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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - CCHLA DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DISCIPLINA: HISTÓRIA DO BRASIL REPÚBLICA I /2010.1 PROFESSOR (A): RAIMUNDO NONATO ARAÚJO DA ROCHA A “MODA” CHAMADA “SCIENCIA”: A era dos museus no Brasil (1870 – 1910) Jônatas Ferreira de Lima APRESENTAÇÃO O Brasil recebeu as “boas-novas” do progresso associado ao desenvolvimento científico através de revistas de divulgação científica, literatura nacional com tendências teórico-sociais e reformas urbanas (principalmente). 1 Dentre esses meios de ciência, os museus detinham uma importância ícone para, não somente expor, mas também para gerar reflexão cientifica. O referente texto tem por objetivo apresentar um panorama geral da atuação desses museus no Brasil Imperial e primeiros anos republicanos, destacando também as discussões teóricas que compunham a estrutura da formação dos museus no século XIX. É importante ressaltar que os museus não constituíam uma homogeneidade, isto é, cada possuía sua especificidade. Os motivos são diversos e dentre eles as concepções de ciência são as mais explícitas. As ciências naturais e humanas influenciavam diretamente na montagem do museu. Isso gerou diferentes tipos de exposições de museus: Etnográficos, Naturais, Arqueológicos, outros. A presença desses museus era um dos fatores que colocava o Brasil nas discussões cientificas do momento na Europa. A busca pelo progresso, ou seja, a ciência, era o principal foco do país e para sua consolidação, trazer as instituições nos moldes europeus era o caminho mais curto. Os museus eram uma dessas instituições. 1 SCHWARCZ, 1993.

6 - A Moda Chamada Sciencia - Museus No Brasil 1870-1910

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - CCHLA DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DISCIPLINA: HISTÓRIA DO BRASIL REPÚBLICA I /2010.1 PROFESSOR (A): RAIMUNDO NONATO ARAÚJO DA ROCHA

A “MODA” CHAMADA “ SCIENCIA”: A era dos museus no Brasil (1870 – 1910)

Jônatas Ferreira de Lima APRESENTAÇÃO

O Brasil recebeu as “boas-novas” do progresso associado ao desenvolvimento

científico através de revistas de divulgação científica, literatura nacional com tendências

teórico-sociais e reformas urbanas (principalmente).1

Dentre esses meios de ciência, os museus detinham uma importância ícone para, não

somente expor, mas também para gerar reflexão cientifica.

O referente texto tem por objetivo apresentar um panorama geral da atuação desses

museus no Brasil Imperial e primeiros anos republicanos, destacando também as discussões

teóricas que compunham a estrutura da formação dos museus no século XIX. É importante

ressaltar que os museus não constituíam uma homogeneidade, isto é, cada possuía sua

especificidade. Os motivos são diversos e dentre eles as concepções de ciência são as mais

explícitas. As ciências naturais e humanas influenciavam diretamente na montagem do museu.

Isso gerou diferentes tipos de exposições de museus: Etnográficos, Naturais, Arqueológicos,

outros.

A presença desses museus era um dos fatores que colocava o Brasil nas discussões

cientificas do momento na Europa. A busca pelo progresso, ou seja, a ciência, era o principal

foco do país e para sua consolidação, trazer as instituições nos moldes europeus era o

caminho mais curto. Os museus eram uma dessas instituições.

1 SCHWARCZ, 1993.

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SCIENCIA E MUSEUS ETNOGRÁFICOS NO SÉCULO XIX E NO BRASIL

Os museus científicos, emergentes no século XIX, buscavam acompanhar e acoplar as

teorias discutidas neste período. Afinal, para ganhar o titulo de “cientifico”, esses museus

precisariam primeiramente focar-se na Natureza, uma vez que as ciências discutidas no século

XIX eram as naturais, portanto: botânica, zoologia, biologia, etc. Mas necessitavam entrar

também nas exposições, apresentações e explicações da vida material humana. Para tanto, as

discussões teóricas eram baseadas nas concepções que dividiam a humanidade em Raças,

sejam étnicas, sejam para por uma como superior a outra. Essas questões eram trazidas pelos

antropólogos e elas influenciavam a montagem das exposições nos museus.

