Upload
hoangnhan
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
6º ENCONTRO
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
25 – 28 DE JULHO DE 2017
BELO HORIZONTE – MINAS GERAIS
ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL
NARCOTRÁFICO E VIOLÊNCIA NA COLÔMBIA: UMA ANÁLISE A PARTIR DOS
PROCESSOS SOCIAIS E POLÍTICOS DO ESTADO COLOMBIANO (1970-2000)
MARÍLIA BERNARDES CLOSS
INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIAIS E POLÍTICOS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Narcotráfico e Violência na Colômbia: uma análise a partir dos processos
sociais e políticos do Estado colombiano (1970-2000)
Este trabalho tem como objeto de estudo o narcotráfico na Colômbia, inserido nos
processos sociais, políticos e econômicos do Estado colombiano. Busca-se entender
por que o narcotráfico na Colômbia ganhou dimensão mais complexa e deixou de ser
simples fenômeno de criminalidade para tornar-se fato sócio-político constitutivo da
realidade colombiana. O período analisado é entre 1970 e 2000, com antecedente
histórico, pois nestas décadas estão comportados os momentos de ascensão e
consolidação do fenômeno no país. Conclui-se que o narcotráfico ganha força porque
se insere em momento de entre-ciclo da realidade política colombiana, quando da
transição do Estado oligárquico para o Estado neoliberal. Com isto, transformam-se
também as formas de autoridade, legitimidade e violência envolvidas na realidade
sócio-política do país, e o narcotráfico, sendo poder transversal a estes processos,
redimensiona-se e insere-se definitivamente na sociedade da Colômbia.
Palavras-chave: narcotráfico; Colômbia; violência; Estado.
Narcotráfico e Violência na Colômbia: uma análise a partir dos processos
sociais e políticos do Estado colombiano (1970-2000)
1 INTRODUÇÃO
O narcotráfico é hoje um dos grandes problemas sociais e securitários a nível
internacional. Na América Latina, entretanto, é um fenômeno que vem ganhando
dimensão mais dramática. Estão comportadas no subcontinente as principais
estruturas globais de produção e distribuição de diversas substâncias psicoativas.
Ademais, em território latino-americano se vê também as mais sérias consequências
disto, tais como as elevadas taxas de violência civil e urbana. Na Colômbia, grande
parte destes problemas se materializa de maneira explosiva: além de comportar
estruturas de produção e distribuição de maconha e, especialmente, cocaína, no país
o narcotráfico ganha dimensão particular, e passa a ser fenômeno que dialoga com a
realidade política, social e até mesmo cultural no país. Desde narcotraficantes como
atores políticos – seja no âmbito institucional ou não – até elementos do narcotráfico
como referência cultural e simbólica, tudo isso são traços de um país que teve suas
últimas décadas marcadas pelo narcotráfico como fato sócio-político.
O objetivo deste artigo é entender por que o narcotráfico na Colômbia deixou
de ser simples fenômeno de criminalidade, como vem a ser em diversos outros países,
e se transformou em fato social e político mais complexo. Parte-se da hipótese, a ser
aqui testada, que o narcotráfico colombiano ganhou dimensão mais complexa por ter
se misturado a fenômenos políticos, econômicos e sociais de formação do próprio
Estado colombiano. Assim, entende-se que, mais que um fenômeno, o narcotráfico é
um processo social. A delimitação temporal aqui adotada parte de meados da década
de 1970, contando com antecedente histórico, até o ano de 2002, quando termina a
presidência de Andrés Pastrana. Neste período, está compreendido intervalo entre a
ascensão, o auge e a consolidação do narcotráfico na Colômbia. O panorama histórico
reconstrói a história colombiana desde o século XIX pela compreensão de que os
padrões de violência e a estrutura fundiária colombiana – temas fundamentais para a
análise do objeto – têm origem neste período. Ademais, a primeira década do século
XXI certamente é de grande interesse para o objeto aqui estudado; entretanto, o
governo de Álvaro Uribe (2002-2010) traz uma série de novos indicadores a serem
observados, que não caberiam para o escopo adotado neste artigo e, por esta razão,
optou-se por deixá-lo de fora. Para atingir seus objetivos, este artigo conta com uma
seção inicial de panorama histórico, que abarca o contexto político colombiano até o
início da década de 1970. Após, uma seção é dedicada para apresentar a realidade
das décadas de 1970 e 1980, seguida de outra seção para a análise da década de
1990. Finalmente, são apresentadas as considerações finais e as referências.
2 PANORAMA HISTÓRICO: A COLÔMBIA ANTES DOS ANOS 1970
A história colombiana e a violência se misturam. Durante o século XIX,
consolidaram-se as bases econômicas, sociais e políticas que perdurariam até as
últimas décadas do século seguinte. Neste período, a Colômbia foi um país dividido:
ademais das condições geográficas – três grandes cordilheiras cortadas por rios, a
densa floresta amazônica e a região andina -, a maior parte da população sempre
esteve concentrada nas grandes cidades, separadas por montanhas, com pouca ou
nenhuma conexão infraestrutural entre si. Cabia a grupos civis e à Igreja Católica o
papel de linha de transmissão de poder (HYLTON, 2010). A sociedade colombiana
tinha três eixos fundamentais, que constituíam a República Señorial: a Igreja Católica,
os partidos políticos Liberal e Conservador e La Hacienda1, e o Estado colombiano
tinha caráter semi-ausente; portanto, a partir destes três eixos, a vida social, política e
econômica se articulava (SÁNCHEZ, 1990).
