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1 Proc. Penal Prof. Danilo Pereira Apostila 6. Inquérito policial - considerações iniciais. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Persecução penal Praticado um fato definido como infração penal, surge para o Estado o jus puniendi, que só pode ser concretizado através do processo. É na ação penal que deve ser deduzida em juízo a pretensão punitiva do Estado, a fim de ser aplicada a sanção penal adequada. Para que se proponha a ação penal, entretanto, é necessário que o Estado disponha de um mínimo de elementos probatórios que indiquem a ocorrência de uma infração penal e de sua autoria. O meio mais comum, embora não exclusivo, para a colheita desses elementos é o inquérito policial. Estado de Polícia. Estado de Direito. Estado Intervencionista. Há um grande problema nessa afirmação de predominância do interesse público sobre o privado. Polícia, do grego politeia, significa “administração da cidade”, que é a polis. Na Alemanha, no final do século XV o jus politiae compreendia poderes amplos que dispunha o príncipe, adentrando na vida privada dos cidadãos e mesmo dispondo sobre sua vida religiosa. Toda a atividade do Estado encontrava-se concentrada nas mãos do príncipe, que não era submetido às leis, e não havia distinção entre polícia e justiça. O pretexto disso era o “interesse público”, já que era visado, em todo o ato da Administração, o bem estar coletivo. Tal chama-se Estado de Polícia. Ou seja, a atuação estatal era a regra, regulando a tudo buscando a segurança. Claro que hoje em dia isso é totalmente impossível de ser sustentado. Vivemos sob a égide de um Estado de Direito, sendo que um dos princípios basilares é a legalidade, onde o próprio Estado é submetido a

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1Proc. PenalProf. Danilo PereiraApostila 6. Inquérito policial - considerações iniciais.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Persecução penal

Praticado um fato definido como infração penal, surge para o Estado o jus

puniendi, que só pode ser concretizado através do processo. É na ação

penal que deve ser deduzida em juízo a pretensão punitiva do Estado, a fim

de ser aplicada a sanção penal adequada. Para que se proponha a ação

penal, entretanto, é necessário que o Estado disponha de um mínimo de

elementos probatórios que indiquem a ocorrência de uma infração penal e

de sua autoria. O meio mais comum, embora não exclusivo, para a colheita

desses elementos é o inquérito policial.

Estado de Polícia. Estado de Direito. Estado Intervencionista.

Há um grande problema nessa afirmação de predominância do interesse

público sobre o privado. Polícia, do grego politeia, significa “administração

da cidade”, que é a polis. Na Alemanha, no final do século XV o jus politiae

compreendia poderes amplos que dispunha o príncipe, adentrando na vida

privada dos cidadãos e mesmo dispondo sobre sua vida religiosa. Toda a

atividade do Estado encontrava-se concentrada nas mãos do príncipe, que

não era submetido às leis, e não havia distinção entre polícia e justiça. O

pretexto disso era o “interesse público”, já que era visado, em todo o ato da

Administração, o bem estar coletivo. Tal chama-se Estado de Polícia. Ou

seja, a atuação estatal era a regra, regulando a tudo buscando a

segurança. Claro que hoje em dia isso é totalmente impossível de ser

sustentado. Vivemos sob a égide de um Estado de Direito, sendo que um

dos princípios basilares é a legalidade, onde o próprio Estado é submetido

a este princípio na consecução de todos os seus atos. No Estado de Direito,

a preocupação é assegurar os direitos subjetivos dos cidadãos, e sua

liberdade. – estado liberal. Assim, no Estado de Direito, a atuação estatal é

exceção, apenas podendo regular os direitos individuais para assegurar a

ordem pública, ou seja, a segurança. Ainda na fase do Estado de Direito,

houve um crescimento no interesse na intervenção estatal, que não mais se

limitava à segurança, mas estendeu-se à ordem econômica e social. A partir

do século XX, passamos a ter uma “polícia geral” na segurança pública e

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2Proc. PenalProf. Danilo Pereiradiversas “polícias especiais” que passaram a intervir em diversos setores

da sociedade: na propriedade, com obrigação de cultivo da terra e

aproveitamento do solo (função social da propriedade); na economia, com

fiscalização de tributos, no mercado de produtos e serviços (defesa do

consumidor), regulamentação das profissões e relações de emprego,

intervenção nas comunicações e espetáculos, meio ambiente, trânsito,

saúde etc. Ou seja, há uma limitação da liberdade em benefício do

interesse público, configurando o Estado Intervencionista.

Poder de polícia

O poder de polícia exercido pelo Estado incide em duas áreas de atuação:

na administrativa e na judiciária.

Polícia administrativa

Quando estudamos o direito administrativo, verificamos que o regime

jurídico da Administração Pública propicia meios para a consecução de

seus fins e realização das atividades da Administração Pública. Tal se dá

pois há predominância do interesse público sobre o particular, que enseja à

Administração a supremacia sobre os administrados. Através da autoridade

que lhe é concedida, em diversos setores, são asseguradas as

prerrogativas da Administração. Contrário a isso, e em constante

oposição às estas prerrogativas, estão os direitos individuais do cidadão,

que compõe todo o conjunto de sua liberdade individual. Assim, podemos

dizer que “todo o direito administrativo cuida de temas em que se colocam

em tensão dois aspectos opostos: a autoridade da Administração Pública e

a liberdade individual” 1. Claro que esta oposição de direitos não é de todo

incompatível uma vez que a imposição de limites ao cidadão, são a sua

garantia de liberdade de agir, desde que dentro dos limites; e, no verso

dessa mesma medalha, é a limitação do Estado em sua atuação, uma vez

que nasce o pode agir somente quando ultrapassados os limites individuais.

