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Evaluation Report EV668 July 2008

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DFID

Avaliação da Voz dos Cidadãos e Responsabilização Moçambique, Relatório Final,

Julho de 2008

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DFID

Avaliação da Voz dos Cidadãos e Responsabilização Moçambique, Relatório Final,

Fevereiro de 2008

COWI A/S Parallelvej 2 DK-2800 Kongens Lyngby Denmark Tel +45 45 97 22 11 Fax +45 45 97 22 12 www.cowi.com

Relatório N°

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Avaliação da Voz dos Cidadãos e Responsabilização

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Índice

Sumário Executivo 6

1 Introdução 13 1.2 Antecedentes 13 1.3 Objectivos e âmbito da avaliação 14 1.4 Estrutura do relatório 15

2 Metodologia 17 2.1 Selecção dos casos de intervenção 17 2.2 Métodos Usados 18 2.3 Quadro de Avaliação 19 2.4 Desafios e contrangimentos 19

3 Contexto para Voz dos Cidadãos e Responsabilização 21 3.1 Análise Contextual 21 3.2 Panorama geral do ambiente de ajuda 26

4 Resultados 29 4.1 Oportunidades, constrangimentos e pontos de entrada 31 4.2 Capacidades institucional, organizacional e individual 37 4.3 Canais para V&R: actores e mecanismos 39 4.4 Mudanças em política, prática, comportamento e relações de

poder 43 4.5 Efeitos de desenvolvimento geral 46

5 Conclusões 50 5.1 Canais, mecanismos e processos 50 5.2 Resultados e efeitos 51 5.3 Caminhos em direcção a efeitos de desenvolvimento geral 52 5.4 V&R e efectividade da ajuda 53

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6 Recomendações 55 6.1 Abordagens gerais de V&A 55 6.2 Questões operacionais 56 6.3 Diálogo sobre Políticas 58

Índice de Anexos

A1 Termos de Referência A2 Equipa de ECN de Moçambique B Metodologia C1 Análise Contextual C2 Panorama geral do Ambiente de Ajuda C3 Dados orçamentais dos doadores-GNA sobre intervenções de V&R D1 Sumário do Caso 1: DEDINA D2 Sumário do Caso 2: 7 Municípios D3 Sumário do Caso 3: Observatório de Pobreza D4 Sumário do Caso 4: Centro de Integridade Pública D5 Sumário do Caso 5: Projecto de Fundo de Uso Comunitário da Terra D6 Sumário do Caso 6: AWEPA D7 Sumário do Caso 7: Tribunal Administrativo E Lista das pessoas contactadas F Notas sobre workshops com os intervenientes G Documentos consultados

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Lista de Abreviaturas

ANEMO Associação Nacional de Enfermeiros de Moçambique MARP Mecanismo Africano de Revisão de Pares AWEPA Association of European Parliamentarians for Africa (Associação dos Parlamentares Europeus para África) OBC Organização de Base Comunitária CC Conselho Consultivo CCD Conselho Consultivo Distrital CCL Conselho Consultivo de Localidade CCPA Conselho Consultivo de Posto Administrativo CGE Conta Geral do Estado CIP Centro de Integridade Pública PFUCT Projecto de Fundo de Uso Comunitário da Terra SC Sociedade Civil OSC Organização da Sociedade Civil ECN Estudo de Caso Nacional CTA Confederação das Associações Económicas de Moçambique CTV Centro Terra Viva VCR Voz dos Cidadãos e Responsabilização CAD Comité de Assistência ao Desenvolvimento Danida Danish International Development Assistance (Assistência Dinamarquesa ao

Desenvolvimento Internacional) DFID Department for International Development (Departamento para o Desenvolvimento

Internacional) DEDINA Desenvolvimento Distrital em Nampula OD Observatório do Desenvolvimento GNA Grupo Nuclear de Avaliação Frelimo Frente de Libertação Nacional / partido no poder G19 Grupo de 19 Parceiros do Programa de Ajuda G20 Grupo de organizações da sociedade civil que participam no Observatório da Pobreza AOG Apoio ao Orçamento Geral PIB Produto Interno Bruto GM Governo de Moçambique HIV/SIDA Vírus de Imunodeficiência Humana / Síndroma de Imunodeficiência Adquirida TIC Tecnologias de Informação e Comunicação IPCC Instituições de Participação e Consulta Comunitária ITC Iniciativas de Terras Comunitárias (ex-PFUCT) KPMG Companhia internacional de consultoria/auditoria LDH Liga dos Direitos Humanos MASC Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil MDM Metas de Desenvolvimento do Milénio MICOA Ministério da Coordenação Ambiental MINAG Ministério da Agricultura ME Memorando de Entendimento MP Membro do Parlamento MMS Mudança Mais Significativa CNF Comité Nacional de Fiscalização ONG Organização Não-Governamental

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ODA Overseas Development Aid (Ajuda ao Desenvolvimento Internacional) ODAmoz Overseas Development Aid Mozambique (banco de dados) ODI Overseas Development Institute (Instituto para o Desenvolvimento Internacional) OE Orçamento do Estado OIIL Orçamento de Investimento de Iniciativa Local (fundo de 7 milhões) OMM Organização da Mulher Moçambicana ONP Organização Nacional de Professores PPA Programa de Parceiros de Ajuda PARPA Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta PES Plano Económico e Social PVS Pessoas Vivendo com SIDA PO Observatório da Pobreza PERP Plano Estratégico para a Redução da Pobreza RDC République Démocratique de Congo (República Democrática do Congo) Renamo Resistência Nacional Moçambicana / partido da oposição Renamo-UE Renamo União Eleitoral SDC Swiss Development Cooperation (Cooperação Suíça para o Desenvolvimento) SNAO Swedish National Audit Organisation (Organização Nacional Sueca de Auditoria) SNV Dutch Volunteer Service (Serviço Holandês de Voluntariado) Sida Swedish International Development Cooperation Agency (Agência Sueca para o

Desenvolvimento Internacional) SISTAFE Sistema de Administração Financeira do Estado SWAP Sector Wide Approach (abordagem de apoio sectorial) SWAP Sector Wide Approach Programme (programa de abordagem sectorial) SWOT Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats (pontos fortes, pontos fracos,

oportunidades e ameaças) TA Tribunal Administrativo TOR Termos de Referência NU Nações Unidas UNAC União Nacional de Camponeses UNDP United Nations Development Programme (Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento) UNICEF United Nations Children and Education Fund (Fundo das Nações Unidas para a Criança e

Educação) USAID United States Agency for International Development (Agência Norte-Americana para o

Desenvolvimento Internacional) USD United States Dollars (Dólar Americano) V&R Voz e Responsabilização

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Sumário Executivo Introdução O enfoque sobre Voz dos Cidadãos e Responsabilização (VCR) é parte integrante da agenda de desenvolvimento geral no contexto de boa governação. É na essência um processo político de negociação entre aqueles que detêm o poder e aqueles que procuram influenciar esse mesmo poder. Apesar de esforços tendentes a melhorar a possibilidade de as pessoas mais vulneráveis na sociedade expressarem as suas necessidades e, com parceiros governamentais fornecer os mecanismos e capacidade de resposta, não há evidência nem compreensão real da dinâmica e complexidade de factores com impacto sobre voz e responsabilização, daí a necessidade de uma análise e avaliação mais sistemática das acções em curso.1 Em Moçambique, Voz e Responsabilização (V&R) são conceitos de certo modo desconhecidos,2 sendo difíceis de traduzir – para o Português ou para o contexto sócio-político. Voz (‘voice’) é um conceito relativamente simples, tendo a ver com a expressão de preferências, opiniões e pontos de vista, ao passo que responsabilização (‘accountability’) significa manter alguém ‘responsável’. O termo responsabilização é também usado como sinónimo de prestação de contas, mas neste caso mais ligado à ideia de receptividade (‘responsiveness’).

A avaliação de VCR em Moçambique decorreu de Outubro de 2007 a Janeiro de 2008. Os objectivos principais desta avaliação são:3 aferir as intervenções seleccionadas em função dos objectivos pretendidos e tirar conclusões sobre o que funciona bem e o que não funciona; aferir a relevância das intervenções visando o fortalecimento de voz e responsabilização; e realizar uma avaliação/análise geral do papel, sucessos e fracassos dos doadores no apoio a V&R. Foram realizados sete estudos de caso de intervenções de VCR seleccionadas. Os estudos de caso são elementos chave na recolha de informação sobre como V&R são postas em prática em acções financiadas por doadores. As acções de intervenção seleccionadas cobrem os níveis nacional, provincial e distrital, bem como municipal; estão representados quatro dos sete doadores-GNA; estão também envolvidos actores estatais e não estatais, bem como diferentes modalidades de financiamento.

Contexto Em Moçambique, V&R opera num quadro social e político marcado por aspectos de multi-etnicidade cultural, um legado histórico de sistema de partido único, guerra civil e profundas reformas políticas e económicas que estão a ser levadas a cabo desde os anos oitenta. A dependência estrutural do país em relação a recursos externos, que perfazem mais de cinquenta porcento do Orçamento do Estado, é parte importante do contexto em que V&R opera. A pobreza continua a ser uma realidade para a vasta maioria da população, apesar da taxa de crescimento económico que se situa na ordem dos 8%.

Alguns dos acontecimentos em curso com importância particular para V&R incluem o reforço dos mecanismos formais e informais de responsabilização, a melhoria, por exemplo, do sistema de gestão

1 Termos de Referência (TOR), Anexo A1. 2 Veja-se o Anexo C1: Análise Contextual, pp. 4-6. 3 Veja-se o Anexo A1: Termos de Referência, p. 4.

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das finanças públicas e outros mecanismos de responsabilização, o reforço da capacidade das OSCs para se envolverem no debate sobre as políticas públicas e o apoio dos doadores ao fortalecimento de V&R dos cidadãos através do seu patrocínio a reformas no sector da justiça, função pública, Parlamento, elaboração de estratégias anti-corrupção e apoio ao Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP). Os riscos que se colocam a V&R em Moçambique têm a ver com o legado histórico, caracterizado por um sistema partidário bipolarizado, com um campo reduzido para a concorrência e participação política; as relações culturais, que inibem grupos marginalizados, como as mulheres e vítimas de HIV/SIDA, de expressarem as suas preferências e exigirem a prestação de contas por parte dos seus representantes; e a difícil sobrevivência dos actores de V&R, como são os casos dos órgãos de comunicação social e OSCs, cuja sobrevivência depende da sua aliança à elite económica do partido governamental ou ao acesso a fundos de doadores.

Os doadores-GNA têm uma abordagem de certo modo comum de V&R, a qual tem como base a ideia de um quadro político liberal assente na boa governação e uma sociedade civil activa a contrabalançar o Estado. Todos os doadores fazem referência às relações horizontais e verticais de responsabilização. Vários doadores estabelecem uma relação directa entre V&R e um enfoque acrescido sobre a corrupção. Todos os doadores colocam ênfase sobre a existência de um conjunto de desafios políticos no contexto moçambicano. Há uma percepção geral da fraqueza do Governo em termos de capacidade para assegurar uma gestão eficiente das finanças públicas e também se mencionam as possibilidades e restrições do quadro político. Também se faz referência à relativamente fraca capacidade da sociedade civil. As canalizações de ajuda a Moçambique podem aumentar durante os próximos quatro anos e tornarem-se organicamente mais integradas nas finanças públicas. O montante global dedicado ao Apoio ao Orçamento Geral (AOG) em 2007 representa aproximadamente 15% do orçamento total do Estado; o apoio total prestado pelos doadores a Moçambique ultrapassa os 50% do orçamento do estado.

Resultados As oportunidades, constrangimentos e pontos de entrada para V&R foram considerados processos interligados. A análise mostrou que a distinção entre oportunidades e pontos de entrada nem sempre é muito nítida. Pontos de entrada são oportunidades que já foram exploradas e oportunidades são potenciais pontos de entrada. Por outro lado, os constrangimentos podem ser ultrapassados e transformados em oportunidades ou pontos de entrada. Durante a análise tornou-se inevitável colocar o enfoque sobre inúmeros constrangimentos que se colocam à observância total de V&R e apenas poucas oportunidades (ou seja, pontos de entrada) foram identificadas. Contudo, tendo em conta que constrangimentos são também potenciais oportunidades ou pontos de entrada, é também importante analisar os constrangimentos e aprender a partir das dificuldades enfrentadas a encontrar novas formas de promoção de V&R. As oportunidades foram identificadas no relativamente favorável ambiente legal, onde questões como anti-corrupção, direitos humanos e equidade de género são oficialmente expressas. A existência de uma sociedade civil diversificada também oferece uma oportunidade para a promoção de V&R. A harmonização e articulação dos doadores oferecem mecanismos de financiamento conjunto e revisão do enfoque sobre a responsabilização. O apoio a mecanismos formais e informais de fiscalização oferece um excelente instrumento para a sociedade civil exigir a prestação de contas por parte do governo. A crescente disponibilidade de informação fiável bem como a descentralização política e administrativa abrem ainda mais oportunidades. Os esforços visando o desenvolvimento de capacidades fortalece tanto a procura como a oferta. A descentralização política e administrativa ora em curso oferece aos cidadãos – em particular às mulheres – nos municípios e zonas rurais oportunidades para, de forma activa, levantarem as suas preocupações e interagir com o governo. Os constrangimentos para V&R identificados foram a pobreza, a fraca governação e a corrupção

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crescente, bem como o sistema eleitoral peculiar, em que os cidadãos votam em listas partidárias em bloco e os Membros do Parlamento (MP) prestam contas junto dos seus partidos e não junto dos eleitores. A fraca responsabilização horizontal, ou seja, a falta de coordenação entre os três poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo) é um constrangimento, uma vez que as acções de V&R parecem estar isoladas umas das outras. O acesso à informação é limitado por isolamento geográfico e alta taxa de analfabetismo. O enfoque dos doadores sobre os processos governativos, à luz da Declaração de Paris, ameaça o apoio a uma sociedade civil independente com papel na advocacia e fiscalização. O facto de muitas OSCs não terem estruturas internas democráticas cerceia o seu âmbito em termos de uma verdadeira participação na advocacia por procedimentos democráticos. A cultura de obediência às autoridades, em especial em zonas rurais, limita o engajamento activo dos cidadãos em V&R, uma vez que o relacionamento com o Governo é na essência percebido como uma relação patrono-cliente. Por último, mas nem por isso menos importante, figura a plataforma para a participação activa da mulher nos fora públicos, criada pelo discurso político a favor da igualdade do género. Alguns dos pontos de entrada mais importantes que foram identificados são: o processo de descentralização, acompanhado pela disponibilidade do fundo de desenvolvimento de 7 milhões de meticais, bem como os Observatórios da Pobreza/Desenvolvimento criados para monitorar a implementação do PARPA.

A avaliação de VCR constatou que, na maior parte das intervenções que integram o corpus de estudos de caso, os modelos de mudança subjacentes assentam na presunção de que a fraca capacidade leva à fraca participação, isto é, falta de voz activa e falta de capacidade para exigir a prestação de contas às instituições do Estado. Como consequência, as actividades têm estado viradas para o desenvolvimento de capacidades: a capacidade do Tribunal Administrativo para analisar a Conta Geral do Estado e fazer a auditoria financeira de instituições governamentais, municipais e empresas públicas; o desenvolvimento da capacidade dos MP, Comissões de Trabalho e técnicos do Parlamento pela AWEPA; a capacidade organizacional interna e externa do Centro de Integridade Pública (CIP); a organização de Observatórios do Desenvolvimento; e desenvolvimento de capacidades dos cidadãos rurais para participarem nas Instituições de Participação e Consulta Comunitária (IPCCs), levado a cabo pelo Desenvolvimento Distrital em Nampula (DEDINA). Contudo, estas iniciativas têm enfrentado alguns constrangimentos, por exemplo, em temos de retirada de financiamento. A falta de sinergia entre iniciativas paralelas de intervenção no âmbito de V&R é outro constrangimento ao fortalecimento da capacidade para V&A, tal como a falta de seguimento, por exemplo, da informação sobre corrupção dentro do aparelho do Estado, onde é raro que alguém seja responsabilizado por acções de corrupção ou seja levado à barra da justiça.

A tendência para se colocar enfoque sobre o apoio directo ao orçamento reforça o facto de a assistência dos doadores constituir essencialmente uma relação de governo-para-governo, o que tem implicações sobre o enfoque e natureza das iniciativas de V&R; e de modo mais específico, sobre as abordagens e opções tomadas no apoio aos actores e mecanismos. Os estudos de caso representam intervenções de V&R visando actores estatais e não estatais, bem como a interacção entre estes dois grupos. Os exemplos mostram que as acções visando o apoio a actores, se não forem integradas num contexto mais amplo que evite a exclusão de outros actores, podem não ser efectivas ou, na melhor das hipóteses, podem produzir algo mas sem efeitos notáveis. Há uma tendência para se colocar enfoque sobre mecanismos urbanos ou formais, menosprezando-se assim a importância de mecanismos informais (que geralmente não recebem apoio de doadores). De qualquer das formas, há problemas subjacentes que podem impedir que estas iniciativas de intervenção atinjam as suas metas. Por exemplo, os doadores estão a tomar a efectividade dos mecanismos formais como um dado adquirido e assumem que contribuir para o seu fortalecimento é contribuir para a melhoria de V&R. Esta abordagem decorre da falta de uma compreensão clara das dinâmicas concretas da política ou da necessidade de se manter

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ligado à recomendação da Declaração de Paris de se apoiar sistemas e mecanismos de âmbito nacional. A experiência ao nível local é que a voz é bastante fraca, quase apagada em termos de exigir a responsabilização das autoridades locais em matérias de planos e orçamentos. Mais ainda, existe o problema de representatividade e legitimidade dos Conselhos Consultivos (CCs), uma vez que as influências do Administrador Distrital e os interesses políticos partidários abrem espaço para a cooptação dos membros destes conselhos. Intervenções integradas, assegurando a sinergia e interacção entre acções paralelas, oferecem uma experiência positiva de apoio aos mecanismos e actores. Os doadores deviam estar conscientes dos possíveis efeitos negativos de se colocar ênfase sobre a aplicação de quadros de trabalho que entrem em conflito com os processos orgânicos da sociedade civil.

