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Sentimentos do blues: a cena blues e(m) personagens na cidade de Fortaleza 1988-1998.Leopoldo de Macedo Barbosa

RESUMO

O blues, como outros gneros musicais que buscaram seu espao no concorrido ambiente musical de Fortaleza, aos poucos aportou e se inseriu na cidade a partir de msicos apreciadores que almejavam uma oportunidade de executar, atravs de seus grupos musicais, um estilo pouco divulgado. A partir dessa meno significa entender tambm que determinados gneros musicais aportaram na cidade, atravs da chegada de materiais fonogrficos (catlogos de gravadoras, sees especializadas em peridicos, vinis e etc.) para, gradualmente, se inserir ou, simbolicamente, fincar sua bandeira em Fortaleza: "palco de inmeras manifestaes artsticas que tm na msica o seu alicerce" (BENEVIDES, 2008, p. 175). Nesse contexto, podemos destacar diferentes momentos da insero do gnero na cidade: seja ao lado do jazz, um importante ps-gnero do blues, mencionando, por exemplo, a programao das rdios de Fortaleza na dcada de 1940 que contavam com programas especializados do estilo; seja ao lado do rock in'roll, quando os jovens locais na dcada de 1970 conheciam os grupos ingleses que tocavam um rock in'roll baseado no blues. No obstante, esta pesquisa se apropria e analisa especialmente o momento do blues fortalezense entre 1988 e 1998, a partir de quatro grupos musicais: Gang da Cidade, Trakaj's Blues Experiment, Sub Blues e Matutaia que gravaram o lbum intitulado Blues Cear lanado em 1998. Assim, com a compreenso desse recorte, o estudo procura entender os modos de atuao, ou seja, as articulaes realizadas pelos sujeitos inseridos, nessa cena musical blues fortalezense como tticas para a efetivao de um gnero, at ento, pouco explorado, como tambm analisar a relao da cena musical como o espao urbano, atravs de seus personagens. Para esta apresentao, abordaremos especificamente as articulaes desses sujeitos scio-histricos a partir da noo da produo artstica independente.

Palavras-chave: Blues Fortaleza cena musical produo artstica independente.ABSTRACT

The blues, like other musical genres that sought its place in the competitive musical environment of Fortaleza, gradually arrived and entered the city from musicians lovers who craved an opportunity to run through his musical groups, a little-known style. From this word also means understanding that certain genres arrived in the city, through the arrival of phonographic materials (catalogs of record labels, specialized sections in journals, vinyl, etc..) To gradually inserting or symbolically put down his flag in Fortaleza: "scene of many artistic events which have their foundation in music" (BENEVIDES, 2008, p. 175). In this context, we highlight different points of insertion of the genre in the city, alongside jazz is an important genre of post-blues, citing, for example, the programming of radios Fortaleza in 1940 which relied on specialized programs style, is beside the rock in roll when local youths in the 1970s knew the English groups that played a blues-based rock in roll. Nevertheless, this research appropriates and analyzes especially when the blues Fortaleza between 1988 and 1998 from four musical groups: Gang da Cidade, Trakaj's Blues Experiment, Sub Blues and Matutaia who recorded the album titled Blues Cear released in 1998. So with the understanding of the above, the study seeks to understand the modes of action, i.e., the tactics made by the subjects included in this Fortaleza blues music scene as tactics for effecting a genre underexplored, but also analyze the relationship of the music scene as the urban space through its characters. For this presentation, we discuss specifically the tactics of these socio-historical subjects, from the notion of independent artistic production.Keywords: Blues Fortaleza music scene independent artistic production.Com a abordagem sobre o referido texto procuramos demonstrar que os personagens analisados na pesquisa estavam envolvidos em um processo artstico entendido como um conjunto de mecanismos de atuao direcionados a manuteno da carreira musical desses artistas, como tambm favorveis efetivao e consolidao da cena blues em Fortaleza. Ento, essa apresentao compreender os processos artsticos que permearam esses artistas, a partir do nosso entendimento sobre essas atividades, colocado anteriormente. Assim, para fomentarmos essa ideia de mecanismos de atuao, iniciaremos nossas discusses sobre produo artstica independente analisando e definindo este tipo de fazer musical, a partir das anlises dos tericos apropriados pela pesquisa. Posteriormente, continuaremos nossas observaes com o tpico entre produes, shows e blues: os mecanismos de atuao da cena blues fortalezense, abordando as atividades musicais dos referidos sujeitos scio-histricos. Sobre produo artstica independente. necessrio ultrapassar o pensamento recorrente de que haveria uma espcie de embate simblico entre criatividade e comrcio no campo da msica popular massiva, que, para muitos, estaria reduzido a uma disputa entre a produo musical existente no underground e no mainstream. Apesar de existirem tenses entre as duas esferas, so diversos os casos em que elas dialogam e estabelecem relacionamentos que se afastam de qualquer noo de simples oposio (Hesmondhalgh, 1999; Middleton, 2002; Negus, 1998) (FERNANDES, 2007, p. 25).