Disso, resta-nos concluir que visa o Poder de Polícia disciplinar os direitos

individuais. Com isto, concluímos que a polícia administrativa tem caráter

1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas. 14ª ed., 2002, p. 108.

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3Proc. PenalProf. Danilo Pereirapreventivo, essa função garante a ordem pública e impede a prática

de fatos que possam lesar ou pôr em perigo os bens individuais ou

coletivos.

Polícia judiciária

A Polícia, instrumento da Administração, é uma instituição de direito

público, destinada a manter e a recobrar, junto à sociedade e na medida

dos recursos de que dispõe, a paz pública ou a segurança individual. Ou

seja, limitar o indivíduo em sua atuação para garantir o interesse público

(paz pública, segurança pública etc.). Concluímos disso que a polícia

judiciária tem caráter repressivo, após a prática de uma infração

penal recolhe elementos que o elucidem para que possa ser

instaurada a competente ação penal contra os autores do fato.

Segurança Pública

Na Constituição Federal se afirma que a segurança pública é exercida para

a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do

patrimônio, através dos órgãos policiais que discrimina: polícia federal,

polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis e polícias

militares e corpos de bombeiros auxiliares (art. 144). A ordem pública

encerra, porém, um contexto maior, no qual se encontra a noção de

segurança pública, como estado anti-delitual, resultante da observância das

normas penais, com ações policiais repressivas ou preventivas típicas, na

limitação das liberdades individuais. Por isso dispõe do poder de polícia,

que é uma faculdade da Administração Pública, “um conjunto de

atribuições da Administração Pública, indelegáveis aos particulares,

tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou

jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum, e incidentes não só

sobre elas, como também em seus bens e atividades”. Cabe ao Conselho

Nacional de Segurança Pública - CONASP formular a Política Nacional de

Segurança Pública, estabelecer diretrizes, elaborar normas e articular a

coordenação da Política Nacional de Segurança Pública etc. Também de

acordo com a Constituição Federal, às polícias civis, dirigidas por

delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da

União, as “funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais,

exceto as militares” (Art. 144, § 4°). Não há realmente diferença entre

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4Proc. PenalProf. Danilo Pereiraessas funções, de apuração de infrações penais e de polícia judiciária, mas,

diante da distinção estabelecida na norma constitucional pode-se reservar

a denominação de polícia judiciária, no sentido estrito, à atividade

realizada por requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público

ou direcionada ao Judiciário (representação quanto à prisão preventiva ou

exame de insanidade mental do indiciado, restituição de coisas

apreendidas, cumprimento de mandados de prisão etc.). Aliás, essa é a

redação dada ao art. 4º do CPP: A polícia judiciária será exercida pelas

autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá

por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:I - polícia federal;II - polícia rodoviária federal;III - polícia ferroviária federal;IV - polícias civis;V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. § 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.§ 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39.

Conceito

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5Proc. PenalProf. Danilo PereiraInquérito policial é todo procedimento persecutório destinado a reunir os

elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de

sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória,

informativa, em que se colhem elementos visando que o titular da ação

penal possa ingressar em juízo para as medidas judiciais cabíveis ante um

crime praticado. Seu destinatário imediato é o Ministério Público, que,

por força constitucional, é o titular exclusivo da ação penal (art. 129, inc. I

CF) no caso de crime que se apura mediante ação penal pública), ou o

ofendido (na hipótese de ação penal privada). Com ele, o Promotor (na ação

penal pública) ou o ofendido (na ação penal privada) através de um

advogado, formam sua opinio delicti para a propositura da denúncia ou

queixa-crime, respectivamente. O destinatário mediato é o juiz, que

analisará os elementos constantes no inquérito policial tanto para

verificação de aplicação e adequação de alguma medida cautelar (v.g.,

prisão, fiança, proibição de frequentar determinados lugares, aplicação de

monitoramento eletrônico etc.), quanto para receber ou não a denúncia ou

a queixa-crime oferecida. Diz o artigo 12 do CPP que “o inquérito policial

acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou

outra”. O inquérito policial não é indispensável ao oferecimento da

denúncia ou da queixa. Deduz-se do artigo citado que podem elas ser

oferecidas mesmo sem fundarem-se nos autos de investigação oficial. O

artigo 27 do CPP, aliás, dispõe que qualquer do povo pode provocar a

iniciativa do Ministério Público fornecendo-lhe, por escrito, informações

sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os meios de

convicção. Os artigos 39, § 5°, e 46, § 1°, todos do CPP acentuam que o

órgão do Ministério Público pode dispensar o inquérito. Por isso, se tem

decidido que, tendo o titular da ação penal em mãos os elementos

necessários ao oferecimento da denúncia ou queixa, o inquérito é

perfeitamente dispensável. Mesmo quanto à ação privada, portanto, pode

ser ela instaurada independentemente da realização do inquérito policial

desde que o ofendido ou seu representante legal tenha recolhido os

elementos necessários à propositura da ação (documentos, declarações,

perícias particulares etc.).

Natureza e finalidade

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6Proc. PenalProf. Danilo PereiraNão é o inquérito processo, mas procedimento administrativo

informativo, destinado a fornecer ao órgão da acusação o mínimo de

elementos necessários à propositura da ação penal. Aliás, sua finalidade

está expressa no art. 4º CPP: “...apuração das infrações penais e de sua

autoria.” A investigação procedida pela autoridade policial não se confunde

com a instrução criminal, distinguindo o Código de Processo Penal o

“inquérito policial” (arts. 4° a 23) da “instrução criminal” (arts. 394 a 405).