Foi neste século que houve a consolidação, após a independência do país, do
modo de produção oligárquico2 e do bipartidarismo hegemônico, entre os partidos
Liberal e Conservador. De acordo com Hylton (2010), inicialmente ambos partidos se
diferenciavam em termos de estratificação social: enquanto os Liberais eram
compostos majoritariamente por setores latifundiários e com componentes de
laicidade, os conservadores eram ligados à aristocracia colonial. Logo a composição
sócio-política de ambos partidos pouco se diferenciaria, e não havia maiores
divergências ideológicas. Neste cenário, os dois partidos emergiram como os maiores
receptores de sentimento de pertença: frente à ausência de cidadania consolidada,
não havia a construção da nação efetiva colombiana, “senão com a condição de
membro exclusivo de um dos dois partidos políticos” (HYLTON, 2010, p.46). Para
Sánchez (1990), os partidos políticos chegaram às comunidades antes do próprio
Estado colombiano, em um processo que chama de “politização pré-social”: “o mundo
dos co-partidários é anterior ao mundo dos cidadãos” (SÁNCHEZ, 1990, p. 16,
1 Hacienda foi o modelo de organização produtiva adotado pela Espanha em suas colônias americanas, que se manteve nos Estados latino-americanos até meados do século XXI. Era baseado no latifúndio agro-exportador, com mão de obra servil ou escrava, a depender da localidade.
2Segundo Cueva (1983), o Estado oligárquico latino-americano é expressão da implementação do capitalismo como modo de produção dominante, mas sem abolir o latifúndio ou as estruturas pré-capitalistas anteriores, conservando-os como eixo de produção. Assim, caracteriza-se pela manutenção de formas semi-servis de trabalho, pelo progresso técnico desprezível, pela crescente pauperização das massas e pela hipertrofia nas atividades primário-exportadoras e atrofia das atividades voltadas ao mercado interno.
tradução nossa). Por outro lado, já que nenhuma fração política era suficientemente
poderosa para implantar hegemonia regional ou nacional, estas tinham de forjar
alianças nos âmbitos locais. Daí se origina uma série de práticas clientelistas. Para
Sánchez (1990, p.28), o clientelismo colombiano se caracteriza por advir de práticas
de caudilhismo, mas em que o poder se torna objeto de apropriação e transmissão
privada, às vezes até familiar, e, com isso, todos os recursos e assuntos coletivos
eram conduzidos com uma mescla de patrimonialismo e coerção.
Neste mesmo período, consolidou-se na Colômbia a estrutura fundiária, de
enorme concentração. De acordo com Ribeiro (2000), o país era um Estado
terrateniente que estrutura e cristaliza com a elite um modelo agrário pelo latifúndio.
No período colonial, a Coroa espanhola, por meio do regime conhecido como merced
de tierras, concedia e doava porções de terras a famílias de nobres e à Igreja Católica.
Nestas terras, que viriam a conformar a contemporânea estrutura de latifúndios
colombianos, implantaram-se relações de produção senhoriais com a utilização de
mão de obra ora indígena, ora escrava (RIBEIRO, 2000). “Iniciada como uma relação
de exploração e subordinação, La Hacienda passou por diversas formas para chegar
até hoje, cobiçada por relações de produção capitalistas” (FALS BORDA, 1975 apud
RIBEIRO, 2000).
Se até a década de 1880 a Colômbia teve como regime político uma
democracia oligárquica liberal, neste período começa a chamada Regeneração,
visando a combater a crescente influência política dos liberais radicais. Além disso, os
setores latifundiários temiam pelo desmantelamento da estrutura fundiária. Com isto,
em 1878, inicia, sob o comando de Rafael Núñez, um novo regime de caráter mais
conservador. Durante este período, foi aniquilada a resistência liberal durante a Guerra
dos Mil Dias (1899 - 1903). Concomitantemente, ganha proeminência política e,
especialmente, econômica o departamento de Antioquia: com o boom da exportação
de café, as elites antioqueñas, também conhecidas como paisas, passam a liderar
econômica e politicamente o processo de modernização conservadora3; há a abertura
de novos bancos e instituições de crédito, cresce a indústria manufatureira e de
infraestrutura, especialmente nos arredores de Medellín e Cali. Com a entrada deste
novo capital, há também a expansão de atividades extrativas, especialmente de ouro e
petróleo, e, até a crise de 1929, quando o preço do café colombiano cai de maneira
abrupta, a Colômbia teria sua inserção econômica internacional condicionada pela
exportação de café, liderada pelas elites paisas (HYLTON, 2010). Para Sánchez
(1990; 2000), foi o período em que, com a colonização a partir dos cafeeiros paisas,
3 DEFINIÇÃO DE MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA – porfiriato
criam-se as bases do campesinato médio e as condições periféricas da inserção
internacional colombiana.
A segunda metade do século XIX foi marcada por sucessivas guerras4. Para
Sánchez (1990; 2000), estas guerras tinham a função de construção de cidadania e
burocracia na Colômbia: era momento de criação de chefias e lideranças políticas e
disputa das instituições estatais; além disso, era o canal de acesso mais fácil à
política, em um país cujo Estado estava se formando. Com isso, o objetivo da guerra
não era a vitória ou a aniquilação do adversário, mas o pacto e o armistício. Frente ao
caráter semi-ausente do Estado, os conflitos sociais eram resolvidos por meio da
guerra (SÁNCHEZ, 1990; 2000).
Até 1930, o Partido Conservador foi dominante e moldou a modernização
conservadora colombiana. Nas décadas seguintes, houve o domínio do Partido
Liberal. A partir de então, porém, terminaria a relação relativamente pacífica entre os
dois partidos. Em 1948, após o assassinato político de Jorge Eliécer Gaitán, político de
grande influência, com plataforma política de denúncia à oligarquia e de perfil classista
(SÁNCHEZ, 1990; PÉCAUT, 2014), iniciou uma onda de protestos em diversas
cidades colombianas, conhecida como Bogotazo, cujos principais alvos eram os
símbolos de poder oligárquicos (CALVO, 2010). Apesar de massificadas, as
mobilizações populares, sem coordenação entre si, logo foram derrotadas pelo
governo central. Frente ao crescimento do poder do gaitanismo e da capacidade de
mobilização popular, temendo perder espaço para uma plataforma política que
colocaria em xeque as estruturas oligárquicas e fundiária, os partidos Liberal e
Conservador adentram em uma disputa política – dessa vez, pela via armada. O
período entre 1949 e 1958 ficou conhecido como La Violencia, no qual cerca de 300
mil pessoas foram assassinadas e um número ainda maior foi territorialmente
deslocado. Além da disputa violenta entre os dois partidos, houve também, e
principalmente, violência política e assassinatos contra as insurreições gaitanistas.
