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Copyright © Autor: Augusto Comte Tradução: Renato Barboza Rodrigues Pereira Edição eletrônica: Ed Ridendo Castigat Mores (www.jahr.org) DISCURSO PRELIMINAR SOBRE O ESPÍRITO POSITIVO Augusto Comte ÍNDICE BIOGRAFIA DO AUTOR DISCURSO SOBRE O ESPÍRITO POSITIVO OBJETO DESTE DISCURSO PARTE I SUPERIORIDADE MENTAL DO ESPÍRITO POSITIVO Discurso preliminar sobre o espírito positivo file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (1 of 55) [23/2/2002 22:59:17]

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  • 1. Discurso preliminar sobre o esprito positivo Copyright Autor: Augusto Comte Traduo: Renato Barboza Rodrigues Pereira Edio eletrnica: Ed Ridendo Castigat Mores (www.jahr.org)DISCURSO PRELIMINAR SOBRE O ESPRITO POSITIVO Augusto ComteNDICE BIOGRAFIA DO AUTOR DISCURSO SOBRE O ESPRITO POSITIVO OBJETO DESTE DISCURSO PARTE I SUPERIORIDADE MENTAL DO ESPRITO POSITIVOfile:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (1 of 55) [23/2/2002 22:59:17]

2. Discurso preliminar sobre o esprito positivoCaptulo I Lei da Evoluo Intelectual da Humanidade ou Lei dos Trs Estados. Captulo II Destino do Esprito Positivo. Captulo III Atributos Correlatos do Esprito Positivo e do Bom Senso PARTE II SUPERIORIDADE SOCIAL DO ESPRITO POSITIVO Captulo I Organizao da Revoluo Captulo II Sistematizao da Moral Humana Captulo III Surto do Sentimento Social PARTE III CONDIES DO ADVENTO DA ESCOLA POSITIVA (Aliana dos Proletrios e dos Filsofos) Captulo I Instituio de um Ensino Popular Superior Captulo II Instituio de uma Poltica Especialmente Popular Captulo III Ordem Necessria dos Estudos Positivos CONCLUSO APLICAO AO ENSINO DA ASTRONOMIA NOTASBIOGRAFIA DO AUTOR Comte, cujo nome completo era Isidore-Auguste-Marie-Franois-Xavier Comte, nasceu em 19 de janeiro de 1798, em Montpellier, e faleceu em 5 de setembro de 1857, em Paris. Filsofo e auto-proclamado lder religioso, deu cincia da Sociologia seu nome e estabeleceu a nova disciplina em uma forma sistemtica. Foi aluno da clebre cole Polytechnique, uma escola em Paris fundada em 1794 onde se ensinava a cincia e o pensamento mais avanados da poca. De famlia pobre, sustentou seus estudos com o ensino ocasional da matemtica e oportunidades no jornalismo. Um de seus primeiros empregos foi o de secretrio do Conde Henri de Saint-Simon, o primeiro filsofo a ver claramente a importncia da organizao econmica na sociedade moderna, e cujas idias Comte absorveu, sistematizou com um estilo pessoal e difundiu. Comte foi apresentado ao filsofo, ento diretor do peridico Industrie, no vero de 1817. Saint-Simon, um homem de frtil, mas tumultuada e desordenada criatividade, ento quase sessenta anos mais velho que Comte, foi atrado pelo jovem brilhante que possuia a capacidade treinada e metdica para o trabalho file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (2 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 3. Discurso preliminar sobre o esprito positivoque lhe faltava. Comte tornou-se seu secretrio e colaborador prximo, na preparao de seus ltimos trabalhos. Quando Saint-Simon experimentou problemas financeiros, Comte permaneceu sem pagamento tanto por razes intelectuais como pela esperanas da recompensa futura. Os esboos e os ensaios que Comte escreveu durante os anos da associao prxima com Saint-Simon, especialmente entre 1819 e 1824, mostram inequivocamente a influncia do mestre. Esses primeiros trabalhos j contm o ncleo de todas suas idias principais, mesmo as mais tardias. Em 1824 Comte desentendeu-se com Saint-Simon por questes de autoria legtima de ensaios que Comte devia publicar. A soluo, que Comte considerou injusta, foi que cem cpias do trabalho saram sob o nome de Comte, enquanto mil cpias, intituladas Catechisme des industriels indicavam a autoria de Henri de Saint-Simon. Outra causa do rompimento foi, ironicamente, Comte desdenhar a idia de um paradigma religioso no projeto de Saint Simon, ele, Comte, que depois haveria de adotar essa idia proclamando a si mesmo como sumo sacerdote da Humanidade. Em fevereiro 1825 Comte se casou com Caroline Massin, proprietria de uma pequena livraria, uma moa que ele j conhecia. Comte a achava forte e inteligente, mas depois taxou-a de ambiciosa e desprovida de afetividade. O casamento foi sempre tumultuado por motivos financeiros, uma vez que Comte no conseguia uma posio com salrio fixo e contava apenas com os rendimentos das aulas particulares e alguma renda adicional por colaboraes a jornais, mais freqentemente para o Producteur, um jornal fundado pelos filhos espirituais de Saint-Simon aps a morte do mestre. Depois de se afastar de Saint Simon, a principal preocupao de Comte tornou-se a elaborao de sua filosofia positiva. No tendo nenhuma cadeira oficial da qual expor suas teorias, decidiu oferecer um curso particular que os interessados subscreveriam adiantado, e onde divulgaria sua Summa do conhecimento positivo. O curso abriu em abril, 1826, com a presena de alguns curiosos ilustres como Alexander von Humboldt, diversos membros da academia das cincias, o economista Charles Dunoyer, o duque Napoleon de Montebello, e Hippolyte Carnot, filho do organizador dos exrcitos revolucionrios e irmo do cientista Sadi Carnot, e vrios estudantes da cole Polytechnique. Comte deu apenas trs aulas e foi obrigado a interromper o curso devido a um colapso nervoso. Seu mal foi diagnosticado como " mania " no hospital do famoso Dr. Esquirol, autor de um tratado sobre a doena. Ele prprio submeteu Comte a um tratamento com banhos de gua fria e sangrias. Apesar de no receber alta, Comte foi levado para casa por Caroline Aps o retorno para casa, Comte caiu em um estado melanclico profundo, e tentou mesmo o suicidio jogando-se no rio Sena. Somente em agosto 1828 logrou sair de sua letargia. O curso das conferncias foi recomeado em 1829, e Comte ficou satisfeito outra vez por encontrar na audincia diversos nomes de grandes das cincias e das letras. Durante os anos 1830-1842, quando escreveu sua obra prima, Cours de philosophie positive, Comte continuou a viver miseravelmente margem do mundo acadmico. Todas as tentativas de ser apontado de para uma cadeira no cole Polytechnique ou para uma posio na Academia das cincias ou na faculdade de Frana foram infrutferas. Controlou somente em 1832 a ser apontado assistente de "analyse et de mecanique" no cole; cinco anos mais tarde foi dado tambm as posies do examinador externo para a mesma escola. A primeira posio trouxe valiosos dois mil francos e o segundo um pouco mais. Mas era pouco para as despesas que tinha com a esposa e por isso continuou com as aulas particulares para escapar da faixa de pobreza.file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (3 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 4. Discurso preliminar sobre o esprito positivoDurante os anos da concentrao intensa quando escreveu o Cours, Comte foi incomodado no somente por dificuldades financeiras e as frustradas tentativas de emprego acadmico. Tambm sofreu crticas do mundo cientfico por parte de importantes figuras que o ridicularizavam pela sua pretenso de submeter ao seu sistema todas as cincias. A mgoa agravou seu estado psicolgico. Por razes "de higiene cerebral", decidiu-se, em 1838, a no ler mais uma linha de qualquer trabalho cientfico, limitando-se leitura de fico e poesia. Em seus ltimos anos o nico livro que haveria de ler repetidamente seria o "Imitao de Cristo". Sua vida matrimonial, que sempre fora tempestuosa, tambm se desfez. Comte teve vrias separaes de Caroline, que no suportava os seus fracassos e terminou por deix-lo definitivamente em 1842. S e isolado, continuou a atacar os cientistas que se recusaram a reconhec-lo. Queixou-se de seus inimigos aos ministros do Rei, escreveu cartas delirantes imprensa e atormentou a pacincia de seus poucos restantes amigos. Criando demasiado inimigos na cole Polytechnique, sua nomeao como o examinador no foi renovada em 1844. Perdeu com isto a metade de sua renda. (iria perder tambm a posio de assistente na cole em 1851.) Contudo apesar de todos estas adversidades, Comte comeou lentamente a adquirir discpulos. E mais importante para ele foi que, alm de encontrar alguns discpulos franceses notveis, tais como o eminente intelectual Emile Littre, era o fato de que sua doutrina positiva havia atravessado o Canal e recebera considervel ateno na Inglaterra. David Brewster, um fsico eminente, saudou-o nas pginas do Edinburgh Review em 1838 e, o mais gratificante de tudo, John Stuart Mill transformou-se em seu admirador, citando-o em seu System of Logic (1843) como um dos principais pensadores europeus. Comte e Mill se corresponderam regularmente, e serviu a Comte no somente para refinar seus pensamentos como tambm para desabafar com o filsofo ingls as tribulaes de sua vida conjugal e as dificuldades de sua existncia material. Mill arrecadou entre admiradores britnicos de Comte uma soma considervel em dinheiro e lhe enviou como socorro para suas dificuldades financeiras. No mesmo ano de 1844, Comte conheceu Clotilde de Vaux, por quem se apaixonou. Ela era uma mulher de trinta anos abandonada pelo marido, um funcionrio pblico do baixo escalo, que havia fugido do pas depois de se apropriar de fundos do governo. Um irmo de Clotilde que havia sido aluno de Comte na Escola Politcnica, e o convidou a ir casa de seus pais, onde lhe apresentou a irm. Comte ficou inteiramente seduzido por ela. Sua paixo teve, porm, um desdobramento inusitado. Clotilde estva impedida pela lei de casar-se achando-se o seu marido foragido. Auguste Comte tinha ento quarenta e sete anos, e havia se separado trs anos antes de sua mulher. Acabara de concluir seu monumental Cours de philosophie positive, e se preparava para escrever o que pretendia que seria sua principal obra, o Systme de politique positive, da qual ele considerava o Cours de philosophie como apenas uma introduo. Entusiasmado com a prpria paixo, Auguste Comte afirma que nada pode ser mais eficaz para o bem pensar que o bem querer, e se tornou um abrasado feminista. Afirmava que a mulher encarnava o sentimento e portanto, em ltima anlise, a prpria Humanidade. Buscou ento seriamente associar o sexo feminino, na pessoa de Clotilde, obra de renovao social e moral que se imps completar. Clotilde tentou colaborar, atravs de um romance filosfico, Wilhelmine, que ela se ps febrilmente a escrever. Mas adoeceu de tuberculose e veio a falecer em 1846. Comte devotou o resto de sua vida memria do "seu anjo". O Systme de politique positive, que tinha comeado a esboar em 1844 e no qual completou sua formulao da sociologia, iria transformar-se em um memorial a sua amada. Cinco anos mais tarde, em 1851, ao publicar essa obra, dedicou-a a Clotilde,file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (4 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 5. Discurso preliminar sobre o esprito positivodizendo esperar que a humanidade, reconhecida, haveria de lembrar sempre seu nome junto ao dela. No Systme de politique positive, Comte, voltando-se contra a doutrina do mestre Saint-Simon, defendeu a primazia da emoo sobre o intelecto, do sentimento sobre a racionalidade; e proclamou repetidamente o poder curativo do calor feminino para a humanidade dominada por tempo demasiado pela aspereza do intelecto masculino. Por outro lado, maquiou a