Por essa razão, não se aplicam ao inquérito policial os princípios

processuais como o do contraditório e ampla defesa. Aliás, o inquérito

policial constitui-se em um dos poucos poderes de autodefesa que é

reservado ao Estado na esfera da repressão ao crime, com caráter

nitidamente inquisitivo, em que o réu é simples objeto de um procedimento

administrativo.

Valor probatório do inquérito policial

As provas colhidas em inquérito não são fontes legítimas de produção de

provas hábeis à levar à condenação de uma pessoa pois não substituem o

efetivo contraditório, que somente em juízo será realizado. Como trata-se

de um instrumento informativo, preparatório, para formação da opinião do

Ministério Público (ação penal pública) ou do ofendido (ação penal

privada), conferindo um mínimo de validade e confiabilidade àquilo que foi

produzido pela polícia judiciária, a prova deve ser refeita em juízo, ouvindo-

se ofendido, testemunhas, permitindo-se a contradita (impugnação) de

provas periciais feitas em sede de inquérito policial etc. Mesmo aquelas

provas que não mais possam ser refeitas, como por exemplo o exame de

corpo de delito, estão sujeitas ao crivo da defesa, que, em juízo poderá

pedir seu refazimento quando demonstrado prejuízo ao réu. Da mesma

forma as declarações tomadas no inquérito policial devem ser refeitas sob o

crivo do contraditório, e não podem ser fonte para condenação em uma

sentença. Pode-se concluir que a prova colhida em inquérito policial

tem validade somente como indício (prova indiciária), devendo ser

confirmada em juízo. Aliás, o CPP é expresso a este respeito no art. 155:

“O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em

contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão

exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,

ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”

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7Proc. PenalProf. Danilo Pereira

“1. A função do inquérito é fornecer elementos tendentes à abertura da ação penal, a exemplo do que reza o art. 12 do Código de Processo Penal: "O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra". 2. A prova, para que tenha valor, deve ser feita perante juiz competente, com as garantias de direito conferidas aos indiciados e de acordo com as prescrições estabelecidas na lei. É trabalho da acusação transformar os elementos do inquérito em elementos de convicção do juiz. O processo é judicial, e não é policial. Isso significa que a sentença condenatória há, sobretudo, de se fundar nos elementos de convicção da fase judicial. 3. Ordem concedida a fim de restabelecer a sentença absolutória. (STJ – HC 148140 – 6ª Turma – Rel. Min. Celso Limongi – J. 7.04.2011)

“(...) O sistema jurídico-constitucional brasileiro não admite nem tolera a possibilidade de o Estado condenar o réu com apoio exclusivo em prova penal produzida, unicamente, na fase da investigação policial, sob pena de frontal violação aos postulados fundamentais que asseguram, a qualquer acusado, o direito ao contraditório e à plenitude de defesa. Doutrina. Precedentes: HC 73.338/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.. - Os subsídios ministrados pelas investigações policiais, que são sempre unilaterais e inquisitivas - embora suficientes ao oferecimento da denúncia pelo Ministério Público -, não bastam, enquanto isoladamente considerados, para justificar a prolação, pelo Poder Judiciário, de um ato de condenação penal. É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia constitucional do contraditório (...)” (STF – RHC 106398/SP – 2ª Turma – Rel. Min. Celso de Mello – J. 4.10.2011)

Características do inquérito policial

1. discricionariedade: as atribuições concedidas à polícia no inquérito

policial são de caráter discricionário, ou seja, têm elas a faculdade de

operar ou deixar de operar, dentro, porém, de um campo cujos limites são

fixados estritamente pelo direito. Lícito é, por isso, à autoridade policial

deferir ou indeferir qualquer pedido de prova feito pelo indiciado ou

ofendido (art. 14), não estando sujeita a autoridade policial à suspeição

(art. 107), o que pessoalmente discordamos, posto que pode a autoridade

influenciar propositadamente no curso da investigação, cabendo insurgir-se

o investigado através de exceção de suspeição ou impedimento tal qual ao

juiz (ar. 252 e ss. do CPP).

2. auto-executável: pois independe de prévia autorização do Poder

Judiciário para a sua concretização jurídico-material. Não se trata, porém,

de atividade arbitrária, estando submetida ao controle jurisdicional

posterior, que se exerce através do habeas corpus, mandado de segurança

e de outros remédios específicos.

3. escrito: o inquérito policial é um procedimento escrito, já que destinado

a fornecer elementos ao titular da ação penal. Dispõe o artigo 9° do CPP

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8Proc. PenalProf. Danilo Pereiraque “todas as peças do inquérito policial serão, num só processado,

reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela

autoridade”. Embora não esteja sujeito a formas indeclináveis, como pode

servir de base para a comprovação da materialidade do delito, a decretação

da prisão preventiva etc., exige-se algum rigor formal da peça

investigatória nas hipóteses do interrogatório (art. 6°, V), da prisão em

flagrante (arts. 304 e ss) etc.

4. sigiloso: o inquérito policial é ainda sigiloso quando a publicidade possa

atrapalhar as diligências necessárias para a completa elucidação do fato

sem que se lhe oponham, no caminho, empecilhos para impedir ou

dificultar a colheita de informações com ocultação ou destruição de provas,

influência sobre testemunhas etc. Por isso dispõe a lei que “a autoridade

assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido

pelo interesse da sociedade” (art. 20 do CPP). Lembrando que por força do

Princípio da Publicidade (art. 5º, LX CF), deve haver decisão

fundamentada, e, em outros casos, o legislador prevê o sigilo diante a

natureza do crime investigado, v.g., crimes contra dignidade sexual (art.

