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Revista Científica da Associação Médica de Brasília 49(2) 2012 issn 0524-2053 In Memoriam 79 Sydney Abrão Haje: modelo de competência profissional e humanística Caio Fernando Vicente da Silva Editorial/Editorial 80 Revisões sistemáticas da literatura Taís Freire Galvão Artigos Originais/Original Articles 82 Tempo decorrido entre o primeiro contato com a unidade de nefrologia e o início da diálise em pacientes com insuficiência renal crônica Flávia Gomes de Campos, Dilson Palhares Ferreira, Rodolfo Archanjo de Souza Emídio, Ana Caroline de Melo e Barros e Fábio Herbert Borges Santos 87 Estudo da morbimortalidade em pacientes com trauma hepático Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto, Rogério Ehrhardt e Antônio Lopes de Miranda 93 Resultados em ciclos de fertilização in vitro de acordo com a faixa etária feminina Bruno Ramalho de Carvalho, Manoela Porto Silva Resende, Hitomi Miura Nakagava, Iris de Oliveira Cabral, Antônio César Paes Barbosa e Adelino Amaral Silva Artigo Especial/Special Article 98 Hipotensão pós-exercício: influência da modalidade e intensidade do exercício sobre as respostas hipotensoras agudas Rafael Rodrigues de Sousa Frois, Pedro Henrique Pereira Barbosa, João Bartholomeu Neto, Ricardo Yukio Asano, Lílian Alves Pereira, Yasmim Santiago de Araújo e Leonardo Almeida Cavalcanti Artigo de Revisão/Review Article 104 Planejamento e execução de revisões sistemáticas da literatura Camila da Silva Gonçalo, Cecília Muzetti de Castro, Michele Mazzocato Bonon, Pedro Mourão Roxo da Motta, Andréia Benati Dahdal, Janir Coutinho Batista, Márcio Sussumu Hirayama, Silvia Miguel de Paula Peres e Nelson Filice de Barros Educação Médica/Medical Education 111 Aplicabilidade da educação a distância na educação médica continuada Kleyton de Carvalho Mesquita, Josenilson Antônio da Silva e Ana Carolina de Souza Machado Igreja Estudos de Caso/Case Reports 118 Myasthenia gravis e gestação: relato de caso e discussão sobre manejo durante gravidez, parto e puerpério Miriam da Silva Wanderley, Ana Carolina Samaan Werlang e Lívia Custódio Pereira 125 Tratamento cirúrgico da dilatação cística das vias biliares em adultos Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto, Moacir Cavalcante de Albuquerque Neto e Antônio Lopes de Miranda 131 Sistema intrauterino liberador de levonorgestrel para tratamento de hiperplasia endometrial complexa com atipias celulares: relato de caso Baltasar Melo Neto, Giuliano da Paz Oliveira, José Andrade de Carvalho Melo Júnior, Isadora de Melo Castro, Marina Sousa Carvalho e Sabas Carlos Vieira 135 Advanced breast cancer at diagnosis: role of patients’ inadequate attitudes Vitorino Modesto dos Santos, Ricardo Ferreira Coelho de Miranda, Diogo Wagner da Silva de Souza, Anna Gabriela Oliveira Camilo e Milena Priscila Aragão Pereira Pinto 138 Acrocórdon de vulva: relato de dois casos Parizza Ramos de Leu Sampaio, Anderson de Azevedo Damasio, Diego Fraga Rezende e Lorene Laiane Ferreira da Silva 142 Volvo do íleo em torno de cordão fibroso do divertículo de Meckel Wendel dos Santos Furtado, Diego Antônio Calixto de Pina Gomes Mello, Vitorino Modesto dos Santos, Wilian Pires de Oliveira Júnior e Walter Ludvig Armin Schroff Instruções para Autores / Instructions for Authors

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Revista Científica da Associação Médica de Brasília

Brasília Médica - Volum

e 49 (2) – 2012 p. 79-146

49(2)2012

issn 0524-2053

In Memoriam79 Sydney Abrão Haje: modelo de competência

profissional e humanística Caio Fernando Vicente da Silva

Editorial/Editorial80 Revisões sistemáticas da literatura Taís Freire Galvão

Artigos Originais/Original Articles82 Tempo decorrido entre o primeiro contato

com a unidade de nefrologia e o início da diálise em pacientes com insuficiência renal crônica

Flávia Gomes de Campos, Dilson Palhares Ferreira, Rodolfo Archanjo de Souza Emídio, Ana Caroline de Melo e Barros e Fábio Herbert Borges Santos

87 Estudo da morbimortalidade em pacientes com trauma hepático

Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto, Rogério Ehrhardt e Antônio Lopes de Miranda

93 Resultados em ciclos de fertilização in vitro de acordo com a faixa etária feminina

Bruno Ramalho de Carvalho, Manoela Porto Silva Resende, Hitomi Miura Nakagava, Iris de Oliveira Cabral, Antônio César Paes Barbosa e Adelino Amaral Silva

Artigo Especial/Special Article98 Hipotensão pós-exercício: influência da modalidade

e intensidade do exercício sobre as respostas hipotensoras agudas

Rafael Rodrigues de Sousa Frois, Pedro Henrique Pereira Barbosa, João Bartholomeu Neto, Ricardo Yukio Asano, Lílian Alves Pereira, Yasmim Santiago de Araújo e Leonardo Almeida Cavalcanti

Artigo de Revisão/Review Article104 Planejamento e execução de revisões

sistemáticas da literatura Camila da Silva Gonçalo, Cecília Muzetti de Castro,

Michele Mazzocato Bonon, Pedro Mourão Roxo da Motta, Andréia Benati Dahdal, Janir Coutinho Batista, Márcio Sussumu Hirayama, Silvia Miguel de Paula Peres e Nelson Filice de Barros

Educação Médica/Medical Education111 Aplicabilidade da educação a distância

na educação médica continuada Kleyton de Carvalho Mesquita, Josenilson Antônio

da Silva e Ana Carolina de Souza Machado Igreja

Estudos de Caso/Case Reports118 Myasthenia gravis e gestação:

relato de caso e discussão sobre manejo durante gravidez, parto e puerpério

Miriam da Silva Wanderley, Ana Carolina Samaan Werlang e Lívia Custódio Pereira

125 Tratamento cirúrgico da dilatação cística das vias biliares em adultos

Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto, Moacir Cavalcante de Albuquerque Neto e Antônio Lopes de Miranda

131 Sistema intrauterino liberador de levonorgestrel para tratamento de hiperplasia endometrial complexa com atipias celulares: relato de caso

Baltasar Melo Neto, Giuliano da Paz Oliveira, José Andrade de Carvalho Melo Júnior, Isadora de Melo Castro, Marina Sousa Carvalho e Sabas Carlos Vieira

135 Advanced breast cancer at diagnosis: role of patients’ inadequate attitudes

Vitorino Modesto dos Santos, Ricardo Ferreira Coelho de Miranda, Diogo Wagner da Silva de Souza, Anna Gabriela Oliveira Camilo e Milena Priscila Aragão Pereira Pinto

138 Acrocórdon de vulva: relato de dois casos Parizza Ramos de Leu Sampaio, Anderson de Azevedo

Damasio, Diego Fraga Rezende e Lorene Laiane Ferreira da Silva

142 Volvo do íleo em torno de cordão fibroso do divertículo de Meckel

Wendel dos Santos Furtado, Diego Antônio Calixto de Pina Gomes Mello, Vitorino Modesto dos Santos, Wilian Pires de Oliveira Júnior e Walter Ludvig Armin Schroff

Instruções para Autores / Instructions for Authors

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editorial

80 • Brasília Med 2012;49(2):80-81

O cuidado da saúde dos indivíduos requer conhe-cimento atualizado sobre os riscos e benefícios inerentes às intervenções. A ampliação do acesso à informação científica facilitou a aquisição desse conteúdo, possibilitando que os resultados das pes-quisas sejam diretamente aplicados no cuidado aos pacientes. Entretanto, o profissional de assistência se surpreende ao constatar a quantidade de pes-quisas originais disponíveis. Por ano são indexados cerca de seis mil novos ensaios clínicos randomiza-dos na base Medline1 e a cada década há incremen-to substancial no número de publicações (figura).

Como lidar com essa realidade? Abandonar a prá-tica clínica para dedicar-se integralmente a in-terpretação das pesquisas? Ou, resignar-se a uma atuação profissional alheia aos avanços da ciência, antecipando as dificuldades do caminho oposto? Como solução para esse dilema e outros proble-mas em pesquisas clínicas, o médico inglês Archie Cochrane propôs em 1979 que os resultados dos

ensaios clínicos relevantes fossem criticamente sintetizados.2 Dez anos depois, surgiram as pri-meiras revisões sistemáticas, que tiveram foco em saúde materno-infantil. Em 1992, iniciou-se a Colaboração Cochrane, em Oxford, Reino Unido.2

A vantagem da revisão sistemática – que a dife-rencia das revisões narrativas ou tradicionais – é o foco em uma pergunta clínica definida, forma-da pelos componentes: população, intervenção ou exposição, comparação e desfecho (algumas vezes referido como outcome em inglês). O anagrama PICO nos auxilia a memorizar esses componentes. Norteado pela pergunta, o método da revisão prevê

Revisões sistemáticas da literatura

Taís Freire Galvão

Taís Freire Galvão – farmacêutica, mestre, doutoranda, Universidade de Brasília e Universidade Federal do Amazonas

Publ

icaç

ões

6.500

6.000

5.500

5.000

4.500

4.000

3.500

3.000

2.500

2.000

1.500

1.000

500

01991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Figura. Número de ensaios clínicos randomizados publicados cada ano na base Medline(via PubMed; fonte: http://www.gopubmed.org/) 1

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Brasília Med 2012;49(2):80-81 • 81

Taís Freire Galvão • Revisões sistemáticas da literatura

a realização de buscas em literatura indexada e não indexada; seleção dos artigos e extração dos dados por pesquisadores pareados; avaliação crítica da qualidade; síntese dos dados (metanálise); e relato transparente de todas as etapas.3-5 Na maioria das revistas de pesquisa clínica, classifica-se a revisão sistemática como contribuição original.6

Com base nesse método rigoroso e padronizado produz-se um novo resultado, que deve ser con-textualizado quanto às implicações para a prática e para pesquisa.3,4 Com isso, o profissional se atualiza sobre o estado de arte do problema investigado ao ler apenas um artigo.

Se consumir as informações provenientes de re-visões sistemáticas revigora o ânimo dos profis-sionais da saúde, encanto maior experimentam aqueles que produzem esse tipo de pesquisa. Na Universidade de Brasília, o Núcleo de Saúde Baseada em Evidências e Comunicação Científica7 vem se dedicando à elaboração de revisões sis-temáticas de temas ligados à assistência em saú-de.8-11 Além de possibilitar uma publicação e seus desdobramentos, a cada nova pesquisa produzida são solidificados os conhecimentos da equipe em epidemiologia, estatística e redação científica. Destaca-se uma dessas revisões, que trata sobre o uso de antioxidantes para prevenir pré-eclâmpsia:9 dos 4.231 artigos localizados, a equipe incluiu quin-ze ensaios clínicos randomizados, que correspon-dem a mais de 21 mil mulheres e os respectivos filhos. As metanálises não mostraram nenhuma diferença na incidência de pré-eclâmpsia e parto prematuro, mas houve aumento significativo de efeitos adversos nas mães.

Outro benefício que a revisão sistemática propicia é planejamento de pesquisas primárias. Com base

nos resultados da revisão podem ser eleitos com mais propriedade a intervenção, a população e o tempo de seguimento dos sujeitos, por exemplo. Com melhor delineamento da pesquisa, maior a probabilidade de fazer um bom estudo que venha a ser publicado – além de prevenir ansiedade nos pesquisadores e alunos de pós-graduação.

REFERÊNCIAS

1. GoPubMed. Germany: transinsight; 2012 [acesso 10 jun 2012]. Disponível em: http://www.gopubmed.org.

2. The Cochrane Collaboration: History. Oxford (UK): The Cochrane Collaboration; 2012 [acesso 10 jun 2012]. Disponível em: http://www.cochrane.org/about-us/history.

3. Liberati A, Altman DG, Tetzlaff J, Mulrow C, Gøtzsche PC, Ioannidis JP et al. The PRISMA statement for reporting systematic reviews and meta-analyses of studies that evaluate healthcare interven-tions: explanation and elaboration. BMJ. 2009;339:b2700.

4. Higgins J, Green S. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions [Internet]. The Cochrane Collaboration; 2011 [aces-so 10 jun 2012]. Version 5.1.0. Disponível em: www.cochrane-han-dbook.org.

5. CRD. Systematic reviews: CRD’s guidance for undertaking reviews in health care [Internet]. York (UK): University of York; 2009 [acesso 10 jun 2012]. Disponível em: http://www.york.ac.uk/inst/crd/SysRev/!SSL!/WebHelp/SysRev3.htm.

6. Meerpohl JJ, Herrle F, Antes G, von Elm E. Scientific value of sys-tematic reviews: survey of editors of core clinical journals. PLoS One. 2012;7(5):e35732.

7. Núcleo de saúde baseada em evidências e comunicação cien-tífica. Brasília: CNPq; 2012 [acesso 10 jun 2012]. Disponível em: http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0240401Y82BJS4.

8. Galvao TF, Silva EN, Silva MT, Bronstein AC, Pereira MG. Economic evaluation of poison centers: a systematic review. Int J Technol Assess Health Care. 2012;28(2):86-92.

9. Salles AM, Galvao TF, Silva MT, Motta LC, Pereira MG. Antioxidants for preventing preeclampsia: a systematic review. Scientific World J. 2012;2012:243476.

10. Galvao TF, Silva MT, Araujo ME, Bulbol WS, Cardoso AL. Dialyzer reuse and mortality risk in patients with end-stage renal disease: a systematic review. Am J Nephrol. 2012;35(3):249-58.

11. Silva MT, Galvao TF, Zimmerman IR, Pereira MG, Lopes LC. Non-aspirin non-steroidal anti-inflammatory drugs for the primary chemoprevention of non-gastrointestinal cancer: summary of evidence. Curr Pharm Des. 2012;18(26):4047-70.

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Artigo originAl

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Flávia Gomes de Campos, Dilson Palhares Ferreira, Rodolfo Archanjo de Souza Emídio, Ana Caroline de Melo e Barros e Fábio Herbert Borges Santos

Tempo decorrido entre o primeiro contato com a unidade de nefrologia e o início da diálise em pacientes com insuficiência renal crônica

RESUMO

Introdução. A doença renal crônica aumenta em número de casos anualmente no Brasil, e seu cus-to terapêutico é sobremodo elevado. Assim, é es-sencial a elaboração de estratégias de prevenção e tratamento precoce para aumentar o tempo de tratamento conservador e oferecer melhor assis-tência àqueles com necessidade de diálise.

Objetivo. Determinar o intervalo entre a primeira consulta em unidade de nefrologia e o início da te-rapia dialítica em pacientes com insuficiência renal crônica.

Método. Estudo descritivo retrospectivo cujas informações foram obtidas por revisão em pron-tuários de pacientes sob diálise na Unidade de Nefrologia do Hospital Regional de Sobradinho da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal durante o mês de agosto de 2011. Foram identifi-cados 65 prontuários. Nove deles não foram ana-lisados por inconsistência de dados, informações incompletas ou de baixa confiabilidade.

Resultados. Dos 56 pacientes do estudo, 52% com início de diálise nos primeiros trinta dias após a primeira consulta com a nefrologia, 16% nos pri-meiros seis meses, 4% de seis a doze meses e 29% após um ano de contato com a nefrologia e seu diagnóstico de doença renal crônica. Do total, 50% foram do sexo masculino, 87,5% em idade produti-va (extremos 18 e 64 anos) e 84% em hemodiálise. Na ocasião da primeira consulta com o nefrologis-ta, 60% dos pacientes tinham filtração glomerular inferior a 15 mL/min/1,73m2, 33%, de 15 a 29 mL/min/1,73m2 e, 7%, de 30 a 59 mL/min/1,73m2.

Flávia Gomes de Campos – médica assistente, Unidade de Clínica Médica, Hospital Regional de Sobradinho, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Brasília-DF, Brasil

Dilson Palhares Ferreira – médico-residente em Nefrologia, Hospital Regional de Sobradinho, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Brasília-DF, Brasil

Rodolfo Archanjo de Souza Emídio – médico nefrologista, preceptor e supervisor do programa de residência médica em Nefrologia, Hospital Regional de Sobradinho, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Brasília-DF, Brasil

Ana Caroline de Melo e Barros – médica-residente em Nefrologia, Hospital Regional de Sobradinho, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Brasília-DF, Brasil

Fábio Herbert Borges Santos – médico-residente em Nefrologia, Hospital Regional de Sobradinho, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Brasília-DF, Brasil

Correspondência: Flávia Gomes de Campos. SQN 209, bloco G, ap. 408, Asa Norte, CEP 70.854-070, Brasília, DF.

Internet: [email protected]

Recebido em 16-11-2011. Aceito em 30-5-2012.

Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.

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Flávia Gomes de Campos e cols. • Insuficiência renal crônica

Conclusão. A maioria dos pacientes teve início da diálise em curto espaço de tempo após o diagnós-tico da doença renal crônica. Viabilizar o encami-nhamento precoce ao especialista é fundamental para a prevenção da doença renal crônica ou para seu tratamento precoce se inevitável.

Palavras-chave. Insuficiência renal crônica; diáli-se; diagnóstico; tratamento.

ABSTRACT

Elapsed period from the first contact with the neph-rology service and the start of dialysis treatment on patients with chronic renal disease

Introduction. Chronic kidney disease increases each year in Brazil and it has high treatment costs. Therefore, it is essential to elaborate strategies of disease prevention and early diagnosis for a longer period of conservative treat-ment and to offer better assistance to dialysis patients.

Objective. To determine the interval between the first contact with the nephrology service and the start of di-alysis treatment on chronic kidney disease patients.

Method. This was a retrospective, descriptive study. Data were obtained after reviewing the medical records of patients undergoing treatment in August, 2011 at Hospital de Sobradinho, Health Secretariat of the Federal District of Brazil. A total of sixty-five records were identi-fied; nine were discarded due to inconsistent or incom-plete data or lack of information or reliability.

Results. After reviewing all the patients’ medical records (n = 56), we observed that 52% had initiated dialysis treatment within the first thirty days, 16% had done it within the first six months, 4% from 6 to 12 months and 29% a year after their first contact with the nephrology service and the diagnosis of chronic renal disease. Half of the patients were male, 87.5% were economically active (from 18 to 64 years old) and 84% were undergoing hemo-dialysis treatment. We also analyzed the glomerular fil-tration rate in the first appointment: in 60% of patients, the rate was below 15 mL/min/1.73m2; in 33%, it ranged

from 15 to 29 mL/min/1.73m2; in 7%, it ranged from 30 to 59 mL/min/1.73m2.

Conclusion. Most patients undergoing dialysis treat-ment had initiated treatment soon after being diagnosed as chronic kidney disease patients. Early diagnosis and subsequent follow-up with the nephrologist are essential to prevent chronic kidney disease or to treat it as soon as possible, if needed.

Key words. Cronic kidney disease; dialysis; diagnosis; treatment

INTRODUÇÃO

A doença renal crônica consiste em lesão renal com perda progressiva e irreversível da função glomeru-lar, tubular e endócrina dos rins. Em sua fase mais avançada, denominada fase terminal de insuficiên-cia renal crônica, os rins não conseguem mais man-ter a normalidade do meio interno do paciente.1

A doença renal crônica aumenta anualmente com impacto em morbidade e mortalidade no Brasil. Apresenta causas variadas como hipertensão ar-terial sistêmica, diabetes mellitus, glomerulopatias, doença renal policística, obstrução do trato uri-nário, infecções, intoxicações medicamentosas, distúrbios vasculares e causas indefinidas. No Brasil, a hipertensão arterial sistêmica, o diabetes mellitus e a glomerulonefrite crônica são as princi-pais causas de insuficiência renal crônica dialítica e respondem por 75% das origens de doença renal crônica estádio V.²

O contato precoce do paciente renal crônico com o especialista possibilita tratamento precoce, prorro-ga o tempo de tratamento conservador e reduz os custos com a terapia renal substitutiva.

O objetivo do estudo foi determinar o tempo decor-rido desde o início da diálise até o primeiro contato com uma unidade de nefrologia de pacientes com insuficiência renal crônica atendidos em hospital público do Distrito Federal.

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Artigo originAl

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MÉTODO

Trata-se de estudo descritivo retrospectivo em que as informações foram adquiridas em prontuários de pacientes em diálise na Unidade de Nefrologia do Hospital Regional de Sobradinho da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal durante o mês de agosto de 2011. Do total de 65 pacientes em diálise, nove foram excluídos do estudo por não constarem informações completas no prontuário ou por haver inconsistência de dados ou baixa con-fiabilidade na informação prestada.

O termo de consentimento livre e esclarecido foi dispensado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal.

RESULTADOS

Dos 56 pacientes que tiveram seus prontuários re-visados, 52% tiveram início da diálise nos primeiros trinta dias após o primeiro contato com a unidade de nefrologia, 16%, nos primeiros seis meses, 4%, de seis a doze meses, e 29%, após um ano de contato com a nefrologia e seu diagnóstico de doença renal crônica (v. figura). Não houve diferença na frequên-cia quanto ao sexo; 87,5% estavam em idade produti-va (de 18 a 64 anos de idade) e 12,5% tinham 65 anos ou mais; 84% faziam tratamento de hemodiálise e os outros 16% estavam em programa de diálise pe-ritoneal. As causas da doença renal crônica foram: hipertensão arterial sistêmica (38%), diabetes mellitus (14%), glomerulonefrite crônica (4%), outras (23%), não identificada (21%). O ritmo de filtração glome-rular na primeira consulta foi assim distribuído: in-ferior a 15 mL/min/1,73m2 em 60% dos pacientes, de 15 a 29 mL/min/1,73m2 em 33% deles e de 30 a 59 mL/min/1,73m2 em 7% dos doentes.

Figura. Distribuição da amostra quanto ao tempo decorrido desde o primeiro contato com a Unidade de Nefrologia do Hospital Regional de Sobradinho até o início da diálise de pacientes com insuficiência renal crônica

60

50

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20

10

0

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7%

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Flávia Gomes de Campos e cols. • Insuficiência renal crônica

DISCUSSÃO

Pouco mais da metade dos pacientes teve início da diálise nos primeiros trinta dias após seu con-tato com o serviço de nefrologia e consequente diagnóstico de doença renal crônica. O encami-nhamento tardio ou a dificuldade de acesso ao especialista, bem como a própria falta de esclare-cimento do paciente sobre sua doença podem ter contribuído para esse resultado.

A busca pelo especialista em estádios avançados da doença renal crônica, com necessidade de tra-tamento dialítico após curto período de acompa-nhamento especializado, é preocupante.3,4 Por ou-tro lado, não há consenso sobre em qual estádio de insuficiência renal crônica deve-se encaminhar o paciente ao serviço de nefrologia.5 Na diretriz brasileira de doença renal crônica,6 a orientação é encaminhamento para o nefrologista quando o paciente tiver filtração glomerular menor que 30 mL/min ou mais precocemente, caso haja fator de risco para descompensação da doença renal crô-nica, ou seja, estádio IV de doença renal crônica. Recomendação semelhante é feita no Reino Unido, em que é preconizado encaminhamento precoce do doente ao nefrologista para possibilitar o ade-quado preparo à terapia renal substitutiva por acesso vascular definitivo.7

Wei e colaboradores8 mostraram que a percenta-gem de pacientes que iniciaram diálise com acesso vascular do tipo fístula arteriovenosa, sem inserção de cateter duplo lúmen e sem hospitalização, fo-ram 57,7%, 50,7% e 40,8% respectivamente no gru-po com encaminhamento precoce ao nefrologista, e 37,7%, 29% e 18,8% respectivamente no grupo com encaminhamento tardio.

Foi observado que o custo médio do tratamento por doente no início da diálise é significativamente me-nor naqueles encaminhados precocemente ao espe-cialista (US$942 ± 1,941) comparados com aqueles de encaminhamento tardio (US$2,410 ± 2,481). Este resultado se deu pela preparação antecipada do acesso vascular e pela não necessidade de hospita-lização no início de diálise.8 Quando se analisam o custo-efetividade e a qualidade de vida, o momento

de encaminhamento ao nefrologista tem impacto no tratamento e no prognóstico do doente.9

A média de anos de vida dos doentes depois do diagnóstico foi 3,53 anos para os pacientes enca-minhados precocemente e 3,36 anos para aqueles com encaminhamento tardio. Os anos de vida li-vres de terapia renal substitutiva após o diagnósti-co foram 2,18 e 1,76 anos, respectivamente, para os pacientes encaminhados precoce e tardiamente.10 A sobrevida dos enfermos encaminhados precoce-mente é maior, havendo melhor controle das com-plicações da doença renal crônica como doenças cardiovasculares, doença mineral e óssea, anemia, hipertensão arterial sistêmica e desnutrição.11

Pacientes com acompanhamento nefrológico tar-dio passaram em internação quase o dobro do tempo (41 dias) daqueles encaminhados precoce-mente (25 dias).10 O encaminhamento tardio tem impacto negativo em morbidade e mortalidade.12 Os portadores de insuficiência renal crônica ten-dem a chegar descompensados e a entrar precoce-mente em diálise.13 Tem sido mostrado que os pa-cientes apresentam maior probabilidade de irem a óbito durante o primeiro ano de diálise quan-do do encaminhamento tardio ao nefrologista. A maior responsável, como fator independente, pela mortalidade dos pacientes encaminhados tardia-mente é a urgência dialítica.14 A necessidade do uso de cateter venoso central como acesso para hemodiálise é um preditor independente de mor-talidade nos pacientes encaminhados tardiamente ao nefrologista.15

O encaminhamento precoce ao nefrologista permi-te melhor planejamento da propedêutica e da te-rapêutica da doença, a possibilidade de decidir em conjunto com o paciente a melhor modalidade de diálise e o preparo do acesso para diálise em tempo adequado. Além disso, reduz o tempo de hospita-lização e a mortalidade, propicia melhor preparo para acesso vascular, aceitação de diálise peritone-al16,17 e maior sobrevida.18

Em conclusão, a maioria dos pacientes em diálise neste hospital da rede pública do Distrito Federal teve início desse tratamento em curto espaço de

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Artigo originAl

86 • Brasília Med 2012;49(2):82-86

tempo após seu primeiro contato com a unidade de nefrologia e o diagnóstico de sua doença. Esse fato permite inferir que os pacientes chegaram tardia-mente ao especialista. Deve-se viabilizar encami-nhamento precoce ao nefrologista e conscientizar a população sobre a importância da avaliação da função renal para prevenir a doença renal crônica, quando possível, e tratá-la precocemente, quando inevitável, para diminuir custos e reduzir a morbi-dade e a mortalidade.