A partir dessa afirmao que Fernandes (2007) inicia sua anlise sobre as experincias de produo musical desvinculadas das grandes empresas fonogrficas, no comeo da dcada de 1980, em pases como os Estados Unidos e a Inglaterra: as independents labels. A autora se aproxima do termo independente para associ-lo com a questo da produo fonogrfica, como tambm da gesto artstica. Nas palavras da pesquisadora:

A noo de independncia [...] pressuporia uma forma de negociao com a cultura dominante, muito mais ambgua e complexa que a mera noo de resistncia, frequentemente atrelada a subculturas jovens (Bannister, 2006; Freire Filho, 2003; Gelder & Thornton, 1997; Negus, 1998; Olson, 1998) [sic]. A independncia suporia uma relao direta com o mainstream, dialogando e interagindo com seus processos (FERNANDES, 2007, p. 25).

Para a autora o carter de independente relaciona-se, por exemplo, a um tipo de gesto artstica que a independncia no significa um rompimento total com as grandes estruturas de produo, pelo contrrio, existe sim uma forma de manuteno baseada na aproximao com as estruturas dominantes, relacionando com os componentes que detm as direes, por exemplo, do entretenimento de um determinado espao urbano. Ainda em outra citao, a pesquisadora procura efetivar o termo independente, atravs de uma definio dessa respectiva categoria:

Ser independente significa algo; comunica sentidos e significados especficos entre os grupos, atuando, de certo modo, como um elemento aglutinador entre os indivduos. Extrapola, portanto, o carter mercadolgico que o termo adquire no contexto fonogrfico que indica um modo particular de produzir msica que no dependeria de estruturas e recursos financeiros de grandes companhias para ser efetivado. A independncia sempre uma forma de negociao com a cultura dominante, uma noo muito mais ambgua e complexa que a mera resistncia (BANNISTER, 2006, p. 78)

Como categoria relacional, a principal caracterstica do termo independncia seu carter transitivo, por meio do qual no pode ser reduzido a um significado essencial. A independncia se efetiva em relao a algo, a algum, a alguma estrutura e, neste sentido, nunca definitiva, absoluta. Por exemplo, um artista pode ser independente, no sentido de no contar com as estruturas de grandes companhias fonogrficas para promover seu trabalho; mas dependente em outros nveis: depende de si mesmo, de seu empenho e de seus prprios recursos para executar tal tarefa (FERNANDES, 2007, p. 179-180).

Com as colocaes acima percebemos que a grande percepo ao analisarmos uma cena musical independente seu dilogo com as chamadas estruturas vigentes: se distanciando de um pr-estabelecimento de mera resistncia, o grupo dialoga, aproxima ou negocia em prol da manuteno, da visibilidade ou do reconhecimento.

Uma observao que pode caracterizar a meno independente, particularmente no Brasil, so os depoimentos, presentes no trabalho de Fernandes (2007), de artistas mantidos, a partir deste tipo de produo artstica: os msicos em suas falas destacaram seus fazeres de atuao e manuteno, pois so essas atividades contribuintes para a consistncia de seus trabalhos musicais sem, no entanto, a possesso de grandes recursos. A autora, inclusive, procura uma lgica sobre a questo dessa respectiva gesto artstica no pas ao buscar um perfil de artista inserido neste meio. Assim, Fernandes (2007, p. 53) cita que para manter uma banda independente se afigura como uma atividade dispendiosa, em vez de potencialmente lucrativa no mdio/longo prazo, o que constitui um obstculo para a participao ativa de indivduos que no possuem renda relativamente elevada e destaca...o papel de protagonista a jovens de classe mdia-alta [sic], na maioria homens, que possuem condies financeiras adequadas para a compra de instrumentos de boa qualidade, para frequentar aulas de msica, custear ensaios em estdios apropriados e viagens por cidades prximas (FERNANDES, 2007, p. 53).

