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Transtorno de Pânico e Agorafobia: Um Estudo de Caso. Panic Disorder and Agoraphobia: A Case Study¹ Ilma A. Goulart de Souza Britto Ângela Maria Menezes Duarte Universidade Católica de Goiás² ¹A intervenção terapêutica descrita fez parte do trabalho de doutorado da primeira autora. ²Ambas as autoras são professoras doutoras e ensinam no Programa de Graduação e Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Católica de Goiás. Endereço para correspondência: rua 53 número 206, Jardim Goiás, Goiânia-GO. CEP 74810-210. E-mail: [email protected] Resumo Abstract O presente estudo teve como objetivo intervir nos comportamentos problemáticos de uma cliente de 53 anos que relatou experimentar estados corporais compatíveis com manifestações do transtorno de pânico. Com base nos relatos verbais e registros dos comportamentos da cliente, a terapeuta descreveu as contingências que produziam a queixa e ensinou à cliente que a ansiedade é um estado corporal produzido pelas contingências aversivas às quais ela respondia. Durante a intervenção, a cliente adquiriu o repertório necessário para responder adequadamente às contingências aversivas. Os comportamentos desadaptados da cliente ficaram sob controle dos procedimentos terapêuticos utilizados. Palavras chave: Transtorno de pânico; Ansiedade; Terapia comportamental. The objective of the present study was to intervene in the problematic behaviors of a 53-year-old client who reported to the therapist to experience bodily states compatible with manifestations of panic disorder. Based on the verbal reports and records of the client's behaviors, the therapist described the contingencies that produced the client's complaint and taught the client that anxiety is a bodily state produced by aversive contingences to which she responded. During the intervention process, the client acquired the repertoire needed to respond appropriately to the aversive contingencies. The client's maladaptive behaviors became under the control of the therapeutic procedures. Key words: Panic Disorder; Anxiety; Behavioral Therapy. ISSN 1517-5545 2004, Vol. VI, nº 2, 165-172 Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva 165

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Transtorno de Pânico e Agorafobia: Um Estudo de Caso.

Panic Disorder and Agoraphobia: A Case Study¹

Ilma A. Goulart de Souza BrittoÂngela Maria Menezes Duarte

Universidade Católica de Goiás²

¹A intervenção terapêutica descrita fez parte do trabalho de doutorado da primeira autora.²Ambas as autoras são professoras doutoras e ensinam no Programa de Graduação e Pós-Graduação em Psicologia da UniversidadeCatólica de Goiás. Endereço para correspondência: rua 53 número 206, Jardim Goiás, Goiânia-GO. CEP 74810-210. E-mail:[email protected]

Resumo

Abstract

O presente estudo teve como objetivo intervir nos comportamentos problemáticos de uma clientede 53 anos que relatou experimentar estados corporais compatíveis com manifestações dotranstorno de pânico. Com base nos relatos verbais e registros dos comportamentos da cliente, aterapeuta descreveu as contingências que produziam a queixa e ensinou à cliente que a ansiedade éum estado corporal produzido pelas contingências aversivas às quais ela respondia. Durante aintervenção, a cliente adquiriu o repertório necessário para responder adequadamente àscontingências aversivas. Os comportamentos desadaptados da cliente ficaram sob controle dosprocedimentos terapêuticos utilizados.

Palavras chave: Transtorno de pânico; Ansiedade; Terapia comportamental.

The objective of the present study was to intervene in the problematic behaviors of a 53-year-oldclient who reported to the therapist to experience bodily states compatible with manifestations ofpanic disorder. Based on the verbal reports and records of the client's behaviors, the therapistdescribed the contingencies that produced the client's complaint and taught the client that anxietyis a bodily state produced by aversive contingences to which she responded. During theintervention process, the client acquired the repertoire needed to respond appropriately to theaversive contingencies. The client's maladaptive behaviors became under the control of thetherapeutic procedures.