Agradecimentos. Aos pacientes da Unidade de Nefrologia do Hospital Regional de Sobradinho e ao serviço de arquivo médico do Hospital Regional de Sobradinho.

REFERÊNCIAS

1. Romão Júnior JE. Doença renal crônica: definição, epidemiologia e classificação. J Bras Nefrol. 2004;26(supl. 1):1-3.

2. Censo de Diálise SBN 2010. Sociedade Brasileira de Nefrologia [Internet]. 2010 [acesso 6 nov 2011]. Disponível em: http://www.sbn.org.br/censos/censo2010fina-lizado.ppt.

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Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto, Rogério Ehrhardt e Antonio Lopes de Miranda

RESUMO

Introdução. O fígado é o órgão intra-abdominal mais comumente lesado em pacientes vítimas de trauma. A lesão ocorre mais frequentemente no trauma penetrante do que no trauma contuso.

Objetivo. Avaliar a morbidade e a mortalidade por trauma hepático, seu manuseio e sua evolução em portadores dessa lesão.

Método. Foram analisados os registros em pron-tuários de todos os pacientes que tiveram trauma hepático com indicação cirúrgica, admitidos no pronto-socorro do Hospital da Restauração, Recife-PE, no período de janeiro de 2003 a dezembro de 2007. Foram considerados os parâmetros epidemio-lógicos e anatômicos, a morbidade e a mortalidade.

Resultados. Cento e trinta e sete pacientes parti-ciparam do estudo. Desses, 124 foram do sexo mas-culino (90,5%). A maioria (56,2%) encontrava-se na faixa etária de 20 a 29 anos. O trauma abdominal fechado foi o mais comum (67,9%). Dos traumas penetrantes, os originados por arma de fogo foram em maior número (24,8%). Cento e três pacientes apresentaram apenas um segmento lesado (75,2%) e 34 (24,8%) tiveram dois segmentos lesados. As le-sões de grau II foram as mais comuns (66,4%). Dos 137 pacientes submetidos a laparotomia, em 89 a intervenção foi não terapêutica e, em 48, foram ne-cessários reparos das lesões associadas. O baço e o diafragma foram as estruturas lesadas com maior frequência, 30% e 26% respectivamente. O índice de gravidade da lesão ou injury severity score variou de 8 a 72. Oito pacientes tiveram valores do índice superiores a 50 e, cinco deles, tiveram óbito. Fístula

Estudo da morbimortalidade em pacientes com trauma hepático

Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto – médico, consultor em cirurgia de emergência e do trauma, Hospital da Restauração, Recife-PE, Brasil

Rogério Ehrhardt – médico-residente de cirurgia geral e do trauma, Hospital da Restauração, Recife-PE, Brasil

Antonio Lopes de Miranda – médico, chefe do Serviço de Cirurgia Geral, Hospital da Restauração, Recife-PE, Brasil

Correspondência: Olival Cirilo Lucena Fonseca Neto. Rua Jacobina, n.º 45, ap. 1.002, Graças, CEP 52.011-180, Recife-PE. Telefone: 81 9989-0208.

Internet: [email protected]

Recebido em 6-5-2012. Aceito em 20-6-2012.

Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.

biliar e abscesso hepático foram as principais com-plicações. Ocorreram sete óbitos no estudo.

Conclusão. Os pacientes com trauma hepático e le-sões orgânicas concomitantes e naqueles com índi-ce de gravidade da lesão acima de 50 observou-se maior probabilidade de complicações e óbito.

Palavras-chave. Fígado; trauma hepático; trata-mento; complicações.

ARtIgO ORIgINAL

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ABSTRACT

Morbimortality in patients with hepatic trauma

Introduction. The liver is the most commonly injured intra-abdominal organ in trauma patients. The injury is caused more frequently in penetrating trauma than in blunt trauma.

Objective. To evaluate morbidity and mortality in he-patic trauma, its management and evolution in patients with this injury.

Method. The medical records of all hepatic trauma pa-tients with a recommendation for surgery admitted to the emergency unit of Hospital da Restauração, Recife, Brazil, from January 2003 to December 2007 were ana-lyzed retrospectively. Epidemiological and anatomical parameters, morbidity and mortality were considered.

Results. One hundred and thirty-seven patients were considered in the study. Of these, 124 were male (90.5%). The majority (56.2%) was in the age range of 20 to 29 years. Closed abdominal trauma was the most common condition (67.9%). Of the penetrating traumas, those caused by firearms were the greatest in number (24.8%). One hundred and three patients displayed only one im-paired segment (75.2%) and 34 (24.8%) displayed two impaired segments. Grade II injuries were the most com-mon (66.4%). Of the 137 patients that underwent lapa-rotomy, 89 underwent a non-therapeutic intervention, whereas 48 patients required repair of associated inju-ries. The spleen and diaphragm were the structures most commonly injured, 30% and 26% respectively. The Injury Severity Score varied from 8 to 72. Eight patients had Injury Severity Score higher than 50, and five evolved to death. Biliary fistula and hepatic abscess were the main complications. Seven deaths occurred in the study.

Conclusion. The greatest probability of complications and death were observed in patients with hepatic trau-ma and concomitant organ injuries and in those with Injury Severity Score higher than 50.

Key words . Liver; hepatic trauma; treatment; complications

INtRODUÇÃO

O fígado é um dos órgãos intra-abdominais mais acometidos no trauma por seu tamanho e sua loca-lização. Lesões nesse órgão ocorrem em 20% das ví-timas de trauma contuso.1-3 Nesses casos, elas podem ser decorrentes do impacto direto, da compressão entre o rebordo costal direito e a coluna vertebral e da força de desaceleração. A lesão isolada do fígado ocorre em somente 10% dos indivíduos que sofre-ram o trauma, ou seja, na maioria das situações há lesões de outros órgãos e outras vísceras.4-6

Nas últimas décadas, houve relevante mudança na conduta correlata ao trauma hepático, principal-mente quanto ao trauma contuso.7 Isto se deve ao auxílio de exames de imagem e o surgimento do tratamento não operatório.8 Atualmente, o trata-mento conservador é utilizado em mais de 80% dos traumas hepáticos contusos, sendo considerado procedimento seguro e eficaz.9 A falha nesse tipo de conduta costuma ser causada por lesões abdominais associadas.10 O tratamento conservador do trauma hepático fechado oferece vantagens em relação ao operatório, como menos necessidade de transfusão sanguínea, de cuidados intensivos e menor ocorrên-cia de sepse intra-abdominal e menor taxa de mor-talidade.11,12 Nos traumatismos penetrantes, também se tem verificado tendência à aplicação de técnicas mais conservadoras, fato este observado principal-mente nos últimos trinta anos.13

O resultado na melhora da avaliação da extensão das lesões no trauma hepático e o uso de melhores técnicas de tratamento cirúrgico, especialmente com os novos conceitos de “controle de danos” e evolução nos métodos intensivos de tratamento, possibilitou evidente progresso na sobrevida das vítimas de trauma hepático.14,15

Apesar dos avanços conseguidos, a lesão complexa com lesões de vasos supra ou retro-hepáticos per-manece um desafio terapêutico, com elevadas ta-xas de morbidade e mortalidade.16,17 Hoje, as opções para o manejo dessas lesões incluem, a saber, a ma-nobra de Pringle, a hepatotomia com sutura direta,

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a segmentectomia ou hepatectomia, a instalação de desvios átrio-cava ou femoroaxilar, a exclusão vascular do fígado e o transplante hepático. Todas essas modalidades de tratamento são associadas a taxas de mortalidade superiores a 90%.18-20

As lesões hepáticas podem ser classificadas quanto à gravidade das lesões em dois grupos: pré-opera-toriamente por métodos de imagem (tomografia computadorizada), ou operatoriamente por ava-liação anatomopatológica, ambas sob os auspícios da American Association for the Surgery of Trauma (AAST), que elaborou de maneira organizada e ra-cional com o intuito de uniformizar a comunicação entre os estudiosos de trauma e conseguir compa-rar os vários resultados de maneira homogênea.21,22

Este estudo objetiva analisar o tratamento de pa-cientes vítimas de trauma hepático e suas complica-ções em um hospital público do Nordeste do Brasil.

MÉtODO

Foram analisados os registros em prontuários de todos os pacientes vítimas de traumatismo hepáti-co com indicação cirúrgica admitidos na emergên-cia do Hospital da Restauração – SUS, Recife-PE, no período de janeiro de 2003 a dezembro de 2007.

Consideraram-se dados de análise: sexo, faixa etária, índice anatômico (índice de gravidade da lesão ou injury severity score – ISS),1 tipo de trauma abdomi-nal (aberto ou fechado), instrumento causador dos traumas abertos (por exemplo, arma branca ou de fogo), gravidade das lesões anatômicas hepáticas (Organ Injury Scaling, da Associação Americana de Cirurgia do Trauma),2 segmentos hepáticos acome-tidos, lesões associadas, procedimento cirúrgico re-alizado (laparotomia não terapêutica e laparotomia terapêutica), reoperações, complicações, tempo de permanência hospitalar em dias e mortalidade.

O índice de gravidade da lesão é um indicador ana-tômico que caracteriza a seriedade da lesão dentro de regiões anatômicas, individual ou coletivamen-te. Esse índice resume várias lesões em um único paciente. Os valores variam de 1 (lesão menor com

maior probabilidade de sobrevida) até 75 (lesão maior com menor probabilidade de sobrevida). Esse índice é calculado pela soma dos quadrantes das três graduações mais elevadas (varia de 1 a 6) em diferentes regiões corporais. Por convenção, quando maior que 15 denota gravidade suficiente para indicar cuidados intensivos ao traumatizado.

As variáveis contínuas foram descritas como mé-dia ± desvio-padrão e as variáveis categóricas, co-mo número absoluto e percentual. Os cálculos fo-ram efetuados por meio de programas estatísticos SPSS® e Microsoft Office Excel®.

RESULtADOS

Durante o período de janeiro de 2003 a dezembro de 2007, foram admitidos 3.476 pacientes vítimas de trauma no Hospital da Restauração. Desses, 137 foram vítimas de traumatismo hepático com indi-cação de laparotomia exploratória.

A maioria dos portadores de trauma hepático foi do sexo masculino (124; 90,5%), em razão aproximada de dez homens para uma mulher.

A média de idade foi 39 ± 11 anos e, os extremos, 15 e 55 anos. Prevaleceram adultos jovens de 20 a 49 anos, em plena idade produtiva, com média de ida-de 27,3 anos. Dezessete (12,4%) pacientes apresen-taram idade inferior a 20 anos, 77 (56,2%) tinham idade que variou de 20 a 29 anos, 33 (24,1%), de 30 a 39 anos, 7 (5,1%), de 40 a 49 anos e 3 (2,2%) tinham idade superior a 50 anos.

O índice de gravidade da lesão dos pacientes variou de 8 a 72, sendo a média e desvio-padrão 26 ± 8.

Quanto ao tipo de trauma abdominal, 93 foram vítimas de trauma abdominal fechado (67,9%) e 44 de trauma abdominal aberto (32,1%). Desses últimos, dez foram vítimas de trauma abdominal provocado por arma branca (7,3%) e 34, por arma de fogo (24,8%).

Cento e três pacientes sofreram lesão em apenas um segmento hepático (75,2%); 34 tiveram dois

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segmentos lesados (24,8%). Um paciente teve o seg-mento hepático I envolvido na lesão (0,7%); 15, o segmento II (10,9%); 20, o segmento III (14,6%); 57, o segmento IV (41,6%); 35, o segmento V (25,5%); 17, o segmento VI (12,4%); 15, o segmento VII (10,9%) e 11, o segmento VIII (8%).

Considerando-se o grau de lesão hepática, 90 pa-cientes apresentaram lesões de grau II (66,4%); 38, lesão de grau III (27,7%); sete com lesão de grau IV (5,1%), e apenas dois com lesão de grau V (1,5%).

Quanto ao procedimento cirúrgico adotado, 89 do-entes foram submetidos à laparotomia não tera-pêutica (65%) e 48, à laparotomia terapêutica (35%). Dentre os últimos, 22 foram submetidos a tampona-mento hepático (45,8%), 23, a hepatorrafia (47,9%), dois, a hepatorrafia e tamponamento (4,2%) e um foi submetido à hepatectomia esquerda.

Ainda em relação ao tratamento empregado, 29 pa-cientes necessitaram de tratamento cirúrgico com-plementar, em dois casos por falha da laparotomia não terapêutica (2,2%); todos os que foram tratados com tamponamento hepático por compressas foram submetidos à retirada cirúrgica posterior (22 casos); um foi submetido a reoperação para retirada de compressa depois de ter sido tratado por hepator-rafia associada a tamponamento e, quatro, necessi-taram de reoperação depois de terem sido tratados inicialmente com hepatorrafia e corresponderam a 14,8% dos pacientes tratados com essa modalidade.

Houve cinquenta e três pacientes com lesões as-sociadas (38,7%), trinta e cinco tiveram apenas uma lesão associada (25,5%) e dezoito, duas lesões associadas (13,2%). As lesões comprometeram o diafragma (sete casos), o intestino delgado (seis casos), o cólon (cinco casos), o baço e o rim direito (quatro casos cada), o duodeno, mesentério e pân-creas (dois casos cada) e, em apenas um paciente, o estômago e o encéfalo.

Quando se avaliaram os que tiveram lesões associa-das em mais de dois órgãos, foram identificados os seguintes: baço (seis casos), mesentério (quatro ca-sos), pâncreas (quatro casos), cólon, intestino del-gado e rim direito (três casos cada), aorta, bexiga,

veia cava inferior e arcos costais, em apenas um paciente cada.

Dentre os pacientes que sofreram complicações, cin-co haviam sido submetidos a laparotomia não tera-pêutica (5,6% do grupo da laparotomia não terapêu-tica). Desses, três pacientes cursaram com formação de abscesso hepático, um com fístula biliar e outro, pancreatite. Complicações pós-operatórias ocorre-ram em doze pacientes, ou seja, em 25% daqueles submetidos a laparotomia terapêutica. As compli-cações foram: fístula biliar (três casos), pancreatite (dois), abscesso hepático (dois), abscesso cavitário (dois); encarceramento pulmonar, distúrbio de co-agulação e sepse (um caso cada).

O período de permanência hospitalar necessário pa-ra os pacientes vitimados por trauma hepático osci-lou de dois a 38 dias, com a média de 6,8 ± 5,5 dias.

O óbito ocorreu em sete pacientes, todos foram submetidos a laparotomia terapêutica e correspon-deram a 5,1% do total das vítimas com trauma he-pático e a 14,6% do grupo da laparotomia terapêu-tica. Os enfermos que foram a óbito tinham índice de gravidade da lesão acima de 50.

DISCUSSÃO

O fígado, por ser o maior órgão parenquimatoso do abdome e estar protegido apenas pelo gradeado costal à direita, é suscetível aos traumas contusos e penetrantes da cavidade peritoneal. Com o de-senvolvimento e o aperfeiçoamento dos exames de imagem existe a possibilidade de identificar lesões mínimas que, no passado, não eram percebidas. Com isso, o fígado é o órgão mais lesado nos pa-cientes traumatizados.

Com base nos dados obtidos de registros de 137 pacientes vítimas de traumatismo hepático no presente estudo, observa-se maior frequência do trauma em adultos jovens do sexo masculino, como se verifica em outros estudos.21

A maioria dos pacientes apresentou trauma hepá-tico contuso, numa razão aproximada de 3:1 em

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relação aos traumatismos abdominais abertos, tan-to por arma de fogo, quanto por arma branca. Como em outros estudos, o trauma abdominal contuso é o principal tipo de trauma nas grandes cidades,5 e acidentes por veículos automotivos e motocicletas são os grandes responsáveis pelos atendimentos aos pacientes vítimas de trauma.2

O índice de gravidade da lesão tem alta capacidade de prever sobrevida ou morte.23 Dos oito pacien-tes com índice acima de 50, cinco tiveram óbito. Embora esse índice seja preditivo de mortalidade, ocorrem algumas restrições em sua interpretação como o fato de não levar em consideração a idade, o mecanismo da lesão, a multiplicidade de lesões locais e a importância da região do corpo em que ocorre a lesão.24

No presente estudo, observou-se que 75,2% dos pacientes tiveram apenas um segmento hepático envolvido, sendo os segmentos IV e V os mais afe-tados. Isso era esperado, considerando-se a dimen-são e a localização mais exposta desses segmentos. Outros estudos também trazem maior envolvimen-to desses segmentos no trauma hepático.25,26

Houve vários pacientes com lesões associadas de outros órgãos (38,7%), sendo 25,5% com apenas um outro órgão lesado; 13,1% tiveram dois outros ór-gãos atingidos pelo trauma. A associação de outros órgãos lesados também foi observada por outros autores,5 principalmente quando o trauma contuso é mais frequente.

Diferente da literatura atual, os autores mostra-ram haver mais indicação de laparotomia nos pa-cientes vítimas de trauma abdominal.27 Isso ocorre devido à ausência pronta e imediata da possibi-lidade de métodos complementares de imagem (ultrassonografia e tomografia computadorizada de abdome) que ajudariam a possível conduta conservadora (não cirúrgica) de muitos pacientes. Entretanto, ao observar os doentes submetidos a laparotomia não terapêutica, os autores não en-contraram desfecho letal. Isso permite inferir que a laparotomia não terapêutica não causou aumen-to de mortalidade.

As complicações mais encontradas no presente estudo foram, a saber, abscesso hepático, fístula biliar, abscesso cavitário e pancreatite. Elas foram mais frequentes nos pacientes com trauma abdo-minal submetidos a laparotomia terapêutica, em relação àqueles submetidos à laparotomia não te-rapêutica. Mesmo assim, a ocorrência de complica-ções foi aceitável (12,4%) e próxima aos resultados obtidos em séries de casos mais amplos que variou de 8% a 10%.28,29

Observou-se taxa de mortalidade de 5,1%, e todos os óbitos ocorreram naqueles que tiveram trata-mento cirúrgico (14,6%). Essa taxa foi comparável às obtidas em grandes centros de tratamento do trauma que oscilou de 5% a 9%.10,12

Em conclusão, nos pacientes vítimas de trauma hepático com indicação cirúrgica, a morbimortali-dade foi mais acentuada quando ocorreram inter-venções reparadoras nos órgãos com lesões asso-ciadas e o índice de gravidade da lesão foi maior que cinquenta.

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RESUMO

Objetivo. Avaliar resultados em ciclos de fertiliza-ção in vitro entre grupos etários femininos distintos.

Método. Analisaram-se retrospectivamente 216 ciclos de fertilização in vitro iniciados desde ja-neiro a dezembro de 2010. Os grupos etários fe-mininos foram definidos de acordo com a Red Latinoamericana de Reproducción Asistida: menor ou igual a 34 anos, de 35 a 39 anos e maior ou igual a 40 anos. Avaliaram-se a ocorrência de gravidez clínica – confirmada por ultrassonografia trans-vaginal na quinta semana após a transferência de embriões – e as taxas de implantação embrionária e de perda gestacional. A área sob a curva do tipo receiver operating characteristic (AUC-ROC) determi-nou a capacidade da idade de predizer a ocorrência de gravidez.

Resultados. Cento e oitenta ciclos atingiram etapa de punção ovariana, 154 atingiram a transferência embrionária e 61 evoluíram com gravidez. As taxas de gravidez observadas por faixa etária foram de 50,8% no grupo com 34 anos ou menos; 36,1% no grupo de 35 a 39 anos, e 25% no grupo com 40 anos e mais (p < 0,04). Foram observadas taxas de im-plantação de 29,7%, 19,1% e 12,5% respectivamente (p < 0,01). A idade foi fator significativamente pre-ditivo de ocorrência de gravidez clínica. Foi con-siderada ponto de corte ideal a idade de 38 anos (ROC-AUC = 0,642, p < 0,01).

Conclusão. A idade feminina é determinante para os resultados de técnicas de reprodução assistida, com taxas significativamente superiores de gravidez e implantação embrionária em mulheres mais jovens.

Bruno Ramalho de Carvalho, Manoela Porto Silva Resende, Hitomi Miura Nakagava, Iris de Oliveira Cabral, Antônio César Paes Barbosa e Adelino Amaral Silva

Resultados em ciclos de fertilização in vitro de acordo com a faixa etária feminina

Bruno Ramalho de Carvalho – médico, mestre, Centro de Assistência em Reprodução Humana – Genesis, Brasília, Distrito Federal, Brasil

Manoela Porto Silva Resende – médica, Centro de Assistência em Reprodução Humana – Genesis, Brasília, Distrito Federal, Brasil

Hitomi Miura Nakagava – médica, Centro de Assistência em Reprodução Humana – Genesis, Brasília, Distrito Federal, Brasil

Iris de Oliveira Cabral – bióloga, Centro de Assistência em Reprodução Humana – Genesis, Brasília, Distrito Federal, Brasil

Antônio César Paes Barbosa – médico, Centro de Assistência em Reprodução Humana – Genesis, Brasília, Distrito Federal, Brasil

Adelino Amaral Silva – médico, Centro de Assistência em Reprodução Humana – Genesis, Brasília, Distrito Federal, Brasil

Correspondência: Bruno Ramalho de Carvalho. Genesis – Centro de Assistência em Reprodução Humana. SHLS 716, conjunto L, Centro Clínico Sul, Ala Leste, salas L 328/331, Asa Sul, CEP 70.390-907, Brasília, Distrito Federal. Telefone: 61 3345-8030.

Internet: [email protected].

Recebido em 10-4-2012. Aceito em 30-5-2012.

Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.

ARtIgO ORIgINAl

Palavras-chave. Infertilidade; fertilização in vi-tro; fatores etários; taxa de gravidez; implantação do embrião.

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Artigo originAl

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ABSTRACT

Outcomes of in vitro fertilization cycles based on age groups

Objective. To evaluate outcomes of in vitro fertilization cycles in different age groups.

Method. Retrospective analysis of 216 in vitro fer-tilization cycles from January to December of 2010. Age groups were defined according to recommenda-tions from the Red Latinoamericana de Reproducción Asistida: 34 years old or less, 35 to 39 years old and 40 years old or older. We evaluated the occurrence of clinical pregnancy (confirmed by transvaginal ultra-sound in the fifth week after embryo transfer), embryo implantation and miscarriage rates. Areas below the curve (AUC-ROC) determined the ability of age to pre-dict pregnancy after IVF/ICSI.

Results. One hundred and eighty cycles reached ovar-ian puncture stage, 154 reached embryo transfer and 61 progressed to pregnancy. Pregnancy rates by age groups were: 50.8% for the group that was 34 years old or less; 36.1% for those who were 35 to 39 years old; 25% for those who were 40 years old or older (p < 0.04). Implantation rates of 29.7%, 19.1% and 12.5% were ob-served, respectively (p < 0.01). Age was significantly able to predict the occurrence of clinical pregnancy. Ideal cutoff was considered to be 38 years (ROC-AUC = 0.642, p < 0,01).

Conclusion. Age is crucial to the outcomes of assist-ed reproductive techniques, with significantly higher rates of pregnancy and embryo implantation among younger women.

Key words. Infertility; fertilization in vitro; age factors; pregnancy rate; embryo implantation; sperm injections, intracytoplasmic

INtRODUÇÃO

Como frutos da participação crescente da mulher como força de trabalho nas últimas décadas, o me-nor interesse pela maternidade1 e a tendência de postergá-la2 ocorrem apesar de haver diminuição

progressiva do potencial reprodutivo feminino, mormente depois dos trinta anos de idade.3 Estima-se que 75% das mulheres que iniciam tentativas de engravidar aos trinta anos etários darão à luz um nascido vivo dentro de doze meses, e apenas 44% o farão quando o início das tentativas ocorre aos quarenta anos de idade.4 Dados menos animadores registram declínio progressivo da fecundabilidade feminina com o avanço da idade, com taxas de ges-tação por ciclo fértil de 24%, 17%, 12% e 5% aos 25, 30, 35 e 40 anos respectivamente.5

Em estudo prévio, constatou-se interferência ne-gativa significativa da idade da mulher sobre a resposta folicular ovariana e o número de oócitos morfologicamente maduros obtidos em ciclos de fertilização in vitro com injeção intracitoplasmática de espermatozoides ou não,6 em concordância com outros estudos.2,3,7-10

Este estudo teve como objetivos comparar as taxas de gestação e a implantação em ciclos de fertili-zação in vitro com injeção intracitoplasmática de espermatozoide ou sem esta, de acordo com a clas-sificação etária adotada pela Red Latinoamericana de Reproducción Asistida,11 e aferir a capacidade da ida-de da mulher de predizer a ocorrência de gravidez clínica após ciclos terapêuticos.