Uma vez que muitas das intervenções de V&R assentam no produto, elas tenderão a influenciar mudanças nas políticas, práticas e comportamentos e menos em termos de relações de poder, que dependem de processos políticos nacionais. Intervenções como o apoio a Observatórios de Pobreza e CCs, que são actores envolvidos na produção de políticas e fiscalização, não garante necessariamente mudanças em termos de responsabilidade do Governo e prestação de serviços públicos, uma vez que elas tendem a centrar-se sobre o fortalecimento do mecanismo em si e menos sobre os actores. Consequentemente, estruturas e mecanismos informais de poder que determinam a forma como estes órgãos na verdade trabalham podem ser postos de lado. Processos orientados para os doadores, como as revisões conjuntas, também contribuem para melhorar a responsabilização e têm impacto sobre a alocação de recursos, receitas e despesas públicas. As revisões conjuntas constituem oportunidades que permitem um maior diálogo sobre responsabilização do que revisões bilaterais, mesmo no que diz respeito às questões sensíveis, dada a influência considerável que os doadores têm sobre as decisões orçamentais, mercê do seu apoio em mais de 50% ao Orçamento do Estado. No entanto, a pressão dos doadores sobre o Governo pode levar a consequências indesejadas, por exemplo, a diluição da autoridade de actores formais de V&R, como são os casos do poder Legislativo e a sociedade civil no geral. Por exemplo, os tectos orçamentais dependem do compromisso dos doadores para financiar o défice orçamental do Estado, o que também depende da sua avaliação do desempenho do governo na execução do orçamento do ano anterior, um exercício com pouca ou nenhuma participação do poder Legislativo e da sociedade civil. O que está a faltar em termos de impacto é uma abordagem integrada que leve à identificação e fortalecimento de todos os actores relevantes envolvidos num dado processo de V&R, tendo em conta o ambiente propício e factores favoráveis e desfavoráveis com influência sobre o processo. Os doadores são parte do xadrez, uma vez que o seu papel na revisão conjunta leva a resultados positivos (maior responsabilização e disponibilização de informação) e negativos não intencionais (enfraquecimento da responsabilização formal/constitucional e omissão das reivindicações dos cidadãos). A posição dos doadores em termos de equilíbrio de poder em V&R – pelo menos em decisões sobre políticas e orçamentos, que são chave para o alcance de efeitos de desenvolvimento – é mais forte do que a posição do Legislativo e dos cidadãos em relação ao Executivo.

A tendência crescente de se canalizar a assistência nacional através de apoio directo ao orçamento é um factor que favorece uma relação íntima entre as intervenções de V&R e efeitos de desenvolvimento geral. Esta tendência é mais forte em acções apoiadas pelos Parceiros do Programa de Ajuda, que são monitoradas nos processos semestrais de revisão conjunta e são no geral implementadas por actores estatais/governamentais. No caso de intervenções envolvendo actores não estatais, o trajecto pode ser mais complexo, porque os efeitos destas iniciativas têm que ser inexoravelmente combinados com outros ao nível Estatal de modo a desencadear os efeitos de desenvolvimento necessários. As iniciativas que são aqui objecto de estudo de caso estão subdivididas em três categorias: aquelas com uma ligação explícita entre V&R e resultados de desenvolvimento (Tribunal Administrativo, OP/OD, PFUCL, DEDINA); aquelas com enfoque sobre resultados directos em voz e responsabilização, mas com efeitos previsíveis ainda que não explícitos (AWEPA); e aquelas cujo objectivo é fortalecer a capacidade dos actores para expressarem as suas preferências e/ou abordar posicionamentos dos cidadãos em relação a

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questões públicas (CIP, Projecto de Gestão Ambiental Urbana). Tendo como base os estudos de caso, pode dizer-se que, de um modo geral, existe ligação entre os resultados de V&R e os resultados de desenvolvimento, sendo que esta ligação tende a ser mais explícita naquelas intervenções que usam mecanismos governamentais (principalmente o apoio directo ao orçamento) ou envolvendo actores Estatais. Isto sustenta a crescente preocupação com a harmonização, decorrente da Declaração de Paris. Contudo, quando não se envolvem actores Estatais, a cadeia tende a ser mais complexa e os resultados podem ser difíceis de prever. O não envolvimento de actores do Estado pode limitar o impacto dos resultados das intervenções. Isto limita a voz efectiva e também reduz as possibilidades de uma responsabilização efectiva. Por isso, para se obterem efeitos directos em V&R, os doadores têm que encontrar formas de apoiar canais Estatais e não Estatais de V&R, assegurando-se assim que os mecanismos necessários sejam criados e funcionem. Mais ainda, os actores Estatais e não Estatais devem ser capazes de entrar numa interacção equilibrada e não hierarquizada, permitindo-se deste modo o erguer de uma voz efectiva dos actores sociais, combinada com uma verdadeira responsabilização dos actores Estatais.

Conclusões Em relação a canais, mecanismos e processos, voz e responsabilização são geralmente separados. Os estudos de caso mostraram que as intervenções tendem a apoiar ou a voz ou a responsabilização, tendo como base a escolha do actor e/ou o contexto em que são aplicadas. A articulação com o Governo é crucial para que a voz leve à responsabilização. Ao nível central, os mecanismos de V&R do Governo-PPA tendem a colocar enfoque sobre responsabilização ao invés de voz. Para que tenha lugar a responsabilização do Estado, é necessário que se exija a prestação de contas. É um risco que a pressão dos doadores sobre o Governo possa substituir a responsabilização do Governo perante o seu próprio eleitorado, uma vez que a responsabilização é geralmente direccionada aos doadores e menos ao Parlamento ou aos cidadãos no geral. Também constatou-se haver uma forte tendência para favorecer o apoio a mecanismos urbanos de V&R, mas, por exemplo, o OD tem oportunidade para fortalecer a V&R ao nível descentralizado. Ao nível local, as intervenções de V&R por parte de actores não Estatais no geral situam-se mais no domínio da voz do que da responsabilização. Os estudos de caso mostraram que mecanismos como IPCCs, ao nível local, e Parlamento, ao nível nacional, conferem espaço às mulheres para uma participação activa e possibilidade de expressarem as suas opiniões e prioridades. Práticas como a cooptação de membros e alocação selectiva de fundos em IPCCs estão a desequilibrar os esforços de capacitação de membros de conselhos consultivos para exigirem a responsabilização dos órgãos governamentais – a voz permanece silenciosa e não se exige a responsabilização. O conhecimento sobre processos políticos (por exemplo, dinâmicas subjacentes e relações de poder) é essencial para que se obtenha um resultado genuíno em termos de melhoria de V&R. Oferecer às mulheres oportunidades para terem voz activa é uma questão essencial em intervenções de V&R.

Em termos de resultados e efeitos, o apoio de actores de V&R deve ser enquadrado num contexto mais amplo para que tenha impacto. A responsabilização horizontal e intervenções coerentes são importantes para que isto aconteça. Para que o desenvolvimento de capacidades resulte em mudança sustentável, o modelo de mudança deverá partir de uma compreensão e análise profundas do contexto de modo a ser suficientemente claro. Os doadores têm uma oportunidade soberana para influenciar o desenvolvimento de uma sociedade civil crítica e dinâmica através de um maior apoio aos actores e mecanismos da sociedade civil. Os doadores jogam um papel importante em relação ao Governo, como parceiro que constantemente clama por práticas democráticas. O Moçambique urbano e o rural representam duas realidades distintas, sendo que as oportunidades e pontos de entrada ao nível central são melhor explorados do que no caso das zonas rurais. Apesar de haver muitos programas de desenvolvimento distrital, as comunidades rurais e actores não Estatais rurais continuam a ser menos privilegiados em

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termos de V&R; não apenas devido à existência de menos intervenções em relação às zonas urbanas mas também devido ao contexto sócio-político que é diferente. São necessárias medidas especiais para se assegurar que a mulher tenha acesso a V&R a todos os níveis.

É claramente mais fácil estabelecer a ligação ente V&R e efeitos de desenvolvimento geral em intervenções patrocinadas por PPAs do que em intervenções envolvendo actores não Estatais. O apoio a actores não Estatais não se associa facilmente aos efeitos de desenvolvimento geral. Os actores não Estatais são relativamente mais sensíveis às mudanças e tendências no ambiente político e também são dependentes da interacção com o Governo. A ligação entre as intervenções de V&R e a redução da pobreza não é muito clara. A presunção de que uma sociedade democrática oferece um ambiente propício para a redução da pobreza é amplamente reconhecida. As intervenções de V&R almejam contribuir para a edificação de estruturas democráticas. As intervenções de V&R lidam principalmente com aspectos não económicos da pobreza, por exemplo, direitos democráticos e acesso a serviços sociais e informação, mas também abrem oportunidades soberanas de acesso ao desenvolvimento económico. Políticas e planos de desenvolvimento geral influenciados por agendas internacionais orientadas para os doadores têm impacto sobre políticas de desenvolvimento e planos governamentais. Contudo, questiona-se até que ponto as relações de poder subjacentes é influenciado de modo a favorecer um verdadeiro desenvolvimento democrático. Directa ou indirectamente, as intervenções de V&R apoiadas por doadores têm estado a promover o processo democrático, ainda que haja ainda um amplo terreno para se explorarem as oportunidades que levem a uma mais activa V&R.

Em termos de efectividade da ajuda, o esforço visando a articulação e harmonização entre doadores leva a uma orientação tendenciosa a favor do governo na prestação de assistência ao desenvolvimento, o que tem impacto sobre as oportunidades para a promoção de V&R. A harmonização do apoio por parte dos doadores e as exigências acrescidas de efectividade levam ao apoio a grandes programas sectoriais, apoio ao orçamento geral e, consequentemente, presta-se menos atenção a pequenas intervenções de V&R no âmbito da sociedade civil. As intervenções de V&R são por natureza políticas e lidam com processos na sociedade. A exigência de resultados palpáveis é também extremamente relevante para o processo político, mas muitas vezes é difícil de se satisfazer. Apesar das limitações e constrangimentos identificados, constata-se um impacto positivo das intervenções de V&R apoiadas pela agenda internacional de ajuda. A responsabilização mútua é extremamente importante e representantes da sociedade civil vêem a relutância dos doadores em aplicar sanções ao Governo como uma ameaça ao desenvolvimento democrático. É importante que se assegure a apropriação das intervenções de V&R por parte de Moçambique, em especial se considerar o verdadeiro carácter político de V&R. Para o governo ouvir a voz dos cidadãos, é necessária uma verdadeira aceitação da legitimidade do seu papel numa sociedade democrática, tal como a aceitação de valores da transparência e responsabilização é um pré-requisito para se assegurar a prestação de contas do Estado.

Recomendações As recomendações são colocadas ao nível mais geral, uma vez que não é propósito deste exercício avançar com recomendações específicas sobre os casos de intervenção. As recomendações podem parecer óbvias terra-a-terra, mas oferecem uma qualificação baseada em evidência de V&R em Moçambique. As recomendações oferecem subsídios válidos para a documentação de correlações assumidas e subsídios para o desenvolvimento de estratégias específicas de V&R.

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Sobre as abordagens gerais de V&R recomenda-se que se observe que as intervenções de governo-para-governo no sector público não devem pôr de lado a necessidade de apoio a uma sociedade civil independente; que se reconheça a importância de uma análise contextual profunda de modo a compreenderem-se os mecanismos da sociedade moçambicana; e que se assegure capacidade suficiente para se levar a cabo uma análise contextual complexa e se desenhem acções adequadas de desenvolvimento de capacidades, incluindo assegurar o arquivo/histórico institucional. Mais ainda, recomenda-se que se tenham em consideração aspectos de pobreza e a necessidade de integração da questão de género em todas as intervenções de V&R.

Sobre as questões operacionais, recomenda-se que se clarifique o conceito de V&R e que se faça a categorização respectiva das intervenções de V&R, incluindo indicadores usados de modo a assegurar o seguimento das intervenções de V&R; que os doadores contribuam – no âmbito do PPAs e apoio directo ao orçamento – no desenho de programas que melhor integrem os actores envolvidos em mecanismos de responsabilização; que se preste atenção a actores e mecanismos informais; que a demanda tenha como enfoque o acesso e uso apropriado da informação disponível, incluindo a capacidade de usar essa informação de forma efectiva; que se apoie a promoção da voz nas zonas rurais; que se fortaleça a oportunidade de as mulheres influenciarem os IPCCs; que o discurso oficial a favor do género seja usado como uma alavanca para conferir voz à mulher; que a interrupção brusca na canalização de fundos e mudança de planos sejam evitadas e que as iniciativas sejam a longo prazo; que os doadores assegurem recursos financeiros para a sociedade civil, de modo a que esta desempenhe em pleno o papel de advocacia e fiscalização; que se leve a cabo uma maior harmonização e articulação no apoio às OSCs.

Em termos de diálogo sobre políticas, recomenda-se que os doadores prestem atenção à mudança na balança de poder através do apoio a intervenções de V&R que cada vez mais fortaleçam actores e mecanismos internos; que se preste atenção à cultura organizacional a todos os níveis; que os doadores mantenham não apenas uma diálogo sobre política mas também um diálogo político sobre a questão de funcionamento do sistema político e sobre a necessidade de uma sociedade civil crítica e dinâmica, como parte importante dos esforços visando garantir a existência de mecanismos de responsabilização a longo prazo.

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1 Introdução O enfoque sobre Voz dos Cidadãos e Responsabilização (VCR) é parte da agenda de desenvolvimento geral no contexto de boa governação. É na essência um processo político de negociação entre aqueles que detêm o poder e aqueles que procuram influenciar esse mesmo poder. Apesar de esforços visando melhorar as possibilidades de as pessoas mais vulneráveis na sociedade expressarem as suas necessidades e com parceiros governamentais fornecer os mecanismos e capacidade de resposta, não há evidência nem compreensão real da dinâmica e complexidade de factores que têm impacto sobre voz e responsabilização, daí a necessidade de uma análise e avaliação mais sistemática das acções de intervenção em curso.4

Em Moçambique, Voz e Responsabilização (V&R) são conceitos de certo modo desconhecidos 5, sendo difíceis de traduzir – para o Português ou para o contexto sócio-político. Voz (‘voice’) é um conceito relativamente simples, tendo a ver com a expressão de preferências, opiniões e pontos de vista, ao passo que responsabilização (‘accountability’) significa manter alguém ‘responsável’. O termo responsabilização é também usado como sinónimo de prestação de contas, mas neste caso mais ligado à ideia de receptividade. Devido à sua abrangência no contexto moçambicano, e de modo a facilitar o diálogo com intervenientes locais, esta definição foi empregue durante a avaliação de VCR.

1.2 Antecedentes Esta avaliação de VCR em Moçambique é parte de uma ampla avaliação de VCR encomendada por um grupo de parceiros nucleares do Comité de Assistência ao Desenvolvimento6 em cinco países diferentes: Indonésia, Bangladesh, Nepal, RDC e Moçambique. O Estudo de Caso Nacional (ECN) de Moçambique foi encomendado pelo DFID, ao passo que os outros ECNs são financiados pela Suíça, Alemanha, Dinamarca e Bélgica, respectivamente. Os relatórios dos cinco ECNs vão conferir subsídios a um relatório síntese a ser elaborado por uma outra equipa de consultores e apresentado na reunião de médio-termo sobre a implementação da Declaração de Paris, marcada para Setembro de 2008 em Arca, no Gana.

O ECN de Moçambique teve lugar entre finais de Outubro de 2007 e Janeiro de 2008, compreendendo duas fases principais: Fase Preparatória, que culminou com a produção de um Relatório Preliminar apresentado em Novembro de 2007. O Relatório Preliminar incluiu uma Análise Contextual e uma descrição do Ambiente de Ajuda. Um elemento chave da avaliação compreende os estudos de caso de intervenção em VRC, dos quais sete foram levados a cabo em Moçambique. A selecção dos casos de intervenção foi feita em colaboração com os representantes de parceiros do GNA e outros intervenientes interessados. A escolha teve como base um conjunto de critérios de selecção, dos quais a representação 4 Termos de Referência, Anexo A1. 5 Veja-se o Anexo cl: Análise Contextual, pp. 4-6. 6 O Grupo Nuclear de Avaliação (GNA) compreende os seguintes países: Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Noruega, Suécia, Suiça e Reino Unido.

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de doadores, cobertura geográfica e temática, bem como a disponibilidade de documentos e pessoas foram os mais importantes. Como se tornou evidente, limitação de tempo e excesso de burocracia causaram sérios problemas à selecção dos casos e acesso à informação, sendo que no final foi necessário usar uma dose considerável de pragmatismo para se superar a situação.

O ECN de Moçambique foi realizado por uma equipa de consultores, principalmente sedeados em Moçambique, tendo tido a assistência de duas pessoas de recurso, que forneceram subsídios específicos sobre os casos de intervenção estudados e análise geral.7 Ao logo da avaliação, o líder da equipa de pesquisa interagiu com o consultor externo para o controlo de qualidade e com a equipa do relatório síntese. Eles teceram comentários sobre o Relatório Preliminar e forneceram orientação em relação à metodologia aplicada. O líder da equipa também participou na reunião do GNA em Bona, de 21 a 22 de Outubro de 2007, antes do início das actividades desta avaliação.

