confrontarem com os problemas do gênero tratado de forma mais

particular. Como fechamento, haveria uma produção final. Esses quatro passos

constituiriam o projeto de classe. Essa estrutura de uma SD é representada pelo

seguinte esquema:

FIGURA 1 – Esquema da Sequência Didática

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Neste contexto pretendemos na pesquisa compreender o trabalho de ensino,

utilizando uma ferramenta de trabalho, no nosso caso, a sequência didática elaborada

para o minicurso e verificar se esta possibilita o desenvolvimento de capacidades de

linguagem dos alunos.

2. Método

Visando a atingir o objetivo central da pesquisa, traçamos os seguintes

objetivos específicos:

* Elaborar uma sequência didática com base em um modelo didático do gênero

comunicação oral e arguição.

* Investigar se a sequência didática possibilita o desenvolvimento das

capacidades de linguagem, tornando-se efetivo o processo de ensino-aprendizagem

do gênero oral.

Dessa forma, para alcançar nossos objetivos, procuramos responder as

seguintes perguntas:

a) Que capacidades de linguagem são desenvolvidas com a aplicação de uma

sequência didática para o gênero comunicação oral?

b) Em que aspectos a sequência didática poderia ser reformulada /

aperfeiçoada para que os alunos tivessem um desenvolvimento maior?

c) Em que aspectos o trabalho com a sequência didática não contribui para o

desenvolvimento de capacidades de linguagem?

Esta pesquisa foi realizada no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Educação da Universidade São Francisco. O Programa, credenciado em 2002 pela

CAPES, desenvolve por meio de estudos e investigações relacionados às linhas de

pesquisa que articulam, entre outros aspectos, perspectivas sociais, históricas e

culturais acerca das questões educacionais.

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Participaram do minicurso intitulado “A comunicação oral em eventos

acadêmicos”, 10 (dez) alunos do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Educação, sendo 1 (um) aluno de doutorado e 9 (nove) alunos de mestrado, das duas

linhas de pesquisa que o programa atende. Dos 8 alunos do mestrado, 5 (cinco) eram

iniciantes, caracterizando, assim, a heterogeneidade dos participantes. A faixa etária

dos alunos é bem variada, na qual o mais novo tem 24 anos e a mais velha 50 anos .

A área de formação desses alunos é na grande maioria em pedagogia e

somente dois licenciados em matemática.

Embora todos aceitaram participar da pesquisa e assinaram o termo de

consentimento, nem todos tiveram suas produções analisadas nesta pesquisa, pois

para fazer a análise seguimos o seguintes critérios:

• Presença no momento da produção inicial e final ou inicial e

participação em evento externo;

• Presença de 80 % nos módulos;

Sendo assim, fizeram parte desta pesquisa somente quatro alunos, sendo o 1

(um) aluno de doutorado e 3 (três) alunos do mestrado.

A pesquisa foi dividida em quatro fases:

1) Elaborar um minicurso sobre o gênero comunicação oral .

2) Realizar o minicurso, aplicando a sequência didática.

3) Assistir e gravar a participação dos alunos em uma comunicação oral em

evento científico após a participação do minicurso.

4) Transcrever o material coletado na etapa anterior.

Pautando-nos nessas ações, a investigação tem como corpus de pesquisa: 1)

a sequência didática apresentada no minicurso; 2) a filmagem das produções iniciais,

finais e a participação no evento externo; 3) os materiais produzidos durante o

minicurso (gravações em áudio e produção de slides).

No quadro a seguir, organizamos as nossas questões de pesquisa

relacionadas aos dados coletados que ajudarão a respondê-las.

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QUADRO 1 – Corpus da pesquisa

Questão de Pesquisa Material utilizado

a) que capacidades de linguagem são

desenvolvidas com a aplicação de uma

sequência didática para o gênero

comunicação oral?

* Vídeo das produções inicial e final dos

participantes;

* Vídeo da apresentação no evento

externo.

b) em que aspectos a sequência didática

poderia ser reformulada / aperfeiçoada

para que os alunos tivessem um

desenvolvimento maior?

* A sequência didática elaborada para ser

aplicada no minicurso.

* Resultado das análises das produções

(inicial, final e externa).

c) em que aspectos o trabalho com a

sequência didática não contribui para o

desenvolvimento de capacidades de

linguagem?

* A sequência didática elaborada para ser

aplicada no minicurso.

* Materiais produzido durante o

minicurso.

* Resultado das análises das produções

(inicial, final e externa).

A análise dos dados será realizada a partir dos procedimentos metodológicos

do Interacionismo Sociodiscursivo – ISD, que se concentra na análise do folhado

textual, composto: pela infraestrutura global do texto, pelos mecanismos de

textualização e pelos mecanismos enunciativos.

A infraestrutura global do texto, considerada por Bronckart (2009), é a camada

textual de nível “mais profundo”, pois apresenta estruturas mais complexas de

organização. Constitui-se por dois regimes de organização diferentes: o primeiro,

compreendido como o da planificação geral do conteúdo temático, e o segundo, o dos

tipos de discurso e pelas eventuais sequências textuais e suas articulações.