Ademais,
“Em geral, La Violencia foi uma grande regressão histórica na qual as hostilidades partidárias impediram não só o legado do populismo de Gaitán, mas também a oportunidade de política de classes independentes baseadas no campesinato, nos artesãos, no proletariado e em frações importantes da classe média. Esse fato gerou novas formas de terror. No século XIX, os termos do combate militar foram acordados, mas durante La Violencia não foi respeitada
4 Dentre as guerras que ocorreram na Colômbia no século XIX, destacam-se: Guerra entre Federalistas e Centralistas (1812-1815); Guerra de los Supremos (1839-1841); Guerra Civil de 1851; Guerra civil de 1854; Guerra Civil de 1860-1862; Guerra civil de 1884-1885; Guerra civil de 1895; Guerra de los Mil Días (1899-1902).
nenhuma regra ou limite [...]. Foi durante La Violencia que se estabeleceu o precedente da resolução sangrenta da questão agrária por meio do terror e da expropriação, institucionalizando formas de crueldade que se tornaram nacionais durante o que foi o desenvolvimento histórico mais retrógrado da América Latina em meados do século” (HYLTON, 2010, p. 82-83).
La Violencia teve fim com a ditadura de Gustavo Rojas Pinilla, mas configurou-
se como um período marcado pela violência e pelo terror político. Para Sánchez
(1990), tratou-se do momento em que a guerra passa a ter caráter de classe, e deixa
de ser instrumento de burocracia, tal como fora no século XIX. Mais que isto, porém,
foi a manutenção do status quo do modo de produção oligárquico, principalmente pela
eliminação física contra qualquer forma de oposição à hegemonia oligárquica. Entre
1957 e 1982, os partidos Liberal e Conservador estabeleceram a chamada Frente
Nacional, a partir da qual lograram dividir as estruturas e instituições de poder, em
especial, a presidência, e, assim, controlar eventuais desafiantes à ordem.
Cabem duas observações a respeito deste período. Diferentemente de grande
parte dos Estados latino-americanos, a Colômbia não passou por um regime ou
Estado populista5. Com isto, na sociedade colombiana não havia uma série de
regulamentações ou avanços trabalhistas que já eram realidade na América Latina,
tais como direitos sociais, leis trabalhistas, desenvolvimento contundente de indústria
nacional ou políticas econômicas protecionistas com o objetivo do desenvolvimento de
produção e mercado internos. Ademais, apesar de os sindicatos colombianos
existirem, estes eram de reduzido número, pequenos e com pouca capacidade de
negociação, diálogo e penetração social. De acordo com Pécaut (2014), o rechaço ao
populismo é fundacional na Colômbia, pois isto foi fundamental para a manutenção de
uma tardia oligarquia, que esteve no poder até a segunda metade do século XX: a
ausência do reconhecimento do povo como sujeito político unificado e a ausência de
um nacionalismo contundente propiciaram que as velhas elites permanecessem no
poder até fins da década de 1970, sob um mesmo modelo de produção e as mesmas
práticas de clientelismo e caudilhismo características do século XIX (PÉCAUT, 2014).
3 TRANSIÇÃO E ENTRECICLO ABRINDO AS PORTAS PARA O NARCOTRÁFICO
(1970-1990)
Frente a isto, a Colômbia adentra nas décadas de 1970 com uma estrutura
estatal consideravelmente diferente do resto da América Latina: a manutenção dos
5Neste artigo, destaca-se o conceito descrito por Capelato (2001), quando a autora diz que o populismo
representa a introdução social de uma nova cultura política baseada no papel interventor do Estado, o que
significou resposta a uma série de reivindicações sociais como legislação trabalhista e melhoria nas
condições políticas e sociais do trabalhador a partir do reconhecimento deste como sujeito da história.
grandes latifúndios, conjugado com permanência da estrutura oligárquica de poder,
ganha traços dramáticos com o aumento das práticas de terror político. A partir de
então, porém, o Estado e a sociedade colombianas vão passar por uma série de
transformações. Tem início um processo rápido e profundo de êxodo rural no país. Há
uma mudança considerável na produção do campo com o crescimento da
agroindústria, especialmente de cana, soja, algodão e arroz. Com isso, cresce
significativamente o número de trabalhadores assalariados; ao mesmo tempo,
desaparecem as terras de possível ocupação produtiva por produtores familiares
(RIBEIRO, 2000). Em resposta às propostas de reforma agrária que emergiam no
início da década de 1960, especialmente pelo Instituto Colombiano de Reforma
Agrária (Incora), ocorria na Colômbia uma contrarreforma agrária: organizados em
agremiações, grandes proprietários terratenientes passam a naturalizar o terror político
como prática de dissuasão pela manutenção do status quo (LOZANO, 2006).
Concomitantemente, a expulsão dos campesinos, na década de 1970, não se deu
apenas em direção à cidade, mas também a novas zonas de colonização.
Agremiações de criadores de gado, de empresários agricultores e de latifundiários no
geral uniram-se contra as propostas de reforma agrária, colocadas em prática pelo
então presidente Lleras Restepo (1966-1970). Durante o governo de seu sucessor, o
conservador Misael Pastrana (1970-1974), menos de 1% das terras que estavam no
âmbito da reforma agrária de Restepo haviam sido expropriadas (HYLTON, 2010).
Em fins dos anos 1980, 5% dos colombianos eram donos das melhores terras
(CALVO, 2010).