234-B CP). O sigilo não se estende ao Ministério Público, que pode

acompanhar os atos investigatórios, nem ao Judiciário, e tampouco ao

advogado constituído para a defesa, podendo manusear e consultar os

autos, findos ou em andamento (art. 7°, XIII e XIV, do Estatuto da Ordem

dos Advogados do Brasil). Diante do art. 5°, LXIII, da Constituição Federal,

que assegura ao preso a assistência de advogado, não há dúvida que

poderá o advogado, não só consultar os autos do inquérito policial, mas

também tomar as medidas pertinentes em benefício do indiciado,

acompanhando a produção da prova e requerendo as providências e

diligências necessárias à sua defesa.

“(...) Impetrantes que figuram como investigados em procedimento criminal apuratório instaurado pelo Ministério Público. Fatos que foram objeto de inquérito policial antes arquivado a pedido da Promotoria de Justiça. Crime contra a ordem tributária que reclamou reexame necessário. Arquivamento determinado pelo MM Juízo de Primeiro Grau e confirmado pela Instância Recursal. Instaurado procedimento investigatório pelo Ministério Público, a despeito do anterior arquivamento do inquérito policial, sem que houvesse sido requerido o correspondente desarquivamento, incumbia à Promotoria de Justiça franquear aos advogados das pessoas investigadas o acesso aos autos da nova apuração. Direito líquido e certo do advogado em ter acesso irrestrito aos autos de qualquer procedimento investigatório. Inexistência de apuração secreta no atual ordenamento jurídico brasileiro. Garantia fundamental do cidadão e

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9Proc. PenalProf. Danilo Pereira

prerrogativa do advogado. Art. 5º, LX, da CR. Impossibilidade de se impor sigilo absoluto aos investigados e seus patronos, sob pena de acarretar irreparável lesão à defesa e aos direitos individuais vigentes no regime democrático. Ordem concedida, com determinação, confirmada a liminar antes deferida. (...).” (TJSP – 15.ª Câm. Crim. – MS 0049042-72.2010.8.26.0000 – Rel. Des. Amado de Faria – J. 26.05.2011)

5. obrigatoriedade: na hipótese de crime que se apura mediante ação

penal pública, a abertura do inquérito policial é obrigatória pois a

autoridade policial deverá instaurá-lo, de ofício, assim que tenha a notícia

da prática da infração (art. 5°, I CPP). É também indisponível, pois, uma

vez instaurado regularmente, em qualquer hipótese, não poderá a

autoridade arquivar os autos (art. 17). Mas, repita-se, possuindo o MP

provas suficientes, é dispensável o inquérito.

“O inquérito policial é dispensável quando o Ministério Público já dispuser de elementos capazes de formar sua opinio delicti. II – O fato de o Ministério Público ter oferecido ação penal com base nos elementos de convicção a ele trazidos por outro meio que não o inquérito policial não significa dizer que ingressou em seara reservada à Polícia Judiciária, nem mesmo que tenha presidido inquérito policial. III - Não houve parte do Ministério Público a presidência de inquérito policial, esse, sim, exclusivo das autoridades policiais, mas apenas a realização de diligências complementares para formação da opinião do órgão acusador, consubstanciada na notificação e oitiva de pessoas que tiveram conhecimento dos fatos relatados, espontaneamente, por um dos corréus. IV - O homicídio pelo qual os pacientes são acusados já havia sido investigado por meio de inquérito policial, que resultou no oferecimento de denúncia contra corréu. Assim, os elementos referentes ao crime, em sua maioria, já haviam sido apurados, surgindo novos fatos apenas em relação a suposta coautoria. IV - Ordem denegada.” (STF – HC 96638/BA – 1ª Turma – Rel. Min. Ricardo Lewandowisk – J. 2.12.2010)

“I – O inquérito policial é dispensável quando o Ministério Público já dispuser de elementos capazes de formar sua opinio delicti (art. 39, § 5º, do CPP). II – Na espécie, tendo os pais das vítimas comparecido perante o representante do Ministério Público, oferecido representação e fornecido elementos suficientes para a propositura da inicial acusatória, não há qualquer nulidade ou irregularidade no início da ação penal sob estas condições. III - O Ministério Público possui legitimidade para instaurar sindicância para a apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção à infância e à juventude, nos termos do art. 201, VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente. IV - Ordem denegada. ( STF - HC 96617/MG – 1ª Turma - Rel. Min. Ricardo Lewandowski – J. 23.11.2010)

Presidência do inquérito

Reza o art. 144, § 4º CF: “às polícias civis, dirigidas por delegados de

polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as

funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as

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10Proc. PenalProf. Danilo Pereiramilitares.” Disso, temos que, salvo as exceções legais (v.g., crimes