proposta de disciplina eclesistica de Saint-Simon criando a Religio da Humanidade. Quando o Systme apareceu entre 1851 e 1854, Comte escandalizou e perdeu a maioria dos seguidores racionalistas que ele havia conquistado com tanta dificuldade nos ltimos quinze anos. John Stuart Mill e Emile Littre no aceitaram que o amor universal fosse a soluo para todas as dificuldades da poca. To pouco aceitariam a Religio da Humanidade da qual Comte se proclamou agora o sumo sacerdote. A observao dos rituais mltiplos segundo o calendrio anual, os detalhes da elaborada liturgia indicavam que o antigo profeta do estgio positivo havia regressado s trevas do estgio teolgico. Comte passou a assinar suas circulares - aos novos discpulos que conseguiu reunir - como "fundador da religio universal e sumo sacerdote da humanidade". Tentou converter o Superior Geral dos Jesutas nova f e comparou suas circulares aos discpulos com as epstolas de So Paulo. Fundou a Societ Positiviste, que se transformou no centro principal de seu ensino. Os membros se cotizaram para assegurar a subsistncia do mestre e fizeram os votos de espalhar sua mensagem. As misses se instalaram, na Espanha, Inglaterra, Estados Unidos, e na Holanda. Cada noite, das sete s nove, exceto nas quartas-feiras quando a Societ Positiviste tinha sua reunio regular, Comte recebia seus discpulos em sua casa em Paris: polticos, intelectuais e operrios, que lhe votavam grande respeito e venerao. Comte estava longe do entusiasmo republicano e libertrio de sua juventude. O moto da Igreja Positiva era amor, ordem e progresso. O jovem estudante de passeata agora pregava as virtudes do amor, da submisso e a necessidade da ordem para o progresso social. Em 1857, Comte, aps alguns meses de enfermidade, faleceu a cinco de setembro. Um grupo pequeno de discpulos, de amigos, e de vizinhos seguiu seu esquife ao cemitrio de Pere Lachaise. Seu tmulo transformou-se no centro de um pequeno cemitrio positivista onde esto sepultados, perto do mestre, seus discpulos mais fiis. Pensamento. A contribuio principal de Comte filosofia do positivismo foi sua adoo do mtodo cientfico como base para a organizao poltica da sociedade industrial moderna, de modo mais rigoroso que na abordagem de Saint Simon. Em sua Lei dos trs estados ou estgios do desenvolvimento intelectual, Comte teorizou que o desenvolvimento intelectual humano havia passado historicamente primeiro por um estgio teolgico, em que o mundo e a humanidade foram explicados nos termos dos deuses e dos espritos; depois atravs de um estgio metafsico transitrio, em que as explanaes estavam nos termos das essncias, de causas finais, e de outras abstraes; e finalmente para o estgio positivo moderno. Este ltimo estgio se distinguia por uma conscincia das limitaes do conhecimento humano. As explanaes absolutas consequentemente foram abandonadas, buscando-se a descoberta das leis baseadas nas relaes sensveis observveis entre os fenmenos naturais. Comte tentou tambm uma classificao das cincias; baseada na hiptese que as cincias tinham desenvolvido da compreenso de princpios simples e abstratos compreenso de fenmenos complexos e concretos. Assim as cincias haviam se desenvolvido a partir da matemtica, da astronomia, da fsica, e da qumica para a biologia e finalmente a sociologia. De acordo com Comte, esta ltima disciplina no somente fechava a srie mas tambm reduziria os fatos sociais s leis cientficas e sintetizaria todo ofile:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (5 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 6. Discurso preliminar sobre o esprito positivoconhecimento humano. Embora no fosse de Comte o conceito de sociologia ou da sua rea de estudo, ele ampliou seu campo e sistematizou seu contedo. Dividiu a Sociologia em dois campos principais: Esttica social, ou o estudo das foras que mantm unida a sociedade; e Dinmica social, ou o estudo das causas das mudanas sociais. Dando nova roupagem s idias de Hobbes e Adam Smith, afirmou que os princpios subjacentes da sociedade so o egosmo individual, que incentivado pela diviso de trabalho, e a coeso social se mantm por meio de um governo e um estado fortes. Como Saint Simon, queria a administrao real do governo e da economia nas mos dos homens de negcios e dos banqueiros, porm deu um toque pessoal seu, com origem em sua paixo por Clotilde, dizendo que a manuteno da moralidade privada seria competncia das mulheres como esposas e mes. Dando nfase hierarquia e obedincia, rejeitou a democracia, sustentando que o governo ideal seria constitudo por uma elite intelectual. Seu conceito de uma sociedade positiva est no seu Systme de politique positive ("Sistema de Poltica Positiva"). Como Saint-Simon, ele veio a adotar a idia de que a organizao da igreja catlica romana, divorciada da teologia crist, podia fornecer um modelo estrutural e simblico para a sociedade nova, idia que, no entanto, fora uma das causas alegadas para seu rompimento com o mestre. Comte substituiu a adorao a Deus por uma "religio da humanidade"; um sacerdcio espiritual de socilogos seculares guiaria a sociedade e controlaria a instruo e a moralidade pblica. Comte viveu para ver sua obra comentada extensamente em toda a Europa. Muitos intelectuais ingleses foram influenciados por ele, e traduziram e promulgaram seu trabalho. Seus devotos franceses tinham aumentado tambm, e mantinha uma correspondncia volumosa com sociedades positivistas em todo o mundo. A habilidade particular de Comte era como um sintetizador das correntes intelectuais as mais diversas. Tomou idias principalmente dos filsofos modernos do sculo XVIII. De Saint-Simon e outros reformadores franceses menores Comte tomou a noo de uma estrutura hipottica para a organizao social que imitaria a hierarquia e a disciplina existente na igreja catlica romana. De vrios filsofos do Iluminismo adotou a noo do progresso histrico e particularmente de David Hume e Immanuel Kant tomou sua concepo de positivismo, ou seja, a teoria de que o Teologia e a Metafsica so modalidades primrias imperfeitas do conhecimento e que o conhecimento positivo baseado em fenmenos naturais e suas propriedades e relaes como verificado pelas cincias empricas, tese Kantiana por excelncia. O mais importante realmente provm de Saint-Simon, que havia enfatizado originalmente a importncia crescente da cincia moderna e o potencial da aplicao de mtodos cientficos ao estudo e melhoria da sociedade. De Saint-Simon originalmente a idia de que a finalidade da anlise cientfica nova da sociedade deve ser amelhorativa e que o resultado final de toda a inovao e sistematizao na nova cincia deve ser a orientao do planeamento social. Comte tambm pensou que era necessrio implantar uma ordem espiritual nova e secularizada a fim de suplantar o sobrenaturalismo ultrapassado da teologia crist. Comte seguiu Saint-Simon quando considerou a necessidade de uma cincia social bsica e unificadora que explicasse as organizaes sociais existentes e guiasse o planeamento social para um futuro melhor. Na sua hbil sistematizao Comte chamou esta nova cincia "Sociologia", pela primeira vez. file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (6 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 7. Discurso preliminar sobre o esprito positivoTemerariamente, porm, foi mais adiante que seu mestre quando afirmou que os fenmenos sociais poderiam ser reduzidos a leis da mesma maneira que as rbitas dos corpos celestes haviam sido explicadas pela teoria gravitacional quase trezentos anos antes. DISCURSO SOBRE O ESPRITO POSITIVO OBJETO DESTE DISCURSO 1. O conjunto dos conhecimentos astronmicos no deve mais ser considerado isoladamente, como at aqui, mas constituir de ora avante apenas um dos elementos indispensveis do novo sistema indivisvel de filosofia geral que hoje atingiu finalmente sua verdadeira maturidade abstrata, depois de ter sido gradualmente preparado pelo concurso espontneo dos grandes trabalhos cientficos dos trs ltimos sculos. Em virtude desta ntima conexidade, ainda pouco compreendida, a natureza e o destino deste Tratado no podero ser devidamente apreciados se este prembulo imprescindvel no for consagrado sobretudo definio conveniente do verdadeiro e fundamental esprito desta filosofia, cuja instalao universal deve ser, no fundo, o objetivo precpuo de semelhante ensino. Como ela se distingue principalmente pela continua preponderncia, a um tempo lgica e cientfica, do ponto de vista histrico ou social, devo antes de tudo, para melhor caracteriz-la, lembrar de modo sumrio a grande lei que estabeleci, em meu Sistema de Filosofia Positiva, sobre a evoluo total da Humanidade, lei qual os nossos estudos astronmicos ho de recorrer com freqncia. I PARTE SUPERIORIDADE MENTAL DO ESPRITO POSITIVO CAPTULO I LEI DA EVOLUO INTELECTUAL DA HUMANIDADE OU LEI DOS TRS ESTADOS 2. De acordo com esta doutrina fundamental, todas as nossas especulaes esto inevitavelmente sujeitas, assim no indivduo como na espcie, a passar por trs estados tericos diferentes e sucessivos, que podem ser qualificados pelas denominaes habituais de teolgico, metafsico e positivo, pelo menos para aqueles que tiverem compreendido bem o seu verdadeiro sentido geral. O primeiro estado, embora seja, a princpio, a todos os respeitos, indispensvel deve ser concebido sempre, de ora em diante, como puramente provisrio e preparatrio; o segundo, que , na realidade, apenas a modificao dissolvente do anterior, no comporta mais que um simples destino transitrio, para conduzir gradualmente ao terceiro; neste, nico plenamente normal, que consiste, em todos os. gneros, o regime definitivo da razo humana. I. Estado teolgico ou fictcio3. No seu primeiro surto, necessariamente teolgico, todas nossas especulaes manifestam de modo espontneo uma predileo caracterstica pelas mais insolveis questes, pelos assuntos mais radicalmente inacessveis a qualquer investigao decisiva. O esprito humano, numa poca em que est ainda abaixo dos mais simples problemas cientficos, por um contraste, que em nossos dias deve parecer-nos primeira vista inexplicvel, mas que, no fundo, se acha ento em plena harmonia com a verdadeira situao inicial da nossa inteligncia, procura avidamente, e de maneira quase exclusiva, a origem de todas as coisas, as causas essenciais, quer primrias, quer finais, dos diversos fenmenos que ofile:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (7 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 8. Discurso preliminar sobre o esprito positivoimpressionam, e seu modo fundamental de produo, em uma palavra, os conhecimentos absolutos. Esta necessidade primitiva se acha naturalmente satisfeita tanto quanto o exige tal situao mesmo, de fato, tanto quanto o possa jamais ser, por nossa tendncia inicial a transportar por toda a parte o tipo humano, assimilando quaisquer fenmenos aos que ns mesmos produzimos, os quais, por esta razo, comeam a parecer-nos bastante conhecidos, em virtude da intuio imediata que os acompanha. Para compreender bem o esprito puramente teolgico, proveniente do desenvolvimento, cada vez mais sistemtico, deste estado primordial, cumpre no nos limitarmos a consider-lo na sua ltima fase que se consuma, nossa vista, nas populaes mais adiantadas, mas que est longe de ser a mais caracterstica: torna-se indispensvel lanarmos uma vista de olhos verdadeiramente filosfica sobre o conjunto de sua marcha natural, a fim de apreciarmos sua identidade fundamental sob as trs formas principais que lhe so sucessivamente prprias. 