Com o período da La Violencia e a posterior Frente Nacional, a violência no
campo chegou a níveis alarmantes na Colômbia. Uma das consequências disto é que
um grande número de campesinos teve de se deslocar de seus locais de moradia e
trabalho para novos espaços mais seguros. Deu-se, com isso, a abertura de novas
fronteiras, tais como nas regiões do Magdalena Médio, de Guavire, Caquetá e Urabá.
Em substituição ao modelo fundiário rígido e fixo da La Hacienda, há novos espaços
móveis de colonização (SÁNCHEZ, 1990; SÁNCHEZ, 2000), denotando o desmonte
dos pilares fundamentais da república señorial. Tratou-se de uma nova forma de
colonização – a colonização armada (RODRÍGUEZ, 2001), abrindo novas fronteiras e
transformando a lógica de produção colombiana.
Este mesmo processo teve como consequência, também, a criação de grupos
de autodefesa: para proteger-se da violência política, especialmente nas zonas rurais
e amazônicas do sul do país, grupos passaram a se armar. A partir disto, alguns
destes grupos passam a politizar-se e a unificar suas demandas frente ao Estado
central. No início da década de 1960, um grupo organizou a Primeira Conferência
Guerrilheira, com os sobreviventes das investidas do Plan Lazo e da Operação
Marquetália. Em 1966, com a Segunda Conferência Guerrilheira, este grupo se auto-
denomina Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC) (CALVO, 2010).
Alguns anos mais tarde, as FARC incluiriam o termo Ejército del Pueblo, tornando-se
FARC-EP, com o ímpeto de nacionalizar sua luta, quando da criação de novas bases
militares da guerrilha (CALVO, 2010; LOZANO, 2006). Outras guerrilhas, com
destaque para o Ejército de Liberación Nacional (ELN), nasceriam no mesmo contexto
e com objetivos semelhantes.
Ao mesmo tempo, inicia neste mesmo período tendência de pauperização das
classes médias urbanas, em um processo de homogeneização pelo empobrecimento
da classe empregada, gerada pela inércia do sistema econômico em gerar novos
postos de trabalho para os campesinos que deixavam a zona rural (MURILLO et al,
1991); com isso, as cidades colombianas ganham cinturões de miséria. Em 1979,
cerca de dois terços da população colombiana já viviam nas cidades e 85% das
famílias colombianas contavam com o trabalho de menores de 14 anos de idade para
manter seu nível de vida (MURILLO et al, 1991); nisto, crescem os setores informais
da economia colombiana, especialmente para vendas de mercadorias e serviços
ilícitos. Deste processo de mobilidade social, e junto aos setores informais e de
contrabando, emergem novas formas de elites. Com a ausência de qualquer forma de
populismo ou Estado de bem-estar social, não havia na Colômbia legislações
trabalhistas ou políticas industriais para segurar um mercado interno de consumo ou
condições decentes de emprego (HYLTON, 2010).
De forma paralela, as elites políticas parecem passar por transformações. A
Frente Nacional não mais dá conta de forma hegemônica da realidade política do país.
Há a emergência de novas elites políticas; em termos de legitimidade, os dois partidos
não mais atendem minimamente às demandas sociais, cada vez mais explosivas.
Para Sánchez (1990), o estabelecimento da Frente Nacional é o ponto de quebra da
configuração do clientelismo no país; os partidos Liberal e Conservador não mais
davam conta da nova dinâmica social, e logo apareceriam novos atores que seriam os
intermediários nas relações Estado-sociedade.
Mais que isto, neste período iniciou-se na Colômbia uma mudança no modo de
produção, com o gradual, mas constante desmonte da estrutura oligárquica,
materializado na entrada do neoliberalismo. Em 1975, assume a presidência do país
López Michelsen, ainda sob a égide da Frente Nacional. Neste período, a Colômbia
estava atolada em dívidas externas em função de pagamentos de juros, concomitante
ao colapso das indústrias tradicionais. Michelsen foi o primeiro presidente colombiano
a adotar ensaiar medidas neoliberais: partindo da privatização de uma série de
empresas estatais, iniciou o paulatino processo de desmonte do Estado e da
burocracia colombiana. Ao mesmo tempo, a economia colombiana vivia grave
momento de crise. Desde a queda nos preços do café, em 1962, o país entrou em
severa recessão e atingiu, no período, os menores crescimentos industriais desde a
crise de 1930. Como consequência, crescia o desemprego urbano (HYLTON, 2010).
Com isto, pode-se perceber que a velha estrutura social colombiana, baseada nos três
eixos da república señorial, está em crise.
É neste contexto que o narcotráfico emerge enquanto processo na Colômbia.
Já em décadas anteriores, o narcotráfico na Colômbia nascia, com destaque para a
produção, comercialização e, especialmente, exportação de maconha em estados
como Cauca, César, Guajira e Magdalena, com destino aos Estados Unidos
(HYLTON, 2010). As rotas e as dinâmicas de produção e distribuição eram
semelhantes às atividades de contrabando, que vinham crescendo desde a Segunda
Guerra Mundial, com produtos como licores, tabaco e eletrodomésticos (LÓPEZ,
2005). Em pouco tempo, entretanto, a cocaína e as dinâmicas econômicas, sociais e
políticas ao redor desta viriam a dominar o narcotráfico colombiano. Durante a década
de 1970, o território colombiano era utilizado majoritariamente para transformação da
pasta de coca6 em substância psicoativa e para a exportação da droga, pois o cultivo
da folha de coca se dava sobretudo no Peru e na Bolívia – diferentemente da
maconha, que era também plantada em solo colombiano (LÓPEZ, 2005). Com isso, a
cocaína, inicialmente, era um negócio muito mais discreto que a maconha, pois
ocupava menos espaço, já que não havia necessidade de plantio, e ocupava menos
mão de obra.
