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6. conjuntura

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Brasil S/A

30 de Maio de 2012 , por Cléia Schmitz

País possui um dos índices mais altos do mundo em empreendedorismo, e esse número vem

evoluindo em qualidade e quantidade

o à instabilidade econômica

Um em cada seis brasileiros em idade produtiva é empreendedor, um dos mais altos índices do

mundo. E esse número vem evoluindo. Em 2010, 17,5% da população com idade entre 18 e 64 anos

– 21,1 milhões de brasileiros – exerceram alguma atividade empreendedora em negócios com até três

anos e meio de vida. Em 2000, a taxa era de 13,5%. Mas o que torna o País um terreno tão fértil para

os novos negócios? Somos mesmo mais criativos e ousados?

Mais ou menos. Que o empreendedorismo aumentou no Brasil pode-se atestar pelos dados citados

acima, da 11ª edição da Pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM 2010). O índice de 17,5%

coloca o Brasil como o país com a maior Taxa de Empreendedores em Estágio Inicial (TEA) do G20,

grupo que integra as maiores economias do mundo, e do chamado Bric, formado por Brasil, Rússia,

Índia e China.

A TEA da China ficou em 14,4% e a da Argentina em 14,2%. Entre os países desenvolvidos,

Austrália e Estados Unidos apresentaram TEA de 7,8% e 7,6%, respectivamente. A média do Brasil

desde a primeira participação do País na pesquisa, no ano 2000, é de 13,3%. A GEM 2010 mostra

que a evolução da TEA é resultado do maior número de empreendedores de negócios novos, ou seja,

a opção pelo empreendedorismo vem crescendo entre os brasileiros.

E não é só isso. A mesma pesquisa indica um crescimento qualitativo. O número de empreendedores

que montam um negócio por enxergar uma oportunidade de mercado já é o dobro daqueles que

decidem empreender por mera necessidade, ou seja, por não encontrar outra opção profissional. Essa

é uma condição ímpar para a sobrevivência dos empreendimentos. Na GEM 2002, a relação era de

um empreendedor por necessidade para 0,7 empreendedor por oportunidade.

“É claro que empresas abertas por necessidades podem virar grandes negócios. Mas, em geral, os

empreendedores por oportunidade tendem a ser mais bem-sucedidos porque eles perceberam algo

que o mercado está precisando e, por isso, estão mais direcionados”, explica Romeu Friedlaender,

economista do Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP), que realiza a GEM no

Brasil em parceria com o Sebrae.

Segundo Friedlaender, entre os empreendedores por necessidade é muito comum encontrar pessoas

que abrem um negócio apenas para gerar renda enquanto não conseguem um emprego. Por isso, esses

empreendimentos tendem a ser menos duradouros, elevando a taxa de mortalidade das micro e

pequenas empresas. “É aquela pessoa que começa a costurar para fora ou fazer salgadinhos para

festa, mas continua atrás de um emprego. Quando consegue, desiste do negócio.”

Para especialistas no assunto, a GEM 2010 mostra como uma economia forte, aliada a políticas

públicas de apoio ao empreendedorismo, pode estimular a abertura de novos e melhores negócios. “O

ambiente econômico atual do Brasil favorece o surgimento de novas oportunidades aos micro e

pequenos empresários”, afirma Luiz Barretto, presidente do Sebrae. “Há mais pessoas consumindo e,

consequentemente, mais gente querendo oferecer produtos a elas”, resume o economista do IBQP.

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Conjuntura

Juliano Seabra, diretor de Educação, Pesquisa e Cultura da Endeavor, afirma que não há dúvidas de

que as condições de mercado são determinantes ao empreendedorismo. “Esse cenário ajuda as

pessoas que têm vontade de montar um negócio. Elas se sentem mais confortáveis para tentar

empreender não só porque o ambiente é propício, mas porque sabem que se fracassarem podem

voltar mais facilmente ao mercado de trabalho”, analisa o executivo.