4. A mais imediata e a mais pronunciada destas formas constitui o fetichismo propriamente dito, que consiste sobretudo em atribuir a todos os corpos exteriores uma vida essencialmente anloga nossa, quase sempre, porm mais enrgica, em virtude de sua ao, de ordinrio, mais poderosa. A adorao dos astros caracteriza o grau mais elevado desta primeira fase teolgica que, no comeo, quase no difere do estado mental a que atingem os animais superiores. Ainda que esta primeira forma de filosofia teolgica se manifeste com evidncia na histria intelectual de todas as nossas sociedades, ela j no domina diretamente hoje seno na menos numerosa das trs grandes raas que compem a nossa espcie. 5. Na sua segunda fase essencial, que constitui o verdadeiro politesmo, muitas vezes confundido pelos modernos com o estado precedente, o esprito teolgico representa claramente o livre predomnio especulativo da imaginao, ao passo que at ento o instinto e o sentimento tinham sobretudo prevalecido nas teorias humanas. A filosofia inicial sofre nessa poca a mais profunda transformao, que o conjunto do seu destino real pode comportar, por isso que nela a vida enfim retirada dos objetos materiais, para ser misteriosamente transportada a diversos seres fictcios, habitualmente invisveis, cuja interveno ativa e contnua se torna da por diante a origem direta de todos os fenmenos exteriores e mesmo em seguida dos fenmenos humanos. E durante esta fase caracterstica, mal apreciada hoje, que convm principalmente estudar o esprito teolgico, que nele se desenvolve com uma plenitude e uma homogeneidade impossvel ulteriormente: esta poca , a todos os respeitos, a do seu maior ascendente, ao mesmo tempo mental e social. A maioria de nossa espcie no saiu ainda de semelhante estado, que persiste hoje na mais numerosa das trs raas humanas, no escol da raa negra e na parte menos avanada da branca. 6. Na terceira fase teolgica, o monotesmo propriamente dito d comeo ao inevitvel declnio da filosofia inicial. Esta, embora conserve por dilatado tempo grande influncia social, contudo mais aparente ainda do que real, sofre desde ento rpido decrscimo intelectual, como conseqncia espontnea desta simplificao caracterstica pela qual a razo, unificando os deuses, restringe cada vez mais o domnio anterior da imaginao e permite desenvolver gradualmente o sentimento universal, ainda quase insignificante, da sujeio forosa de todos os fenmenos naturais a leis invariveis. Sob formas mui diversas e at radicalmente inconciliveis, esta fase extrema do regime preliminar persiste ainda, com energia muito desigual, na imensa maioria da raa branca; mas ainda que seja assim mais fcil de ser observada, as prprias preocupaes pessoais acarretam hoje um obstculo muito freqente sua judiciosa observao, por falta de uma comparao suficientemente racional e justa com as duas fases precedentes. 7. Por mais imperfeita que possa parecer agora semelhante maneira de filosofar, muito importa ligar de file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (8 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 9. Discurso preliminar sobre o esprito positivomodo indissolvel o estado atual do esprito humano ao conjunto dos seus estados anteriores, reconhecendo convenientemente que ela devia ter sido, por muito tempo, to indispensvel como inevitvel. Limitando-nos aqui simples apreciao intelectual, seria por certo suprfluo insistir sobre a tendncia involuntria que, mesmo hoje, nos arrasta todos s explicaes de pura essncia teolgica, logo que queremos penetrar diretamente o mistrio inacessvel do modo fundamental de produo dos fenmenos, sobretudo daqueles cujas leis reais ainda ignoramos. Os mais eminentes pensadores podem ento verificar a sua prpria disposio natural para o mais ingnuo fetichismo, quando esta ignorncia se acha combinada momentaneamente com alguma paixo pronunciada. Se, pois, todas as explicaes teolgicas, experimentaram crescente e decisivo desuso entre os modernos ocidentais, isto aconteceu porque as investigaes misteriosas que elas visavam foram cada vez mais afastadas como radicalmente inacessveis nossa inteligncia, que se habituou pouco a pouco a substitui-las de modo irrevogvel por estudos mais eficazes e mais em harmonia com as nossas verdadeiras necessidades. Mesmo na poca em que o verdadeiro esprito filosfico j tinha prevalecido em relao aos mais simples fenmenos e em assunto to fcil como a teoria elementar do choque, o memorvel exemplo de Malebranche lembrar sempre a necessidade de se recorrer interveno direta e constante dos agentes sobrenaturais, todas as vezes que se procure remontar causa primeira de qualquer acontecimento. Ora, por outro lado, tais tentativas, por mais pueris que paream justamente hoje, constituam sem dvida o incio meio primitivo de provocar as especulaes humanas e determinar o seu progresso contnuo, libertando de modo espontneo nossa inteligncia do crculo vicioso em que a princpio se acha necessariamente envolvida pela oposio radical de duas condies por igual imperiosas. Se, de fato, os modernos tiveram de proclamar a impossibilidade de fundar qualquer teoria slida a no ser sobre um concurso suficiente de observaes adequadas, no menos incontestvel que o esprito humano no poderia jamais combinar, nem mesmo recolher, esses materiais indispensveis, sem ser continuamente dirigido por algumas idias especulativas previamente estabelecidas. Assim estas concepes primordiais s podiam, claro, resultar de uma filosofia que prescindisse, por sua natureza, de qualquer preparo prolongado, sendo capaz, em uma palavra, de surgir espontaneamente, sob o impulso nico de um instinto direto, por mais quimricas que devessem ser, alm disso, especulaes to desprovidas de todo fundamento real. Tal o feliz privilgio dos princpios teolgicos, sem os quais podemos assegurar que a nossa inteligncia no poderia nunca sair do seu torpor inicial; a eles permitiram, dirigindo sua atividade especulativa, preparar gradualmente um regime lgico melhor. Esta aptido fundamental foi, alm disto, poderosamente secundada pela primitiva predileo do esprito humano pelas questes insolveis, que atraam sobretudo essa filosofia primitiva. No podamos avaliar nossas foras mentais, e, por conseguinte, circunscrever judiciosamente o seu destino, seno depois de exercit-las suficientemente. Ora, este exerccio indispensvel no podia ser desde logo determinado, sobretudo nas mais dbeis faculdades da nossa natureza, sem o enrgico estmulo inerente a tais estudos, nos quais tantas inteligncias mal cultivadas ainda persistem em procurar a mais pronta e a mais completa soluo das questes diretamente usuais. Para vencer suficientemente nossa inrcia nativa, foi mesmo preciso durante muito tempo recorrer s poderosas iluses que tal filosofia suscitava espontaneamente sobre o poder quase indefinido do homem para modificar ao seu sabor um mundo ento concebido como feito para seu uso e que nenhuma grande lei podia ainda subtrair arbitrria supremacia das influncias sobrenaturais. H apenas trs sculos que, no escol da Humanidade, as esperanas astrolgicas e alqumicas, ltimo vestgio cientfico desse esprito primitivo, deixaram na realidade de servir para o acmulo dirio das observaes correspondentes, como o indicaram respectivamente Kepler e Berthollet. 8. O concurso decisivo destes diversos motivos intelectuais seria alm disso poderosamente fortalecido, se a natureza deste Tratado me permitisse assinalar aqui suficientemente a influncia irresistvel das altas file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (9 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 10. Discurso preliminar sobre o esprito positivonecessidades sociais, que apreciei como convinha na obra fundamental mencionada no incio deste Discurso. Pode-se assim, desde logo, demonstrar em toda a sua plenitude como o esprito teolgico foi por muito tempo indispensvel constante combinao das idias morais e polticas, ainda mais especialmente do que a de todas as outras, no s em virtude de sua complicao superior, mas tambm porque os fenmenos correspondentes, primitivamente muito pouco pronunciados, s podiam adquirir um desenvolvimento caracterstico aps o avano muito prolongado da civilizao humana. uma estranha inconseqncia, apenas desculpvel pela tendncia cegamente crtica do nosso tempo, reconhecer a impossibilidade em que se achavam os antigos de filosofar sobre os assuntos mais simples a no ser de maneira teolgica e, no obstante, desconhecer a insupervel necessidade que tinham sobretudo os politestas de adotar um regime anlogo para as especulaes sociais Mas preciso compreender, alm disso, ainda que eu no o possa demonstrar aqui, que esta filosofia inicial no foi menos indispensvel ao desenvolvimento preliminar de nossa sociabilidade do que ao de nossa inteligncia, quer para constituir primitivamente algumas doutrinas comuns, sem as quais o lao social no teria podido adquirir nem extenso, nem consistncia quer para suscitar espontaneamente a nica autoridade espiritual que poderia ento surgir. II. Estado metafsico ou abstrato9. Por mais sumrias que tenham sido aqui estas explicaes gerais sobre a natureza provisria e o destino preparatrio da nica filosofia que convinha realmente infncia da Humanidade, elas permitem contudo perceber sem dificuldade que o regime teolgico difere muito profundamente, sob todos os aspectos, do que veremos mais adiante corresponder sua virilidade mental. Para que passagem gradual de um a outro pudesse operar-se originariamente, assim no indivduo, como na espcie tornou-se indispensvel o auxlio crescente de uma espcie de filosofia intermediria essencialmente limitada a este ofcio transitrio. Tal a participao especial do esprito metafsico propriamente dito na evoluo fundamental da nossa inteligncia, que, antiptica a toda mudana repentina, pode elevar-se assim, quase insensivelmente, do estado puramente teolgico ao francamente positivo, se bem que, no fundo, esta situao equvoca se aproxime muito mais do primeiro do que do ltimo. As especulaes dominantes conservaram no estado metafsico o mesmo carter essencial de tendncia ordinria para os conhecimentos absolutos: apenas a soluo sofreu nele notvel transformao, prpria a tornar mais fcil o surto das concepes positivas. Como a Teologia, a Metafsica tenta de fato explicar sobretudo a natureza ntima dos seres, a origem e o destino de todas as coisas, o modo essencial de produo dos fenmenos: mas, em vez de empregar para isso os agentes sobrenaturais propriamente ditos, substitui-os cada vez mais por entidades ou abstraes personificadas, cujo uso, verdadeiramente caracterstico, amide permitiu design-la sob a denominao de Ontologia. faclimo observar hoje tal maneira de filosofar que, preponderante ainda em relao aos fenmenos mais complicados, oferece freqentemente, mesmo nas teorias mais simples e menos atrasadas, tantos traos apreciveis de seu longo domnio.