Key words: Panic Disorder; Anxiety; Behavioral Therapy.

ISSN 1517-5545

2004, Vol. VI, nº 2, 165-172

Revista Brasileira deTerapia Comportamentale Cognitiva

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O uso de castigos, coerções ou ameaças depunições são comuns em nossa sociedade.Quando as punições e ameaças se tornamexcessivas ou insuportáveis, as pessoaspodem experimentar estados emocionaisnegativos que interferem em seu desempenhoe em sua saúde. O estado corporal sentido sobtais contingências é freqüentemente chamadode ansiedade. Keller e Schoenfeld (1973)afirmam que a ansiedade origina-se daexperiência com eventos aversivos queativam fortes processos internos e a supressãode certos comportamentos operantes.O terapeuta comportamental ensina o clientea responder a estados emocionais negativosde maneira adaptativa. Clientes freqüen-temente descrevem seu estado corporalcorrespondente aos processos internos “

e à supressão docomportamento “ ”.Cabe ao terapeuta demonstrar a ação doseventos aversivos na vida do cliente e levá-lo adiscriminar como tais eventos adquiriram asfunções aversivas.Quando algo ruim está por acontecer e nada sepode fazer para evitar ou fugir, é comumvivenciar os estados emocionais negativosevocados pelos eventos aversivos. Umapunição inevitável pode produzir incapa-citação completa ou parcial, preocupaçãoinútil e sofrimento físico. “Freqüentementeconsideradas como uma forma de ansiedade,estas reações são usualmente tratadas -raramente com sucesso - com remédiospsiquiátricos ou farmacológicos” (Sidman,1995, p.219).O Manual Diagnóstico e Estatístico de Trans-tornos Mentais, DSM-IV-TR (AssociaçãoAmericana de Psiquiatria [APA], 2002) defineo transtorno de pânico pela presença deataques de pânico recorrentes e inesperadosseguidos pela preocupação persistente sobrepossíveis ataques futuros e implicaçõescomportamentais relacionadas ao ataque.Define ainda, que os ataques de pânico podemser inesperados, predispostos por umasituação ou ligados a situações. Em relação a

agorafobia, o manual a define pela ansiedadede estar em locais de onde pode ser difícilfugir ou não haver ajuda disponível no caso deter um ataque de pânico inesperado oupredisposto pela situação.As manifestações do transtorno de pânico, umdos mais importantes no contexto dos fenô-menos de ansiedade, paralisam as pessoas eparecem ocorrer sem uma provocação esti-mular. Os estímulos que evocam essas mani-festações não são óbvios para as pessoas queos experimentam.No caso dos estados noturnos de pânico, apessoa ansiosa acorda experienciando reaçõesfisiológicas tais como palpitações, sudoreseou respiração rápida. É possível queestimulações fisiológicas eliciem as respostasde medo: a pessoa responde negativamenteaos seus estados corporais. A pessoa verbalizadescritivamente o evento: “

?”. Assim, elamantém e aumenta a resposta de medo aosseus estados corporais. Tal comportamento éum elo contínuo na ativação da cadeia deataques de pânico (Staats, 1996).O objetivo do presente estudo é apresentar umcaso clínico de tratamento de transtorno depânico e agorafobia.

Helena, uma mulher de 53 anos de idade, eracasada com um administrador de empresadesempregado e tinha três filhos, sendo duasmulheres e um homem. Era a filha mais velhade cinco irmãos.Descreveu o pai como uma pessoa rígida,verbalmente abusiva, perfeccionista. Já a mãe,descreveu como sendo uma pessoa dócil,dependente, passiva, prestativa e semambições.Relatou que se casou aos dezesseis anos parasair de casa, pois até então, não tiveraliberdade. Só quando “

” pôde sair só com o noivo, e, mesmoassim, com longas admoestações do pai quetemia que “ ”. Depois que

