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61 resumo A lei n. 10.639, Promulgada em 09 de janeiro de 2003, tornou obrigatório o ensino da temática “história e cultura afro-brasileira” nos currículos escolares dos estabelecimentos de ensino oficiais e particulares. Destarte, o objeto de estudo desta pesquisa é saber se o reconhecimento da cultura negra está apenas garantido em lei ou se está sendo também praticado. Para isso, elegemos como objetivo principal analisar a sua implementação nos currículos escolares do município de belo horizonte. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e a pesquisa de campo, por meio de entrevistas semi-estruturadas direcionadas aos supervisores e aos docentes das disciplinas de história, arte e literatura de oito escolas pertencentes às redes municipal, estadual e particular, bem como às secretarias municipal e estadual de educação. Ulteriormente à análise dos dados, percebeu-se que a aplicabilidade da lei n. 10.639/03 Em belo horizonte se apresenta como um desafio às instituições de ensino. Palavras-chave: educação. Currículos. Cultura afro-brasileira. Implementação. Uma análise pedagógica sobre a implementação da lei n. 10.639/03 em escolas da rede pública e privada de Belo Horizonte. Cristiane Rute Machado da Silva 1 Mayara Marinho Silva Oliveira Renata Cristina da Silva Sousa Tamara Seabra de Souza Orientadora: Profª Vera Lucia Lins Sant’Anna 2 1 Graduadas em Pedagogia pela PUC Minas. E-mails: [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected] 2 Doutora em Ciências da Religião. Mestre em Educação. Professora da PUC Minas. E-mail: [email protected] 1 - introdução A s instituições escolares têm por finalidade a formação integral do indivíduo, para que ele possa exercer sua plena cidadania. Durante muito tempo, esse direito foi negado à população negra, que passou dificuldades e preconceitos para sua inserção na sociedade e, principalmente, no Sistema Educacional Brasileiro. Esse sistema vem passando por transformações ao longo dos anos, visto que os negros, no decorrer dos séculos XIX e XX, reivindicaram o acesso e, posteriormente, o seu reconhecimento como sujeitos da construção da sociedade brasileira; fez-se necessária a implantação de políticas públicas que contemplassem essas reivindicações. Por essa razão, foi promulgada a Lei n. 10.639, em 09 de janeiro de 2003, que determina a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro- brasileira nos currículos oficiais dos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio. Diante disso, realizamos uma pesquisa, no segundo semestre de 2009, com o objetivo precípuo de analisar se a Lei n. 10.639/03 tem sido implementada e praticada nas instituições de ensino públicas e privadas de Belo Horizonte. Este artigo tem por finalidade apresentar sucintamente os resultados dessa pesquisa. Ao pensar no processo de implementação dessa lei nos currículos escolares, algumas indagações

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resumoAlein.10.639,Promulgadaem09dejaneirode2003,tornouobrigatóriooensinodatemática“históriaeculturaafro-brasileira”noscurrículosescolaresdosestabelecimentosdeensinooficiaiseparticulares.Destarte,oobjetodeestudodestapesquisaésaberseoreconhecimentodaculturanegraestáapenasgarantidoemleiouseestásendotambémpraticado.Paraisso,elegemoscomoobjetivoprincipal analisar a sua implementaçãonos currículos escolares domunicípiodebelohorizonte.Ametodologiautilizadafoiapesquisabibliográficaeapesquisadecampo,pormeiodeentrevistassemi-estruturadasdirecionadasaossupervisoreseaosdocentesdasdisciplinasdehistória, arte e literatura de oito escolas pertencentes às redesmunicipal, estadual e particular,bemcomoàs secretariasmunicipaleestadualdeeducação.Ulteriormenteàanálisedosdados,percebeu-sequeaaplicabilidadeda lein.10.639/03Embelohorizonte seapresentacomoumdesafioàsinstituiçõesdeensino.

Palavras-chave:educação.Currículos.Culturaafro-brasileira.Implementação.