MÉtODO

Analisaram-se retrospectivamente 216 ciclos consecutivos de estimulação ovariana para fer-tilização in vitro com injeção intracitoplasmá-tica de espermatozoides ou sem injeção, reali-zados no Genesis – Centro de Assistência em Reprodução Humana de 1.º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2010. Foram incluídas no estudo apenas mulheres submetidas à estimula-ção ovariana com gonadotrofinas em protocolo longo de inibição do eixo hipotálamo–hipófise–ovariano com análogo agonista do hormônio li-berador de gonadotrofinas. Resultados de ciclos repetidos de uma mesma paciente no período es-tudado foram excluídos do estudo, tendo-se con-siderado apenas o primeiro ciclo realizado. As pacientes foram distribuídas em grupos etários

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Bruno Ramalho de Carvalho e cols. • Resultados em ciclos de fertilização in vitro

de 34 anos ou menos (n = 61); de 35 a 39 anos (n = 61); de 40 anos e mais (n = 32). Avaliaram-se a ocorrência de gravidez clínica – confirmada por ultrassonografia transvaginal na quinta semana após transferência de embriões – e as taxas de implantação embrionária.

Usando-se o software GraphPad Prism 5,00 (GraphPad Software, Inc, 2007), foi realizado o teste do qui ao quadrado para as variáveis bino-minais. A capacidade da variável idade para pre-dição da ocorrência de gravidez clínica foi aferida a partir da determinação de áreas curvas do tipo receiver operating characteristic (ROC), com base nas quais se estabeleceram as áreas sob as curvas (ROC-AUC), valores de corte, sensibilidade e es-pecificidade. Para tanto, utilizou-se o programa MedCalc versão 9.3.7.0 (2007), considerando-se ROC-AUC = 1,0 resultado da perfeita capacidade do teste para predizer a ocorrência de gravidez clínica, e ROC-AUC = 0,5 resultado da ausência completa de tal capacidade discriminatória.

RESUltADOS

Dos 216 ciclos de fertilização in vitro com injeção intracitoplasmática de espermatozoides ou sem esta que foram iniciados, 180 atingiram etapa de punção ovariana, 154 atingiram a transferência embrionária e 61 evoluíram com gravidez. As ta-xas de gravidez clínica observadas por faixa etá-ria foram: 50,8% no grupo com 34 anos e menos; 36,1% no de 35 a 39 anos; e 25% no grupo com 40 anos e mais (p = 0,04). Foram observadas taxas de implantação de 29,7%, 19,1% e 12,5% respectiva-mente (p = 0,01). As taxas de perda gestacional entre os grupos etários foram de 18,8%, 13,6% e 37,5% respectivamente (p = 0,34).

A idade foi moderadamente fator preditivo de ocorrência de gravidez clínica. O valor de corte considerado ideal para idade foi 38 anos (ROC-AUC = 0,642; sensibilidade 83,61%; especificidade 39,78%; intervalo de confiança a 95%: 0,561-0,718; p = 0,0014) (figura).

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo reforçam a importân-cia da idade da mulher como fator de avaliação prognóstica em ciclos de fertilização in vitro com injeção intracitoplasmática de espermatozoides ou não, principalmente em mulheres com idade igual ou superior a quarenta anos. Os dados de Gomes e colaboradores9 também apontaram para a idade de quarenta ou mais anos como determinante de re-sultados menos satisfatório em técnicas de repro-dução assistida, com número de oócitos aspirados e testes gestacionais positivos significativamente inferiores aos encontrados na população de mu-lheres mais jovens. De fato, os autores observaram, em estudo prévio, correlações negativas significati-vas para idade versus folículos dominantes e idade

0 20 40 60 80 100

100-Especificidade

Idade

Sens

ibili

dade

100

80

60

40

20

0

Figura. Idade da mulher para predição da ocorrên-cia de gravidez clínica em pacientes submetidas a ciclos de FIV/ICSI com transferência embrionária. Valor de corte: idade de 38 anos e menos (curva tipo receiver operating characteristic – área sob a cur-va, ROC-AUC = 0,642; sensibilidade 83,61%; especi-ficidade 39,78%; p < 0,01).

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Artigo originAl

96 • Brasília Med 2012;49(2):93-97

versus oócitos aspirados em ciclos de fertilização in vitro com injeção intracitoplasmática de esperma-tozoides ou sem injeção.6

O declínio da fertilidade pode ser atribuído a nu-merosos eventos associados ao avanço da idade, como diminuição da qualidade oocitária e folicu-lar, frequência e eficiência da ovulação e da função sexual, aparecimento de doenças uterinas, fatores genéticos, tabagismo, infecções ou problemas de anexos.12 Dados recentes mostraram que mulheres com idade inferior a trinta e cinco anos e indícios de baixa reserva ovariana apresentaram taxas de gravidez significativamente superiores às de mu-lheres mais velhas com função ovariana suposta-mente preservada.8 O achado de predominância do fator idade sobre o perfil hormonal, em relação ao potencial reprodutivo, encontra respaldo em estu-dos anteriores.14 Em coortes históricas, as respec-tivas taxas de infertilidade entre mulheres casadas nas faixas etárias de 20 a 24, 25 a 29, 30 a 34, 35 a 39 e 40 a 44 anos foram de 6%, 9%, 15%, 30% e 64% res-pectivamente.15 Da mesma forma, a probabilidade de gestação espontânea em ciclos férteis nas faixas etárias de 19 a 26, 27 a 34 e 35 a 39 anos foram de aproximadamente 50%, 40% e 30%, respectivamen-te, com parceiros em faixas etárias semelhantes.7

A literatura sugere que o desenvolvimento folicular esteja comprometido em mulheres com idade avan-çada, ainda que apresentem esteroidogênese nor-mal e ciclos menstruais regulares. Nessa população, deficiência de fatores de crescimento semelhante à insulina I e II e mesmo deficiência do hormônio luteinizante endógeno foram aventadas como expli-cação para o fenômeno,16 mas há indícios de que a reduzida qualidade oocitária é a verdadeira explica-ção. Estudos prévios mostraram que o uso de oócitos de doadoras jovens por mulheres de idade avançada em ciclos de fertilização in vitro iguala as taxas de gestação entre as faixas etárias.17-19

Em estudo recente de Luke e colaboradores, foram estimadas taxas de nascidos vivos, em perspectiva conservadora e ideal, respectivamente, de 63,3% e 74,6% em mulheres com até 30 anos de idade, de 18,6% e 27,8% aos 41 ou 42 anos de idade, e de 6,6% e 11,3% em mulheres aos 43 ou mais anos de idade ao

fim de um terceiro ciclo de fertilização in vitro com injeção intracitoplasmática de espermatozoides ou sem a injeção, com oócitos autólogos. Entretanto, as respectivas taxas foram superiores a 60% e 80% em todas as idades quando se utilizaram oócitos de doadoras.10 Os dados da Red Latinoamericana de Reproducción Asistida também pontuam redução significativa das taxas de gravidez por ciclo de fer-tilização in vitro com oócitos próprios: 41% na faixa etária de 25 a 29 anos; 37% de 30 a 34 anos; 30% de 35 a 39 anos e 15% com 40 ou mais anos.11 Em popu-lação semelhante, as taxas de nascimentos para as faixas etárias de menos de 35, 35 a 37, 38 a 40, 41 a 42 e acima de 42 anos foram de 36%, 28%, 18%, 10% e 4% por ciclo terapêutico respectivamente.20

Ainda que a importância da idade seja marcante de acordo com as evidências atuais, há indícios de que o sucesso em ciclos de fertilização in vitro es-teja mais bem relacionado à qualidade da resposta ao estímulo que propriamente à idade da mulher.21 Uma limitação deste estudo foi não se ter avalia-do os resultados em relação a diferentes padrões de resposta ovariana. Ainda, a pequena casuística caracteriza potencial viés e não deve ser ignorada. Dessa forma, embora estejam condizentes com es-tudos bem delineados e amostras mais significati-vas, os resultados dos autores devem ser interpre-tados com cautela.

Em conclusão, este estudo realça a importância da idade da mulher como elemento fundamental pa-ra avaliação prognóstica em ciclos de reprodução assistida de alta complexidade.

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Brasília Med 2012;49(2):93-97 • 97

Bruno Ramalho de Carvalho e cols. • Resultados em ciclos de fertilização in vitro

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Artigo ESPECiAL

98 • Brasília Med 2012;49(2):98-103

Hipotensão pós-exercício: influência da modalidade e intensidade do exercício sobre as respostas hipotensoras agudas

RESUMO

Objetivo. Analisar as evidências de estudos do efei-

to das diferentes modalidades e intensidades de

exercício sobre as respostas hipotensoras agudas

em indivíduos hipertensos.

Método. Foram selecionados estudos de interven-

ção em que se utilizaram treinamento resistido e

exercícios aeróbicos cíclicos em indivíduos hiper-

tensos medicados e não medicados. Analisaram-se

as diferentes intensidades de treino e suas respos-

tas hipotensoras.

Resultados. Foram analisadas quatorze pesquisas.

Em cinco, avaliou-se a hipotensão pós-exercício

por meio da corrida em esteira; em quatro, a res-

posta com uso de cicloergômetro e, em cinco estu-

dos, utilizaram-se exercícios resistidos como forma

de intervenção. Utilizaram-se diferentes intensida-

des, situadas em 40% até 80% da frequência cardía-

ca de reserva nos protocolos de exercícios cíclicos e

em 40% a 70% de resistência máxima nos exercícios

resistidos. Observou-se que o tipo de exercício e

sua intensidade podem causar diminuição da pres-

são arterial em mulheres e homens hipertensos.

Conclusões. Exercícios cíclicos mais intensos e

exercícios resistidos de maior volume causam ele-

vadas magnitudes de hipotensão pós-exercício. A

modalidade de maior magnitude na hipotensão foi

exercício resistido em forma de circuito.

Palavras-chave. Hipotensão pós-exercício; hiper-

tensão arterial; esteira ergométrica; exercício

Rafael Rodrigues de Sousa Frois, Pedro Henrique Pereira Barbosa, João Bartholomeu Neto, Ricardo Yukio Asano, Lílian Alves Pereira, Yasmim Santiago de Araújo e Leonardo Almeida Cavalcanti

Rafael Rodrigues de Sousa Frois – educador físico, especialista em Treinamento de Força, Universidade Católica de Brasília, DF, Brasil

Pedro Henrique Pereira Barbosa – educador físico, especialista em Educação Física Escolar, Universidade Católica de Brasília, DF, Brasil

João Bartholomeu Neto – educador físico, mestre em Educação Física, Universidade Católica de Brasília, Centro Universitário UNIRG, Gurupi-TO

Ricardo Yukio Asano – educador físico, mestre em Educação Física, Universidade Católica de Brasília, Centro Universitário UNIRG, Gurupi-TO, Brasil

Lílian Alves Pereira – educadora física, Universidade Católica de Brasília, DF, Brasil

Yasmim Santiago de Araújo – graduanda em Educação Física, Centro Universitário UNIRG, Gurupi-TO, Brasil

Leonardo Almeida Cavalcanti – educador físico, mestre em Educação Física, Universidade Católica de Brasília, Universidade do Estado de Mato Grosso, Brasil

Correspondência: Rafael Rodrigues de Sousa Frois. Rua 2, casa 315, bairro Formosinha, CEP 73.813-301, Formosa-GO. Telefone: 61 36425372.

Internet: [email protected]

Recebido em 1-11-2011. Aceito em 12-3-2012.

Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.

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Brasília Med 2012;49(2):98-103 • 99

Rafael Rodrigues de Sousa Frois e cols. • Hipotensão pós-exercício

ABSTRACT

Post-exercise hypotension: influence of modality and intensity of exercise on acute hypotensive responses

Objective. To analyze evidence in the scientific lite-rature of the effect of different intensities of resistance exercise and cyclic aerobic exercise on the acute hypo-tensive response of hypertensive individuals.

Method. We selected intervention studies that used cyclic aerobic exercise and resistance training in medi-cated and non-medicated hypertensive individuals. We analyzed different training intensities and their hypo-tensive responses.

Results. Fourteen studies were analyzed. Post-exercise hypotension after running on a treadmill was evalua-ted in five studies; results after using a cycle ergometer were evaluated in four; in five studies, resistance exer-cise was used as a sort of intervention. Different inten-sities were used: 40% to 80% of the heart rate reserve indicated in protocols of cyclic exercises and 40% to 70% of maximal resistance regarding resistance exercises. It was observed that the sort of exercise and its intensity may cause a decrease in blood pressure in men and wo-men with hypotension.

Conclusions. More intense cyclic training and higher volume resistance training cause high rates of post--exercise hypotension. The modality that caused hi-gher rates of post-exercise hypotension was resistance circuit training.

Key words. Post-exercise hypotension; hypertension; treadmill; exercise

INTRODUÇÃO

A hipertensão arterial sistêmica é doença cardio-

vascular que atinge aproximadamente metade da

população idosa brasileira.1 Está diretamente rela-

cionada com o aparecimento de doenças cardíacas,

sendo estas uma das principais causas de morte em

todo o mundo.2-5

O exercício físico, além do tratamento medicamen-

toso, é recomendado para prevenir e tratar hiper-

tensão arterial sistêmica. Estudos mostram que o

próprio organismo pode produzir substâncias que

atenuam os valores de pressão arterial.6-8 Contudo,

a maneira como se realiza o exercício pode modi-

ficar os efeitos de redução da pressão arterial. A

manipulação das variáveis de treino parece exer-

cer influência direta sobre as respostas benéficas

do treinamento sobre a doença.7-9

Buscando-se auxiliar a compreensão dos efeitos das

variáveis de treino sobre o efeito hipotensor pós-

-treino, analisaram-se estudos de pesquisas sobre a

influência das diferentes intensidades de exercício

físico sobre a resposta hipotensora pós-exercício

em indivíduos hipertensos.

Hipotensão pós-exercício em HIPERTENSOS qUE UTILIzARAM exercícios aeróbios cíclicos

Estudos sobre hipotensão pós-exercício em hi-

pertensos, nos quais se utilizaram exercícios

aeróbicos cíclicos, mostraram resultados inte-

ressantes. Hagberg e colaboradores10 avaliaram

24 homens e 24 mulheres, hipertensos, com ida-

de de 60 a 69 anos, em protocolo de quarenta e

cinco minutos em esteira. Um grupo realizou o

exercício a 50% de volume de oxigênio máximo

(VO2max

) e o outro a 70% de VO2max

. Após três ho-

ras de exercício, a pressão sistólica teve queda de

8 mmHg no grupo a 50% de VO2max

e queda de 13

mmHg no grupo 70% VO2max

(p < 0,05) em relação

ao valores de repouso.

Em outro estudo, analisaram-se, em nove indiví-

duos hipertensos do sexo masculino com idade de

25 ± 1 anos, os efeitos de quarenta e cinco minutos

de corrida em esteira com intensidade submáxima.

Observou-se diminuição significativa na pressão ar-

terial sistólica em relação aos valores de repouso.6

Pescatello e colaboradores11 examinaram seis ho-

mens com idade média de 44 ± 4 anos após trinta

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Artigo ESPECiAL

100 • Brasília Med 2012;49(2):98-103

minutos de exercício em cicloergômetro. Não en-

contraram diferença significativa da pressão ar-

terial sistólica e diastólica quando se empregou a

intensidade de exercício de 40% e de 70% do VO2max

.

Marceu e colaboradores12 analisaram onze homens

e onze mulheres hipertensos com idade média de

43 ± 2 anos em quarenta e cinco minutos de ciclo-

ergômetro a 50% e 70% do VO2max

. A avaliação das

pressões arteriais sanguíneas sistólica e diastólica

após vinte e quatro horas do treino não tiveram al-

teração significativa em ambos os grupos. Todavia,

no grupo avaliado com 70% do VO2max

, observou-se

redução da pressão durante o sono.

Rueckert e colaboradores13 encontraram diminui-

ção significativa até duas horas pós-exercício em

hipertensos de ambos os sexos, com idade média

de 50 ± 2 anos após quarenta e cinco minutos de

exercício em esteira com a intensidade de 70% da

frequência cardíaca de reserva.

Cunha e colaboradores14 analisaram onze homens e

onze mulheres com idade média de 56,8 ± 2,6 anos

avaliados de duas maneiras: grupo 1 – corrida em

esteira intervalada de quarenta e cinco minutos,

sendo dois minutos a 60% e um minuto a 75% da

frequência cardíaca de reserva; grupo 2 – corrida

em esteira contínua de quarenta e cinco minutos

a 60% da frequência cardíaca de reserva. A pressão

média depois de trinta minutos de exercício dimi-

nuiu significativamente no grupo 2, comparado ao

grupo 1. No entanto, não houve diferença signifi-

cativa na avaliação da pressão diastólica após trin-

ta minutos e da pressão sistólica depois de cento e

vinte minutos do término do exercício.

Moraes e colaboradores15 encontraram maior mag-

nitude de hipotensão após circuito de exercícios

resistidos em comparação com exercício em ciclo-

ergômetro contínuo em dez hipertensos de ambos

os sexos com idade média de 44 ± 2 anos.

Pescatello e colaboradores16 não encontraram di-

ferença significativa após quarenta minutos de

exercício em cicloergômetro entre as sessões a 40%

e 60% do VO2pico

em quarenta e seis homens hiper-

tensos com idade média de 44 ± 1 ano.

Hipotensão pós-exercício em HIPERTENSOS qUE UTILIzARAM exercícios resistidos

Em relação aos exercícios resistidos, Fischer e co-

laboradores17 estudaram, em sete mulheres hiper-

tensas com idade média de 47,6 ± 2,5 anos, com

o protocolo de exercícios supino, leg press, rosca

direta, extensão de cotovelos e extensão de joe-

lhos em circuito, com trinta segundos entre ca-

da exercício e dois minutos entre cada circuito.

Foram feitos três circuitos de quinze repetições

com intensidade de 50% de uma repetição máxi-

ma. Encontraram queda da pressão sistólica de-

pois de sessenta minutos do exercício em média

de 13,3 mmHg.

Mediano e colaboradores18 analisaram vinte ho-

mens e vinte mulheres hipertensos com idade mé-

dia de 61 ± 12 anos, os quais fizeram exercício de

supino reto, leg press, horizontal, remada em pé e

rosca tríceps com intensidade de dez repetições

máximas. O grupo 1 realizou uma série em cada

exercício; o grupo 2 realizou três séries em cada

exercício. A pressão sistólica e a diastólica após

sessenta minutos dos exercícios não se alterou no

grupo 1, mas no grupo 2 ocorreu diminuição signi-

ficativa em ambas as pressões.

Melo e colaboradores19 avaliaram vinte mulheres

com idade de 41 a 50 anos em que ocorreu trei-

namento de força de seis exercícios de membros

superiores e inferiores três séries de vinte repeti-

ções. No grupo de controle, não foi feito exercício.

Imediatamente depois do exercício, a pressão sistó-

lica diminuiu em média 12 mmHg e a pressão sistó-

lica diminuiu 6 mmHg. Por dez horas os valores de

pressão arterial mantiveram-se inferiores no grupo

que fez exercício em comparação com o grupo que

não fez exercício.

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Brasília Med 2012;49(2):98-103 • 101

Rafael Rodrigues de Sousa Frois e cols. • Hipotensão pós-exercício

Hipotensão pós-exercício em HIPERTENSOS qUE UTILIzARAM exercícios resistidos e aeróbicos

Interessante pesquisa de Mota e colaboradores8 ava-

liaram quinze homens e quinze mulheres com idade

de 42,9 ± 1,6 anos com dois protocolos: corrida de es-

teira por vinte minutos com 70% a 80% da frequência

cardíaca de reserva (grupo 1) e treinamento de força

em circuito para membros superiores e em membros

inferiores com vinte repetições cada por vinte minu-

tos, sendo 40% de uma repetição máxima. Observou-

se no grupo 2 diminuição significativa da pressão ar-

terial sistólica e da diastólica após quarenta e cinco

minutos. Entretanto, ambos tiveram hipotensão por

até sete horas após exercício, sem diferença relevante

entre os protocolos.

DISCUSSÃO

O exercício físico exerce diversas funções regula-

doras e profiláticas no organismo humano, como,

por exemplo, controle do perfil lipídico sanguí-

neo,20 harmonia da composição corporal e manu-

tenção e melhora da capacidade funcional.21

O exemplo disso, em indivíduos sedentários que

aderem à prática de atividade física, as concentra-

ções de triglicerídeos, colesterol LDL (do inglês, low density lipoprotein) e VLDL (do inglês, very low density lipoprotein) se reduzem, e as do colesterol HDL (do

inglês, high density lipoprotein) aumentam. Esse últi-

mo é responsável pela remoção do excesso de LDL,

o que auxilia no controle da saúde da circulação

sanguínea. Por outro lado, concentrações elevadas

dos mesmos lipídios têm sido correlacionadas à

ocorrência de hipertensão arterial sistêmica, junto

ao aparecimento da aterosclerose, doença na qual

são formadas placas de gordura nas artérias, que

dificultam a passagem do sangue.22 O sedentarismo

e a má alimentação podem ser causa da ateroscle-

rose. O exercício, portanto, é importante na pre-

venção e no tratamento dessa doença.22

De forma direta, o exercício físico é responsável

pelo estímulo para a produção de diversas subs-

tâncias reguladoras do organismo. Entre outras, o

óxido nítrico exerce papel primordial no controle

da pressão arterial.23 Após sessão de exercício físi-

co, o endotélio secreta óxido nítrico, responsável

pela vasodilatação, o que facilita a circulação san-

guínea e as funções metabólicas necessárias para a

recuperação do exercício.23 Ele age em receptores

específicos na musculatura endotelial, reduzindo a

vasoconstricção.24 Com o aumento da vasodilatação

os níveis de pressão arterial automaticamente se

reduzem. Essa resposta hipotensora, conhecida co-

mo hipotensão pós-exercício, pode ter ação de até

vinte e quatro horas em indivíduos hipertensos.7

A exposição de hipotensão pós-exercício de forma

crônica pode reduzir os níveis de pressão arterial

em repouso devido à diminuição da resistência vas-

cular periférica.7

Além do óxido nítrico, outras substâncias também

são liberadas por influência do exercício físico e

causam o efeito hipotensor. Dentre essas, desta-

cam-se prostaglandinas, adenosina, potássio, lacta-

to, bradicinina e vasopressina.24 Outro fator de ação

sobre o efeito hipotensor pós-treino é a redução

da atividade neural simpática, potencializada pelo

aumento da secreção de catecolaminas após o exer-

cício.25 É importante ressaltar que o efeito hipoten-

sor do exercício físico ocorre tanto em indivíduos

hipertensos quanto em normotensos.17

Dessa forma, depois de cada sessão de exercício

físico, a pressão arterial sofre alterações e seus

valores são reduzidos de forma temporária. Mas,

em longo prazo, a hipotensão pós-exercício deixa

efeitos residuais, como redução da resistência vas-

cular periférica por meio de aumento do potencial

dilatador das artérias. Esse efeito pode ser benéfico

para a prevenção e o controle da hipertensão.26

O Colégio Americano de Medicina do Esporte27 re-

comenda que indivíduos hipertensos, para con-

trolarem seus níveis de pressão arterial, realizem

exercícios de preferência cíclicos, como caminha-

das, na intensidade de 40% a 60% do VO2máx

, com

tempo de duração igual ou superior a trinta minu-

tos, de cinco a sete dias por semana.

Por outro lado, a Sociedade Brasileira de Cardiologia

indica que hipertensos realizem exercícios em um

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Artigo ESPECiAL

102 • Brasília Med 2012;49(2):98-103

período de trinta a sessenta minutos, na intensida-

de de 70 a 80% do VO2máx

, com frequência semanal

de três a seis dias.28

Apesar de as recomendações acerca do exercí-

cio físico para hipertensos apontarem exercí-

cios aeróbicos, estudos mostram respostas de

igual benefício com o treinamento resistido.17-19

Independentemente da modalidade usada, a con-

tração muscular em si é capaz de produzir metabó-

litos e outras substâncias vasodilatadoras que irão

desencadear a hipotensão pós-exercício.

Os resultados do presente estudo mostram a ocor-

rência de hipotensão pós-exercício de 5 a 20 mmHg

em exercício cíclicos. A magnitude da hipotensão

parece ser, porém, dependente da intensidade.

Hagberg e colaboradores10 encontraram diferença

de 50% a 70% do VO2max

após quarenta e cinco minu-

tos em esteira rolante, assim como Marceau e co-

laboradores12 encontraram diferença de 50% a 70%

do VO2max

após quarenta e cinco minutos de exer-

cício em cicloergômetro. Já o estudo de Pescatello

e colaboradores11 não mostrou diferença em 40% a

70% do VO2max

após trinta minutos de exercício em

cicloergômetro.

Quanto aos mecanismos para essas respostas, pode

ser que o exercício de maior intensidade, além de

causarem maior estresse metabólico e cardiovascu-

lar, também utiliza maiores quantidades de múscu-

los atuantes com subsequente maior liberação de

vasodilatadores e promoção de maior hipotensão

pós-exercício.