éhorrível sentir-se assim”

literalmente, paralisei-me Estou passando male agora o que vai ser de mim

colocou uma aliança nodedo

ela se perdesse na vida

Caso clínico

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Transtorno de Pânico e Agorafobia

concluiu o primeiro grau, empregou-se numaempresa pública que estava para serprivatizada. Esta questão deixou Helenaindecisa se deveria aposentar proporcio-nalmente ou não. Adiou a decisão, poisgostava do trabalho e dos colegas.Helena e a família estavam passando pordificuldades financeiras devido à demissãodo marido. Esta situação a incomodavabastante, pois o filho queria se casar e na suaavaliação o momento não era propício.Recentemente Helena experimentara umaligeira tontura. Com o passar do tempo suatontura piorou e ela começou a sentir oaumento de sua freqüência cardíaca,juntamente com tremores e transpiraçãoexcessiva. Sua respiração estava cada vez maisofegante, sentia a boca seca e dores e pressãono peito.Com o agravamento dessas manifestações, eladeixara de sair de casa. Não ia a bancos esupermercados, não fazia compras e não ia àcasa das filhas visitar os netos. Quando umdeles se machucou, ela correu, tirou o carro dagaragem, mas quando se viu na rua, “

”. Voltou com o carropara a garagem e solicitou ao esposo que alevasse até o neto. Ainda assim, experimentouum intenso pavor durante o trajeto, pavor esseque se repetia a cada dia quando saía de casapara o trabalho na companhia do marido.Helena deixou de dirigir.Após realizar exames médicos de rotina, foidiagnosticada como sofrendo de distúrbioneurovegetativo. Não satisfeita com odiagnóstico, procurou um cardiologista e aseguir um psiquiatra com o qual se tratoufarmacologicamente por seis meses semsucesso.As duas primeiras sessões do processoterapêutico foram usadas para reunirinformações. A queixa inicial incluía descri-ções de taquicardia, sudorese, tonturas,tremores, perda de controle, sensações demorte iminente, pavor e sufoco. Tambémrelatou problemas no sono, dificuldades deconcentração, receio de ficar só, e compor-

tamentos de evitação que incluíam a recusaem dirigir. Como parte da avaliação, Helenarespondeu ao Questionário de História Vital(Lazarus, 1980) que confirmou os eventosrelatados na entrevista inicial.O tratamento foi baseado na terapia compor-tamental e incluiu o uso das técnicas derelaxamento muscular progressivo (Jacobson,1938), hiperventilação como exercício deexposição interoceptiva (Barlow, 1999;Dattilio & Berchick, 1998), treino respiratório,hierarquias de exposições (Barlow & Cerny,1999; Wolpe, 1976); registros diários efreqüente reforçamento positivo social noconsultório.Foram dadas explicações sobre: (a) os compo-nentes do paradigma da ansiedade; (b) asfunções dos eventos aversivos; (c) discrimi-nação das sensações corpóreas; (d) asupressão de comportamentos (e) respostasde medo; e (f) habilidades no manejo de esta-dos emocionais negativos.Em seguida, Helena foi orientada a praticar orelaxamento em casa pelo menos três vezes aodia. A hiperventilação foi usada na presençada terapeuta para evocar os sinais caracte-rísticos dos respondentes fisiológicos, taiscomo palpitações, tremores, tonteiras, sensa-ções de falta de ar, vertigens e sudorese. Aaplicação desta técnica pode ser compre-endida através do fragmento de sessão abaixo:T = Helena, gostaria de fazer uma demons-tração para ajudá-la a compreender os sinaisde ansiedade que tanto te incomodam.C = Ah, não! Só de pensar nisso tudo, tenhomedo.T =Isso poderia ajudá-la a controlar aquelassensações desagradáveis...C = Ah, meu Deus! Eu não vou conse-guir...(começa a chorar)Após várias considerações e hesitações,Helena concordou.Antes de realizar a técnica de hiperventilação,a terapeuta aproximou-se de Helena, tomou-lhe a mão e perguntou: “Vamos começar?”.T = Agora, gostaria que você respirasse muitorápido, inalando o ar através da boca como se