Quando inicia a década de 1980, a cocaína já era o principal produto de
exportação colombiana, correspondendo a 30% desta e superando o café e, logo, a
folha de coca já era plantada em terras colombianas também (HYLTON, 2010). Foi
neste mesmo período que surgem as principais figuras e articulações que
estruturariam o narcotráfico colombiano. Primeiramente, o departamento de Antioquia
6 A folha de coca não é substância psicoativa. De cultivo milenar para os povos andinos, a folha tem grande importância econômica, cultural e religiosa para povos do Peru, Bolívia, Equador e Colômbia, e é utilizada para mascar, para chás e para alimentação, entre outras diversas utilizações. Apesar de a coca ser utilizada para a produção de cocaína, entre ambas há diversos processos. A partir da folha de coca é produzida a pasta de coca, mistura das folhas com ácido sulfúrico ou querosene. Para a produção da cocaína, a pasta de coca é levada a laboratórios, onde é lavada com éter, acetona ou ácido clorídrico. Quando a pasta é seca, se obtém a substância psicoativa que é comercializada.
e, especialmente, a cidade de Medellín ganham proeminência. Por sua posição
geográfica, entre as cordilheiras central e ocidental, conectando as costas do Atlântico
e do Pacífico e diversas das grandes cidades colombianas, a região está em posição
estratégica e, com o narcotráfico, volta a ter a relevância política e econômica de
outrora. O principal nome do narcotráfico de Antioquia foi Pablo Escobar, chefe do
Cartel de Medellín. Em seu auge, o Cartel de Medellín controlava 80% da cadeia
global de cocaína, e, por dia, transportava cerca de 15 toneladas da droga e faturava
mais de 70 milhões de dólares; Escobar chegou a ter mais de 21 bilhões de dólares
como fortuna pessoal. Na localidade de Cali, surge o cartel de Cali, com a liderança
dos irmãos Miguel e Gilberto Rodríguez. Ainda que de dimensão econômica menor, o
cartel figurou como um dos principais centros de produção e distribuição de cocaína
na América Latina e no mundo e, após o assassinato de Escobar, assumiram diversos
postos deixados em aberto pelo cartel de Medellín. Apesar de serem as maiores
materializações do narcotráfico colombiano, Cali e Medellín são apenas dois dos
exemplos de carteis e dinâmica do tráfico de psicoativos no país, que comportava em
si diversos outros grupos e carteis.
Conforme será debatido na seção seguinte com mais profundidade, os
narcotraficantes foram e são hoje na Colômbia atores políticos, com exercício de
autoridade e legitimidade. É na década de 1980 que isto começa a se esboçar com
maior clareza: apesar de já exercerem considerável influência política no âmbito
regional desde a década passada, os narcotraficantes passam a adentrar as
instituições políticas. Seja no nível da legalidade, sendo a atuação parlamentar – ainda
que em curto período temporal – de Escobar pelo Partido Liberal o melhor exemplo;
seja no nível ilegal, com a construção de redes de corrupção e suborno (GARAY &
SALCEDO-ALBARÁN, 2012), como também será mais discutido na sessão seguinte.
Para González (2004), os narcotraficantes se inserem em um país cuja classe política
carecia de legitimidade e desconfiança por parte da população; por isso, emergem
enquanto representantes de parcelas da população que o Estado não alcança.
É neste mesmo período que o narcotráfico começa a consolidar, com mais
vigor, seu aparato de segurança. Diferentemente do tráfico e do contrabando já
existente anteriormente no país, o narcotráfico criou estruturas próprias de
seguranças. Nascido já como atividade ilegal, é natural que exija, aos seus patrões e
mão de obra, o uso da força. Este virou, entretanto, mais que instrumento de defesa,
mas também de conquista. O narcotráfico colombiano nasce já inserido na guerra
colombiana, especialmente no que tange à guerrilha. Ao relacionar-se com essa, ora
utiliza-se dela, ora a confronta, assim como a guerrilha faz com os aparatos e recursos
do narcotráfico. De acordo com Villaveces-Izquierdo (2000, p.63), “enquanto em
algumas regiões do país formavam-se alianças estratégicas entre o narcotráfico e a
guerrilha, em outras desencadeavam-se sangrentos confrontos entre ambos e os
exércitos privados dos chefes das drogas”. Com o capital do narcotráfico e o aparato
violento das guerrilhas, a violência urbana e rural ganhava dimensão ainda maior.
Com o surgimento de novos grupos paramilitares, a situação ganha contorno mais
dramático. O narcotráfico foi um fator de intensificação e aumento da violência do
conflito, pois financiou e foi fator de disputa entre as três forças (CALVO, 2010).
Desta maneira, nas décadas de 1970 e 1980 o narcotráfico se consolida: como
fato sócio-político em expansão, já participando da vida política no âmbito institucional
e não-institucional; com poder de fogo e autoridade crescente.
4 CONSOLIDAÇÃO: NARCOTRÁFICO, NEOLIBERALISMO E CONCEITOS (1990-
2000)
A década de 1990 foi o período de consolidação. O narcotráfico parou de se
expandir pelo território colombiano e assentou-se como um fenômeno constitutivo do
século XX do país. Esta foi a década também da consolidação do neoliberalismo na
Colômbia. César Gaviria foi eleito em 1990 pelo Partido Liberal, substituindo Luis
Carlos Galán, que fora assassinado, e, no mesmo ano, convoca Assembleia
Constituinte. A Constituição de 1991 aumentaria ainda mais a descentralização do
Estado colombiano, pois deu mais força às regiões e, consequentemente, aos
dirigentes políticos locais, além de ter aumentado o déficit fiscal colombiano (HYLTON,
2010). Ao mesmo tempo, Gaviria lançou programa de reestruturação econômica
neoliberal, no qual reduziu tarifas alfandegárias, privatizou os sistemas de saúde e
previdência social, deu autonomia ao Banco da República e liberalizou o setor
financeiro. Com César Gaviria, a Colômbia definitivamente adentra no neoliberalismo e
ao Consenso de Washington.