Uma análise pedagógica sobre a implementação da lei n. 10.639/03 em escolas da rede pública e

privada de Belo Horizonte.CristianeRuteMachadodaSilva1MayaraMarinhoSilvaOliveiraRenataCristinadaSilvaSousa

TamaraSeabradeSouza

Orientadora:ProfªVeraLuciaLinsSant’Anna2

1 GraduadasemPedagogiapelaPUCMinas.E-mails:[email protected];[email protected];[email protected];[email protected] DoutoraemCiênciasdaReligião.MestreemEducação.ProfessoradaPUCMinas.E-mail:[email protected]

1 - introdução

Asinstituiçõesescolarestêmporfinalidadeaformaçãointegraldoindivíduo,paraqueelepossaexercersuaplenacidadania.Durantemuito tempo, esse direito foi negado à

populaçãonegra,quepassoudificuldadesepreconceitospara sua inserção na sociedade e, principalmente, noSistemaEducacionalBrasileiro. Essesistemavempassandoportransformaçõesao longo dos anos, visto que os negros, no decorrerdos séculos XIX e XX, reivindicaram o acesso e,posteriormente,oseureconhecimentocomosujeitosdaconstruçãodasociedadebrasileira;fez-senecessáriaa

implantaçãodepolíticaspúblicasquecontemplassemessasreivindicações.Poressarazão,foipromulgadaaLein.10.639,em09dejaneirode2003,quedeterminaaobrigatoriedadedoensinosobreHistóriaeCulturaAfro-brasileiranoscurrículosoficiaisdosestabelecimentosdeEnsinoFundamentaleMédio. Diante disso, realizamos uma pesquisa, nosegundosemestrede2009,comoobjetivoprecípuodeanalisarseaLein.10.639/03temsidoimplementadaepraticadanasinstituiçõesdeensinopúblicaseprivadasde Belo Horizonte. Este artigo tem por finalidadeapresentarsucintamenteosresultadosdessapesquisa. Ao pensar no processo de implementaçãodessaleinoscurrículosescolares,algumasindagações

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surgiram,taiscomo:

• Existem orientações e fiscalizações porpartedasSecretariasdeEducaçãoparaquea lei sejacumprida?Edequeforma? •Hádicotomianaimplementaçãodaleientreinstituições públicas e privadas de Ensino de BeloHorizonte? •Noscurrículosdasescolaspesquisadas,esseassuntoétratadodeformaesporádicaecaricaturadoouestáagregadoaocurrículooficial? •Aosupervisorédelegadaafunçãodeorientare contribuir na prática do professor? O professorpropiciaoconhecimentosobreaHistóriaeCulturadosAfro-brasileira? Sendo assim, sucedem-se interaçõesentreessesprofissionaisacercadossaberespertinentesaestadisciplina? • Os livros didáticos estão dentro do que épropostopelalei?Senão,dequeformaosprofessorestêm contemplado as determinações em sua práticausandoessematerialdidático?

Para responder a essas indagações, buscamosaveriguar como se dá o controle desse ensino pormeiodasSecretariasdeEducaçãodeBeloHorizonte;verificaraadequaçãodoscurrículosdasescolasfrenteàs Novas Diretrizes do Ensino de História e CulturaAfro-brasileira;relacionaraimplementaçãodaleinoscurrículos da escola pública com a escola privada;verificar a ação do supervisor dentro das instituiçõesescolaresdianteaLein.10.639;identificaraformaçãodossupervisoreseprofessoresemrelaçãoaessetema;detectarasconsequênciasdaleinaatuaçãododocente;diagnosticarseháharmoniaentreosmateriaisdidáticoseasdeterminaçõesparaoensinodeHistóriaeCulturaAfro-brasileira. Para alcançarmos nossos objetivos,privilegiamosapesquisaqualitativa e, dentreos seusdiversos instrumentos, utilizamos os habituais, sãoeles:análisedocumentaleentrevistasemi-estruturada.Aabordagemteóricadapesquisa fundamentou-seemdocumentos legais – Leis, Pareceres, Resoluções eDiretrizes,artigoselivrospublicadosporpesquisadores

daárea.2 - uma trajetória sócio-histórica do negro no brasil

A história do negro no Brasil é marcada porváriosacontecimentosqueseoriginaramnocontinenteafricano.Nessecontinente,eracomumaescravizaçãodosnegros,assimeles foram trazidosaoBrasilpelosportugueses, em condições subumanas, no intuito desuprir a mão-de-obra escrava escassa na exploraçãodasriquezas,jáquequemestavanessacondiçãoeramos índios e, por vários motivos, não poderiam maissubmeter-seaela. Outro motivo foi povoar a nova terra paraque outros países não explorassem suas riquezas; nacondiçãodeescravo,osnegroschegavama trabalharde14a15horaspordia,empéssimascondições,sendosuaprimeiraatividaderealizadanoBrasilaplantaçãodecana-de-açúçarparaexportação.