Por outro lado Vicente (2006) em relao produo fonogrfica aborda o termo independente para analisar constructos histricos como, por exemplo, as atividades musicais em torno da Lira Paulistana no final da dcada de 1980, alm de pensar o termo baseado nas empresas de atuao predominantemente local, vinculadas normalmente a segmentos musicais especficos, que costumam atuar na formao de novos artistas e na prospeco de novos nichos de mercado (VICENTE, 2006, p. 3), como tambm os artistas que desenvolvem autonomamente a produo de seus discos (VICENTE, 2006, p. 3).

J Nascimento, por exemplo, em seu estudo sobre o movimento Manguebit aborda a questo do ser independente ao analisar a iniciativa de aproximao dos prprios membros do movimento com jornalistas que trabalhavam nos grandes jornais de circulao da poca para conseguir ampla divulgao de seus eventos:

interessante observarmos que a prpria formao acadmica de alguns dos fomentadores da movimentao mangue, como Fred 04, Renato L, dentre outros, facilitou a divulgao da movimentao com os parcos recursos que estes jovens possuam na cidade de Recife, ou seja, os contatos pessoais com jornalistas que trabalhavam ou ainda trabalham nos jornais de maior circulao do Estado de Pernambuco, Dirio de Pernambuco, e Jornal do Commrcio, foram de certa forma preponderantes na divulgao que os mesmos pretendiam (NASCIMENTO, 2010, p. 49).Por outro lado, os integrantes buscavam como tambm se aproveitavam da autopromoo e consequentemente da relativa autonomia para fomentar suas atividades musicais na cidade de Recife, na dcada de 1990, assim os mesmos negociavam e simultaneamente se autoafirmavam nas suas posies em relao a uma gesto artstica independente:

Dentre muitas formas que o MangueBit encontrou para sua autopromoo, devemos ressaltar as festas promovidas pelos jovens msicos como forma de contagiar o pblico nesta empreitada cultural, instigando-os a tomar de assalto a cidade de Recife em termos artsticos, este era o mote das aes. A realizao de shows pelas bandas Mundo Livre S.A, Loustal, e posteriormente Chico Science e Nao Zumbi era uma prtica entre os msicos, ou seja, casas de espetculos e bares para as apresentaes como o Poco Loco, Francs Drinks, Soparia, espaos pblicos, dentre outros, eram conseguidos atravs dos amigos; o aluguel do som utilizado nas festas era dividido entre as bandas que iriam se apresentar e o pblico destas festas em algumas ocasies era convocado atravs de cortejos de maracatu promovidos pelo Lamento Negro at as casas de shows onde aconteceriam os eventos (NASCIMENTO, 2010, p. 48-49).J um interessante artigo de Mendona (2008) Itinerrios musicais: um ensaio sobre a influncia do cotidiano na formao curricular apresentava a realidade em Fortaleza de um artista de um gnero especializado, em termos de mercado, o Heavy Metal e suas estratgias para a manuteno de seu grupo musical na transio dos anos 1980 para a dcada de 1990. Nas palavras do prprio autor ao remontar sua trajetria artstica, o artista aborda o modo como o grupo procurou concretizar uma renda para a gravao de sua segunda fita-demo:

Decidimos que aps o carnaval de 1992, entraramos novamente em estdio para produzirmos uma nova demo-tape, posto que a primeira no refletia mais o pensamento do grupo naquele perodo. A inflao continuava e as dificuldades persistiam.

Alm de venda de camisetas, do LPs e fitas das nossas colees, tnhamos outra fonte de renda: a venda de caipirinha na Feirinha realizada na Pracinha da Gentilndia. Aproveitando o perodo de carnaval, adquirimos a matria prima e nos dirigimos at a cidade onde nascemos: Ipu-Cear. Tinha sido informado por familiares que no havia ningum na cidade vendendo o produto (MENDONA, 2008, p. 221-222).