militares), a competência para presidir o inquérito policial é deferida aos

delegados de polícia de carreira, de acordo com as normas de organização

policial dos Estados. Essa atribuição é distribuída, de um modo geral, de

acordo com o lugar onde se consumou a infração (ratione loci), em

obediência à lei processual que se refere ao território das diversas

circunscrições. O artigo 22 CPP, porém, dispõe que “no Distrito Federal e

nas comarcas em que houver mais de uma circunscrição policial, a

autoridade com exercício em uma delas poderá, nos inquéritos a que esteja

procedendo, ordenar diligências em circunscrições de outra,

independentemente de precatório ou requisições, e bem assim

providenciará, até que compareça a autoridade competente, sobre

qualquer fato que ocorra em sua presença, noutra circunscrição”. O artigo

4°, aliás, não impede que a autoridade policial de uma circunscrição

(Estado ou Município) investigue os fatos criminosos que, praticados em

outro local, hajam repercutido na de sua competência, pois os atos de

investigação, por serem inquisitoriais, não se acham abrangidos pela regra

do artigo 5°, LIII da Constituição Federal, segundo a qual ninguém será

processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Inquérito

não é processo e a divisão de atribuições entre as autoridades policiais

objetiva não mais que a conveniência do próprio serviço, o que significa

que as investigações encetadas por determinada Delegacia podem ser por

outras avocadas ou realizadas. Nada impede, também, que se proceda à

distribuição da competência em razão da matéria (ratione materiae), ou

seja, levando-se em conta a natureza da infração penal. Em vários Estados

se tem criado delegacias especializadas para investigação sobre crimes

determinados (homicídios, roubos a bancos, roubo de cargas, lavagem de

capitais, crimes econômicos, ambientais etc.). No tocante ao inquérito

policial militar, reza o art. 15 do CPPM (dec. Lei 1.002/69): “Será

encarregado do inquérito, sempre que possível, oficial de posto não inferior

ao de capitão ou capitão-tenente; e, em se tratando de infração penal

contra a segurança nacional, se-lo-á, sempre que possível, oficial superior,

atendida, em cada caso, a sua hierarquia, se oficial o indiciado.” Portanto,

qualquer Oficial com posto igual ou superior ao de Capitão no Exército,

Aeronaútica e PM e Capitão-Tenente na Marinha pode presidir o IPM.

Obviamente, isto dependerá do posto daquele que cometeu a infração

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11Proc. PenalProf. Danilo Pereirapenal (art. 7º, § 2º, CPPM). Ex: se um Tenente-Coronel for o infrator,

caberá a um Coronel presidir, e assim sucessivamente conforme o posto.

No caso do infrator ter a patente de Oficial General (Almirante, General ou

Brigadeiro), o fato deve ser comunicado ao Comandante e ao Chefe do

Estado- Maior da Força da qual faz parte. (art. 10º, § 4º, CPPM).

Outras autoridades administrativas

Há possibilidade de investigação criminal presidida por outras autoridades

administrativas. Outros órgãos (e instituições) também podem investigar

no Brasil: CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito), IBAMA (Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), Banco

Central, COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Receita

Federal, autoridades fazendárias, os próprios Tribunais de Justiça tem

autorização. É o que se dá por exemplo quando um juiz é investigado. No

estado de São Paulo a autoridade policial civil ou militar remeterá os autos

ao Tribunal de Justiça competente para o julgamento, conforme Lei

Complementar 35/79 (art. 33). Daí, o presidente do Tribunal de Justiça

sorteará um Desembargador relator que passará a presidir o inquérito. Os

regimentos internos dos Tribunais especificam como é realizada a

investigação. Recente decisão do STF decidiu que o Fisco não tem a

prerrogativa de determinar a quebra do sigilo bancário dos contribuintes

(RE 389808 – J. 15.12.2010). Tal violação, sobre essa perspectiva,

somente pode ocorrer dentro das situações especificadas em lei e após

ordem judicial que a autorize. Os Ministros vencidos argumentaram que o

sigilo bancário, quando passado de uma instituição que detém obrigação de

resguardá-lo (banco) para outra instituição com a mesma vocação (Receita

Federal), não estaria sendo quebrado, mas sim transferido, e que, por isso,

a intimidade e a privacidade do contribuinte não estariam sendo violadas. A

importante vitória sobre essa absurda alegação afastou a aplicação da LC

105/2001 que, em seu art. 6º, retirava do Poder Judiciário - e transferia à

“autoridade administrativa fiscal competente” - a decisão de determinar ou

não a quebra de sigilo. Essa subversão de competências, segundo o STF,

violava o art. 5º, incisos XII e XXXV da CF/88 e, por isso, seria

inconstitucional quaisquer tentativas de retirar do Judiciário a capacidade

exclusiva de exercer o poder mais elementar que lhe foi conferido: o de

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12Proc. PenalProf. Danilo Pereiratutelar os direitos essenciais do cidadão, dentre eles, evidentemente, a

autorização da devassa, por terceiros, do sigilo de sua vida particular.

Controle externo pelo Ministério Público

Apesar de a presidência das investigações competir a autoridade policial,

dispõe a Constituição Federal que é função institucional do Ministério

Público exercer o controle externo da atividade policial no âmbito federal e

estadual (art. 129, VII c. c. art. 128, § 5°). Esse controle externo deve se

orientar no sentido de se verificar se estão sendo corretamente apurados

os fatos materiais e empregados os métodos legais para a sua completa

elucidação. Devem ser estabelecidas normas que possibilitem a fiscalização

dos Distritos Policiais e cadeias públicas anexas, dos livros obrigatórios da

Polícia, dos boletins e talões de ocorrência etc., bem como o exame

minucioso das atividades dos organismos policiais e a apuração das suas

atividades ilegais ou irregulares (a prática de tortura, a colheita ilícita de

prova, a omissão frente a ilícitos penais principalmente quando praticados

por pessoas poderosas etc.).