1.3 Objectivos e âmbito da avaliação Os Termos de Referência para esta avaliação de VCR incluem um Quadro de Avaliação detalhado, esboçando em detalhe a metodologia a ser seguida. A avaliação conheceu uma preparação minuciosa em termos de análise contextual, visando perceber as condições existentes para a promoção e exercício da voz e responsabilização em Moçambique, bem como para a compreensão do ambiente de ajuda. Foi estabelecido diálogo com intervenientes chaves sobre os conceitos de voz e responsabilização de modo a estabelecerem-se as bases para a selecção dos casos de intervenção estudados.

Os objectivos principais da avaliação de VCR são8:

a) Aferir as intervenções seleccionadas em função dos objectivos pretendidos e, com base nisso, tirar conclusões sobre o que funciona e o que não funciona em relação a teorias de programa de intervenção;9

b) Aferir a relevância das intervenções no fortalecimento de voz e responsabilização no contexto específico de um país em desenvolvimento;

c) Oferecer uma avaliação/análise geral do papel, sucesso e falhas dos doadores no apoio à promoção de V&R em contextos nacionais diferentes.

A avaliação foi orientada em função de quatro principais perguntas de avaliação10:

1. Canais, mecanismos e processos de V&R. Quais são os canais concretos, isto é, actores, espaços e mecanismos apoiados por intervenções financiadas por doadores visando promover: (i) voz e empoderamento do cidadão; (ii) o fortalecimento do papel de grupos pobres e excluídos, mulheres e seus representantes em processos de governação; e (iii) a responsabilização dos

7 Para uma apresentação da equipa, veja-se o Anexo A2. 8 Veja-se o Anexo A1: Termos de Referência, p. 4. 9 Teorias sobre programas de intervenção são entendidas como modelos de mudança. 10 ODI: Avaliação da Voz do Cidadãos e Responsabilização. Quadro de Avaliação, Agosto de 2007, Anexo 1a, p. 8 e pp. 12-21.

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governantes perante os cidadãos? Como é que estes canais funcionam e em que medida eles são importantes para se conseguirem resultados de V&R?

2. Resultados e efeitos. Até que ponto as diferentes abordagens e estratégias adoptadas pelos doadores têm contribuído para fortalecer V&R em países parceiros? Em particular, quem se tem beneficiado dos efeitos de V&R como resultado das intervenções dos doadores? Quem não se tem beneficiado disso e porquê?

3. Caminhos em direcção a efeitos e impactos de desenvolvimento. De que forma é que as intervenções de V&R estão a contribuir para o alcance de metas de desenvolvimento geral, tais como a redução da pobreza, crescimento económico e Metas de Desenvolvimento do Milénio (MDMs)? Em termos específicos, quais são os principais caminhos que levam das intervenções de V&R a tais efeitos de desenvolvimento geral?

4. V&R e efectividade da ajuda. Que lições se podem tirar da experiência actual em termos de efectividade dos doadores em apoiar intervenções de V&R, com particular referência para os princípios emanados na Declaração de Paris?

A avaliação foi levada a cabo em conformidade com as considerações éticas da OECD11 sobre avaliações, mostrando sensibilidade para questões de género, crenças, usos e costumes de todos os intervenientes e foi conduzida com integridade e honestidade. Os direitos e integridade dos participantes na avaliação são salvaguardados. Quando solicitado, foi salvaguardado o anonimato e confidencialidade dos informantes individuais. Mais ainda, o relatório de avaliação foi sujeito a controle de qualidade interna e externa de modo a ter-se a certeza de que satisfaz os Termos de Referência e que se seguiu o Quadro de Avaliação proposto para esta actividade.

1.4 Estrutura do relatório A estrutura do relatório segue o esboço traçado pela equipa de relatório síntese. Depois da introdução, o Capítulo 2 apresenta comentários sobre a metodologia e experiência na aplicação do Quadro de Avaliação exaustivo. Isto é seguido pelo Capítulo 3, em que se analisa o contexto sócio-político, incluindo uma análise do panorama geral do ambiente de ajuda em Moçambique. O Capítulo 4 é o capítulo central do relatório, apresentando os resultados da avaliação. A análise dos resultados está organizada de acordo com as cinco componentes principais do Quadro de Avaliação, ao passo que o Capítulo 5, que apresenta as conclusões, foi estruturado de acordo com as quatro perguntas gerais do Quadro de Avaliação. As recomendações decorrentes das conclusões são apresentadas no Capítulo 6. Os anexos oferecem informação contextual adicional, da qual especial atenção deve ser dedicada ao Anexo D, que inclui Sumários com informação sobre sete estudos de caso de intervenções de V&R.

O relatório foi elaborado por uma equipa de consultores, sendo que o seu conteúdo reflecte a opinião da equipa e não necessariamente a opinião das pessoas e agências entrevistadas ou a opinião da DFID ou do GNA.

11 Princípios do DAC para uma Ajuda Efectiva, OECD 1992.

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Por último, a equipa gostaria de endereçar os seus agradecimentos a todos aqueles que dedicaram parte do seu tempo para discutir connosco sobre V&R, forneceram informação e facilitaram o trabalho.

Obrigado!

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2 Metodologia A avaliação de VCR em Moçambique seguiu um Quadro de Avaliação exaustivo, incluindo um guião com passos detalhados sobre Estudo de Caso Nacional (ECN), proposto pelo ODI (Instituto Internacional de Desenvolvimento). O Quadro de Avaliação é extraordinariamente pormenorizado em termos de orientação metodológica sobre como avaliar V&R num contexto de ECN. A equipa usou vários instrumentos e técnicas para a recolha de informação e seguiu um processo interactivo, procurando envolver intervenientes de forma activa de modo a possibilitar a apropriação do processo e despertar interesse pela avaliação.

2.1 Selecção dos casos de intervenção Os casos estudados são um elemento chave na recolha de informação sobre como V&R são praticadas em intervenções financiadas por doadores. O critério de selecção teve em conta questões como actores do Estado ou não Estatais; componente de procura ou de oferta; mecanismos formais ou informais; diferentes níveis de actuação; representação de áreas temáticas diferentes12; modalidades de financiamento; considerações sobre representação equitativa do envolvimento de doadores-GNA; e duração da intervenção para se assegurar um corpo de evidência robusta (documentação, acesso e disponibilidade dos intervenientes durante o período de trabalho de campo). Uma descrição detalhada da metodologia seguida é apresentada no Anexo B: Metodologia.

Imperou pragmatismo no processo de selecção dos estudos de caso, uma vez que a equipa confrontou-se com uma série de limitações: falta de intervalo de tempo entre as duas fases da avaliação, em alguns casos o acesso à informação revelou-se escasso, e a necessidade de acertos logísticos. Apesar de certas limitações, as intervenções seleccionadas oferecem um misturo de actividades e características, que reflectem em grande medida o panorama de V&R no país. As intervenções seleccionadas abrangem os níveis nacional, provincial e distrital, bem como municipal, ainda que apenas tenham sido incluídos casos de uma única província e da capital. Quatro dos sete doadores-GNA estão representados na amostra e um caso é apoiado por outros doadores. Este caso foi seleccionado dada a sua importância tanto em termos da componente procura como da oferta. Foi discutida a possibilidade de se incluírem intervenções não apoiadas por doadores mas considerou-se que isso estava fora do âmbito desta avaliação. Contudo, reconhece-se que isto poderia oferecer uma oportunidade de se olhar para verdadeiras actividades da voz.13 Estão representados actores Estatais e não Estatais, ainda que as intervenções seleccionadas sejam tendenciosas, privilegiando mecanismos de fiscalização ao nível central. Como consequência, essas intervenções tendem a fornecer mais informação sobre responsabilização do que sobre voz. A disponibilidade e tempo não permitiram a inclusão de mais casos rurais, tal como as intervenções implementadas por ou através de OSCs, ONGs e OBCs não estão representadas tal como se desejaria. Estão representadas diferentes modalidades de financiamento no seio das intervenções seleccionadas, por exemplo, apoio a projectos e financiamento através do saco comum, mas a discussão sobre o apoio geral e sectorial é incluída através da Análise Contextual e da informação prestada por informantes chave. 12 Foresti, Marta et.al. Evaluation Citizens' Voice and Accountability. Intervention Analysis: results ad implications for the evaluation framework, ODI, Março de 2007. 13 Um exemplo disto pode ser o movimento de regressados da antiga Alemanha do Leste, que há uma década disputam com o Governo de Moçambique a libertação dos seus fundos de reforma.

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Os sete casos estudados são:

Caso Actividades chave focalizadas pela avaliação de VCR

1 DEDINA – Desenvolvimento Distrital em Nampula

Desenvolvimento da capacidade dos conselhos comunitários locais

2 Gestão Ambiental Urbana em 7 municípios Estabelecimento/desenvolvimento de mecanismos para a participação de comunidades urbanas

3 Observatório do Desenvolvimento (Observatório da Pobreza)

Monitoria do PERP / planos de desenvolvimento provincial por actores governamentais e não governamentais

4 Centro de Integridade Pública Organização de fiscalização com enfoque sobre anti-corrupção

5 Projecto de Fundo de Uso Comunitário da Terra14 Conferir a pequenos proprietários direitos e acesso à terra

6 Formação de Parlamentares Responsabilização dos Parlamentares

7 Apoio ao Tribunal Administrativo Melhoria da informação / documentação disponível sobre o desempenho do governo

A descrição das intervenções seleccionadas é feita no Capítulo 4: Resultados, e um panorama geral detalhado das intervenções seleccionadas são apresentados no Anexo B: Metodologia.

2.2 Métodos Usados Nesta avaliação foram usados vários instrumentos e métodos, os quais foram escolhidos em função da sua aplicabilidade específica. A combinação de diferentes métodos permitiu o cruzamento e triangulação de informação. Tanto quanto possível, foi aplicado o princípio de trabalho conjunto e de forma estreita em sub-equipas. Esta abordagem permitiu que se conseguisse consistência e troca de conhecimento e informação. A equipa começou com os estudos de caso através da discussão do modelo de mudança e, em particular, sobre o que a equipa entendia serem as presunções subjacentes para o caso. Isto permitiu à equipa procurar e obter informação relevante em fontes de dados secundárias e através de entrevistas.

Os métodos usados na recolha de informação podem ser categorizado em quarto grupos principais:

• Revisão de literatura e páginas electrónicas, incluindo pesquisa de dados estatísticos • Entrevistas a informantes (chave) • Visitas de campo • Discussão e análise

14 Depois da conclusão do trabalho de campo deste ECN, o projecto mudou de nome, passando a designar-se ITC (Iniciativas de Terras Comunitárias). No entanto, neste relatório mantém-se o uso do termo PFUCT.

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Uma descrição detalhada dos métodos usados é apresentada no Anexo B: Metodologia.

A equipa empregou uma série de técnicas de recolha de dados: mind mapping, análise SWOT, Mudanças mais Significativas (MMS), triangulação de informação, entrevistas semi-estruturadas a informantes chave e informantes dos estudos de caso, bem como discussões em grupos focais e workshops participativos. Foram elaborados guiões e matrizes de entrevistas, os quais foram usados durante as entrevistas a informantes chave e informantes dos estudos de caso. 15

2.3 Quadro de Avaliação Constituiu um desafio contrabalançar a complexidade do Quadro de Avaliação exaustivo em relação ao tempo disponível para a avaliação. Foi dedicado muito esforço à elaboração do quadro de trabalho – e foi necessário muito esforço para captar e gerir muitos detalhes. O Quadro de Avaliação oferece uma descrição pormenorizada da abordagem seguida. Foram necessários recursos para se proceder à análise cruzada compreendendo cinco componentes principais e quatro perguntas nucleares de pesquisa, uma vez que eles se sobrepõem. Quando se acresce ainda mais o terceiro nível de lentes analíticas com os critérios de avaliação do CAD, o cruzamento de informação torna-se mais pesada ainda e deixa pouco espaço para uma interpretação independente tendo em conta o contexto específico do país. Em especial quando também se tomam em conta os princípios subjacentes de uma teoria flexível e abrangente e ainda a abordagem assente em evidência e resultados. O quadro analítico poderia ter sido simplificado e teria menos sobreposição se tivesse compreendido apenas duas dimensões e poucas repetições.

O Quadro de Avaliação ofereceu um guião com passos detalhados a seguir na implementação do ECN, o que foi muito útil, mas em alguns momentos é demasiado detalhado. Por exemplo, a orientação sobre como conduzir workshops mostrou ser pouco prática, uma vez que o contexto específico e a dinâmica de composição de um dado interveniente é que devem determinar a forma como os workshops devem ser conduzidos.

Há um desequilíbrio entre recursos investidos na elaboração do Quadro de Avaliação e o tempo disponível para o ECN. A ênfase sobre a condução de uma avaliação assente na evidência deveria, em princípio, ter maior consideração para com o tempo necessário para a recolha de dados empíricos válidos. O processo foi precipitado e não há dúvidas de que a avaliação teria beneficiado imenso se tivesse havido maior flexibilidade em termos de tempo e métodos usados, ajustando-os ao contexto específico local de cada ECN.

O processo de avaliação interactiva envolvendo o grupo de doadores-GNA, consultores externos para controlo de qualidade e consultores para a elaboração do relatório síntese é tendencioso, pendendo para o lado dos doadores. Durante o ECN não foi estabelecido nenhum assentamento local do processo, o que é um inconveniente sério, em especial se considerar a essência do tópico da avaliação!

2.4 Desafios e Constrangimentos Em termos gerais, a maior parte dos desafios enfrentados foram ultrapassados, sendo que apenas uns poucos resistiram e tornaram-se em constrangimentos. Contudo, vale a pena concluir que maior flexibilidade em termos de sincronização poderia ter ajudado a satisfazer em pleno as expectativas sobre a cobertura geográfica, representatividade e profundidade de análise. A acrescentar aos desafios mencionados acima, os constrangimentos principais encontrados foram:

15 Guiões de entrevistas apresentados em anexo ao Relatório Preliminar, Novembro de 2007.

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• Tempo limitado e início tardio do ECN em Moçambique • Colaboração dos doadores-GNA e falta de conhecimento prévio sobre a Avaliação VCR • Limitação dos estudos de caso em termos de cobertura geográfica e de doadores • Acesso à informantes e à informação • Logística • Complexidade do Quadro de Avaliação

Uma descrição detalhada dos desafios e constrangimentos é apresentada no Anexo B: Metodologia.

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3 Contexto para Voz dos Cidadãos e Responsabilização O contexto que configura a voz e responsabilização é caracterizado por um conjunto de aspectos económicos, políticos e sociais decorrentes do passado histórico do país e a sua peculiar dependência em relação a recursos externos. Para trazer estes elementos à luz, este capítulo centra-se sobre duas dimensões principais do contexto global: a análise do contexto sócio-económico e do ambiente de ajuda.16

3.1 Análise Contextual A Análise Contextual integra quatro elementos fundamentais: quadro político e institucional e a sua operação efectiva, mapeamento e características chave dos principais actores, panorama social e político e acontecimentos recentes que configurem oportunidades e riscos para V&R.

3.1.1 Quadro político e institucional e sua operação efectiva Em Moçambique, V&R operam num contexto em que a Constituição estabelece que os cidadãos participam na governação democrática. Portanto, a participação é exercida através de processos formais, tais como eleições, através de Instituições de Participação e Consulta Comunitária (IPCCs17) aos níveis distrital e sub-distrital, e também através de diferentes instituições informais (por exemplo, líderes tradicionais, fora locais, e comités de desenvolvimento comunitário) ao nível local. Aos níveis distrital e sub-distrital, estas instituições não garantem necessariamente uma participação efectiva dos cidadãos na governação, dado o seguinte:

• A sua representatividade é questionável e como tal não é legitimada pelos cidadãos e seus membros não prestam necessariamente contas junto dos cidadãos;

• Assentam num modelo centralista do topo à base, com uma considerável influência governamental; • Há elos fracos entre organizações de base comunitária e estruturas governamentais de tomada de

decisões; • Há uma fraca cultura democrática dado o facto de o sistema democrático em Moçambique ainda

estar nos seus primórdios e também devido ao legado do regime de partido único. O acesso à informação é prejudicado pelo facto de o papel informativo e de fiscalização dos meios de comunicação social ser limitado por factores económicos e de capacidade técnica; os meios de comunicação estatais ou ligados ao governo têm maior cobertura quando comparados com os meios de 16 A versão completa dos relatórios da Análise Contextual e do panorama geral do Ambiente de Ajuda, elaborados durante a fase Preparatória e apresentados como parte do Relatório Preliminar em Novembro de 2007, são incluídos como Anexo C. Os dois relatórios foram revistos em conformidade com os comentários feitos pelo consultor de Controlo de Qualidade e pela equipa do Relatório Síntese. 17 Conselhos ou órgãos consultivos (conselhos consultivos) distritais (CCDs), dos postos administrativos (CCPAs) de localidades (CCLs).

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comunicação relativamente independentes. Barreiras linguísticas, analfabetismo e isolamento geográfico constituem impedimentos adicionais ao acesso à informação.

Os mecanismos de fiscalização são fracos, devido a constrangimentos em termos de capacidades de alguns dos actores relevantes, como o órgão Legislativo, e a deficiente integração entre os órgãos do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) no acompanhamento efectivo das decisões tomadas. Apesar do facto de os documentos de políticas governamentais (por exemplo, PES, OE e CGE) serem públicos, o acesso a eles é limitado e são demasiado técnicos para serem entendidos por cidadãos comuns e mesmo os membros do Parlamento (MPs) não têm as habilidades necessárias para analisar criticamente a informação relevante dessas políticas. Existem mecanismos informais de fiscalização18 seguidos por organizações da sociedade civil, como a Liga dos Direitos Humanos (LDH), o Centro de Integridade Pública (CIP) e o G2019 no Observatório da Pobreza (OP) .20 Contudo, a sociedade civil não é considerada um actor forte para contrabalançar o Estado. Num contexto inter-africano, o Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP) opera com enfoque sobre quatro áreas, das quais, de modo especial, a área de Democracia e Boa Governação Política com o enfoque geral sobre V&R ao procurar ‘assegurar que as constituições nacionais correspondentes reflictam o espírito democrático e propiciem uma governação claramente responsável e que a representação política seja promovida, oferecendo-se assim a todos os cidadãos a oportunidade de participarem no processo político num ambiente político livre e justo.21 Moçambique já participou em revisões de pares de outros países mais ainda não foi sujeito a uma revisão de pares.