A estabilidade da moeda, com a criação do Real, em meados de 1994, foi o primeiro passo para a

criação de um ambiente favorável. Era o fim da era da hiperinflação. “Só então conseguimos nos

livrar do estresse do imediatismo. Antes disso, o empreendedor só conseguia se preocupar com o dia

seguinte”, afirma Ary Plonski, presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de

Empreendimentos Inovadores (Anprotec), que reúne 400 incubadoras e 6,3 mil empreendimentos

inovadores.

Quem começou naquela época lembra bem das dificuldades. “Vivíamos em um cenário de inflação,

não era fácil fazer um planejamento anual da empresa”, conta Eduardo Nader, presidente do Mercado

Eletrônico. Especializada em soluções de e-commerce, a empresa foi criada em 1994, uma época em

que a infraestrutura na área de telefonia era muito precária e a internet sequer era comercial no Brasil.

“Muitos consideravam utópico, mas achávamos que o comércio entre empresas seria realizado em

ambiente eletrônico e fomos em frente.”

Para Nader, apesar de alguns entraves como a burocracia e a carga elevada de impostos persistirem,

está mais fácil empreender. Ele destaca o fomento à inovação com a Financiadora de Estudos e

Projetos (Finep) e incentivos como a Lei do Bem. “De qualquer forma também usamos as crises

econômicas e a adversidade ao nosso favor, procurando oferecer soluções que dessem ganho de

produtividade e ferramentas de inteligência aos nossos clientes”, observa Nader.

Oferecer soluções inovadoras também foi o trunfo da Bematech, outra empresa criada em meio à

instabilidade econômica, em 1991. “Éramos jovens, tínhamos muitas ideias e ímpeto para executá-

las, mas faltavam recursos e estrutura”, conta Wolney Betiol, um dos fundadores. Hoje, com duas

décadas de história, a empresa é líder no segmento de tecnologia para o comércio e está presente em

mais de 400 mil pontos de venda com soluções de automação.

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Berço esplêndido

Para Betiol, o apoio da Incubadora Tecnológica de Curitiba foi fundamental naquela ocasião. Com

acesso à infraestrutura foi possível focar no desenvolvimento do projeto. “À medida que

avançávamos e já tínhamos um produto para comercializar, causava boa impressão aos potenciais

clientes, em alguns casos grandes empresas estabelecidas no mercado, serem recebidos naquele

espaço que não tínhamos condições de prover naquele período de empresa nascente”, observa.

O exemplo da Bematech mostra a importância do papel das incubadoras vinculadas a universidades e

instituições de ensino na evolução do empreendedorismo brasileiro. Para o professor Ary Plonski,

elas trouxeram um novo espaço de aprendizado, além da sala de aula e dos laboratórios. “Um espaço

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para transformar o conhecimento em produto, negócio”, explica. E o que é melhor, negócios

inovadores, que tendem a ser mais duradouros e causam maior impacto na economia.

A inovação é o grande gargalo do empreendedorismo brasileiro. Para Juliano Seabra, o que falta é

educação empreendedora. “Quando o assunto é preparar para empreender, ainda estamos

engatinhando”, afirma. Seabra destaca informações da GEM 2010 que mostram que, enquanto no

Chile 40% dos adultos tiveram treinamento para montar seus negócios, no Brasil esse índice foi

apenas de 9% e, destes, apenas 3% receberam orientação nas universidades.

Na maioria das histórias de empreendedorismo brasileiro, a vontade de ter o próprio negócio acabou

superando muitas dificuldades. É o caso de Lito Rodriguez, presidente e fundador da Dry Wash, rede

de franquias do segmento de limpeza e conservação de veículos. “Empreender é minha grande

paixão. Em 1994, montei um lava-rápido ao enxergar a oportunidade de fazer mais com menos, num

segmento que carecia de profissionalismo e uma marca de referência”, conta Rodriguez.

Inovação

Fazer diferente era a aposta do empresário. Quando surgiu, a marca ainda utilizava água em suas

lavagens, embora em menor quantidade do que os concorrentes. Dois anos depois, o próprio

Rodriguez desenvolveu e patenteou um produto para eliminar de vez a água. “Pesquisamos muito

para chegar a um produto revolucionário. Quando encontramos, achávamos que precisava de alguns

ajustes, por isso montamos uma indústria química para atender à demanda interna.”