(1) A eficcia histrica destas entidades resulta diretamente do seu carter equvoco; porque, em cada um desses seres metafsicos, inerentes ao corpo correspondente, sem se confundir com ele, o esprito pode, vontade, conforme esteja mais prximo ao estado teolgico ou do positivo, ver uma verdadeira emanao do poder sobrenatural ou uma simples denominao abstrata da fenmeno considerado. No mais ento a pura imaginao que domina e no ainda a verdadeira observao; mas o raciocnio adquire nessa fase grande extenso e prepara-se confusamente para o verdadeiro exerccio cientfico Deve-se alis notar que sua parte especulativa se acha, a princpio, muito exagerada, em virtude desta obstinada tendncia a argumentar em vez de observar que, em todos os gneros, caracteriza habitualmente o esprito metafsico, mesmo em seus mais eminentes rgos. Uma ordem de concepes to flexvel, que file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (10 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 11. Discurso preliminar sobre o esprito positivono comporta absolutamente a consistncia por to longo tempo peculiar ao sistema teolgico, deve, alm disso, atingir muito mais rapidamente a unidade correspondente, pela subordinao gradual das diversas entidades particulares a uma nica entidade geral, a Natureza, destinada a representar o fraco equivalente metafsico da vaga ligao universal dos fenmenos operada pelo monotesmo. 10. Para compreendermos melhor, sobretudo em nossos dias, a eficcia histrica de semelhante aparelho filosfico, importa reconhecer que, por sua natureza, ele no suscetvel espontaneamente seno de uma simples atividade crtica ou dissolvente, mesmo mental, e com mais forte razo social, sem poder jamais organizar nada que lhe seja prprio. Radicalmente inconseqente, este esprito equvoco conserva todos os princpios fundamentais do sistema teolgico, tirando-lhe, porm, cada vez mais o vigor e a fixidez indispensveis sua autoridade efetiva; nesta alterao que consiste, de fato e a todos os respeitos, sua principal utilidade passageira, que se manifesta quando o regime antigo, por muito tempo progressivo, para o conjunto da evoluo humana, atinge inevitavelmente aquele grau de prolongamento abusivo que tende a perpetuar de modo indefinido o estado de infncia que ele dirigira antes com tanta felicidade. A Metafsica , pois, realmente, em essncia, apenas uma espcie de teologia enervada pouco e pouco por simplificaes dissolventes, que lhe tiram espontaneamente o poder direto de impedir o desenvolvimento das concepes positivas, conservando-lhe, contudo, a aptido provisria para entreter um certo exercido indispensvel do esprito de generalizao, at que este possa enfim receber melhor alimento. Em virtude de seu carter contraditrio, o regime metafsico ou ontolgico acha-se sempre na inevitvel alternativa de tender para uma v restaurao do estado teolgico a fim de satisfazer s condies de ordem, ou de impelir a uma situao puramente negativa para escapar ao imprio opressivo da Teologia. Esta oscilao necessria, que s se observa agora em relao s teorias mais difceis, existiu igualmente outrora a respeito mesmo das mais simples, enquanto durou sua idade metafsica, em virtude da impotncia orgnica sempre peculiar a semelhante maneira de filosofar. Devemos sem temor assegurar que, se a razo pblica no a tivesse afastado desde muito tempo, no que concerne a certas noes fundamentais, as dvidas insensatas que ela suscitou, h vinte sculos, sobre a existncia dos corpos exteriores, subsistiriam ainda essencialmente, porque na verdade ela nunca as dissipou por nenhum argumento decisivo. O estado metafsico pode, pois, ser afinal encarado como uma espcie de doena crnica naturalmente peculiar nossa evoluo mental, individual ou coletiva, entre a infncia e a virilidade. 11. No remontando as especulaes histricas quase nunca, entre os modernos, alm dos tempos politicos o esprito metafsico deve parecer nelas quase to antigo como o prprio esprito teolgico, pois que ele presidiu necessariamente, ainda que de modo implcito, transformao primitiva do fetichismo em politesmo, a fim de substituir desde logo a atividade puramente sobrenatural, a qual, retirada assim de cada corpo particular, devia deixar ai, de modo espontneo, alguma entidade correspondente. Como, todavia, esta primeira evoluo teolgica no pde dar ento lugar a nenhuma discusso real, a interferncia contnua do esprito ontolgico s comeou a tornar-se plenamente caracterstica na revoluo seguinte, que operou a transformao do politesmo em monotesmo, da qual ele foi o rgo natural. Sua influncia crescente devia parecer orgnica a princpio, enquanto se achava subordinada ao impulso teolgico, mas sua natureza essencialmente dissolvente manifestou-se cada vez mais, quando tentou estender gradualmente a simplificao da Teologia alm mesmo do monotesmo vulgar, que constitua, sem nenhuma dvida, a fase extrema realmente possvel da filosofia inicial. Foi assim que, durante os ltimos cinco sculos, o esprito metafsico secundou negativamente o. surto fundamental de nossa civilizao moderna, decompondo pouco a pouco o sistema teolgico, que se tornara enfim retrgrado ao terminar a Idade Mdia, em virtude de achar-se essencialmente esgotada a eficcia social do regime monotico. Infelizmente depois de ter realizado, em cada gnero, esse oficiofile:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (11 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 12. Discurso preliminar sobre o esprito positivoindispensvel, mas passageiro, a ao demasiado prolongada das concepes ontolgicas tendeu sempre a impedir igualmente qualquer outra organizao real do sistema especulativo; de sorte que o mais perigoso obstculo instalao final da genuna filosofia, resulta, com efeito, hoje desse mesmo esprito que ainda se atribui muitas vezes o privilgio quase excluso das meditaes filosficas. III. Estado positivo ou real 1o.- Seu principal carter: a lei da subordinao constante da imaginao observao12. Esta longa sucesso de prembulos necessrios conduz enfim nossa inteligncia, gradualmente emancipada, ao seu estado definitivo de positividade racional, que deve ser caracterizado aqui de um modo mais especial do que os dois estados preliminares. Tendo tais exercidos preparatrios mostrado espontaneamente a inanidade radical das explicaes vagas e arbitrrias prprias filosofia inicial, quer teolgica, quer metafsica, o esprito humano renuncia de ora em diante s pesquisas absolutas, que s convinham sua infncia, e circunscreve os seus esforos ao domnio desde ento rapidamente progressivo, da verdadeira observao, nica base possvel dos conhecimentos realmente acessveis, criteriosamente adaptados s nossas necessidades efetivas. A lgica especulativa tinha at ento consistido em raciocinar, de modo mais ou menos sutil, segundo princpios confusos, que, no comportando nenhuma prova suficiente, suscitavam sempre debates sem resultado. Ela reconhece de ora em diante, como regra fundamental, que toda proposio que no estritamente redutvel simples enunciao de um fato, particular ou geral, no nos pode oferecer nenhum sentido real e inteligvel. Os princpios que ela emprega no passam em si mesmos de verdadeiros fatos, apenas mais gerais e mais abstratos do que aqueles cuja ligao devem formar. Qualquer que seja, alis, o modo racional ou experimental, de os descobrir, sempre da sua conformidade, direta ou indireta, com os fenmenos observados que resulta exclusivamente sua eficcia cientfica. A pura imaginao perde ento de modo irrevogvel a sua antiga supremacia mental e subordina-se necessariamente observao, de maneira a constituir um estado lgico plenamente normal, sem deixar contudo de exercer, nas especulaes positivas, um papel to capital como inesgotvel, para criar ou aperfeioar os meios de ligao, quer definitiva, quer provisria. Em uma palavra, a revoluo fundamental que caracteriza o estado viril de nossa inteligncia consiste em substituir por toda a parte a inacessvel determinao das causas propriamente ditas, pela simples pesquisa das leis, isto , das relaes constantes que existem entre os fenmenos observados. Quer se trate dos menores ou dos mais sublimes efeitos, do choque e da gravidade, quer do pensamento e da moralidade, deles no podemos conhecer realmente seno as diversas ligaes mtuas prprias sua realizao, sem nunca penetrar o mistrio da sua produo. 2o. Natureza relativa do esprito positivo13. Nossas especulaes positivas devem no s confinar-se essencialmente, sob todos os aspectos, apreciao sistemtica dos fatos existentes, renunciando a descobrir sua primeira origem e o seu destino final, mas importa tambm ainda compreender que este estudo dos fenmenos no deve tornar-se de qualquer modo absoluto, mas permanecer sempre relativo nossa organizao e nossa situao. Reconhecendo sob este duplo aspecto, como so imperfeitos os nossos meios especulativos, vemos que, longe de podermos estudar completamente qualquer existncia efetiva, no poderemos sequer garantir a possibilidade de conhecer, mesmo de modo muito superficial, todas as existncias reais, das quais a maior parte talvez nos deva escapar totalmente. Se a perda de um sentido importante basta para nos ocultar uma ordem inteira de fenmenos naturais, perfeitamente razovel pensar-se, reciprocamente, que a aquisio de um novo sentido nos descobriria uma classe de fatos dos quais no temos agora file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (12 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 13. Discurso preliminar sobre o esprito positivonenhuma idia, a no ser que acreditemos que a acuidade dos sentidos, to diferente entre os principais tipos de animalidade, se acha elevada em nosso organismo no mais alto grau que possa exigir a explorao total do mundo exterior, hiptese evidentemente gratuita e quase ridcula. Nenhuma cincia pode manifestar melhor do que a Astronomia a natureza necessariamente relativa de todos os nossos conhecimentos reais, pois no podendo realizar-se nela a investigao dos fenmenos seno atravs de um nico sentido, muito fcil serem a apreciadas as conseqncias especulativas de sua supresso ou de sua simples alterao. Nenhuma astronomia poderia existir numa espcie cega, por mais inteligente que a supusssemos, nem mesmo se somente a atmosfera atravs da qual observamos os corpos celestes permanecesse sempre e por toda a parte nebulosa. Todo este Tratado h de oferecer-nos freqentes ocasies de apreciarmos espontaneamente, da maneira menos equvoca, esta ntima dependncia em que o conjunto de nossas condies prprias, tanto interiores, quanto externas, mantm inevitavelmente cada um dos nossos estudos positivos. 