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Guia de Laboratórios
i
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO..............................................................................................................................1
TÉCNICAS LABORATORIAIS
• Trabalho Nº 0 (T0) – INTRODUÇÃO ÀS TÉCNICAS LABORATORIAIS……………..............................3
MODELO QUÂNTICO DO ELECTRÃO LIVRE
• Trabalho Nº 1 (T1) – ENERGIA DAS ORBITAIS DE POLIENOS CONJUGADOS...............................15
FORÇAS INTERMOLECULARES
• Trabalho Nº 2A (T2A) – SOLUBILIDADE E MISCIBILIDADE................................................................23
• Trabalho Nº 2B (T2B) – DETERMINAÇÃO DA VISCOSIDADE DE LÍQUIDOS......................................29
EQUILÍBRIO QUÍMICO E CINÉTICA QUÍMICA
• Trabalho Nº 3A (T3A) – pH DE ÁGUAS NATURAIS............................................................................31
• Trabalho Nº 3B (T3B) – DETERMINAÇÃO DA ACIDEZ DE UM VINAGRE...........................................37
• Trabalho Nº 3C (T3C) – CINÉTICA DA HIDRÓLISE BÁSICA DO VIOLETA DE CRISTAL.....................39
ELECTROQUÍMICA E CORROSÃO
• Trabalho Nº 4A (T4A) – INTRODUÇÃO À OXIDAÇÃO-REDUÇÃO.......................................................43
• Trabalho Nº 4B (T4B) – CORROSÃO E PROTECÇÃO CATÓDICA......................................................51
• Trabalho Nº 4C (T4C) – PILHAS E ACUMULADORES.........................................................................55
Química Geral
ii
TRABALHOS LABORATORIAIS A REALIZAR EM CADA CURSO
NO PRESENTE ANO LECTIVO
CURSOS T0 T1 T2A T2B T3A T3B T3C T4A T4B T4C MEMec / MEAer / LEAN
MEEC
MEC / LEGM
LEMat
MEAmb
LEGI / LEE
MEFT / MEBiom
– trabalhos a realizar no presente ano lectivo
MEMec – Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica
MEAer – Mestrado Integrado em Engenharia Aeroespacial
LEAN – Licenciatura em Engenharia e Arquitectura Naval
MEEC – Mestrado Integrado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores
MEC – Mestrado Integrado em Engenharia Civil
LEGM – Licenciatura em Engenharia Geológica e Minas
LEMat – Licenciatura em Engenharia de Materiais
MEAmb – Mestrado Integrado em Engenharia do Ambiente
LEGI – Licenciatura em Engenharia e Gestão Industrial
LEE – Licenciatura em Engenharia Electrónica
MEFT – Mestrado Integrado em Física Tecnológica
MEBiom – Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica
Química Geral
1
APRESENTAÇÃO
Ó filho! Já me tiraram o medo há muito tempo!
Perder o medo é ganhar o conhecimento da vida. Aquela rapariga deve
ter tido um grande mestre para conhecer daquela maneira a realidade!
Esse mestre foi sem dúvida a própria realidade. Não há mestre mais
categórico do que a realidade a seco.
in “Nome de Guerra” de Almada Negreiros
Confrontamo-nos todos os dias com fenómenos químicos e físicos, mas estes aparecem-nos
envolvidos na sua utilidade imediata.
Não nos perguntamos porque é que a cara não se dissolve na água em que a lavamos nem o que faz
com que uma caneta escreva azul e outra vermelho.
Dizer que a tinta azul resulta da adição de uma substância (corante) que absorve o amarelo é
substituir uma ignorância por outra. Finalmente, porque é que uma substância absorve o amarelo e
não o vermelho ou o verde?
As aulas de laboratório de Química Geral têm por objectivo a análise da realidade “a seco”.
Observando-a e interpretando-a, até onde permite o conhecimento da química que os alunos
possuem.
Porque é que este conhecimento é necessário a um aluno de um curso superior de engenharia? Pela
própria definição de curso superior em oposição a curso técnico.
A nosso ver, saber que é das normas não pôr ferro zincado em ambientes fabris ou PVC em esgotos
de hospitais é muito meritório, mas não corresponde a conhecimento superior. Conhecimento
superior seria saber o porquê último destas normas, baseado nas razões físico-químicas das
propriedades destes materiais. Da mesma forma, para o técnico de engenharia electrónica o
semicondutor da GaAs (arsenieto de gálio) tem tanta razão de existir como o de AgSe (selenieto de
prata). Um técnico superior deverá reconhecer que o GaAs pertence à linha clássica de
semicondutores, enquanto que o AgSe (se existir) deverá apresentar propriedades eléctricas que
podem diferir muito das dos semicondutores usuais.
Guia de Laboratórios
3
TRABALHO Nº 0
INTRODUÇÃO ÀS TÉCNICAS LABORATORIAIS
OBJECTIVO
Dar a conhecer aos alunos os métodos que irão utilizar nas aulas:
1. Métodos de medida e preparação de soluções
2. Métodos de separação
3. Tratamento de dados experimentais
1. CONCENTRAÇÃO DE SOLUÇÕES
Uma solução é uma mistura homogénea de dois ou mais componentes. Existem soluções líquidas
(as mais usuais) mas também soluções sólidas (por ex., algumas ligas metálicas) e gasosas.
Quando se tem uma solução de um sólido ou gás num líquido diz-se que o primeiro é o soluto e o
segundo o solvente. Quando se trata de um líquido dissolvido noutro líquido é mais adequado falar
em mistura homogénea dos dois líquidos do que em solução, embora esta última denominação
esteja correcta. A concentração de um soluto numa solução exprime, sem ambiguidade, a
composição da mistura.
Definimos em seguida as unidades em que mais usualmente uma concentração é expressa.
i) Peso de soluto por unidade de volume: em geral número de gramas de soluto por litro de
solução (ex.: solução aquosa de NaCl com a concentração de 5,85 g dm3
).
ii) Percentagem em peso ou percentagem ponderal (m/m): número de gramas de soluto por 100
gramas de solução. Como variantes da percentagem ponderal são muito usadas as
concentrações em partes por mil (permilagem), abreviada como ppt, partes por milhão, ppm, e
partes por bilião, ppb. As duas últimas são correntes na especificação de águas e alimentos
quanto à existência de substâncias tóxicas (ex.: uma água com 16 ppm de Al3+
contém 16 mg de
Al3+
por 1000 g de solução).
iii) Percentagem em volume (v/v): número de mililitros (mL) de um dos líquidos, em geral aquele
que se encontra em menor quantidade, por 100 mL de solução. Não é indiferente qual o líquido
que se acrescenta primeiro, pois se juntar 50 mL de um líquido a 50 mL de outro não obtém
Química Geral
4
necessariamente 100 mL de solução, isto devido a que as moléculas passam a organizar-se de
forma diferente. Assim, para evitar ambiguidades, uma solução aquosa a 70% (v/v) em etanol
quer dizer que medimos 70 mL de etanol a que acrescentámos água até perfazer 100 mL.
iv) Razão de volumes (n:m): normalmente usado em medidas pouco rigorosas, como diluição de
tintas, componentes de colas, etc.. Por exemplo uma tinta diluída a 1:5 com água significa que
por cada unidade de volume de tinta deve acrescentar 4 unidades de volume de água.
v) Molaridade (M): número de moles de soluto por litro de solução. Como exercício, calcule qual
a molaridade em etanol, CH3CH2OH, de um vinho com 12% (v/v) de etanol sabendo que a
densidade do etanol é 0,82. Calcule também a molaridade da solução aquosa de cloreto de sódio
dada como exemplo na alínea i).
vi) Fracção molar e percentagem molar: a fracção molar de um componente numa solução é
definida como o número de moles desse componente a dividir pelo número total de moles de
todos os componentes da solução. A soma das fracções molares de todos os componentes da
solução é obviamente 1. Esta medida é muito usada para gases, devido a haver uma relação
directa entre a pressão parcial de cada componente e a sua fracção molar, mas também é útil no
estudo de misturas líquidas. A percentagem molar corresponde à fracção molar vezes 100.
Existem ainda outras maneiras de representar concentrações mas, ou têm uma interpretação óbvia,
ou são especialmente úteis para certos estudos especializados (por exemplo, em titulações ou
quando se trabalha a temperatura ou pressão variáveis) que não têm relevância neste contexto.
2. MÉTODOS DE MEDIDA
2.1. Massa
Tipos de Balanças
Balança técnica Rigor: 0,1 g Gama típica: 02000 g
Balança analítica Rigor: 0,1 mg Gama típica: 0100 g
Microbalança Rigor: 0,1 g Gama típica: 01 g
Modo de usar e cuidados a ter
Balanças técnicas:
ligar e esperar pela autocalibração;
pesar todas as substâncias químicas dentro de um recipiente ou barquinha feita em papel de
alumínio;
descontar o peso do recipiente levando a zero a balança por meio do botão de tara.
Guia de Laboratórios
5
Ter em atenção que a massa do recipiente + substância pesada nunca ultrapasse a carga máxima
da balança.
Balanças analíticas:
Para além dos aspectos referidos para as balanças técnicas,
devem ser mantidas rigorosamente niveladas e fechadas, e o interior seco com um recipiente
contendo sílica gel;
a pesagem e taragem devem ser efectuadas com a balança fechada;
o prato da balança deve ser pincelado antes da pesagem de forma a permitir a continuação da
pesagem no caso de derrame de composto, e depois da pesagem para evitar a contaminação e
corrosão da balança.
2.2. Volume
Medidores
Copos graduados Rigor: a partir de 5 ml Gama: 52000 mL
Provetas Rigor: a partir de 1 ml Gama: 52000 mL
Pipetas graduadas Rigor: a partir de 1 l Gama: 50 L 10 mL
Balões volumétricos Rigor: a partir de 10 l Gama: 12000 mL
Pipetas marcadas Rigor: a partir de 1 l Gama: 10 L 100 mL
Modo de usar e cuidados a ter
O material de vidro deverá estar desengordurado para que o líquido contacte directamente com a
superfície de vidro e não com a gordura adsorvida.
A leitura do volume deverá ser feita pela tangente ao menisco, tal como
é indicado na figura
Nota: se o líquido não for água o menisco terá características diferentes,
logo, a medida deveria ser corrigida. Trata-se de um preciosismo, sem
cabimento nas medidas efectuadas no contexto desta cadeira.
As pipetas marcadas deverão ser despejadas a 45º e encostadas a uma
superfície de vidro. A gota final deve ser retida dentro da pipeta, e não soprada para fora.
Sempre que o líquido seja tóxico ou corrosivo (característica indicada no rótulo do frasco) deve
ser usada uma pompete.
22 mL, e não 23 ou 24 mL
Química Geral
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2.3. Temperatura
Termómetros clássicos (mercúrio e etanol)
Vantagens: poucas, excepto serem baratos, quando o objectivo é fazer uma medida esporádica
dentro de uma gama estreita de temperaturas.
Inconvenientes: fragilidade, preço elevado quando é necessário ter rigor para uma larga gama de
temperaturas, e difícil registo automático da temperatura.
Termómetros electrónicos
Baseiam-se na variação da resistência dos metais com a temperatura (Pt100 e Pt1000) ou na
variação do potencial de junção metalmetal com a temperatura (termopares).
Vantagens: a sonda termométrica é barata e resistente química e mecanicamente; uma mesma sonda
permite o acesso a uma larga gama de temperaturas com elevado rigor; é possível fazer o registo e
controlo automático da temperatura.
Inconvenientes: elevado preço do ohmímetro ou milivoltímetro necessário à medida.
2.4. Absorção de Luz
Luz radiação electromagnética
Cargas eléctricas num campo eléctrico ficam sujeitas a uma força. Se este campo for oscilante a
força é oscilante.
Um campo electromagnético é um campo eléctrico oscilante, que se caracteriza pela sua frequência,
, e/ou comprimento de onda,
c
onde c é a velocidade de propagação da onda no meio.
Absorção Interacção da radiação electromagnética com os átomos ou moléculas
Interpretação Corpuscular Quântica
A radiação electromagnética é constituída por fotões de energia E = h (h constante de Planck =
6,6261034
J s).
Guia de Laboratórios
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Os electrões num átomo ou molécula só podem existir com energias bem determinadas e discretas
(quantificação). Logo, só fotões de energia tal que conduzam ao salto de um electrão de um destes
estados de energia para outro (permitido), podem ser absorvidos. Fotões de todas as outras energias
passam pelo átomo ou molécula sem interactuar com ele.
Interpretação Ondulatória
Os electrões num átomo ou molécula comportam-se como ondas electromagnéticas. Estas ondas
têm frequências de ressonância próprias (tal como uma corda de viola ou um vão de uma ponte).
Quando a onda electromagnética entra em ressonância com estas frequências próprias do átomo ou
molécula a energia é absorvida (tal como acontece numa corda de viola, conforme o seu
comprimento o som produzido tem uma frequência diferente e entra em ressonância, isto é, absorve,
essa mesma frequência).
Cor - noção qualitativa e quantitativa
A nossa vista é sensível a uma curta gama de comprimentos de onda, que abrange dos 400 aos 800
nm aproximadamente (7,51014
Hz 3,71014
Hz), denominado espectro visível.
VISÍVEL: Cores complementares
UV Azul Verde Amarelo Vermelho IV
400 nm 500 nm 600 nm 700 nm 800 nm
Dizemos que um objecto é verde quando a radiação que dele recebemos é de cerca de 500 nm. Para
isso o objecto tem que absorver todos os comprimentos de onda excepto os 500 nm (Figura 1).
Porém, também interpretamos como verde um objecto que absorve apenas o vermelho, cor
complementar do verde (Fig. 1). Da mesma forma, o azul e o amarelo também são complementares.