Ainda que se advogue o princípio de separação de poderes, o Presidente da República é quem nomeia todos os presidentes do Tribunal Supremo, Tribunal Administrativo (TA), e Conselho Constitucional, bem como o Procurador-geral da República. Apesar da sensibilidade do papel constitucional do Presidente do Conselho Constitucional, que exige imparcialidade, a sua composição tem como base indigitações feitas pelos dois principais partidos, a Frelimo e a Renamo, e com uma particular vantagem do partido no poder e maior representação legislativa (Frelimo). Os poderes foram descentralizados até

18 Nesta avaliação, mecanismos formais são definidos mecanismos governamentais/Estatais previstos no quadro legal do país (leis, constituição e outra legislação aprovada). Mecanismos formais não são parte das instituições governamentais/Estatais legalmente previstas. Contudo, alguns mecanismos formais (por exemplo, autoridades tradicionais) continuam tão fracos e facilmente manipuláveis que se tornaram informais. Veja-se também a nota 20 abaixo. 19 G20 designa o grupo de organizações da sociedade civil que tomam parte no Observatório da Pobreza. 20 Apesar de ser uma iniciativa governamental com a participação do Governo, doadores e OSCs, o Observatório da Pobreza está numa situação que leva a considerá-lo um mecanismo informal de fiscalização, dado não haver obrigatoriedade de seguimento das discussões e recomendações por este produzidas. Já se deram alguns passos visando o estabelecimento de regras obrigatórias que assegurem a responsabilização mas ainda não se tomaram decisões em relação às mesmas. 21 Existem 9 objectivos chave nesta área temática, nomeadamente: Prevenir e reduzir conflitos internos e entre países; assegurar a democracia constitucional, incluindo garantir que haja concorrência política periódica e oportunidade de escolha, estado de direito, uma Carta de Direitos e supremacia da constituição são firmemente expressos na constituição; Promover e proteger os direitos económicos, sociais, culturais, cívicos e políticos tal como consubstanciado em todos os instrumentos africanos e internacionais sobre direitos humanos; defender a separação de poderes, incluindo salvaguardar a independência do Judiciário e um Parlamento efectivo; Assegurar a responsabilização, eficiência e efectividade dos funcionários do Estado; Combater a corrupção na esfera política; Promover e proteger os direitos da mulher; Promover e proteger os direitos da criança e jovens; Promover e proteger os direitos de grupos vulneráveis, incluindo deslocados e refugiados. http://www.nepad.org/aprm/

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ao nível municipal local em 1998. Ao nível provincial, espera-se que um governador nomeado pelo Presidente da República trabalhe com representantes legislativos eleitos. No entanto, as primeiras eleições legislativas provinciais foram adiadas para uma data a anunciar.

As instituições e estruturas económicas são caracterizadas por um desempenho positivo em termos de crescimento macroeconómico, mas com pouco impacto ao nível micro, ou seja, sobre a melhoria das condições de vida dos cidadãos comuns e alívio à pobreza. Reformas orientadas para o mercado implementadas nos anos 80 levaram à privatização de bens do Estado a favor de uma elite ligada ao regime monopartidário com pouca tradição de negócio. O Estado ainda continua dominante na economia através da influência exercida pelo partido no poder. O crescimento económico também assentou na enorme dependência da ajuda externa. Os doadores jogam um papel muito importante na economia e também na tomada de decisões em Moçambique, dado o seu apoio ao défice orçamental em mais de 50% do valor global. O sector formal da economia emprega apenas uma ínfima parte da força de trabalho activa, daí a predominância do sector informal, o que tem implicações na protecção dos direitos da força de trabalho a operar neste sector.

3.1.2 Características chave dos actores, panorama social e político O panorama social e político são caracterizados por um conjunto de pólos opostos: actores Estatais versus não Estatais22; nível central versus local; zona urbana versus rural. Outros factores como género e pobreza são influenciados por estes pólos opostos.

Os principais actores do Estado envolvidos em V&R são o Judiciário (incluindo o Tribunal Administrativo), o Executivo (aos níveis nacional, local e de base – por exemplo, Conselhos Consultivos – IPCCs), e o Legislativo (incluindo a Assembleia da República e as Assembleias Municipais). Os actores não Estatais são os meios de comunicação social, ONGs, partidos políticos, actores de fiscalização e sindicatos de trabalhadores. O sector privado e os doadores internacionais são também actores chave em V&R uma vez jogarem um papel central na responsabilização. Por razões históricas e institucionais, o Executivo é o actor do Estado mais forte; domina os processos de tomada de decisão e também influencia a forma como os outros ramos funcionam, dados os consideráveis poderes constitucionais de que goza o Presidente da República e também dada a forte influência exercida pelo partido no poder sobre o sistema como um todo. Os órgãos de comunicação social ligados ao Estado são mais informativos em relação ao desempenho positivo do governo e, tal como foi referido já, têm maior cobertura; ao passo que os órgãos de comunicação social relativamente mais independentes têm uma postura mais crítica em relação ao Estado. De qualquer das formas, a sobrevivência dos órgãos de comunicação social independentes depende ainda da liberalização da arena económica, que é dominada pelo Estado e pelas elites políticas.

22 Para mais discussão sobre actores Estatais e não Estatais, veja-se o Anexo C1: Análise Contextual, pp. 17-20. Em Moçambique, os actores Estatais mais proeminentes são representados por três órgãos do Estado: o Legislativo, o Executivo (aos níveis central e local) e o Judiciário, mas também as autoridades governamentais provinciais e distritais e os conselhos municipais são actores do Estado. Em muitos casos, os actores não estatais foram criados pelo partido no poder no âmbito do sistema monopartidário, mas hoje em dia regista-se uma crescente independência em relação à política do partido. De entre os actores não Estatais em Moçambique figuram ONGs, OBCs, organizações profissionais, sindicatos de trabalhadores, organizações da mulher e da juventude, os meios de comunicação social e partidos políticos. Outros actores importantes são os doadores internacionais e o sector privado.

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Embora haja algumas organizações da sociedade civil (OSCs) a trabalhar em questões de V&R, como a produção de políticas e monitoria orçamental através do Observatório da Pobreza, são poucas as que lidam com o papel de fiscalização de direitos cívicos e políticos (por exemplo, o CIP e a LDH). Uma gama ampla de ONGs está empenhada em projectos e programas de prestação de serviços. A sua existência depende fortemente dos fundos dos doadores e a sua razão de ser muitas vezes resume-se à necessidade de assegurar emprego do que de jogar um papel político em termos de advocacia a favor dos pobres ou defesa de direitos de certos grupos vulneráveis.

Contudo, organizações de defesa (por exemplo, de pessoas vivendo com SIDA, deficientes, crianças ou mulheres) estão a ganhar força, em especial em centros urbanos. Ao nível local, estão a emergir OBCs, mas estas são muitas vezes orientadas para as oportunidades, ou seja, as iniciativas para a sua constituição são tomadas tendo como base a disponibilidade de fundos e são muitas vezes conduzidos por um punhado de indivíduos que mais procuram emprego ao invés de serem um grupo de membros com interesses comuns. No geral as OSCs são também fortemente dependentes de fundos de doadores, o que tem impacto sobre a sua sustentabilidade e sobre o seu poder de definição de agendas.

No panorama político, as estruturas de poder informal também jogam um papel relevante, com particular destaque para as autoridades tradicionais e secretários do partido no poder. Os primeiros são líderes associados à lei consuetudinária que foi largamente usada pelas autoridades coloniais para controlar o território. Contudo, depois da independência nacional eles foram silenciados pelo regime socialista. Durante a guerra civil, algumas destas estruturas foram usadas pela Renamo para assegurar alguma legitimidade ao nível comunitário nas áreas por si militarmente ocupadas. No contexto multipartidário, estas autoridades foram resgatadas e o Governo aprovou um decreto que reconhece o seu papel como complementar à administração Estatal. Do mesmo modo, algumas estruturas usadas na era socialista ao nível comunitário, como secretários de bairro, foram também reintegradas. No entanto, este reconhecimento tende a reforçar a autoridade do partido no poder e muitas vezes estas estruturas são cooptadas por funcionários governamentais perante os quais elas de facto prestam contas. Os secretários do partido no poder ao nível local também têm autoridade considerável, sendo que às vezes passam por cima da autoridade de agentes do Estado. Grupos étnicos jogam um papel insignificante em Moçambique, onde a contradição norte-sul tem às vezes sido apresentada como uma questão étnica, embora, na verdade, seja mais uma questão de oposição de pólos urbano-rural ou central-local.

Embora a legislação tenha aberto espaço para a criação de muitos paridos políticos, até há bem pouco tempo o sistema eleitoral moçambicano mantinha uma barreira eleitoral de 5%, o que fazia com que a representação legislativa se resumisse a apenas dois partidos, a Frelimo e a Renamo-UE. 23 Os restantes pequenos partidos não jogam nenhum papel significativo no processo de produção de políticas. Daí que, fora do parlamento, os doadores aparecem como os únicos actores que mantêm o executivo efectivamente responsabilizado.

Oficialmente, a pobreza em Moçambique está a decrescer, com um crescimento do PIB de aproximadamente 8%. Contudo, este crescimento é questionado por vários académicos, os quais argumentam que, apesar do crescimento económico global, o fosso entre ricos e pobres está a aumentar e uma cada vez crescente parte da população vive na pobreza absoluta. A maioria das pessoas pobres não tem segurança económica e o decréscimo da mobilidade económica é quase igual à crescente mobilidade. O fosso de desigualdade está a aumentar, estimando-se que apenas 20% da população é que está a beneficiar do crescimento do PIB. A falta de oportunidades de emprego, em especial em zonas 23 Renamo-UE é uma coligação política integrando o partido Renamo e outros pequenos partidos.

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rurais, fraca educação e fracas redes sociais figuram entre os factores com influência negativa sobre a possibilidade de pessoas pobres lutarem contra a pobreza.24 A desigualdade económica que leva à pobreza tem claramente a ver com o desequilíbrio entre os pólos urbano-rural, onde o marco de 20% da população que beneficia do crescimento do PIB é também a parte da população que, em termos de outros indicadores da pobreza, é também privilegiada, ou seja, acesso à educação, serviços de saúde, informação e direitos. As políticas a favor dos pobres decorrentes do PARPA estão de certa forma a estimular o crescimento económico e a redução da pobreza, mas não a redução das desigualdades e exclusão. Apesar do papel que se espera que desempenhe na assistência a grupos marginalizados, como idosos, deficientes e reformados, o Ministério da Mulher e Acção Social tem sido na verdade um ministério muito apagado e a voz de muitos grupos excluídos não é ouvida nos círculos de tomada de poder.

Desde o período anterior à independência, Moçambique teve sempre um poderoso movimento de mulheres, organizadas em torno da OMM (Organização da Mulher Moçambicana), um movimento intimamente ligado ao partido Frelimo. A política oficial moçambicana está a prestar atenção a questões de género e abre espaço para uma participação activa das mulheres nos fora públicos. No entanto, devido à herança cultural e histórica, as relações de género muitas vezes privam as mulheres do direito de expressarem as suas preferências e de participarem na tomada de decisões, ainda que se reconheça algum progresso do país nesta área desde a independência. Questões de género não estão ainda integradas em áreas chave como gestão do sector público e orçamento, apesar de Moçambique ser um dos signatários da Declaração de Pequim. Moçambique tem uma percentagem de mulheres parlamentares relativamente alta (33%) e a frequência à escola por parte da rapariga está a crescer. Tal como noutros países africanos – e tendo como referência os pólos opostos urbano-rural e central-local – há tremendas diferenças entre as possibilidades oferecidas às mulheres em zonas urbanas (alfabetizadas e em termos económicos relativamente mais confortáveis) e aquelas oferecidas às mulheres que se encontram em zonas rurais, afectadas por analfabetismo e pobreza. As entrevistas com informantes dos estudos de caso indicam haver uma participação activa das mulheres rurais em IPCCs e nas discussões sobre questões de desenvolvimento local. As IPCCs oferecem um fórum às mulheres rurais para participarem activamente em discussões sobre desenvolvimento local e o discurso político geral em Moçambique favorece a participação activa da mulher.

3.1.3 Eventos recentes que configuram as oportunidades e riscos para Voz e Responsabilização

Os eventos actuais que configuram as oportunidades para voz e responsabilização são:

• Fortalecimento de mecanismos formais e informais de responsabilização, incluindo o recentemente criado MARP;

• Melhoria do sistema de gestão das finanças públicas e outros mecanismos no âmbito da implementação das reformas do sector público;

• Fortalecimento da capacidade das OSCs para se envolverem no debate público com o Governo e outras instituições públicas, através de vários projectos financiados por doadores;

24 Joseph Hanlon: 'Is Poverty Decreasing in Mozambique?', Open University, Inglaterra, Setembro de 2007.

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• Apoio prestado pelos doadores ao fortalecimento de V&R dos cidadãos, o que se traduz no apoio a reformas no sector da justiça, sector público, Parlamento, elaboração de estratégias anti-corrupção e apoio ao MARP.

Os riscos que corre a V&R no contexto moçambicano decorrem do legado histórico do país:

• A bipolarização do sistema partidário reduz o âmbito de concorrência política e mesmo de participação, e pode reduzir o espaço em que muitos actores sociais podem expressar as suas preferências e também distorce os mecanismos e processos de responsabilização;

• As relações culturais inibem os grupos marginalizados, como mulheres e vítimas de HIV/SIDA, de expressarem as suas preferências e de exigir a responsabilização dos seus representantes na promoção dos seus interesses;

• A sobrevivência de actores que jogam um papel chave em V&R, como os meios de comunicação social e OSCs, é dependente da aliança destes à elite económica do partido governamental ou ao acesso a fundos dos doadores.

3.2 Panorama geral do ambiente de ajuda O propósito principal desta revisão geral do ambiente de ajuda em Moçambique é enquadrar o apoio dos doadores a iniciativas de V&R num contexto mais geral de ajuda25 ao país.26

As principais fontes de dados usadas para esta revisão são o banco de dados da ODAmoz,27 um relatório encomendado pelo Governo de Moçambique (GM) e doadores G19, bem como páginas electrónicas dos doadores-GNA. Dados secundários e análise de documentos foram complementados por entrevistas semi-estruturadas breves e de fundo a informantes chave em embaixadas e pessoas de recurso. Não existe informação oficial ou pública sobre outros doadores, como são os casos de fundações internacionais ou doadores emergentes como a China, que está a intensificar a sua cooperação com Moçambique e com África de um modo geral.

Diferentes agências classificam as suas intervenções de forma diferente e alguns dos doadores-GNA não incluíram (todo) o apoio prestado a actores não Estatais. Dado que apenas uma pequena parte de doadores opera com um conceito e definição claros de V&R e dado que as formas de registo das intervenções no banco de dados da ODAmoz variam de doador para doador, este relatório dá apenas uma ideia indicativa do apoio dos doadores a actividades de V&R. Tendo como base a informação disponível e estimativas do banco de dados da ODAmoz, em Anexo 3 apresenta-se uma breve panorâmica do orçamento dedicado a intervenções de V&R. 28

25 Foresti, Marta et.al: Evaluation Citizens' Voice and Accountability. Evaluation Framework. Methodological Guidance for Country Case Studies, Anexo 1b, ODI, Agosto de 2007 26 O relatório completo sobre o Ambiente de Ajuda é apresentado como Anexo C2. 27 O banco de dados da ODAmoz oferece informação sobre a contribuição dos doadores em Moçambique, ainda que a fiabilidade dessa informação não seja completamente satisfatória. Os doadores declaram as suas contribuições com diferentes níveis de precisão e detalhe; nem todos os doadores declaram o quanto contribuem; e muitas vezes nessas declarações não se inclui o apoio prestado à sociedade civil. De qualquer das formas, este instrumento oferece o melhor panorama possível do apoio internacional a Moçambique. www.odamoz.org.mz 28 Ao longo da fase principal da avaliação, pediu-se repetidamente aos doadores-GNA para fornecerem a informação necessária mas os relatórios foram apenas enviados pela Bélgica, Dinamarca, Noruega e Suécia.

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Os doadores-GNA parece terem uma abordagem de certo modo comum de V&R, a qual tem como base a ideia de um quadro político liberal assente na boa governação e uma sociedade civil activa a contrabalançar o Estado. Todos os doadores fazem menção das relações horizontais e verticais de responsabilização. A responsabilização é entendida como ‘receptividade / prestação de contas’. Os doadores fazem referência à metodologias Participativas, Perspectiva do Pobre e Abordagem Orientada para os Direitos, ou seja, V&R são interpretadas como um princípio transversal e subjacente de estratégias e de apoio. Vários doadores estabelecem uma ligação directa entre V&R e um enfoque acrescido sobre a corrupção. De forma explícita, os doadores estabelecem uma ligação entre V&R e efeitos de desenvolvimento geral. O apoio à sociedade civil não é acima de tudo uma estratégia para colocar a “SC como fiscalizadora interessada em travar a corrupção” mas sim conferir poder aos cidadãos para assumirem o controle do desenvolvimento.

Todos os doadores colocam ênfase sobre um conjunto de desafios políticos no contexto moçambicano. Há uma percepção geral de que o governo tem fraca capacidade para assegurar uma gestão eficiente das finanças públicas e são também mencionadas possibilidades e restrições do quadro político. Faz-se também referência à relativamente fraca capacidade da sociedade civil.