14. Para bem caracterizar a natureza necessariamente relativa de todos os nossos conhecimentos reais, importa reconhecer, alm disso, do ponto de vista mais filosfico, que, se quaisquer de nossas concepes devem ser consideradas como outros tantos fenmenos humanos, tais fenmenos no so simplesmente individuais, mas tambm e sobretudo, sociais, pois resultam, com efeito, de uma evoluo coletiva e contnua, cujos elementos e fases essencialmente se entrelaam. Se, pois, sob o primeiro aspecto, reconhecemos que nossas especulaes devem depender sempre das diversas condies essenciais de nossa existncia individual, cumpre igualmente admitir, sob o segundo, que no se acham menos subordinadas ao conjunto da progresso social de modo a no poderem comportar jamais a fixidez absoluta que os metafsicos supuseram. Ora, a lei geral do movimento fundamental da Humanidade consiste, a este respeito, em que nossas teorias tendem cada vez mais a representar exatamente os objetos exteriores de nossas constantes investigaes, sem que, contudo, a verdadeira constituio de cada um deles possa, em caso algum, ser plenamente apreciada, pois a perfeio cientfica deve restringir-se a aproximar-se desse limite ideal, tanto quanto o exijam nossas diversas necessidades reais. Este segundo gnero de dependncia, peculiar s especulaes positivas, manifesta-se to claramente como o primeiro em todo o curso dos estudos astronmicos, quando consideramos, por exemplo, a srie de noes cada vez mais satisfatrias, obtidas desde a origem da geometria celeste, sobre a figura da Terra, sobre a forma das rbitas planetrias, etc. Assim, posto que, de um lado, as doutrinas cientficas sejam necessariamente de natureza bastante mvel de modo a evitar qualquer pretenso ao absoluto, suas variaes graduais no apresentam, por outro lado, nenhum carter arbitrrio que possa motivar um ceticismo ainda mais perigoso. Cada mudana sucessiva conserva, alis, espontaneamente, nas teorias correspondentes, uma aptido indefinida para representar os fenmenos que lhes serviram de base, pelo menos enquanto no haja necessidade de nelas ultrapassar o grau primitivo de preciso real. 3o. Destino das leis positivas: previso racional15. Depois que se reconheceu unanimemente que a primeira condio fundamental de toda especulao cientfica consiste em subordinar constantemente a imaginao observao, uma viciosa interpretao induziu amide a exagerado abuso desse grande princpio lgico, para fazer a cincia real degenerar em uma espcie de acmulo estril de fatos incoerentes, sem oferecer essencialmente outro mrito seno o da exatido parcial. Importa, pois, bem compreender que o genuno esprito positivo se acha to afastado, no fundo, do empirismo como do misticismo; entre estas duas aberraes, igualmente funestas, que ele deve caminhar: a necessidade de semelhante reserva contnua, to difcil como importante, bastaria, alm disso, para verificar, de acordo com as nossas explicaes iniciais, quanto a verdadeira positividade devefile:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (13 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 14. Discurso preliminar sobre o esprito positivoser maduramente preparada, e no pode, de forma alguma, convir ao estado nascente da Humanidade. nas leis dos fenmenos que consiste realmente a cincia, qual os fatos propriamente ditos, por mais exatos e numerosos que sejam, s fornecem os materiais indispensveis. Ora, considerando o destino constante dessas leis, podemos dizer, sem nenhum exagero, que a verdadeira cincia, muito longe de ser formada por simples observaes, tende sempre a dispensar, tanto quanto possvel, a explorao direta, substituindo-a pela previso racional, que constitui, a todos os respeitos, o principal carter do esprito positivo, como o conjunto dos estudos astronmicos no-lo mostrar claramente semelhante previso, conseqncia necessria das relaes constantes descobertas entre os fenmenos, jamais permitir confundir a cincia real com a v erudio que acumula maquinalmente fatos sem aspirar a deduzi-los uns dos outros. Este grande atributo de todas as nossas ss especulaes importa tanto sua utilidade efetiva como sua prpria dignidade; porque a explorao direta dos fenmenos ocorridos no seria suficiente para permitir-nos modificar-lhes a realizao, se no nos conduzisse a convenientemente prev-la. Assim, o genuno esprito positivo consiste em ver para prever, em estudar o que , a fim de concluir o que ser, segundo o dogma geral da invariabilidade das leis naturais. (2) 4o. Extenso universal do dogma fundamental da invariabilidade das leis naturais.16. Este princpio fundamental de toda a filosofia positiva, que ainda est longe de ser suficientemente estendido ao conjunto dos fenmenos, vai-se tornando, felizmente, desde trs sculos, por tal forma familiar, que, em virtude de hbitos absolutos anteriormente enraizados, se tem quase sempre desconhecido at aqui a sua verdadeira origem, tentando-se pelo emprego de uma v e confusa argumentao metafsica represent-lo como uma espcie de noo inata, ou pelo menos primitiva, quando certamente resultou de gradual e lenta induo, ao mesmo tempo coletiva e individual. Nenhum motivo racional, independente de qualquer explorao exterior, nos sugere de antemo a invariabilidade das relaes fsicas; pelo contrrio, incontestvel que o esprito humano experimenta, durante sua longa infncia, um pendor muito vivo para desconhec-la, mesmo nos seres onde uma observao imparcial haveria de manifest-la, se ele no fosse ento arrastado por sua tendncia necessria a referir todos os acontecimentos, especialmente os mais importantes, a vontades arbitrrias. Existem, sem dvida, em cada ordem de fenmenos, alguns bastante simples e bastante familiares para que a sua observao espontnea tenha sugerido sempre o sentimento confuso e incoerente de uma certa regularidade secundria de sorte que o ponto de vista teolgico no pde nunca ser rigorosamente universal. Mas esta convico parcial e precria limita-se por muito tempo aos fenmenos menos numerosos e mais subalternos, que ela no pode mesmo, de nenhum modo, preservar ento das freqentes perturbaes atribudas interferncia preponderante dos agentes sobrenaturais. O princpio da invariabilidade das leis naturais s comeou realmente a adquirir certa consistncia filosfica quando os primeiros trabalhos verdadeiramente cientficos puderam manifestar a sua exatido essencial relativamente a uma ordem inteira de grandes fenmenos, o que no podia resultar, de maneira satisfatria, seno da fundao da astronomia matemtica, durante os ltimos sculos do politesmo. Em virtude desta introduo sistemtica, este dogma fundamental tendeu, sem dvida, a estender-se, por analogia, a fenmenos mais complicados, antes mesmo de poderem suas leis prprias ser de qualquer modo conhecidas. Mas, alm da sua esterilidade efetiva, esta vaga antecipao lgica tinha ento muito pouca energia para resistir convenientemente ativa supremacia mental que as iluses teolgico-metafsicas ainda conservavam. Um primeiro esboo especial do estabelecimento das leis naturais em relao a cada ordem principal de fenmenos tornou-se em seguida indispensvel para proporcionar a semelhante noo a fora inabalvel que comea a apresentar nas cincias mais avanadas. Esta convico no poderia tornar-se mesmo bastante firme, enquanto tal elaborao no fosse de fato estendida a todas as especulaes fundamentais, file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (14 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 15. Discurso preliminar sobre o esprito positivopois a incerteza deixada pelas mais complexas devia afetar, ento, mais ou menos, cada uma das outras. No se pode desconhecer esta tenebrosa reao, mesmo hoje, quando, em virtude da ignorncia ainda habitual relativa s leis sociolgicas, o princpio da invariabilidade das relaes fsicas se acha algumas vezes sujeito a graves aliteraes at nos estudos puramente matemticos, nos quais vemos, por exemplo, preconizar-se diariamente um pretenso clculo das probabilidades, que supe implicitamente a ausncia de toda lei real a respeito de certos acontecimentos, sobretudo quando o homem neles intervm. Mas, quando essa universal extenso se acha convenientemente esboada, condio agora preenchida pelos espritos mais avanados, este grande principio filosfico adquire logo uma plenitude decisiva, ainda que as leis efetivas da maior parte dos casos particulares devam ficar sempre ignoradas; porque uma irresistvel analogia aplica ento previamente a todos os fenmenos de cada ordem o que no foi verificado seno para alguns dentre eles, contanto que tenham uma importncia conveniente. CAPTULO II DESTINO DO ESPRITO POSITIVO 17. Depois de haver considerado o esprito positivo relativamente aos objetos exteriores de nossas especulaes, cumpre acabar de caracteriz-lo, apreciando tambm seu destino interior, para a satisfao contnua de nossas prprias necessidades, quer sejam concernentes vida contemplativa, quer vida ativa. I. Constituio completa e estvel da harmonia mental, individual e coletiva: sendo tudo referido Humanidade18. Ainda que as necessidades puramente mentais sejam, sem dvida, as menos enrgicas de todas as inerentes nossa natureza, sua existncia direta e permanente contudo incontestvel em todas as inteligncias: elas constituem o primeiro estimulo indispensvel aos nossos diversos esforos filosficos, muitas vezes atribudos especialmente aos impulsos prticos, que, na verdade, os desenvolvem muito, mas no os poderiam fazer surgir Estas exigncias intelectuais, relativas, como todas as outras, ao exerccio regular das funes correspondentes, reclamam sempre uma feliz combinao de estabilidade e de atividade, de onde resultam as necessidades simultneas de ordem e de progresso, ou de ligao e extenso. Durante a longa infncia da Humanidade, s as concepes teolgico-metafsicas podiam, conforme nossas explicaes anteriores, satisfazer provisoriamente a esta dupla condio fundamental, ainda que de modo extremamente imperfeito. Mas quando a razo humana se acha bastante amadurecida para renunciar francamente s especulaes inacessveis e circunscrever com sabedoria sua atividade ao domnio verdadeiramente aprecivel por nossas faculdades, a filosofia positiva proporciona-lhe, por certo, uma satisfao muito mais completa, a todos os respeitos, e tambm mais real, destas duas necessidades elementares. Tal evidentemente, com efeito, sob este novo aspecto, o destino direto das leis que ela descobre sobre os diversos fenmenos e da previso racional delas inseparvel. Em relao a cada ordem de fenmenos, tais leis devem, a este respeito, ser distinguidas em duas modalidades, conforme ligam por semelhana os que coexistem, ou por filiao os que se sucedem. Esta indispensvel distino corresponde essencialmente, para o mundo exterior, , que ele sempre nos oferece espontaneamente entre os dois estados correlatos de existncia e de movimento; donde resulta, em toda cincia real, uma diferena fundamental entre a apreciao esttica e a apreciao dinmica de qualquer assunto. Os dois gneros de relaes contribuem igualmente para explicar os fenmenos, e conduzem de modo semelhante a prev-los, ainda que s leis de harmonia paream a princpio destinadas sobretudo explicao e as leis de sucesso previso. Quer se trate, com efeito, de explicar ou de prever, tudo sefile:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (15 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 16. Discurso preliminar sobre o esprito positivoreduz sempre a ligar: toda ligao real, esttica ou dinmica, descoberta entre dois fenmenos quaisquer, permite ao mesmo tempo explic-las e prever um pelo outro, porque a previso cientfica, convm evidentemente ao presente, e mesmo ao passado, assim como ao futuro, pois consiste sempre em conhecer um fato independentemente de sua explorao direta, em virtude de suas relaes com outros j conhecidos. Assim, por exemplo, a assimilao demonstrada, entre a gravitao celeste e a gravidade terrestre conduziu, em virtude das variaes pronunciadas da primeira, a prever as fracas variaes da segunda, que a observao imediata no podia descobrir suficientemente, ainda que as tenha em seguida confirmado; assim tambm em sentido inverso, a correspondncia observada antigamente entre o perodo elementar das mars e o dia lunar ficou explicada logo que se reconheceu ser em cada ponto a elevao das guas resultante da passagem da lua pelo meridiano local. As nossas verdadeiras necessidades lgicas convergem, pois, essencialmente para este comum destino: consolidar, tanto quanto possvel, por nossas especulaes