No treinamento resistido, estudos encontram hipo-

tensão de 6 a 23 mmHg. Para ocorrer hipotensão, o

volume de treino deve ser maior que uma série por

aparelho para cinco exercícios.18

Em relação a diferentes métodos de exercício,

Moraes e colaboradores15 observaram maior mag-

nitude de hipotensão em exercício resistido em

forma de circuito – três séries de doze repetições

e trinta segundos de recuperação entre as séries –,

em comparação com a do exercício cíclico contínuo

em cicloergômetro. Mota e colaboradores8 tam-

bém encontraram maior hipotensão em exercício

resistido em circuito por vinte minutos, com vinte

repetições por exercício a 40% de uma repetição

máxima em comparação com vinte minutos de

exercício em esteira de 70% a 80% da frequência

cardíaca de reserva.

Apesar dos poucos estudos existentes relativos a in-

divíduos hipertensos, exercício físico com diferentes

intensidades e hipotensão pós-exercício, algumas

constatações acerca do efeito hipotensor agudo po-

dem ser feitas. Aparentemente, as modalidades de

exercício resistido e aeróbico promovem hipotensão

pós-exercício em hipertensos; porém, as característi-

cas com que o exercício é realizado podem modificar

as respostas. O volume e a intensidade do exercício

parecem potencializar a hipotensão pós-exercício,

seja no exercício aeróbio,14 seja no resistido.8

Os resultados do presente estudo sugerem que exer-

cícios cíclicos mais intensos e exercícios resistidos

de maior volume provocam maiores magnitudes de

hipotensão pós-exercício. Vale ressaltar, porém, que

exercícios nesse domínio de intensidade e volume

devem ser inseridos no programa de exercício com

os devidos cuidados para segurança e integridade

física do praticante, uma vez que o estresse meta-

bólico e cardiovascular são mais elevados, princi-

palmente em indivíduos hipertensos. Assim, suge-

rem-se futuros estudos em relação a exercícios de

maiores intensidades e volumes e quanto a sua rela-

ção com a segurança no exercício.

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Artigo DE rEViSÃo

104 • Brasília Med 2012;49(2):104-110

Planejamento e execução de revisões sistemáticas da literatura

Camila da Silva Gonçalo, Cecília Muzetti de Castro, Michele Mazzocato Bonon, Pedro Mourão Roxo da Motta, Andréia Benati Dahdal, Janir Coutinho Batista, Márcio Sussumu Hirayama, Silvia Miguel de Paula Peres e Nelson Filice de Barros

RESUMO

Objetivo. Tendo em vista que as revisões siste-máticas da literatura têm sido a principal fonte de informação para adoção da prática baseada em evidências, e que são escassas as publicações nacio-nais que orientem o processo de sua elaboração, o artigo apresenta as etapas de planejamento desse tipo de revisão.

Método. Apresenta-se a narrativa detalhada de to-das as fases da realização de revisões sistemáticas da literatura.

Resultado. É exposto um roteiro do proces-so de elaboração de revisões sistemáticas da li-teratura composto de onze etapas sucessivas e complementares.

Considerações finais. Considera-se que este deli-neamento de estudo propicia conhecimento pre-ciso, sistematizado, com base em de critérios rigo-rosos e método consistente, além de momentos de validação interna durante sua execução.

Palavras-chave. Revisão; saúde coletiva; revisão por pares.

ABSTRACT

Planning and execution of systematic literature reviews

Objective. Considering that systematic literature re-views have been the main source of information for the adoption of evidence-based practice and that the-re are few national publications to guide the process of

Camila da Silva Gonçalo – cirurgiã dentista, doutoranda, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, Brasil

Cecília Muzetti de Castro – educadora física, mestranda, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, Brasil

Michele Mazzocato Bonon – psicóloga, mestranda, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, Brasil

Pedro Mourão Roxo da Mota – fisioterapeuta, mestrando, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, Brasil

Andréia Benati Dahdal – enfermeira, mestranda, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, Brasil

Janir Coutinho Batista – educador físico, mestrando, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, Brasil

Márcio Sussumu Hirayama – fisioterapeuta, doutorando, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, Brasil

Silvia Miguel de Paula Peres – cientista social, pós-doutoranda, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, Brasil

Nelson Filice de Barros – cientista social, doutor, coordenador do Laboratório de Práticas Alternativas Complementares e Integrativas em Saúde (Lapacis), Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, Brasil

Correspondência: Nelson Filice de Barros. Laboratório de Práticas Alternativas Complementares e Integrativas em Saúde (Lapacis), Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Rua Tessália Vieira de Camargo, n.º 126, Cidade Universitária Zeferino Vaz, CEP 13083-887, Campinas-SP. Telefones: 19 35219240 e 19 35218036.

Internet: [email protected]

Recebido em 20-5-2012. Aceito em 15-6-2012.

Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.

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Camila da Silva Gonçalo e cols. • Planejamento e execução de revisão sistemática

preparing systematic literature reviews, this article pre-sents the steps for planning and executing this process.

Method. We present a detailed account of all the phases re-quired for the completion of a systematic literature review.

Results. We present a roadmap of the process of develo-ping a systematic literature review composed of eleven successive and complementary stages.

Final considerations. It is consider-ed that this study design provides accurate, systematized knowledge based on rigorous and consistent methodology, as well as mo-ments of internal validation during its execution.

Key words. Review; public health; peer review

INTRODUÇÃO

O campo da saúde se depara hoje com um contexto amplo de publicações disponíveis, que apresentam metodologias variadas e níveis de complexidade distintos. Por esse motivo, surge a necessidade do emprego de ferramentas que sintetizem informa-ções sólidas oriundas de múltiplas fontes, que pos-sam auxiliar na tomada de decisões embasadas em evidências científicas consistentes.1,2

Muitos recursos metodológicos têm sido usados com finalidade de compilar resultados de estudos independentes sobre a mesma base temática, entre eles, a revisão sistemática da literatura, que produz sínteses concisas sobre uma questão específica, já que é conduzida de modo que identifica, analisa e reúne dados procedentes de fontes diversas e inde-pendentes sobre o mesmo assunto.3

De acordo Perissé e colaboradores,4 “revisão sis-temática é a aplicação de estratégias científicas que limitem o viés de seleção de artigos, avaliem com espírito crítico os artigos e sintetizem todos os estudos relevantes em um tópico específico”. Segundo Ciliska e colaboradores,5 “revisão sistemá-tica é uma síntese rigorosa de todas as pesquisas relacionadas com uma questão específica. A revi-são sistemática difere da revisão tradicional, uma vez que busca superar possíveis vieses em todas as

etapas, seguindo um método rigoroso de busca e seleção de pesquisas; avaliação da relevância e va-lidade das pesquisas encontradas; coleta, síntese e interpretação dos dados oriundos das pesquisas”. Para Lima e colaboradores,6 “revisão sistemática é uma forma de síntese das informações disponíveis em dado momento, sobre um problema específico, de forma objetiva e reproduzível, por meio de mé-todo científico. Ela tem como princípios gerais a exaustão na busca dos estudos analisados, a seleção justificada dos estudos por critérios de inclusão e exclusão explícitos e a avaliação da qualidade me-todológica, podendo quantificar o efeito dos trata-mentos por meio de técnicas estatísticas”.

Pádula e colaboradores7 apontam três característi-cas fundamentais para que uma revisão sistemáti-ca da literatura seja considerada de boa qualidade. Primeiramente deve-se reunir toda a evidência dis-ponível até o momento mais recente. Em segundo lugar, deve-se avaliar a qualidade dos estudos indivi-dualmente e, finalmente, em terceiro lugar, devem--se resumir os resultados dos estudos encontrados. Nos casos em que a revisão sistemática da literatura não apresente as três características citadas, reco-menda-se cautela na interpretação dos resultados, pois estes podem apresentar distorções da realidade.

No modelo da prática baseada em evidências, existe uma escala de avaliação da força de evidência cientí-fica. Tal escala é frequentemente chamada de “pirâ-mide de evidência”, e a revisão sistemática da litera-tura se encontra em seu topo, junto às metanálises. Esta posição privilegiada reflete o grau de confiança dos resultados das revisões sistemáticas e metanáli-ses, fato que se relaciona diretamente com a quali-dade metodológica desses dois tipos de estudos. De outro lado, do ponto de vista da prática baseada em evidência, a revisão narrativa, por apresentar grau de confiança reduzido – característica inerente ao próprio método dessa revisão –, muitas vezes não é considerada na pirâmide de evidência ou, quando considerada, se localiza nos estratos mais próximos à base da pirâmide, posição que corresponde a estu-dos de baixo grau de confiança.8

A revisão narrativa consiste na elaboração de uma ampla análise sobre um tema, em virtude de

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Artigo DE rEViSÃo

106 • Brasília Med 2012;49(2):104-110

apresentar a discussão de dados à luz de uma te-oria ou de um contexto, como também para inte-grar visões de campos de pesquisa independentes.9 Geralmente não descreve explicitamente os proce-dimentos e critérios utilizados nas estratégias de busca, na seleção ou análise dos estudos incluídos na pesquisa, o que dificulta a avaliação e a reprodu-tibilidade dos trabalhos desenvolvidos, impossibili-tando a aplicação dos resultados na prática clínica.8

Sendo assim, a revisão sistemática da literatura constitui um tipo de delineamento metodológico que reúne estudos primários e sintetiza rigorosa e amplamente todas as pesquisas disponíveis sobre um tópico particular, e todo o processo ocorre com o cuidado de evitar vieses que possam favorecer conclusões errôneas.2 Além de uma questão clara, a revisão sistemática da literatura realiza e descreve explicitamente as fontes de dados consultados, as estratégias de busca – palavras-chave utilizadas e combinadas –, o critério de seleção dos estudos, o critério de avaliação dos estudos incluídos e a sín-tese dos dados colhidos, podendo também ser de-senvolvida como metanálise.10

Metanálise é o método estatístico que combina a evidência de dois ou mais estudos originais. Assim, a revisão sistemática da literatura pode ser condu-zida com metanálise ou não. Nesse tipo de estudos, são utilizados os dados da revisão sistemática da literatura, porém estes são submetidos à análise es-tatística. Portanto, o delineamento experimental, as hipóteses dos estudos originais e os resultados devem ser similares para que seja criada uma base de dados homogêneos, que permita, desse modo, a análise estatística, procedimento que configura a chamada revisão sistemática da literatura com metanálise ou simplesmente metanálise.11

Diante do exposto, a revisão sistemática da litera-tura permite a produção de evidências científicas, pois declara sistematicamente as etapas de sua condução, além de incluir momentos de validação do processo de sua execução.

O presente artigo tem como objetivo apresentar, de modo esquemático, porém detalhado, as princi-pais etapas para a realização da revisão sistemática

da literatura segundo a experiência dos pesquisa-dores do Grupo de Estudos de Revisão Sistemática da Literatura (GERSL), do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

MÉTODO

Etapas para realização da revisão sistemática da literatura.

1) Definição do tema. A primeira etapa para a re-alização da revisão sistemática da literatura é a definição do tema de interesse. Para isso, é neces-sário entrar em contato com o assunto por meio de leituras e entrevistas exploratórias dos estudos preexistentes. A leitura exploratória pode ser reali-zada de várias maneiras, ou seja, busca genérica nas bases de dados científicos (Pubmed, Embase, SciELO, Medline entre outras), ferramentas de bus-ca na internet (Google, Bing, Yahoo) bem como em material bibliográfico chamado de “literatura cin-za”, que inclui livros, anais de congressos e outras fontes. Outra forma de investigar o tema de inte-resse são as entrevistas exploratórias com docentes e investigadores especializados no tema de interesse. Os especialistas podem auxiliar ampliando o olhar sobre o campo, na medida em que fornecem infor-mações sobre o universo a ser pesquisado, expondo os resultados, procedimentos, problemas e vieses a serem evitados.12 A exploração do tema de interesse tem como propósito verificar sua relevância, bem como identificar se há necessidade da realização da revisão sistemática da literatura. Nesse momento, o pesquisador será capaz de identificar o mérito do seu trabalho com base nas seguintes premissas: (a) O tema já foi estudado? O fato de o tópico já ter sido estudado é um indício favorável para a ela-boração da revisão sistemática da literatura, pois revela que há material disponível a ser revisado, ou seja, há estudos primários que já foram condu-zidos e publicados, fato que possibilita a síntese das evidências e atende ao princípio básico da revisão sistemática da literatura; (b) já existem revisões sistemáticas da literatura atuais sobre o tema de interesse? Em caso positivo, deve-se analisar sua qualidade metodológica. Caso a revisão sistemática

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da literatura em questão seja reconhecida pela co-munidade científica como um estudo que oferece evidências suficientemente fortes e que apresente a compilação de estudos primários reconhecidos como de alto grau de confiabilidade,13 não há ne-cessidade de conduzir nova revisão. Entretanto, do contrário, configura-se a necessidade de realização da revisão sistemática da literatura. A qualidade dos estudos primários a serem incluídos na revisão sistemática da literatura reflete-se diretamente na qualidade dessa revisão. Desse modo, vários crité-rios podem ser adotados para a avaliação do rigor metodológico dos estudos primários, tais como a escala Jadad.14,15

2) Formulação da pergunta de pesquisa. É impor-tante ressaltar que a formulação da pergunta de pesquisa representa um passo fundamental na construção da revisão sistemática da literatura, uma vez que orientará todo o processo de busca do material relacionado ao tema proposto. Não há uma ordem ou um caminho específico a ser segui-do, ou seja, o pesquisador decide se primeiramente formula a pergunta e, em seguida, avalia os atri-butos do material encontrado (busca explorató-ria), verificando se esse material permite resposta satisfatória à questão estabelecida ou se realiza o processo inverso. No primeiro caso, a pergunta emerge da leitura do conteúdo resultante da bus-ca exploratória e, no segundo caso, o pesquisador propõe uma pergunta e parte para realizar a busca.

3) Elaboração do delineamento de pesquisa. Essa eta-pa consiste na elaboração do delineamento da re-visão sistemática da literatura, ou seja, trata-se do delineamento da metodologia a ser adotada para responder à pergunta de pesquisa. O pesquisador deverá identificar e selecionar as bases de dados disponíveis sobre o tema. Esta seleção tem o propó-sito de eleger as fontes de pesquisa mais adequadas ao objetivo da revisão sistemática da literatura. É necessário determinar as palavras-chave, conside-rando-se a pergunta inicial e o tema da pesquisa. Ressalta-se que elas podem estar denominadas de formas diferentes nas diversas bases de dados, sendo imprescindível a adoção de termos que permitam a recuperação do maior número possível de material. Nesse contexto, a Biblioteca Virtual de Saúde (BVS)

oferece o uso dos Descritores em Ciências da Saúde (DecS) e o Pubmed, do mesmo modo, apresenta o Medical Subject Headings (MESH). As estratégias de busca do material variam de acordo com as bases de dados escolhidas, por isso é necessário dominar a interface da(s) base(s) em que se pretende recuperar o material, pois, elas apresentam recursos distintos para realização das buscas. Outro procedimento im-portante é o estabelecimento dos critérios para se-leção do material a ser considerado na revisão siste-mática da literatura, que determinam a inclusão ou exclusão dos estudos em virtude da coerência com relação à pergunta da pesquisa. Desse modo, pode--se, incluir ou excluir estudos, material ou dados de acordo com o método empregado como, por exem-plo, a inclusão apenas de estudos clínicos controla-dos randomizados.

4) Condução de buscas independentes. Considera-se busca independente o levantamento executado nas bases de dados por dois ou mais pesquisadores distintos. Tal procedimento visa a conferir melhor qualidade à revisão sistemática da literatura, pois cada pesquisador deve realizar buscas individu-ais segundo as estratégias delineadas no item 3. Ressalta-se que esse é o primeiro momento de va-lidação do material encontrado, sendo, portanto, a fase de produção de listas independentes que con-têm título e resumo do material identificado.

5) Identificação dos achados. De posse das listas os pesquisadores farão a comparação entre seus acha-dos e, havendo concordância, passa-se para a etapa 6. Caso haja discordância, é necessária uma reunião de consenso, procedimento que consiste na leitura de todo material levantado pelos pesquisadores no intuito de verificar e eliminar as diferenças. Nesse contexto, o consenso é obtido quando os pesquisa-dores entram em um acordo referente ao material selecionado, produzindo uma lista única, que re-presenta o universo dos achados a serem estuda-dos, porém, ainda de forma genérica.

6) Aplicação dos critérios de seleção dos achados e justificação das possíveis exclusões. A partir do es-tabelecimento de uma lista única os pesquisadores aplicarão os critérios de inclusão e exclusão que foram constituídos na etapa 3.

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7) Avaliações independentes dos textos completos. Esta etapa representa o segundo momento de vali-dação dos achados, em que os pesquisadores farão uma nova reunião de consenso sobre os conteúdos a serem incluídos e excluídos, com produção de uma lista definitiva. É importante ressaltar que a partir dessa etapa trabalha-se com textos completos, de forma que os pesquisadores farão a leitura integral dos textos considerados para a revisão sistemática da literatura, visando-se a verificar a adequação do material à pergunta que será respondida.

8) Análise crítica e avaliação dos estudos incluídos na revisão sistemática da literatura. Nesta etapa, os pesquisadores analisarão se os métodos utiliza-dos, os resultados obtidos e as conclusões relata-das atendem aos objetivos propostos pelos estudos incluídos. Ressalta-se que os pesquisadores nesse momento podem deliberar novas exclusões a fim de obter o fechamento do universo de dados a se-rem trabalhados. A análise crítica tem como obje-tivo verificar a qualidade metodológica dos estudos incluídos e compará-la com os níveis de evidência científica. Visando-se à excelência na elaboração da revisão sistemática da literatura, sugere-se a aplica-ção do Critical Appraisal Skills Programme (CASP) para avaliar a qualidade do material considerado. O CASP é um instrumento desenvolvido pela Public Health Resource Unit da Inglaterra para auxiliar na inter-pretação da melhor evidência disponível com base em pesquisas conduzidas e publicadas no campo da saúde.15 Em caso de revisão sistemática da literatura composta de estudos puramente clínicos, sugere-se a classificação dos achados de acordo com os graus de evidências científicas mais frequentemente reco-nhecidos e respeitados pela comunidade científica, como, Levels of Evidence by Centre for Evidence Based

Medicine,16 GRADE.17 Como citado anteriormente, além da classificação e análise por meio dos níveis de evidência, pode-se avaliar a qualidade individual dos estudos considerados na revisão sistemática da literatura por meio da Escala Jadad.14,15 É importan-te destacar que cada área do conhecimento define o que é evidência de acordo com pressupostos ou critérios específicos.18

9) Extração e organização dos achados. Para realizar a extração dos dados é necessária a releitura na ín-tegra do material definitivamente incluído, a fim de conhecer o universo de informações publicadas, visando-se a organizar os achados para responder a pergunta da revisão sistemática da literatura. Uma forma de organização dos dados é a construção de planilhas compostas das categorias (pré-concebi-das ou que emergem dos achados), que podem ser organizadas com base no ano de publicação do ma-terial, nos autores, na instituição onde o estudo foi conduzido, no objetivo dos estudos, nas caracterís-ticas metodológicas empreendidas, nos principais desfechos, nas peculiaridades e em outros eventos.

10) Análise, interpretação e discussão dos achados. Com base nas categorias estabelecidas e das plani-lhas construídas, os achados são analisados, inter-pretados e discutidos, do ponto de vista quantitativo, com análises estatísticas e gráficos e ou qualitativo, com desfechos clínicos, locais de publicação, insti-tuições, periódicos de publicação e outros.

11) Relatório final e publicação. Após o cumprimen-to de todas as etapas da revisão sistemática da lite-ratura, um relatório final é elaborado, podendo ser publicado nos periódicos de divulgação científica.

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RESULTADOS

Figura. Fluxograma do processo de revisão sistemática da literatura (RSL)

Definir o tema de interesse

Primeiro teste de relevância: existe a necessidade de fazer esta RSL?

Formulação da pergunta de pesquisa

Produção de duas listas independentes contendo título e resumo dos materiais identificados

Conduzir duas buscas independentes nas bases dedados escolhidas a partir das estratégias de busca

Comparar as listas e as classificaçõeselaboradas pelos dois pesquisadores

Reunião de consenso sobre asestratégias de busca e seus achados

Elaboração do desenho da RSL: identificação e seleção das bases de dados disponíveis sobre o tema; definiçãodas palavras-chave e das estratégias de busca; estabelecimento dos critérios para a seleção do material

Avaliações independentes do material(textos na íntegra)

Reunião de consenso

Exclusão Inclusão / Aceitação preliminar

Exclusão Inclusão / Aceitação definitiva

Analisar criticamente e avaliar todos os achados incluídos

Seleção e organização dos achados

Relatório final e publicação

Análise, interpretação e discussão dos achados

Aplicar os critérios de seleção e justificar possíveis exclusões

ConcordânciaConcordância

Pesquisador 2Pesquisador 1

Pesquisador 2Pesquisador 1

Pesquisador 2Pesquisador 1

Quando já existe RSL recente, atualizada, de qualidade satisfatóriae quando não há estudos primários sobre o tema de interesse

Quando não existe RSL recente, atualizada, de qualidade satisfatóriae quando há estudos primários sobre o tema de interesse

1ª etapa

2ª etapa

3ª etapa

4ª etapa

5ª etapa

6ª etapa

7ª etapa

8ª etapa

9ª etapa

10ª etapa

11ª etapa

SimNão

Entrar em contato com o tema por meio de leituras e entrevistas exploratórias

Discordância DiscordânciaDiscordância Discordância

ConcordânciaConcordância

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo relata as principais etapas para a realização da revisão sistemática da lite-ratura segundo a experiência dos pesquisado-res do Grupo de Estudos de Revisão Sistemática da Literatura (GERSL), que está inserido no Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Tendo em vista que as revisões sistemáticas da literatura têm sido a principal fonte de informa-ção para adoção da prática baseada em evidências e que são escassas as publicações nacionais que orientem o processo de sua elaboração, o GERSL/Lapacis tem se dedicado ao desenvolvimento de revisão sistemática da literatura e à sistematiza-ção das suas etapas.

Considera-se que este delineamento de estudo pro-picia conhecimento preciso, ou seja, sistematizado e fundamentado em critérios rigorosos e método consistente, além de momentos de validação inter-na durante sua execução e, por isso, é de extrema relevância no direcionamento da prática funda-mentada em conhecimento científico.

Agradecimento. À Cristiane Spadacio, doutoran-da em Saúde Coletiva na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, pelas contribuições e pelo auxílio na revisão da versão final do manuscrito.

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Aplicabilidade da educação a distância na educação médica continuada

Kleyton de Carvalho Mesquita, Josenilson Antônio da Silva e Ana Carolina de Souza Machado Igreja

RESUMO

A educação a distância surgiu no século XIX, desti-nada às classes populares menos favorecidas. Com o surgimento da internet e o avanço da informáti-ca, esse modelo de ensino pôde ser aperfeiçoado e utilizado para cursos de ensino técnico, superior e mesmo de pós-graduação. Segundo muitos auto-res, a educação a distância alcançou eficácia igual ou superior ao ensino presencial na educação de adultos. O extraordinário avanço do conhecimen-to na área médica nas últimas décadas representa um desafio para esses profissionais, que necessitam manter seus conhecimentos sincronizados com as novas descobertas. Para tal, torna-se necessária a capacidade autônoma de aprendizado. A Educação Médica a Distância é uma inovação em crescimento que promete ser cada vez mais considerada pela classe médica na procura por cursos de atualização. O presente artigo objetiva discutir a aplicabilidade da Educação Médica a Distância, as particularida-des desse tipo de ensino e os desafios ainda pre-sentes em sua implementação por meio de revisão qualitativa nos idiomas português e inglês nas ba-ses de dados Medline, SciELO e PubMed, sem limi-tes para data de publicação.

Palavras-chave. Educação continuada; educação médica; educação médica continuada; educação em saúde; educação a distância

ABSTRACT

Applicability of distance learning in continuing medical education

Distance learning emerged in the 19th century and it targeted underprivileged classes. With the advent of the Internet and the advancement of computer technology,

Trabalho realizado na Universidade de Brasília

Kleyton de Carvalho Mesquita – médico dermatologista, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasil

Josenilson Antônio da Silva – médico, Universidade Católica de Brasília, Distrito Federal, Brasil

Ana Carolina de Souza Machado Igreja – médica-residente em Dermatologia, Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasil

Correspondência: Kleyton de Carvalho Mesquita. QE 34, con-junto P, casa 25, Guará II, CEP 71065-162, Brasília-DF. Telefone: 61 8445-4353.

Internet: [email protected]

Recebido em 10-5-2012. Aceito em 15-6-2012.

Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.

this teaching model could be perfected and applied in technical education, graduation and even postgradua-tion courses. According to many authors, distance learn-ing is now equally or even more efficient than face-to-face learning in adult education. The extraordinary and continuous advances in medicine over the past decades represent a constant challenge to physicians, who need to keep up with the new discoveries. To this end, an au-tonomous capacity of independent learning is required. Distance Medical Education is a growing innovative field

EdUCAçãO MédICA

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EDUCAÇÃO MÉDICA

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with an unlimited potencial for growth fueled by an ex-ponential demand for continuing learning by health care professionals. This article discusses the applica-bility of Distance Medical Education, its particularities and implementation challenges. A qualitative review of Portugueses and English articles was done on Medline, SciELO and PubMed database without a set publication date.

Key words. Continuing education; medical education; continuing medical education; health education; dis-tance learning.

INTROdUçãO

Poucas áreas do conhecimento obtiveram ta-manho avanço nas últimas décadas como a Medicina. As verdades médicas são mutáveis, e o profissional de saúde precisa estar em constante renovação a fim de manter seus conhecimentos atualizados. Diante das cargas horárias de tra-balho crescentes e do mercado que desvaloriza progressivamente o setor saúde, os profissionais encontram dificuldades financeiras e temporais para frequentar cursos de atualização. Em meio a esse cenário, surge a educação a distância, pro-pulsionada pelos avanços tecnológicos na área da informática.