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Os mecanismos de textualização, segundo nível do folhado textual, é

caracterizado pela coerência e pela coesão, que irá garantir ao texto a sua coerência

temática. Esses mecanismos são organizados em três grupos: mecanismos de

conexão, mecanismos de coesão nominal e mecanismos de coesão verbal, no

entanto, de acordo com Bulea (2010), atualmente os mecanismos de coesão verbal

são tratados juntamente aos referidos tipos de discurso.

Os mecanismos enunciativos, terceiro nível do folhado textual, contribuem para

a coerência pragmática do texto, através das vozes (explicitam as instâncias que

assumem ou se responsabilizam pelo que está sendo dito e também fazem parte dos

mecanismos enunciativos) e modalizações (responsáveis pelas diversas avaliações do

enunciador sobre um ou outro aspecto do conteúdo temático e que podem ser

divididas, em lógicas, deônticas, pragmáticas e apreciativas).

Além disso, antes de qualquer análise textual, Bronckart (2009) postula a

necessidade de compreender o contexto de produção do texto, tanto no nível mais

geral do contexto mais amplo, quanto no nível da ação de linguagem que dá origem ao

texto. Sendo assim, ao analisar um texto é necessário primeiramente olhar para o

contexto imediato em que o texto foi produzido, ou seja, a situação de ação de

linguagem que deu origem ao texto, ou ainda, levantando hipóteses sobre: quem

escreveu o texto, para quem o escreveu, em qual instituição, com qual objetivo.

Por tratarmos de um gênero oral nesta pesquisa, destacamos importante

analisar os marcadores conversacionais que aparecem em um texto falado e que

também podem dar a coerência e progressão temática, visto que o modelo de análise

de texto proposto por Bronckart (1999/2009, 2006, 2008a, 2013) não dá conta destes

aspectos. Assim, buscamos outras literaturas e estudos, e encontramos Koch (2007,

2012) e Marcuschi (2003), que serão acrescentados nos mecanismos de textualização

para o nosso modelo de análise.

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Ao modelo de análise de textos acrescentamos, também, os aspectos não

verbais que estão presentes nos textos orais, seja por meio de mímicas faciais,

olhares, gestos, tonalidade da voz, conforme exposto por Schneuwly e Dolz (2004).

Dessa forma os critérios de análise para os dados coletados nesta pesquisa

estão baseados no modelo de análise de textos proposto por Bronckart (1999/2009,

2006, 2013) e aos acréscimos que fizemos ao modelo por julgarmos necessário em se

tratando de um gênero oral.

Vale ressaltar que esse modelo de produção, interpretação e análise de textos,

permite aos pesquisadores do ISD utilizá-lo nas mais variadas situações de leituras e

interpretações de seus dados, como também para a análise de gêneros de textos, a

fim de elaborar modelos e sequências didáticas. Sendo assim, não é um procedimento

metodológico fechado, pelo contrário, possibilita complementá-lo de acordo com o

gênero que se vai analisar, pois cada um tem propriedades diferentes.

3. Resultados/Discussão

A Sequência Didática para o minicurso foi desenvolvida em cinco encontros

com duração de 2 (duas) horas cada, totalizando 10 (dez) horas. A duração levou em

consideração a realidade dos participantes, pois, os alunos que frequentam o

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade São Francisco, tem uma

longa jornada de trabalho e residem em cidades e até estados diferentes, não tendo

muita disponibilidade de horários.

O minicurso já foi realizado seguindo a organização conforme figura abaixo.

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Figura 2: Sequência didática do gênero comunicação oral

Finalizado o minicurso e a coleta de todo o material para a referida pesquisa,

iniciou-se o processo de organização dos dados e a transcrição das produções iniciais,

finais e as apresentações no evento externo.

A transcrição foi feita de acordo com Preti (1999, p. 11-12), Projeto de Estudo

da norma linguística Urbana Culta de São Paulo (NURC-SP), núcleo USF.

A referida pesquisa está na fase de análise das produções (iniciais e finais) dos

alunos, para depois analisar a SD aplicada em contraponto com os dados resultantes

das produções dos alunos a fim de fazermos uma análise crítica da SD e de sua

aplicação.

Considerações finais

Por se tratar de uma pesquisa em andamento podemos tecer algumas

considerações parcialmente finais, pois várias reflexões surgirão no processo de

análise dos dados coletados.

Em primeiro lugar, a elaboração da sequência didática evidencia-se que um

gênero oral pode ser um objeto de ensino-aprendizagem, rompendo-se com a

dicotomia entre o oral e a escrita, e não sendo apenas um objeto de passagem para a

escrita, mas que possui suas particularidades e já dispõe de uma série de ferramentas

concretas de ensino.

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Em segundo lugar, ressaltamos a importância de se trabalhar a comunicação

oral enquanto gênero textual, explorando todas as suas dimensões, seja ela,

linguísticas e não-linguísticas.

Em terceiro lugar, acreditamos que a pesquisa possa auxiliar os alunos de

mestrado e doutorado a se organizarem para fazerem as suas apresentações orais,

percebendo que estas têm um contexto de produção diferente das que eles possam

ter realizado em disciplinas ou congressos. Dessa forma, levar o aluno a compreender

essas características serve para desenvolver o seu letramento acadêmico.

E por fim, reforça que a universidade, também, precisa assumir o seu papel de

agência de letramento e participar ativamente do processo de letramento acadêmico

de seus alunos, seja na graduação ou na pós-graduação.

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