sistemticas, a unidade espontnea do nosso entendimento, estabelecendo a continuidade e a homogeneidade de nossas diversas concepes e fazendo-nos achar de novo a constncia no meio da variedade, de modo a satisfazer igualmente s exigncias simultneas da ordem e do progresso. Ora, evidente que, sob este aspecto fundamental, a filosofia positiva possui necessariamente, para os espritos bem preparados, uma aptido muito superior que jamais pde oferecer a filosofia teolgico-metafsica. Considerando esta mesmo nos tempos do seu maior ascendente, tanto mental como social, isto , no estado politico, a unidade intelectual achava-se ento certamente constituda de maneira muito menos completa e menos estvel do que h de permitir em breve a universal preponderncia do esprito positivo, quando for habitualmente estendido s mais eminentes especulaes. Ento, com efeito, reinar por toda a parte, sob diversos modos e em diferentes graus, esta admirvel constituio lgica, da qual s os estudos mais simples nos podem dar hoje justa idia, em que a ligao e a extenso, ambas plenamente garantidas, se acham, ademais, espontaneamente solidrias. Este grande resultado filosfico no exige, alis, outra condio necessria a no ser a obrigao permanente de restringir todas as nossas especulaes aos casos verdadeiramente acessveis, considerando estas relaes reais, quer de semelhana, quer de sucesso, como capazes apenas de constituir, para ns simples fatos gerais, que cumpre procurar reduzir ao menor nmero possvel, sem que o mistrio de sua produo jamais possa ser penetrado de modo algum, conforme o carter fundamental do esprito positivo. Mas se somente esta constncia efetiva das ligaes naturais , na realidade, aprecivel por ns, tambm s ela basta plenamente s nossas verdadeiras necessidades, quer de contemplao, quer de direo. 19. Importa, contudo, reconhecer, em principio, que, sob o regime positivo, a harmonia de nossas concepes se acha necessariamente limitada, at certo ponto, pela obrigao fundamental de sua realidade, isto , de uma suficiente conformidade com tipos independentes de ns. Em seu cego instinto de ligao, nossa inteligncia aspira a poder quase sempre ligar entre si dois fenmenos quaisquer, simultneos ou sucessivos; mas o estudo do mundo exterior demonstra, ao contrrio, que muitas dessas associaes seriam puramente quimricas, e que uma multido de acontecimentos se realiza continuamente sem nenhuma real dependncia mtua; de sorte que este pendor indispensvel precisa, como nenhum outro, ser regulado por s apreciao geral. Habituado, durante muito tempo, a uma espcie de unidade de doutrina, por mais vaga e ilusria que devesse ser, sob o imprio das fices teolgicas e das entidades metafsicas, o esprito humano, passando para o estado positivo, tentou logo reduzir as diversas ordens de fenmenos a uma lei comum. Mas todos os ensaios realizados durante os dois ltimos sculos, para obter unia explicao universal da natureza, apenas conseguiram desacreditar radicalmente tal empreendimento, de ora em diante abandonado s inteligncias mal cultivadas. Uma judiciosa explicao do mundo exterior o representou como sendo muito menos ligado do que o supe e file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (16 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 17. Discurso preliminar sobre o esprito positivoo deseja o nosso entendimento, predisposto, por sua prpria fraqueza, a multiplicar relaes favorveis e sua marcha, e, sobretudo, ao seu repouso. No somente as seis categorias fundamentais que distinguiremos mais adiante entre os fenmenos naturais, no poderiam ser todas certamente submetidas a uma nica lei universal, como tambm podemos assegurar agora que a unidade de expl1cao, ainda procurada por tantos espritos srios em relao a cada uma delas, tomada parte, nos finalmente interdita, mesmo neste domnio muito mais restrito. A Astronomia fez nascer, sob este aspecto, esperanas demasiado empricas, que nunca se poderiam realizar para os fenmenos mais complicados, nem mesmo quanto Fsica propriamente dita, cujos cinco ramos principais ficaro sempre distintos entre si, apesar de suas incontestveis relaes. Freqentemente nos achamos dispostos a exagerar muitos inconvenientes lgicos dessa disperso necessria, porque apreciamos mal as vantagens reais que apresenta a transformao das indues em dedues. Todavia cumpre reconhecer francamente esta impossibilidade direta de reduzir tudo a uma nica lei positiva como grave imperfeio, conseqncia inevitvel da condio humana, que nos fora a aplicar uma inteligncia muito fraca a um universo complicadssimo. 20. Mas esta incontestvel necessidade, que importa reconhecer, a fim de evitar vo desperdcio de foras mentais, no impede de modo algum a cincia real de comportar, sob outro aspecto, suficiente unidade filosfica, equivalente s que a Teologia ou Metafsica constituram passageiramente, e, alis, muito superior, tanto em estabilidade como em plenitude. Para perceber-lhe a possibilidade e apreciar-lhe a natureza, preciso recorrer, em primeiro lugar, luminosa distino geral esboada por Kant entre os dois pontos de vista objetivo e subjetivo, peculiares a qualquer estudo. Considerada sob o primeiro aspecto, isto , quanto ao destino exterior das nossas teorias, como exata representao do mundo real, nossa cincia no , certamente, suscetvel de plena sistematizao, em virtude da inevitvel diversidade entre os fenmenos fundamentais. Neste sentido no devemos procurar outra unidade seno a do mtodo positivo encarado em seu conjunto, sem pretender verdadeira unidade cientfica, mas somente a homogeneidade e a convergncia das diversas doutrinas. O mesmo no acontece sob o outro aspecto, isto , quanto origem interior das teorias humanas, encaradas como resultados naturais de nossa evoluo mental, ao mesmo tempo individual e coletiva, destinadas satisfao normal de nossas prprias necessidades, sejam fsicas, intelectuais ou morais. Referidos assim, no ao universo, mas ao homem, ou antes Humanidade, nossos conhecimentos reais tendem, ao revs, com evidente espontaneidade, para uma completa sistematizao, tanto cientfica como lgica. No devemos mais ento conceber, no fundo, seno uma nica cincia, a cincia humana, ou mais exatamente, social, da qual nossa existncia constitui ao mesmo tempo o princpio e o fim, e na qual vem naturalmente fundir-se o estudo racional do mundo exterior, sob o duplo titulo de elemento necessrio e de prembulo fundamental, igualmente indispensvel quanto ao mtodo e quanto doutrina, como explicarei mais adiante. s assim que os nossos conhecimentos positivos podem formar um verdadeiro sistema, de modo a oferecerem um carter plenamente satisfatrio. A prpria Astronomia, ainda que objetivamente mais perfeita do que os outros ramos da filosofia natural, em razo da sua simplicidade superior, no verdadeiramente tal seno sob este aspecto humano, porque o conjunto deste Tratado far sentir com clareza que ela deveria, pelo contrrio, ser julgada muito imperfeita se a referssemos ao universo e no ao homem; pois todos os nossos estudos reais so ai por fora limitados ao nosso mundo, que, entretanto, constitui apenas um elemento mnimo do universo, cuja explorao nos essencialmente interdita, Tal , pois, a disposio geral que deve enfim. prevalecer na genuna filosofia positiva, no s quanto s teorias diretamente relativas ao homem e sociedade, mas tambm em relao s que concernem aos mais simples fenmenos, os mais afastados, em aparncia desta comum apreciao: conceber todas as nossas especulaes como produtos de nossa inteligncia, destinados a satisfazer s nossas diversas file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (17 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 18. Discurso preliminar sobre o esprito positivonecessidades essenciais, sem se afastarem nunca do homem seno para melhor voltarem a ele, depois de haver sido feito o estudo dos outros fenmenos na medida em que o seu conhecimento se torna indispensvel, quer para desenvolver nossas foras, quer para apreciar nossa natureza e nossa condio. Pode-se desde ento perceber como a noo preponderante da Humanidade deve necessariamente constituir, no estado positivo, uma plena sistematizao mental, pelo menos equivalente que afinal comportar a idade teolgica com a grande concepo de Deus, to fracamente substituda em seguida, a este respeito, durante a transio metafsica, pelo vago pensamento da Natureza. 21. Depois de haver caracterizado a aptido espontnea do esprito positivo para estabelecer a unidade final do nosso entendimento, torna-se fcil completar esta explicao fundamental, estendendo-a do indivduo espcie. Esta indispensvel extenso era, at agora, essencialmente impossvel aos filsofos modernos, que, no tendo podido libertar-se assaz do estado metafsico, nunca se colocaram no ponto de vista social, nico suscetvel contudo de uma plena realidade, tanto cientfica como lgica, pois o homem no se desenvolve isoladamente, mas coletivamente. Afastando, como radicalmente estril, ou antes muitssimo prejudicial, esta viciosa abstrao de nossos psiclogos ou idelogos, a tendncia sistemtica que acabamos de apreciar no esprito positivo adquire enfim toda a sua importncia, porque mostra nele o verdadeiro fundamento filosfico da sociabilidade humana, tanto pelo menos quanto esta depende da inteligncia, cuja capital influncia, ainda que de nenhum modo exclusiva, no poderia ser ai constatada. , de fato, o mesmo problema humano, com diversos graus de dificuldade, quer se trate de constituir a unidade lgica de cada entendimento isolado ou de estabelecer uma convergncia duradoura entre entendimentos distintos, cujo nmero no poderia essencialmente influir seno sobre a rapidez da operao. Tambm, em qualquer tempo, aquele que pde tornar-se bastante conseqente adquiriu, por isso mesmo, a faculdade de reunir gradualmente os outros, em virtude da semelhana fundamental de nossa espcie. A filosofia teolgica no foi, durante a infncia da Humanidade, a nica prpria para sistematizar a sociedade seno por ser ento a fonte exclusiva de certa harmonia mental. Se, pois, ao esprito positivo passou irrevogavelmente, de ora avante, o privilgio da coerncia lgica, o que no pode, a srio, ser contestado, cumpre desde ento nele reconhecer tambm o nico princpio efetivo desta grande comunho intelectual que se torna a base necessria de toda verdadeira associao humana, quando convenientemente ligada s duas outras condies fundamentais uma suficiente conformidade de sentimentos e uma certa convergncia de interesses. A deplorvel situao filosfica do escol da Humanidade bastaria hoje para dispensar, a este respeito, qualquer discusso, pois nele no se observa mais verdadeira comunidade de opinies seno sobre assuntos j reduzidos a teorias positivas, os quais, infelizmente, no so, antes muito pelo contrrio, os mais importantes. Uma apreciao direta e especial, que seria deslocada aqui, faz, alis, perceber facilmente que s a filosofia positiva pode realizar a pouco e pouco este nobre projeto de associao universal, que o catolicismo esboou prematuramente na Idade Mdia, mas que era, no fundo, necessariamente incompatvel, como a experincia plenamente o demonstra, com a natureza teolgica da sua filosofia, a qual institua uma coerncia lgica muito fraca de modo a comportar semelhante eficcia social. II. Harmonia entre a cincia e a arte, entre a teoria positiva e a prtica.22. Achando-se assaz e