O grupo coordenado de doadores – Parceiros do Programa de Ajuda (PAP) – é designado G19. Alguns dos principais doadores, como as instituições multilaterais das NU, USAID, Brasil, Japão e China, apoiam o Governo de Moçambique de forma bilateral. O Memorando de Entendimento (ME) sobre o Programa de Ajuda tem por objectivo melhorar a efectividade da ajuda, na linha do plasmado na Declaração de Paris, daí que, entre outros aspectos, se destaque a importância da responsabilização interna. O ME regula o processo de Revisão Conjunta, que constitui o ciclo de monitoria da execução do PARPA. A revisão conjunta é feita em função dos principais instrumentos governamentais de planificação e monitoria. Prevê-se que o PARPA seja desenvolvido e avaliado através de processos consultivos e interactivos envolvendo intervenientes políticos e económicos moçambicanos, incluindo o sector privado e a sociedade civil. O fórum para este processo é designado Observatório da Pobreza, mas ainda não se transformou num verdadeiro mecanismo para a responsabilização.

As canalizações de ajuda a Moçambique poderão crescer ligeiramente ao longo dos próximos quatro anos, embora a magnitude deste crescimento seja impossível de prever a partir da informação actualmente existente. A maior parte dos doadores está parcialmente a apoiar o PARPA através do programa multilateral de Apoio ao Orçamento Geral (AOG) do GM. O montante total canalizado ao AOG em 2007 representa aproximadamente 15% do total do orçamento do Estado. O apoio total dos doadores a Moçambique, através do AOG, programas sectoriais e projectos, ultrapassa os 50% do orçamento do Estado. Os dados disponíveis mostram haver uma clara tendência para as canalizações de ajuda estarem organicamente integradas no conjunto dos recursos das finanças públicas. Dados sobre o apoio a actores não governamentais são mais problemáticos. Dados sobre estratégias de 19 doadores analisados mostram que o volume de apoio a actores não governamentais oscila entre 10 e 15 porcento do total da ajuda. De forma consistente, as ONGs absorvem cerca de dois terços dos fundos canalizados a actores não governamentais e são em grande medida dependentes de financiamento externo. Este é especialmente o caso de OSCs que trabalham exclusivamente em iniciativas relacionadas com V&R, tais como as ‘organizações de fiscalização’. O montante geral de ajuda prestada em 2007 por doadores que registam o seu apoio na ODAmoz foi de USD 1,403,368,208. Os doadores-GNA contribuíram com 31% dos fundos.

Todas as agências do GNA prestam apoio ao orçamento geral do Estado. A principal modalidade adoptada é SWAP (abordagem de apoio sectorial). Também se presta apoio à margem do orçamento à sociedade civil e ao sector privado, mas isto representa uma pequena parte do apoio total dos doadores. No geral os doadores referem que o apoio ao GM e o quadro de cooperação desenvolvido na linha da

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Declaração de Paris estão a fortalecer a promoção e exercício de V&R. A sociedade civil não beneficia das vantagens da harmonização e articulação. Poucos doadores coordenam o seu apoio e, apesar de haver uma crescente aplicação da modalidade de financiamento através do saco comum em relação à sociedade civil, a maior parte das OSCs tem que lidar com os doadores de forma bilateral, o que as inibe de desenvolverem estratégias referentes a V&R. Neste estudo muitos doadores fizeram referência à importância de se incluir a sociedade civil na “Agenda de Paris”.

Os mecanismos de planificação, monitoria e avaliação do PARPA são apontadas como cruciais para V&R, por exemplo, o diálogo sobre políticas que acompanha o apoio orçamental e sectorial.

O apoio à vertente governativa do PARPA é tido como a base para as intervenções de V&R. Destaca-se o Apoio à Gestão das Finanças Públicas e à Reforma do Sector Público, em especial a descentralização. O desenvolvimento das capacidades das autoridades locais e IPCCs é apontado como uma componente crucial. Apenas poucos dos doadores-GNA estão directamente envolvidos no apoio ao Sector da Justiça e um pequeno número destes doadores presta apoio ao Parlamento.

Intervenções que promovem o diálogo entre o Estado e a sociedade civil, e educação cívica são definidas pelos doadores-GNA como de apoio a V&R. A auditoria social ao PARPA é um exemplo disto. Há também outros exemplos de monitoria de políticas e orçamentos de diferentes sectores ou grupos vulneráveis como crianças. Os doadores-GNA definem apenas um pequeno número de ONGs como “organizações de fiscalização”. Os doadores-GNA também apoiam ONGs que monitoram estruturas financeiras globais. O apoio aos órgãos de comunicação social é parte integrante do apoio dos doadores-GNA a iniciativas de V&R. Vários doadores-GNA apoiam programas que fortalecem Rádios Comunitárias.

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4 Resultados Este capítulo apresenta uma análise dos resultados sobre V&R obtidos a partir de sete estudos de caso, complementados com informação em primeira-mão colhida através de entrevistas a informantes chave. Tanto quanto possível, a apresentação dos resultados procura ter como base as evidências concretas obtidas no trabalho de campo realizado durante a Fase Principal da Avaliação. A Análise Contextual apresentada no capítulo anterior fornece as bases para a análise das evidências de caso sobre V&R. A informação mais detalhada foi obtida através da pesquisa de campo. É importante notar que nem toda a informação disponível está reflectida neste capítulo, mas pode ser encontrada no Anexo D: Sumário por intervenção, bem como no Anexo C: Análise Contextual. A profundidade da análise para cada estudo de caso bem como a representatividade dos casos é limitada devido às condições gerais em que esta Avaliação de VCR foi realizada. Em relação às limitações para os estudos de caso, remete-se ao Capítulo 2: Metodologia e ao Anexo B: Metodologia.

Os resultados são apresentados e analisados no quadro das cinco principais componentes do Quadro de Avaliação de VCR, a saber:

A. Oportunidades, constrangimentos e pontos de entrada B. Capacidades institucional, organizacional e individual C. Canais para V&R: actores e mecanismos D. Mudanças em política, prática, comportamento e relações de poder E. Resultados/efeitos de desenvolvimento global

Os sete estudos de caso são os seguintes:

Caso Doador(es) Agência de implementação

Local visitado

Comentários

1 DEDINA (Desenvolvimento Distrital em Nampula)

SDC (Cooperação para o Desenvolvimento)

Ibis (ONG Dinamarquesa)

Distrito de Mecuburi

O caso de DEDINA fornece resultados sobre um contexto rural em Moçambique. Este caso reflecte a articulação entre Voz e Responsabilização.

2 Gestão Ambiental Urbana em 7 Municípios

Danida MICOA Ilha de Moçambique

O Município da Ilha de Moçambique localiza-se num contexto político especial, devido à Administração Distrital paralela e do antagonismo político partidário entre os dois órgãos (administração municipal e administração distrital). Os resultados sobre VCR poderiam ter sido muito diferentes se tivesse escolhido outro município.

3 Observatório de Desenvolvimento

UNDP, UNICEF, SNV, Cooperação Italiana

Governo Provincial de Nampula

Nampula Colocou-se maior enfoque sobre o OD em Nampula, mas inclui-se também informação sobre a experiência noutras províncias, obtida a partir de entrevistas a informantes chave e

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(Observatório da Pobreza)

informantes dos estudos de caso.

4 Centro de Integridade Pública (CIP)

SDC, DFID, Danida, ASDI, Países Baixos

CIP Maputo Devido ao carácter político da instituição, os resultados referentes ao CIP são úteis para uma compreensão global da situação de V&R no contexto moçambicano.

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5 Projecto de

Fundo de Uso Comunitário da Terra (PFUCT)

DFID, SDC, ASDI, Danida, Ajuda Irlandesa, Países Baixos

KPMG Maputo Os resultados têm como base entrevistas a intervenientes organizacionais do programa. Não há ainda beneficiários disponíveis para entrevistas.

6 Capacitação de Parlamentares

UNDP, ASDI, Danida

AWEPA Maputo Infelizmente, não foram realizadas entrevistas a MPs uma vez que as formalidades necessárias para se ter acesso a eles não puderam ser satisfeitas dentro do espaço de tempo disponível. Assim, os resultados têm como base entrevistas a outros intervenientes.

7 Tribunal Administrativo (TA)

ASDI SNAO Maputo Os resultados sobre o TA são relevantes para o desenvolvimento da transparência e responsabilização horizontal no seio do sector público em geral.

4.1 Oportunidades, constrangimentos e pontos de entrada Em Moçambique, V&R operam num ambiente social e político marcado por aspectos culturais multi-étnicos, um passado histórico de sistema , guerra civil e profundas reformas políticas e económicas que estão a ser levadas a acabo desde os anos 80. A dependência estrutural do país em relação a recursos externos, que perfazem mais de 50% do orçamento do Estado, constitui parte importante do contexto em que V&R operam. Estes aspectos determinam as oportunidades, constrangimentos e pontos de entrada para V&R.

A análise mostrou que a distinção entre oportunidades e pontos de entrada nem sempre é nítida. Pontos de entrada são oportunidades que já foram exploradas, e oportunidades são potenciais pontos de entrada. Por outro lado, os constrangimentos podem ser ultrapassados e transformados em oportunidades ou em pontos de entrada. Durante a análise, centrou-se inevitavelmente sobre os inúmeros constrangimentos existentes para uma total V&R, e apenas poucas oportunidades (ou seja, potenciais pontos de entradas) foram identificadas. Contudo, tendo em conta que os constrangimentos são também potenciais oportunidades e pontos de entrada, é igualmente importante analisar os constrangimentos e aprender a partir das dificuldades enfrentadas de modo a encontrarem-se novas formas de promoção de V&R. Consequentemente, constrangimentos bem como oportunidades e pontos de entrada vão ser considerados não só neste capítulo de análise como também nas conclusões e nas recomendações no Capítulo 6.

4.1.1 Oportunidades A reforma política virada para a democracia levou ao estabelecimento de um ambiente legal relativamente favorável à liberdade de expressão. Como consequência, questões como direitos humanos, combate à corrupção, direitos de igualdade de género e abuso são parte do discurso público e são oficialmente expressos. A reforma política visando a liberalização do mercado, assente em procedimentos democráticos de juntar todos os intervenientes em processos de tomada de decisões, leva a uma plataforma relativamente estável e propícia para o reforço da oportunidade de os cidadãos expressarem as suas preferências sobre políticas públicas, monitor e avaliar políticas através da responsabilização dos funcionários ou instituições do Estado. A diversidade da sociedade civil em

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Moçambique é parte desta oportunidade e, apesar de ser fraca em termos de recursos e capacidade, a simples existência de ONGs, OSCs, organizações religiosas e de interesse é uma oportunidade para que a voz seja expressa/ouvida.

Os mecanismos de financiamento conjunto e revisões conjuntas, que foram introduzidas ao longo da última década, oferecem uma oportunidade para uma intensificação de voz e responsabilização. Isto anda de braço dado com o PARPA, a Reforma do Sector Público e outras iniciativas que se enquadram no âmbito da interacção entre os PPAs e o GM. Ainda que dominado pelos doadores e o alto nível de instituições governamentais, o enfoque sobre a responsabilização propicia a promoção de um ambiente geral de transparência e partilha de informação, o que é um pré-requisito para uma sociedade democrática. No entanto, estes mecanismos favorecem mais a responsabilização do que a voz.

Constatou-se também que a crescente disponibilidade de informação fiável (por exemplo, do Tribunal Administrativo e CIP) oferece um instrumento soberano que a sociedade civil pode usar para exigir a responsabilização do governo. Tal como discutido no Capítulo 3, a acessibilidade desta informação constitui, contudo, uma limitante à sua aplicabilidade.

A descentralização administrativa e política, que iniciou nos finais dos anos 90 e formalizada através da Lei sobre os Governos Locais29 e o estabelecimento de municípios em 33 cidades, também oferece uma excelente oportunidade para que, de forma activa, os cidadãos levantem as suas preocupações, influenciem os planos de desenvolvimento e interajam com as estruturas governamentais. A existência do famigerado fundo de desenvolvimento de 7 milhões30 ao nível distrital é também, até certo ponto, uma oportunidade que abre a possibilidade de se financiarem projectos dos Conselhos Consultivos (CCs) e associações locais.

As oportunidades para V&R são reforçadas ainda mais pela reforma do sector público e a existência de várias estruturas de consulta aos níveis comunitário (IPCCs), provincial (OD) e nacional (OP). Verificou-se que o desenvolvimento de capacidades abre uma oportunidade para os diferentes actores e mecanismos: o Tribunal Administrativo (TA), membros do Parlamento (AWEPA) e OSCs.31 No OD e OP, as organizações da sociedade civil têm beneficiado de iniciativas de desenvolvimento de capacidades através de vários projectos financiados pelos doadores.

No que concerne à promoção da voz e responsabilização das mulheres, o discurso oficial e o legado socialista oferece uma plataforma favorável a uma participação activa da mulher nos fora públicos, o que representa uma oportunidade para a equidade de género no apoio a V&R. No conjunto dos estudos 29 Lai 8/2003 e Decreto 11/2005. 30 O fundo de 7 milhões foi introduzido em 2005 e formalmente designado – orçamento de investimento de iniciativa local. Este fundo foi inicialmente introduzido com o objectivo de acelerar o desenvolvimento ao nível distrital, considerado o pólo de desenvolvimento. A intenção era disponibilizar fundos destinados a infra-estruturas sociais, mas mais tarde o Presidente da República alterou este alvo e orientou que se visasse a geração de renda, actividades de criação de emprego e produção de comida, em conformidade com a política geral de se centrar sobre a redução da pobreza através do crescimento económico. Este montante foi distribuído de forma igual por todos os distritos, mas neste momento este critério foi alterado, sendo que serão usados elementos como índices populacionais e de pobreza para se determinar o montante a alocar a cada um dos 128 distritos do país. Estes fundos são disponibilizados a indivíduos e organizações elegíveis sob forma de empréstimos com um período de reembolso bastante curto. Problemas relacionados com a selecção de beneficiários elegíveis são discutidos no Capítulo 4: Resultados e no Anexo D1: DEDINA. 31 De entre outras intervenções não incluídas no estudo de caso figura o programa MASC, financiado pelo DFID, e destinado a oferecer financiamento a OSCs.

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de caso considerados nesta avaliação, constatou-se que poucos têm um enfoque específico sobre as mulheres, nomeadamente a AWEPA (capacitação da mulher parlamentar) e DEDINA (capacitação de mulheres membros dos CCs). Importa ter em atenção estas oportunidades, que podem ser exploradas em outras intervenções de V&R, como nos meios de comunicação social, sistema de justiça, reforma do sector público e capacitação de intervenientes chave.32

4.1.2 Constrangimentos Algumas características da sociedade moçambicana constituem sérios constrangimentos a V&R. Em primeiro lugar figura o preocupante desenvolvimento em relação à pobreza. Tal como discutido no Capítulo 3, o crescimento do PIB não representa necessariamente redução da pobreza absoluta. Pelo contrário, parece estar a aumentar o fosso entre a elite urbana abastada e a maioria da população a viver abaixo da linha de pobreza nas áreas rurais. Apesar de um relativo sucesso na implementação de reformas políticas e económicas, a governação em Moçambique continua fraca e, infelizmente, a corrupção é um problema crescente e motivo de grande preocupação no debate público. O aumento dos níveis da corrupção oficial em Moçambique foi documentado pela Transparência Internacional em 2006 (tendo como base opiniões de especialistas) e pela Afrobarometer em 2002 e 2005 (tendo como base a opinião pública). O aumento da corrupção pode ser visto como resultado da deficiente responsabilização vertical e horizontal, bem como da falta de transparência na tomada de decisões.

Em condições normais, a existência de um Parlamento democraticamente eleito deveria oferecer um excelente fórum para os cidadãos exigirem a responsabilização dos políticos. Em Moçambique, o sistema eleitoral de representatividade proporcional do Parlamento tem como base a lista partidária em bloco, o que tem um impacto negativo sobre a responsabilização (do topo à base). Os cidadãos votam por um partido e não por um candidato específico, e os candidatos são nomeados pelos partidos. Como consequência, não há uma ligação directa (responsabilização) entre um MP e o seu círculo eleitoral. O partido, e não o indivíduo, é que presta contas aos cidadãos, e os MPs sentem que devem responsabilidade aos seus partidos do que aos eleitores. Por isso, os cidadãos têm dificuldade de expressar a sua voz e exigir contas aos MPs.

A fraca responsabilização horizontal entre o Legislativo (Parlamento), o Judiciário (Tribunal Administrativo, Procuradoria Geral e tribunais de justiça) e o Executivo (Governo) constitui um constrangimento a V&R. Tendo como base relatórios de inspecção e auditoria elaborados pelo Tribunal Administrativo, muitas vezes o Parlamento conclui haver demasiadas irregularidades na execução orçamental. Mas ao invés de tomar medidas consequentes, o Parlamento apenas recomenda que o Governo melhore as Contas Gerais do Estado no ano seguinte. As irregularidades não são encaminhadas à Procuradoria-geral e Tribunais Judiciais para se reforçar o estado de direito. Consequentemente, a lei não é aplicada a toda a gente de forma igual, uma vez que não se exige a responsabilização do Governo por parte do Parlamento, face a irregularidades atestadas ou má gestão dos fundos públicos. Outro exemplo que ilustra a fraqueza da responsabilização horizontal é o poder discricional que os políticos têm de limitar o acesso público a certa informação no Parlamento através do comité parlamentar de petições, que aprecia as queixas sobre as violações aos direitos dos cidadãos por parte do Estado. Todos os anos a Comissão de Petições recebe inúmeras queixas por parte dos cidadãos mas estas questões são discutidas à porta fechada em sessões plenárias do Parlamento e não se dá qualquer tipo de seguimento aos casos que vão parar à Procuradoria-geral, quando são detectados actos criminais.

32 Equidade de Género em Boa Governação, Ministério dos Negócios Estrangeiros da Dinamarca, Caixa de Ferramentas sobre Género, 2008.