Todas essas formas de exposição, que eram constantemente influenciadas pela teoria

da evolução de Charles Darwin (1809-1882) e também pelas concepções da valorização da

produção técnica humana, através do positivismo comteano - Auguste Comte (1798-1857),

geraram impacto e surpresa para visitantes/participantes menos “atentos” à essas discussões –

principalmente na América do Sul, mais especificamente no Brasil –, bem como, a presença

desses “museus científicos” nessas localidades, através de suas concepções, coleções e

modelos de exposições de certa forma “originais” (apesar de baseadas e até copiadas da

Europa) se comparadas as europeias, também foram passíveis de observação, e admiração por

parte daqueles envolvidos de uma forma mais ativa (sejam na Europa e/ou no Brasil, como

exemplo), no sentido de estarem embasados nas discussões do período e ligados, ou não, a

instituição dos museus.

Nesse período, século XIX, mais precisamente entre os anos de 1870 e 1910, os

museus etnográficos nacionais passaram por três situações: nascimento, apogeu institucional e

decadência. A principal função desses museus é a coleção, preservação, exibição, estudo e

interpretação de objetos materiais. Por abarcar tantas funções, eles tornaram-se instituições de

caráter consagrado. Sua importância também se dava por transformarem seus arquivos no que

antropólogos chamavam de “cultura material”, o que nesse caso seriam os objetos “dos

outros”, isto é, a vida humana primitiva, cuja similidade ou diferença é constantemente

coletada, classificada, comparada e observada.2

O primeiro museu desse tipo, de caráter ainda não estritamente antropológico foi o

Museu Britânico (British Museum) fundado em 1753. Contudo o movimento tem sua

considerável ampliação a partir do século XIX, devido a uma serie de fundações de museus e

2 SCHWARCZ, 1989.

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sociedades antropológicas e de varias sociedades etnológicas. Durante todo o resto do século

XIX, esses museus seguiram modelos que se basearão, preferencialmente, na pré-história, na

arqueologia e na etnologia. Dessa forma, eles chegam ao apogeu quando em 1890 se

estabelecerão normas e características rígidas de funcionamento, atingindo então a maturidade

enquanto “instituições antropológicas.” Com o passar do tempo essas instituições foram se

transformando em “depósitos ordenados” de uma cultura material “fetichizada” e submetida à

lógica evolutiva.3

OS MUSEUS NO BRASIL: REAL, IPIRANGA, GOELDI, HISTÓR ICO NACIONAL

O Museu Real foi criado no reinado de D. João VI, que tinha o objetivo de transformar

a então colônia do Brasil em uma espécie de sede da monarquia. Para isso, busca alterar-lhe a

imagem dentre outros com a instalação das primeiras instituições de caráter cultural. Além do

Museu Real, são instituídos nesse período: a Imprensa Régia, a Biblioteca, o Real Horto, as

primeiras escolas superiores destinadas à formação de cirurgiões e engenheiros. O Museu

Real ou Nacional (M.N.), foi criado por decreto de 6 de julho de 1808, com o objetivo de

estimular os estudos de botânica e zoologia, que podem ser empregados em benefício do

comércio, das indústrias e das artes. A produção de ciência está ligada a instalação da corte

portuguesa no Brasil e a consequente fundação de instituições de cunho cientifico, e isso

inclui o M.N..

O Museu Paulista foi criado por volta de 1890 e a principio tinha o papel de

monumento histórico, ligado à memória da Independência e ao marco do Ypiranga, sem

qualquer vinculação mais pragmática ou perspectiva cientifica delimitada. Já o Museu Goeldi,

fundado por volta de 1870 no Pará, montava-se a partir do estudo da natureza amazônica, de

sua flora e fauna, da constituição geológica, rochas e minerais, da geografia da imensa região,

bem como assuntos correlatos com a história do Pará e da Amazônia. Isso se deu devido a

região Norte e em especial a Amazônia ter sido palco privilegiado, durante todo o século XIX,

de uma série de expedições científicas.