Mas o que é ser escravo? A pessoa do escravo erapropriedade de outro homem; sua vontade estavasubordinadaàautoridadedodono,senhor,eoseutrabalhoera obtido mediante coação. Enquanto propriedade deoutro, o escravo podia ser vendido ou comprado comoumamercadoria.(ORDOÑEZ;QUEVEDO,p.276).

Em1824,foipromulgadaaprimeiraconstituiçãodoBrasil,queinseriaonegrocomocidadãobrasileiro,restringindo aqueles que não eram originados dopaís, isto é, os negros advindos da África não eramreconhecidos como tal. Beozzo citado por Ribeiro(2009) afirma que, no que tange à educação, essaconstituiçãodeterminava a obrigatoriedadedo ensinode1ºgrauaqualquerbrasileiro,excluindoosleprososeescravos. Em1826,aInglaterracomeçouapressionaroBrasil para que a escravidão fosse abolida, pois, dospaísesdaAmérica, ele eraoúnicopaís independentequeaindamantinhamão-de-obraescrava.Naverdade,umadasintençõesdogovernoinglêseradesestruturaroBrasileconomicamente,jáqueesteeraumdosfortesconcorrentesnaexportaçãodeaçúcar. Decorrente das intensificações do tráficonegreiro,em1845foiaprovadaaLeideBillAberdeen,quepermitiaaosinglesesconfiscarnaviossuspeitosdetransportarescravos.E,finalmente,em4desetembrode1850, foidecretadaaLeiEusébiodeQueirozque

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proibiuotráficonegreiro,impossibilitandooBrasilderenovarapopulaçãoescrava;essademandapormão-de-obraresultounotráficointerprovincial,ouseja,natransiçãodeescravosentreregiões. Albuquerque(2006)afirmaque,comaLeidoVentreLivreem1871,ficadecretadoqueascriançasnascidas de mulheres escravas a partir daquela dataseriamlivres,sendoobrigaçãodossenhorescuidaremdelasatéoitoanosdeidade;dosnoveaosvinteeumanos eles poderiam utilizar a mão-de-obra delas ouentregá-lasaogovernoemtrocadeindenizaçãode600milréisporcadauma. Só em 13 demaio de 1888 a Princesa Isabelassinouumdecretoqueaboliaotrabalhoescravo,tendoemvistaque90%dosnegrosjáestavamlibertos,porcartadealforriaou fugas.AAboliçãodaEscravaturapormeiodaLeiÁureadeveriaterlibertadoosnegrosdaescravidão,todavia,entreateoriaeaprática,existiuuma lacunaque inviabilizou a realização concreta dalibertação. Apósessadata, aúnicamudança significativaocorrida foi em relação à condição de trabalho dosnegros, o que não os impediu de continuarem a serexcluídosdasociedade.Nessesentido,Portoafirmaquea“aboliçãoredefineaquestãodotrabalhoedirecionaos destinos da população negra para um processo decontínuaexclusão”(PORTO,2009,p.2). Com o desenvolvimento do país, a educaçãopassou a ser pensada de forma central. Porém, nãohouve indícios de propostas educacionais elaboradaspelogovernoqueobjetivassema inclusãodosnegrosnossistemasdeensino,sendoesseacesso“requisitado”durante o período republicano. (ALBUQUERQUE,2006).Assim começa um processo de reivindicaçõesdosmovimentos negros em busca de inclusão sociale reconhecimento da cultura negra, que perdura porváriasdécadas.Omovimentomaisconhecidofoiode“ConsciênciaNegra”,de1960a1980.