Logo, a partir das experincias de Mendona (2008) exemplificando diferentes possibilidades para uma manuteno e atuao no mercado musical, como tambm as anlises de Nascimento (2010), Vicente (2002) e Fernandes (2007), percebemos que a cena blues fortalezense, no caso, tambm nos revelou pertinentes aspectos para compreender sua formao em termos de gesto, principalmente por ter se relacionado com tica de atividade independente. Assim, o prximo tpico abordar a compreenso da respectiva cena, a partir da ideia da produo artstica.

Entre produes, shows e blues: os mecanismos de atuao da cena blues.Com a anlise sobre produo artstica independente procuramos compreender, agora, os modos de atuao dos personagens apropriados pela pesquisa percebendo que os mesmos, como os demais artistas de blues no perodo no dispunham de grandes recursos para gerir suas atividades musicais. Assim, de forma relativamente autnoma, os mesmos procuraram gerir suas carreiras artsticas de forma pertinente: tanto em contribuio para a efetivao e manuteno de suas atividades em torno da msica, quanto para a fomentao da cena blues na cidade.

Um dos elementos relevantes para iniciarmos nossa discusso sobre os modos de atuao desses sujeitos scio-histricos refere-se ao trabalho musical consolidado que os mesmos j possuam. Essa insero no meio artstico, durante a dcada de 1980, corroborava, de certa forma, com a trajetria desses artistas para a dcada de 1990: Marco Aurlio teve sua experincia com a ris Sativa, Carlinhos Perdigo estreava, como baterista, no grupo musical de Ricardo Black (conhecido msico no perodo) em 1985 ou Ccero Gatto que acompanhava a banda Material. Inclusive acrescentavam-se as experincias musicais em viagens para o Sudeste, na qual Marco Aurlio em So Paulo, alm de Marcelo Justa e Laerte Jnior no Rio de Janeiro buscavam o to sonhado reconhecimento fora do Estado.

Ainda sobre a questo do trabalho musical j consolidado desses artistas, esse aspecto de certa forma contribuiu tambm, por exemplo, no intercmbio entre msicos e produtores artsticos responsveis pelo entretenimento fortalezense, no perodo: como o caso do articulador cultural Adil, que proprietrio do Duques e Bares e posteriormente Kzar Bar recebeu tanto apresentaes da banda Material como colaborou na formulao da ento, Sangue da Cidade, no incio dos anos 1990. Alm disso, o intercmbio com outros artistas que resultaram em trabalhos musicais paralelos, atravs de outras bandas; parcerias artsticas; em convites ocasionais para determinados shows, as conhecidas canjas ou na realizao de eventos organizados pelos msicos envolvidos, apoiados ou no por algum produtor. Essas atividades de certa forma contribuam para uma coeso e sustentabilidade para a cena blues fortalezense.

Interessante tambm percebermos que essa desvinculao perante grandes estruturas de entretenimento, geralmente afastava a possibilidade de uma carreira musical com sustentabilidade prpria: logo, uma fatia considervel dos msicos inseridos no contexto musical local, no perodo, possua outra atividade profissional, considerada o emprego principal e consequentemente a que gerava melhor fonte de renda. Fernandes (2007, p. 51), ao analisar o mercado independente do Rio de Janeiro, ressalta esse perfil: O trabalho diurno, da vida real, paga as despesas, j que a remunerao pela participao em shows e eventos usualmente inexiste, principalmente na cena de rock independente carioca. J Mendona citou o perodo que a trajetria de artista paralelizava com a presso da famlia visando seu ingresso na Universidade:

Depois da primeira fita-demo em 1989, a segunda s seria gravada trs anos depois. Muitas foram as [sic] mudanas de formao no grupo como tambm a cobrana da famlia para meu ingresso na Universidade, fatores que contriburam para uma desacelerao nos trabalhos da Obskure. Apesar desses fatores, acabamos por estabilizar o quarteto (2008, p. 221).