O abrupto programa de austeridade de Gaviria teve consequências sérios na
Colômbia. Como os investimentos caíram grandemente, a indústria entrou em grave
recessão. A base agrícola colombiana também colapsou, e o percentual da agricultura
no PIB caiu de 43% em 1980 para 13% em 1998, e as exportações de café passaram
a representar apenas 3%; ao mesmo tempo, as importações de alimentos triplicaram
no período (HYLTON, 2010). A crise da agroindústria enterrava a tardia e prolongada
república cafeeira. Apenas um setor da economia colombiana teve notável
crescimento e, consequentemente, conseguiu segurar parte significativa da economia
do país: o narcotráfico. De acordo com Hylton (2010, p.125), os agricultores de coca
converteram-se na solução não desejada para a prolongada crise no campo, e a coca
já havia se estabelecido como o único cultivo suficientemente rentável para superar os
custos de transporte em um país territorial e infraestruturalmente fragmentado. Ao
mesmo tempo, o cultivo de coca e a comercialização e transporte de cocaína
emergiram como o colchão de contenção social em um país cuja pobreza crescia.
Em meio a este cenário, a violência civil também aumentava. A “guerra suja”
(CALVO, 2010) ganhava um novo nível de bandolerização, e as taxas de sequestros e
homicídios ganhavam o posto de mais altas da América Latina e da história
colombiana. Após a relativa hegemonia de Escobar haver durado alguns anos sobre o
narcotráfico colombiano, na década de 1990 surgem competidores ao Cartel de
Medellín, cujo maior exemplo foi o Cartel de Cali, sob o comando dos irmãos
Rodríguez Orijuela. Entre os dois maiores carteis colombianos, ocorreu violenta
disputa armada nos primeiros anos da década. Em 1993, Escobar é assassinado por
forças estatais, em uma operação que contou com apoio de forças policiais, das
Forças Armadas e com a colaboração de setores paramilitares e do Cartel de Cali
(CALVO, 2010).
Não apenas o narcotráfico se havia consolidado como força exponenciadora da
violência civil, mas a guerrilha teve grande crescimento, com a conquista de novos
territórios (LOZANO, 2006). Ao mesmo tempo e principalmente, cresceu o poder dos
paramilitares. Consolidados e unidos sob a égide das Autodefensas Unidas de
Colômbia (AUC), sob o controle de Carlos Castaño, os grupos paramilitares cresceram
em termos de poder de fogo e território em espaços como Urabá (Antioquia),
Santander e no sul de Sucre – localidades estratégicas para o translado da coca,
plantada no sul colombiano, para o Caribe, por onde a droga é transportada para os
Estados Unidos. Neste mesmo período, os grupos paramilitares expandiram seu
controle sobre a produção, transporte e distribuição de cocaína – colocando-se,
definitivamente, como atores relevantes no narcotráfico colombiano.
De acordo com Calvo (2010), cresciam também as relações de corrupção entre
os grupos paramilitares e as instituições políticas. Alvaro Uribe, que teria a presidência
da Colômbia entre 2002 e 2010, à época era governador de Antioquia e logo começa a
legalizar grupos de segurança privados, sob a égide do que denominou de Convivir. A
partir de então, aumenta consideravelmente o número de camponeses deslocados, e
Antioquia bate recordes nacionais de deslocados e de homicídios (HYLTON, 2010). As
forças paramilitares são presentes na realidade colombiana desde a primeira metade
do século XX. Devido à fragmentação territorial, nunca haviam se unificado. Nos anos
1990, entretanto, a força paramilitar é unificada, e passam a atuar como agentes de
distribuição de riqueza e de geração de emprego. Entre 1997 e 2000, duplica o
número de paramilitares no país (HYLTON, 2010, p.137). Neste processo, o
narcotráfico foi o principal instrumento de capitalização.
De acordo com Hylton (2010, p. 139),
“Nas fronteiras urbanas e agrárias, prevaleceu o individualismo anárquico e fragmentado sob uma economia de guerra capitalista e liberal, que tinha no crime organizado, na violência, na intimação e na eliminação física da esquerda ampla o eixo central por meio do qual a energia antissocial se transformou em valor. As máfias da cocaína injetaram sangue novo nas velhas elites latifundiárias do campo, transformaram os dois partidos tradicionais em sistemas de apoio a esse estado de coisas e revitalizaram o latifúndio como concentração geográfica do poder político e econômico nas regiões e nos municípios”.
Ao mesmo tempo, a repressão estatal – como já mencionado anteriormente,
intimamente conectada com os grupos paramilitares – crescia. Entre 1995 e 1996, nos
departamentos de Guavire, Caquetá e Puntamayo ocorreu a Operação Esplendor,
espécie de antecedente do Plano Colômbia, que contou com fumigações de
plantações e intervenção militar e policial.
O governo de Andrés Pastrana (1998-2002) seguiu em linha semelhante: entre
1999 e 2000, realizou tentativas de acordos de paz com as FARC-EP e com o ELN; as
tentativas, entretanto, fracassaram, pela falta de adesão aos acordos por parte das
Forças Armadas e dos grupos paramilitares. Tais fatos mostraram que o regime
bipartidarista perdera grande parte de sua legitimidade frente a novos polos de poder,
como os narcotraficantes e os paramilitares. Iniciou-se, com isso, novo ciclo de guerra
e paz, em que as três forças presentes no conflito não estavam dispostas a ceder
recursos ou territórios. Em 1998, os Estados Unidos entrariam com mais força na
contenda, pois neste ano é assinado o Plano Colômbia I.
Desta maneira a Colômbia adentra no século XXI: com o narcotráfico como
fenômeno consolidado, em um conflito entre três forças cujas fronteiras entre si eram
tênues em função da disputa por capital e instrumentos de violência; com um Estado
em desmonte, cujo último baluarte eram as Forças Armadas; com uma crise
econômica, na qual a exportação de produtos psicoativos garantia a entrada de capital
estrangeiro no país, e com o colapso da base agrícola, cuja última força era o cultivo
de coca pelas guerrilhas, pelos grupos paramilitares ou pelos narcotraficantes.