A luz cuja cor observamos pode ser reflectida por um objecto ou
transmitida através dele. A medida da quantidade de luz (de um
dado ) transmitida através de um vidro ou solução é feita segundo
o esquema ao lado. Designa-se como transmitância, T, e é definida
por:
T = Transmitância = I / I0
Um gráfico representando a variação da percentagem de
transmitância, 100×T, em função de , como os apresentados na Figura 1, é denominado espectro
I0 I
Solução
percurso óptico
(l)
Química Geral
8
de transmitância, sendo obtido automaticamente com um aparelho, o espectrofotómetro, que se
encontra descrito mais abaixo.
Figura 1: Os espectros aqui apresentados são ambos de soluções verdes. O primeiro corresponde a uma
solução muito opaca enquanto que o segundo corresponde a uma solução verde transparente.
Absorvância relação com a concentração
Foi definida a transmitância, T, de uma solução a um dado comprimento de onda, como a fracção
de luz que atravessa essa solução. A absorvância, A, da solução a esse mesmo comprimento de
onda relaciona-se com a sua transmitância segundo a equação:
A = log10 T = log10 (1/T)
Um gráfico da variação da absorvância A em função de denomina-se espectro de absorvância,
sendo também obtido num espectrofotómetro, em alternativa a um espectro de transmitância.
Uma propriedade importante da absorvância de uma solução é a sua variação linear com a
concentração molar do soluto que absorve luz, tal como é definido pela Lei de LambertBeer:
A = × l × [M]
onde é, para cada comprimento de onda, uma constante característica do composto denominada
coeficiente de absorção molar (ou absortividade molar); l é o percurso óptico dentro da solução
(distância entre as paredes transparentes da célula, medida no seu interior); e M é a concentração
(expressa em moles por dm3) do soluto, M, que absorve luz. Note-se que a relação linear da
absorvância com a concentração molar permite determinar a concentração de um dado corante para
o qual se conhece .
Absorve apenas o vermelho Absorve tudo menos o verde
Guia de Laboratórios
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Espectrofotómetro descrição
Um espectrofotómetro (representado esquematicamente na Figura 2) é constituído por:
Uma fonte de luz, lâmpada, que emita os comprimentos de onda adequados. Esta pode ser
uma usual fonte de tungsténio, lâmpada normal, para a zona do visível, ou uma lâmpada de
plasma de deutério, para a zona do UV.
Um monocromador, para seleccionar um só comprimento de onda. Usualmente, um prisma
rotativo metido dentro de uma caixa com uma fenda de entrada e uma de saída.
Um “splitter” que divide o feixe de luz em dois feixes iguais: um para ser usado como
referência, I0, e o outro para atravessar a amostra, destinado a medir I.
Um compartimento para a amostra e referência. Normalmente a amostra é uma solução
contida numa cuvete em vidro com um percurso óptico (l) de 1 cm e a referência uma cuvete
idêntica contendo apenas o solvente.
Detectores para a amostra e referência que transformam a intensidade luminosa que sobre eles
cai, I, numa corrente, i, proporcional à intensidade luminosa.
Variados dispositivos eléctricos e electrónicos cujas funções são: controlo da rotação do
prisma para seleccionar o comprimento de onda, escolha automática da lâmpada adequada ao
comprimento de onda seleccionado, cálculo da transmitância e da absorvância, representação
gráfica do espectro, etc..
Figura 2: Diagrama esquemático de um espectrofotómetro de varrimento para a gama da luz visível.
Química Geral
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3. MÉTODOS DE SEPARAÇÃO
Quando temos uma suspensão de produtos sólidos num líquido, a separação do sólido pode ser feita
por um ou mais dos seguinte métodos.
Decantação deixar assentar o precipitado e verter o sobrenadante. Apenas aplicável quando o
sólido é mais denso do que o líquido. É um processo muito lento, porém, muito usado na indústria.
Centrifugação é uma decantação forçada. Numa centrífuga de bancada o aumento de “peso” das
partículas pode ser de 5.000 a 10.000 vezes (aceleração 5.000 a 10.000 G) e numa ultracentrífuga a
aceleração pode atingir os 500.000 G (1 grama estará sujeito a uma força equivalente a 0,5 ton).
Note-se que o rotor da centrífuga deve estar sempre equilibrado. Isto consegue-se colocando no
suporte diametralmente oposto ao da amostra um tubo igual e com a mesma massa. A identidade
das massas é obtida adicionando a este tubo um volume adequado de água. As forças exercidas
sobre o fundo do tubo contendo a amostra são elevadas, portanto os tubos de centrífuga têm o fundo
reforçado, não sendo tubos de ensaio normais.
Filtração uma vez escolhido o poro e o material do filtro (normalmente papel) pode-se separar
quase tudo. É, porém, um processo lento.
4. NOÇÕES DE TRATAMENTO DE DADOS EXPERIMENTAIS
Todas as medidas experimentais contêm erros intrínsecos ao equipamento e método de medida
usado. Quando apresentamos o valor de uma medida devemos indicar com que erro ele foi obtido.
4.1. Manuseamento dos dados experimentais
Um método de indicar a incerteza das medidas é exprimi-las apresentando apenas algarismos
significativos, de acordo com as regras:
i) Algarismos diferentes de zero são sempre significativos.
ii) Quanto ao zero: se colocado antes de outros dígitos não é significativo; entre outros dígitos é
significativo; no final do número, depois de uma vírgula é significativo, mas antes da vírgula
não necessariamente.
Guia de Laboratórios
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Exemplos:
Valor Algarismos significativos Comentário
5,630 4 zero com significado
0,270 3 zero à esquerda sem significado
0,0004 1 zeros à esquerda sem significado
1,0007 5 todos os algarismos com significado
31 000 entre 2 e 5 não é claro se os zeros são significativos porque os zeros
podem estar apenas a indicar a posição da vírgula
3,1105 2
3,10105 3
2,36 2 o número em índice indica um valor estimado: por exemplo
2,36 cm medidos com uma régua graduada em mm.
Arredondamentos. Os números arredondam-se para o valor imediatamente superior se o algarismo
seguinte for maior do que 5 e para o imediatamente inferior se o algarismo seguinte for menor do
que 5. Porém, para evitar erros sistemáticos, quando o algarismo seguinte for 5 o arredondamento
faz-se para o número par mais próximo. Exemplo: 3,55 arredondado a 1 casa decimal passa a 3,6,
mas 6,45 fica 6,4.
A incerteza de um valor propaga-se em todas as contas que com ele fizermos.
1) Adição e subtracção: Os cálculos fazem-se com todas as casas decimais, mas o número de casas
decimais significativas do resultado não pode ultrapassar o menor número de casas significativas
das parcelas. Ex.:
22,33
2,23
0,22
3
33
24,78 63 = 24,79 arredondamento
2) Multiplicação e divisão: Numa multiplicação ou divisão o número de algarismos significativos
do resultado é idêntico ao do factor com menor número de algarismos significativos
Ex.: 0,2 103,4 = 20,68 0,2 102 ou 0,21 10
2
0,2 140,7 = 28,14 0,2 102 ou 0,28 10
2
(É neste caso que se torna informativa a nomenclatura com índice.)
Notemos porém que os números inteiros (cujo número de algarismos significativos é indefinido),
quando multiplicados por reais, não afectam o número de algarismos significativos destes. Claro
que se um computador custar 700,00 €, dois computadores custam 1.400,00 € e não 1103 euros!
3) Logaritmos: o argumento do logaritmo e a mantissa do seu resultado deverão ter o mesmo
número de algarismos significativos:
Química Geral
12
log 2,02 = 0,305
4.2. Exactidão e precisão
Os resultados experimentais contêm os seguintes tipos de erros:
1) Erros sistemáticos provêm de uma falta de calibração do aparelho de medida, inadequação à
medida realizada, ou deficiente técnica de medida.
2) Erros aleatórios provêm de instabilidades, limites de resolução, vibrações mecânicas, etc.
3) Erros do operador se seguirmos o aquecimento de um líquido e a sequência de temperaturas
registadas for 32 ºC, 35 ºC, 42 ºC, 74 ºC, 51 ºC, 67 ºC, provavelmente o valor de 74 ºC
corresponde a 47 ºC que o operador se enganou a ler ou escrever. Estes dados, e só estes, podem
ser desprezados (nunca substituindo pelo valor que supomos correcto) quando é feita uma
análise estatística dos dados.
A exactidão reflecte a concordância da medida com o valor real.
A precisão reflecte a sua reprodutibilidade.
A Figura 3 ilustra os dois conceitos.
Figura 3: Comparação dos conceitos de Exactidão e de Precisão
Na falta de uma análise estatística dos dados para determinar o desvio padrão das medidas, pode ser
usada, em primeira aproximação, a incerteza da medida. Assim, com uma régua graduada em mm
as medidas serão feitas com uma incerteza de 0,5 mm (p.ex. 23 0,5 mm) e com um balão
volumétrico da classe A de 100 mL pode medir-se 100 0,08 mL (menos de 0,1% de erro).
Guia de Laboratórios
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5. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
5.1. Material e reagentes
espectrofotómetro de absorção UVVIS
células de absorção em vidro (com um percurso óptico, l, de 1,0 cm)
balão volumétrico de 25 mL
balão volumétrico de 10 mL
pipetas graduadas de 5 mL ou 10 mL
copo de 100 mL
copo de 10 mL ou 25 mL
espátula de cana
pompete
vareta de vidro
cloreto de cobalto hidratado, CoCl2.6H2O
5.2. Operações e análise dos resultados
1) Prepare 25 mL de uma solução 0,05 M em cloreto de cobalto. Tenha em atenção que o CoCl2 se
apresenta sob a forma de sal hexa-hidratado, CoCl2.6H2O.
2) Usando uma pipeta graduada e a solução mãe obtida em 1) prepare 10 mL de uma solução
diluída de CoCl2: Grupo I– 0,01 M, Grupo II– 0,02 M, Grupo III– 0,03 M, Grupo IV– 0,04 M.
3) Trace o espectro de absorção das soluções que obteve em 1) e 2), usando água como referência.
Determine o comprimento de onda para o qual a absorvância é máxima, max, e o seu valor, Amax.
4) Represente graficamente os valores da absorvância máxima de cada uma das 5 soluções em
função da respectiva concentração molar exacta ([CoCl2.6H2O]) e inclua o ponto (0,0) na recta
de ajuste aos pontos experimentais: determine a equação da recta e o seu declive pelo método
dos mínimos quadrados (use uma calculadora ou o Excel®). Calcule o valor do coeficiente de
absorção molar () do CoCl2.6H2O para o comprimento de onda do seu máximo de absorvância
(max), tendo em conta o percurso óptico (l) de 1,0 cm da célula que continha as amostras.
Guia de Laboratórios
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TRABALHO Nº 1
ENERGIA DAS ORBITAIS DE POLIENOS CONJUGADOS
OBJECTIVO
Estudo da partícula numa caixa de potencial a uma dimensão.
Modelo do electrão livre. Espectros de absorção e energia das transições.
1. PARTÍCULA NUMA CAIXA DE POTENCIAL LINEAR
Uma caixa é uma região do espaço no qual a energia potencial da partícula é nula, mas aumenta
abruptamente para infinito nas paredes. Isto quer dizer que, embora a partícula seja livre de circular
dentro da caixa, é-lhe impossível sair dela, tal como acontece a uma bola dentro de uma caixa, de
onde não sai por necessitar de ultrapassar a energia potencial correspondente à subida das paredes.
Sendo esta caixa linear, a partícula é livre de se mover entre x = 0 e x = L, sendo L a dimensão
linear da caixa. A energia da partícula provém inteiramente da energia cinética resultante do seu
movimento dentro da caixa.
Como sabemos, um electrão pode comportar-se como uma onda. A onda associada ao electrão é
descrita pela equação de Schrödinger, que a uma dimensão é dada por (ver folhas teóricas):
2 2
22m xV E
d
d
Como sabemos que dentro da caixa V = 0, e que a partícula se reflecte nas paredes não podendo
assim existir quer em x = 0 quer em x = L, a equação de Schrödinger deverá ser integrada tendo em
conta as condições de fronteira = 0 para x = 0 e para x = L. Notemos que estamos a seguir a
hipótese de Born segundo a qual a probabilidade de encontrar o electrão é proporcional a 2. Logo,
nas paredes onde a probabilidade de encontrar a partícula é nula (porque nelas reflecte) a função de
onda também deverá ser nula.
Nestas condições, a integração da equação de Schrödinger conduz às seguintes expressões para a
função de onda e para a energia da partícula (e.g. electrão) numa caixa linear:
Química Geral
16
n L senn x
L
2
E nh
mLn 2
2
28 n =1,2,...
Note-se que:
As energias são definidas por um só número quântico, n, e são proporcionais a n2.
A energia mínima não é zero, o que está de acordo com o princípio de incerteza de Heisenberg.
Quanto menor a massa da partícula, m, maior a separação entre níveis energéticos, isto é, quando
a massa é muito elevada os níveis de energia para os diversos números quânticos n estão tão
próximos que constituem um contínuo (bolas de ping-pong numa caixa não estão
quantificadas!).
A separação dos níveis energéticos é tanto maior quanto menor for a dimensão da caixa (um
electrão livre não tem a sua energia cinética quantificada).
No interior da caixa, as funções de onda são sinusoidais com um comprimento de onda de 2L/n.
No exterior da caixa a função de onda é nula.
A equação de Schrödinger a uma dimensão pode ser visualizada na Figura 1:
0
1E-18
2E-18
3E-18
4E-18
5E-18
0 2.5E-10 5E-10
En
erg
ia (
un
id. a
rb.)
x (m)
Figura 1: Ondas associadas ao electrão numa caixa linear de 0,5 nm, para n = 1, 2, 3 e 4.