Assim, nossos personagens, mesmo com certa visibilidade musical, possuam atividades profissionais paralelas: Laerte Jnior trabalhava como designer grfico, Elisafan Rodrigues como comercirio, Marco Aurlio como analista de turismo ou Celso Antoni como mecnico de motores. Elisafan Rodrigues, inclusive comentou em seu depoimento que a Trakajas Blues Experiment teve seus perodos de paralisao quase que total motivado pela dificuldade de conciliao por parte dos artistas na manuteno das duas carreiras. J, Carlinhos Perdigo, em depoimento sobre sua carreira em 1998, mostrou a dificuldade ao testemunhar colegas seus que encerravam suas atividades musicais, como tambm sua persistncia em torno da atividade, aps a experincia com a Sub Blues:

...e a bicho [...] e assim a comea minha saga [...] quer dizer eu [...] independente... meio assim independente e tal eu disse cara: [...] eu vou montar um negcio eu quero tocar muito eu j via j observava pessoas parando de tocar e eu disse: eu num vou porque eu num quero parar de tocar nunca bicho... (Entrevista, Carlinhos Perdigo, Fortaleza, 18/04/2012)

Montando ento, um perfil do respectivo msico analisado na pesquisa, delineamos um artista que geralmente possua uma atividade profissional durante a semana e em paralelo dividia esse emprego com ensaios ou apresentaes: em sua maioria shows em bares, como tambm pequenos espaos culturais, seguidos de eventos de mdio porte, festas universitrias ou shows organizados por produtores e ocasionalmente apresentaes de grande porte, quando um determinado grupo musical era incorporado na programao ao lado de uma banda de grande estrutura para geralmente iniciar ou fechar o evento. Contexto musical esse, marcado principalmente, conforme citamos anteriormente, pela presena de pequenos estabelecimentos de entretenimento que de certa forma reunia determinados empresrios contribuintes para a divulgao dos artistas locais.

Assim, a categoria bar para alm do entretenimento do fortalezense se constitui outro elemento pertinente para compreenso dos mecanismos de atuao desses personagens, como tambm representou e ainda representa um forte espao de divulgao para os artistas locais: foram nesses lugares que os msicos puderam encontrar visibilidade, atravs de algum frequentador, no apenas entretido com o ambiente, mas curioso com a execuo do determinado artista ou de algum empresrio da noite interessado em fechar mais algumas noites de apresentao, visto que os eventos de mdio porte, mesmo relevantes, representavam pontuais apresentaes musicais, durante o ano para esses artistas e as estruturas maiores como a boite Hippotamus, o Oasis e posteriormente, a Barraca Biruta se destinavam naturalmente para eventos de grande porte. O Jornal O Povo apresentava essa situao:

Os espaos reservados a shows na cidade so ainda escassos. [...] a constatao dos artistas locais, de que h limitaes. Bom exemplo o aproveitamento de bares para apresentaes, quando nem sempre possvel conciliara a msica pretenso de apenas comer. Para os da terra, h ainda outro problema. As maiores casas optam por contratar gente de fora, de sucesso [...] (NA CRISE..., 1989, p. 1).

Para a cena blues fortalezense o msico Elisafan Rodrigues comentou a relevncia que os bares e demais locais ganharam em relao divulgao dos artistas do gnero, na dcada de 1990: tinha um bar chamado Me da Terra esse espao a... abriu [...] pra turma do blues [...] ficava [...] no entorno do que hoje [...] Centro Drago do Mar [...] era um bar cultural [...] tinha pea de teatro se apresentava tinha [...] artistas [...] plsticos entende [sic]... (Entrevista, Elisafan Rodrigues, Fortaleza, 19/05/2012).

J a reportagem do Jornal O Povo de 22/08/1997 apresentava, por exemplo, uma apresentao musical no bar Caf da Praia de uma parceria dos msicos Danilo de Carvalho (Sub Blues), Ken Beaumont e Giovani (ambos da Matutaia) em comemorao, na poca, dos 80 anos de idade do veterano John Lee Hooker:

Tera-feira passada o bar caf da Praia comemorou os 80 anos do bluesman americano John Lee Hooker com uma exibio de vdeos, audio de antigos sucessos e show com um trio formado por Danilo de Carvalho (SubBlues),o americano Ken Beaumont e Giovani (banda Matutaia). Outros msicos apareceram e fizeram uma legtima Jam session no local (LIMA, 1997, p. 1).