teve asensação de que ia morrer

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estivesse realmente sem fôlego. Observe comoeu estou fazendo (a terapeuta começa, então, arespirar pela boca demonstrando a Helenacomo ela deveria proceder).T = Está pronta?C = Sim.T = Então comece a respirar da maneira quelhe demonstrei. Vamos iniciar juntas. Estábem?A terapeuta acompanhou Helena no princípiodo exercício de hiperventilação e a encorajou aconcluí-lo sozinha por um minuto e meio adois minutos. Ao final do exercício, soltou suamão e retornou ao seu lugar.T = Muito bem. Agora, levante-se.C = Oh, meu Deus? Estou ofegante. Parece quevou desmaiar.C = Meu coração bate muito forte, estoutonta... Acho que se não estivesse sentada, iriadesmaiar aqui mesmo.T = Penso que realmente é muito desa-gradável para você sentir-se assim. Agora,feche os olhos e comece a respirar lentamente,suavemente... Isso... Muito bem! Continueassim, respirando lenta e suavemente damaneira que você aprendeu no relaxamento.Pausa... Você se sentirá bem melhor. Pausa...Continue a respirar assim: inalando o ar pelonariz e exalando-o pela boca... Pausa...T = E, então? Como está se sentindo agora?C = Acho que se você não estivesse aquicomigo, eu teria desmaiado.T = Você não desmaiou. Isso já ocorreudurante estes momentos em que experimen-tou tais sensações?C = Não, nunca desmaiei.T = Helena, é necessário que você entenda quetem que haver uma queda na pressãosanguínea para que uma pessoa possadesmaiar. Isto não aconteceu com você. O queaconteceu foi exatamente o oposto. Resul-tados de pesquisas (e.g., Barlow, 1999; Dattilio& Berchick, 1998) indicam que o ataque de

pânico está associado a um aumento depressão sanguínea. Por isso é pouco provávelque você desmaiasse aqui, agora...C = Interessante, nunca pensei realmentenisso. Quer dizer então que eu só tenho asensação que vou desmaiar?T = Isso mesmo! O desmaio é improvável du-rante um ataque de pânico.Em seguida, a cliente recebeu informaçõesmais específicas sobre os eventos aversivosaos quais respondia. Foi solicitada a discri-minar suas próprias sensações corporais deuma maneira mais adaptativa: se o eventoaversivo fosse mesmo inevitável a clientedeveria usar uma resposta de fuga ou esquivapreviamente aprendida.Foi explicado a Helena que a ansiedade é umapalavra que descreve um estado emocionalque ocorre no interior do corpo. Este estado éuma resposta à ação de diferentes eventoscujas funções a pessoa desconhece e confundecom processos mentais ou biológicos. Suassensações corporais e alterações compor-tamentais decorrem não devido aos seussentimentos, mas às contingências aversivasque produziram os estados emocionaisexperimentados.Nas sessões subseqüentes Helena começou aadquirir os repertórios comportamentaisnecessários para que ela mesma manejassesuas próprias sensações corporais evocadaspelos eventos aos quais estava exposta. Foi-lhe solicitado como tarefa de casa, um registrodiário de pânico no qual ela deveria relatardatas, eventos antecedentes, seus compor-tamentos frente a estes eventos e suasconseqüências.De posse desses registros, a terapeuta cons-truiu, juntamente com Helena, os elos entre oevento antecedente, as respostas fisiológicas eo conteúdo de seus relatos verbais sobre suaspróprias sensações corporais. Tais dados es-tão contidos no Quadro 1.