Ministério Público na presidência do inquérito

O assunto é polêmico. A CF/88 é clara ao estabelecer as funções da polícia

(federal e civil), para investigar e servir de órgão auxiliar do Poder

Judiciário, daí o nome polícia judiciária. Ao Ministério Público foi reservada

a titularidade da ação penal, ou seja, a exclusividade no seu ajuizamento,

salvo alguns excepcionais casos, quando a ação penal for privada ou

quando o Promotor não intentar a ação no prazo legal, conforme

estudaremos adiante. A CF, no art. 129, III prevê a possibilidade de o

Ministério Público elaborar inquérito civil, e jamais inquérito policial. Claro

que, para aparelhar o órgão acusatório oficial se reconhece possa o

Ministério Público requisitar informações ou documentos, diligências

investigatórias e a instauração do inquérito policial, além de exercer o

controle externo da atividade policial. Assim, ao Promotor cabe, tomando

ciência da prática de um delito, requisitar a instauração da investigação

pela polícia judiciária, controlar o desenvolvimento da persecução

investigatória através de requisições e diligências à autoridade policial,

tudo para formar sua opinião, optando por denunciar ou não o suspeito ou

indiciado. O que não é permitido é, sozinho, conduzir a investigação e a

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13Proc. PenalProf. Danilo Pereiraseguir denunciando quem considerar o autor da infração, excluindo

integralmente a polícia judiciária e, consequentemente a fiscalização

salutar do juiz. Isso porque o sistema processual para apresentar-se

harmônico e equilibrado não pode subsistir com uma instituição que

prepondera sobre outra. Quando a polícia judiciária elabora e conduz o

inquérito é supervisionado pelo Ministério Público e pelo juiz de direito. E

este último, ainda é supervisionado pelo Ministério Público e pelo Defensor

do suspeito ou indiciado. Com isso, permitir ao Ministério Público que

produza provas isoladamente, sem qualquer fiscalização, significa acabar

com essa harmonia e garantista investigação. Ora, uma investigação

sigilosa em transcurso no Ministério Público não permite a publicidade aos

advogados, pois não se dá ciência que esta está ocorrendo. Por isso a

investigação deve ocorrer de forma aberta, pela polícia judiciária,

registrada, autuada e acompanhada pelo magistrado e membro do parquet.

Dirigir a investigação e a instrução preparatória, no sistema vigorante,

pode comprometer a imparcialidade pois carrega o risco da procura de

“prova orientada”, “abandono de prova que não favorece” e imparcialidade

viciada. Requisitar diligências ou provas é coisa bem diferente de assumir a

investigação. É inconcebível que se atribua a um órgão do Estado poderes

ilimitados. A democracia pressupõe exatamente junto aos direitos, os

devidos freios de controle. Poderes ilimitados ultrapassam os direitos e

adentram ao próprio e perigoso despotismo. Contrário a isto, entretanto,

encontram-se algumas decisões dos tribunais pátrios. Um dos principais

argumentos que orientam a posição, especialmente a do STF, está

relacionado com o art. 4º, parágrafo único, do CPP, que não confere

exclusividade à Polícia para exercer a função investigatória. Muitos outros

órgãos (e instituições) também podem investigar no Brasil (CPIs, IBAMA,

Banco Central, COAF, autoridades fazendárias etc). Nem mesmo a

exclusividade constitucional dada à polícia federal no art. 144, § 1º, IV da

CF, de acordo com o STF, diz respeito às suas funções frente às demais

polícias. Esse dispositivo não é impeditivo para que outros órgãos (como o

MP, por exemplo) investiguem delitos, inclusive os de atribuição da polícia

federal. O que não pode é uma outra polícia investigar crime que é da

responsabilidade federal. Na esteira de alguns julgados recentes, vem se

proclamando que a investigação criminal pelo Ministério Público é legítima

e constitucional e que ela possui caráter concorrente e subsidiário. Ou seja,

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14Proc. PenalProf. Danilo Pereiranão existe exclusividade (também) do Ministério Público. Mas tampouco

está ele impedido de fazer suas próprias investigações, com base no art.

129 da CF, que lhe conferiu poderes de instaurar não só a investigação

civil, senão também a criminal – Teoria dos poderes implícitos, que em

linhas gerais significa dizer se o MP tem legitimidade para oferecer a ação

penal, tem legitimidade para investigar e obter as provas para propor a

ação. Claro que também as leis orgânicas dos Ministérios Públicos

confirmam esse poder. Sobretudo quando se investiga um policial, quando

então a investigação da polícia pode ser questionável, aí é que a

legitimidade do Ministério Público se agiganta, visto que sua autonomia e

independência não impedem uma apuração isenta dos fatos noticiados.

“O inquérito policial qualifica-se como procedimento administrativo, de caráter pré-processual, ordinariamente vocacionado a subsidiar, nos casos de infrações perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública, a atuação persecutória do Ministério Público, que é o verdadeiro destinatário dos elementos que compõem a "informatio delicti". Precedentes. - A investigação penal, quando realizada por organismos policiais, será sempre dirigida por autoridade policial, a quem igualmente competirá exercer, com exclusividade, a presidência do respectivo inquérito. - A outorga constitucional de funções de polícia judiciária à instituição policial não impede nem exclui a possibilidade de o Ministério Público, que é o "dominus litis", determinar a abertura de inquéritos policiais, requisitar esclarecimentos e diligências investigatórias, estar presente e acompanhar, junto a órgãos e agentes policiais, quaisquer atos de investigação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras medidas que lhe pareçam indispensáveis à formação da sua "opinio delicti", sendo-lhe vedado, no entanto, assumir a presidência do inquérito policial, que traduz atribuição privativa da autoridade policial. Precedentes. A ACUSAÇÃO PENAL, PARA SER FORMULADA, NÃO DEPENDE, NECESSARIAMENTE, DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. - Ainda que inexista qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, o Ministério Público, mesmo assim, pode fazer instaurar, validamente, a pertinente "persecutio criminis in judicio", desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, que o habilitem a deduzir, perante juízes e Tribunais, a acusação penal. Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSIVIDADE E A ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA. - A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, § 1º, inciso IV, da Constituição da República - que não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público - tem por única finalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversos organismos policiais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração dos crimes previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais. - Incumbe, à Polícia Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada a competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções), sem