A internet fornece meios de disseminar cursos de Educação Médica a Distância. Tais cursos têm se mostrado eficazes para a atualização e treina-mento médicos. Vantagens dos cursos baseados na internet incluem flexibilidade, adaptabilida-de aos estilos de aprendizado, interatividade e acesso a alunos geograficamente dispersos e co-municação entre alunos e educadores.1,2 Quando desenvolvidos de forma adequada, os cursos a distância podem resultar em ganhos de conheci-mento iguais ou superiores aos métodos de ensi-no tradicionais.3

É notória a escassez de publicações sobre o tema. O presente artigo visa à discussão da importân-cia, da aplicabilidade e das dificuldades da edu-cação a distância, aplicada no campo médico do conhecimento.

A REvOlUçãO dA inTeRneT NA EdUCAçãO MédICA

A revolução na educação médica promovida pela internet pode ser considerada um divisor de eras, tornando cada vez mais amplas a sofisticação e a complexidade dos recursos disponíveis. O poten-cial educacional da internet se manifesta em uma multiplicidade de áreas e processos. Um grande im-pacto ocorreu na disponibilização de informações, por intermédio das publicações eletrônicas e dos sites especializados. O papel e a tinta cedem pro-gressivamente seu espaço aos bits.4,5

Exemplo inquestionável da ampla disponibilida-de bibliográfica virtual é a tradicional fonte de informações científicas médicas contida no Index Medicus, da National Library of Medicine dos Estados Unidos da América, disponível gratuitamente desde 1972. A pesquisa por palavras-chave dura segundos, e a maioria dos artigos tem o resumo disponível em inglês. Essa base de dados on-line, chamada Medline, é um recurso precioso para a classe médica.4

Dessa forma, a internet abriu portas para surpre-endentes possibilidades, levando educadores ao redor do mundo a repensar a natureza do ensino e da aprendizagem médica.6

O uso de redes informatizadas possibilita que os profissionais e as equipes de saúde, sem necessida-de de se afastarem dos serviços, participem de um processo de contínua aprendizagem, seja individu-al ou coletiva. Um programa de educação a distân-cia em saúde deve ser compreendido como novo paradigma para a organização social de um campo de conhecimentos e práticas, com perspectivas de formação continuada e intercâmbios de experiên-cias. Configura-se, assim, como um espaço aberto e flexível, permitindo a participação ativa de todos os seus integrantes.

Quando se fala em profissionais de saúde, a pos-sibilidade de desenvolver um processo educativo e materiais que possibilitem ao aprendiz traba-lhar no próprio ritmo e de acordo com seu estilo de aprendizagem é um grande atrativo, uma vez

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que se está lidando com uma população de adul-tos, comprometidos com o mercado de trabalho. É fundamental ressaltar a importância do espaço so-cial da aprendizagem como elemento do processo de construção do conhecimento. São importantes, portanto, a interação, o diálogo educacional e o in-tercâmbio de ideias e experiências entre todos os atores da atividade educativa.7

A RENOvAçãO dO CONhECIMENTO NO SETOR SAúdE E A IMpORTâNCIA dA EdUCAçãO MédICA CONTINUAdA

O setor saúde enfrenta mudanças constantes e de-ve estar preparado para acompanhar produtiva-mente o acelerado avanço científico e tecnológico da sociedade contemporânea. Nesse sentido, o pro-cesso educativo, ao integrar ensino, investigação e prática, torna-se elemento estratégico.7

Sabbatini (1998) relatou dados que instigam re-flexão acerca da importância da educação médi-ca continuada, ou seja, o volume de informações médicas publicadas em papel duplica a cada qua-tro anos e meio; o volume de informações mé-dicas publicadas na internet duplica a cada seis meses; cerca de 50% do conhecimento médico – principalmente sobre novas terapias – tornam-se obsoletos após três a quatro anos depois que o médico se forma.4

Essa espantosa renovação do conhecimento al-cançada nas últimas décadas tornou compulsórios aos profissionais médicos atualização e estudo constantes. A solução para esse trabalho de Sísifo é uma ininterrupta educação médica continua-da. Para tal, o médico precisa tornar-se capaz de aprendizado autônomo.4,6

A Educação Médica a Distância atinge potencial-mente profissionais que, por restrições econô-micas, geográficas ou financeiras, não podem participar de eventos científicos, congressos nacionais ou internacionais. Além disso, pode contribuir para que a excelência de diversos centros de ensino e pesquisa possa alcançar regiões distantes do País, descentralizando e

universalizando o acesso ao conhecimento e à produção científica.8

Pesquisas mostram que os profissionais de saúde têm dificuldades práticas em realizar os cursos que julgam necessários para atualização e aper-feiçoamento profissional, sob a justificativa, na maioria dos casos, de indisponibilidade de tempo.9 É igualmente bem conhecida a distribuição irre-gular de médicos no território brasileiro, que con-centra profissionais na Região Sul e Região Sudeste. Naturalmente, os cursos presenciais de especiali-zação concentram-se nessas regiões, configurando um fator limitante à classe médica para atualizar seus conhecimentos.

Novas abordagens para a educação e formação são, portanto, necessárias.10 Uma opção que se encaixa primorosamente no molde autônomo de aprendizado é a educação on-line. No Brasil, ain-da são poucas as iniciativas do gênero, mas estão crescendo.4 A procura por esses cursos encontra--se em franca expansão.

Ademais, as cobranças formais para a educação mé-dica continuada estão aumentando. Atualmente, a Associação Médica Brasileira exige comprovação dessa modalidade de educação como por meio de participação em congressos e cursos credenciados para renovação de títulos de especialistas.4

hISTóRIA dA EdUCAçãO A dISTâNCIA NO BRASIl

A educação a distância é tão antiga quantos os correios.8 A forma inicial de oferta dos cursos a distância era a correspondência e tinha como fi-nalidade ampliar a oferta de oportunidades edu-cacionais, permitindo que as camadas sociais mais pobres pudessem participar do sistema formal de ensino, sobretudo da educação básica, uma vez que as preocupações iniciais da educação a dis-tância estavam focadas nesse nível de ensino e em cursos preparatórios para o trabalho.

A exemplo do que acontece nos dias atuais, as iniciativas de educação a distância eram tidas

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como de baixo nível, sofriam preconceitos e ti-nham o estigma de ser um ensino destinado à população marginalizada.

Os avanços tecnológicos, sobretudo o desenvolvi-mento da internet, tornaram mais visíveis as pos-sibilidades do desenvolvimento e da aplicação da educação a distância, favorecendo, ainda no perí-odo final do século XIX e no início do século XX, a multiplicação de iniciativas em países da Europa, África e América. Países como Suécia, Inglaterra, França, Canadá, Estados Unidos e mais recente-mente o Brasil são considerados grandes propul-sores da metodologia da educação a distância.

A entrada do século XXI deu início a uma era de am-plos debates sobre essa modalidade, muito embora uma parte significativa da comunidade educacional continue considerando-a como modalidade dimi-nuída de ensino e sem qualidade suficiente para ser equiparada à educação presencial. O Ministério da Educação tem dedicado atenção a essa forma de ensino e vem publicando uma série de portarias normativas que estão servindo de fonte legal para demarcar os espaços, as formas de atuação das ins-tituições e as características dos cursos.11

EfICáCIA, qUAlIfICAçãO, CREdIBIlIdAdE E CUSTO-BENEfíCIO dA EdUCAçãO MédICA A dISTâNCIA

Um fator crítico para o estabelecimento de um programa on-line de Educação Médica a Distância diz respeito à qualidade e credibilidade técnica dos conteúdos. São necessários o estabelecimento de regras e fiscalização para esses cursos para que não sejam mais vistos com desconfiança pelos mé-dicos. Em outros países, tais como Estados Unidos e Inglaterra, as associações médicas regulamen-tam e funcionam como entidades acreditadoras de qualidade para os cursos de Educação Médica a Distância. Os programas de garantia de qualida-de, certificação e acreditação estão em expansão.8

Pesquisadores têm enfatizado a necessidade de padrões de qualidade para assegurar e proteger a integridade acadêmica do ensino on-line.10,12

Revisões sistemáticas e duas metanálises compara-ram a eficácia e a utilidade da educação por meio da internet com métodos convencionais de ensino.13-15 Algumas questões principais são enfrentadas pelos pesquisadores nesse campo: Trabalhos de educação médica baseados na internet funcionam? Se sim, a eficácia é comparável com o ensino convencional? Como podem seu impacto e custo-efetividade ser maximizado?

Em sua metanálise, Cook e colaboradores avaliaram a eficácia da Educação Médica a Distância e con-cluíram que, em média, formatos de internet foram equivalentes a formatos não internet em termos de satisfação do aluno, evolução dos conhecimentos, habilidades e comportamento.15

Schopf e Flytkjaer avaliaram os benefícios al-cançados entre médicos e enfermeiros após um curso on-line sobre eczema atópico na Noruega. O curso alcançou igual satisfação entre os partici-pantes. O custo de desenvolvimento do curso foi aproximadamente 126 mil dólares, e a economia dos alunos em despesas com viagem foi cerca de 80 mil dólares.16 Os gastos com viagens, portan-to, corresponderam a mais da metade dos cus-tos de desenvolvimento do curso. Naquele país, médicos generalistas obtêm reembolso de custos da viagem e hotel quando frequentam cursos de educação médica continuada.17 Apesar de não ser realidade em nosso país, esses números confir-mam a viabilidade financeira do desenvolvimen-to desses cursos.

Avaliações econômicas de Educação Médica a Distância são raras.18 Em um estudo realizado por Walsh, o aprendizado on-line mostrou-se mais cus-to-efetivo em comparação aos métodos tradicio-nais de aprendizagem para clínicos gerais.19

Diversos estudos internacionais vêm relatando que intervenções educacionais melhoram não só o de-sempenho dos médicos, mas também os desfechos clínicos.8,20 A maior parte das publicações nessa área, entretanto, carece de método adequado. As consequências são resultados genéricos e exagera-damente otimistas.

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Kleyton de Carvalho Mesquita e cols. • Educação a distância na educação médica

pARTICUlARIdAdES dA EdUCAçãO A dISTâNCIA

O modelo educacional classicamente utilizado nas universidades e nos centros de ensino permane-ceu estático e resistente a mudanças por muitas décadas. Muitos professores se configuram como detentores maiores do conhecimento e utilizam abordagens educacionais tradicionais, sem inová--las, conservam o aprendizado centralizado em sua figura, mantendo-os como controladores e agentes de todo o processo instrucional.6 Tal modelo torna--se cada vez mais anacrônico e mostra-se ineficaz diante das novas realidades do mercado de traba-lho e do progresso do conhecimento.

O surgimento de novas tecnologias propulsiona a mudança gradativa do foco do sistema educa-cional, desloca-o do ensino reproducionista para o construcionista. Tal estratégia de intervenção educacional promove aperfeiçoamento e mudan-ças das práticas clínicas. O conhecimento passa, então, a ser considerado como ação e comuni-cação construídas socialmente envolvendo os aprendizes. Em tal cenário, o professor passa a ser visto como um facilitador do aprendizado, em vez de ser seu condutor único.6,20-22

Uma outra característica do modelo da educação a distância é a transição da pedagogia (a arte de en-sinar, centrada no professor) para a andragogia (a arte de ajudar o adulto a aprender), mais adequa-da para a educação de adultos.22 O clássico modelo de ensino reproducionista conduz à passividade e à superficialidade, assim como à falta de criativi-dade, curiosidade e compreensão sobre os fenô-menos e experiências vivenciados. É fundamental que sejamos capazes de vencer os atuais desafios da educação permanente em saúde, compartilhan-do e tornando acessível o conhecimento científico e preparando os profissionais para o aprendizado contínuo ao longo de suas vidas.7

Embora comunicações sincrônicas e assincrônicas coexistam na educação a distância, existe predo-mínio das tecnologias assincrônicas. Tecnologias sincrônicas promovem interação em tempo real

entre professores e alunos. Os chats (salas de ba-te-papo eletrônico) e as videoconferências inte-rativas são bons exemplos. São tecnologias mais complexas e que limitam o aluno e o professor, tanto no tempo (data e hora marcadas), quanto no tamanho da classe. Já tecnologias assincrônicas, como fóruns, permitem que o aluno progrida ao seu próprio ritmo e recorra ao professor somente quando necessário.6 A comunicação assincrônica independe do tempo e do lugar onde se encon-tram os atores do processo, tornando-se interes-sante para alunos adultos que têm compromisso com o mercado de trabalho.

A implementação da educação por meio da web per-mite acesso estruturado a recursos de multimídia. A ampla gama de recursos oferecidos on-line com-preende artigos, revistas e livros eletrônicos, sites da web, vídeos digitais, programas de informática, simulações clínicas e questionários interativos.

A educação a distância propicia variadas possibili-dades de estudo e atende às diferentes formas de aprender. Entretanto, a preocupação quanto à abor-dagem educacional é fundamental, visto que recur-sos tecnológicos não garantem o aprendizado per se. Os principais elementos-chave da educação a distân-cia encontram-se sumarizados na tabela.10,11,23,24

Tabela. Características da educação a distância

ElEMENTOS-ChAvE dOS pROCESSOS EdUCACIONAIS A dISTâNCIA10,11,23,24

Distância física entre professores e alunos

Utilização da multimídia (sonora, audiovisual,iconográfica) no processo educacional

Centrado no aluno e não no professor

Oferta de informações estruturadas e otimizadas

Facilitação do autoaprendizado

Interatividade e flexibilidade

Comunicação bidirecional e assincrônicaentre professores e alunos

Comprometimento e motivação do aluno

Individualização do ritmo de aprendizado

Conteúdo direcionado às necessidades específicas

Aprendizes vistos como indivíduos,em lugar de grupos de alunos

Avaliação do aluno presencial ou a distância

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EDUCAÇÃO MÉDICA

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CRíTICAS À EdUCAçãO MédICA A dISTâNCIA

Apesar de sua importância, a Educação Médica a Distância apresenta numerosos questionamen-tos. Sabe-se que no Brasil as escolas médicas e os hospitais de ensino dedicam pouca atenção a essa modalidade, e o investimento para a atualização dos profissionais parece escasso.25 Nesse cenário, o espaço para a Educação Médica a Distância está frequentemente vinculado a investimentos de in-dústrias farmacêuticas ou de equipamentos, uma vez que carece de políticas públicas, planejamen-to e investimento governamental direcionados a um programa adequado, ágil e confiável de for-mação continuada aos profissionais médicos.25,26 Perterson mostrou que o número de ações em educação médica continuada oferecido por uni-versidades era menor que o oferecido por sites comerciais, e muitos não atendiam aos padrões mínimos de qualidade.26

Sklar, em uma análise de trezentos sites de educa-ção médica continuada, relata que grande parte das atividades presentes baseia-se em concepções tradicionais de educação, e a maioria dos partici-pantes não aproveita a oportunidade oferecida pe-lo sistema em oferecer múltiplas possibilidades de aprendizado e interação entre os membros. Relata também que os objetivos das atividades nem sem-pre estavam claros e que o professor persiste como figura central responsável pela condução dos mé-todos interativos.26

Nota-se que muitos docentes, especialistas na área da saúde, priorizam a qualidade estética e sofistica-ção tecnológica na Educação Médica a Distância e dedicam pouca atenção aos aspectos pedagógicos, tais como a seleção de métodos de ensino que pro-voquem situações de aprendizagem significativa, reflexiva e crítica. Parte dessa carência pode ser explicada pela falta de formação específica des-ses profissionais para a atividade educativa e pela íntima familiaridade com o modelo tradicional de ensino, ainda em vigor.25

CONClUSÕES

Encontramo-nos às portas de uma nova era na edu-cação médica. As novas tecnologias assinalam um abalo nas velhas estruturas do ensino.5 A velocida-de com a qual os conhecimentos em saúde se tor-nam obsoletos é crescente, bem como o contínuo e galopante progresso das ciências médicas, que se perpetuarão nas décadas seguintes. Esse acelerado desenvolvimento tecnológico impulsiona o desen-volvimento da educação a distância, tendo em vista a necessidade de oportunidades flexíveis que ofe-reçam atualização do conhecimento médico.4,10,11

As gerações presentes já vivenciam o impacto da uti-lização da internet na educação permanente. É funda-mental construir um saber que disponha essas inova-ções a serviço do desenvolvimento intelectual e social dos indivíduos da nossa sociedade e da melhora da qualidade da atenção à saúde da população.7,27,28

Numerosas são as dificuldades da educação médica a distância, desde um investimento real para a qua-lidade dessa forma de ensino, melhores ações peda-gógicas que aproveitem a oportunidade oferecida pelas multimídias bem como uma formação médica para o ensino da Educação a Distância centrada não apenas no professor. Diante das dimensões territo-riais de nosso país, da concentração de recursos e conhecimento em regiões especificas, a educação médica a distância parece ser um mecanismo que, se bem planejado, poderia disseminar a excelên-cia de renomados centros de ensino pelo País, cuja aplicabilidade facilita o acesso ao conhecimento e ao aperfeiçoamento profissional daqueles que resi-dem em áreas distantes e cujas populações sofrem com a má qualidade da assistência à saúde.8

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ESTUDO DE CASO

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RESUMO

Embora relativamente incomum, a myasthenia gravis é a desordem autoimune mais prevalente da transmissão neuromuscular. Sua evolução em longo prazo não é afetada pela gestação, mas seu curso durante a gravidez é imprevisível. O quadro mais comum é de astenia e fadiga muscular, e o momento do parto é o ponto crítico da gestação. Os autores relatam o caso de uma paciente com myas-thenia gravis, admitida no Hospital Universitário de Brasília, que teve parto vaginal com analgesia. Também apresentam revisão bibliográfica sobre o manejo dessa condição clínica durante os períodos de gestação, parto e puerpério.

Palavras-chave. Miastenia gravis; gestação; trata-mento; complicações; anestesia; recém-nascido.

ABSTRACT

Myasthenia gravis and gestation: a case report and discussion on its management during pregnancy, delivery and puerperium

Although relatively uncommon, myasthenia gravis is the most prevalent autoimmune disorder of neuromus-cular transmission. The long-term outcomes of myasthe-nia gravis are not affected by pregnancy; however, the course of the disease is unpredictable during pregnancy. The cardinal features of myasthenia gravis are weakness and fatigability of skeletal muscles, and labor is the criti-cal moment of pregnancy in myasthenic women. The au-thors report the case of a patient with myasthenia gravis

Myasthenia gravis e gestação: relato de caso e discussão sobre manejo durante gravidez, parto e puerpério

Miriam da Silva Wanderley, Ana Carolina Samaan Werlang e Lívia Custódio Pereira

Miriam da Silva Wanderley – médica, professora adjunta, área de Ginecologia e Obstetrícia, Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil.

Ana Carolina Samaan Werlang – médica-residente de Ginecologia e Obstetrícia, Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil

Lívia Custódio Pereira – médica, Centro de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital Universitário de Brasília, Brasília-DF, Brasil

Correspondência: Miriam da Silva Wanderley. Hospital Universitário de Brasília, SGAN 605, avenida L2 Norte, CEP 70840-050, Brasília-DF. Telefones: 61 3448-5204 e 3448-5439.

Internet: [email protected]

Recebido em 29-1-2012. Aceito em 13-5-2012.

Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.

admitted to the University Hospital of Brasilia, who had a vaginal delivery with analgesia. The management of this disorder through pregnancy, labor and pospartum is to be discussed in this review.

Key words. Myasthenia gravis; pregnancy; treatment; complications; anesthesia; newborn

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Miriam da Silva Wanderley e cols. • Myasthenia gravis e gestação

INTRODUÇÃO

A myasthenia gravis é uma doença autoimune crô-nica, que acomete a placa motora dos músculos es-triados. É causada por anticorpos que atuam sobre os receptores colinérgicos (AchR) na porção pós--sináptica da junção neuromuscular, o que leva a um quadro de astenia e fatigabilidade flutuante de alguns grupos musculares, especialmente na face e nas extremidades.1,2

Em muitos casos, há primeiramente o envolvimen-to dos músculos oculares, o que se manifesta como diplopia e ptose palpebral.3 Pode posteriormente ocorrer progressão da doença com envolvimento dos músculos bulbares, ainda com o aparecimento de disartria, disfagia e voz nasal entre outros sin-tomas.4 Em 85% dos casos, há progressão generali-zada3 com acometimento de músculos proximais, como o tríceps e o quadríceps.4

A crise miastênica é caracterizada pela agressão aos músculos respiratórios e, daí, produz os dis-túrbios mais graves da doença deflagrados pela in-suficiência respiratória, podendo ser necessária a ventilação mecânica.3

O diagnóstico da enfermidade é baseado na avalia-ção clínica e em sua confirmação por meio de testes, como a prova da neostigmina e do edrofônio, além de eletroneuromiografia e detecção de autoanticor-pos séricos contra os receptores da acetilcolina.5

Acomete mais mulheres do que homens (3:2),4 com prevalência geral na população 1:20.000.1,6 É mais comum em mulheres jovens, desde a segunda à ter-ceira décadas de vida,6 coincidindo com o período de maior fertilidade e desejo de gestar. Não há estudos que estabeleçam comprovação de que as pacientes tenham sua fertilidade alterada pela miastenia.4

Vários fatores podem levar à exacerbação da doen-ça, tais como estresse físico e emocional, infecções, distúrbios da tireoide, cirurgias sob anestesia geral, administração de altas doses de corticosteroides ou a retirada abrupta desses medicamentos, além da gestação e do período pós-parto.1

O curso dessa miastenia durante a gravidez é im-previsível entretanto. Pode haver exacerbação, cri-se miastênica, remissão parcial ou total da doença, ou mesmo esta permanecer estável.5,7 A piora dos sintomas e sinais pode ocorrer em um terço dos ca-sos e, embora possível em qualquer período, ocorre geralmente no primeiro trimestre e nos primeiros trinta dias de puerpério.7

O curso clínico da doença durante uma gravidez não prediz o das gestações subsequentes, que pode ser completamente distinto do anterior.8 Além disso, a passagem transplacentária de imunoglobulinas G maternas – anticorpos antirreceptores de acetilcoli-na – pode levar, em 10% a 20% das gestações de mães miastênicas, à myasthenia gravis neonatal.2

Relata-se o caso de paciente gestante com esse dis-túrbio e abordam-se o efeito da gravidez sobre a doença e o manejo dessa condição clínica na gesta-ção, no parto e no puerpério.

RELATO DO CASO

Paciente de 30 anos de idade, secundigesta, com myasthenia gravis, fez acompanhamento pré-natal na rede pública do Distrito Federal até a 31.ª se-mana de gestação, quando foi encaminhada ao Hospital Universitário de Brasília para seguimento no ambulatório de acompanhamento pré-natal em gestação de alto risco, totalizando-se três consultas neste serviço.

A primeira gestação ocorreu havia seis anos, e o parto foi normal, pré-termo, sem intercorrências danosas. O recém-nascido pesou 3.000 g, e o diag-nóstico de myasthenia gravis ainda não havia sido realizado na ocasião. Negou história familiar da do-ença, antecedentes pessoais de hipertensão arterial e diabetes mellitus.

Foi feito o diagnóstico da doença havia três anos no serviço de neurologia de outro hospital. Desde então, fez acompanhamento clínico regular, com a doença sob controle. Negou alterações cardía-cas, tireoidianas ou pulmonares, dificuldade para

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deglutir ou mastigar. Foi submetida à timectomia havia dois anos.

Por apresentar glicemia de jejum discretamente elevada e cintura abdominal fetal acima do percen-til 90 à ultrassonografia obstétrica, foi internada na 33.ª semana de gestação. À investigação do diag-nóstico, mostrou perfil glicêmico e ultrassonogra-fia obstétrica dentro da normalidade.

Na 35.ª semana de gestação, foi novamente admitida na maternidade do Hospital Universitário de Brasília. Queixou-se de fraqueza generalizada e diminuição dos movimentos fetais havia uma semana. Estava em uso de prednisona, 125 mg em dias alternados, e piri-dostigmina 360 mg por dia havia três anos, prescritas por neurologista, cujas doses não haviam sido alte-radas por ocasião da gravidez. Porém, havia parado de tomar as medicações havia três dias por associar o uso dos medicamentos a náuseas.

Ao exame, apresentou paresia mímico-facial e força muscular globalmente diminuída. A cardio-tocografia basal mostrou padrão ativo e reativo, e a ultrassonografia obstétrica não revelou anorma-lidades. A medicação anteriormente utilizada foi reintroduzida pelo neurologista, com otimização criteriosa e gradativamente das doses.

No oitavo dia de internação hospitalar, com 36 se-manas e quatro dias de gestação, a paciente teve ro-tura espontânea de membrana amniótica, com saída de líquido claro. O quadro evoluiu com contrações uterinas regulares. A paciente foi levada à sala de parto com dilatação de três centímetros, colo 70% apagado e apresentação cefálica em plano -2 de De Lee. Instalado cateter peridural com infusão de bu-pivacaína e sulfentanil, sob monitorização cardíaca contínua e oximetria de pulso. Administrada neos-tigmine, 0,5 mg por via intravenosa cada três horas até o clampeamento do cordão umbilical.

O trabalho de parto evoluiu até haver dilatação total, ocorrida seis horas após a instalação do blo-queio peridural sob infusão contínua de ocitocina. A frequência cardíaca fetal se manteve sempre rítmica, dentro dos limites da normalidade, e o recém-nascido único, feminino, Apgar 8 e 9, pesou

3.700 g, Capurro 36 semanas. O período expulsivo durou dez minutos, com a paciente em posição de litotomia. O delivramento do pólo cefálico ocorreu espontaneamente, sendo necessária a realização de manobras para liberação das espáduas.