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A disponibilidade e acesso à informação é uma oportunidade, mas também um constrangimento a V&R. Esta é uma questão que se põe a vários níveis. Primeiro, em relação às notícias e informação geral posta à disposição dos cidadãos através dos meios de comunicação social. Segundo, sob forma de informação relevante produzida e disponibilizada anualmente pelo Tribunal Administrativo sobre a inspecção e auditoria da execução do orçamento do Estado. Contudo, o acesso à informação de facto é apenas possível para pessoas que vivem na capital do país ou para poucas pessoas com acesso à Internet nas províncias. A esmagadora maioria dos moçambicanos que vive fora de Maputo não tem acesso a documentos sobre a Conta Geral do Estado produzidos pelo Governo nem a respectiva avaliação feita pelo Tribunal Administrativo. Mesmo em Maputo, esta informação é de acesso restrito e, na prática, só está disponível ao Parlamento. Apenas umas poucas cópias estão disponíveis na Biblioteca do Parlamento para consulta pública. No caso de IPCCs, especialmente os CCs, muitos representantes comunitários rurais são analfabetos e, como tal, têm limitações em termos de compreensão e análise de planos e orçamentos distritais. Os planos distritais dificilmente estão disponíveis ao público nos distritos. A disponibilidade de informação depende de onde e quem, mas não é sempre suficiente para garantir acesso, que pode ser cerceado por isolamento geográfico e alta taxa de analfabetismo. Como consequência, as oportunidades para responsabilização são fracas.

O forte pendor da relação governo-para-governo na assistência ao desenvolvimento (endossado pela Declaração de Paris) constitui uma ameaça indirecta à necessidade de fortalecimento do papel de advocacia (política) da sociedade civil. O forte enfoque sobre o apoio ao governo, combinado com a necessidade dos doadores de reduzir os custos administrativos e concentrarem-se em poucos projectos principais, tende a marginalizar o apoio à sociedade civil. Mais ainda, existe o risco cooptação da sociedade civil através da sua inclusão em instituições criadas pelo governo/doadores. Um exemplo disto é o Observatório da Pobreza/Observatório do Desenvolvimento, no qual a sociedade civil é convidada a dialogar, mas sem que haja nenhum compromisso de seguimento formal das questões discutidas.

A falta de uma política clara de V&R por parte dos doadores é um constrangimento, não só em termos de identificação de actividades de V&R, como também na avaliação do nível de V&R, bem como o impacto de outras iniciativas do tipo V&R. Todos os doadores-GNA implementam actividades que podem ser classificadas como intervenções de V&R dos cidadãos, ainda que muitas vezes sejam designadas participação comunitária, apoio à sociedade civil ou abordagem orientada para os direitos. Isto significa que não há uma abordagem uniforme de V&R – e, como tal, não há registo de resultados uniformes.33 No caso do projecto de Gestão Ambiental Urbana na Ilha de Moçambique, o despertar da consciência da comunidade ou mobilização visando a componente de ambiente urbano foi entendido como participação comunitária, ou seja, passar informação ou fazer consultas é visto como participação activa da comunidade, embora seja basicamente uma comunicação numa única direcção. A auscultação dos cidadãos sobre CCs e Observatórios da Pobreza/Desenvolvimento tem também sido vista como uma acção de V&R. Nos CCs do Distrito de Mecuburi e Município da Ilha de Moçambique, pediu-se aos representantes comunitários para fazerem uma listagem dos seus principais problemas e depois votarem por aqueles que considerassem prioritários. Mas isto continua a ser voz e não responsabilização.

De acordo com alguns informantes, os doadores também enfrentam constrangimentos em termos de capacidades e falta de histórico institucional. O primeiro problema decorre da necessidade de se lidar com muitas áreas ao mesmo tempo, no âmbito de uma vasta carteira de ajuda gerida pelos doadores, 33 Vejam-se os Anexos C2: Panorama Geral do Ambiente da Ajuda e C3: Informação orçamental dos Doadores-GNA sobre intervenções de V&R.

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num contexto em que há limitações em termos de força humana e pessoal especializado para cobrir as várias áreas de políticas.34 O Segundo problema tem a ver com a falta de continuidade nos projectos e nas delegações quando há movimentação/rotação de quadros; em alguns casos, as contrapartes têm que assumir papéis ad-hoc, como o de explicar aos novatos a natureza e objectivos dos projectos/intervenções. Isto pode ser um constrangimento à implementação tranquila das intervenções e mesmo à sua continuidade.

A ‘sectorização’ da sociedade civil é outro constrangimento à operação de V&R em Moçambique. Através da legislação, o Governo tenta categorizar as ONGs e OSCs como agências de implementação inseridas dentro de determinados sectores, ao invés de as considerar intervenientes políticos numa sociedade democrática. A expectativa dos governos provinciais em alguns dos Observatórios do Desenvolvimento é responsabilizar as OSCs pela implementação de actividades de desenvolvimento em sectores específicos. As OSCs e doadores criticaram o facto de governos provinciais colherem louros do desempenho positivo de OSCs em termos de satisfação de planos de desenvolvimento provincial.

Muitas organizações da sociedade civil carecem de estruturas democráticas internas, o que prejudica o seu âmbito de participação em pleno na advocacia e promoção de procedimentos democráticos. As OSCs são muitas vezes caracterizadas por uma liderança central forte, onde as estruturas internas são muitas vezes uma réplica da hierarquia governamental mas são frágeis em situações em que o líder deixa a organização. Elas também dependem de financiamento externo para a sua sobrevivência e a maior dose dos esforços é dedicada a tentativas de assegurar a sua própria sobrevivência. As expectativas dos doadores em termos de transparência interna e capacidade contabilística, que são muitas vezes altas e irrealistas, podem dispersar esforços e, indirectamente, enfraquecer o enfoque sobre actividades externas e de advocacia (). No caso dos órgãos de comunicação social, a dependência financeira em relação a recursos detidos pela classe política também constitui um problema em termos de papel destas organizações como fiscalizadoras dos direitos dos cidadãos.

Nas zonas rurais, a cultura de obediência dos cidadãos comuns em relação às autoridades, sejam elas tradicionais, governamentais ou partidárias, é em muitos casos um sério constrangimento a V&R. Ao nível distrital e sub-distrital, a participação activa dos cidadãos rurais em CCs é limitada pelo facto de a relação com as autoridades governamentais ser basicamente percebida como uma relação patrono-cliente. Os cidadãos não consideram ter o direito de exigir qualquer coisa que seja das autoridades governamentais, pelo contrário pedem favores, que podem ou não ser satisfeitos. Se satisfeitos, os cidadãos ficam agradecidos às autoridades. Isto significa que raramente se exige a responsabilização aos governos locais em relação aos planos ou orçamentos distritais e, no caso do fundo de desenvolvimento de 7 milhões, o poder discricional das autoridades para decidir é raramente questionado. A relação patrono-cliente é reforçada através da mistura de estruturas de poder tradicional e a forte rede do partido Frelimo existente nas zonas rurais.

Tal como mencionado no Capítulo 3, as mulheres são geralmente limitadas de participar activamente na tomada de decisões devido a barreiras culturais e tradicionais. Quando se toma em conta o desequilíbrio rural-urbano em termos de acesso à informação, educação e nível de pobreza, a situação da mulher rural quanto ao acesso a V&R torna-se especialmente mais vulnerável.

34 Os doadores reconhecem este problema e ultimamente têm estado a criar grupos mais especializados para lidar de forma mais precisa com as várias áreas de políticas (por exemplo, grupo de descentralização, grupo da reforma do sector público, grupo de economistas, etc.)

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4.1.3 Pontos de entrada Pontos de entrada são oportunidades já exploradas. Por isso, os pontos de entrada identificados são mecanismos que abrem caminho para a promoção de V&R dos cidadãos. O ECN, incluindo a análise contextual e os estudos de caso de sete intervenções de V&R, permitiu-nos ter uma compreensão profunda de um conjunto de pontos de entrada. Ainda que apenas dois dos pontos de entrada sejam apresentados aqui, é também importante encarar constrangimentos e oportunidades da mesma forma que os pontos de entrada. Conforme sublinhado acima, há uma relação estreita entre as três questões.

O processo de descentralização administrativa acompanhado pela disponibilidade do fundo de desenvolvimento de 7 milhões de Meticais a nível distrital e o estabelecimento de IPCCs, constituem um forte ponto de entrada para V&R. O governo central alocou fundos de 7 milhões de Meticais ao nível distrital, um fundo inicialmente destinado a infra-estruturas e mais tarde a empréstimos a organizações rurais para implementarem actividades económicas em função das prioridades governamentais actuais, como seja, a produção de comida, comércio rural, geração de renda e criação de emprego. Contudo, a existência dos empréstimos desviou a atenção dos membros dos CCs do seu papel de exigir a responsabilização das autoridades distritais em relação aos planos distritais de desenvolvimento e execução orçamental. A forte influência dos partidos políticos sobre as estruturas das IPCCs é um problema. No caso do DEDINA, onde os membros dos CCs são eleitos ao nível da base, eles são muitas vezes primeiro mobilizados pelas autoridades comunitárias com fortes filiações partidárias. Como consequência, os representantes dos CCs representam indirectamente um partido político. Num ambiente político de forte monopartidarismo, eles são portanto menos críticos em relação ao desempenho do governo. Isto levanta questões de representatividade e legitimidade das estruturas das IPCCs. Este processo é reforçado ainda mais pela cultura política de obediência reinante no Moçambique rural.

O Observatório da Pobreza/Desenvolvimento foi identificado como um ponto de entrada para V&R. Este observatório é definido como “um fórum de monitoria dos objectivos, metas e acções que tenham sido especificamente atribuídos aos sectores público e privado dentro do contexto do PARPA. Como um órgão consultivo, espera-se que o OP apoie o Governo e os seus parceiros na supervisão e coordenação, e decorre dos esforços conjuntos de todos os intervenientes”. 35 Ainda que tenha sido criado oficialmente pelo Governo, o OP/OD continua a ser uma estrutura informal para V&R, uma vez não haver nenhum quadro legal que legitime a sua existência e também por não haver seguimento formal e obrigatório das decisões por si tomadas. Ao nível provincial, o OD funciona de acordo com regras e procedimentos definidos pelo governo provincial. No entanto, a questão de representatividade e legitimidade das organizações da sociedade civil é questionável. Por exemplo, os representantes dos CCs nos ODs são os administradores distritais, não existem representantes da sociedade civil ao nível distrital. O representante do fórum de OSCs funciona de acordo com a vontade do Governo. Como uma iniciativa tendente a contrabalançar o relativo domínio do governo, as OSCs em Nampula tomaram a iniciativa de criar uma nova plataforma para a coordenação da interacção com o governo provincial. A presidência assenta numa rotação semestral de modo a evitar-se que seja manipulada pelo Governo. A plataforma de OSCs constitui um ponto de entrada para uma mais coordenada e unificada resposta das OSCs ao governo provincial. Esta plataforma pode muito bem conferir às OSCs força e posicionamento coordenado, o que é necessário para manter o governo provincial responsabilizado em matéria de planos e orçamentos de desenvolvimento.

35 "Modelo de Comunicação, proposta, UNDP, Novembro de 2007.

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4.2 Capacidades institucional, organizacional e individual Quase todos os sete casos contêm elementos de desenvolvimento de capacidades. Os modelos de mudança subjacentes assentam na presunção de que a fraca capacidade muitas vezes leva à falta de participação, ou seja, falta de voz activa e capacidade de exigir a prestação de contas às instituições governamentais. O sucesso varia de caso para caso devido a circunstâncias específicas, mas em várias intervenções os esforços pelo desenvolvimento de capacidades são considerados altamente relevantes para a criação de melhores condições para V&R. Os esforços no desenvolvimento de capacidades nos estudos de caso têm sido levados a cabo num contexto institucional ou organizacional. Intervenientes envolvidos têm-se beneficiado da capacitação ao nível individual. A sua permanência no seio das instituições/organizações é por isso importante para a sustentabilidade. Especialmente no caso de capacitação de MPs, isto tem sido questionado devido ao risco de rotação de MPs nas eleições.

4.2.1 Intervenções no âmbito de desenvolvimento de capacidades O Tribunal Administrativo joga um papel muito importante na fiscalização, uma vez que fornece os subsídios necessários para o Parlamento fiscalizar a execução do orçamento do Estado. O desenvolvimento da capacidade do Tribunal Administrativo tem estado virado para as seguintes áreas: fortalecimento da capacidade de análise da Conta Geral do Estado e auditoria financeira do governo central, províncias, distritos, municípios e empresas públicas; selecção e capacitação do pessoal; fortalecimento de sistemas e práticas de gestão interna bem como de recursos organizacionais (incluindo a introdução e consolidação do uso de TICs). A capacitação intensiva tem levado a um crescimento assinalável em actividades, expansão em termos de colocação de pessoal ao nível regional e produção de documentação relevante.

A capacitação dos MPs pela AWEPA visa melhorar a governação através do fortalecimento do Parlamento em áreas chave como capacidade de representação, legislação e fiscalização. Para se atingirem estes objectivos, os programas centram-se sobre o fortalecimento da capacidade geral dos MPs, comissões de trabalho e pessoal, facilidades de formação e informação no Parlamento e disponibilização de dados específicos a sectores e áreas prioritárias seleccionadas (por exemplo, lidar com HIV/SIDA e fiscalizar a implementação da lei que protege as pessoas que vivem com HIV/SIDA).36

O fortalecimento da capacidade organizacional no CIP foi relevante dada a falta de organizações que desempenham o papel de fiscalização, depois da extinção da Ética Moçambique, uma organização que jogou um papel crucial no combate à corrupção no país. Ao nível interno, o enfoque foi principalmente direccionado para o pessoal e criação de um sistema de gestão; ao nível externo, a atenção centrou-se sobre a promoção de discussões baseadas em evidência sobre corrupção. Os esforços resultaram na visibilidade das questões de responsabilização pública em debates públicos bem como numa melhor exigência de responsabilização e seguimento de questões levantadas por vários actores e mecanismos de V&R (por exemplo, seguimento de constatações feitas pelo TA no âmbito da avaliação da conta pública anual).

36 Lei 5/2002

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O apoio dos doadores à melhoria da capacidade das OSCs para participarem em Observatórios do Desenvolvimento é importante, uma vez haver necessidade de uma voz coordenada em relação ao governo provincial. O OD é um espaço privilegiado onde as OSCs podem envolver-se com o governo na discussão de questões de desenvolvimento, incluindo a monitoria do PARPA. O fortalecimento das capacidades dos actores de OSCs (por exemplo, a plataforma de OSCs em Nampula) para interagirem com o governo, patrocinado pelos doadores, é crucial para o reforço de V&R.

Para o projecto DEDINA, implementado pela Ibis, o desenvolvimento de capacidades é uma componente importante pois desperta a consciência dos representantes dos conselhos locais sobre o funcionamento e importância dos IPCCs, contribui na organização das comunidades rurais em associações legalizadas e elaboração de propostas para a solicitação de parte do fundo de desenvolvimento de 7 milhões. Ainda que limitado em termos de âmbito de V&R, como resultado das acções de capacitação os membros dos CCs têm conseguido encontrar espaço para influenciar a tomada de decisões, tendo, portanto, uma voz mais activa do que antes. O desenvolvimento de capacidades no âmbito do DEDINA é relevante na medida em que as comunidades rurais conseguiram compreender o funcionamento dos conselhos consultivos, sua importância no contexto de V&R e puderam perceber que estes conselhos constituem arenas privilegiadas onde eles podem veicular os seus pontos de vista. Os habitantes de zonas rurais usam os CCs para expressar as suas preferências e obter empréstimos do governo distrital. São necessárias intervenções na área de desenvolvimento das capacidades das estruturas dos CCs/IPCCs, uma vez que estes são mecanismos novos de V&R aos níveis distrital, comunitário e de base. Tendo em conta a importância das estruturas de poder informal nas zonas rurais em Moçambique, a necessidade de desenvolvimento de capacidades e despertar de consciência no seio dos comités rurais torna-se mais pertinente ainda.

4.2.2 Constrangimentos e sucessos Em termos de resultados obtidos (resultados e efeitos) no apoio dos doadores ao desenvolvimento de capacidades, pode dizer-se que as iniciativas estão a fortalecer os actores e mecanismos de V&R na interacção com o governo em processos políticos e económicos. Contudo, devido a mudanças não previstas – por exemplo, interrupções por atrasos nos desembolsos de fundos (Projecto de Gestão Ambiental Urbana), cancelamento da segunda fase (DEDINA) – algum apoio dos doados a iniciativas de capacitação e formação de actores Estatais e não Estatais envolvidos em intervenções de V&R é menos provável que seja efectivo e sustentável. As associações rurais entrevistadas sobre o projecto DEDINA referiram que se a formação sobre como interagir com os conselhos consultivos e governos distritais fosse interrompida na fase em que se encontrava, todo o esforço feito até então iria por água abaixo.

Algumas iniciativas de desenvolvimento de capacidades apoiadas por doadores e visando actores Estatais envolvidos em actividades de V&R são bem sucedidas, mas não são necessariamente efectivas devido à falta de uma abordagem abrangente e integrada. Este é o caso do Tribunal Administrativo que, depois do apoio dos doadores na sua capacitação, produz relatórios atempados para a inspecção externa por parte do Parlamento, auditoria das contas públicas e execução do orçamento do Estado. O problema surge quando o Parlamento aprova a Conta Geral do Estado, uma vez que se constatam muitas irregularidades na execução orçamental mas estas questões não são canalizadas à Procuradoria-geral e aos tribunais judiciais. O Parlamento apenas recomenda o Executivo a melhorar a execução do

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orçamento do Estado no ano seguinte. Não se dá seguimento aos casos irregulares e os funcionários e instituições não são responsabilizados pelas irregularidades cometidas. Por exemplo, as sinergias entre esta iniciativa e a iniciativa da AWEPA, ambos com apoio sueco, poderiam melhorar a capacidade geral para uma responsabilização horizontal, integrando o esforço de desenvolvimento de capacidades do Tribunal Administrativo e do Parlamento com um enfoque claro (por exemplo, assegurar que a CGE mereça uma análise apropriada e se dê seguimento às irregularidades detectadas).