2. POLIENOS CONJUGADOS
Polienos são hidrocarbonetos com diversas ligações duplas carbono-carbono. Quando as duplas
ligações estão localizadas em carbonos contíguos, denominam-se polienos conjugados. As orbitais
Guia de Laboratórios
17
2pz destes carbonos contíguos coalescem lateralmente, formando-se um sistema de orbitais
deslocalizadas. O exemplo mais simples é o 1,3-butadieno:
Outro exemplo que terão oportunidade de analisar neste trabalho será o retinol (vitamina A):
Diversos compostos naturais cuja função é a absorção de luz visível são polienos conjugados. O
retinal (molécula com grandes semelhanças com o retinol) é responsável pela absorção de luz
visível pela rodopsina, a proteína existente na retina que detecta a luz e dá origem aos sinais
eléctricos que são enviados para o cérebro.
Um notável exemplo de polieno conjugado é o -caroteno, que dá a cor às cenouras. Este polieno
contém nada menos do que 11 ligações duplas conjugadas.
As orbitais dos polienos conjugados são muitas vezes consideradas como independentes das
outras orbitais da molécula, denominadas esqueleto . Nas aulas e nas folhas teóricas já lhe foi
apresentado o estudo do caso mais simples, o 1,3-butadieno, pelo método TOMCLOA. Recorde o
que aí estudou. Verificou que, como sempre, combinou 4 orbitais atómicas 2pz obtendo 4 orbitais
Química Geral
18
moleculares (OM), das quais duas, ligantes, com menor energia do que as orbitais atómicas e as
outras duas, antiligantes, com maior energia.
Um modelo muito simples para descrever os electrões nestas orbitais deslocalizadas , denominado
modelo do electrão livre, foi proposto por Platt. De acordo com este modelo, as orbitais podem ser
consideradas caixas lineares com o comprimento total (N+1)×dCC, onde dCC representa a dimensão
de uma ligação carbonocarbono (entre simples e dupla) e N o número de ligações CC. As
equações para o electrão numa caixa linear permitem calcular a sua energia para os diversos
números quânticos, En, e a função de onda que lhes está associada, n.
No presente trabalho os alunos terão a oportunidade de aplicar o modelo do electrão livre a três
polienos conjugados (um dieno, um pentaeno e o -caroteno).
3. DETERMINAÇÃO DA ENERGIA DE UMA TRANSIÇÃO
No 1,3-butadieno, por absorção de luz, um electrão transita da orbital molecular 2 para a orbital
molecular 3, de acordo com o seguinte esquema:
A energia que leva o electrão de uma orbital molecular para outra, E = h, é absorvida pela
molécula de uma só vez, “como um quantum de energia”, e não resulta de uma absorção
progressiva de energia. Portanto, uma dada molécula só deverá absorver radiação que corresponda a
um salto entre duas orbitais moleculares, ou seja, com um comprimento de onda característico =
c/, onde c é a velocidade da luz no meio.
A quantificação das energias absorvidas E obtem-se por espectrofotometria. Como se viu no
trabalho nº 0, de Introdução às Técnicas Laboratoriais, esta técnica baseia-se na medida da
absorvância ou da percentagem de transmitância da luz incidente, por uma solução (ou vapor), em
função do comprimento de onda da luz. Um espectro em absorvância ou transmitância é traçado
automaticamente num espectrofotómetro de varrimento.
A percentagem de transmitância, a um dado comprimento de onda , %T, já foi definida no
trabalho de Introdução às Técnicas Laboratoriais como:
1
2
3
4
Guia de Laboratórios
19
Cuvete com
Amostra
Luz incidente de Luz emergente de
intensidade I0 intensidade I
Na Figura 2 apresenta-se o espectro de transmitância da clorofila na zona do visível. No contexto
da Teoria das Orbitais Moleculares (TOM) este espectro indica que, com uma energia de 1,86 eV
correspondente a = 4,491014
s1
ou = 667 nm, absorvida num só fotão, fazemos transitar um
electrão de uma orbital para outra numa molécula de clorofila.
Figura 2: Espectro de transmitância da Clorofila no Visível.
De um ponto de vista de análise de cor sabemos que, sendo verde, a clorofila deve absorver a cor
complementar do verde, o vermelho. Desta forma, o amarelo e o azul que incidem sobre a folha de
uma planta são reflectidos e anulam-se, dando a sensação de branco. Porém, o verde é também
reflectido enquanto que a sua cor complementar é absorvida. Assim, a luz reflectida por uma folha
vem empobrecida em vermelho e nós interpretamo-la como verde.
O espectro de transmitância da clorofila mostra uma característica que parece estar em desacordo
com a descrição anteriormente feita do processo de absorção de luz. De facto, a banda de absorção
deveria ser bem definida, a um só comprimento de onda (energia), mas o que se observa é que ela
se espraia por uma gama de cerca de 100 nm, apresentando três “sub-bandas”. Também no caso do
I0 I
Solução
percurso óptico
(l)
100T0
I
I%
Química Geral
20
antraceno, de que se apresenta o espectro em absorvância (A = log10 T) na Figura 3, a banda de
absorção possui uma série de picos sucessivos parecidos com os dedos de uma luva. Porque será
que, ao contrário do que lhe foi dito nas aulas, as transições não têm lugar a uma única e bem
definida energia, ou comprimento de onda? Pelo contrário, uma transição electrónica manifesta-se
muitas vezes pelo aparecimento de diversas bandas estreitas muito próximas umas das outras.
Parece que a cada transição correspondem, não uma, mas diversas subtransições.
Isto é verdade! As moléculas têm diversas formas de acumular energia: a energia electrónica está
quantificada, mas as moléculas também vibram e rodam, e a sua energia vibracional e rotacional
também não é contínua, está quantificada. Isto é, as ligações químicas não são rígidas, são como
pequenas molas que unem os átomos, molas estas que têm a sua frequência de oscilação própria,
exactamente como as molas macroscópicas.
Assim, quando fornecemos energia electromagnética (na região do visível e/ou ultra-violeta) a uma
molécula, esta energia é usada para promover electrões de uma orbital molecular para outra, e a
energia em excesso pode ainda servir para fazer vibrar a molécula (isto é, aquecê-la).
No estado fundamental à temperatura ambiente, praticamente todas as moléculas estão no seu modo
de vibração de menor energia (não estão paradas, pois isto violaria o princípio de incerteza de
Heisenberg). Quando absorvem energia, podem ficar no estado vibracional mais baixo, primeira
banda, ou em outros estados vibracionalmente excitados, bandas seguintes. Na Figura 3, estes
diferentes estados vibracionais são identificados com as bandas de absorção observadas.
Figura 3: Espectro de absorção no ultra-violeta do antraceno com resolução vibracional e diagrama de
energias correspondente. Naturalmente, a energia da transição puramente electrónica deverá ser a da banda
0-0, isto é, a de menor energia.
Guia de Laboratórios
21
4. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
4.1. Material e reagentes
espectrofotómetro de absorção UVVIS
células de absorção em sílica (l = 1,0 cm)
n-hexano de grau espectroscópico
n-hexano para lavagens
solução de trans-1,3-hexadieno em dioxano
trans-retinol (sólido)
trans--caroteno (sólido)
pipetas de Pasteur
espátula fininha
4.2. Operações
Em princípio, os espectros deveriam ser obtidos com os polienos em fase gasosa. A manipulação
destes gases envolve contudo procedimentos complexos. Assim, em vez dos gases serão usadas as
suas soluções em n-hexano, CH3(CH2)4CH3. O n-hexano é um líquido que:
- é transparente na gama de comprimentos de onda que nos interessa,
- é inerte em relação aos compostos referidos.
Nota: Os polienos puros são tóxicos, nomeadamente supõe-se que produzem o cancro. Os seus
vapores não devem ser inalados, portanto nenhuma das suas soluções deverá ser pipetada à boca. O
seu cheiro muito desagradável também a isso não convida! Por vezes são também altamente
inflamáveis, extremamente reactivos e muito caros.
O 1,3-butadieno é muito volátil, Teb = 43 ºC. Em vez deste composto será usado o 1,3-hexadieno
cujo ponto de ebulição é de cerca de 67 ºC.
4.2.1. Preparação das soluções
As soluções a medir do dieno serão preparadas molhando a ponta de uma pipeta de Pasteur na
solução mãe fornecida e transferindo a gota recolhida para uma cuvete de absorção contendo n-
hexano. Caso a solução ainda esteja excessivamente concentrada, deve ser diluída o suficiente para
Química Geral
22
obter uma boa definição da banda de absorção ou de transmitância. No caso do retinol e do -
caroteno (sólidos), a solução a medir será preparada dissolvendo um pouco do composto (retirado
do frasco com uma espátula) directamente numa cuvete de absorção contendo n-hexano.
4.2.2. Obtenção dos espectros
O manuseamento do espectrofotómetro, nomeadamente a selecção das condições a usar, será
efectuado de acordo com as instruções fornecidas na altura da realização experimental.
Uma das células contendo n-hexano irá servir como referência, com a qual o aparelho determina o
valor de I0. Na outra posição será colocada a segunda célula, contendo sucessivamente as várias
soluções, traçando-se então os espectros (em absorvância ou transmitância) para cada uma delas.
4.3. Análise dos resultados
1. Determine a energia da transição 0-0 experimental para cada um dos compostos.
2. Compare as energias experimentais determinadas na alínea anterior com os correspondentes
valores teóricos, calculados pelo modelo da partícula numa caixa, admitindo um valor médio
para a distância CC (dCC) de 1,41 Å. Comente de forma crítica as diferenças observadas.
3. Sabendo que as distâncias carbonocarbono no dieno são: d(C1C2) = 1,349 Å e d(C2C3) =
1,467 Å, compare estes valores em relação às dimensões típicas de uma ligação CC simples
(dCC = 1,531 Å) e dupla (dC=C = 1,337 Å). Comente se o modelo do electrão livre permite prever
(apenas qualitativamente) esta diferença de comprimentos de ligação.
4. Explique por que razão, para obter os espectros de absorção dos polienos, se usam soluções
diluídas e não os líquidos (ou sólidos) puros. De que modo o funcionamento do
espectrofotómetro permite corrigir os efeitos da presença de solvente?
Dados: h = 6,62610–34
J s = 4,13610–15
eV s
c = 2,998108 m s
–1
me = 9,10910–31
kg
1 eV = 1,60210–19
J
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23
TRABALHO Nº 2A
SOLUBIDADE E MISCIBILIDADE
OBJECTIVOS
1) Familiarização com compostos químicos e suas propriedades.
2) Relação entre as propriedades mais correntes e a estrutura electrónica, geometria molecular e
características dos grupos funcionais existentes na molécula.
3) Propriedades decorrentes das forças intermoleculares. Miscibilidade e solubilidade.
1. SOLUÇÕES E MISTURAS DE LÍQUIDOS. COMPOSTOS IÓNICOS E
MOLECULARES
Quando dissolvemos uma substância, soluto, separamos as suas moléculas ou iões, que se
introduzem entre as moléculas do solvente. Assim, é do senso comum que uma dissolução só terá
lugar quando o cômputo das energias postas em jogo:
1 - Energia de ligação entre moléculas ou iões de soluto consumida,
2 - Energia de ligação entre moléculas de solvente consumida,
3 - Energia de ligação solutosolvente libertada,
for favorável à dissolução. Porém, o mecanismo de dissolução difere conforme as características do
composto.
No caso de compostos moleculares, as moléculas de soluto, coesas devido às interacções inter-
moleculares de Keesom, Debye, London e/ou Ligações de Hidrogénio, separam-se no solvente, mas
mantêm a sua individualidade química.
Pelo contrário, os compostos iónicos em solventes polares, como a água, dissociam-se nos seus iões
constituintes. Os iões em solução ficam envolvidos por uma gaiola de solvente, constituída por
dipolos moleculares que estabilizam as cargas eléctricas, como se mostra esquematicamente na
Figura 1 para o solvente água.
Química Geral
24
Figura 1: Solvatação de iões pelos dipolos eléctricos das moléculas de solvente (água).
Estas soluções apresentam características diferentes das de compostos moleculares. Uma solução
iónica pode conduzir corrente eléctrica (pelo menos corrente alterna) enquanto que uma solução
molecular não o faz, a menos que se dê oxidação e redução dos seus componentes no ânodo e no
cátodo, respectivamente. Note-se que os iões podem ser átomos electricamente carregados, mas
também iões moleculares, como por exemplo o ião sulfato, SO42
. Neste caso, a dissolução tem
lugar tal como se apresenta no esquema reaccional seguinte, para o sulfato de sódio:
No caso de compostos iónicos a sua solubilidade deve ser analisada em termos termodinâmicos
mais complexos (ver secção 2, adiante).
Quando se trata de compostos moleculares a sua solubilidade ou miscibilidade deve ser sempre
avaliada através das energias postas em jogo no processo de dissolução (ver início da secção 1).
Para levar à prática esta avaliação é necessário:
1º Desenhar correctamente a estrutura das moléculas em estudo, com especial atenção à geometria
e pares de electrões em orbitais não ligantes, propícios à formação de ligações de hidrogénio.
2º Avaliar os momentos dipolares de forma qualitativa, adicionando vectorialmente os momentos
dipolares parciais das ligações.
3º Avaliar as suas polarizabilidades relativas, usando o número total de electrões como uma
“medida” aproximada do seu volume.
4º Analisar as interacções intermoleculares em jogo entre moléculas de soluto e entre moléculas
de solvente, e a sua energia relativa.
5º Decidir se no processo de mistura se perdeu uma quantidade apreciável de ligações
intermoleculares, ou não. Se sim, provavelmente a solubilidade será diminuta; se não, é
espectável que se dê dissolução (ou mistura, no caso de dois líquidos).
Guia de Laboratórios
25
Vamos exemplificar para os compostos n-hexano, C6H14, e metanol, CH3OH. No quadro abaixo, N
(não) representa ausência de ligação intermolecular do tipo em causa e S (sim) indica que existe; e
será S+ ou S se contribuir para a coesão molecular, respectivamente, de uma forma importante ou
pouco relevante (nas folhas da cadeira encontrará o suporte teórico para estas análises).