Frente a isto, cabe a retomada de alguns conceitos e tipologias desenvolvidas
por intelectuais a respeito do narcotráfico e da realidade colombiana.
Gonzalo Sánchez (1990; 2000), em seu trabalho, desenvolve a tese de que a
violência é o eixo ordenador-desordenador da sociedade colombiana. Para o autor,
desde o século XIX, o país viveu uma multiplicidade de violências, que variam
conforme origem, objetivo, estratégia, geografia e modus operandi. Conforme discutido
anteriormente, as guerras do século XIX, para o autor, foram instrumento de inserção
do cidadão na vida política e a construção da burocracia estatal; o período de La
Violencia e ocorreu imediatamente depois foi denominado pelo autor como politização
da guerra, já que aparecem aí lutas classistas e novas identidades coletivas, com
especial destaque para as guerrilhas como as FARC-EP e o ELN. Gonzalo Sánchez
cria uma terceira categoria/tipologia para caracterizar o momento que a Colômbia
viveu nas últimas décadas. De acordo com o historiador, trata-se da bandolerização da
guerra. Não há mais diferenciação entre a violência política e a criminalidade comum.
Assim, complementa ele, os cultivos ilícitos e os narcotraficantes, inseridos em outros
processos como o paramilitarismo e a existência de guerrilhas, deram corpo a um
novo processo de colonização no país. Afinal, com este processo, há o que chama de
crise social pela violência, já que esta deixa de ser eixo ordenador positivo, como fora
antes, e passa a ser eixo desordenador. Com isso, o narcotráfico substitui e
transforma formas de comercialização e acumulação, já que a ilegalidade passa a
reinar no país. Por isso, “É uma sociedade, antes de ter a possibilidade de formular
qualquer projeto de unidade ou de ordem nacional, está submetida a um permanente
processo de negociação da desordem” (SÁNCHEZ, 2000, p. 284).
Murillo et al (1991) trazem perspectivas complementares. Para os autores, o
narcotráfico tem sido o eixo ao redor do qual têm se desenvolvido e articulado os
projetos regionais de extrema direita que não atingem o nível nacional. O narcotráfico
se infiltrou nos espaços de elites, tanto no processo de urbanização quanto na
estrutura de terrateniencia. Já Ribeiro (2000) insere o narcotráfico como produto do
novo paradigma de produção agrícola. Para a autora, houve na Colômbia violento
processo de contrarreforma agrária, que gerou a desestruturação do campesinato,
deixando-o solto e, portanto, vendo o narcotráfico como única alternativa de emprego
e renda. Por isso, a autora vê o narcotráfico, antes de mais nada, como modelo de
agrobusiness; o conceito por ela adotado de agrobusiness é o de um poder que se
estrutura na articulação de diferentes setores da economia dentro de um mesmo
negócio, e o agrobusiness ilegal, portanto, tenta forjar um novo pacto entre as elites no
sentido contrário à democratização da terra (RIBEIRO, 2000, p.42-43).
A dimensão do poder do narcotráfico é também muitas vezes debatida vis-a-vis
o poder do Estado. Para Cepik e Borba (2012), o narcotráfico colombiano é um
modelo de crime organizado conversador, que quer a conservação da ordem, ainda
que a corrompa. Para os autores, e com eles concorda Tokatlian (1994), o narcotráfico
é poder parasitário ao Estado – e jamais paralelo, predatório ou que o disputa.
Villaveces-Izquierdo (2000) tem análise complementar: para o autor, o narcotráfico é
um poder transversal tanto ao Estado colombiano quanto às guerrilhas e ao
paramilitarismo, pois atravessa todos esses mundos, ora confrontando-os e ora se
valendo dos recursos – econômicos, sociais, políticos, culturais e militares – destes.
Pode-se notar, com isso, que o narcotráfico consolidou-se na década de 1990
justamente por haver-se infiltrado nos processos sociais, políticos e econômicos dos
anos 1970 e 1980. Entre os anos 1970 e 1980, a Colômbia passou por grandes
transições em sua realidade: após abrupto êxodo rural e grave crise econômica, os
eixos fundamentais da república oligárquica e cafeeira passam a se desestruturar. Na
transição para o nascente neoliberalismo, os antigos partidos políticos perdem
legitimidade e representatividade; La Hacienda e toda a estrutura fundiária estão em
transição e disputa em função das novas fronteiras e do novo processo de colonização
– ou colonização armada. Isto em meio a um país que seguia fragmentado, com
relações de poder que permaneciam atreladas mais ao âmbito regional que ao
nacional. Neste entre-ciclo, o narcotráfico logra ocupar as brechas deixadas entre um
modelo e outro: os narcotraficantes passam a ocupar os postos de autoridade e poder
que antes pertenciam a outros locutores; frente à ausência de populismo na Colômbia,
as figuras de “paternidade”, tal como fora no resto da América Latina, não se
estenderam a nível nacional, mas permaneceram no nível regional, materializadas nas
práticas de clientelismo e caudilhismo – o que, certamente, facilitaria a ascensão dos
narcotraficantes como autoridades legítimas para as comunidades.