O quadro evoluiu bem, e a paciente teve recupera-ção pós-anestésica em regime de observação clíni-ca. Não houve exacerbação da miastenia durante o puerpério, a doente teve alta hospitalar no quarto dia pós-parto, com manutenção do mesmo esque-ma terapêutico reiniciado na internação. O recém--nascido e sua genitora tiveram alta hospitalar, com orientação de manter aleitamento materno exclusivo. Não houve sinais de miastenia neonatal.

DISCUSSÃO

A gravidez pode atuar de forma imprevisível so-bre o curso da myasthenia gravis. Em uma revisão de 322 gestações, em 225 mulheres miastênicas, fo-ram observadas exacerbação, remissão e nenhuma alteração da doença em 41%, 29% e 30% dos casos respectivamente.7 Além disso, uma vez que a taxa de mortalidade materna de mulheres miastênicas correlaciona-se inversamente à duração da doen-ça, recomenda-se que, depois do diagnóstico da do-ença, a gestação seja adiada por, pelo menos dois anos, uma vez que o risco de mortalidade materna é maior no primeiro ano da enfermidade e mínimo depois de sete anos desde seu início.5,9

As anormalidades tímicas podem estar associadas à myasthenia gravis, mas a real natureza dessa as-sociação permanece incerta. No entanto, parece haver correlação entre a timectomia e a remis-são ou a melhora do quadro da miastenia, embora não haja dados consistentes de estudos randomi-zados,10 e tem sido sugerido que pacientes timec-tomizadas apresentam menos exacerbação clínica durante a gravidez.11

No presente caso, a gestação ocorreu três anos após o diagnóstico da myasthenia gravis e dois anos após a timectomia. Não houve nenhuma modificação no comportamento clínico da doença durante a gravi-dez e não foi possível avaliar se a cirurgia prévia ou

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Miriam da Silva Wanderley e cols. • Myasthenia gravis e gestação

o tempo decorrido entre o diagnóstico e a gestação tiveram alguma influência sobre seu curso.

Embora as alterações fisiológicas que ocorrem na gravidez possam afetar o curso da myasthenia gra-vis, o tratamento da doença não deve ser diferente daquele oferecido às mulheres não grávidas.12

Os agentes inibidores da acetilcolinesterase são a primeira opção no tratamento da morbidade em tela, sendo a piridostigmina a droga de escolha. Não há protocolo fixo de tratamento para todos os doentes, mas um esquema inicial muito comum é de administração de 30 a 60 mg cada quatro a oi-to horas.4 Apesar de, durante a gestação, algumas vezes ser necessário o ajuste de dose devido ao au-mento da depuração renal, do volume sanguíneo materno e do esvaziamento gástrico mais lento,3 no caso relatado isso não foi preciso. Ademais, apesar de o medicamento alcançar facilmente a circulação fetal e se acumular no líquido amniótico, parece ser seguro na dose de 120 mg, por via oral, cada oito horas,4 que foi a usada pela paciente. Caso não se-jam obtidos os efeitos desejados, deve-se primeiro diminuir os intervalos entre as tomadas sem mo-dificar a dose total e, só depois, se persistirem os sintomas, aumentar as doses.4,12

Enquanto alguns imunossupressores como meto-trexate, ciclofosfamida e micofenolato mofetil são contraindicados na gravidez,1 os corticosteroides, a azatioprina e a ciclosporina devem ser evitados em pacientes com sintomas leves ou puramente ocula-res, porém são uma opção em indivíduos que não alcançam bom controle dos sintomas apenas com drogas anticolinesterásicas.5 Contudo, altas doses de ciclosporina e azatioprina têm sido associadas a abortamento espontâneo, parto pré-termo, baixo peso ao nascer e alterações cromossômicas e hema-tológicas.12-14 Fetos expostos à azatioprina têm risco aumentado à mielossupressão.15 Portanto, deve ser bem avaliada a relação entre o risco de continuar o uso desses medicamentos na gravidez e o benefício no controle dos sintomas da miastenia.3,12 Já a plas-maférese e as altas doses de imunoglobulinas por via intravenosa somente têm sido usadas nos casos de falha na terapia convencional e de crises mias-tênicas e, ainda assim, com resultados variáveis.15

A paciente em questão usou corticosteroide por longo período e à sua admissão no serviço rela-tou interrupção no uso desse medicamento havia três dias. Há relatos na literatura de que a para-da abrupta desses medicamentos, especialmente se em altas doses, como nesse caso, poderia levar à exacerbação dos sintomas e até precipitar uma crise miastênica, razão pela qual a medicação foi reintroduzida.5 Aparentemente não há aumento do risco de teratogenicidade com essa droga, particu-larmente a prednisona, que é a mais usada,3,5 com exceção de discreto aumento na incidência de lábio leporino e palato fendido,8 mas recomenda-se que seja mantida a menor dose terapêutica durante a gestação e no período pós-parto.3,5

Além disso, a paciente com doença hipertensiva es-pecífica da gestação em uso de altas doses de cor-ticosteroide tem risco elevado de desenvolver ede-ma pulmonar, uma vez que esses medicamentos podem aumentar a retenção de líquidos.3 Também não se pode esquecer que há frequentemente dimi-nuição do débito urinário nas pacientes com doen-ça hipertensiva específica da gestação, podendo ser necessário alterar a dose do medicamento em uso a fim de evitar toxicidade.3,12

Apesar de não ter sido observado risco elevado de desenvolvimento dessa condição clínica, a gravidez miastênica complicada com doença hipertensiva específica da gestação ou eclâmpsia é um desafio para o obstetra. Isso porque o sulfato de magnésio, comumente utilizado nesses casos, pode precipitar uma crise miastênica.12 Para profilaxia das convul-sões pode ser usado o fenobarbital e deve ser evi-tada a fenitoína, uma vez que esta pode exacerbar a fraqueza muscular, devendo ser reservada para casos refratários.3,12 A hipertensão grave pode ser tratada com metildopa ou hidralazina, e os bloque-adores de canais de cálcio, bem como os betablo-queadores, devem ser evitados.12

Em relação à incidência de partos pré-termos ou de baixo peso do recém-nascido ao nascimento cor-relatos a gestantes miastênicas, não há consenso na literatura. Enquanto Hoff e colaboradores17 ob-servaram aumento dessas intercorrências, Batochi e colaboradores18 não confirmaram esses achados.

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ESTUDO DE CASO

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No entanto, uma complicação frequentemente re-latada é a ruptura prematura de membranas,17 cuja causa não está bem estabelecida, podendo ser se-cundária ao uso de corticosteroide ou relacionada a algum processo infeccioso.5

No caso relatado, a paciente não teve infecção cli-nicamente detectável, tampouco exacerbação da doença, que pode estar associada a quadro infec-cioso, mesmo subclínico, assim como à ansiedade e ao estresse psíquico.5 Não se pode afirmar que o corticosteroide que usou tivesse tido algum efei-to sobre a ruptura de membranas que apresentou com 36 semanas e quatro dias de gestação.

Também não foi observado baixo peso ao nascimen-to e, pelo contrário, o recém-nascido foi classificado como grande para a idade gestacional. Sabe-se que os corticosteroides, durante a gravidez, podem levar a ganho excessivo de peso e a alterações na glicemia, que incluem diabetes gestacional.8 No entanto, ape-sar das suspeitas iniciais, as investigações posterio-res não confirmaram esse diagnóstico.

A percepção dos movimentos fetais pode estar alte-rada nas pacientes miastênicas,12 e a anormalidade ultrassonográfica mais frequentemente observada é o polidrâmnio consequente à dificuldade de de-glutição, além de diminuição dos movimentos cor-porais e do padrão respiratório fetal. A mais grave complicação no feto com miastenia grave neonatal é a artrogripose múltipla congênita, que também pode ser suspeitada ao exame de imagem.19

A monitorização fetal adequada deve ser feita durante todo o período pré-parto e intraparto. Todavia, na vigência de crise miastênica, deve ser feita a monitorização fetal contínua em razão do elevado risco de hipoxia materna e fetal.12 Se não houver sinais de sofrimento fetal agudo ou qual-quer outra contraindicação obstétrica, o trabalho de parto deverá ser conduzido até sua finalização por via vaginal. A cesárea deve ser realizada estri-tamente se houver indicação obstétrica e nos casos de myasthenia gravis mais intensa ou de crise mias-tênica,1,3 sendo o bloqueio peridural a anestesia preconizada.6 Se houver comprometimento respi-ratório ou bulbar, recomenda-se a anestesia geral

com intubação orotraqueal para melhor controle da oxigenação e das secreções.12

O útero, formado por fibras musculares lisas, não é afetado pelos autoanticorpos e, portanto, o pri-meiro período do parto não é comprometido pela doença.5 Nessa fase, a dilatação costuma ocorrer mais rapidamente nas parturientes miastênicas, quando comparadas à população geral, em conse-quência do maior relaxamento das fibras muscula-res voluntárias.4

Já o segundo período do trabalho de parto, o perí-odo expulsivo, envolve a musculatura estriada e, consequentemente, a junção neuromuscular, alvo dos anticorpos que atuam sobre os receptores coli-nérgicos. Nesse momento, há o risco de fadiga dado o impulso débil na junção neuromuscular, associa-do ao estresse e à dor, levando à diminuição da for-ça voluntária da enferma no momento da expulsão do feto. Pode então haver necessidade do uso do fórceps de alívio ou de extrator obstétrico a vácuo para diminuir o tempo do trabalho de parto e para alívio mais rápido dos esforços.16

Preconiza-se a analgesia regional em pacientes miastênicas, que deve ser iniciada precocemente, já no primeiro período do parto, sendo também a mais indicada quando for necessária a utilização de fórceps de alívio.3 A peridural é a anestesia de escolha, usando-se baixas doses de anestésico pa-ra evitar o bloqueio motor completo.6 A analgesia, além de minimizar a dor, diminui o estresse físico e emocional da paciente, diminuindo as possibili-dades de exacerbação da doença.5

Medicamentos anticolinesterásicos devem ser ad-ministrados durante todo o período intraparto, preferencialmente por via parenteral para evitar possíveis distúrbios de absorção por paresia da musculatura gástrica e doses subterapêuticas, sen-do a neostigmina (intramuscular ou intravenosa) a droga preconizada.5

Os corticosteroides não devem ser descontinuados na fase intraparto, e uma dose extra de prednisona poderá ser administrada por via intramuscular no primeiro período do parto quando necessário.16

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Miriam da Silva Wanderley e cols. • Myasthenia gravis e gestação

As pacientes miastênicas são relativamente re-sistentes a agentes anestésicos despolarizantes (succinilcolina, por exemplo), necessitando-se de altas doses, o que poderia levar a bloqueio mais prolongado, podendo ser necessária a ventilação mecânica no tempo pós-operatório em pacientes submetidas à anestesia geral.6

Os relaxantes neuromusculares não despolarizantes deveriam ser evitados, uma vez que essas pacientes apresentam alteração na atividade da acetilcolines-terase.12 Além disso, não se pode esquecer que elas são mais sensíveis a certos anestésicos inalatórios como o halotano e o isoflurano,6,16 sendo necessário cuidadoso acompanhamento tanto durante quanto depois do procedimento cirúrgico.

Apesar de a ocitocina estar relacionada como uma das drogas que poderiam eventualmente exacerbar a myasthenia gravis,12 no caso em estudo não houve nenhum problema, e o trabalho de parto, sob anal-gesia peridural contínua, evoluiu bem, sem inter-corrências desfavoráveis, não sendo necessário o uso de fórceps de alívio.

O puerpério é um período em que se deve dispensar atenção rigorosa à evolução do quadro clínico, pois um terço das pacientes pode apresentar exacerba-ções nas primeiras três semanas depois do parto.7,12 O manejo adequado deve ser feito com a manuten-ção das drogas na dose usada antes da gestação, sufi-cientes para manter a paciente com quadro estável.3

A amamentação não está contraindicada em mu-lheres miastênicas. Não é recomendada nos casos em que estão sendo usados imunossupressores co-mo azatioprina, ciclosporina, ciclofosfamifa, mico-fanolato ou metotrexate. Mas o uso de corticoste-roide e de drogas inibidoras da acetilcolinesterase nas doses usuais não a contraindica.20,21 Apesar de controverso, Ferrero e colaboradores5 consideram ser prudente evitá-la em recém-nascidos sintomá-ticos, uma vez que anticorpos anti-AchR são en-contrados no leite materno e poderiam intensificar a myasthenia gravis neonatal.

A miastenia neonatal é o resultado da passagem de anticorpos anti-AchR pela placenta, alcançando

a corrente sanguínea do feto. Quando acometido, os sintomas neuromusculares se desenvolvem nas primeiras horas de vida e podem se manifestar como choro fraco, debilidade no reflexo de suc-ção, hipotonia generalizada, reflexo de Moro fra-co, ptose palpebral e até dificuldade respiratória. Essas manifestações são geralmente efêmeras, de-saparecem espontaneamente com a eliminação dos anticorpos maternos séricos, perduram por apro-ximadamente três semanas e podem persistir por até quatro meses.5

Apesar de a maioria dos recém-nascidos afetados responder bem à terapia anticolinesterásica,5 não é possível predizer a ocorrência e a intensidade da myasthenia gravis neonatal. Além disso, os estudos não observaram correlação definitiva entre a gravi-dade da doença da gestante e dos títulos de anticor-pos anti-AchR maternos e da ocorrência da enfermi-dade neonatal em questão.15,18,22 Corroborando essas afirmações, em estudo retrospectivo de Cheng e co-laboradores23 e prospectivo de Gveric-Ahmetasevic e colaboradores24 não se observaram, respectiva-mente, correlação entre myasthenia gravis neonatal e os títulos de imunoglobulina anti-AchR maternos, e entre a duração da doença materna e a ocorrência de myasthenia gravis neonatal.

Entretanto, na artrogripose múltipla congênita, na qual a ausência de movimentos fetais pode causar contraturas articulares e até paralisia do diafragma que podem levar à hipoplasia pulmonar, tem sido observada relação positiva entre essa grave com-plicação e elevados títulos de anticorpos anti-AChR maternos.12,19,25

No caso em estudo, não houve aparecimento de nenhuma alteração ou manifestações clínicas, e a criança teve alta hospitalar com sua genitora e faz hoje acompanhamento de rotina no ambulatório de pediatria do Hospital Universitário de Brasília.

Em conclusão, embora relativamente incomum, a myasthenia gravis é a desordem mais prevalen-te da transmissão neuromuscular. Afeta mais mulheres que homens, com pico de incidência na terceira década de vida. A evolução da doen-ça em longo prazo não é afetada pela gestação,

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ESTUDO DE CASO

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mas pode apresentar cursos variados durante a gravidez. As drogas de escolha para o tratamento são os inibidores da acetilcolinesterase. A cesárea, sob anestesia peridural sempre que possível, de-ve obedecer a indicações obstétricas ou usada em caso de crise miastênica ou de myasthenia gravis intensa. Deve haver seguimento clínico criterioso e multidisciplinar antes, durante e depois do par-to, tanto para a paciente miastênica como para o concepto, uma vez que há excelente prognóstico para o binômio materno-fetal quando as possíveis intercorrências indesejáveis que surgirem forem manejadas correta e rapidamente.

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Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto e cols. • Dilatação cística de via biliar

RESUMO

Introdução. A dilatação cística de via biliar é uma doença rara e de origem incerta. É diagnosticada mais frequentemente em crianças, porém sua inci-dência vem aumentando em adultos.

Objetivo. Demonstrar a experiência dos autores no tratamento cirúrgico e no manejo da evolução do quadro de pacientes com dilatação cística das vias biliares.

Método. Foram avaliados, retrospectivamente, cinco adultos que tiveram o diagnóstico de cisto de colédoco e que foram submetidos a algum procedi-mento cirúrgico no Hospital da Restauração-PE, de março de 2003 a junho de 2004.

Resultados. Dor abdominal foi a queixa comum a todos os pacientes. Houve icterícia em 80% dos ca-sos. Realizada ultrassonografia em todos os casos como exame inicial. Tomografia computadorizada, ressonância magnética e colangiopancreatografia retrógada endoscópica também foram realizadas em alguns pacientes, porém o diagnóstico foi estabeleci-do no período intraoperatório em todos os casos. O tratamento cirúrgico variou de acordo com a expe-riência do cirurgião e o quadro clínico do paciente. A ressecção do cisto com reconstrução da via biliar foi realizada em 60%, a cistoduodenostomia em 20% e a drenagem da via biliar em 20% dos casos.

Conclusão. Dor abdominal foi a queixa comum nos pacientes e a maioria deles apresentou icterícia. O diagnóstico da doença foi intraoperatório e a res-secção do cisto com reconstrução da via biliar foi realizada na maioria dos casos.

Palavras-chave. Icterícia; cisto de colédoco; cirur-gia biliar

Tratamento cirúrgico da dilatação cística de vias biliares em adultos

Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto, Moacir Cavalcante de Albuquerque Neto e Antonio Lopes de Miranda

Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto – médico, cirurgião geral, titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, consultor em cirurgia de urgência e do trauma do Hospital da Restauração, Recife, PE, Brasil

Moacir Cavalcante de Albuquerque Neto – médico-residente, Serviço de Cirurgia Geral e do Trauma, Hospital da Restauração, Recife, PE, Brasil

Antonio Lopes de Miranda – médico, cirurgião geral, chefe do Serviço de Cirurgia Geral, Hospital da Restauração, Recife, PE, Brasil

Correspondência: Olival Cirilo Lucena Fonseca Neto. Rua Jacobina, n.º 45, ap. 1002, Graças, CEP 52.011-180, Recife, PE. Telefone: 81 99890208.

Internet: [email protected]

Recebido em 6-5-2012. Aceito em 1-6-2012.

Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.

ABSTRACT

Surgical management of cystic dilatation of bile ducts in adults

Introduction. Cystic dilatation of the biliary tract is a rare condition of uncertain origin. It is more frequently diagnosed in children, although its incidence is increas-ing in adults.

Objective. To evaluate morbimortality rates, evolution of the disease and handling of patients among adult pa-tients with cystic dilatation of bile ducts.

esTudO de CAsOs

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Method. This is a retrospective case series of five adults who were diagnosed with choledochal cyst and who un-derwent a surgical procedure at Restauração Hospital, Recife-PE, from March 2003 to June 2004.

Results. Abdominal pain was a common complaint among all patients. Jaundice was present in 80% of cases. Ultrasound scanning was carried out in all of the cases as initial examination. Computed tomography scan, mag-netic resonance imaging, and endoscopic retrograde cholangiopancreatography were also carried out in some patients. However, the diagnosis was established in the intraoperative period for all patients. Surgical treatment was performed in accordance with the surgeon’s experi-ence and the patient’s clinical status. Cyst resection with reconstruction of the biliary tract was performed in 60% of cases, cyst-jejunostomy in 20%, and draining of the biliary tract in 20%.

Conclusion. Abdominal pain was a common complaint among these patients, and most patients presented jaundice. The disease was diagnosed intraoperatively, and cyst resection with reconstruction of bile ducts was performed in most cases.

Key words. Jaundice; choledochal cyst; bile surgery

INTROduÇÃO

O cisto de colédoco é uma dilatação da árvore bi-liar extra-hepática, dos ductos biliares intra-he-páticos ou de ambos.1 A maioria é diagnosticada antes dos 10 anos de idade, sendo diagnosticados aproximadamente 25% dos casos no primeiro ano de vida, 80% na primeira década de vida e 20% na idade adulta. São raros, com maior prevalência do sexo feminino de 4:1, e seu diagnóstico tem sido cada vez mais realizado em pacientes adultos.2 A incidência de cisto de colédoco no ocidente está estimada em um por 100.000 a um por 190.000

nascidos vivos, sendo essa enfermidade muito mais frequente na Ásia.3

A primeira descrição do cisto de colédoco foi feita por Vater e Ezler em 1723. A primeira descrição de ressecção do cisto foi feita por McWhorter em 1924. Em 1959, Alonzo-Lej e colaboradores classificaram os cistos, tendo sido sua classificação modificada por Todani e colaboradores em 1977, com base na localização do cisto, em cinco tipos (figura).4,5 O tipo I é o clássico e o mais comum. Representa em média 85% a 90% dos casos e consiste numa dilatação do ducto biliar comum, que pode ser cística, focal ou fusiforme (subtipos A, B e C respectivamente). Nesta forma, o ducto cístico geralmente entra no cisto de colédoco, e os ductos hepáticos direito e esquerdo, assim como os ductos intra-hepáticos, são de diâme-tro normal. O tipo II é o mais raro de todos os cistos de colédoco, representando menos de 5% dos casos. É descrito como um simples divertículo da árvore biliar extra-hepática. O tipo III ou coledococele é uma dilatação cística da porção intraduodenal da árvore biliar extra-hepática. O tipo IV, subtipo A, é o segundo mais comum tipo de cisto de colédoco de-finido por dilatações císticas intra e extra-hepáticas. O subtipo B representa múltiplas dilatações da árvo-re biliar extra-hepática.6,7 Por fim, o tipo V, também conhecido como doença de Caroli, é uma dilatação cística do sistema biliar intra-hepático, que pode es-tar associado a fibrose periportal e cirrose, podendo ser bilobar ou confinada a apenas um lobo.8

A patogênese do cisto de colédoco permanece in-certa, todavia acredita-se que são lesões congênitas em sua origem, algumas são diagnosticadas por ul-trassonografia antenatal.9

O presente estudo tem como objetivo demonstrar a experiência dos autores no tratamento cirúrgico e no manejo da evolução da enfermidade em pacien-tes com dilatação cística das vias biliares.

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Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto e cols. • Dilatação cística de via biliar

MÉTOdO

Estudo retrospectivo, com coleta de dados secun-dários obtidos dos registros de prontuário de cada doente com o diagnóstico de dilatação cística de via biliar, submetidos a tratamento cirúrgico no Serviço de Cirurgia Geral e Emergência do Hospital da Restauração, Recife-PE, no período de março de 2003 a junho de 2004.

Características demográficas, como sexo e idade, bem como sinais e sintomas, bioquímica sanguí-nea e exames de imagem foram avaliados. Tipo de intervenção cirúrgica realizada, classificação da doença cística da via biliar, complicações pós-ope-ratórias também fizeram parte do estudo.

ResuLTAdOs

Foram identificados cinco pacientes operados por cisto de colédoco no período analisado. Desses, quatro foram do sexo feminino. A média de idade foi 30,2 anos (de 22 a 48). Todos os pacientes fo-ram admitidos através do setor de emergência. Dor abdominal foi queixa presente em todos os casos. Oitenta por cento dos pacientes tinham história de icterícia e 60% estavam ictéricos no momento da admissão. Um paciente tinha quadro de colangite leve e outro de colangite supurativa com abscesso hepático. Outro paciente tinha aumento de volume abdominal. Três foram submetidos a operações ab-dominais prévias – um paciente foi submetido à co-lecistectomia com remoção de áscaris da via biliar, outro paciente foi submetido a colecistectomia com coledocolitotomia e outro paciente apresentava

cicatriz paramediana direita, porém não sabia in-formar qual operação havia sido realizada.

O diagnóstico de doença cística da via biliar foi estabelecido no período intraoperatório em todos os casos, apesar dos exames de imagem utiliza-dos na avaliação do doente. Três pacientes foram submetidos a ressecção do cisto com derivação biliodigestiva (duas hepaticojejunostomias em Y de Roux e uma hepaticogastrojejunostomia tam-bém em Y de Roux). Um paciente foi submetido à cistoduodenostomia e outro a apenas medidas paliativas, como drenagem de abscesso hepático e drenagem da via biliar.

O paciente com abscesso hepático foi a óbito no 40.° dia pós-operatório e um paciente que foi submetido a hepaticojejunostomia foi reopera-do devido a uma coleção sub-hepática. Os outros assistidos não tiveram complicações maiores. A análise histopatológica confirmou o diagnóstico de cisto de colédoco nos três pacientes nos quais os cistos foram ressecados, não havendo degene-ração maligna (tabela).

dIsCussÃO

A primeira descrição clínica completa da doença cística da via biliar foi realizada por Douglas, 1852.10 É considerada doença de baixa incidência, que acomete de 1:13.000 a 1:2.000 de pessoas em todo o mundo, sendo mais frequente no Japão, onde se encontram cerca de dois terços dos casos descritos na literatura. Pode acometer pessoas de qualquer faixa etária, porém é mais frequente em crianças

Figura. Classificação dos cistos de colédoco (Todani e colaboradores4 modificada)

Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV A Tipo IV B Tipo V

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esTudO de CAsOs

Tabela. Dados demográficos dos pacientes, operações realizadas e evolução

PACIeNTe 1 PACIeNTe 2 PACIeNTe 3 PACIeNTe 4 PACIeNTe 5

Sexo F F F M F

Idade (anos) 22 26 31 48 24

Quadro clínico Colangite leveSintomas

inespecíficosIcterícia recorrente

Aumento devolume abdominal

Icterícia porobstrução

Abscesso hepático

Exames deimagem

Ecografia: colédoco dilatado (2,1 cm) com cálculos em

seu interior

Ecografia: litíase intra-hepática?

Via biliar normal.

CPRE: colédoco dilatado (3,1 cm) com obstrução

do ducto hepático direito. Realizada papilotomia.

CRNM: dilatação da via biliar intra e extra-hepática

com imagens sugestivas de cálculos na porção intrapancreática até o

segmento IV do fígado.

Ecografia: formação cística com cinco litros de volume ocupando

toda a cavidade abdominal; cisto

mesentérico?

Tomografia computadorizada: lesão expansiva

cística, com septações após

injeção de contraste; linfangioma?