1º Estrutura das moléculas:
C O
HH
HHC
C
C
C
C
CH
HHH
HH H H H H
H
H H H
n-hexano metanol
2º Polaridade:
O n-hexano é apolar (pelo menos na conformação apresentada, a mais estável) e o metanol
claramente polar devido à diferença de electronegatividades entre os seus átomos: C = 2,55,
H = 2,20, e O = 3,44.
C O
HH
HH CO
HC
HO
pi
3º Polarizabilidade:
O n-hexano tem 50 electrões e o metanol 18 (cerca de 3 vezes menos).
4º Interacções intermoleculares:
Moléculas Keesom Debye London Ligações de hidrogénio
n-hexano N N S+ N
metanol S S S S+
n-hexano metanol N S S N
5º Conclusão sobre a miscibilidade:
Nas misturas perderam-se as interacções de Keesom e ligações de hidrogénio do metanol e
parte das ligações de London do n-hexano. Provavelmente não serão miscíveis.
Experimentalmente observa-se que são parcialmente miscíveis: qualquer deles se mistura com
cerca de 25% em volume do outro.
Química Geral
26
2. TERMODINÂMICA DA DISSOLUÇÃO MOLECULAR
Na análise da solubilidade efectuada, considerámos exclusivamente os aspectos energéticos e
desprezámos os aspectos estatísticos. Qual será o estado mais provável? Aquele em que as
moléculas estão separadas, umas arrumadas num cristal e outras na semi-desarrumação que
caracteriza o estado líquido, ou umas dispersas no meio de outras? É evidente que o número de
diferentes posições relativas possível em solução é muito superior àquele em que as moléculas se
encontram em posições bem definidas num cristal ou semi-desarrumadas num líquido puro.
Embora o senso comum nos diga que qualquer sistema tende obrigatoriamente para uma menor
energia, isto não é totalmente verdade. Na realidade, os sistemas tendem não só para um estado de
menor energia como também para um estado mais provável, isto é, um estado em que possam
existir de mais maneiras diferentes, ou seja, num maior número de configurações. A função
termodinâmica entropia, S, mede o número de configurações possíveis de um sistema.
Na realidade, numa transformação física ou química os sistemas evoluem espontaneamente no
sentido de diminuir a sua energia livre de Gibbs, G (G < 0). A variação desta função
termodinâmica numa transformação tem que ter em conta duas contribuições, a entálpica (ou
energética), H, e a entrópica, S, esta última pesada com a temperatura absoluta, T (já que um
sistema a 0 K, em que os movimentos moleculares estão congelados, não tem nenhuma
possibilidade de aproveitar as diferentes configurações possíveis):
G = H T S
Numa dissolução a variação de entropia do sistema solutosolvente é positiva (S > 0) devido à
dispersão das moléculas do soluto no solvente relativamente aos compostos puros separados. Sendo
assim, uma dissolução pode dar-se espontaneamente (isto é, com G < 0) mesmo que seja com
consumo de energia. Portanto, dissoluções endotérmicas (ou endoentálpicas, H > 0) são
frequentes, embora, em princípio, menos favoráveis do que as exotérmicas (exoentálpicas, H < 0).
Podemos então concluir que uma análise baseada apenas na energia libertada ou consumida numa
dissolução, como a apresentada acima para o n-hexano e o metanol, só nos indica se a contribuição
entálpica (H) é ou não favorável à dissolução, nada nos dizendo se a variação de entropia (S)
pode ou não compensar aquela. É fácil concluir que não há substâncias insolúveis noutras, o que há
é substâncias cuja solubilidade é tão desfavorável do ponto de vista entálpico (energético) que, na
prática, se pode considerar inexistente.
Guia de Laboratórios
27
3. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
3.1. Material e reagentes
11 tubos de ensaio
2 espátulas de cana
Cloreto de amónio
Cloreto de cálcio anidro
Água destilada
Metanol
Tetracloreto de carbono
Soluções mistério: X, Y, Z.
3.2. Dissoluções endo- e exoentálpicas
Coloque num tubo de ensaio um pouco de cloreto de amónio (NH4Cl) e noutro um pouco de cloreto
de cálcio anidro (CaCl2). Adicione água destilada a cada um deles e agite ligeiramente para ajudar a
dissolver os sais. (Nota: na ausência de agitação a dissolução também se dá pois é espontânea,
mas o processo é mais lento.)
Observe qualitativamente a variação de temperatura associada a cada uma das disoluções. Comente
a validade dos raciocínios feitos com base no senso comum e nos conhecimentos de termodinâmica.
3.3. Miscibilidades
Usando um conjunto de 9 tubos de ensaio e os solventes água, metanol e tetracloreto de carbono,
teste as miscibilidades dos compostos desconhecidos, X, Y e Z. Anote o resultado na Tabela:
Tabela de miscibilidades
Composto 1 / Composto 2 X Y Z
Água
Metanol
Tetracloreto de Carbono
Sabendo que os 3 compostos desconhecidos são o n-hexano (C6H14), o éter dietílico
(CH3CH2OCH2CH3) e o etilenoglicol ou 1,2-etanodiol (CH2(OH)CH2OH), identifique X, Y e Z.
Química Geral
28
EXERCÍCIOS
1. Explique a dissolução dos metais em mercúrio (soluções usualmente denominadas amálgamas).
2. Desenhe uma molécula de metanol tendo em conta a sua estrutura e geometria. Em torno desta
coloque outras moléculas de metanol formando todas as possíveis ligações de hidrogénio
metanolmetanol.
3. Analise a miscibilidade do acetonitrilo, CH3CN, em água. Note que esta é uma das inúmeras
excepções à regra “semelhante dissolve semelhante”. Explique por que razão esta regra não é
observada neste caso.
4. As soluções de sais iónicos são condutoras de corrente alternada, mas quando a diferença de
potencial é pequena não conduzem corrente contínua senão durante um breve período inicial.
Explique porquê.
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TRABALHO Nº 2B
DETERMINAÇÃO DA VISCOSIDADE DE LÍQUIDOS
OBJECTIVO
Determinar a viscosidade de líquidos e relacioná-la com a sua estrutura molecular.
1. DEFINIÇÃO
A viscosidade dinâmica, habitualmente designada por viscosidade absoluta ou apenas por
viscosidade, , é definida como a resistência de um fluido ao seu escoamento.
Considere-se o líquido contido entre duas placas paralelas,
cada uma com uma área A. Mantendo a placa inferior fixa,
aplica-se uma força, F, à placa superior. Devido à
viscosidade, o líquido que se encontra junto da placa
inferior fica parado, enquanto que as camadas de líquido
superiores vão aquirindo velocidades tanto maiores quanto
mais afastadas estiverem da placa inferior parada. Assim,
cria-se um gradiente de velocidades que, simplificadamente, é dado pela razão entre a
diferença de velocidades entre as camadas de líquido junto de cada uma das placas,
v, que corresponde à velocidade adquirida pela placa superior, v, e a separação entre
essas placas, L. A relação entre este gradiente de velocidades e a força aplicada à
placa superior é dada por:
(F/A) = (v/L)
A viscosidade, , tem unidades Pa.s ou Poise, P, sendo 1 P = 1 g.cm1
.s1
= 0,1 Pa.s.
É habitual usar-se a unidade centipoise, cP. Para determinar existem vários tipos de
viscosímetros. Neste trabalho usa-se o viscosímetro de Ubbelohde, no qual se
determina o tempo de escoamento de um líquido através de um capilar.
Química Geral
30
A partir do tempo de escoamento t (s), pode obter-se a viscosidade cinemática, , como sendo =
k.t, em que k é uma constante de calibração do viscosímetro. No caso dos viscosímetros usados na
aula, obtém-se em centistokes, cSt (1 cSt = 106
m2.s1
). Pode então obter-se a viscosidade
absoluta do líquido, , fazendo
=
em que é massa volúmica do líquido. Se as unidades de forem g.cm3
, obtém-se em
centipoise.
2. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
Seguindo as instruções, proceda ao enchimento do viscosímetro que contém o líquido indicado na
montagem e determine o tempo de escoamento através do capilar.
Usando a constante de calibração desse viscosímetro, determine a viscosidade cinemática e, a
partir desta, usando a massa volúmica do líquido, determine a viscosidade .
Nesta aula, tem dois viscosímetros: um contendo etilenoglicol ou 1,2-etanodiol (CH2(OH)CH2OH,
= 1,11 g cm3
) e outro com glicerol (CH2(OH)CH2(OH)CH2OH, = 1,26 g cm3
).
Discuta os valores obtidos para as viscosidades de cada um dos líquidos em termos das respectivas
estruturas moleculares e das forças intermoleculares existentes em cada um deles.
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31
TRABALHO Nº 3A
PH DE ÁGUAS NATURAIS
ACIDEZ (PH) POR MEDIDA ELECTROMÉTRICA
OBJECTIVOS
1. Familiarizar os alunos com o pH e o método corrente de determinação.
2. Constituição das águas naturais (CO2, H3O
+, O2, etc.).
3. Capacidade de raciocínios elementares sobre equilíbrio químico.
1. INTRODUÇÃO
Os problemas ambientais resultantes da contaminação das águas naturais estão relacionados com o
seu teor em determinados compostos químicos, quer porque estes compostos representam uma
agressão ambiental por si próprios (são poluentes), quer porque a sua concentração numa água nos
indica qual o seu estado de "saúde".
No primeiro caso, estão os excessos de concentração de H3O
+ (chuvas ácidas), catiões de metais
pesados como mercúrio(II), cádmio(II) e chumbo(II), aniões fosfato (PO4)3
, nitrato (NO3) e
sulfato (SO4)2
e ainda poluentes orgânicos (hidrocarbonetos, hidrocarbonetos clorados e pesticidas
de composição muito variada).
A concentração de oxigénio molecular (O2) na água é um dos parâmetros mais importantes na
avaliação da capacidade que esta tem de suportar contaminações de substâncias biodegradáveis. É
portanto um dos melhores indicativos da "saúde" de uma água. O oxigénio em concentrações
inferiores a 5 mg L1
( 3×104
M) não permite a manutenção de uma comunidade de organismos
aeróbios capazes de limpar uma água por processos bioquímicos. Este facto é tanto mais importante
quanto muitas classes de compostos que poluem as águas, provenientes da indústria química e da
agro-indústria, são fortemente tóxicos e quimicamente muito estáveis, sendo só degradáveis por via
biótica (por ex., os pesticidas da classe das triazinas).
Química Geral
32
2. ACIDEZ DE ÁGUAS NATURAIS
A ionização da água pura (neutra) traduz-se pelo equilíbrio:
2 H2O (l) H
3O
+ (aq) + OH
(aq) (1a)
A constante de equilíbrio da ionização da água, KW
1 (também conhecida por produto iónico da
água) pode ser escrita como:
KW = [H
3O
+] [OH
] (1b)
tendo, a 25 oC, o valor de 1,0×1014
.
Logo, em água pura e a 25 oC, [H3O
+] = [OH
] = 1,0×10
7 M.
1 Nota sobre a lei da acção das massas e sobre a escrita de constantes de equilíbrio:
Na realidade, o produto iónico da água dever-se-ia escrever, tal como se deduz da termodinâmica, como
+ -3
W 22
(H O )(OH )
(H O)K , onde os parênteses curvos indicam actividades e não concentrações.
Como se explica, então, que a equação 1b (KW = [H
3O
+]×[ OH
]) também esteja correcta? Ou seja, porque é
que substituímos (H2O) por 1, em vez da concentração de H
2O na água pura, que é de 1000 g L
1 / 18 g mol
1
= 55,6 mol L1
, e as actividades dos iões, (H3O
+) e (OH
), pelas suas “concentrações” adimensionais,
respectivamente, [H3O
+]/1M e [OH
]/1M?
A actividade é um conceito fácil de compreender. Uma substância duplica a sua actividade quando duplica a
sua probabilidade de reacção, logo, se a concentração de iões OH na água duplicar, a probabilidade de eles
reagirem com iões H3O
+ (de concentração supostamente constante) também duplica. De facto, o equilíbrio
depende da possibilidade de reacção, e não necessariamente da concentração. Para soluções diluídas, a
actividade é proporcional à concentração. Porém, quando se trata de um sólido ou de uma substância muito
concentrada, isto não se verifica. Por exemplo, se o solvente for água, cuja concentração é de 55,6 M, a
probabilidade de reacção de uma molécula de H2O com qualquer outra molécula dissolvida (soluto) não é
significativamente afectada se a concentração da água for reduzida para metade. De facto, o soluto estará
sempre em contacto directo com muitas moléculas de H2O, logo, a actividade da água deixa de ser
proporcional à sua concentração, e a constante de equilíbrio deverá reflectir este facto.
Em Termodinâmica, usam-se algumas convenções para definir o valor da actividade de uma substância
química: i) a actividade de uma substância em solução é unitária para uma concentração 1 M (concentração
padrão); e ii) a actividade de um sólido, líquido puro, ou solvente é unitária.
Assim,
+ -3
+ -W 32
2
[H O ] [OH ]1M 1M [H O ][OH ]
(H O) 1K
(“concentrações” adimensionais), sendo portanto
adimensional, tal como qualquer constante de equilíbrio.
Guia de Laboratórios
33
A acidez é usualmente medida em unidades de 10
3
1pH log
[H O ]
. Assim, a 25 ºC, a água neutra
tem pH = 7,0. (Nota: a expressão pH provém das iniciais de potencial do ião Hidrogénio. Esta
notação é usada frequentemente em química: por ex., pKa é o log10 (1/Ka) em que Ka representa uma
constante de acidez).
Na realidade a água da chuva, mesmo na ausência de poluição, contém O2 , N2 e CO2 dissolvidos. O
CO2 dissolvido reage com a água para dar ácido carbónico, H2CO3 :
CO2 (aq) + H2O (l) H2CO3 (aq), com K = 102,8
(2a;b)
O ácido carbónico é um diácido com constantes de acidez:
H2CO3 (aq) HCO3
(aq) + H+
(aq), com Ka1 = 4,2×107
(3a;b)
HCO3
(aq) CO32
(aq) + H+
(aq), com Ka2 = 5,0×1011
(4a;b)
Como consequência dos equilíbrios 2a, 3a e 4a, por volta de pH = 7 as espécies CO2 , H2CO3
(ácido carbónico) e HCO3 (bicarbonato) coexistem; o CO3
2 porventura existente passa a HCO3
devido à baixa constante de equilíbrio da reacção 4a. Assim, o CO2 dissolvido é responsável pela
acidez natural da água da chuva. Quando o CO2 se liberta, a água torna-se menos ácida.