Em 1894, através da Lei n. 200, Decreto n. 249, de 26 de julho, foi inaugurado

oficialmente o Museu Paulista, que assumia um novo objetivo, que era estudar a história

natural da América do Sul e em particular do Brasil, por meios científicos – mineralogia,

botânica e zoologia. Em ambos os museus, nota-se a influência de seus diretores, uma vez que

3 SCHWARCZ, 1989.

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cada, possuem formas peculiares de administrar as instituições. Um bom exemplo disso, foi o

que aconteceu com o Museu Paraense (Goeldi), quando em 1893, o Governador Lauro Sodré

fica sabendo que o zoólogo suíço Dr. Emílio E. Goeldi, que vivia em Teresópolis, tinha sido

demitido anos do posto de naturalista do Museu Nacional (Real). Ele, assume a direção do

Museu Paraense em 9 de julho de 1893, aos 35 anos de idade, e, em 1894, elabora uma nova

estrutura para a instituição. Organiza as diferentes seções – zoologia, botânica, etnologia,

arqueologia, geologia e mineralogia – e uma biblioteca especializada em assuntos

concernentes às Ciências Naturais e Antropologia, bem como os jardins zoológico e botânico

próximos ao museu. Essas trocas de diretoria também, como as já ditas acima, geraram forte

influencia nas mudanças de foco do Museu Paulista, também já mencionado anteriormente.

As concepções de História dominantes na Europa desde o Renascimento até o

Iluminismo são conhecidas como “vertente antiga” ou “clássica” e “vertente moderna”. A

vertente antiga foi predominante na Europa desde o Renascimento até o século XVIII. Essa

vertente, estabeleceu em espaço de experiências, onde podem ser reunidos exemplos,

excepcionais histórias, histórias extraordinárias, exemplares e capazes de fornecer orientação

e sabedoria a todos os que delas venham a se aproximar. Ou seja, uma formulação ética e

pedagógica da história. Essa é a “História, mestra da vida”. A vertente dita moderna, tornou-

se dominante em fins do século XVIII. Essa concepção baseia-se numa construção linear e

progressiva do tempo, substituindo a noção de “ética” pela noção de “verdade”. Isso levou aos

eruditos, buscarem uma visão realista do passado, através da pesquisa rigorosa em

documentos e testemunhos, determinando a “verdade dos fatos”. Esse era o lema desta

concepção histórica.4

O Museu Histórico Nacional (M.H.N.), criado a partir de uma campanha realizada

pelo escritor Gustavo Barroso (1888-1959), através de uma série de artigos em prol da

memória dos objetos gloriosos da história brasileira. Apesar da sua criação está voltada

basicamente para a exibição das “maravilhas da civilização burguesa”, difundindo os ideais de

progresso e civilização, tornando-se um divisor de águas entre as concepções dos museus

enciclopédicos no Brasil, o M.H.N. consagrou-se a ser uma instituição voltada à brasilidade

de um ponto de vista histórico. Ou seja, seu principal objetivo, era tratar de uma outra

evolução, a evolução da chamada nação brasileira. No entanto, Gustavo Barroso, diretor do

museu, tinha uma concepção ética da História. A História mestra da vida, em que exemplos

são retirados do passado, com o objetivo de ensinar, transmitir ou afirmar valores do presente.

4 SCHWARCZ, 1989.

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Então, pode-se afirmar que as duas vertentes se confundiam quando tratadas nas

concepções do M.H.N. Isso pode ser exemplificado quando o próprio Barroso procedia a

estudos de peças museológicas, buscando comprovar a autenticidade e fixar as características

dos objetos.

A História Nacional, no tempo de Barroso, foi contada através do M.H.N. partindo

primeiro da sua concepção de, como já dito anteriormente, uma combinação peculiar dos

modelos clássico e moderno de História, sendo com uma forte predominância do primeiro.

O M.H.N., no seu entender, devia oferecer “um conjunto vivo que, a par de detalhes

artísticos e técnicos, favorecessem, sobretudo, o ensino da História, proporcionando aos

alunos um conhecimento básico da época em que vivem, tornado-se capazes de compreender

que o presente é consequência do passado e a importância da causalidade em História”.5

Vemos aqui, a presença da dualidade: Historia, mestra da vida e a moderna de verdade dos

fatos, voltada para a afirmação dos valores nacionais.