AEraVargas(décadade30)trabalhounosentidodecriarumaidentidadenacionalquenãomaisviaascontribuiçõesindígenaseafricanascomonegativas,masque tinhanamestiçagemariquezadopaís.Oqueéprecisosalientar,neste caso, é que esta identidade é forjada silenciandoas contradições e conflitos que assolavam a sociedadebrasileira. Mais uma vez os afrodescendentes não sãocontempladospelas políticas públicas demaneira geral,tanto do ponto de vista dos direitos sociais quanto da

construção de uma identidade que de fato incluísse aherança africana de forma democrática. Instaurava-se omitodademocraciaracial.(PORTO,2009,p.6)

Pereira (2009) nos relata que, com asreivindicações e críticas dos negros e da militâncianegracadavezmaisforteemrelaçãoaospreconceitossofridos por eles na sociedade e, principalmente, noambienteescolar,noquesereferemaocaráterniveladorehomogeneizantedoscurrículos,estascríticas foramrelevadasemedidasforamtomadas,concretizando-senanovaConstituiçãoBrasileira. Em 05 de outubro de 1988, foi promulgadaa Constituição Federal, na qual, além de direitosindividuais, determinados direitos coletivos foramadquiridos.SegundoOrdoñezeQuevedo(p.426),umdessesdireitosfoi:“apráticadoracismopassouasercrimeinafiançável,sujeitoàpenadereclusão”.Noqueconcerne à educação, ela se tornou direito de todos,deverdoEstadoedafamília,sendopromovidacomacolaboraçãodasociedade,semdiscriminaçãoalguma,estendidaàcriança,aoadulto,àmulher,aohomemsejaqualforasuacapacidadefísicaemental,asuacondiçãoesituação.(SAHB,2008). UrgereconhecerqueaConstituiçãotrouxeumavançonoqueserefereàeducaçãodosnegroseàsuaconvivêncianasociedade; issodecorreudas lutasdasmilitânciasnegrasembuscadereconhecimento.

3 - “história e cultura afro-brasileira” nos currículos do século xxi

A Constituição de 1988 foi criada para seefetivar a democratização do país, estabelecendo quetodososindivíduostêmosmesmosdireitosedeveressem relevância de cor, religião ou etnia. De acordocomohistóricodosnegrosnoBrasil,elesenfrentarammuitas dificuldades para sua inserção na sociedade.Assim, Porto (2009) ressalta que, por volta de 1990,foramabertasfrentesparaacriaçãodepolíticaspúblicaspara atender os afrodescendentes emvários aspectos,principalmenteparaseconstituirumaidentidadenegranosistemaeducacional. Naúltimadécadado séculoXX, aspesquisasdo IBGEe IPEA (Instituto dePesquisasEconômicas

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Aplicadas) mostraram que havia um abismo entre apopulaçãonegraeorestantedapopulaçãonotocanteao acesso e aos direitos sociais mais elementares,confirmandooracismonopaís.Opresidentedaépoca,FernandoHenriqueCardoso, afirmava que não haviadesigualdaderacialnoBrasileemFórunsInternacionaisfoi constrangido pela dicotomia entre sua fala e osdadosdaspesquisas;comisso,seviuobrigadoainiciardiscussõesparaaimplementaçãodeaçõesafirmativas. Os EUA já estavam pressionando o Brasil eintensificaramessaspressõesparaqueadiscriminaçãoracial acabasse, pois temiam revoltas por partedos negros no Brasil, sendo que isso atrapalhariaseus investimentos em nosso país. “Propuseram àOrganizaçãodosEstadosAmericanos(OEA)aaberturade uma ação jurídica contra o Brasil para reparar osdanos causados pela escravidão à população afro-brasileira e seus descendentes”. (PEREIRA, 2006, p.89). Os sistemas de ensino são os grandesresponsáveis pela promoção e aplicação da lei. Poressa razão, no processo de implementação da lei,é necessário o engajamento das três dimensões daescola – institucional, instrucional e sociopolítica –refletidas nas seguintes categorias: currículo, atuaçãodos gestores e professorado, escolha dos materiaisdidáticos,entreoutras.Emrelaçãoàgestão,eladeveser democrática e participativa, na qual gestores,professores e comunidade trabalharão juntos paravalorizarasquestõesétnico-raciaisnoâmbitoescolar.É preciso romper com o etnocentrismo existente noscurrículos,poisestespriorizamaculturaeuropeiaemdetrimento das tantas outras que estão presentes nasociedade,principalmenteaafricana. Trabalhar a história da África é um grandedesafioparaosprofessores,poiseladeveserensinadade modo a valorizar a cultura dos negros e assimcontribuirparaacabarcomaexclusãodessessujeitosemnossasociedade.Váriosfatoresafetamnaatuaçãodo docente: falta de conhecimento do assunto,formação,silenciamentoeumdesconfortávelincômodoidentitário, jáqueosprofessoresnegrosmuitasvezesrejeitam seu pertencimento étnico-racial. “Portanto,cabeanós,professores,pensarmosasmaneirascorretaspara integrarestaHistórianoscurrículosescolaresdamaneira mais afirmativa possível.” (LAUREANO,