As águas recolhidas em reservatórios naturais do nosso País contactam terrenos de origem siliciosa
ou calcária.
No primeiro caso (terrenos graníticos do Norte de Portugal) podem dar-se diversas trocas iónicas,
mas não nos ocuparemos aqui desses casos. Em geral o pH destas águas é dominado pela presença
de CO2 e têm uma acidez semelhante à que se encontra na água da chuva recolhida directamente.
Diversas águas de mesa provenientes de zonas montanhosas do Norte de Portugal (Luso, Fastio,
Caramulo, Serra da Estrela) pertencem a esta classe.
Quando a água contacta terrenos calcários, o carbonato de cálcio (calcário) dissolve-se na água:
CaCO3 (s) CO32
(aq) + Ca2+
(aq) Ks = 4,96×109
(5a;b)
Em consequência, a concentração do ião carbonato (CO32
) aumenta, mas, devido à muito baixa
constante de acidez 4b, este ião reage com o H+ existente, provocando o aumento do pH do meio e
enriquecendo-o em ião bicarbonato; ou seja, dá-se a reacção 4a em sentido inverso. Em
consequência do aumento da concentração do ião bicarbonato, a reacção 3a prossegue também em
sentido inverso, aumentando ainda mais o pH do meio. Estas águas (Monchique, por exemplo)
apresentam pH muitas vezes básico e são usualmente provenientes do Sul ou do Centro de Portugal.
Química Geral
34
3. METODOLOGIA EXPERIMENTAL. DETERMINAÇÃO DO pH
O método dos indicadores corados para determinação do pH de uma água natural está actualmente
caído em desuso. Usam-se "aparelhos de pH" que não são mais que milivoltímetros ligados a uma
pilha cujo potencial depende da concentração de H+. Em seguida esquematiza-se a pilha usada:
Hg (s) | Hg+ (aq, saturado) || H
+ (aq, concentração a determinar) | H2 (g) | Pt (s)
O eléctrodo Hg+/Hg, denominado eléctrodo de calomelanos, é usado como referência. O seu
potencial de redução padrão é de +0,2412 V a 25 ºC. O potencial do eléctrodo de hidrogénio:
H+ (aq) + e
1/2 H2 (g, 1 atm) (6a)
é proporcional à concentração de H+ tal como prevê a equação de Nernst:
2
+2
H0
10 +H H
0,0591(a 25ºC)log 59,1 mV
( 1) [H ]
pE E pH
n
(6b)
Na prática é utilizado um "eléctrodo de vidro", em vez do eléctrodo de hidrogénio. Trata-se de uma
membrana de vidro, na qual se dá a redução do H+ e que dispensa o uso de H2 gasoso. O seu
funcionamento é complexo e está fora do âmbito deste curso.
Denomina-se "eléctrodo combinado" um dispositivo que contém numa só peça o eléctrodo de
calomelanos e o eléctrodo de vidro.
4. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
4.1. Material e reagentes
4 copos de 100 mL
1 copo de 400 mL
placa de aquecimento e agitação
barra de agitação
aparelho de pH, eléctrodo combinado, e soluções tampão
águas minerais do Luso, Monchique (ou Vimeiro) e Pedras gaseificada.
4.2. Execução laboratorial
1) Calibre o aparelho de pH com as soluções tampão (“buffers”) de pH = 7,0 e pH = 4,0, seguindo
criteriosamente as instruções dadas junto do aparelho.
Guia de Laboratórios
35
2) Meça o pH de uma água proveniente de terrenos graníticos (por ex., água do Luso) e o de uma
água de zonas calcárias (por ex., água de Monchique). Registe a composição indicada nos
rótulos das garrafas e tente interpretar os resultados.
3) Faça passar a água do Luso por uma coluna contendo calcário (CaCO3). Meça o pH à saída da
coluna. Interprete a variação observada.
4) Meça o pH de uma água gasosa (por ex., água das Pedras). Interprete o valor obtido,
comparando com a composição indicada no rótulo. Atenção: não deixe o eléctrodo combinado
muito tempo dentro da água gasosa para evitar a difusão do CO2 para o interior do eléctrodo.
5) Aqueça a água das Pedras num copo com agitação intensa. Deixe arrefecer até próximo da
temperatura ambiente, num banho de água (ou água e gelo) e meça o pH. Explique a variação
observada. Qual a origem e composição do precipitado que (por vezes) se forma?
EXERCÍCIOS
1. Explique, com base nos equilíbrios indicados, por que razão a dissolução de calcário em água lhe
reduz a acidez.
2. Calcule o pH de uma água pura na qual se dissolveu 102
mol L1
de CO2.
3. a) Escreva as reacções que descrevem a dissolução do anidrido sulfúrico, SO3, em água, sabendo
que são análogas às que representam a dissolução do anidrido carbónico, CO2, em água.
b) O anidrido sulfúrico é o principal responsável pela formação de “chuvas ácidas”. Interprete
este facto calculando o pH de uma água em que se dissolveu 102
mol L1
de SO3, e compare
com o resultado obtido no exercício 2. Dados: pKa1 (H2SO4) = 12; pKa2 (H2SO4) = 1,98;
constante de equilíbrio da reacção do SO3 com a água = 2102
.
Guia de Laboratórios
37
TRABALHO Nº 3B
DETERMINAÇÃO DA ACIDEZ DE UM VINAGRE
OBJECTIVO
Determinação da concentração em ácido acético num vinagre comercial.
1. INTRODUÇÃO
Uma das reacções mais importantes em Química é a que envolve um ácido e uma base, de acordo
com o esquema geral:
Neste trabalho vamos utilizar uma base forte, o hidróxido de sódio (NaOH), para determinar a
concentração de ácido acético (CH3COOH) numa solução aquosa (vinagre), de acordo com o
esquema:
H3C C
O
OH
+ NaOH H3C C
O
O-
+ H2O+ Na+
2. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
2.1. Material e reagentes
- 4 erlenmeyers de 150 mL
- proveta de 25 mL
- bureta de 50 mL
- balão volumétrico de 250 mL
- pipetas de 10 mL e 25 mL
- pompete
Química Geral
38
- vareta de vidro
- fenolftaleína 0,1%
- NaOH 0,05 M
- vinagre comercial
2.2. Técnica
1) Lave a bureta e encha-a com a solução de NaOH 0,05 M já preparada, existente no laboratório.
2) Dilua de 1:10 o vinagre fornecido, preparando uma solução num balão de 250 mL.
3) Pipete rigorosamente 10 mL da solução diluída de vinagre para um Erlenmeyer. Adicione 25 mL
de água destilada e 2 a 4 gotas do indicador ácidobase fenolftaleína.
4) Titule a solução de vinagre com NaOH até atingir o ponto final de titulação. Tome nota do
volume V utilizado.
5) Repita os pontos 3 e 4 até obter dois resultados concordantes (V ≤ 0,1 cm3).
3. TRATAMENTO DOS RESULTADOS
1 – Calcule a concentração do ácido acético na amostra fornecida. Apresente os cálculos.
2 – Determine a percentagem em massa de ácido acético no vinagre (use o valor de 1,01 g cm3
para a densidade do vinagre). Apresente os cálculos.
3 – Explique como actua um indicador ácidobase.
BIBLIOGRAFIA
1 – D. A. Skoog, D. M. West, F. J. Holler, Fundamentals of Analytical Chemistry, 6th
ed.; Saunders
College Publishing: Fort Worth, 1992.
2 – J. J. Lagowski e S. E. Webben, Laboratory Experiments in Chemistry, 1977.
3 – A. J. L. Pombeiro, Técnicas e Operações Unitárias em Química Laboratorial, Fundação
Calouste Gulbenkian, Ed., Lisboa, 1983.
4 – A. Vogel, Textbook of Quantitative Inorganic Analysis, 4th Ed., Addison-Wesley Pub Co, 1978.
Guia de Laboratórios
39
TRABALHO Nº 3C
CINÉTICA DA REACÇÃO DE HIDRÓLISE BÁSICA
DO VIOLETA DE CRISTAL
OBJECTIVO
Monitorização da cinética da reacção entre o violeta de cristal e o ião hidroxilo, por espectrometria
de absorção molecular no visível a temperatura controlada.
1. INTRODUÇÃO
O violeta de cristal (VC), C25H30N3Cl, é um composto iónico, que em solução aquosa se dissocia
em C25H30N3+ e Cl
. O catião C25H30N3
+ é responsável pela tonalidade violeta da solução. Em
presença de OH (proveniente de NaOH, no presente trabalho) o C25H30N3
+ é hidrolisado de acordo
com a reacção 1, gerando-se um composto com uma ligação COH (um carbinol), que é incolor.
(1)
Violeta de cristal, VC (violeta) Carbinol (incolor)
A evolução da reacção é acompanhada por uma descoloração gradual da solução, visto que se vai
consumindo um reagente corado e produzindo um composto incolor. Esta característica permite
utilizar a espectrometria de absorção molecular, no visível, para monitorizar a cinética da reacção.
O estudo cinético de uma reacção tem, em geral, dois aspectos particularmente importantes. O
primeiro é estabelecer a equação matemática que descreve a forma como a velocidade da reacção é
influenciada pelas concentrações dos reagentes (ou dos produtos). O segundo consiste em analisar o
efeito de factores como temperatura, pressão, tipo de solvente, etc., sobre a velocidade da reacção.
Química Geral
40
No presente trabalho ir-se-á apenas monitorizar a concentração de violeta de cristal no decurso da
reacção (mantida a temperatura constante) e confirmar a equação cinética (eq. 6) descrita abaixo.
A variação da velocidade de uma reacção com as concentrações das espécies nela envolvidas é
designada equação cinética ou equação de velocidade. Esta exprime-se geralmente em termos da
taxa de consumo de um dado reagente, ou de aparecimento de um produto, por unidade de tempo.
Seja, por exemplo, a reacção genérica:
aA + bB xX + yY (2)
onde A e B representam reagentes, X e Y denotam produtos, e a, b, x e y são os respectivos
coeficientes estequeométricos. A velocidade da reacção, expressa em termos da velocidade de
consumo do reagente A por unidade de tempo, obedece frequentemente a uma equação do tipo:
v 1
a
d A dt
k A B
(3)
Na equação 3, k é a constante de velocidade da reacção e e são as ordens parciais da reacção
relativamente aos reagentes A e B. A ordem global da reacção, n, é dada por n = + . Se a
reacção for elementar (isto é, se se der num só passo), os expoentes e são iguais aos coeficientes
estequiométricos a e b, respectivamente, e a ordem global da reacção é igual à sua molecularidade.
Existem vários métodos para determinar a ordem e a constante de velocidade de uma reacção.
Todos eles se baseiam na análise da variação da concentração de um reagente ou produto em função
do tempo, determinada experimentalmente.
Trabalhando com concentrações de violeta de cristal suficientemente baixas para que seja válida a
lei de LambertBeer, e numa zona do espectro visível em que apenas este composto absorva
radiação (neste caso, = 590 nm), tem-se, em cada instante:
l
A
VC (4)
sendo A a absorvância da solução, a absortividade molar e l o percurso óptico (ou espessura
interior da célula que contém a solução), que neste caso é de 1,14 cm. O valor de é determinado
medindo a absorvância de soluções de violeta de cristal de concentração conhecida.
Verifica-se que a reacção 1, de hidrólise do violeta de cristal, é de primeira ordem em relação a este
reagente. Nas condições experimentais usadas, em que a concentração de OH é muito superior à
concentração de VC, podemos considerar que a concentração de OH se mantém aproximadamente
constante ao longo da reacção. Nestas condições, podemos escrever:
Guia de Laboratórios
41
v d VC dt
k VC OH kap VC (5)
em que kap = k×[OH]0 se designa constante de velocidade aparente. Integrando a eq. 5, obtém-se:
[VC] = [VC]0 × exp(kap×t) equivalente a: ln([VC]) = ln([VC]0) kap×t (6a;b)
2. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL E ANÁLISE DOS RESULTADOS
2.1. Aparelhagem e Preparação de Soluções
A Figura 1 esquematiza a montagem utilizada no presente trabalho. O sistema possibilita o estudo
simultâneo de quatro reacções, com diferentes concentrações de reagentes, à mesma temperatura.
As reacções são realizadas em vasos de parede dupla onde circula água termostatizada. As soluções
são mantidas em agitação por agitadores magnéticos.
Controlador de temperatura
Banho termostatizado
Vaso reaccional
Placa de agitação
Água termostatizada em circulação
Figura 1: Esquema da montagem utilizada no estudo cinético da hidrólise básica do violeta de cristal. Para
simplificação do esquema, apenas se encontram representados dois vasos reaccionais.
No início da aula, o controlador de temperatura do banho termostático deve ser regulado para 35 ºC
e ligado de modo a que se inicie a circulação de água através dos vasos reaccionais.
As soluções A e B encontram-se disponíveis no laboratório:
A – Violeta de cristal (VC): 15 mg.dm
3;
B – NaOH: 0,1 M (com NaCl 0,5 M). (Nota: o NaCl serve para manter constante a força iónica
do meio reaccional; considera-se que se trata de um inerte, isto é, que não participa na reacção.)
A partir delas, prepare rigorosamente em balões volumétricos as soluções C e D:
C – Pipete 10 mL (Grupos I e II) ou 8 mL (Grupos III e IV) da solução A para um balão
volumétrico de 50 mL e perfaça o volume com água destilada.
D – Pipete 1,3 mL da solução B para um balão volumétrico de 50 mL e perfaça o volume com
água destilada.