Assim, percebemos ento, que atravs desses circuitos de bares, especialmente, a cena blues fortalezense encontrou justamente nesses locais seu espao de insero, como tambm chamava a ateno para o que acontecia em torno do gnero para a cidade, quando, por exemplo, seus msicos participavam de uma apresentao destinada comemorao de aniversrio de reconhecido artista de blues estadunidense.

Acrescentamos tambm aos mecanismos de atuao a ampliao do fazer musical desses artistas, pois, analisando a cena musical blues a partir da tica da produo independente: suas atividades no se resumiam ao papel das bandas, acrescentava tambm os processos de produo (divulgao dos grupos, fomentao de espao, gesto e etc.). (BARBOSA, 2011, p. 10) Assim, os msicos ampliavam as atividades musicais em relao efetivao e permanncia no contexto musical fortalezense.

Atravs dessa observao anterior sobre a posio dos nossos personagens frente ao contexto musical fortalezense, mostramos que os mesmos eram gestores de suas prprias carreiras e dividiam entre, os integrantes das bandas, funes como divulgao de apresentaes, fechamento de contrato, contato com veculos de comunicao e etc.

Para apresentarmos esse modo de gesto artstica recorremos aos arquivos pessoais de Laerte Jnior a fim de mostrarmos um contrato musical assinado pelo mesmo. Entre tantos materiais encontrados e descritos pelo artista nos deparamos com um contrato, no caso um documento que fechava uma apresentao musical da Gang da Cidade para um evento da Casa de Cultura Alem no ano de 1994. O material apresentava diferentes dados: clusulas sobre equipamento de som, valor do cach, horrio e durao da apresentao, repertrio, entre outros. Interessante compreender, ento, que uma atividade destinada a uma funo especifica, no caso, o empresrio ou produtor musical ficava a cargo do prprio integrante, como ainda comum nos dias atuais: com o direcionamento financeiro para determinados segmentos mais miditicos a contratao de um produtor torna-se muitas vezes invivel e se restringia a poucos grupos musicais, como a Matutaia, entre as bandas analisadas.Com essas implicaes notamos que os prprios integrantes, apareciam como seus prprios gestores: negociavam cachs, acertavam a durao do show, como tambm repertrio, pois na terceira clusula aparecia justamente o gnero musical que representava os grupos nas diferentes divulgaes encontradas ao longo da pesquisa. Outra situao remetia a uma aproximao com os componentes que regiam a maior fatia do mercado, como a prpria Matutaia, conforme apresentado possua um empresrio. Ainda, atravs dos documentos apresentados, percebemos a disparidade do cach em relao a determinados eventos musicais: no caso, as apresentaes realizadas nos circuitos de bares, geralmente forneciam um cach irrisrio, como o recebido por Kazane. Nesse contexto, procuramos argumentar que a motivao do baixo valor do pagamento ao msico poderia, por exemplo, remeter a situao de o empresrio relegar sua prpria atrao artstica a elemento secundrio do local, como um mero instrumento de entretenimento aos frequentadores ou remeter ao prprio suporte financeiro do local que impossibilitava um grande recurso financeiro. J as apresentaes de mdio ou grande porte, como a concretizada por Laerte Jnior poderiam oferecer um pagamento, por exemplo, oito vezes maior.

Depois da contratao de uma apresentao musical, a forma de divulgao da mesma no diferia do primeiro momento. Nos depoimentos dos envolvidos, a difuso do evento geralmente se voltava para os prprios msicos, atravs da distribuio de panfletos, colocao de cartazes ou na propagao da notcia dos eventos para pessoas mais prximas dos grupos. Inclusive, cartazes, por exemplo, feitos por Laerte Jnior, como o trabalho de arte para os materiais do Festival Rock Cear em 1993. No depoimento do msico uma meno sobre esse aspecto:

Sim com certeza [...] [...] tipo assim de querer apoiar ao ponto mximo que a coisa acontecesse tivesse uma boa resposta [...] eu tinha que passar num tinha computador na poca eu tinha que passar o dia todinho fazendo cartaz diretinho organizar e xerocar levar pros cantos pregar n? Divulgar ento ficava [...] essa com essa incumbncia a durante muito tempo a Gang da Cidade eu fui o responsvel pela divulgao... (Entrevista, Laerte Duarte, Fortaleza, 02/11/2011).Mas a questo da divulgao no se resumia claro, apenas s apresentaes musicais, tambm se revelava esse aspecto em contornos mais amplos: ou seja, a forma como a cena blues fortalezense, a partir dos sujeitos scio-histricos analisados, se apresentava para o pblico consumidor local. Assim, recorremos s anlises de Thornton (apud Fernandes 2007) sobre o papel da mdia em relao s identificaes e valoraes das cenas ou culturas jovens. O autor, inclusive, considera trs categorias para a exposio dos veculos miditicos:

Micromdia, que possui inscrio local e composta por meios utilizados pelos organizadores de eventos para reunir as pessoas; Mdia de nicho, ou mdia especializada, que contribui tanto para a construo das culturas jovens quanto para sua documentao (um bom exemplo desta categoria a imprensa de msica); e, finalmente, mdia de massa, como os jornais, o rdio e a televiso, que contribuem para o desenvolvimento dos movimentos e das culturas juvenis na mesma medida em que distorcem suas caractersticas. A mdia de massa e a de nicho so usualmente associadas [sic] esfera de produo e circulao do mainstream, enquanto a micromdia opera, primordialmente, na esfera underground (THORNTON apud FERNANDES, 2007, p. 136).

Com essa colocao percebemos que ao delinearmos o termo underground para o termo independente, como uma meno prxima para designar um determinado agente cultural que permanece fora da produo e divulgao musical massiva, os respectivos sujeitos, ento, encontram principalmente na micromdia, os meios mais relevantes para seus produtos culturais como Thornton apud Fernandes destaca

...a importncia que a micromdia desempenha nos processos de produo, divulgao e autenticao de discursos e representaes no mbito das cenas e culturas jovens. Informaes que circulam atravs [...] de [...] filipetas, cartazes, fanzines [...], por exemplo, sob esse argumento, desfrutariam de maior credibilidade entre os integrantes de uma cena, configurando-se em instrumentos para congregar os indivduos em eventos noturnos.

Em grande medida, os veculos da micromdia desempenham funes importantes de atribuio (ou, pelo contrrio, de negao) de um carter autntico a indivduos, a comportamentos e a atividades, tanto no mbito da cena como fora dela. As estratgias para construir a legitimidade e a autoridade de veculos da micromdia passam, principalmente, pela confirmao da legitimidade e da autoridade daqueles responsveis pela produo da informao atores que devem ser percebidos pelos outros integrantes da cena como referncias, cujas trajetrias tenham sido submetidas a processos de autenticao que validem as informaes, os discursos e as representaes produzidos por eles (2007, p. 136-137).

Essa legitimidade, ao nosso modo perceptvel, por exemplo, como identidade ou identificao pode ser vista, por exemplo, no depoimento anterior de Laerte Jnior sobre a relevante dedicao que o msico tinha em torno dos materiais grficos produzidos: ao relevar todo o esmero para a elaborao de um cartaz e posteriormente sua distribuio em diferentes pontos da cidade, o msico no s reforava sua identificao com o blues, como tambm transmitia esse sentimento de pertena, uma identidade para os demais integrantes da cena.

Colocao anterior essa tambm percebida na elaborao de fanzine, a partir do msico Kazane, que apresentava toda a movimentao artstica do Peixe Frito Blues Club e ressaltava as representaes em torno do blues: uma dessas significaes remetia na presena da foto do bluesman John Lee Hooker, exatamente na capa da publicao. Nesse fanzine, o artista mencionava estrias em quadrinhos sobre o gnero ou reportagens sobre as apresentaes de grupos musicais. O material elaborado por Kazane, no caso, reforava esse carter autnomo de divulgao, por isso seu carter de relevncia. A publicao definida com seus contedos diversos e caractersticos por Vicente (1996, p. 142) como: pequenas revistas no mais das vezes reproduzidas atravs de mimegrafo ou fotocopiadora que funcionam como via de comunicao e expresso dos artistas e pblico do cenrio underground [...].