O apoio dos doadores a iniciativas de advocacia (CIP) tem sido bem sucedido e efectivo, com o CIP a detectar casos de corrupção nos sectores da saúde e educação tendo como base a pesquisa aplicada. Na educação, o CIP elaborou um Código de Conduta para os professores em colaboração com Organização Nacional de Professores (ONP).

Este código será submetido ao Ministério de Educação e Cultura para a sua aprovação oficial. A ONP saiu-se bem ao levantar a sua preocupação em relação a esta questão numa das sessões do Conselho Coordenador do Ministério de Educação e Cultura. No caso do sector da saúde, o Ministério da Saúde considerou bem vinda a ideia de um Código de Conduta para os profissionais do sector. Por outro lado, muitos relatórios do CIP promovendo os direitos cívicos, políticos e sociais e revelando informação sobre actos de corrupção no seio do aparelho de Estado são publicados mas sem que se lhes dê qualquer tipo de seguimento. É raro que alguém seja responsabilizado por actos de corrupção ou que o assunto seja levado a tribunais criminais.

4.3 Canais para V&R: actores e mecanismos Em conformidade com a Declaração de Paris, os doadores estão cada vez mais a canalizar a sua assistência através de mecanismos nacionais e a confiar nas estruturas governamentais. Actualmente, 19 doadores, conhecidos como Parceiros do Programa de Ajuda (PPAs), estão a canalizar a sua ajuda através do orçamento do Estado e a promover a apresentação de relatórios e exercícios de prestação de contas, acções conhecidas como revisões conjuntas anuais e de médio termo. As revisões conjuntas são na essência processos que envolvem doadores e o Governo, mas mais recentemente organizações da sociedade civil são também chamadas a participar, embora o seu papel seja ainda muito limitado. A tendência para privilegiar o apoio directo ao orçamento reforça o facto de a assistência dos doadores ser essencialmente uma relação de governo-para-governo, o que tem implicações sobre o enfoque e natureza de intervenções de V&R; e, mais especificamente, sobre as abordagens e opções adoptadas no apoio a actores e mecanismos. Isto quer dizer que os PPAs estão a apoiar o plano governamental de alívio à pobreza (PARPA) e os mecanismos com este relacionados. Tal como discutido no Capítulo 3, isto não é necessariamente suficiente para assegurar o desenvolvimento económico a favor dos pobres, já que o fosso entre pobres e ricos tem estado a aumentar nos últimos anos. O envolvimento dos doadores em acções visando directamente as pessoas pobres tem que se situar na esfera da sociedade civil e projectos de base comunitária.

Actores incluem os diferentes agentes que participam em acções de V&R; estes subdividem-se em actores Estatais (instituições governamentais aos níveis nacional, provincial e local) ou não Estatais

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(OSCs, partidos políticos, autoridades tradicionais). Mecanismos são procedimentos, regras e processos, quer sejam formais ou informais.37

4.3.1 Actores Devido às razões apresentadas acima, os principais alvos das intervenções financiadas por doadores tendem a ser (ou pelo menos envolvem) actores Estatais. No conjunto dos sete casos estudados, apenas um é que tem como alvo um actor não inteiramente Estatal (apoio ao CIP), dois visam actores Estatais (AWEPA e o apoio ao Tribunal Administrativo) e quatro envolvem mecanismos que incluem actores Estatais e actores não Estatais (Projecto de Gestão Ambiental Urbana, DEDINA, PFUCT e Observatório do Desenvolvimento).38 Ainda que não haja razões para encarar isto como algo totalmente negativo, em alguns casos isto pode limitar a possibilidade de se criar uma capacidade real no seio de actores não Estatais para assegurar uma efectiva V&R e evitar a hegemonia dos actores Estatais no processo, com efeitos negativos no cômputo geral de V&R.

O apoio da AWEPA ao Parlamento ilustra este ponto. Este apoio visava melhorar o diálogo entre os MPs e o seu eleitorado de modo a criarem-se condições de inclusão das preferências dos eleitores na elaboração de políticas e leis. Depois da implementação das iniciativas, o produto concreto do processo foi a melhoria do diálogo e a aprovação da lei eleitoral e da lei que protege as pessoas vivendo com HIV/SIDA (PVS). No entanto, o efeito deste processo deveria ser a implementação destas políticas e as suas consequências no eleitorado. Porque o eleitorado não foi capacitado para fazer o acompanhamento da legislação aprovada, o impacto efectivo desta iniciativa foi limitado ou mesmo nulo. A outra lacuna neste projecto foi o seu enfoque sobre a capacitação dos MPs, os quais, se não forem reeleitos, vão muito provavelmente deixar o Parlamento depois do período eleitoral. Por último, as fracas estruturas e práticas de gestão no Legislativo tornaram muito difícil o desembolso e gestão dos fundos, daí que a AWEPA tivesse que centralizar as actividades de financiamento, o que por sua vez também limitou o âmbito e número de actividades que receberam o apoio.

Mais ainda, o apoio a actores não Estatais continua a ser problemático, podendo ser designado de apoio à oposição política. Um informante do grupo dos doadores contou que eles tinham desenhado um programa envolvendo instituições governamentais, uma associação profissional e OSCs, cujo objectivo era fortalecer a capacidade de organizações da sociedade civil em matéria de fiscalização e responsabilização na gestão de finanças públicas. No entanto, quando eles apresentaram a ideia junto do Governo, a reacção não foi positiva porque alguns funcionários governamentais argumentaram que o líder da organização da sociedade civil escolhida era da oposição e por isso o Governo não podia trabalhar com a organização dele. O doador acabou mesmo assim financiando o projecto mas sem a participação da agência governamental, ainda que também fosse tirar benefícios do mesmo e tivesse tornado o processo de desenvolvimento de capacidades mais efectivo.

37 Para a definição e apresentação dos actores e mecanismos, veja-se o Capítulo 3.1.2. e o Quadro de Avaliação em Anexo 1a, pp. 16-17. 38 Claro que isto não deve ser interpretado como uma evidência desta tendência, dado que o objecto não é, a parir das intervenções seleccionadas, fazer generalizações dentro de um nível aceitável de significância estatística.

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O Projecto de Gestão Ambiental Urbana da Ilha de Moçambique é outro exemplo. O projecto visava melhorar as condições de vida dos cidadãos através de uma melhor gestão do ambiente com a participação comunitária. Por causa da complexidade do ambiente político na Ilha de Moçambique – onde coabitam no mesmo espaço físico o Conselho Municipal eleito (controlado pela Renamo) e o Governo Distrital (controlado pela Frelimo) – tem sido muito difícil envolver as comunidades. Calúnias, mal entendidos e outros aspectos contribuíram para desmotivar a sociedade civil, que continua intimamente ligada a mecanismos informais criados pelo governo central. De qualquer das formas, o projecto capacitou algum pessoal municipal. Contudo, sem a participação da comunidade e sem a cooperação do governo distrital, o impacto continuará a ser fraco.

Estes exemplos mostram que as intervenções visando o apoio a actores, se não forem integrados num contexto mais amplo que evite a exclusão de outros actores, podem não ser efectivas ou, na melhor das hipóteses, podem apenas produzir resultados mas sem efeitos notáveis. A interligação e coordenação com outros intervenientes são importantes factores para o sucesso. As actividades de V&R não devem ser implementadas de forma isolada, virada ou sobre actores ou para mecanismos. Por exemplo, na questão de fiscalização e responsabilização orçamental, existe apoio ao Tribunal Administrativo, apoio ao Parlamento através da AWEPA e apoio ao CIP. Contudo, não existem mecanismos que permitam a ligação destas intervenções de forma coerente, o que poderia garantir que estes actores e mecanismos fossem reforçados de modo a coordenarem as suas actividades. Para que isto seja efectivo, os doadores deviam ter uma espécie de ‘grupo de fiscalização orçamental’ com intervenientes a seguir uma abordagem comum, na qual os produtos específicos concorrem para a produção de efeitos visíveis. No caso específico de doadores, o apoio ao Tribunal Administrativo deve andar de braço dado com o apoio ao Parlamento e outros actores. Isto deverá assegurar o uso estratégico de informação e recursos disponíveis na exigência de responsabilização ao Governo. Quando se apoiam actores, é também preciso terem-se em conta mecanismos que possam criar o ambiente propício para que este apoio seja efectivo.

Mas os doadores estão também envolvidos em experiências bem sucedidas de apoio a actores com resultados duradoiros e consequentes. Este é o caso do Tribunal Administrativo, cuja capacitação abriu caminho para a disponibilização de informação sobre a gestão pública, informação essa que pode ser usada por outros actores, como o Legislativo e outros actores, para exigir contas ao Governo. O mesmo se aplica ao CIP, uma vez que o apoio a este actor de fiscalização permitiu ao mesmo produzir e disponibilizar informação sobre integridade pública, a qual pode ser usada por outros actores.

Apenas poucos dos estudos de caso têm enfoque específico sobre a promoção da voz e responsabilização das mulheres. Tal como discutido no capítulo 3, o discurso oficial e o legado socialista oferecem uma plataforma favorável à promoção da participação das mulheres nos fora públicos.

4.3.2 Mecanismos Há uma tendência para centrar o apoio sobre mecanismos formais ou baseados nas cidades (por exemplo, Observatório do Desenvolvimento, Tribunal Administrativo, revisões conjuntas, Conselhos Consultivos), dando-se assim pouca importância a mecanismos informais (que muitas vezes não são apoiados pelos doadores). Há, contudo, problemas subjacentes que podem fazer com que estas intervenções não atinjam os seus objectivos. Por exemplo, os doadores estão a tomar a efectividade de mecanismos formais como um dado adquirido e a assumir que contribuir para o fortalecimento destes é contribuir para a melhoria de V&R. Esta abordagem decorre da falta de uma compreensão clara da

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essência da política ou da necessidade de se continuar fiel à recomendação da Declaração de Paris de se apoiarem sistemas e mecanismos nacionais.

Esperava-se que o apoio ao Observatório do Desenvolvimento (OD) permitisse levar a voz dos cidadãos para mais próximo dos tomadores de decisões e também melhorar a monitoria da implementação da estratégia para a redução da pobreza. Contudo, até ao momento, o OD tem jogado um papel bastante limitado na monitoria efectiva e as suas decisões não são obrigatoriamente seguidas pelo Governo. Em alguns casos o seu funcionamento varia de província para província e a sua abertura para V&R está dependente da vontade do seu presidente (que no caso das províncias é o Governador). Informantes reportaram diferentes situações adversas registadas nestes observatórios, desde abertura razoável a intimidações. Em alguns casos, os ODs são vistos como palcos onde se espera que as OSCs apresentem relatórios das suas actividades e contas ao Governador, ao invés do contrário.

Ao nível local, os Conselhos Consultivos são também recebidos como canais para V&R e tendem a nutrir simpatias dos doadores. Na verdade, o quadro legal que cria estes órgãos é consistente com esta expectativa. Contudo, a experiência do DEDINA é que a voz é muito fraca, quase apagada em termos de responsabilização das autoridades distritais no capítulo de planos e orçamentos. A possibilidade de acesso a financiamentos através do fundo de desenvolvimento de 7 milhões é um ponto de entrada forte para as comunidades rurais se articularem com as autoridades distritais. No entanto, esta articulação é ainda caracterizada por uma relação paternalista, ao invés de ser uma cidadania activa exigindo o seu direito de beneficiar de fundos públicos e também de exigir a responsabilização do Governo na gestão dos mesmos.

Em ambos os mecanismos, as regras para a selecção e controle da representatividade não estão claros, daí que se levantem problemas de representatividade e legitimidade. Neste contexto, aqueles que representam a voz dos cidadãos podem de facto representar outros interesses. Por exemplo, o Administrador Distrital tem o mandato de constituir os CCs e ele/ela pode indigitar os membros. Isto abre espaço para cooptação dos membros do CC, dado que eles podem não estar em posição de exigir contas ao Administrador Distrital. Apoiar estes mecanismos formais sem se conhecerem as dinâmicas informais por detrás deles pode contribuir para perpetuar a existência de canais sem voz e sem responsabilização. Por isso, é muito importante fortalecer os CCs para V&R, mas é necessário desenvolver a capacidade dos membros da sociedade civil para expressarem a sua voz e manter os funcionários do Estado responsabilizados, bem como clarificar os processos de representação, de modo a evitar-se a presença de indivíduos que não representem os interesses das comunidades mas apenas os seus próprios interesses ou de outrem (ou aqueles a quem não seja possível exigir contas).

Mas existem também experiências positivas de apoio mais integrado a mecanismos e actores de V&R.

Não obstante os problemas discutidos acima, a abordagem adoptada no fortalecimento da capacidade do Tribunal Administrativo constitui um bom exemplo. Com efeito, a Suécia e outros doadores estruturaram o seu apoio no âmbito de uma assistência mais ampla visando a melhoria da Gestão das Finanças Públicas, envolvendo o TA, a Inspecção-geral das Finanças e o Sistema de Administração das Finanças do Estado (SISTAFE). Esta abordagem representa uma combinação do apoio a actores e a mecanismos com resultados encorajadores. O SISTAFE contribuiu para a preparação e envio atempado das Contas Gerais do Estado que são analisadas pelo TA e pelo Parlamento, mas ao mesmo tempo o TA é dotada de capacidade para auditar o sector público como um actor de controle externo, ao mesmo tempo que a IGF faz o mesmo mas como um actor interno. Contudo, é necessária uma maior integração em relação a outros actores envolvidos na responsabilização horizontal, tal como se mostrou na secção anterior.

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Os mecanismos orientados para o doador, como as revisões conjuntas, ao mesmo tempo que se considera que têm efeitos perniciosos sobre a responsabilização, também podem ter efeitos positivos ou colaterais, dado que diluem a autoridade do Legislativo de exigir contas ao Executivo.

As revisões conjuntas são de longe mais exigentes em relação ao Executivo do que as audições Legislativas, dado serem mais detalhadas e baseadas em factos e por envolverem uma forte pressão dos doadores sobre o Governo, que é a aprovação das alocações do orçamento para o ano seguinte. Apesar de tudo, as revisões conjuntas estão a forçar o Governo a melhorar a qualidade de apresentação de relatórios e informação, o que é também publicado e, por conseguinte, posto à disposição de qualquer actor interessado. Nesse sentido, este mecanismo paralelo está a contribuir para V&R através da disponibilização de informação que pode ser usada para a expressão de preferências e também para manter os actores Estatais responsabilizados. Contudo, também se podem identificar algumas tendências negativas, uma vez que o enfoque dos doadores sobre a gestão orientada para os resultados (através de quadros lógicos, planos, orçamentos e procedimentos contabilísticos rigorosos) é muitas vezes contraproducente quando aplicado a processos de natureza mais orgânica existentes na sociedade civil. Outra questão importante neste contexto é a definição de indicadores sobre o envolvimento da sociedade civil, por exemplo, no Observatório da Pobreza, onde se contabiliza o número de sessões realizadas mas não se presta atenção para o verdadeiro conteúdo ou qualidade do diálogo Governo-sociedade civil.

4.3.3 Sinergia entre actores e mecanismos As intervenções dos doadores ainda se apresentam fragmentadas e não tomam em conta o facto de V&R serem um processo mútuo, e daí a necessidade de serem concebidas como um processo envolvendo actores e mecanismos múltiplos, bem como a combinação dos dois. Os casos do CIP (actor) e Tribunal Administrativo (actor e mecanismo) são ilustrativos disto. Por exemplo, critica-se a falta de seguimento das recomendações feitas pelo Tribunal Administrativo e adoptadas pelo Parlamento. O mesmo se aplica aos relatórios sobre corrupção no sector público, produzidos por uma organização de fiscalização como o CIP. Isto mostra que, se não forem integradas e coordenadas, as intervenções que visam fortalecer actores e mecanismos apenas podem produzir resultados parciais e incompletos. Para se ter voz efectiva (CIP) e responsabilização (TA), é necessário integrar as intervenções que fortalecem actores e mecanismos, o que pode criar as condições para a expressão de opiniões relevantes, fiscalização e seguimento efectivos, bem como responsabilização, aqui entendida como responsabilizar os actores Estatais sempre que necessário.

4.4 Mudanças em política, prática, comportamento e relações de poder Uma vez que muitas intervenções de V&R são principalmente orientadas para o produto, elas tenderão a influenciar mudanças em políticas, práticas e comportamentos e menos em relações de poder, que dependem de processos políticos nacionais.

4.4.1 Mudanças em prática e comportamento Claramente, as intervenções no CIP e TA têm um impacto considerável sobre a mudança de prática e comportamento. Por exemplo, a intensificação da consulta popular ao nível local está também a elevar a consciência dos gestores públicos locais sobre a necessidade de serem mais responsáveis. É claro que

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o impacto do trabalho do Tribunal Administrativo poderia ser maior se alguma da informação produzida fosse acessível ao público, OSCs e meios de comunicação social. Neste caso acessibilidade não significa apenas disponibilidade, mas também a questão de capacidade de processar, entender e usar esta informação de forma estratégica para propósitos de voz e responsabilização. Apesar de tudo, a situação melhorou substancialmente: de um cenário de ausência total consulta e responsabilização, o quadro é hoje completamente diferente, por causa da presença do Tribunal Administrativo no terreno. Isto devia também ter impacto sobre a responsabilização do Estado, já que, em princípio, a razão de ser dos organismos do sector público é prestar serviços públicos aos cidadãos e responder às suas exigências. Contudo, mesmo intervenções como o apoio ao Observatório da Pobreza e CCs, que são actores envolvidos na produção de políticas e fiscalização, não garantem necessariamente mudanças na responsabilização do Estado e prestação de serviços públicos, pois estas intervenções tendem a centrar-se sobre o fortalecimento dos mecanismos em si e menos sobre os actores. Como consequência, estruturas e mecanismos de poder informal que determinam a forma como estes órgãos na verdade funcionam podem ser postas em segundo plano. Monitorar a execução orçamental ao nível distrital oferece um exemplo disto. Isto é ainda mais influenciado pelas barreiras políticas e culturais que colocam o Estado como patrono ou provedor e os cidadãos como clientes que pedem algo que o Estado pode escolher fornecer ou não.