2008,p.343). Quanto aos livros didáticos, os educadoresprecisamficaratentosàsrepresentaçõesquesãofeitassobre o negro e utilizar dos tantos outros recursosdidáticos para abordar a temática referente aosafrodescendentes. Com tudo, é necessário que os educadoresassumam uma postura voltada para a valorização dadiversidadedeculturasexistentesemnossasociedade,deformaapromoveraigualdademedianteasdiferenças.

4 - a lei n. 10.639/03 nas escolas de belo horizonte: resultado da Pesquisa de camPo

Buscou-se compreender a aplicabilidade daLei n. 10.639/03, recorrendo-se às Secretarias deEducação,tantoMunicipalquantoEstadual.DentreasinstituiçõesdeensinodomunicípiodeBeloHorizonte,foram escolhidas nove escolas: três particulares, trêsestaduais e três municipais, situadas em três regiõesdistintas: Centro-Sul, Oeste e Venda Nova. Nestasescolas,entrevistamosaotodo32pessoas,sendoestas:Supervisores(as)eprofessores(as)dasdisciplinasdeHistória,ArteeLiteratura.

4.1 Secretarias de Educação

Segundo a SecretariaMunicipal de Educação(SMED), quando são promulgadas novas leis, asinformaçõessãorepassadasàsescolasprocessualmente,atravésde,ofícioseetc.;nãoserestringindoapenasascomunicaçõesformais,mastentandoenvolveraescolacomoumtodo.E,segundoamesma,elestiveramumaparticipação efetiva comunicados nas discussões daLei n. 10.639/03, pormeio doNúcleo dasRelaçõesdeGêneroeÉtnico-raciais,enquantoqueaSecretariaEstadualdeEducaçãonãoparticipoudessasdiscussões. Noqueserefereaprazosefiscalizações,fomosinformadasdequeessesnãosãoofocodaSMED,quesepreocupacomaimportânciaquecadaescoladáaessatemática.Noentanto,sãorealizadosassessoramentos,assimcomoadivulgaçãoda lei,pormeiodoNúcleoqueofertaseminários,palestras,formaçãoemserviçocontinuadaeproduzmaterialinerente.

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Após a promulgação da lei, foram realizadasmudançasnoscurrículosescolaresdasRedesdeEnsinodeBeloHorizonte,tantonoCurrículoBásicoComum(Rede Estadual) quanto nas Proposições Curriculares(RedeMunicipal);porém,naSMED,houveumdebateentre os assessores e professores para a inclusão datemática.ConformeaSMED,dopontodevistalegal,ainclusãodatemáticafoirealizada,noentantonãohádados que possam confirmar quantitativamente se amesmaestásendotrabalhadaadequadamente,umavezqueficouacargodasinstituiçõesdecidiraformadeserabordada.

4.2 Supervisores

Pôde-seconstatar,pormeiodapesquisa,quemesmoaleiestandoacessívelatodos,háaquelesquedesconhecemseu teor; visto que, dos nove entrevistados, quatroafirmaram não conhecê-la. Outro fator pertinente éque, na formação acadêmica desses profissionais,nãofoiabordadaatemática“HistóriaeCulturaAfro-brasileira”,porqueseformaramhámuitosanosouporseremgraduadosemMatemáticaeLetras.Dentreeles,apenasquatrodisseramprocurar informações sobreoassuntoparasupriralacuna.Observeográfico:

TÍTULO:MudançascurricularesFONTE:Dadosdapesquisa-2009

Como se percebe, amaioria dos supervisoresafirmou não ter havido mudanças nos currículos dasinstituições, discordando das falas das Secretarias.Entretanto, esses apontaram algumas iniciativas nointuitodecontemplarematemática,comomudançadeplanejamento de professores, incorporando a questãodaafrodescendênciaemsuasdisciplinas;utilizaçãodetextos,pesquisaseliteraturassobreotema;organizaçãodegincanascomatemática“CulturaAfro”;realização

decongressoseencontros;emudançasdelivrodidático.Dos nove supervisores, somente três falaram que oslivrosdidáticosestãodeacordocomasdeterminaçõesda lei e que os professores que querem trabalhar aHistória e Cultura Afro-brasileira procuram outrostiposdemateriais. Deacordocomosentrevistados,nãohánenhumtipodeexigência/orientaçãoporpartedasSecretariasnoqueconcerneàimplementaçãodalei,ficandoacargodosSupervisoresedocentesimplementá-laounão;estapodesersignificativamenteelaborada,visandoatenderos objetivos da lei, ou simplesmente trabalhada nosentidode“tocarnoassunto”.

4.3 Docentes

Averiguandosobreosmeiospelosquaisosprofessoresficaramsabendodapromulgaçãodalei,obtivemosasseguintesconstatações:

TÍTULO:MeiospelosquaisosprofessoresficaramsabendosobreaLei.

FONTE:Dadosdapesquisa-2009

Evidenciou-se que a escola e a imprensasobressaíram aos demais meios e que apenas umapessoa ficou sabendo pelo órgão superior.Apesar deseteentrevistadosteremafirmadoqueficaramsabendopela imprensa, outros disseram não ter ouvido falarda mesma nos meios de comunicação, nem sequeremjornaistelevisivos,lembrandoqueesseéummeiode maior alcance. Os três professores que buscaramsozinhosainformaçãomostram-nosquerealmenteelesvêmseinformandosobreacontecimentoseducacionaise isso é de suma importância na prática docente:conhecereentenderessadeterminaçãolegalpropiciará

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Mudanças Curriculares

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Imprensa

Escola

Secretaria de Educação

Sozinho

Outros

Imprensa Escola Secretaria de Educação Sozinho Outros

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asuamelhortraduçãonaprática. Segundo metade dos professores de Arte eLiteratura–disciplinasnasquaisaleitambémseaplicanagraduaçãonãofoiabordadaatemática;enquantoosdeHistória,emsuamaioria,confirmamaabordagem,mas relatam ser insuficiente. Os professores dizemainda que os estudos sobre a temática no âmbitoescolarsãoquaseinexistentes.Sendoassim,osmeiosmais comumente utilizados por eles na busca deinformaçõesquepossamcontribuiremsuapráticasão,respectivamente: a internet,omeioacadêmico, livrossobreoassunto,pesquisas,livrosdiversificados,revistae cursos oferecidos pela Prefeitura, como pode serobservadonopróximográfico.

TÍTULO:BuscadeinformaçõesrelacionadasaotemaFONTE:Dadosdapesquisa-2009

Ainternetliderouosmeiospelosquaisasbuscaspor informações são realizadas, mas é importanteressaltarque,mesmosendorápidoedefácilacesso,essemeio exige critérios para utilização das informaçõesobtidas. Naopiniãodoseducadores,apromulgaçãodalei não trouxe qualquermudança em sua prática, porjá abordarem esse tema na sala de aula; porém nãofoi possível perceber se as aulas são ministradas deacordocomospropósitosdalei,umavezque,emsuasrespostas,elesnãotocaramnaquestãodavalorizaçãodaculturanegra,nemmostraramsedãoênfasenalutados negros no Brasil e no porquê dessas lutas, bemcomonassuasconsequências.Algunsafirmaramterem

modificado sua prática, demonstrando preocupaçãotanto em buscar materiais adequados quanto emrepensarcomoesseassuntovemsendoabordado. Foipossívelpercebernafaladosprofissionaisuma divergência quanto à adequação dos materiaisdidáticos, pois a metade dos docentes de Históriae Literatura disseram que os materiais não estãocontemplando a valorização da cultura negra comoé previsto por lei, tendo eles que buscar materiaisalternativos. Os professores de Arte disseram queasescolasnãodispõemde livrosparaoensinodessadisciplina, ficando assim a cargo do professor buscarrecursos. Comoessesprofessoresselecionamomaterialaserutilizado,éprecisoqueelesatentemparaaformacomoahistóriadosnegrosestásendoabordadanessesmateriais, para não reproduzirem os preconceitosembutidosemtantosmateriais. Ametadequeconfirmouaadequaçãoacrescentoudizendoque,mesmonãoestandototalmenteadequados,épossívelincrementá-los,recorrendoaoutrostextos,alivros,àinternet,a“gruposafro”,entreoutros.Cabe ressaltar que, ao trabalhar a temática com osalunos,oprofessorprecisaterboasreferênciasteóricas,para que não se cometam osmesmos equívocos quealgunsmateriaisdidáticostrazem.