Para Barroso, a História Nacional, tem inicio em 1808. Esse foi o período da chegada

da Coroa Portuguesa a colônia na América do Sul, convertida em Reino Unido de Portugal e

Algarves. Para ele, o Estado imperial teria forjado a nação brasileira, unificando os brasileiros

e demarcando as principais fronteiras. O M.H.N., sob sua direção, recolheu principalmente

objetos associados ao Estado imperial e não às novas aquisições da Republica. Isso, porque

Barroso opunha-se a algumas medidas republicanas, como a descentralização dos Estados, o

que gerava a incomoda impressão, para ele, de que os republicanos, na tentativa de forjar uma

identidade própria através de heróis ditos nacionais, como Tiradentes, gerariam uma “ruptura”

com relação ao Império. Barroso seguia a tendência de que as bases da tradição nacional eram

do Império.

No entanto, havia para as concepções do M.H.N., a idéia do herói exemplar – seguido

e cultuado –, sendo este do período imperial brasileiro (como D. Pedro II). A Historia

Nacional, no M.H.N., era evocada como ação desses indivíduos singulares. Os objetos

relacionados diretamente a eles (esses heróis), eram designados como “objetos gloriosos” e

“mudos companheiros dos nossos guerreiros e dos nossos heróis”. Além da figura de D. Pedro

II, Duque de Caxias também representava esse herói da unificação nacional.

Contudo, não se pode dizer que a história do M.H.N. ignorasse o tempo como

continuum ou não se preocupasse em produzir a compreensão global da realidade.

5 ABREU, 1994.

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Esses pressupostos de um modelo moderno de história estavam presentes na

organização das salas de exposição. Eram divididos da seguinte forma: “Colônia (Sala D.

João VI); 1º e 2º Reinados (Sala D. Pedro I e D. Pedro II); República (Deodoro); Marinha

(Tamandaré); Paraguai (Duque de Caxias) ...”. Observemos que nessa organização, havia

claramente a intenção de fixar períodos a partir de marcos políticos relativos ao

estabelecimento do país enquanto nação independente.6

Todavia, essa periodização conviveria com o resgate de momentos significativos: o

culto a épocas do passado e a nostalgia do Império, principalmente. Então, para Barroso, as

épocas históricas seriam evocadas não no sentido de estabelecer a “verdade”, mas de afirmar

“valores”. Valores nacionais.

CONSIDERAÇÕES O Brasil, com a vinda de D. João VI, passa a assumir um caráter de reinado, o que o

levou a, rapidamente, participar das principais discussões cientificas do século XIX. Além das

revistas, literaturas e reformas urbanas, os museus também contribuíram para o

desenvolvimento de uma Historia Nacional, cada com sua especificidade, sejam, botânicos,

etnográficos, zoológicos, etc., bem como promover uma cientificidade europeia que a partir

da década de 70 do sec. XIX, ganha uma “brasilidade” nos estudos científicos nacionais. É

importante perceber que com a criação do Museu Histórico Nacional, fica mais evidente que

essa educação para fins de uma Historia Brasileira é um dos principais objetivos da política

republicana – apesar de Barroso não se agradar dessa política – em promover o progresso

positivista também através das instituições.

Por tanto, os museus contribuíram para a difusão de uma história nacional que

gradativamente foi se tornando acessível ao povo das cidades, bem como era um modelo de

divulgação cientifica no país, tanto quanto um sinal de progresso e expositor de uma Historia

do Brasil, mesmo que a principio fosse mais focada nas histórias de Rio de Janeiro e

principalmente de São Paulo.

6 ABREU, 1994.

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REFERÊNCIAS ABREU, Regina. História de uma coleção: Miguel Calmon e o Museu Histórico Nacional. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 2, p. 199-233, jan./dez. 1994. SCHWARCZ, Lílian K. M. O nascimento dos museus brasileiros, 1870-1910. In: MICELI, Sérgio (org.). História das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo: Vértice, Revista dos Tribunais: IDESP, 1989. p. 20-71. SCHWARCZ, Lílian K. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 11-42.