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No trânsito com o m arido Vai começar de novo Preocupação

O coração dispara Ah, meu Deus, de novo? Preocupação

Transpiração Estou piorando Medo

Pernas bambas Vou perder o controle Choro... Medo

Pressão no peito, mal estar Vou desmaiar Paralisa-se

Quadro 1 - Encadeamento da crise de pânico em Helena

Passo a passo, a terapeuta analisou junta-mente com a cliente, o modo pelo qual eladescrevia os eventos por ela experienciadosjuntamente com as suas sensações corporais.Tais eventos eliciavam fortes emoçõesnegativas que contribuíam para aumentar afreqüência de seus respondentes simpáticos,tais como, transpiração excessiva, pressão nopeito, coração disparado etc.Foi explicado que ela provavelmente apre-sentava uma hipersensibilidade para respon-der às alterações fisiológicas em seu corpo e,em decorrência disto, passava a sentir medoacompanhado de uma sensação de incontro-labilidade, de imprevisibilidade em relação aoque poderia acontecer daí em diante. Paraajudá-la a compreender melhor estas explica-ções, foi-lhe solicitado que recordasse de uma

situação recente em que ela tivesse experi-mentado um ataque de pânico. Em seguida,seus relatos verbais descritivos dos eventosexperienciados foram relacionados a cadaresposta fisiológica, a cada sensação descrita.Ela era encorajada a avaliar todos os eventosque ocorriam subseqüente à sua sensação deperigo. Foi dito a Helena que ela mesmaformulava regras que passavam a controlarseus comportamentos de pânico. Helena foiinstruída a se autobservar nas suas atividadesdiárias.Helena deveria continuar a fazer seu registrodiário de pânico no sentido de discriminarseus sinais corporais e a seqüência de seusataques. O quadro 2 exemplifica um dessesregistros.

Quadro 2 - Registro diário de pânico

Transtorno de Pânico e Agorafobia

Data Eventos Verbalizações

descritivas dos

eventos

experimentados

Sensações

Corporais

Conseqüências

Em casa,

preparando-se

para ir ao

supermercado

Vai começar

tudo de novo

Mãos frias; Boca

seca

Respira

profundamente e

se mantém

calma.

Com o marido

no trânsito,

atravessando

uma rótula num

cruzamento

perigoso.

Meu Deus! Ele

vai bater o carro!

Alguém pode

nos atropelar

neste trânsito

infernal...

Coração

acelerado.

Tensão no peito.

Tremores.

Não consegue

evitar o aumento

de suas

sensações

corporais.

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Helena citou os ataques de pânico queocorreram em dias anteriores quando elaestava no carro com o marido. Relatou que, ànoite, quando o marido fez uma ultrapas-sagem, começou a sentir “aquelas sensações”,e naquele momento, falou para si mesma: “vaicomeçar outro ataque”.Foi pedido que Helena fizesse uma lista doseventos causadores de ansiedade e que desse

uma nota de 0 a 100 em termos do grau deansiedade que experimentava diante daqueleevento. Assim, foi construída uma hierarquiade ansiedade (Wolpe, 1976) com uma lista deeventos perturbadores relacionados aotrânsito, onde o evento em que ela sentiu omínimo de ansiedade recebeu a nota 10 e omáximo, a nota 100.

Quadro 3 - Hierarquia

Eventos Notas

Som de carro barulhento 10

Ultrapassagem à noite 20

Visão de moto ou bicicleta à frente de seu carro 30

Pessoas atravessando as ruas 40

Ultrapassar carro velho 50

Dirigir sozinha debaixo de chuva 60

Ultrapassar ônibus ou caminhão à noite 70

Andar a 50 Km nas avenidas principais da cidade. 80

Ouvir buzina de motorista apressado 90

Dirigir em alta velocidade em rodovias 90

Cruzamento de rótulas em trânsito congestionado 100

Em casa,

passando uma

camisa para o

filho.

Estou me sentido

melhor hoje.

Boca seca. Mãos

frias

Respira

profundamente e

se mantém

calma

Com o marido

no trânsito.