definitivamente caracterizada a aptido fundamental do esprito positivo em relao vida especulativa, s nos resta apreci-la tambm em relao vida ativa, que, sem poder mostrar nele nenhuma propriedade verdadeiramente nova, manifesta, de maneira muito mais completa e sobretudo mais decisiva, o conjunto dos atributos que lhe temos reconhecido. Ainda que as concepes teolgicas tenham sido, mesmo sob este aspecto, por muito tempo necessrias a fim de despertar efile:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (18 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 19. Discurso preliminar sobre o esprito positivosustentar o ardor do homem pela esperana indireta de uma espcie de imprio ilimitado, foi, entretanto, a este respeito que o esprito humano testemunhou primeiro sua predileo final pelos conhecimentos reais. E, com efeito, sobretudo como base racional da ao da Humanidade sobre o mundo exterior que o estudo positivo da natureza comea hoje a ser universalmente estimado, Nada mais criterioso, no fundo, do que este julgamento vulgar e espontneo; porque tal destino, quando convenientemente apreciado, lembra necessariamente, num resumo muito feliz, todos os grandes caracteres do verdadeiro esprito filosfico, no s quanto racionalidade, mas tambm quanto positividade. A ordem natural que resulta, em cada prtico, do conjunto das leis dos fenmenos correspondentes, deve evidentemente ser-nos primeiro bem conhecida para que possamos ou modific-la para nossa vantagem, ou, pelo menos, adaptar-lhe nossa conduta, se for de todo impossvel intervirmos nela, como se d em relao aos acontecimentos celestes. Tal aplicao especialmente prpria para tornar familiarmente aprecivel a previso racional que vimos constituir, sob todos os aspectos, o principal carter da verdadeira cincia, porque a pura erudio, onde os conhecimentos, reais mas incoerentes, consistem em fatos e no em leis, no podia evidentemente, bastar para dirigir nossa atividade: seria suprfluo insistir aqui sobre uma explicao to pouco contestvel. verdade que a exorbitante preponderncia concedida agora aos interesses materiais conduziu demasiadas vezes o homem a compreender esta ligao necessria de modo a comprometer gravemente o futuro da cincia, pois tendeu a reduzir as especulaes positivas somente s pesquisas de utilidade imediata. Mas esta cega disposio resulta apenas da maneira falsa e estreita de conceber a grande relao entre a cincia e a arte, por no terem uma e outra sido apreciadas com bastante profundeza. O estudo da Astronomia o mais prprio de todos para corrigir semelhante tendncia, seja porque sua simplicidade superior permite perceber melhor seu conjunto, seja em virtude da espontaneidade mais ntima das aplicaes correspondentes que, h vinte sculos, se acham a evidentemente ligadas s mais sublimes especulaes, como este Tratado o far claramente compreender. Mas importa sobretudo reconhecer bem, a este respeito, que a relao fundamental entre a cincia e a arte no pde at agora ser convenientemente concebida, mesmo pelos melhores espritos, o que uma conseqncia necessria da extenso insuficiente da filosofia natural, que permanece ainda estranha s pesquisas mais importantes e mais difceis, as que concernem diretamente sociedade humana. Com efeito, a concepo racional da ao do homem sobre a natureza ficou assim essencialmente limitada ao mundo inorgnico, de onde resultaria uma excitao cientfica demasiado imperfeita. Quando esta imensa lacuna tiver sido suficientemente preenchida, como comea a s-lo hoje, poder-se- sentir a importncia fundamental deste grande destino prtico para estimular habitualmente, e muitas vezes mesmo para dirigir melhor as mais eminentes especulaes, sob a nica condio normal de uma constante positividade. E, de fato, a arte no ser mais ento unicamente geomtrica, mecnica ou qumica, etc., mas tambm, e sobretudo, poltica e moral, devendo a principal ao exercida pela Humanidade consistir, sob todos os aspectos, no melhoramento contnuo da sua prpria natureza, individual ou coletiva, entre os limites que o conjunto das leis reais indica, como em qualquer outro caso. Quando esta solidariedade espontnea da cincia com a arte puder ser assim convenientemente organizada, no se pode duvidar que, muito longe de tender a restringir de qualquer modo as ss especulaes filosficas, ela lhes designar, ao contrrio, um destino final muito superior ao seu alcance efetivo, se se no tivesse reconhecido previamente, como princpio geral, a impossibilidade de jamais tornar a arte puramente racional, isto , de elevar nossas previses tericas ao verdadeiro nvel de nossas necessidades prticas. Mesmo nas artes mais simples e mais perfeitas, torna-se constantemente indispensvel um desenvolvimento direto e espontneo, sem que as indicaes cientficas o possam, em caso algum, substituir completamente. Por mais satisfatrias, por exemplo, que se tenham tornado nossas previses astronmicas, sua previso ainda, e ser provavelmente sempre, inferior s nossas justas exigncias prticas, como terei amide ocasio de indicar. file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (19 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 20. Discurso preliminar sobre o esprito positivo23. Esta tendncia espontnea para constituir diretamente uma inteira harmonia entre a vida ativa e a especulativa deve ser considerada finalmente como o privilgio mais feliz do espirito positivo, pois nenhuma outra das suas propriedades pode manifestar-lhe to bem o verdadeiro carter e facilitar-lhe o ascendente real. Nosso ardor especulativo acha-se assim sustentado, e mesmo dirigido, por poderoso estmulo contnuo, sem o qual a inrcia natural de nossa inteligncia a disporia muitas vezes a satisfazer suas fracas necessidades tericas por explicaes fceis, mas insuficientes, ao passo que o pensamento da ao final lembra sempre a condio de conveniente previso. Ao mesmo tempo este grande destino prtico completa e circunscreve, em cada caso, o preceito fundamental relativo ao descobrimento das leis naturais, tendendo a determinar, de acordo com as exigncias da aplicao, o grau de preciso e de extenso de nossa previdncia racional, cuja exata medida no poderia, em geral, ser fixada de outro modo. Se, por um lado, a perfeio cientfica no pode ultrapassar esse limite, abaixo do qual, ao contrrio, h de realmente ficar sempre, por outro lado, se o transpusesse, cairia logo numa apreciao demasiado minuciosa, no menos quimrica do que estril, que finalmente comprometeria mesmo todos os fundamentos da verdadeira cincia, pois nossas leis no podem nunca representar os fenmenos seno com uma certa aproximao, alm da qual seria to perigoso como intil levar nossas pesquisas. Quando esta relao fundamental da cincia com a arte for convenientemente sistematizada, ela tender algumas vezes, sem dvida, a desacreditar tentativas tericas cuja esterilidade radical seria incontestvel; mas, longe de oferecer qualquer inconveniente real, essa inevitvel disposio se tomar desde ento muito favorvel aos nossos verdadeiros interesses especulativos, impedindo o vo desperdcio de nossas fracas foras mentais que resulta muito freqentemente hoje de cega especializao. Em sua evoluo preliminar o esprito positivo teve de apegar-se por toda a parte a quaisquer questes que se lhe tornavam acessveis, sem indagar muito de sua importncia final, que resultava de sua relao prpria com um conjunto que, a princpio, no podia ser percebido. Mas este instinto provisrio sem o qual teria faltado muitas vezes o alimento conveniente cincia, deve acabar por subordinar-se habitualmente a uma justa apreciao sistemtica, logo que a plena madureza do estado positivo tiver permitido perceber as verdadeiras relaes de cada parte com o todo, de modo a oferecer constantemente um largo destino s mais eminentes pesquisas, evitando, entretanto, toda especulao pueril. 24. A propsito desta ntima harmonia entre a cincia e a arte, importa enfim notar especialmente a feliz tendncia que dela resulta para desenvolver e consolidar o ascendente social da s filosofia, como conseqncia espontnea da preponderncia crescente que a vida industrial obtm evidentemente na civilizao moderna. A filosofia teolgica s podia realmente convir a essa fase necessria de sociabilidade preliminar, em que a atividade humana deve ser essencialmente militar, a fim de preparar gradualmente uma associao normal e completa, a princpio impossvel, conforme a teoria histrica que alhures estabeleci. O politesmo adaptava-se especialmente ao sistema de conquista da antigidade e o monotesmo organizao defensiva da Idade Mdia. Fazendo prevalecer cada vez mais a vida industrial, a sociabilidade moderna deve, pois, secundar poderosamente a grande evoluo mental que eleva hoje definitivamente nossa inteligncia do regime teolgico ao positivo. Esta tendncia diria e ativa ao melhoramento prtico da condio humana necessariamente pouco compatvel com as preocupaes religiosas, sempre relativas, sobretudo no monotesmo, a um destino muito diferente; mas, alm disso, semelhante atividade de natureza a suscitar finalmente uma oposio universal, to profunda como espontnea, a toda filosofia teolgica. Por um lado, com efeito, a vida industrial , no fundo, diretamente contrria a todo otimismo providencial, pois supe necessariamente que a ordem natural to imperfeita, que exige sempre a contnua interveno humana, ao passo que a Teologia no admite logicamente outro meio de modific-la a no ser apelando para o apoio sobrenatural. Em segundo lugar, esta oposio, inerente ao conjunto de nossas concepes industriais, se reproduz, continuamente, file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (20 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 21. Discurso preliminar sobre o esprito positivosob formas muito variadas, na realizao especial de nossas operaes, nas quais devemos encarar o mundo exterior, no como dirigido por quaisquer vontades, mas como submetido a leis, suscetveis de nos permitir uma suficiente previso, sem a qual nossa atividade prtica no comportaria nenhuma base racional. Assim, a mesma correlao bsica, que torna a vida industrial to favorvel ao ascendente filosfico do esprito positivo, lhe imprime, sob outro aspecto, uma tendncia antiteolgica, mais ou menos pronunciada, mas cedo ou tarde inevitvel, quaisquer que tenham sido os esforos contnuos da sabedoria do sacerdcio para conter ou temperar o carter antiindustrial da primitiva filosofia, com a qual a vida guerreira era a nica suficientemente concilivel. Tal a ntima solidariedade que faz todos os espritos modernos, mesmo os mais grosseiros e os mais rebeldes, participarem involuntariamente, desde muito tempo, da substituio gradativa da antiga filosofia teolgica por uma filosofia plenamente positiva, nica suscetvel, de ora em diante, de verdadeiro ascendente social. III. Incompatibilidade final da cincia com a Teologia25. Somos assim conduzidos a completar enfim a apreciao direta do genuno esprito filosfico por uma ltima explicao que,. embora sendo sobretudo negativa, se torna, na realidade, indispensvel hoje para acabar de caracterizar suficientemente a natureza e as condies da grande renovao mental agora necessria ao escol da Humanidade, manifestando diretamente a incompatibilidade final das concepes positivas com quaisquer opinies teolgicas, tanto monoticas como politicas ou fetchicas. As diversas consideraes indicadas neste