Ecografia: colédoco com 1,2 cm de diâmetro, sem

cálculos. Vesícula biliar não identificada

Ecografia: imagem heterogênea no lobo esquerdo do fígado, de 12 cm por 10 cm

Intervenção prévia

NãoColecistectomia e remoção

de áscaris da via biliarNão

Cicatriz paramediana direta – não sabe a operação realizada

Colecistectomia e coledocolitotomia

Achados cirúrgicos

Dilatação cística e fusiforme da via biliar

extra-hepática

Dilatação cística e fusiforme da via biliar extra-hepática, com bile de odor fétido e

cálculos na via biliar intra e extra-hepática

Dilatação cística e fusiforme da via biliar

extra-hepática

Dilatação cística e fusiforme da via biliar

extra-hepática

Abscesso de 20 cm no lobo esquerdo

do fígado (primeiro tempo)Dilatação cística e

fusiforme da via biliar extra-hepática

Intervençõesoperatóriasrealizadas

ColecistectomiaColedocolitotomia

Cistoduodenostomia

Ressecção do cisto de colédoco

Hepaticogastrojejunostomia em Y de Roux

ColecistectomiaRessecção de cisto

de colédocoHepaticojejunostomia

em Y de Roux

ColecistectomiaRessecção de cisto

de colédocoHepaticojejunostomia

em Y de Roux

Drenagem cirúrgica do abscesso hepático

(primeiro tempo)Coledocostomia

com dreno de Kehr (segundo tempo)

Drenagem cirúrgica de abscesso hepático e

coledocostomia a Kehr (terceiro tempo)

ComplicaçõesInfecção da

ferida operatóriaInfecção da

ferida operatóriaNão

Coleção biliar sub-hepática, tratada

com drenagem cirúrgica da coleção

Choque sépticoÓbito no 40.° dia

de internação

F – feminino. M – masculino. CPRE – colangiopancreatografia retrógrada endoscópica. CRNM – colangiorressonância nuclear magnética.

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Olival Cirilo Lucena da Fonseca Neto e cols. • Dilatação cística de via biliar

com até 10 anos de idade. Em apenas 20% dos casos, acomete pessoas com mais de 20 anos. Sua distri-buição por sexo é de 4:1 (mulheres:homens).11-14

A principal teoria etiológica dessa morbidade é o refluxo de enzimas pancreáticas para o ducto biliar comum, devido a uma junção pancreatobiliar anô-mala, isto é, quando essa união ocorre a mais de 1,5 cm do esfíncter de Oddi. Contudo, essa teoria não explica a formação dos cistos dos tipos II e V, que podem ter influência genética.15

A tríade clássica – icterícia, dor abdominal e massa palpável no quadrante superior direito do abdome – é rara em adultos, sendo encontrada em 0% a17% dos casos. Porém, em cerca de 85% das crianças e em 25% dos adultos, pelo menos dois elementos da tríade estão presentes. Além disso, colangite, pan-creatite ou peritonite biliar por ruptura do cisto pode ser a apresentação inicial.16,17

É de importante citação a presença de malignida-de concomitante. Sua incidência é maior quando se tem o diagnóstico da doença cística da via biliar em indivíduos com idade mais avançada: 2% aos 20 anos e 43% aos 60 anos de idade. Os cistos dos tipos I e IV são os de maior risco de sofrerem degene-ração maligna. O tipo V é o de menor risco (7%).18

Em relação aos exames de imagem, a ultrassono-grafia é habitualmente a avaliação de triagem.19 A tomografia computadorizada pode fornecer o diagnóstico de cisto biliar, mas perde em precisão para a colangiorressonância magnética, tendo este exame sua maior utilidade no período pós-opera-tório para diagnosticar estenose da anastomose bi-lioentérica. A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica é excelente para definir a anatomia da via biliar e, portanto, diagnosticar a enfermidade em questão. Porém, a colangiorressonância forne-ce imagens pelo menos semelhantes, sem causar as possíveis complicações da colangiopancreatografia mencionada.20

O tratamento cirúrgico se modificou com o passar dos anos. Anteriormente, a conduta cirúrgica era cistoenterostomia. No entanto, dadas as complica-ções pós-operatórias, como colangite, pancreatite

e hepatolitíase (taxa de reoperação de 70%) e o ris-co de degeneração maligna do cisto, essa conduta está em desuso. Atualmente, o tratamento padrão consiste na excisão do cisto e na realização de de-rivação biliodigestiva.21-24

Existem algumas controvérsias em relação ao tra-tamento de cisto dos tipos IV e V.25-27 A excisão do cisto extra-hepático é a regra, mas há dúvidas quanto à excisão ou não dos cistos intra-hepáticos. A tendência é que se realize hepatectomia se os cis-tos estiverem assim localizados. Caso sejam disse-minados, tal conduta fica inviabilizada.

A estenose anastomótica biliodigestiva é uma das complicações mais temidas e sua incidência varia com a técnica utilizada.28-30

Como o serviço tem como porta de entrada princi-pal o pronto-socorro, todos os pacientes apresen-taram manifestações da doença no momento da ad-missão. A dor abdominal esteve presente em todos, e a icterícia, em 60% dos indivíduos assistidos.

Em todos os casos, o cisto foi do tipo I na classi-ficação de Todani, e o diagnóstico foi estabeleci-do sempre na fase intraoperatória. A ausência do diagnóstico pré-operatório ocorreu pelo fato de se tratar de uma doença rara e a hipótese não ter sido sugerida pelos exames de imagem realizados. Em todos os casos, a ultrassonografia foi realiza-da e nenhum laudo sugeriu dilatação cística de via biliar. Ainda, em um paciente, foram realizadas colangiopancreatografia retrógrada endoscópica e colangiorressonância magnética, e a hipótese de ter ocorrido a doença também não foi sugerida. Desse modo, como três pacientes sofreram quadro de icterícia obstrutiva, a exploração da via biliar foi indicada. Outro paciente foi submetido à lapa-rotomia exploratória, pois tinha como hipótese de diagnose cisto de mesentério ou linfangioma. O ou-tro paciente tinha quadro de colangite supurativa com abscesso hepático e foi operado de urgência.

Dos pacientes que tiveram o cisto ressecado, em dois a reconstrução realizada foi hepaticojeju-nostomia em Y de Roux. No outro paciente, foi realizada hepaticogastrojejunostomia, isto é, a

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esTudO de CAsOs

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Não houve degeneração maligna do cisto em ne-nhum dos três casos em que foi executada a análise histopatológica, nem durante o seguimento pós--operatório. Entretanto, o follow-up foi curto em relação ao tempo, ou seja, de 8 a 23 meses.

Em relação às complicações pós-operatórias preco-ces, dois enfermos tiveram infecção da ferida opera-tória, um foi reoperado em consequência de coleção biliar intraperitoneal e outro, que teve abscesso he-pático, foi reoperado mais duas vezes e foi a óbito no 40.° dia depois da primeira cirurgia, por choque séptico. Nenhum paciente desenvolveu pancreatite, colangite ou litíase intra-hepática pós-operatória.

Em conclusão, a dilatação cística de via biliar é uma doença rara em nosso meio, porém deve ser pensada como diagnóstico diferencial das icterícias obstrutivas. A ressecção do cisto com reconstrução da via biliar é o tratamento padrão, com baixas taxas de complicações e de degeneração maligna pós-operatórias.

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Brasília Med 2012;49(2):131-134 • 131

RESUMO

A hiperplasia endometrial caracteriza-se por pro-liferação anormal de glândulas e estroma, com predominância do componente glandular, que de-termina graus variados de desarranjo arquitetural. O risco da evolução de hiperplasia para carcinoma está relacionado à presença e à intensidade da ati-pia celular. O diagnóstico é mais preciso por histe-roscopia com biópsia. Para o tratamento de casos com atipias, a histerectomia tem sido geralmente recomendada, exceto quando a paciente tem for-te desejo de engravidar ou alto risco cirúrgico. Apresenta-se um caso de hiperplasia endometrial complexa com atipias, tratada com sucesso por meio de dispositivo intrauterino com levonorges-trel e ocorrência de gravidez a posteriori.

Palavras-chave. Hiperplasia endometrial; tra-tamento; sistema intrauterino liberador de levonorgestrel

ABSTRACT

Levonorgestrel-releasing intrauterine system for treatment of complex endometrial hyperplasia with cellular atypia: A case report

Endometrial hyperplasia is characterized by an abnor-mal proliferation of glands and stroma, with a predomi-nance of the glandular component, which causes vary-ing degrees of architectural disarrangement. The risk of progression of hyperplasia to cancer is correlated with the presence and intensity of cytological atypia. The di-agnosis is more accurate when hysteroscopy with biop-sy is performed. For the treatment of cases with atypia,

Sistema intrauterino liberador de levonorgestrel para tratamento de hiperplasia endometrial complexa com atipias celulares: relato de caso

Baltasar Melo Neto, Giuliano da Paz Oliveira, José Andrade de Carvalho Melo Júnior, Isadora de Melo Castro, Marina Sousa Carvalho e Sabas Carlos Vieira

Trabalho realizado na Universidade Federal do Piauí

Baltasar Melo Neto – graduando, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil

Giuliano da Paz Oliveira – graduando, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil

José Andrade de Carvalho Melo Júnior – graduando, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil

Isadora de Melo Castro – graduanda, Faculdade de Medicina, Faculdade Integral Diferencial, Teresina, Piauí, Bras

Marina Sousa Carvalho – graduanda, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil

Sabas Carlos Vieira – médico oncologista e mastologista, professor, Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil

Correspondência: Baltasar Melo Neto. Rua Miosotis, 350, bairro Jockey, CEP 64.048-130, Teresina, Piauí. Telefones: 86 99882330 e 86 32324222.

Internet: [email protected]

Recebido em 5-6-2012. Aceito em 20-6-2012.

Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.

eStudO de CASO

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ESTUDO DE CASO

132 • Brasília Med 2012;49(2):131-134

hysterectomy has been generally recommended, except when women have a strong desire for pregnancy or pre-sent surgical risk factors. We discuss a case of complex endometrial hyperplasia with atypia successfully treated with levonorgestrel-releasing intrauterine system, with subsequent occurrence of pregnancy.

Key words. Endometrial hyperplasia; treatment; lev-onorgestrel-releasing intrauterine system

INtROduÇÃO

A hiperplasia endometrial caracteriza-se por proli-feração anormal de glândulas e estroma, com predo-minância do componente glandular, que determina graus variados de desarranjo arquitetural. Pode ser simples ou complexa, com atipia celular ou não.1

Existe risco de progressão de hiperplasia para câncer endometrial relacionado principalmente à presença e à intensidade de atipias celulares.2 Um estudo evi-denciou que, em 23% das pacientes com hiperplasia atípica complexa sem tratamento, houve maligni-zação.1 Embora o câncer de endométrio seja mais comum em mulheres na pós-menopausa, mulheres na menacma também estão sujeitas a esse tipo de neoplasia, mesmo com frequência bem inferior.3

O exame padrão-ouro para o diagnóstico de hi-perplasia endometrial é o histopatológico. Esse é feito em amostras, preferencialmente obtidas por histeroscopia, o que fornece precisão superior à ultrassonografia transvaginal, histerossonografia e curetagem.3 Em virtude do potencial oncogênico da hiperplasia endometrial com atipias, a histerec-tomia é preconizada como conduta na maioria das vezes.4 O tratamento conservador, como a instala-ção de sistema intrauterino liberador de levonor-gestrel (SIU-LNG), ainda é procedimento de exce-ção, reservado para mulheres que têm forte desejo de engravidar ou de alto risco cirúrgico.5,6

Apresenta-se um caso de hiperplasia endometrial complexa com atipias, tratado com o sistema in-trauterino liberador de levonorgestrel, em que houve a normalização do endométrio e a ocorrên-cia de gravidez a posteriori.

ReLAtO dO CASO

Paciente com 39 anos de idade, nuligesta, tentou engravidar nos últimos seis meses antes da consul-ta e procurou o serviço com desejo de reprodução. Sabidamente portadora de lúpus eritematoso sis-têmico, fazia tratamento com sulfato de hidroxi-cloroquina e prednisona. A menarca ocorreu aos 13 anos etários, e os ciclos menstruais eram regu-lares. Não fez uso de hormônio. Não era tabagista e não teve antecedentes familiares de neoplasias. Era normolínea, e o índice de massa corporal foi 27 kg/m2. Não foram evidenciadas alterações aos exames físico geral e ginecológico.

O exame com ultrassom transvaginal na fase pré--menstrual mostrou útero em anteversoflexão de contornos regulares e dimensões preservadas. Havia imagem nodular hiperecogênica única na cavidade endometrial, que sugeriu ser pólipo en-dometrial, e imagem hipoecoica de limites bem definidos, com 3,6 centímetros de maior diâmetro, que poderia ser mioma intramural. O endométrio tinha espessura de doze milímetros. Realizada his-teroscopia diagnóstica – óptica 30o, soro fisiológico como meio de distensão – para fins de investigação da região suspeita. Feita ressecção completa da le-são com aspecto de pólipo. O exame histopatoló-gico mostrou tratar-se de hiperplasia endometrial complexa com atipias.

A paciente manifestou desejo de uma segunda opi-nião, pois fora indicada histerectomia, e ela tinha forte desejo de ser mãe. Foi proposto tratamento com o SIU-LNG (Mirena®), e sua inserção ocorreu após obtenção do seu termo de consentimento li-vre e esclarecido.

Depois de um ano – período durante o qual relatou ter permanecido em amenorreia a maior parte do tempo, exceto por dois episódios de sangramento transvagi-nal ocasional com duração de três dias cada –, retor-nou para controle do SIU-LNG e reafirmou seu desejo de reprodução, motivo pelo qual foi retirado o sistema.

O exame por ultrassom após o procedimento mos-trou apenas imagem hipoecoica de 3,9 centímetros já observada no exame anterior, o qual sugeriu se

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Brasília Med 2012;49(2):131-134 • 133

Baltasar Melo Neto e cols. • Hiperplasia de endométrio

tratar de mioma intramural. A histeroscopia com biópsia endometrial de controle revelou reação deciduoide sem evidências de atipias. Quatro me-ses depois da remoção do sistema intrauterino, a paciente engravidou. Realizou acompanhamento pré-natal em outro serviço, sem intercorrências adversas, sendo submetida a cesariana na 37.a se-mana de gestação.

Dezessete meses depois do parto, período durante o qual permaneceu sem método contraceptivo, no-va histeroscopia com biópsia foi realizada, mesmo com laudo ultrassonográfico de normalidade, por ser tratamento usado excepcionalmente em mu-lheres com hiperplasia atípica de endométrio. O exame histopatológico do tecido endometrial não mostrou alterações.

dISCuSSÃO

A hiperplasia endometrial é definida como proli-feração glandular, com aumento da relação glân-dula-estroma, quando comparada ao endométrio proliferativo.7

O exame histopatológico de material obtido por histeroscopia diagnóstica é o padrão-ouro pa-ra seu diagnóstico. A histeroscopia se impõe em caso de suspeita clínica de hiperplasia endome-trial, isto é, em casos de sangramento menstrual irregular e ou aumentado, quando na menacma ou próximo da menopausa ou, ainda, no período pós-menopáusico.3

A classificação de hiperplasia endometrial, apro-vada pela Sociedade Internacional de Patologistas Ginecológicos e pela Organização Mundial da Saúde, leva em consideração a presença ou ausên-cia de alterações citológicas e o grau de comple-xidade da arquitetura. Consiste em quatro grupos: hiperplasia simples (cística sem atipia); hiperplasia complexa (adenomatosa sem atipia); hiperplasia simples com atipia (cística com atipia) e hiperplasia complexa com atipia (adenomatosa com atipia).7

A hiperplasia complexa com atipias se caracteri-za pela presença de glândulas com brotamentos e

invaginações, além de células epiteliais alargadas, hipercromáticas, com nucléolos proeminentes e com aumento da relação núcleo-citoplasma.8 Sabe-se que a atipia celular é o mais importante fator preditivo da capacidade de malignização de lesões hiperplásicas do endométrio. Desse modo, hiper-plasias simples e complexas sem atipias progridem a taxas menores de malignização que as hiperpla-sias simples e complexas com atipias.7,8

A escolha do tratamento das hiperplasias endo-metriais leva em consideração as características clínicas da paciente e o tipo histológico da lesão. Na hiperplasia atípica, o tratamento tradicional de eleição é o cirúrgico. O tratamento clínico fica reservado para os casos de risco cirúrgico elevado ou quando as pacientes desejam preservar o útero.

Os agentes progestacionais podem ser utilizados e ocorre desaparecimento do quadro hiperplásico na maioria dos casos.9,10 A cura da hiperplasia ou do câncer de endométrio pela terapia progesta-gênica provavelmente sobrevém por ativação dos receptores da progesterona, resultando em de-cidualização e subsequente diminuição da espes-sura do endométrio.11 Os progestagênios também são potentes antiestrogênicos quando usados em doses medicamentosas;12 estimulam a atividade da 17-beta-hidroxiesteroidedesidrogenase e da sufoniltransferase, que convertem o estradiol em sulfato de estrona, o qual é rapidamente excreta-do da célula. Eles também diminuem os efeitos dos estrogênios sobre as células-alvo, por inibição da expressão dos receptores estrogênicos, supressão da transcrição de oncogenes mediada pelos estro-gênios e pelo efeito antimitótico e antiproliferativo sobre o endométrio.13-15

Relatos de casos de hiperplasia endometrial com-plexa com atipias, tratadas com sucesso pelo sis-tema intrauterino de levonorgestrel, e a ocorrên-cia de gravidez a posteriori já foram descritos. Dois estudos relataram o tratamento eficaz de jovens com hiperplasia endometrial com atipias e síndro-me de ovários policísticos com desejo de manu-tenção do potencial reprodutivo por meio do SIU-LNG.16,17 Outro estudo apresentou dois casos com pacientes inférteis com diagnóstico de hiperplasia

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ESTUDO DE CASO

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endometrial complexa com atipias e tratadas com o SIU-LNG, em que houve gestações após indução da ovulação e retirada do sistema.18

A terapia conservadora com SIU-LNG pode ser, pois, uma alternativa clínica para o tratamento de pacientes jovens com hiperplasia de endomé-trio complexa com atipias que desejam concepção. Entretanto, ressalta-se a importância de serem re-alizados mais estudos a respeito da segurança e da aplicabilidade dessa opção terapêutica. Acrescenta-se, ainda, a necessidade de seguimento mais longo para garantir a cura nessas mulheres.

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Brasília Med 2012;49(2):135-137 • 135

ABSTRACT

We report an advanced breast carcinoma with conspicuous skin invasion in an 81-year-old wo-man. She incidentally felt a nodule on her left bre-ast about 12 years before being hospitalized; ho-wever, she decided to hide this finding from her family for cultural reasons. The tumor was 3.5 x 2.0 cm on admission, and enlarged lymph nodes were found in the left axillary and supraclavicular areas. Ultrasonography showed a hypoechoic mass (BI-RADS 5), and biopsy samples revealed an inva-sive ductal adenocarcinoma with cutaneous invol-vement. Computed tomography and scintigraphy studies disclosed pleural implants and scattered osteolytic and osteoblastic lesions. She was dis-charged to outpatient care under treatment with letrozole. Our aim is to emphasize sociocultural barriers that are adverse to early diagnosis of bre-ast malignancies.

Key words. Breast cancer; aged; delayed diagnosis; socioeconomic factors

RESUMO

Câncer de mama avançado no diagnóstico: papel de atitudes inadequadas dos pacientes

Relata-se um caso de carcinoma avançado de mama com acentuada invasão de pele em mulher de 81 anos de idade. Ela incidentalmente percebeu um nódulo na mama esquerda, aproximadamente doze anos antes da internação. Entretanto, por motivos culturais, decidiu ocultar de sua família esse achado. Na admissão, o tu-mor media 3,5 por 2 cm e foram encontrados linfonodos aumentados de volume na axila e região supraclavicular esquerda. A ultrassonografia mostrou massa hipoecoica

Advanced breast cancer at diagnosis: role of patients’ inadequate attitudes

Vitorino Modesto dos Santos, Ricardo Ferreira Coelho de Miranda, Diogo Wagner da Silva de Souza, Anna Gabriela Oliveira Camilo and Milena Priscila Aragão Pereira Pinto

Vitorino Modesto dos Santos – MD, PhD, Internal Medicine, Universidade Católica de Brasília, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brazil

Ricardo Ferreira Coelho de Miranda – MD, Internal Medicine, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brazil

Diogo Wagner da Silva de Souza – MD, Internal Medicine, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brazil

Anna Gabriela Oliveira Camilo – MD, Internal Medicine, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brazil

Milena Priscila Aragão Pereira Pinto – MD, Internal Medicine, Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, Brazil

Correspondence: Prof. Dr. Vitorino Modesto dos Santos. Departamento de Medicina Interna, Hospital das Forças Armadas, estrada do Contorno do Bosque s/n, Cruzeiro Novo, CEP 70630-900, Brasília-DF, Brazil. Telephone: 55 61 32330812. Fax: 55 61 32331599.

E-mail: [email protected].

Received on June 2, 2012. Accepted on June 20, 2012.

The authors have no conflict of interests to disclaim.

CASE REPORT

(BI-RADS 5), e as amostras de biópsia revelaram adeno-carcinoma ductal invasivo com acometimento cutâneo. As imagens de tomografia computadorizada e de cinti-lografia revelaram implantes pleurais, além de lesões osteolíticas e osteoblásticas disseminadas. Ela teve alta para acompanhamento ambulatorial em tratamento com letrozol. O objetivo do relato é enfatizar as barrei-ras socioculturais adversas ao diagnóstico precoce dos tumores malignos de mama.

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CASE REPORT

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Palavras-chave. Câncer de mama; idoso; diagnóstico tardio; fatores socioeconômicos

INTRODUCTION

Breast cancer is the main malignancy affecting women worldwide. After lung cancer, this is the more frequent cause of death by cancer among females.1 One estimates that 226,870 new cases of invasive female breast cancer will occur, while 39,510 women will die due to breast cancer in the United States of America during 2012.1 In Brazil, the incidence rate is 49 new cases/100,000 with mortality rate around 11/100,000 women by year.2 This malignancy is uncommon before the age of 40 and its incidence progressively grows with ageing. Advanced and metastatic breast cancers are often associated with ominous prognosis because the usual treatment is palliative. Case studies can con-tribute to better awareness about barriers related to delayed diagnosis.

The aim is to highlight consequences of the late diagnosis of breast cancer in women who do not seek medical care in the earliest phases of tumor, by psychosocial and cultural motifs.3-6

CASE REPORT

An 81-year-old Afro-descendent woman came to hospital claiming of pain on the left hypochon-drium and breathlessness. She told that the ini-tial nodule was incidentally felt on the left breast about twelve years before admission, but her deci-sion was to hide this finding of the family. The no-dule had a progressive growing and become a huge mass with skin involvement. Physical examination showed a pale patient with body mass index of 20 kg/m2. In her left breast, there was a voluminous hard mass adherent to deep planes, which involved the skin and the nipple, with a bleeding ulceration (Figure). Moreover, hard and enlarged lymph no-des were palpated in the axillary and supraclavi-cular ipsilateral areas. Laboratory determinations were (reference ranges in parenthesis): hematocrit 30.2% (33-47%), hemoglobin 9.5 g/dL (12-15 g/dL),

mean corpuscular volume 74 fL (80-98 fL), mean corpuscular hemoglobin concentration 31 g/dL (32-36 g/dL), red cell distribution width 20.9% (12-14.5%), leukocytes 7,700/mm3 (2,600-11,000/mm3), platelets 585,000/mm3 (130,000-450,000/mm3), alkaline phosphatase 72.5 IU/dL (40-130 IU/dL), lactate dehydrogenase 595 IU/L (105-333 IU/L), al-bumin 2.39 g/dL (3.6-5.0 g/dL), globulin 3.17 g/dL (1.5-3.0 g/dL), C-reactive protein 8.8 mg/dL (< 6.0 mg/dL), uric acid 2.9 mg/dL (2.6-6.0 mg/dL), cal-cium 7.4 mg/dL (8.8-10.5 mg/dL), glucose 116 mg/dL (70-110 mg/dL), magnesium 1.9 mg/dL (1.8-2.4 mg/dL ), sodium 127 mEq/L (135-148 mEq/L), urea 16.3 mg/dL (15-45 mg/dL), creatinine 0.4 mg/dL (< 1 mg/dL), gama-glutamil transpeptidase 19 IU/dL (5-55 IU/dL), alanine aminotransferase TGP 8.4 IU/dL (30-65 IU/dL), aspartate aminotransferase 30.4 IU/dL (15-37 IU/dL), serum iron 14 µmol/L (35-150 µmol/L), transferrin saturation 8% (20-45%), erythrosedimentatiom rate: 86 mm (1st hour) (0-30), CA 15.3: 137.9 IU/mL (< 30 IU/mL), CA 125: 140.4 IU/mL (≤ 35 IU/mL), and CEA: 14.7 ng/mL (< 5 ng/mL). Echography of the left breast revealed diffuse cutaneous inspissation and edema in the subcutaneous tissue, associated with a hypoechoic

Figure. A: Far advanced cancer on the left breast with conspicuous cutaneous involvement. B and C: Superficial exophytic features of the tumor in detail.

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Vitorino Modesto dos Santos et al. • Advanced breast cancer at diagnosis

irregular mass with spiculated borders and accen-tuated vascularization. The tumor was categorized as BI-RADS 5. Computed tomography study showed subpleural nodules and pleural effusion, mainly on the left hemithorax, and osteolytic and osteoblastic lesions in costal arches and in spine. Scintigraphy images of bone implants appeared scattered in the skull, clavicle, sternum, umerus, ribs, spine, pelvis and femur. Biopsy samples from the breast mass revealed an invasive ductal adenocarcinoma with cutaneous involvement (luminal A type). Under hormonal treatment with letrozole she was dis-charged to home, and is on outpatient surveillance.