Rodriguez começou a empreender numa época em que o termo empreendedorismo sequer estava no

dicionário. Hoje alimenta um mercado editorial que só na última Bienal Internacional do Livro de

São Paulo, realizada em agosto de 2010, apresentou 115 lançamentos e reedições. “O empreendedor

tem mais informação disponível para dar subsídio à tomada de decisões. No passado, tudo isso era

mais restritivo”, afirma José Dornelas, autor de vários livros sobre o tema.

O caminho foi longo até aqui. O primeiro trato distinto para a pequena empresa no Brasil é de 1984, a

criação do Estatuto da Micro e Pequena Empresa (MPE), instrumento que dava isenção de imposto

de renda nos primeiros anos de vida do empreendimento. Em 1988, a Constituição garantiu

tratamento diferenciado, simplificado e favorecido aos pequenos negócios, mas o dispositivo só foi

regulamentado em 1999.

Antes disso, em 1996, a União havia editado o Simples Federal, estimulando estados a dar tratamento

diferenciado às MPEs na tributação do ICMS. O problema é que o sistema era desencontrado,

situação que só foi contornada em 2003, com a aprovação de uma emenda constitucional que definiu

um regime tributário diferenciado para as MPEs. Foi ela quem deu as condições jurídicas para a

construção do atual Simples Nacional, lançado em julho de 2007.

Chamado de Supersimples, o novo regime integrou oito diferentes impostos estaduais, federais e

municipais em um só tributo. Na época, 1,3 milhão de empreendedores migraram automaticamente

para o sistema. Hoje já são mais de 5 milhões de empresas participantes. Em quatro anos, o Simples

ampliou em 365% a arrecadação de ISS (tributo municipal) e em 253% o recolhimento de ICMS

(imposto estadual).

“A arrecadação das empresas do Simples só faz crescer. Em 2008, foram R$ 24 bilhões; em 2009, R$

26 bilhões; e, em 2010, R$ 35 bilhões”, destaca o gerente da Unidade de Políticas Públicas do

Sebrae, Bruno Quick. Ele cita também o tratamento diferenciado às MPEs nas compras

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governamentais, que elevou o patamar de compras do governo federal com pequenas empresas de R$

2,6 bilhões anuais, em 2006, para R$ 15,9 bilhões, em 2010. Em percentual, o índice dobrou – de

17% para 34%.

Outro mecanismo que deu impulso a novos negócios foi o Empreendedor Individual. O programa foi

lançado em julho de 2009 com a proposta de formalizar a atividade de milhares de pessoas que

trabalham por conta própria e faturam no máximo R$ 36 mil ao ano. Legalizados, eles passam a ter

registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), favorecendo a abertura de contas

bancárias, a liberação de empréstimos e a emissão de notas fiscais.

Em março de 2010, antes mesmo de completar dois anos de vida, o programa ultrapassou a marca de

1 milhão de adesões. Hoje já são 2,5 milhões de Empreendedores Individuais. O fotógrafo Gabriel

Heusi, 29 anos, é um deles. Ele afirma que não contou tempo quando soube do programa e aderiu

logo na primeira semana após o lançamento. Gabriel já sentia na pele as dificuldades de não estar

formalizado. “Era difícil conseguir novos clientes. Hoje posso dizer que saí do escuro.”

Com CNPJ na mão, o fotógrafo começou a fechar vários contratos de trabalho e passou até mesmo a

participar de licitações. Atualmente ele atende mais de dez clientes fixos, inclusive fora de

Florianópolis, sede do estúdio. Gabriel conta que está se preparando para migrar para outro patamar,

o de microempresa. “Estamos na metade do ano e já cheguei a 80% do teto de faturamento do

empreendedor individual, que é de R$ 36 mil”, explica o empreendedor.

Para Bruno Quick, ainda há muito a ser feito pelos pequenos negócios e, consequentemente, pela

maioria dos empreendedores brasileiros. “A pequena empresa caminha para empregar na economia

formal seis em cada dez trabalhadores; entretanto, sua participação no PIB ainda é de apenas 20%.

Por isso, ter políticas públicas para que elas sobrevivam, prosperem e se desenvolvam é fundamental

para ter quantidade e qualidade de postos de trabalho.”