Química Geral
42
2.2. Verificação da validade da lei de LambertBeer
Com o espectrofotómetro Spectronic 20, meça a transmitância (ao valor de = 590 nm) das 3
soluções de violeta de cristal que já se encontram preparadas no laboratório, de concentrações:
7,35×107
M, 2,21×106
M e 3,68×106
M (confirme as concentrações nos rótulos dos frascos).
2.3. Monitorização da Cinética da Reacção entre o VC e o Ião Hidroxilo
Despeje todo o conteúdo do balão contendo a solução C (VC) para um vaso reaccional. Mergulhe o
balão contendo a solução D (NaOH) no banho termostatizado. Espere até que as soluções C e D
atinjam a temperatura de trabalho (35 ºC), controlando a evolução desta com um termómetro.
Adicione a totalidade da solução D (50 mL) à solução C, contida no vaso reaccional, e inicie
imediatamente a contagem do tempo.
Retire cerca de 8 mL de amostra da mistura reaccional cerca de 2,5 minutos após o início da
reacção, coloque-a no tubo de medida e leia, no Spectronic 20, a transmitância (para = 590 nm).
Registe o tempo real em que fez a leitura. Após a medição, descarte o conteúdo do tubo para o copo
de resíduos. Repita o mesmo procedimento em intervalos de cerca de 2,5 minutos até esgotar toda a
mistura reaccional contida no vaso.
2.4. Determinação da Absortividade Molar
Construa uma tabela com os resultados das medidas de absorvância (converta a transmitância em
absorvância) em função da concentração molar de violeta de cristal, para as 3 soluções acima
indicadas. Represente graficamente a absorvância em função de [VC] e inclua o ponto (0,0) na
recta de ajuste aos pontos experimentais (regressão linear). Determine a absortividade molar, ,
referindo as suas unidades. Utilize a equação 4, com l = 1,14 cm.
2.5. Análise da Cinética da Reacção entre o VC e o Ião Hidroxilo
Resuma numa tabela os resultados das medidas de absorvância A (proporcional a [VC]) em função
do tempo t (preferencialmente convertido a segundos) para a reacção C+D estudada. Represente
graficamente ln(A) em função de t. O gráfico deve conter os pontos experimentais e a recta de
regressão correspondente. Conclua se a equação 6b é obedecida, ou seja, se a cinética da reacção
em estudo é de primeira ordem. Determine a constante de velocidade aparente, kap, a partir da recta
de regressão linear, explicitando as suas unidades. Recorrendo à concentração inicial de ião
hidroxilo, [OH]0, determine a constante de velocidade, k, explicitando as suas unidades.
Guia de Laboratórios
43
TRABALHO Nº 4A
INTRODUÇÃO À OXIDAÇÃOREDUÇÃO
OBJECTIVOS
1. Observação de reacções redox entre metais e iões metálicos.
2. Utilização de algumas das reacções anteriores na construção de células galvânicas.
1. INTRODUÇÃO
1.1. Reacções Redox
As reacções de oxidação-redução (reacções redox) são um dos tipos de reacções químicas mais
importantes, englobando processos tão diversos como a combustão da gasolina, a produção de
electricidade em pilhas, a corrosão dos materiais, ou o metabolismo alimentar; um dos seus
principais interesses industriais reside na obtenção de metais a partir dos minerais.
Enquanto que nas reacções ácido-base há permuta de protões entre as espécies intervenientes, nas
reacções redox ocorre transferência de electrões entre os reagentes. Quando uma substância é
oxidada perde electrões e quando é reduzida ganha-os.
Por exemplo, se colocarmos uma chapa de zinco dentro de uma solução
contendo iões Cu2+
, Figura 1, verificamos que se forma um depósito de
cobre metálico na superfície do zinco, enquanto que a solução azul de
Cu2+
se vai descorando.
Estas alterações são devidas à seguinte reacção redox:
Zn0 (s) + Cu
2+ (aq) → Zn
2+ (aq) + Cu
0 (s) (1)
Nesta reacção o zinco é o redutor, oxidando-se a Zn2+
e fornecendo electrões, e o Cu2+
é o oxidante,
aceitando electrões e reduzindo-se a cobre metálico.
Zn0 (s) Zn
2+ (aq) + 2 e
(2)
Cu2+
(aq) + 2 e Cu
0 (s)
(3)
Figura 1: Deposição de
cobre numa chapa de
zinco.
Química Geral
44
1.2. Potenciais normais de redução
A tendência que uma espécie tem em reduzir-se, aceitando electrões, pode ser visualizada através
do valor do seu potencial normal de redução, E0. Por definição, o potencial normal de uma reacção
é o potencial correspondente à reacção quando a actividade de todas as espécies envolvidas for
unitária, ou seja, quando a concentração de todas as espécies em solução for 1 mol L1
e a pressão
de todas as espécies gasosas for 1 atm.
O potencial normal de redução, Eº, de uma espécie está relacionado com a variação da energia livre
de Gibbs para essa reacção, G0, através da expressão:
G0 = nFE
0 (4)
sendo n o número de electrões envolvidos na reacção e F a constante de Faraday (96485 C mol1
).
F representa a carga por mole de electrões, isto é, o produto da carga do electrão (1,60221019
C)
pelo número de Avogadro (6,02211023
mol1
). A eq. 4 mostra que, quanto mais positivo for um
potencial normal, maior será a tendência para que ocorra a reacção de redução.
O valor zero da escala de potenciais normais foi atribuído à reacção de redução do hidrogénio:
2 H+ (aq) + 2 e
→ H2 (g); com E
0 = 0 (5a;b)
A Tabela 1 permite prever a evolução de reacções redox: no caso apresentado da chapa de zinco
numa solução de Cu2+
, uma vez que o potencial de redução do Cu (+0,34 V) é maior que o do zinco
(0,76 V), é de prever que os sais de cobre sofram redução, enquanto que o zinco metálico deve
oxidar-se a Zn2+
, o que na realidade se passa.
Tabela 1 - Escala de potenciais normais de redução
Reacção E0 (V)
F2 (g) + 2 e → 2 F
(aq) +2,87
MnO4
(aq) + 8 H+ (aq) + 5 e
→ Mn
2+ (aq) + 4 H2O (l) +1,51
O2 (g) + 4 H+ (aq) + 4 e
→ 2 H2O (l) +1,23
Ag+ (aq) + e
→ Ag
0 (s) +0,80
O2 (g) + 2 H2O (l) + 4 e → 4 OH
(aq) +0,40
Cu2+
(aq) + 2 e → Cu
0 (s) +0,34
2 H+ (aq) + 2 e
→ H2 (g) 0
Pb2+
(aq) + 2 e → Pb
0 (s) 0,13
Zn2+
(aq) + 2 e → Zn
0 (s) 0,76
2 H2O (l) + 2 e → H2 (g) + 2 OH
(aq) 0,83
Li+ (aq) + e
→ Li
0 (s) 3,05
Guia de Laboratórios
45
1.3. Células Galvânicas
O dispositivo representado na Figura 2 é uma célula galvânica (ou pilha). Nesta montagem o zinco
metálico e os iões cobre não estão em contacto directo, ao contrário do que sucedia na Figura 1. A
transferência de electrões entre ambos dá-se através de um condutor externo (por exemplo, um fio
de cobre), que liga a chapa de zinco a uma chapa de cobre mergulhada na solução de CuSO4. O
circuito é fechado por uma ponte salina, que consiste num tubo com a forma de um U invertido
contendo uma solução de um sal iónico (por exemplo, KNO3) que não participa na reacção mas
participa na condução da corrente.
V
Ponte salina
Voltímetro
CátodoÂnodo
K+
NO3
-
Zn Cu
-24SO
Zn2+
-24SO
Cu2+
Figura 2: Esquema de uma célula galvânica.
A diferença de potencial (E) entre os dois eléctrodos (semi-células de zinco e cobre) é a força
electromotriz da reacção e pode ser medida com um aparelho adequado, por exemplo um
voltímetro.
E pode ser calculada através da subtracção dos potenciais de eléctrodo, E. Um destes está
associado à reacção que ocorre no cátodo (redução) e o outro à reacção que ocorre no ânodo
(oxidação).
Para uma reacção genérica:
Mn+
(aq) + n e M
0 (s) (6)
a equação que exprime a variação do potencial de eléctrodo com a concentração da espécie em
solução (ou com a pressão, no caso de um gás) é a chamada equação de Nernst:
o o
n
1ln ln
M
RT RTE E Q E
nF nF
(7)
Química Geral
46
em que Q é o quociente reaccional e E0 o potencial normal de eléctrodo, que corresponde à presença
do ião Mn+
em solução com actividade unitária. Note-se que, por convenção, a actividade do sólido
puro M0 é também unitária.
Substituindo na equação 7 os valores das constantes R e F e convertendo o logaritmo neperiano em
decimal, obtém-se a forma mais comum da equação de Nernst, válida para T = 25 ºC = 298,15 K:
o
n
0.0591 1log
ME E
n
(8)
Assim, por exemplo, no caso da reacção:
Zn2+
(aq) + 2e- → Zn
0 (s) (9)
a equação de Nernst escreve-se:
o
2
1ln
Zn
RTE E
nF
(10)
O potencial, ou força electromotriz, da célula, Ecélula, é dado por:
Ecélula = Ecátodo – Eânodo (11)
sendo Ecátodo e Eânodo os potenciais de eléctrodo das duas semi-reacções que ocorrem na célula. Por
exemplo, no caso da célula galvânica ilustrada na Figura 2 a equação de Nernst toma a forma:
2 2 2 2
2
o o
célula Cu /Cu Zn /Zn Cu /Cu Zn /Zn 2
Znln
Cu
RTE E E E E
nF
(12)
A equação 12 permite calcular o valor esperado de Ecélula a partir do conhecimento dos potenciais de
eléctrodo padrão e da concentração dos electrólitos usados em cada semi-célula.
1.4. Constante de equilíbrio da reacção da célula
Quando o equilíbrio é atingido (e a pilha deixa de funcionar), o potencial da célula, Ecélula, torna-se
nulo (Ecátodo = Eânodo) e o valor do quociente reaccional, Q = [Zn2+
]/[Cu2+
], é igual ao da constante de
equilíbrio, K = [Zn2+
]eq/[Cu2+
]eq, da reacção global da célula (eq. 13):
Cu2+
(aq) + Zn(s) Cu(s) + Zn2+
(aq) (13)
Substituindo Ecélula = 0 e Q = K na equação 12 e explicitando K, obtém-se:
lnK =
2
2
eq
eq
Znln
Cu
= 2 2
o o
Cu /Cu Zn /Zn
nFE E
RT (14)
Guia de Laboratórios
47
2. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
2.1. Material e Reagentes
- 11 copos de 100 mL
- 4 placas de cobre
- 3 placas de zinco
- 2 placas de chumbo
- 1 placa de prata
- multímetro
- 4 pontes salinas
- fios terminando em “crocodilos”
- Soluções disponíveis no laboratório:
A CuSO4 0,1 M
B CuSO4 0,01 M
C AgNO3 0.1 M
D ZnSO4 0,1 M
E Pb(NO3)2 0,1 M
2.2. Preparação de eléctrodos metálicos
Preparar quatro eléctrodos de cobre, três eléctrodos de zinco, dois eléctrodos de chumbo e um
eléctrodo de prata, a partir das amostras destes metais existentes no laboratório. Antes da utilização,
os eléctrodos devem ser polidos com uma lixa fina, lavados com água destilada e secos com papel.
2.3. Pontes salinas
As pontes salinas já se encontram preparadas no laboratório. Para evitar contaminações, existe uma
ponte salina específica para cada célula galvânica, identificada com o número correspondente à
célula galvânica a que se destina. Atenção: Quando as pontes salinas não estão a ser utilizadas, as
extremidades devem ser lavadas com água destilada e mergulhadas numa solução 0,1 M em KNO3.
2.4. Observação de reacções redox entre metais e iões metálicos
(i) Coloque cerca de 6080 mL de solução de ZnSO4 0,1 M em dois copos.
Química Geral
48
(ii) Introduza num dos copos uma placa de cobre e no outro uma placa de chumbo. Registe as
alterações observadas.
(iii) Repita as operações indicadas em (i) e (ii) mas usando desta vez a solução de CuSO4 0,1 M e
uma placa de zinco e outra de chumbo.
(iv) Repita as operações indicadas em (i) e (ii) mas usando desta vez a solução de PbSO4 0,1 M e
uma placa de zinco e outra de cobre.
2.5. Construção de células galvânicas e medição das suas forças electromotrizes
Serão estudadas 4 células galvânicas:
Célula 1: Cu (s) | Cu2+
(aq, 0.01 M) || Cu2+
(aq, 0.1 M) | Cu (s)
Célula 2: Zn (s) | Zn2+
(aq, 0.1 M) || Cu2+
(aq, 0.1 M) | Cu (s)
Célula 3: Cu (s) | Cu2+
(aq, 0.1 M) || Ag+ (aq, 0.1 M) | Ag (s)
Célula 4: Zn (s) | Zn2+
(aq, 0.1 M) || Ag+ (aq, 0.1 M) | Ag (s)
A força electromotriz de cada célula é medida utilizando uma montagem análoga à apresentada no
esquema da Figura 2. Construa as células de acordo com a seguinte sequência:
(i) Coloque 6080 mL de solução em cada copo.
(ii) Introduza a(s) ponte(s) salina(s) correspondente(s) à célula galvânica em estudo.
(iii) Ligue os eléctrodos ao voltímetro de modo a gerar uma diferença de potencial positiva: o sinal
(+) do voltímetro deve ser ligado ao eléctrodo que vai funcionar como cátodo e o sinal () ao
eléctrodo que vai funcionar como ânodo.
(iv) Mergulhe os eléctrodos na solução e meça a força electromotriz da célula com auxílio do
voltímetro. Registe o valor da temperatura ambiente.