DISCUSSION

Family antecedent of breast cancer, ageing, overweight and obesity, use of combined estrogen and progestin hormone therapy, physical inacti-vity, and alcoholism constitute main risk factors of disease.1 Absence of initial signs and symptoms contribute to late diagnosis, and should emphasi-ze the role of the screening guidelines for detec-ting unsuspected breast cancers at an early phase.1 Diverse factors can be related to late-stage of dise-ase at diagnosis, which accounts for poorer outco-mes (psychological and socioeconomic status, eth-nicity, cultural beliefs, lack of healthcare, limited knowledge and misconceptions, fatalism attitudes, fear of mastectomy).3-6 The case reported herein is in accordance with general and local literature da-ta. In fact, ductal carcinomas constitute 80% of the invasive tumors affecting Brazilian women, mainly between 40-60 years of age.7 Breast cancer evolu-tion may be slow or rapidly progressive, depending upon the tumor and host characteristics.8 A recent study found 1.7 years as mean doubling time (from 1 cm to 2 cm) of tumors, ranging from less than 1.2 months up to 6.3 years.7 Our patient presented with multiple bone metastases, but her general status was regular. Worth of note, implants of es-trogen receptor positive tumors have showed a preferential tropism for the skeleton, and bone--only metastases seem to be associated with less aggressive features and favorable outcomes.9 The national program of mammography screening has contributed to early detection of asymptomatic

tumors,10 and improved the outcome of breast cancer, but cultural features and lack of sexual in-timacy among elderly people can hinder the early diagnosis and prevention. Breast self examination among college going girls must be emphasized in developing areas.11 Psychosocial, economic, eth-nic, religious, emotional and cultural barriers to prevention, early detection and prompt tre-atment of breast cancer should be minimized. Authors believe that impressive real images as those showed here can contribute to highlight the adverse role of inadequate attitudes of patients before the fight against cancer.12

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ESTUDO DE CASO

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Resumo

O acrocórdon é geralmente tumor benigno, pedun-cular, que acomete tanto o sexo feminino como o masculino e surge na idade adulta, sendo mais co-mum na meia idade. Alguns indivíduos podem ter mais probabilidade de serem acometidos, principal-mente obesos e diabéticos. A maioria tem tamanho pequeno. Surgem mais facilmente em áreas de fric-ção, mas podem ocorrer em qualquer parte do corpo. Ocasionalmente pode exigir remoção devido a cresci-mento atípico, torção, irritação e dor, a depender do local acometido. Algumas condições comuns da pele podem imitar o acrocórdon – a verruga de região ge-nital é uma delas. Apesar de essa lesão ser acometida pelo papilomavírus humano, o acrocórdon algumas vezes pode estar associado a ela. Assim, é importante o exame histológico do material biopsiado.

Palavras-chave. Acrocórdon; tratamento; vulva; genitália feminina.

AbstrAct

Vulvar acrochordon: a report of two cases

The acrochordon is usually a benign, stalk tumor, which affects both men and women. It is an adult-onset disease, being more common in middle-aged individuals. Some in-dividuals may be more prone to the disease, especially those obese and diabetic. Most are small and develop more eas-ily in areas of friction, but they may occur anywhere in the body. Occasionally removal may be required due to atypical growth, torsion, irritation or pain depending on the affected sites. Some common skin conditions may mimic acrochor-don. Genital wart is one of these conditions, although it is affected by the human papiloma virus. The acrochordon may sometimes be associated with this infection. Therefore, histological examination of biopsy material is important.

Acrocórdon de vulva: relato de dois casos

Parizza Ramos de Leu sampaio, Anderson de Azevedo Damasio, Diego Fraga Rezende e Lorene Laiane Ferreira da silva

Parizza Ramos de Leu sampaio – médica, mestre em Gerontologia, profes-sora, curso de Medicina, Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, Brasil

Anderson de Azevedo Damásio – graduando, curso de Medicina, Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, Brasil

Diego Fraga Rezende – graduando, curso de Medicina, Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, Brasil

Lorene Laiane Ferreira da silva – graduanda, curso de Medicina, Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, Brasil

Correspondência: Parizza Ramos de Leu Sampaio. SHLS 716, Centro Clínico Sul, Torre II, sala T-211, CEP 70.390-907, Brasília-DF. Telefone: 61 33463100. Fax: 61 33469630.

Internet: [email protected]

Recebido em 10-3-2012. Aceito em 10-5-2012.

Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.

Key words. Acrochordon; treatment; vulva; female genitalia

IntRoDução

O nome acrocórdon se origina do grego akrokhor-don, verruga; dos radicais gregos akros, extremida-de, e khorde, corda. O acrocórdon é tumor de tecido mesenquimal, também chamado de pólipo fibroe-pitelial ou papiloma cutâneo.1

É frequente a partir da quinta década, e a maioria dos casos (59%) aparece na sétima década.2 Ocorre

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Parizza Ramos de Leu Sampaio e cols. • Acrocórdon de vulva

principalmente em obesos e pode estar presente em homens e mulheres.3 O tamanho varia de 2 a 5 mm de diâmetro e, em alguns casos, pode ter diâ-metro superior a cinco centímetros. Sua forma é dos tipos pápula, pólipo ou lesão filiforme. Na re-gião do trato genital inferior, assume a forma pedi-culada. Usualmente é assintomático, mas constitui obstáculo quando aparece em regiões de dobras, pescoço, axilas e outras áreas similares do corpo.4,5

É tumor considerado benigno, único ou múltiplo, pois, em seu aspecto clínico, há baixa probabilidade de malignidade.6,7 A causa pode ser irritação local e associação ao papilomavírus humano (HPV) dos tipos 6 e 11.8 Acompanha tumores gastrointestinais e renais e está associado a diabetes do tipo 2 e obesidade.9 Na região anal, pode ser indício de doença de Crohn.10

Por indicações de cunho cosmético, realiza-se tra-tamento cirúrgico. O tratamento de escolha é a ex-cisão local, porém, outros métodos podem ser exe-cutados, como a remoção por crioterapia, embora esta possa causar lesões discrômicas.11

Por ser geralmente tumor benigno, o prognósti-co é bom na maioria dos casos. Muitas vezes são considerados redundâncias cutâneas clinicamente insignificantes, que são removidas sem análise his-topatológica. No entanto, deve-se ter cautela por possibilidade de haver neoplasia maligna no acro-córdon. Em raras ocasiões, o exame histopatológico pode revelar carcinoma basocelular ou espinocelu-lar ou até queratoacantoma.6,12

O objetivo deste estudo é descrever dois casos de acrocórdon em mulheres de idades distintas, de padrões de crescimento diferentes, mas com tra-tamento igual.

ReLAtos

Caso 1

Mulher, 86 anos, multípara, menopausa aos 50 anos de idade. Procurou atendimento no ambulatório de ginecologia com história de sangramento retal ha-via seis meses. Ao exame clínico, notaram-se hérnia

umbilical volumosa, hemorroidas externas e tumor com aspecto polipoide de mais ou menos seis cen-tímetros de diâmetro na região perianal à direita (figura 1). À colonoscopia, foram identificados pó-lipo séssil de 0,5 centímetro de maior diâmetro na junção retossigmoidea, e óstios diverticulares nos cólons sigmoide e descendente. Foi realizada ex-cisão do tumor externo (figura 2), com 4,5 por 3 por 2,5 cm nos diâmetros longitudinal, transverso e anteroposteror respectivamente, com superfície externa bosselada, cor pardo-amarelada e de con-sistência firme e elástica. Aos cortes, o tecido tinha aspecto homogêneo e amarelado. A microscopia mostrou hiperplasia da epiderme, papilomatose, hiperqueratose, edema de derme e perda da arqui-tetura normal das fibras de colágeno e capilar. As alterações foram compatíveis com pólipo fibroepi-telial – acrocórdon – de vulva.

Figura 1. Lesão polipoide de região perineal

Figura 2. Administração do anestésico (A) e exérese da lesão (B)

A B

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ESTUDO DE CASO

140 • Brasília Med 2012;49(2):138-141

Caso 2

Mulher, 43 anos, multípara, ciclos menstruais re-gulares, procurou o ambulatório de ginecologia por apresentar excesso de pele na vulva, com aumento de tamanho na gravidez. A última gestação tinha ocorrido havia oito meses. Negou outros sinais ou sintomas e uso de hormônio. Ao exame clínico, foi identificada lesão única, pediculada, indolor, fi-broelástica, com 1,5 centímetros de comprimento, com aspecto de pólipo (figura 3). A lesão foi retira-da. Tinha 1,1 por 0,7 por 0,8 cm em seus diâmetros longitudinal, transverso e anteroposterior res-pectivamente e superfície violácea. A microscopia identificou lesão polipoide de tecido fibroconjun-tivo bem vascularizado sem atipias, revestimento epidérmico irregularmente acantótico e hipercera-tótico sem atipias celulares, proliferação melanoci-tótica, coilocitose ou hipergranulose. O diagnóstico histológico foi acrocórdon.

DIsCussão

O objetivo desse relato é aumentar o conheci-mento por meio de dados clínicos sobre essa le-são, que pode acometer qualquer parte do corpo. Porém, nesses dois casos, acometeu a região do trato genital inferior (vulva). O acrocórdon já é descrito desde 1966.12 Existe em ambos os sexos e incide em 46% da população geral.2 Há gran-de interesse dos estudos atuais em tumores de

Figura 3. Lesão pendular no grande lábio direito da paciente do segundo caso.

tecido mesenquimal no trato genital inferior, principalmente de vulva, pois é ainda causa de grande dificuldade de diagnóstico, em razão da variabilidade histológica e do pleomorfismo com figuras mitóticas à citologia, confundindo-se com sarcoma.10,12,13 Várias possibilidades de causas são relatadas, principalmente irritação local frequen-te, obesidade, efeito do envelhecimento da pele, desequilíbrios hormonais – altas concentrações de estrogênio e progesterona na gravidez –, fator de crescimento epidérmico e fator de crescimento transformante alfa nos tecidos.14 Há outras refe-rências, em que implica o papilomavírus humano – DNA dos tipos 6 e 11 em biópsias de papiloma cutâneo – como cofator patogênico.8

Apesar de a maioria das lesões cutâneas serem be-nignas, há preocupação em requerer diagnóstico correto. Inicialmente, as lesões benignas devem ser diferenciadas de lesões malignas. As características físicas, a localização e os padrões de crescimento da lesão ajudam no diagnóstico e no tratamento. Uma vez que a natureza benigna das lesões seja reconhe-cida, o diagnóstico deve ser feito com precisão a fim de avaliar qualquer potencial maligno. Para distin-guir possíveis condições malignas associadas e haver diagnóstico preciso em relação a outras lesões de pe-le, o exame histológico se aplica.

Os dois casos reportados corroboram o intuito de documentar as características da lesão no trato ge-nital inferior, pois mesmo sendo lesões de caracte-rísticas benignas necessitaram de excisão cirúrgica por motivos estéticos e para o diagnóstico histopa-tológico preciso.

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Parizza Ramos de Leu Sampaio e cols. • Acrocórdon de vulva

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ESTUDO DE CASO

142 • Brasília Med 2012;49(2):142-146

Volvo do íleo em torno de cordão fibroso do divertículo de Meckel

Wendel dos Santos Furtado, Diego Antonio Calixto de Pina Gomes Mello, Vitorino Modesto dos Santos, Wilian Pires de Oliveira Júnior e Walter Ludvig Armin Schroff

RESUMO

Relata-se o caso de um homem com 16 anos de idade que apresentou torção do íleo ao redor do cordão fibroso que unia um divertículo de Meckel à cicatriz umbilical. Embora esse diver-tículo constitua o defeito intestinal congênito mais comum, seu volvo axial é considerado um fenômeno raro. No período pré-operatório, não se estabeleceu o diagnóstico, o qual foi caracte-rizado na laparotomia. A correção cirúrgica do volvo e a exérese do divertículo foram realizadas com sucesso.

Palavras-chave. Divertículo de Meckel; remanes-cente fibroso do ducto onfalomesentérico; volvo de íleo; tratamento.

ABSTRACT

Ileal volvulus around the fibrous band of the Meckel’s diverticulum

A 16-year-old male patient presenting with an ileal volvulus around the fibrous band that connected to the Meckel’s diverticulum to the umbilicus is reported. Although this diverticulum constitutes the commoner intestinal congenital defect, its axial volvulus is consid-ered a rare phenomenon. Preoperative diagnosis was not obtained, and was characterized during laparoto-my. Surgical correction of the volvulus and the diver-ticulum resection were performed with success.

Key words. Meckel’s diverticulum; fibrous remnant of the omphalomesenteric duct; ileal volvulus; treatment

Wendel dos Santos Furtado – médico, titular do Colégio Brasileiro de Ciurugiões, Departamento de Cirurgia, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brasil

Diego Antonio Calixto de Pina Gomes Mello – médico-residente de Cirurgia Geral, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brasil

Vitorino Modesto dos Santos – médico, doutor, Departamento de Medicina Interna, Hospital das Forças Armadas. Professor da Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, Brasil

Wilian Pires de Oliveira Júnior – médico-residente de Cirurgia Geral, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brasil

Walter Ludvig Armin Schroff – médico-residente de Cirurgia Geral, Hospital das Forças Armadas, Brasília-DF, Brasil

Correspondência: Vitorino Modesto dos Santos. Hospital das Forças Armadas. Estrada do Contorno do Bosque s/n, Cruzeiro Novo, CEP 70.658-900, Brasília-DF. Telefone: 61 39662103. Fax: 61-32331599.

Internet: [email protected]

Recebido em 1-5-2012. Aceito em 15-6-2012.

Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.

INTRODUÇÃO

O divertículo de Meckel foi inicialmente relatado por Fabricius Hildanus (1650) e depois por Ruysch (1730). Littré (1745) encontrou o divertículo intestinal em uma hérnia inguinal e Johann Friedrich Meckel des-creveu sua anatomia e embriologia em 1809.1-4

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Brasília Med 2012;49(2):142-146 • 143

Wendel dos Santos Furtado e cols. • Volvo do íleo e divertículo de Meckel

O divertículo ileal ou de Meckel é a alteração con-gênita mais frequente do trato gastrointestinal.1,5 Ocorre na região antimesentérica do íleo, a uma distância que varia de quarenta a cem centímetros a partir da junção ileocecal em direção proximal.1-8

Sua incidência na população pode alcançar 2% a 4%1-3,5,7,8 e, na maioria dos casos (94% a 96%), não há complicações.1,2,4 O divertículo é mais frequente em homens,1,2,4 e a maioria tem em média 2,9 cm de ex-tensão e 1,9 cm de diâmetro.6 Aquele com mais de cinco centímetros de comprimento é classificado co-mo gigante.4,6 É possível que o risco de sofrer torções esteja aumentado nos divertículos mais longos.4,6

Sua origem embrionária baseia-se na persistência do ducto onfalomesentérico ou ducto vitelino, um constituinte do cordão umbilical.2,7 A não oblitera-ção do ducto pode causar: fístula entre o umbigo e o íleo,1,4 com prolapso em 20% dos casos;7 divertí-culo de Meckel, em virtude do não fechamento da extremidade proximal do ducto; formação do seio umbilical, quando a extremidade umbilical do duc-to não se oblitera;7,9 cordão fibroso entre o umbigo e o íleo;1,4,7 ou associação dessas alterações, usual-mente o divertículo de Meckel ligado ao umbigo por um cordão fibroso.

Relata-se o caso de um divertículo de Meckel com torção ao redor do cordão fibroso, fenômeno con-siderado raro.3,4,10,11

RELATO DO CASO

Homem, com 16 anos de idade, referiu que desde a infância sentia cólicas abdominais, além de náuse-as e alteração do trânsito intestinal, que cessavam sem outras complicações. Relatou que, havia um dia, teve pela manhã intensa dor abdominal em cólica na fossa ilíaca direita, associada a anorexia, vômitos, diarreia, disúria e febre. Não teve outros sinais ou sintomas. Procurou pronto-socorro, onde foram realizados exames complementares.

Ao exame físico, estava em regular estado geral, acianótico, eupneico, anictérico, com discreta desi-dratação, frequência cardíaca de 110 bpm e tempe-ratura axilar de 38ºC. O exame do tórax não revelou

anormalidades. Abdome com timpanismo normal, ruídos hidroaéreos diminuídos, sem visceromegalias palpáveis. Havia dor à palpação superficial e profunda na fossa ilíaca direita e na região periumbilical. A pes-quisa do sinal de Blumberg teve resultado duvidoso.

Os exames laboratoriais revelaram leucocitose com desvio à esquerda (19.200/mm3 e 6% de bastões) e leucocitúria (12 a 15 leucócitos por campo). A ra-diografia de abdome mostrou níveis hidroaéreos na fossa ilíaca direita.

Iniciou-se antibioticoterapia (gentamicina 240 mg e metronidazol 1 g) e foi realizada laparotomia com hipótese de apendicite aguda. O apêndice encon-trava-se normal. Havia grande quantidade de líqui-do seroso na goteira parietocólica direita e sinais de isquemia de alças do íleo terminal, em virtude de rotação ao redor do resquício fibroso do duc-to onfalomesentérico, que conectava o divertícu-lo de Meckel à cicatriz umbilical (figura 1). Após a correção do volvo intestinal, as alças rapidamente recuperaram a cor normal, o que descartou a ne-cessidade de enterectomia. Foram realizadas apen-dicectomia e extirpação do divertículo de Meckel e do cordão fibroso aderido à cicatriz umbilical (fi-gura 2). Realizou-se também enterorrafia na área do íleo terminal. O exame histopatológico da peça cirúrgica não revelou tecidos ectópicos ou tumor no divertículo ressecado.

Figura 1. Demonstração do trajeto do divertículo de Meckel entre o íleo terminal e a cicatriz umbilical.

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O doente evoluiu sem complicações, tendo alta hos-pitalar cinco dias após o procedimento cirúrgico.

DISCUSSÃO

O conduto onfalomesentérico do feto une o intesti-no médio ao saco vitelino, e qualquer segmento ou a totalidade do canal fetal pode persistir e ocasio-nar ou não sintomas.

Vane e colaboradores avaliaram 217 crianças com anomalias do ducto vitelino; 132 (60%) tiveram diagnóstico de divertículo de Meckel durante la-parotomia e ocorreu volvo em nove (6,8%).12 Mais de 30% das crianças tinham sintomas. Os autores sugeriram ressecção eletiva de remanescentes vi-telínicos logo que fossem identificados para evitar complicações, incluindo-se enterorragia, bem co-mo obstrução intestinal causada por intussuscep-ção, volvo ou herniação.12,13

O divertículo de Meckel desenvolve-se quando há persistência da extremidade intestinal do condu-to onfalomesentérico. Situa-se na região antime-sentérica do íleo terminal, usualmente a cerca de quarenta centímetros da junção ileocecal.1 Trata-se de um divertículo verdadeiro2,7 que, na maioria dos pacientes, é assintomático e constitui diag-nóstico incidental.1,5

O achado de dois casos de divertículo de Meckel em sessenta pacientes (3,3%) com síndrome de Turner levantou a hipótese de haver relação causal entre essas entidades.14 Entretanto, como a frequência desse divertículo na população geral pode alcançar 4%,1,3,5,7,8 a relação pode ser apenas casual. Estudos com maior número de casos poderiam esclarecer a natureza da associação.

Encontra-se tecido ectópico no interior do diver-tículo de Meckel em 50% dos casos, geralmente mucosa gástrica ou tecido pancreático.1,2,4,5,7,8 Pode ocorrer ulceração péptica na mucosa ileal, ma-nifestada por dor, sangramento e perfuração.1,2 Além disso, em até 3,2% dos casos de divertículo de Meckel, podem ser detectados tumores benig-nos ou malignos, a exemplo de fibroma, neuro-fibroma, leiomioma, hemangioma, lipoma, car-cinoide, tumores do estroma gastrointestinal, adenocarcinoma e sarcoma.2-5,7 Hemorragia diges-tiva é a complicação mais comum e predomina na infância, associada com úlcera péptica no íleo ori-ginada na mucosa gástrica ectópica.1-5,7 A segunda complicação relacionada com o divertículo é a obstrução intestinal, mais comum em adultos.1-5,7 A obstrução pode se originar da invaginação e, mais raramente, da torção intestinal em torno de um divertículo aderido à parede abdominal pelo remanescente fibroso do ducto onfalomesentéri-co ou de hérnia de Littré.2-4,7,13,15

Nos adultos, o diagnóstico é mais difícil e de-ve ser considerado em doentes que apresentem náusea, vômito ou sangramento gastrointestinal. Apendicite é o diagnóstico pré-operatório mais comum nos casos de divertículo de Meckel com-plicado.1,3,7,8 A radiografia simples de abdome po-de mostrar sinais de obstrução intestinal ou de pneumoperitôneo em casos com perfuração. A radiografia contrastada pode não detectar enchi-mento do divertículo em virtude de sua obstrução por edema. A ultrassonografia revela sinais de di-verticulite e pode descartar apendicite, cisto de duplicação entérica e volvo intestinal.16 O ecodo-ppler colorido pode revelar hiperemia na parede diverticular e seus vasos nutridores. A tomografia computadorizada é muito útil para a confirmação do diagnóstico.5,7,8

Figura 2. Espécime cirúrgico mostra a grande ex-tensão do divertículo.

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Wendel dos Santos Furtado e cols. • Volvo do íleo e divertículo de Meckel

O tratamento ideal para o divertículo de Meckel as-sintomático permanece controverso.1 Alguns auto-res indicam sua ressecção, já que a probabilidade de complicação pós-operatória é de 1% e, em longo prazo, a taxa de complicação desse divertículo po-de alcançar até 6%.7,9 Acrescenta-se que a taxa de mortalidade associada com o divertículo de Meckel complicado é, também, estimada em 6%.7

A laparoscopia ou a laparotomia constituem abordagens utilizadas para tratar o divertículo de Meckel complicado. A modalidade cirúrgica em pacientes com quadros agudos complicados depende do tipo de persistência onfalomesenté-rica. Os remanescentes de base estreita podem ser tratados com extirpação da lesão mais oclusão do defeito intestinal.7 Quando a base do divertículo de Meckel é larga ou há processo inflamatório ou isquêmico afetando o íleo adjacente, a melhor op-ção consiste em enterectomia com reconstrução primária. Nos casos com envolvimento tumoral, devem-se ampliar as margens e realizar ente-rectomias mais amplas.7 Freitas e colaboradores recomendaram a realização de enterectomia seg-mentar com anastomose primária término-termi-nal, como técnica mais apropriada para remover o divertículo de Meckel e um eventual tecido ectó-pico no segmento intestinal próximo.1

Motta e colaboradores descreveram oito casos de pacientes operados por abdomen agudo causado por complicações do divertículo de Meckel em um serviço de emergência em Brasília.2 Em so-mente um paciente houve suspeita de diagnós-tico de divertículo de Meckel no pré-operatório. As principais complicações foram obstrução (62,5%) e perfuração (37,5%). Predominaram pacientes do sexo masculino (87,5%) e as idades variaram de 6 a 42 anos, com mediana de 23,2 ± 13,9 anos. A distância medida da base do di-vertículo até a junção ileocecal variou de 23 a 80 centímetros, com mediana de 38,3 ± 19,5 cm. Deve-se salientar que ocorreu apenas um caso de volvo do divertículo associado com perfuração e peritonite generalizada, e houve necessidade de ressecar trinta centímetros da alça intestinal. O paciente tinha dez anos de idade e foi submetido à apendicectomia seis meses antes.2

Relata-se um caso de divertículo de Meckel com-plicado com volvo em paciente com 16 anos de idade, em conformidade com a literatura, cuja mé-dia etária na ocasião do diagnóstico é de aproxi-madamente 21 anos.1 O diagnóstico não foi estabe-lecido no período pré-operatório, confundindo-se com apendicite aguda, seu principal diagnóstico diferencial.1-5,7 De fato, a obstrução do divertículo de Meckel pode causar diverticulite, clinicamente indistinta da apendicite.1,4 Mesmo não havendo si-nais ou sintomas característicos de obstrução in-testinal, durante a laparotomia observou-se que o paciente apresentou torção axial de alça do íleo em torno do divertículo.3,4,10,11,13 Após a redução do volvo, as alças mostraram-se viáveis e optou-se pela preservação do íleo. A técnica escolhida foi ligadura do divertículo com fechamento do defei-to intestinal remanescente, em concordância com a literatura.1,4,7

O exame anatomopatológico do espécime cirúr-gico constatou quatro camadas na parede do íleo, achado que caracteriza os divertículos verdadei-ros,8 além de descartar a presença de tecidos ec-tópicos.1,2,4,6 O diagnóstico clínico de afecção do di-vertículo de Meckel é usualmente difícil em virtude de a lesão causar quadros de abdome agudo infla-matório não característicos, seja ao exame clínico, seja com exames complementares.1,9 O volvo axial do divertículo de Meckel é considerado complica-ção muito rara.3,4,10,11 Entretanto, tendo em vista a potencial gravidade dessa condição, que inclui a gangrena,3,4,10,13 a anomalia congênita deve constar dos diagnósticos diferenciais de abdome agudo gra-ve. Exames de imagem do abdome, laparoscopia ou laparotomia exploradora são úteis para esclarecer diagnósticos duvidosos9-11 e prevenir eventuais gra-ves consequências de intervenções tardias.

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