5-considerações finais

AoanalisaraaplicabilidadedaLein.10.639/03noscurrículosescolaresdeBeloHorizonte,verificamosqueatemática“HistóriaeCulturaAfro-brasileira”estáinserida nos currículos oficiais da rede pública destemunicípio,porémoqueestásendofeitoéumtrabalhopor parte da maioria dos docentes de falarem sobreo assunto ou abordando a História da África muitasvezes da mesma forma como já lecionavam antes,preponderantemente na perspectiva do negro comoescravo,conhecendoounãoosobjetivosdalei. Na grande maioria das escolas, o tema temsido trabalhado esporadicamente, ou seja, em datascomemorativas, gincanas, feiras de cultura e outroseventos, ficando geralmente restrito a uma época doanoesemacertezadequeotrabalhoseestendaaoano

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Busca de Informações relacionadas ao tema

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Livros sobre o assunto

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Livros Diversificados

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seguinte. No âmbito escolar, cabe ao supervisor ser omediador dos saberes inerentes à prática docente,todaviaoquepodeserconstatadoéquenãohouvenemhádiscussõessistemáticassobreavalorizaçãodaculturanegranoscurrículosequenemmesmoossupervisoresestãodominandoo assunto.Entende-seque trabalharessa temática exige por parte dos profissionais deeducação um conhecimentomais aprofundado e umavisãoholísticasobreoassunto. AaplicaçãorealdaLein.10.639/03acontecerápor meio da prática pedagógica dos docentes, sendoestesossujeitosdaaçãoaserconcretizada.Comefeito,osmesmosprecisamestaraptosparaarealizaçãodasatividadesrelacionadasàtemática,tendosuaformaçãocomo um diferencial para que sejam desenvolvidostrabalhosqueabordemumavisãodaÁfricaqueatendaaospropósitosdaleieajudenocombateaoracismo.Seosprofessoresestiveremalheiosaosprincipaispontosdediscussão e/ou aoobjetivodessa lei, a suapráticaseráfalha. A adoção de medidas afirmativas apoiadasem políticas públicas, neste caso a Lei n. 10.639/03,nas escolaspesquisadas semostrou incipiente; houvealguns avanços, desde sua promulgação em 2003,porémháaindamuitosobstáculosaseremvencidos. A leiporsi sónãodarácontade rompercomosestereótipospresentesnasociedade.Paraquea leivigore “plenamente”, não basta ocorreremmudançascurriculares,devehavermudançasdeatitudes,tomadasde consciência de todos os atores envolvidos noprocesso,paraqueariquezaculturaldenossopaíssejavalorizada. Comopesquisadoras,entendemosqueaculturaafricananãodevesertratadaemdetrimentodaculturaeuropeia,masqueambasea indígena tambémsejamvalorizadasnoscurrículos,demodoarespeitartodasasculturasexistentesemnossasociedade.Devemossabere reconhecer que somos filhos damiscigenação. Poressemotivo,éimprescindívelquemaisestudossejamrealizadossobreotema.

abstract

The Law n. 10.639/2003 was promulgated on January

9th, and it became amust on the teaching of the subject“Afro-BrazilianhistoryandCulture”aspartof theoneofthesubjectstaughtinprivateandpublicschools.Thus,theobjectofthisresearchistoknowiftheblackcultureisonlybeen guaranteed by law or if it is been really practiced.To this end,wechoseas themainpartof this research toanalyze,andconsidertheimplementationofthissubjectintheschoolsofBeloHorizonte.Themethodologyusedwastothebibliographresearch,campusresearchandinterviewsdirected to supervisors and teachers of history, arts andliteratureofeightschoolseitherprivateandpublicones.Atlast, the analysis of the datawas according to theLawn.10.639/03ofBeloHorizonteanditsapplicabilityachallengefortheeducationalinstitutions.

Keywords:Education.Curriculum.Afro-BrazilianCulture.Implementation.

referências

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