2.6. Tratamento dos resultados
Secção 2.4:
1. Construa um quadro com as observações registadas.
2. Interprete as suas observações e escreva as semi-reacções de oxidação e de redução e a
reacção redox global envolvidas em cada um dos 6 casos estudados.
3. Com base nestas observações, ordene as semi-reacções de redução por ordem crescente dos
seus potenciais e diga qual o oxidante mais forte e qual o mais fraco.
4. Será possível guardar sulfato de cobre em recipientes de zinco? E de prata? Justifique.
Secção 2.5:
1. Construa um quadro com os valores das forças electromotrizes registadas para cada uma das
4 células galvânicas estudadas.
Guia de Laboratórios
49
2. Recorrendo à equação de Nernst, preveja os valores dos potenciais para as mesmas 4 células
galvânicas, à temperatura de trabalho. Compare-os com os valores do quadro da alínea 1.
3. Calcule a energia livre de Gibbs e a constante de equilíbrio da reacção verificada em cada
uma das células galvânicas.
BIBLIOGRAFIA
1. P. W. Atkins, The Elements of Physical Chemistry, 1st ed.; Oxford University Press: Oxford, 1992.
2. D. A. Skoog, D. M. West, F. J. Holler, Fundamentals of Analytical Chemistry, 6th
ed.; Saunders
College Publishing: Fort Worth, 1992.
3. R. C. Weast, Ed., Handbook of Chemistry and Physics, 68th
ed., CRC Press, Boca Raton (1987-88).
Guia de Laboratórios
51
TRABALHO Nº 4B
CORROSÃO E PROTECÇÃO CATÓDICA
OBJECTIVOS
1. Introdução à corrosão electroquímica.
2. Identificação das zonas catódica e anódica no processo de corrosão de pregos em ferro.
3. Ilustração dos processos de protecção catódica por ânodo de sacrificio e por potencial imposto.
1. INTRODUÇÃO
O fenómeno da corrosão electroquímica de um metal consiste na sua oxidação quando em
presença de água e oxigénio (humidade atmosférica). A observação de ferrugem (Fe2O3·xH2O) em
peças de ferro, ou de coloração verde em peças de cobre, são sinais usuais de corrosão.
Para que uma espécie se oxide (isto é, perca electrões) outra espécie terá que se reduzir (receber
electrões) simultaneamente. Ou seja, os processos de oxidação e redução estão sempre associados
numa reacção electroquímica (por ex., numa pilha), pelo que terá que haver sempre um ânodo e
um cátodo (eléctrodos onde se dão, respectivamente, as reacções de oxidação e de redução).
Atendendo aos potenciais de redução normais (E0) do ferro, hidrogénio e oxigénio (indicados à
direita no esquema reaccional seguinte), a corrosão de uma peça de ferro (mesmo não estando em
contacto com outro metal) em ambiente arejado e húmido será provocada pelas seguintes reacções:
Ânodo: Fe2+
(aq) + 2 e Fe
0 (s) E
0 (Fe
2+/Fe
0) = 0,44 V
Fe3+
(aq) + 3 e Fe
0 (s) E
0 (Fe
3+/Fe
0) = 0,04 V
Fe3+
(aq) + 3 e Fe
2+ (aq) E
0 (Fe
2+/Fe
3+) = +0,77 V
oxidações
Cátodo: H+
(aq) + e ½ H2 (g) E
0 (H
+/H2) = 0 V
O2 (g) + 4 H+
(aq) + 4 e 2 H2O (l) E
0 (O2,H
+/H2O) = +1,23 V
Química Geral
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O2 (g) + 2 H2O (l) + 4 e
4 OH
(aq) E0
(O2/OH) = +0,40 V
reduções
Como se pode ver pelas reacções acima, a corrosão (ou destruição do material) resulta da passagem
do elemento metálico à sua forma oxidada, na zona anódica da peça, e na concomitante redução, na
zona catódica, quer do oxigénio dissolvido na água quer do H+ também presente na água.
Quando não há contacto entre dois metais diferentes (como no exemplo dado atrás; ver também a
Figura 10.2 das folhas teóricas, cap. 10) a corrosão ocorre devido à coexistência no material de
zonas anódicas e catódicas; estas podem ser criadas quer pela não uniformidade da superfície
metálica quer pela não uniformidade do poder oxidante do meio exterior.
Por exemplo, os átomos de ferro numa zona do metal deformada a frio (ou nos limites do grão
cristalino) estão menos ligados aos seus vizinhos, logo num estado de energia superior. Assim, é de
esperar que a sua passagem à solução por oxidação seja mais favorável do que os átomos de ferro
situados nas zonas não deformadas:
Fe2+
(aq) + 2 e Fe
0 (s, não deformado) E
0 (Fe
2+/Fe
0) = 0,44 V
Fe2+
(aq) + 2 e Fe
0 (s, deformado) E
0 (Fe
2+/Fe
0deformado) < 0,44 V
Da mesma forma, se uma dada região de uma peça homogénea está exposta a maior concentração
de H+ ou de O2 (ou seja, se existe um arejamento diferencial ao longo da peça), essa zona terá um
consumo extra de electrões, que terão que ser fornecidos pelas regiões adjacentes da peça.
Para evitar ou minimizar a corrosão, recorre-se quer a protecções de cobertura (por ex., pintura),
quer a outros tipos de protecção. No presente trabalho observaremos o efeito de protecção catódica
por ânodo de sacrifício e também por potencial imposto.
Qualquer destes dois processos baseia-se em tornar a peça a proteger numa zona catódica, isto é,
num eléctrodo cujo potencial é suficientemente elevado para que não seja possível a oxidação do
metal à superfície.
No caso da protecção catódica por ânodo de sacrifício, a peça a proteger é ligada electricamente a
um metal de menor potencial normal de redução (por ex, zinco, com E0
(Zn2+
/Zn0) = 0,76 V), em
contacto com o mesmo electrólito. Na protecção catódica por potencial imposto, o pólo negativo de
um gerador de corrente contínua é ligado à peça a proteger, enquanto o pólo positivo se liga quer a
um eléctrodo inerte (por ex., carbono ou grafite) quer a um eléctrodo de um material de baixo valor
comercial (por ex., ferro velho) o qual se irá oxidar.
Guia de Laboratórios
53
2. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
2.1. Material e reagentes
agar-agar
NaCl
solução indicadora de fenolftaleína
solução aquosa 0,1 M de K3[Fe(CN)6] (fresca)
solução de HCl diluído
1 copo de 600 mL
2 copos de 10 mL (para pesagens)
3 copos de 25 mL ou 50 mL ou 100 mL (de forma alta)
1 cristalizador pequeno
5 pregos em ferro de 6 cm de comprimento
1 barra de zinco
1 fio metálico terminado em crocodilos
1 pilha com terminais de crocodilo
1 placa de aquecimento com agitação
1 barra magnética para agitação
1 vareta de vidro para agitação
2.2. Operações
1. Num copo contendo 200 mL de água destilada em ebulição disperse cerca de 1,5 g de agar-agar
(agite fortemente com a vareta, para evitar formar grumos). Sem parar a agitação, adicione 2 g
de NaCl, 2 mL da solução de fenolftaleína e 2 mL da solução de K3[Fe(CN)6]. Mantenha a
solução em ebulição durante alguns minutos até esta se tornar límpida. Se a solução adquirir
uma cor carmim em consequência da adição de fenolftaleína, adicione uma quantidade mínima
de HCl diluído (apenas o suficiente para que a tonalidade avermelhada desapareça).
2. Antes da utilização, os pregos e a barra de zinco devem ser polidos com uma lixa fina, lavados
com água destilada e secos com papel de laboratório. Tome particular cuidado com o prego
dobrado, passando-o, depois de polido, por uma solução de HCl diluído, lavando-o com água
destilada e, finalmente, secando-o.
3. Verta, a quente, a solução para os 3 copos de 100 mL e para o cristalizador e deixe arrefecer até
que as soluções comecem a gelificar (pode mergulhar os copos em água para acelerar o
processo). De seguida, proceda do seguinte modo:
Química Geral
54
Cristalizador: Mergulhe completamente o prego dobrado na solução preparada ainda antes de
esta gelificar, evitando o arrastamento de bolhas de ar.
Copo 1: Coloque um prego na vertical semi-mergulhado no electrólito (gel).
Copo 2: Coloque um prego e a barra de zinco na vertical sem se tocarem no gel, mas unidos
pelo fio condutor exterior.
Copo 3: Ligue a bateria às extremidades de cada um de dois pregos e mergulhe-os no gel na
vertical, sem se tocarem.
4. Registe o que observou em cada uma das experiências e verifique o aspecto da superfície da
barra de zinco depois de removida.
Notas:
(i) A presença de OH é detectada por meio de um indicador ácido-base, a fenolftaleína. Esta é
carmim em meio básico (pH > 9,8) e incolor em meio ácido ou neutro (pH < 8,2).
(ii) A detecção dos iões Fe2+
baseia-se na reacção de formação do corante azul-esverdeado,
denominado "Azul de Turnbull". Este corante é um complexo originado na seguinte reacção:
Na+ + Fe
2+ + [Fe
III (CN)6]
3 Na
+ [Fe
II {Fe
III (CN)6}]
(iii) A observação dos iões Zn2+
é mais difícil. Este ião é também complexado pelo ferricianeto,
originando um complexo de cor branca, Na+
[ZnII
{FeIII
(CN)6}], observável à superfície do
eléctrodo de zinco após dias de reacção (no tempo da aula em que decorre a experiência não se
observa nada, devido ao curto tempo de contacto).
EXERCÍCIOS
1. Descreva o mecanismo da corrosão observada na zona mergulhada imediatamente adjacente à
superfície da solução (copo 1).
2. Na experiência com o prego deformado identifique o cátodo e o ânodo, e escreva as reacções
catódica/s e anódica/s que é possível terem lugar na solução de agar-agar.
3. Explique a função do NaCl na solução preparada.
Guia de Laboratórios
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TRABALHO Nº 4C
PILHAS E ACUMULADORES
OBJECTIVOS
1. Familiarizar os alunos com os geradores electroquímicos: pilhas e acumuladores
2. Características carga-descarga dum acumulador de chumboácido
3. Funcionamento de uma pilha de combustível de metanolágua oxigenada.
1. INTRODUÇÃO
1.1. Generalidades
Os geradores electroquímicos são dispositivos capazes de transformar energia química em energia
eléctrica. Contêm dois eléctrodos e, pelo menos, um electrólito. Põem em jogo dois sistemas de
oxidação-redução, Ox1/R1 e Ox2/R2, caracterizados pelos potenciais padrão E0
1 e E0
2, em condições
de utilização em que os potenciais de eléctrodo são dados pela lei de Nernst. Trata-se de um
domínio em plena expansão, quer ao nível da investigação quer da produção industrial, em
particular no quadro da miniaturização de fontes de energia portáteis.
A reacção química que se estabelece quando o dispositivo funciona como gerador de corrente
eléctrica é caracterizada por uma energia livre de Gibbs negativa (G < 0). Assim, se E2 é superior
a E1, observa-se a redução de Ox2 no cátodo e a oxidação de R1 no ânodo.
As curvas correntepotencial correspondentes têm a disposição relativa indicada na Figura 1.
Figura 1.
Química Geral
56
Em situação de equilíbrio, isto é, quando o dispositivo não debita corrente, a diferença de potencial
entre os dois eléctrodos é a força electromotriz (potencial da célula) E do gerador, dada por:
E = E2 – E1
Quando o gerador debita uma corrente de intensidade i, o ânodo assume um potencial superior ao
potencial de equilíbrio E1 e a diferença de potencial entre esse potencial reaccional E1i e E1
exprime-se em função da sobretensão anódica a; o cátodo assume então um potencial inferior ao
potencial de equilíbrio E2 e a diferença de potencial entre esse potencial reaccional E2i e E2
exprime-se em função da sobretensão catódica c. Uma vez que a solução entre os dois eléctrodos
apresenta uma resistência eléctrica R, quando é percorrida por uma corrente i estabelece-se através
dela uma queda óhmica dada por Ri. A diferença de potencial U aos terminais do gerador (Figura 2)
é, portanto, dada por:
U = E2 – E1 – a + c – Ri
U é a soma dum termo termodinâmico (E2 – E1), dum termo cinético (a + c) e dum termo óhmico.
Figura 2.
A Figura 2 mostra que a diferença de potencial U aos terminais do gerador em funcionamento é
tanto maior quanto:
mais elevada é a força electromotriz; convém, portanto, usar oxidantes e redutores muito
fortes, isto é, com potenciais padrão tão afastados quanto possível;
menores são as sobretensões; convém, portanto, usar sistemas rápidos e evitar limitações por
transferência de massa;
mais pequena é a queda óhmica no electrólito; convém, portanto, usar soluções com uma
condutibilidade elevada; os dispositivos que não necessitam de diafragma (separação do
electrólito em 2 compartimentos) são vantajosos sob este ponto de vista.
Guia de Laboratórios
57
1.2. Classificação
Costuma-se classificar os geradores electroquímicos em três categorias, de acordo com os critérios
referentes à sua capacidade e à possibilidade de os regenerar.
Numa pilha de combustível o oxidante e o redutor são-lhe fornecidos à medida que se vão
consumindo. Podem funcionar indefinidamente desde que o aprovisionamento seja assegurado.
Um acumulador é um sistema que podemos recarregar; mas para isso é necessário que os dois
sistemas electroquímicos postos em jogo sejam reversíveis. Com efeito, um acumulador está sujeito
a duas fases de funcionamento:
fase de carga, em que se acumula energia impondo aos terminais da célula uma diferença de
potencial U’ superior à força electromotriz (Figura 3):
U’ = E2 – E1 + 2a
– 1c
+ Ri
Figura 3.
fase de descarga, em que o sistema fornece energia; passa então a funcionar como se mostrou
na Figura 1.