Aproximando-se

de um carro

velho

E se esse carro

velho perder o

controle e vier

em cima de nós?

Sensação de

tontura. Mãos

frias. Coração

acelerado.

Não consegue

evitar o aumento

de suas

sensações

corporais.

Com o marido

no trânsito à

noite. Chove

As ruas estão

alagadas? E se o

nosso carro

desgovernar?

Sensação de

desmaio.

Não consegue

evitar o aumento

de suas

sensações

corporais

Data Eventos Verbalizações Sensações Conseqüências

continuação

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Em seguida, foi dado início às hierarquias deexposições. Helena foi instruída a dirigir emlugares onde havia maior probabilidade de seexpor ao som de carros barulhentos-eventoque recebeu a menor nota na hierarquia. Foidito a ela que permanecesse na situação,independente de suas sensações corporais, atéque experimentasse uma redução importanteno seu nível de estados emocionais negativos.Um dos primeiros passos foi expor-se nacompanhia do marido. Depois ela deveria seexpor sozinha no trânsito, ao som de motos oucarros barulhentos.Nas sessões posteriores, foi sugerida aexposição aos itens subseqüentes da hierar-quia de exposição, primeiro acompanhadapelo marido e depois sozinha. O critério ado-tado para mudar de um passo para o outro eraHelena relatar que havia conseguido perma-necer na situação sem sentir ansiedade.Quando sentia ansiedade utilizava as técnicaspreviamente aprendidas.Paralelamente às hierarquias de exposições,Helena fazia registros diários de pânico. Osregistros e o relato verbal de Helena indica-ram que ela voltou a sair de casa, a fazercompras e dirigir, com uma redução impor-tante na freqüência dos ataques de pânico notrânsito, nas sensações corporais negativas enas respostas de esquiva.

No ambiente terapêutico, é possível observarque pessoas que vivenciam ataques de pânicoapresentam também medos específicos emrelação à saúde. Tais pessoas estão atentas às

suas sensações e estados corporais. As sensa-ções fisiológicas parecem confirmar para apessoa que ela realmente está com algumproblema de saúde. Tais sensações aumentamas respostas de medo. Suas falas consigomesma se tornam então mais negativas, e apessoa se torna mais ansiosa, estabelecendoassim um estado emocional contínuo quepodemos descrever como ansiedade.O estudo de caso apresentado ilustra oscomportamentos típicos de uma pessoa queevita situações que evocam sensações corpo-rais desagradáveis. Os procedimentos utiliza-dos foram efetivos em ensinar à cliente comoreduzir ou eliminar tais sensações. Além daintervenção terapêutica propriamente dita,Helena foi ajudada pelo cônjuge que a encora-jou na busca de solução para seus problemas eparticipou ativamente desse processo junto aela.A participação de Helena no processo tera-pêutico foi semelhante à de um aluno atentoaos ensinamentos do mestre. Aprendeu aobservar e discriminar seus estados emocio-nais negativos, assim como o processo deta-lhado de sua própria reação quando nestesestados. Aprendeu a reduzir os respondentesfisiológicos associados aos ataques de pânicoe comemorou cada passo alcançado assu-mindo cada vez mais o controle de seusproblemas. Sua motivação para se livrar dassensações corporais negativas e voltar adirigir facilitou a adesão à terapia que empoucos meses proporcionou a Helena umrepertório efetivo na melhora da qualidade desua vida.

Considerações finais

Referências

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Manual Diagnóstico e Estatístico de TranstornosMentais.

Manual Clínico dosTranstornos Psicológicos.

Tratamento Psicológico do Pânico

Transtorno de Pânico e Agorafobia

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(Original publicado em 1973)

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Compreendendo a Terapia Cognitiva

Progressive Relaxation.Princípios de Psicologia.

Terapia Multimodal do Comportamento

Coerção e suas implicações

Behavior and Personality: Psychological Behaviorism

Prática da Terapia Comportamental

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