Com a entrada dos narcodólares e com o plantio de coca, há relativa
contenção social com relação à crise econômica. Confirmando a tese de Sánchez
(1990; 2000), a violência mostrou-se o fio condutor dos processos sociais e políticos
na Colômbia. Por se infiltrar no processo de urbanização e na estrutura de
terrateniencia, como afirmaram Murillo et al (1991), o narcotráfico esteve no cerne dos
projetos regionais colombianos. Frente à inabilidade do Estado colombiano em integrar
o território nacional, dar coesão à sociedade civil e mediar os conflitos sociais, abre-se
o espaço para o narcotráfico agir como ator político, social e econômico. Mais que isto:
o narcotráfico se aproveita, acelera e catalisa a crise e o entre-ciclo colombiano
(MURILLO et al, 1991).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como objeto de estudo o narcotráfico inserido nos processos
sociais e políticos da segunda metade do século XX do Estado colombiano. Buscou-se
entender por que o narcotráfico ganha dimensão mais complexa e profunda na
Colômbia que em demais espaços do globo. Para responder a tal questionamento,
partiu-se de relato histórico sociologicamente construído para observar em que
condições o narcotráfico se originou e consolidou no país. Com isto, concluímos pela
comprovação da hipótese.
Durante o século XIX, estabeleceram-se as bases do padrão de violência e da
estrutura fundiária, calcada no latifúndio, que perduraria na realidade colombiana até a
segunda metade do século XX. A oligarquia tardia e duradoura, somada à ausência do
populismo, legou a manutenção de estruturas de poder baseadas no clientelismo e/ou
na violência. Nas décadas de 1970 e 1980, entretanto, estas estruturas chegariam à
sua crise terminal, quando, ao mesmo tempo, ganham força o nascente
neoliberalismo, as guerrilhas e o paramilitarismo. Este processo deixaria brechas para
a ascensão de novos fatos sociais.
O narcotráfico emerge na vida política, social e econômica colombiana em um
momento de transição: do modelo oligárquico ao neoliberalismo; da república señorial
a novas formas de elites, autoridades e legitimidades; da guerra como política à
privatização da guerra. Em um país cujas relações, desde o século XIX, dependeram
da violência como fio condutor e foram regionalizadas, relativamente independentes
do Estado central, o narcotráfico vem a substituir ou complementar fenômenos
políticos, econômicos e sociais anteriores e concomitantes, em um Estado que já
estava em guerra. Mais que isto: torna-se um poder transversal ao Estado colombiano,
à guerrilha e ao paramilitarismo, aproveitando-se dos recursos que lhe cabem de cada
uma das forças.
A partir de tais observações pode-se entender por que o narcotráfico
colombiano é fenômeno social que, de maneira tão profunda, marcou e marca a
sociedade colombiana. Ao se inserir nos processos políticos do Estado colombiano em
momento de transição e entre-ciclo, ganha força para consolidar-se como parte
constitutiva da história do país. O século XXI traz-nos realidade um pouco diferente,
com a inserção de novos indicadores e fatos sociais, que não caberiam no escopo
deste artigo. Entretanto, contemporaneamente entender o Estado colombiano passa,
necessariamente, pelo entendimento do que significou, significa e como se inseriu o
narcotráfico neste país.
6 REFERÊNCIAS
CALVO, Hernando. O Terrorismo de Estado na Colômbia. Florianópolis: Insular, 2010. CAPELATO, Maria Helena Rolim. Populismo Latino-Americano em discussão. In: FERREIRA, Jorge (org). O Populismo e sua História: debate e crítica. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2001. p 125 -165.
CEPIK, Marco; BORBA, Pedro. Crime Organizado, Estado e Segurança Internacional. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 33, n.2, p. 375-405, 2012.
CUEVA, A. Desenvolvimento do Capitalismo na América Latina. São Paulo: Global, 1983. FURTADO, Celso. A Economia Latino-Americana. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. GARAY, L; SALCEDO-ALBARÁN, E. Narcotráfico, Corrupción y Estados. Cidade do México: Debate, 2012. GONZÁLEZ, F. Una mirada de largo plazo sobre la violencia en Colombia. Bajo el Volcán, Puebla, v.4, n.7, 2004. HYLTON, F. A Revolução Colombiana. São Paulo: Unesp, 2007. LOZANO, Carlos. ¿Guerra o Paz em Colombia? Bogotá: Ocean Sur, 2006.
LÓPEZ, Andrés. Conflicto Interno y Narcotráfico entre 1970 y 2005. In: DUNCÁN, Gustavo et al. Narcotrafico en Colombia: economia y violência. Bogotá: Fundacion Seguridad y Democracia, 2005.
MURILLO, Gabriel; JAVIER, Luis; BARRERA, Cristina; ROJAS, Leonardo. Narcotráfico y Política em la Decada de los Ochenta: entre la represión y el diálogo. In: ARRIETA, Carlos; JAVIER, Luis; SARMIENTO, Eduardo; TOKATLIAN, Juan. Narcotráfico em Colombia. Bogotá: Tercer Mundo, 1991. PECAUT, Daniel. En Colombia todo es permitido, menos el populismo. Revista Estudios Sociales, Bogotá, v. 50, n. 1, p. 21-24, set-dez, 2014. RAMÍREZ, William. Colonización armada, poder local y territorialización privada. Journal of Iberian and Latin American Research, Sydney, v.7, n.2, p. 63-81, 2001. RIBEIRO, Ana Maria Motta. Sociologia do Narcotráfico na América Latina e a questão camponesa. In: RIBEIRO, Ana Maria Motta; IULIANELLI, Jorge Atilio. Narcotráfico e Violência no Campo. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. SÁNCHEZ, G. Guerra y política en la sociedad colombiana. Análisis Político, Bogotá, v. 11, n.7, set. 1990. ______. Guerra prolongada, negociaciones inciertas en Colombia. Bulletin de L'institut Français D'études Andines, Lima, v. 29, n. 3, p.269-305, 2000. TOKATLIÁN, Juan Gabriel. Drogas, dilemas y dogmas: Estados Unidos y la narcocriminalidad organizada en Colombia. Bogotá: Tercer Mundo, 1994. VILLAVECES-IZQUIERDO, Santiago. Focalizando a Fluidez: as vias transversais do narcotráfico na Colômbia. In: RIBEIRO, Ana Maria Motta; IULIANELLI, Jorge Atilio. Narcotráfico e Violência no Campo. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.