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15Proc. PenalProf. Danilo Pereira

prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o Ministério Público. - Função de polícia judiciária e função de investigação penal: uma distinção conceitual relevante, que também justifica o reconhecimento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria penal. Doutrina. É PLENA A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER DE INVESTIGAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POIS OS ORGANISMOS POLICIAIS (EMBORA DETENTORES DA FUNÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA) NÃO TÊM, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, O MONOPÓLIO DA COMPETÊNCIA PENAL INVESTIGATÓRIA. - O poder de investigar compõe, em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de "dominus litis" e, também, como expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a "opinio delicti", em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de iniciativa pública. Doutrina. Precedentes: RE 535.478/SC, Rel. Min. ELLEN GRACIE - HC 91.661/PE, Rel. Min. ELLEN GRACIE - HC 85.419/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 89.837/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO: OPONIBILIDADE, A ESTES, DO SISTEMA DE DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, QUANDO EXERCIDO, PELO "PARQUET", O PODER DE INVESTIGAÇÃO PENAL. - O Ministério Público, sem prejuízo da fiscalização intra--orgânica e daquela desempenhada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, está permanentemente sujeito ao controle jurisdicional dos atos que pratique no âmbito das investigações penais que promova "ex propria auctoritate", não podendo, dentre outras limitações de ordem jurídica, desrespeitar o direito do investigado ao silêncio ("nemo tenetur se detegere"), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advogado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais (Lei nº 8.906/94, art. 7º, v.g.). - O procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos, laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação, não podendo, o "Parquet", sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por referir-se ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu Advogado. - O regime de sigilo, sempre excepcional, eventualmente prevalecente no contexto de investigação penal promovida pelo Ministério Público, não se revelará oponível ao investigado e ao Advogado por este constituído, que terão direito de acesso - considerado o princípio da comunhão das provas - a todos os elementos de informação que já tenham sido formalmente incorporados aos autos do respectivo procedimento investigatório. (STF – HC 84173/BA – 2ª Turma – Rel. Min. Celso de Mello – J. 27.10.09)

“(...) 5. É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Tal

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16Proc. PenalProf. Danilo Pereira

conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti. 6. O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao parquet a privatividade na promoção da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia. 7. Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos "poderes implícitos", segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que "peças de informação" embasem a denúncia. 8. Cabe ressaltar, que, no presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que, também, justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo Ministério Público. 9. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.” (STF – HC 91661/PE – 2ª Turma – Rel Min. Ellen Gracie – J. 10.03.2009)

“1. Legitimidade do órgão ministerial público para promover as medidas necessárias à efetivação de todos os direitos assegurados pela Constituição, inclusive o controle externo da atividade policial (incisos II e VII do art. 129 da CF/88). Tanto que a Constituição da República habilitou o Ministério Público a sair em defesa da Ordem Jurídica. Pelo que é da sua natureza mesma investigar fatos, documentos e pessoas. Noutros termos: não se tolera, sob a Magna Carta de 1988, condicionar ao exclusivo impulso da Polícia a propositura das ações penais públicas incondicionadas; como se o Ministério Público fosse um órgão passivo, inerte, à espera de provocação de terceiros. 2. A Constituição Federal de 1988, ao regrar as competências do Ministério Público, o fez sob a técnica do reforço normativo. Isso porque o controle externo da atividade policial engloba a atuação supridora e complementar do órgão ministerial no campo da investigação criminal. Controle naquilo que a Polícia tem de mais específico: a investigação, que deve ser de qualidade. Nem insuficiente, nem inexistente, seja por comodidade, seja por cumplicidade. Cuida-se de controle técnico ou operacional, e não administrativo-disciplinar. 3. O Poder Judiciário tem por característica central a estática ou o não-agir por impulso próprio (ne procedat iudex ex officio). Age por provocação das partes, do que decorre ser próprio do Direito Positivo este ponto de fragilidade: quem diz o que seja “de Direito” não o diz senão a partir de impulso externo. Não é isso o que se dá com o Ministério Público. Este age de ofício e assim confere ao Direito um elemento de dinamismo compensador daquele primeiro ponto jurisdicional de fragilidade. Daí os antiqüíssimos nomes de “promotor de justiça” para designar o agente que pugna pela realização da justiça, ao lado da “procuradoria de justiça”, órgão congregador de promotores e procuradores de justiça. Promotoria de justiça, promotor de justiça, ambos a pôr em evidência o caráter comissivo ou a atuação de ofício dos órgãos ministeriais públicos. 4. Duas das competências constitucionais do Ministério Público são particularmente expressivas dessa índole ativa que se está a realçar. A primeira reside no inciso II do art. 129 (“II - zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia”). É dizer:

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17Proc. PenalProf. Danilo Pereira

o Ministério Público está autorizado pela Constituição a promover todas as medidas necessárias à efetivação de todos os direitos assegurados pela Constituição. A segunda competência está no inciso VII do mesmo art. 129 e traduz-se no “controle externo da atividade policial”. Noutros termos: ambas as funções ditas “institucionais” são as que melhor tipificam o Ministério Público enquanto instituição que bem pode tomar a dianteira das coisas, se assim preferir. 5. Nessa contextura, não se acolhe a alegação de nulidade do inquérito por haver o órgão ministerial público protagonizado várias das medidas de investigação. Precedentes da Segunda Turma: HCs 89.837, da relatoria do ministro Celso de Mello; 91.661, da relatoria da ministra Ellen Gracie; 93.930, da relatoria do ministro Gilmar Mendes.” (STF - HC 97969/RS – 2ª Turma – Rel. Min. Ayres Britto – J. 1.02.2011)