Uma pilha fornece energia, mas não é recarregável. Um dos sistemas electroquímicos, pelo menos,
não é reversível: a oxidação de R2 ou a redução de Ox1 não pode efectuar-se porque uma outra
reacção se produz preferencialmente. Assim, no exemplo da pilha Ox2/R1 representada na Figura 4,
a oxidação de R2 para dar Ox2 é impedida pela oxidação do solvente.
Figura 4.
Química Geral
58
As designações comerciais respeitam esta classificação entre pilhas e acumuladores. Opostamente,
outras designações de um produto comercializado só raramente reflectem a composição físico-
química de forma explícita. Tais designações só se compreendem conhecendo a evolução histórica
dos processos que intervêm. Por ex., as designações pilha de lítio e pilha de manganês referem-se a
duas realidades químicas muito diferentes: a primeira contém um ânodo de lítio metálico, a segunda
contém dióxido de manganês que é reduzido no cátodo. Do mesmo modo, os nomes próprios são
insuficientes para caracterizar uma pilha porque eles correspondem muitas vezes ao nome do
inventor duma pilha cujo desenvolvimento conduziu a uma indústria que fabrica pilhas de todos os
tipos. É o caso, por ex., das pilhas de Leclanché, comercializadas sob a marca Mallory.
1.3. Pilhas correntes
As pilhas mais usadas são as de Leclanché, as de óxido mercúrico e as de lítio.
As reacções primárias na pilha de Leclanché:
Zn │ Electrólito │ MnO2 │ C
são a oxidação do zinco:
Zn Zn2+
+ 2 e
e a redução do dióxido de manganês, em que o Mn passa do grau de oxidação (IV) para o grau (III):
MnO2 (s) + e
+ H2O
(l) MnOOH
(s) + OH
(aq)
Por vezes o electrólito é gelificado com amido, o que conduz à designação de “pilha seca”; podem
também usar-se soluções de potassa gelificada, o que conduz às “pilhas alcalinas”.
A pilha de óxido mercúrico pode ser simbolizada por:
Zn amalgamado │ KOH a 40% saturado de [Zn(OH)4]2
│ HgO │ C
No cátodo reduz-se o óxido mercúrico:
HgO (s) + 2 e
+ H2O
(l) Hg
(s) + 2 OH
(aq)
e no ânodo oxida-se o zinco:
Zn (s) + 4 OH
(aq) [Zn(OH)4]
2 (aq) + 2 e
O lítio é um metal muito electropositivo e possui uma baixíssima massa volúmica. Por estes
motivos tem sido muito explorado, particularmente em aplicações móveis e em sistemas de
miniaturização. Uma vez que se oxida na presença da água, usa-se em electrólitos, solventes não
aquosos, líquidos iónicos e polímeros condutores.
Guia de Laboratórios
59
1.4. Acumuladores correntes
Num acumulador os dois sistemas electroquímicos são reversíveis e as reacções postas em jogo
durante a carga são inversas das que se produzem na descarga. Os acumuladores mais usados são os
de chumboácido e os alcalinos.
O acumulador de chumbo-ácido pode ser simbolizado por:
Pb │ PbSO4 │ H2SO4 │ PbSO4 │ PbO2 │ Pb
A reacção global que se produz no seu interior pode escrever-se:
PbO2 (s) + Pb
(s) + 2 H
+ (aq) + 2 HSO4
(aq)
descarga 2 PbSO4 (s) + 2 H2O
(l)
ac arg
que corresponde:
na descarga, à redução do chumbo (IV) do cátodo e à oxidação do chumbo (0) do ânodo, num
e noutro caso com formação de Pb(II)SO4;
na carga, à dismutação do sulfato de chumbo(II) em Pb e PbO2.
O tempo de vida útil do acumulador está ligado à qualidade dos grânulos de PbSO4 que se formam.
Se não aderem fortemente à superfície do eléctrodo, depositam-se no fundo da célula e não podem
redissolver-se. Se crescem demasiado, podem estabelecer um curto-circuito entre placas vizinhas.
Os acumuladores alcalinos devem o seu nome ao electrólito básico que contêm. O mais conhecido
é o de NiCd (baterias de níquelcádmio), que se pode representar por:
Cd │ Cd(OH2) │ KOH (aq) │ NiOOH │ Ni(OH2) │ Ni
A reacção global escreve-se:
Cd (s) + 2 NiOOH
(s) + 2 H2O
(l)
descarga Cd(OH)2 (aq) + 2 Ni(OH)2
(aq)
ac arg
Essencialmente por questões ambientais, os acumuladores de níquelcádmio têm vindo a ser
substituídos por acumuladores de níquelhidreto metálico e outros.
1.5. Pilhas de combustível correntes
As pilhas de combustível mais usadas são as de hidrogéniooxigénio (ou hidrogénioar), mas
muitos outros combustíveis (hidrazina, metanol, hidrocarbonetos saturados, etc.) e comburentes
(água oxigenada, etc.) podem ser utilizados.
No caso da pilha de H2/O2, a reacção global escreve-se:
Química Geral
60
H2 + ½ O2 H2O
a que corresponde uma força electromotriz, a 25ºC, de:
E = G / nF = 237×103 / 2×96500 = 1,23 V
uma vez que G = 237 kJ/mol de H2, o número de electrões postos em jogo nos processos de
eléctrodo é igual a 2 e F é a constante de Faraday, F = 96500 C mol1
.
A oxidação electroquímica do hidrogénio ocorre num ânodo dum material catalítico condutor (por
exemplo, grafite impregnada de platina), que constitui o terminal negativo da pilha:
H2 (g) 2 H
+ (aq) + 2 e
(numa pilha de combustível ácida)
H2 (g) + 2 OH
(aq) 2 H2O
(l) + 2 e
(numa pilha de combustível alcalina)
enquanto que a redução do oxigénio se processa num cátodo catalítico, que constitui o terminal
positivo da pilha:
½ O2 (g) + 2 H
+ (aq) + 2 e
H2O
(l) (numa pilha de combustível ácida)
½ O2 (g) + H2O
(l) + 2 e
2 OH
(aq) (numa pilha de combustível alcalina)
2. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
2.1. Estudo do acumulador de chumbo
2.1.1. Material e Reagentes
Solução de ácido sulfúrico 2 M
Tina de vidro
Duas placas de chumbo (2 × 5 cm)
Eléctrodo de calomelanos saturado
Gerador de corrente contínua
Miliamperímetro
Milivoltímetro
2.1.2. Execução experimental
Coloque as duas placas de chumbo paralelamente uma à outra a uma distância da ordem de 1 cm e
depois mergulhe-as no ácido sulfúrico (de modo a imergir cerca de 2 × 3 cm). Introduza na solução,
entre as placas, a extremidade do eléctrodo de calomelanos saturado. A montagem eléctrica
galvanostática está representada esquematicamente na Figura 5.
Guia de Laboratórios
61
Figura 5.
Imponha uma corrente fixa ic de cerca de 20 mA durante 10 minutos. Seguidamente, altere o
sentido da corrente, impondo novamente uma corrente id de cerca de 20 mA durante 10 minutos.
Assim que o potencial do eléctrodo positivo começar a diminuir bruscamente, carregue o
acumulador. Após dois ciclos de carga e descarga, os eléctrodos estabilizam. Efectue então um
terceiro ciclo, durante o qual as tensões EA ER e EB ER devem ser registadas ao longo do tempo.
Trace as características de carga e de descarga para cada eléctrodo. Calcule o rendimento de
corrente e de energia do acumulador durante o seu ciclo de funcionamento.
2.1.3. Discussão
O andamento das características de carga e descarga está indicado na Figura 6.
Figura 6.
Durante a carga o potencial do terminal positivo é vizinho de 1,6 V vs. ECS, que é o potencial
necessário para oxidar PbSO4 a PbO2 à velocidade imposta. A variação do potencial do terminal
negativo retrata a intervenção de dois sistemas. No início da carga há redução de PbSO4 a Pb, que
Carga Descarga
Eléctrodo positivo
Tempo (min.)
Eléctrodo negativo
Química Geral
62
se observa a um potencial de cerca de –0,6V vs. ECS. Quando a quantidade de PbSO4 redutível se
esgota, a manutenção da corrente implica a redução dos protões à superfície do chumbo, a qual se
verifica a um potencial mais negativo, de cerca de –1,0 V vs. ECS, para a velocidade imposta. A
duração da primeira fase depende do funcionamento anterior do acumulador; assim, para observar a
redução dos protões é necessário carregar o acumulador durante bastante tempo.
Durante a descarga o potencial do terminal negativo (ânodo) permanece muito constante a cerca de
–0.55 V vs. ECS; isto deve-se ao facto de que, quer o oxidante, quer o redutor, são dois sólidos
(PbSO4 e Pb) e a actividade dos sulfatiões na solução pouco se altera durante a descarga. O
potencial do terminal positivo é ligeiramente superior a 1,4 V vs. ECS. O fim da descarga é
indicado por uma queda brusca do potencial do cátodo (eléctrodo positivo), que corresponde ao
empobrecimento do PbO2 redutível à superfície do eléctrodo.
A qualidade dum acumulador costuma caracterizar-se por duas grandezas, o rendimento de corrente
e o rendimento de energia.
O rendimento de corrente Rq é a razão entre a quantidade de electricidade Qd que percorre o
acumulador durante a descarga e a quantidade de electricidade Qc que o percorre durante a carga:
Rq = Qd / Qc = dti
dti
c
d
Claro que, se se carrega e descarrega o acumulador a uma intensidade constante, Rq depende apenas
da duração da carga e da descarga.
O valor de Rq depende da existência de reacções secundárias e da aderência dos sólidos PbO2 e
PbSO4 aos eléctrodos. Nas condições laboratoriais propostas Rq é da ordem de 80%.
O rendimento de energia Rw é a razão entre a quantidade de energia Wd fornecida pelo acumulador
durante a descarga e a quantidade de energia Wc que lhe é fornecida durante a carga. Pode
aproximar-se em função das correntes e da tensão U aos terminais da célula:
Rw = Wd / Wc = dtiU
dtiU
cc
dd
Rw depende dos factores que influenciam Rq e da cinética dos processos electroquímicos, visto que
inclui as sobretensões em Ud e Uc, assim como a queda óhmica no acumulador. Portanto, Rw é
necessariamente menor que Rq. Nas condições experimentais propostas Rw é da ordem de 60 a 70%.
Guia de Laboratórios
63
O aluno deverá executar a parte laboratorial como se descreve no procedimento 2.1.2, bem como
registar as características de cargadescarga e calcular, aproximadamente, o rendimento de corrente
e o rendimento de energia do acumulador.
2.2. Pilha de combustível de metanolágua oxigenada
2.2.1. Material e Reagentes
Água oxigenada a 10 volumes
Hidróxido de potássio 3 M
Metanol
Célula de vidro de dois compartimentos separados por um diafragma poroso
Eléctrodos de platina (2)
Miliamperímetro
Reóstato
Milivoltímetro
2.2.2. Execução experimental
Coloque a solução de hidróxido de potássio nos dois compartimentos da célula. Mergulhe os dois
eléctrodos em cada compartimento. Coloque em série, entre os terminais da pilha, um interruptor,
um miliamperímetro e um reóstato (Figura 7). Adicione alguns cm3 de metanol a um dos
compartimentos (anólito) e um pouco de água oxigenada no outro compartimento. Meça a diferença
de potencial aos terminais em circuito aberto. Feche o circuito e observe a variação da corrente
quando a pilha está a debitar.
Figura 7.
Vidro
Reóstato
Química Geral
64
2.2.3. Discussão
O dispositivo laboratorial utilizado permite um débito de corrente de algumas dezenas de mA, uma
vez que a área dos eléctrodos é razoável e o diafragma de vidro poroso tem uma resistência eléctrica
reduzida. No ânodo verifica-se a oxidação do metanol a carbonato, de acordo com a reacção:
CH3OH (aq) + 8 OH
(aq) CO3
2 (aq) + 6 H2O
(l) + 6 e
No cátodo intervém a redução do peróxido de hidrogénio:
H2O2 (aq) + 2 e
2 OH
(aq)
À superfície da platina também se observa uma libertação gasosa devido à decomposição da água
oxigenada em meio alcalino, que consiste na dismutação em água e oxigénio:
H2O2 H2O + ½ O2
Portanto, o funcionamento da pilha implica também a redução do oxigénio à superfície do cátodo:
½ O2 (g) + H2O
(l) + 2 e
2 OH
(aq)
A reacção global correspondente à oxidação do metanol escreve-se:
CH3OH (aq) + 3 H2O2
(aq) + 2 KOH
(aq) K2CO3
(aq) + 6 H2O
(l)
Podem, é claro, usar-se outros sistemas. Na pilha em estudo, por exemplo, a hidrazina pode
substituir o metanol e a água oxigenada pode ser substituída por oxigénio gasoso.
O aluno deverá executar a parte laboratorial descrita no procedimento 2.2.2. Para traçar a curva de
descarga, efectue uma vintena de medidas de valores U(i), utilizando o reóstato ligado em série com
a pilha. Constate que a curva característica não é linear, em virtude das sobretensões associadas aos
processos de eléctrodo. O afastamento à linearidade deverá ser tanto maior quanto mais intensa a
corrente que a pilha debita ou, por outras palavras, quanto mais afastado se estiver da força
electromotriz ( Ui = 0).
BIBLIOGRAFIA
1 – C. A. C. Sequeira, “Reciclagem de Pilhas Domésticas”, Ingenium, 2ª Série, nº 27, Julho 1998, págs.
9598.
2 – O. P. Dias, I. C. Teixeira, J. P. Teixeira e C. A. C. Sequeira, “A Influência do Regime de Descarga na
Capacidade das Baterias de Chumbo-Ácido”, Ciência & Tecnologia dos Materiais, Vol. 8, Nº 3-4,
Dezembro 1996, págs. 1928.
3 – C. A. C. Sequeira, “Pilhas de Combustível e sua Aplicação a Veículos Eléctricos”, Annualia Verbo 2005-
2006, Agosto 2005, págs.155177.