Discurso j demonstraram implicitamente a impossibilidade de qualquer conciliao duradoura entre as duas filosofias, seja quanto ao mtodo ou quanto doutrina;, de modo que toda incerteza a este respeito pode ser, aqui facilmente dissipada. Sem dvida a cincia e a Teologia no se acham a princpio em oposio aberta, pois se no propem as mesmas questes; e foi isto que permitiu durante muito tempo o desenvolvimento parcial do esprito positivo, apesar do ascendente geral do esprito teolgico, e, mesmo, a muitos respeitos, sob a sua tutela preliminar. Mas quando a positividade racional, limitada a princpio, s humildes pesquisas ,matemticas, que a Teologia tinha desdenhado especialmente empreender, comeou a estender-se ao estudo direto da natureza, sobretudo pelas teorias astronmicas a coliso tornou-se inevitvel, ainda que latente, em virtude do contraste fundamental, ao mesmo tempo cientfico e lgico, desde ento progressivamente desenvolvido entre as duas ordens de idias. Os motivos lgicos em virtude dos quais a cincia se interdiz de modo radical os misteriosos problemas de que se ocupa essencialmente a Teologia, so de natureza a desacreditar cedo ou tarde, entre os bons espritos, especulaes que no se evitam seno por serem necessariamente inacessveis razo humana. Alm disso, a prudente reserva com que o esprito positivo procede, estudando pouco a pouco assuntos muito fceis, deve fazer apreciar indiretamente a louca temeridade do esprito teolgico a respeito das mais difceis questes. Todavia especialmente pelas doutrinas que a. incompatibilidade das duas filosofias deve manifestar-se na maior parte das inteligncias, muito pouco interessadas, de ordinrio, nas simples dissidncias de mtodo, ainda que estas sejam, no fundo, as mais graves, por serem a fonte necessria de todas as outras. Ora, sob este novo aspecto, no se pode deixar de reconhecer a oposio radical das duas ordens de concepes, onde os mesmos fenmenos so ora atribudos a vontades diretoras, ora reduzidos a leis invariveis. A imobilidade irregular, naturalmente prpria a toda idia de vontade, no pode de modo algum concordar com a constncia das relaes reais. Tambm medida que as leis fsicas foram conhecidas, o imprio das vontades sobrenaturais achou-se cada vez mais restringido, sendo sempre consagrado sobretudo aos fenmenos cujas leis permaneciam ignoradas. Tal incompatibilidade torna-se diretamente evidente, quando se ope a previso racional, que constitui o principal carter da verdadeira cincia, adivinhao por meio da revelao especial, que a Teologia deve representar como o nico meio legtimo de conhecer o futuro. verdade que o esprito file:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (21 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 22. Discurso preliminar sobre o esprito positivopositivo, chegado sua completa madureza, tende tambm a subordinar a prpria vontade a verdadeiras leis, cuja existncia , com efeito, tacitamente suposta pela razo vulgar, pois os esforos prticos para modificar e prever as vontades humanas no poderiam ter sem isto nenhum fundamento razovel. Mas semelhante noo no conduz de modo algum a conciliar as duas maneiras opostas segundo as quais a cincia e a Teologia concebem necessariamente a direo efetiva dos diversos fenmenos. Tal previso e a conduta que dela resulta exigem, de fato, evidentemente um profundo conhecimento real do ser no seio do qual as vontades se produzem. Ora, este fundamento preliminar s poderia provir de um ser pelo menos igual, julgando assim por semelhana; no o podemos conceber da parte de um inferior, e a contradio aumenta com a desigualdade de natureza. Tambm a Teologia sempre repeliu a pretenso de penetrar de qualquer modo os desgnios da Providncia, assim como seria absurdo supor aos animais inferiores a faculdade de prever as vontades do homem ou dos outros animais superiores. , contudo, a esta louca hiptese que seramos necessariamente conduzidos para afinal conciliar o esprito teolgico com o positivo. 26. Historicamente considerada, a oposio radical destes dois espritos, existente em todas as fases essenciais da filosofia inicial, em geral h muito admitida relativamente quelas fases que as populaes mais avanadas transpuseram completamente. mesmo certo que, a respeito delas, se exagera muito tal incompatibilidade em conseqncia do desdm absoluto que nossos hbitos monoticos inspiram de modo cego para com os dois estados anteriores do regime teolgico. A s filosofia, sempre obrigada a apreciar a maneira necessria segundo a qual cada uma das grandes fases sucessivas da Humanidade efetivamente concorreu para a nossa evoluo fundamental, h de retificar cuidadosamente estes injustos preconceitos, que dificultam toda verdadeira teoria histrica. Mas, embora o politesmo e mesmo o fetichismo, hajam, a princpio, secundado realmente o surto espontneo do esprito de observao, deve-se, entretanto, reconhecer que no podiam ser verdadeiramente compatveis com o sentimento gradual da invariabilidade das relaes fsicas, logo que tal sentimento pde adquirir certa consistncia sistemtica. Devemos assim conceber essa inevitvel oposio como a principal fonte secreta das diversas transformaes que sucessivamente decompuseram a filosofia teolgica, reduzindo-a cada vez mais. aqui o lugar de completar, a este propsito, a indispensvel explicao indicada no comeo deste Discurso, onde essa dissoluo gradual foi especialmente atribuda ao esprito metafsico propriamente dito, que, no fundo, no podia ser seno o simples rgo de tal dissoluo e nunca o seu verdadeiro agente. Cumpre, com efeito, notar que o esprito positivo, em virtude da falta de generalidade que devia caracterizar-lhe a lenta evoluo parcial, no podia formular convenientemente suas prprias tendncias filosficas, que apenas se tornaram sensveis durante nossos ltimos sculos. Dai resultou a necessidade especial da interveno metafsica, nica que podia sistematizar convenientemente a oposio espontnea da cincia nascente antiga Teologia. Mas, ainda que tal ofcio tenha feito exagerar muito a importncia efetiva deste esprito transitrio, , contudo, fcil reconhecer que s o progresso natural dos conhecimentos reais dava sria consistncia sua ruidosa atividade. Esse progresso contnuo que, no fundo, tinha determinado, antes, a transformao do fetichismo em politesmo, constituiu, em seguida, sobretudo a fonte essencial da reduo do politesmo ao monotesmo. Como a coliso se operou principalmente pelas teorias astronmicas, este Tratado me fornecer a oportunidade de caracterizar o grau preciso de seu desenvolvimento, ao qual cumpre atribuir, na realidade, a irrevogvel decadncia mental do regime politico, que havemos de reconhecer ento ser logicamente incompatvel com a fundao decisiva da Astronomia Matemtica pela escola de Tales. 27. O estudo racional de semelhante oposio demonstra claramente que ela no podia limitar-se Teologia antiga e que teve de estender-se depois ao prprio monotesmo, embora a sua energia devessefile:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm (22 of 55) [23/2/2002 22:59:17] 23. Discurso preliminar sobre o esprito positivodecrescer com a sua necessidade, medida que o esprito teolgico continuava a decair em virtude do progresso espontneo da cincia. Sem dvida esta fase extrema da filosofia inicial era muito menos contrria do que as precedentes ao surto dos conhecimentos reais, que nela no encontravam mais, a cada passo, a perigosa concorrncia de uma explicao sobrenatural especialmente formu1ada. Assim foi especialmente sob este regime monotico que se realizou a evoluo preliminar do esprito positivo. Mas, por ser menos explcita e mais tardia; no era a incompatibilidade finalmente menos inevitvel, mesmo antes da poca em que a nova filosofia se tornaria bastante geral para tomar um carter verdadeiramente orgnico e substituir, de modo irrevogvel, a Teologia no seu ofcio social, assim como no seu destino mental. Como o conflito se deve operar ainda sobretudo pela Astronomia, demonstrarei aqui, com preciso, qual foi a evoluo mais avanada que estendeu necessariamente sua oposio radical, antes limitada ao politesmo propriamente dito, at o mais simples monotesmo: reconhecer-se- ento que essa inevitvel influncia resultou do descobrimento do duplo movimento da Terra, logo seguido da fundao da mecnica celeste. No estado presente da razo humana, podemos, assegurar que o regime monotico, por muito tempo favorvel, aos primeiros progressos dos conhecimentos reais, entrava profundamente a marcha sistemtica que devem seguir de ora avante, impedindo adquira enfim a crena fundamental na invariabilidade das leis fsicas sua indispensvel plenitude filosfica. O pensamento contnuo de sbita e arbitrria perturbao na economia natural deve, na realidade, ficar sempre inseparvel, pelo menos virtualmente, de toda Teologia qualquer, mesmo atenuada tanto quanto possvel. Sem tal obstculo, que no pode de fato desaparecer seno pelo completo desuso do esprito teolgico, o espetculo dirio da ordem real j teria determinado uma adeso universal ao esprito fundamental da filosofia positiva. 28. Vrios sculos antes do desenvolvimento cientfico permitir apreciar diretamente esta oposio radical, a transio metafsica havia tentado, sob seu secreto impulso, restringir, no prprio seio do monotesmo, o ascendente da Teologia, fazendo abstratamente prevalecer, no ltimo perodo da Idade Mdia, a clebre doutrina escolstica que sujeitou a ao efetiva do motor supremo a leis invariveis, que ele teria a princpio institudo, interdizendo-se jamais mud-las. Mas, esta espcie de transao espontnea entre o princpio teolgico e o princpio positivo s comportava evidentemente uma existncia passageira, prpria a facilitar mais o declnio contnuo de um e o triunfo gradual do outro. Seu imprio estava mesmo limitado, em essncia, aos espritos cultos; porque, enquanto a f realmente subsistiu, o esprito popular teve de repelir sempre com energia uma concepo que, no fundo, tendia a anular o poder providencial, condenando-o a uma sublime inrcia, que deixava toda a atividade habitual grande entidade metafsica a Natureza, associada, assim, regularmente ao governo universal a ttulo de ministro obrigado e responsvel, ao qual se devia dirigir dai por diante a maior parte das queixas e dos votos. V-se que, sob todos os aspectos essenciais, esta concepo se parece muito com a que a situao moderna fez cada vez mais prevalecer relativamente realeza constitucional; e esta analogia no de modo algum fortuita, pois o tipo teolgico de fato forneceu a base racional do tipo poltico. Esta doutrina contraditria, que arruna a eficcia social do princpio teolgico, sem consagrar o ascendente fundamental do princpio positivo, no poderia corresponder a nenhum estado verdadeiramente normal e duradouro: constitui somente o mais poderoso dos meios de transio prprios ltima tarefa necessria do esprito metafsico. 29. Enfim a inevitvel incompatibilidade da cincia com a Teologia teve de manifestar-se tambm sob outra forma geral, especialmente adaptada ao estado monotico, fazendo cada vez mais sobressair a profunda imperfeio da ordem real, oposta assim ao imprescindvel otimismo da providncia. Este otimismo deveu, sem dvida, permanecer por muito tempo concilivel com o inicio espontneo dos conhecimentos positivos, porque uma primeira anlise da natureza tinha de inspirar ento, por toda afile:///C|/site/livros_gratis/espirito_positvo_comte.htm