Comissão Parlamentar de Inquérito

Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) é uma investigação conduzida

pelo Poder Legislativo, que transforma a própria casa parlamentar em

comissão para ouvir depoimentos e tomar informações diretamente. Título

IV (Da organização dos Poderes) da Constituição Federal há uma seção

própria nomeada “Das Comissões” (Seção VII). Reza o § 3º do art. 58: “As

comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação

próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos

das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo

Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento

de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por

prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao

Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal

dos infratores.” Em um primeiro momento da leitura desse texto parece

que poderia a CPI determinar as mesmas medidas investigatórias

prolatadas pelo juiz de direito. Logo, a leitura deste dispositivo deve ser

feita em conjunto com os direitos e garantias expressos na própria ordem

constitucional. Segundo o art. 5º, determinados direitos e garantias

fundamentais são apenas passíveis de violação, em medida extrema de

exceção, através de ordem judicial, configurando atividade típica do Poder

Judiciário (reserva de jurisdição). É um preceito fundamental a separação

de poderes e a independência de cada um (art. 2º CF) como controle das

garantias e direitos fundamentais do indivíduo. Assim, a reserva de

jurisdição (ordem judicial) incide sobre diversos preceitos expostos no art.

5º: a busca domiciliar (art. 5º, XI), interceptação telefônica (art. 5º, XII),

decretação de prisão de qualquer pessoa, salvo a hipóteses de prisão em

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18Proc. PenalProf. Danilo Pereiraflagrante delito (art. 5º, LXI). Tais direitos traduzem a noção de que assiste

exclusivamente ao Poder Judiciário o direito de proferir algumas decisões e

sobretudo a prerrogativa de aplicar medidas que são nitidamente exceção,

como a prisão, a busca e apreensão etc., e outras mais constantes como

direitos e garantias individuais, que são matéria reservada ao Poder

Judiciário. Atualmente, vem sendo reconhecido, inclusive pelo próprio STF,

que a criação de CPI e seus poderes investigatórios fazem parte da função

de fiscalização da administração, que seria instrumento inerente e

fundamental a atividade parlamentar e limitar essa fiscalização e seus

instrumentos implicaria na redução dessa importante atividade

parlamentar.

Acesso ao advogado no inquérito

O acesso ao advogado não pode ter qualquer limitação. Mesmo que tenha

sido decretado o sigilo das investigações (art. 20 CPP), tal não se estende

às partes (Juiz, Promotor, Advogado, Ofendido e Suspeito ou Indiciado).

Aliás, o art. 7º da Lei Federal 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados

do Brasil) prevê os direitos dos advogados.

Vícios

Sendo o inquérito policial mero procedimento informativo e não ato de

jurisdição, os vícios nele acaso existentes não afetam a ação penal a que

deu origem. A desobediência a formalidades legais podem acarretar a

ineficácia do ato em si (prisão em flagrante, por exemplo), mas não influi na

ação já iniciada, com denúncia recebida. Eventuais irregularidades podem

e devem diminuir o valor dos atos a que se refiram e, em certas

circunstâncias, do próprio procedimento inquisitorial globalmente

considerado, merecendo consideração no exame do mérito da causa.

Contudo, não se erigem em nulidades, máxime para invalidar a própria

ação penal subseqüente.

Investigação Preliminar ao inquérito

É totalmente ilegal a instauração de qualquer tipo de procedimento escrito

oficial como preliminares ao próprio inquérito policial. Havendo dúvida

sobre existência de um crime ou mesmo a sua autoria, pode a autoridade

direta e pessoalmente verificar a viabilidade para instauração do inquérito,

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19Proc. PenalProf. Danilo Pereiramas não significa isto um novo procedimento anterior ao próprio inquérito.

Tal ocorre nas denúncias anônimas onde os policiais vão verificar as sua

veracidade. Constatado indícios, deve imediatamente registrar o inquérito

e passar a sua investigação.

Polícia Federal

O Departamento de Polícia Federal (DPF) ou simplesmente Polícia Federal

(PF) é um órgão subordinado ao Ministério da Justiça, cuja função é, de

acordo com a Constituição Federal (art. 144), a mesma que a das outras

polícias, ou seja, exercer a segurança pública para a preservação da ordem

pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Como regra, a

competência de investigação da polícia federal deve guardar

correspondência com a competência da Justiça Federal prevista no art. 109

CF, sob pena de conflito de atribuições entre as polícias e chegar-mos a um

verdadeiro caos. De acordo com o § 1º do art. 144 CF, são funções

adicionais da Polícia Federal:

I. apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em

detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas

entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras

infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou

internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II. prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,

o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de

outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III. exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de

fronteiras;

IV. exercer, com exclusividade, as funções de Polícia Judiciária da

União.

Outrossim, a Lei 10.446/02 estendeu à polícia federal competência

concorrente à polícia civil e militar, vejamos:

I. seqüestro, cárcere privado e extorsão mediante seqüestro (arts. 148

e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação

política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela

vítima;

II. formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4o da Lei no

8.137, de 27 de dezembro de 1990); e

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20Proc. PenalProf. Danilo Pereira

III. relativas à violação a direitos humanos, que a República

Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de

tratados internacionais de que seja parte; e

IV. furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores,

transportadas em operação interestadual ou internacional, quando

houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um

Estado da Federação.

Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento

de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que

tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de

Estado da Justiça.