Alm das micromdias, os grupos musicais de certa forma conseguiram espao tambm nas chamadas mdias de massa. Essas aparies, a partir de anlises nossas, poderiam ocorrer: 1) Apoio de comunicadores em sintonia com a repercusso das bandas que contriburam para o desenvolvimento do gnero ou em sintonia com o prprio contexto musical do blues; 2) Matrias de cunho divulgador, a partir da obteno de espao na seo destinada a programao cultural, presente de forma diria nos peridicos, atravs de um produtor musical e sua divulgao da programao, a partir de uma nota. O produtor ento fornecia nesta nota dados sobre a apresentao: divulgava seu equipamento de entretenimento, apresentava a banda geralmente com foto e um breve histrico, como tambm valores de ingressos, endereo e etc.; 3) atravs das prprias investidas dos respectivos personagens, quando buscavam contatos com determinados veculos de divulgao para propagar suas atividades musicais.

Um exemplo para compreendermos as colocaes anteriores, refere-se, por exemplo, a matria de uma apresentao da banda Matutaia na barraca Subindo ao Cu no Jornal O Povo de 29/06/1996: a reportagem, no caso, mostrava a divulgao do recm-chegado grupo e apresentava entre outras informaes, os gneros musicais executados, um breve histrico, alm de apresentar a frequncia de shows que ressaltava o relativo sucesso da banda:

Formada pelo vocalista e guitarrista americano Ken Beaumont, Giovanni Sacchetti tambm guitarra e voz, Marcio Figueiredo na gaita e vocal, Luiz Guilherme no baixo e Marco Aurlio na percusso, o Matutaia faz rock and roll e blues com sotaque brasileiro. H apenas um ano na cidade, a banda costuma se apresentar na Praia do Futuro e em bares da cidade [...] e que faz show na Barraca Subindo ao Cu (BLUES E ROCK..., 29/06/1996, p. 3).Assim, atravs do respectivo tpico percebemos que os artistas apropriados pela pesquisa, a partir de uma tica de gesto artstica independente, propuseram seus fazeres musicais em torno das possibilidades de quem se encontrava fora da maior fatia do mercado. Porm essas atividades no significavam uma movimentao menor, to pouco uma maneira de romper, ao contrrio, os processos artsticos realizados por esses sujeitos scio-histricos se revelaram pertinente quanto consolidao da cena blues fortalezense, a forma de negociao com as estruturas dominantes dentro do contexto musical local, como tambm a efetivao desses artistas, pois no momento atual, alguns desses ainda perpetuam de forma significante seus trabalhos artsticos. Ento com o respectivo texto abordado, percebemos que a capacidade desses personagens na elaborao de mecanismos de atuao de certa forma contribuiu para a efetivao, no s dos artistas, como tambm na consolidao da cena blues fortalezense. Um significante conjunto de fazeres artsticos que uniu esses sujeitos scio-histricos e produtores solidarizados com o contexto da referida manifestao em Fortaleza.Referncias bibliogrficas.Blues e Rock na Subindo ao cu. Jornal O Povo. Fortaleza, 29/06/1996, p. 3.BARBOSA, Leopoldo de Macedo. Sentimentos do blues fortalezense: compreenso da cena blues em Fortaleza 1988-1998. In: Anais do VII Encontro Internacional de Msica e Mdia: Msica e Memria: Tramas em Trnsito. So Paulo: USP, 2011.FERNANDES, Fernanda Marques. Roberto Cesar. Msica, estilo de vida e produo miditica na cena indie carioca. Dissertao (Mestrado em Comunicao social) - Universidade federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2007.NASCIMENTO, Francisco Gerardo Cavalcante do. Manguebit: Diversidade na indstria fonogrfica brasileira da dcada de 1990. Dissertao (Mestrado em Histria) - Universidade estadual do Cear. Fortaleza, 2010.VICENTE, Eduardo. A msica popular e as novas tecnologias de produo digital. Dissertao (Mestrado em Comunicao social) - Universidade de Campinas, Campinas, 1996.

. Msica e disco no Brasil: A trajetria da indstria entre as dcadas de 60 e 90. Tese (Doutorado em Comunicao social) - Universidade de So Paulo, So Paulo, 2002.

Graduando em Histria pela Universidade Estadual do Ceara (UECE) e integrante do Laboratrio de Estudos e Pesquisas em Histria e Culturas - DCTIS.