O analfabetismo e ignorância sobre a legislação, direitos e obrigações abrem ainda mais o espaço para que os agentes do Estado manipulem os mecanismos de responsabilização ao nível local, como é o caso dos CCs. Um informante contou que se tinha descoberto num dado distrito que todos os indivíduos que tinham beneficiado do fundo de desenvolvimento de 7 milhões para iniciativas de investimento local eram membros do CC. É claro que nesta situação o papel de fiscalização deste órgão é uma mera ilusão, por causa da cooptação dos seus membros. Estando eles próprios fortemente envolvidos, não podem, de forma objectiva, exigir a prestação de contas em relação à execução orçamental e outros assuntos. O exemplo de que o funcionamento dos OPs e CCs depende da personalidade do seu presidente e da sua abertura para envolver ou não actores não Estatais no diálogo participativo ilustra este ponto.

Na verdade, as intervenções referidas acima podem permitir que haja mais voz mas menos ou nenhuma responsabilização, por causa da sua natureza hermética e falta de coordenação com outros aspectos complementares. Para se evitar isto, as constatações do Tribunal Administrativo deveriam ser complementados com acções de seguimento por parte de outros órgãos, por exemplo, os Tribunais Judiciais e a Procuradoria-geral da República. O mesmo se aplica ao trabalho realizado pelo CIP e outras organizações de fiscalização, como a Liga dos Direitos Humanos, que produzem regularmente relatórios sobre questões de governação, muita vezes denunciando situações de violação de princípios elementares de governação e direitos fundamentais, mas sem um impacto visível ou reacção efectiva por parte de actores Estatais relevantes.

4.4.2 Diálogo sobre políticas a favor da responsabilização Processos orientados para os doadores, como as revisões conjuntas, também contribuem para a melhoria da responsabilização e têm impacto sobre a alocação de recursos, receitas e despesas públicas. As revisões conjuntas constituem oportunidades que permitem que haja mais diálogo sobre responsabilização do que as revisões bilaterais, mesmo em relação a questões sensíveis, por causa da considerável influência que os doadores têm nas decisões sobre orçamento, mercê do seu apoio em mais de 50% ao Orçamento do Estado. No âmbito do processo de revisão conjunta, os doadores têm estado a exercer uma pressão intensiva para que se proceda a uma auditoria de foro judicial às contas do Banco

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Austral, que foi salvo da banca rota com uso de fundos públicos, depois de estar em sérios problemas por crédito mal parado concedido a pessoas ligadas à nomenclatura. Apesar da importância desta questão, ela tem sido mais sistematicamente levantada pelos doadores (e com uma justificação técnica que faz sentido) do que por outros actores, e o governo acabou aceitando a realização da auditoria forense. Contudo, até agora o relatório dessa auditoria ainda não foi tornado público. Neste caso, a intervenção dos doadores foi efectiva ao forçar o Governo a ser mais responsável numa situação em que outros actores não foram bem sucedidos. Outro efeito positivo é a contribuição para a disponibilização de quantidade de informação relevante para V&R, quando comparada com informação produzida por actores Estatais formais como o Legislativo.

No entanto, a pressão dos doadores sobre o Governo pode levar a consequências não desejadas, que é a diluição da autoridade dos actores formais de V&R, como o Legislativo e a sociedade civil no geral. Por exemplo, os tectos orçamentais estão dependentes do compromisso dos doadores para financiar a cobertura do défice orçamental do Estado, o que também depende da sua avaliação do desempenho do Governo na execução do orçamento do ano anterior, um exercício com pouca ou nenhuma participação do Legislativo e da sociedade civil. Mas, ao mesmo tempo, espera-se que o Legislativo aprove o Orçamento do Estado e fiscalize a sua implementação, tendo como base o mandato que lhe é conferido pelos seus eleitores. Dado que as revisões conjuntas também avaliam a alocação de fundos em áreas de políticas chave, elas tendem a influenciar futuras decisões sobre alocações orçamentais sem prestar atenção para as reivindicações dos cidadãos, pois até agora o espaço para a sociedade civil fazer ouvir a sua voz no processo é limitado ou mesmo inexistente.39

As reivindicações dos cidadãos são, contudo, tomadas em conta noutras intervenções dos doadores. O Projecto de Fundo de Uso Comunitário da Terra visa promover o acesso ao direito de uso e aproveitamento da terra por parte dos cidadãos e comunidades. Da mesma forma, o Projecto de Gestão Ambiental Urbana procura promover uma activa influência de organizações da sociedade civil sobre a definição de prioridades na escolha de acções ambientais urbanas, ainda que esta iniciativa esteja a enfrentar dificuldades devido ao impasse político e fraqueza da sociedade civil no caso do Município da Ilha de Moçambique. Portanto, o que está a faltar para que haja maior impacto é a identificação e fortalecimento, de forma mais integrada, de todos os actores relevantes envolvidos num dado processo de V&R, tendo em conta o ambiente propício e factores favoráveis com influência sobre o mesmo processo.

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4.4.3 Influência sobre as relações de poder É difícil conseguir mudanças nas relações de poder dadas as complexas relações existentes entre os actores Estatais e não Estatais, cultura política e estruturas e mecanismos informais. A razão por que o impacto é baixo nas relações de poder tem a ver com o que se referiu na análise contextual: a hegemonia de um único partido político, que historicamente controla ou exerce forte influência sobre todos os poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). Por exemplo, o impacto da melhoria na capacidade do Tribunal Administrativo é prejudicado pelo facto de a aprovação do orçamento desta instituição

39 No entanto, nas últimas revisões conjuntas os doadores também estão a incluir organizações da sociedade civil. De qualquer das formas isto não garante que reivindicações dos cidadãos sejam tomadas em contas, uma vez que estas OSCs podem não representar adequadamente os interesses sociais mais relevantes.

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depender do Executivo. O Presidente do Tribunal Administrativo é nomeado pelo Presidente da República, que é também o presidente do partido no poder. O mesmo se aplica ao Legislativo, que também tem um papel de fiscalização, mas ao mesmo tempo o seu tecto orçamental é definido pelo Executivo. Neste contexto, o Executivo ainda tem alguma influência sobre estes actores e isto pode ter impacto sobre a velocidade da mudança nas relações de poder. A curto prazo, mudanças substanciais nas relações de poder não dependem principalmente do fortalecimento destes próprios actores, mas da mudança nas relações de poder dentro dos próprios núcleos de poder (o partido político), que continua a influenciar fortemente os actores Estatais e não Estatais.

Importa notar que os doadores são também parte do xadrez, uma vez que o seu papel na revisão conjunta leva a resultados positivos (maior responsabilização e disponibilização de informação) e negativos não intencionais (diluição da responsabilização formal/constitucional e contorno das reivindicações dos cidadãos). A posição dos doadores em termos de equilíbrio de poder em V&R – pelo menos em decisões de políticas e orçamentais, que são chave para o alcance de efeitos de desenvolvimento – é mais forte do que a posição Legislativa e dos cidadãos em relação ao Executivo. Sendo actores externos e, em princípio, facilitadores de processos internos de V&R, os doadores devem prestar atenção para a mudança deste pendor nas relações de poder, o que se pode conseguir através do apoio a intervenções de V&R que fortaleçam cada vez mais os actores e mecanismos internos.

4.5 Efeitos de desenvolvimento geral Ainda que algumas intervenções não estabeleçam uma relação clara, a tendência crescente de se canalizar a assistência nacional através do apoio directo ao orçamento é um facto que favorece a ligação estreita entre intervenções de V&R e efeitos de desenvolvimento. Esta tendência é mais forte nas intervenções com apoio dos Parceiros do Programa de Ajuda, que são monitoradas em processos semestrais de revisão conjunta, e são principalmente implementados por actores Estatais/governamentais.

No caso de intervenções envolvendo actores não Estatais, o trajecto pode ser mais complexo, porque os efeitos destas iniciativas têm que ser inexoravelmente combinados com outros ao nível Estatal de modo a desencadear os efeitos de desenvolvimento geral necessários. Por exemplo, o trabalho do CIP de revelar e denunciar situações de má gestão e outros problemas na integridade pública deve ser incorporado em acções de actores Estatais e ser canalizado através de mecanismos formais de modo a surtir as mudanças necessárias. Quando se trata de actores não Estatais, isto pode ser difícil, dado que as suas recomendações não têm força legal e não são necessariamente tomadas em consideração pelos actores do Estado.

As intervenções seleccionadas para este estudo apresentam alguns exemplos que podem ajudar a perceber até que ponto existe ligação entre V&R e efeitos de desenvolvimento. Tendo como base a análise dos dados empíricos produzidos por estes casos, as intervenções podem ser enquadradas em três grupos. Esta é uma classificação não acabada, devendo ser vista como uma proposta visando identificar o que funciona e o que não funciona.

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4.5.1 Relação entre V&R e efeitos de desenvolvimento O primeiro grupo de intervenções compreende aquelas acções que mostram uma ligação explícita entre V&R e efeitos de desenvolvimento. Nestas intervenções, o impacto é relativamente fácil de prever e medir, embora isto nem sempre seja possível devido a circunstâncias (pode ser demasiado complexo escolher e os doadores podem não ter os recursos para lidar com isso) ou sentido de oportunidade (algumas intervenções podem ajustar-se à especialização dos doadores e aos recursos que eles detêm e podem até ter um impacto considerável, ainda que não necessariamente ligado a efeitos de desenvolvimento directamente). De entre os estudos de caso que compõem o corpus deste ENC, os apoios ao Tribunal Administrativo, OPs/ODs, DEDINA e PFUCT são exemplos deste tipo de intervenções.

O objectivo geral do Tribunal Administrativo é contribuir para a melhoria da responsabilização e transparência em todas as áreas da economia tendo em vista o uso apropriado dos recursos públicos. Este objectivo é consistente com a necessidade de fortalecimento dos mecanismos de responsabilização no seio dos sistemas de gestão pública, com particular destaque para o apoio directo ao orçamento. Os efeitos tendem a ser sustentáveis, pois foram tomadas medidas visando assegurar que o funcionamento normal do Tribunal Administrativo estivesse sob responsabilidade dos actores nacionais. Contudo, os efeitos de desenvolvimento geral dependem de uma abordagem mais integrada e abrangente, envolvendo actores e mecanismos complementares, tal como vem sendo discutido ao longo deste capítulo.

O propósito do OP/OD é monitorar e avaliar o progresso das acções e o nível de desempenho do PARPA e oferecer retorno útil ao Governo como uma forma de monitoria e avaliação de larga escala. No entanto, ainda que pôr o mecanismo a funcionar seja um bom ponto de partida, isto não garante que os actores que operam no âmbito desses mecanismos os usem necessariamente de acordo com o objectivo com que foram criados. Os resultados da presente avaliação mostram que os ODs são de facto palcos onde o Governo e a sociedade civil se encontram para discutir questões de políticas e apresentar relatórios sobre a implementação de estratégias de alívio à pobreza. Todavia, dependendo do contexto, estes círculos podem ser uma forma de se legitimarem decisões já tomadas, caso as OSCs não sejam suficientemente fortes para exigir a prestação de contas por parte do Governo e expressar livremente as suas preferências.

O Projecto de Fundo de Uso Comunitário da Terra visa reforçar a capacidade das comunidades para assegurar o direito de uso e aproveitamento da terra e recursos naturais nas províncias de Gaza, Manica e Cabo Delgado e aumentar a capacidade de gestão e utilização sustentável destes recursos, tendo em vista a redução da pobreza e crescimento económico, bem como aumentar os investimentos e uso mais sustentável e equitativo destes recursos. Na verdade, a terra e recursos naturais jogam um papel estratégico em Moçambique, tanto como potencial recurso para o desenvolvimento a longo prazo quanto como um elemento essencial para uma segurança alimentar sustentável. O desenvolvimento actual e futuro de Moçambique depende em grande medida da terra e outros recursos naturais, daí que uma gestão efectiva dos recursos por parte das comunidades locais constitui uma actividade relevante para a redução da pobreza. Esta iniciativa foi lançada em 2006, sendo por isso ainda muito cedo para avaliar os seus resultados, mas em princípio a relação entre V&R e efeitos de desenvolvimento é promissora.

O DEDINA está virado para o fortalecimento e organização da sociedade civil, tendo como meta o envolvimento integral das comunidades rurais e grupos de interesse em processos de planificação e implementação ao nível local através dos CCs. No caso do fortalecimento de OSCs de modo a participarem efectivamente na definição, implementação e monitoria de políticas e planos, isto é

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claramente uma forma de assegurar que eles se apropriem das estratégias de desenvolvimento local em consonância com as estratégias nacionais gerais.

4.5.2 Efeitos previsíveis mas não explícitos O segundo tipo de intervenções compreende o apoio da AWEPA ao Parlamento, que se centra sobre resultados em voz e responsabilização, mas cujas consequências sobre efeitos de desenvolvimento não são explícitos ainda que previsíveis, ou seja, uma relação intermédia. Estão previstos efeitos de V&R mas estes são vistos como um fim em si mesmos. Este é um caso intermédio, sendo que nem sempre os doadores podem estabelecer uma relação com os efeitos de desenvolvimento, dado que eles não são classificados como V&R.40

A intervenção da AWEPA contribui para os objectivos de governação geral e democracia, embora a ligação com os efeitos de desenvolvimento não seja explícita. De facto, vale a pena mencionar aqui o papel limitado que o Legislativo continua a jogar na definição de estratégias de desenvolvimento e responsabilização do Executivo. A intervenção inclui também a capacitação do pessoal do Parlamento, mas até ao momento o enfoque tem sido principalmente sobre os MPs. Mas se isto não for complementado com medidas visando também a capacitação de pessoal técnico, o destino eleitoral dos MPs pode ter efeitos perniciosos sobre o papel que o Legislativo irá jogar na representação do seu eleitorado, elaboração de políticas e fiscalização. Uma vez que o Executivo tem sido historicamente mais forte, isto terá impacto sobre a governação geral e também sobre a forma como as estratégias de desenvolvimento são desenhadas, implementadas e respeitados.

4.5.3 Capacitação dos actores Por último, o terceiro grupo integra intervenções visando a capacitação dos actores para expressarem as suas preferências e/ou lidar com as reclamações dos cidadãos sobre questões públicas chave, deste modo contribuindo indirectamente para manter os actores do Estado mais responsabilizados ou receptivos, ou seja, há uma relação remota com os efeitos de desenvolvimento geral. Este grupo inclui intervenções que têm como alvo actores (ou mecanismos). O produto/efeitos é visto como o fortalecimento do actor/mecanismo, mas isto não é levado para mais além. Este é o caso das intervenções através do CIP e do Projecto de Gestão Ambiental Urbana.

O objectivo do projecto CIP é promover a integridade, transparência e prestação de contas nos sectores público e privado, contribuindo assim para os esforços de desenvolvimento social, político e económico. As actividades levadas a cabo têm contribuído para a operação de mudanças em termos de práticas em algumas instituições públicas, as quais poderão levar a metas de desenvolvimento geral (por exemplo, melhoria na prestação de serviços públicos). Os exemplos vêm do Ministério da Saúde, que elaborou uma estratégia anti-corrupção, e da Organização Nacional dos Professores, que elaborou um Código de Conduta tendo como base evidência decorrente de uma pesquisa levada a cabo sobre corrupção no sector. Contudo, faltam mecanismos que permitam dar seguimento ao trabalho de fiscalização que esta

40 Remete-se para o Anexo C2: Panorama do Ambiente da Ajuda, onde o facto de os doadores não se referir explicitamente a V&R é apontado como um obstáculo à identificação de intervenções de V&R.

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organização está a realizar. A sua voz apenas não pode levar a efeitos amplos, a não ser que se ponham a funcionar mecanismos apropriados que assegurem uma responsabilização efectiva.

O Projecto de Gestão Ambiental Urbana visa desenvolver mecanismos efectivos para uma activa participação dos munícipes na identificação, priorização e gestão de riscos ambientais urbanos.41 No caso da Ilha de Moçambique, a gestão ambiental é uma questão chave de desenvolvimento dada a excepcional situação geográfica deste município. Portanto, capacitar os actores da sociedade civil é uma forma de assegurar que os actores Estatais lidem de forma apropriada com um assunto que é crucial para o bem-estar dos cidadãos, como saneamento básico, no ambiente complexo da Ilha de Moçambique. Porém, o tenso clima político, resultante da relação antagónica entre o Governo Municipal, controlado pela Renamo, e o Governo Distrital, controlado pela Frelimo, faz com que o envolvimento dos actores do Estado seja mais limitado do que devia, o que tem impacto negativo sobre os efeitos do projecto.

Tendo como base as intervenções seleccionadas para estudo, pode-se dizer que, no geral, existe relação entre os efeitos de V&R e os efeitos de desenvolvimento, sendo que esta relação tende a ser mais explícita naqueles intervenientes que usam mecanismos governamentais (principalmente o apoio directo ao orçamento) ou envolvem actores do Estado. Isto fundamenta a preocupação crescente em relação à harmonização decorrente da Declaração de Paris. No entanto, quando actores Estatais não estão envolvidos, a cadeia tende a ser mais complexa e os resultados podem ser difíceis de prever. O não envolvimento de actores Estatais pode limitar o impacto dos resultados das intervenções, conforme mostra o exemplo da Ilha de Moçambique. Isto coloca sérios desafios às intervenções de V&R financiadas por doadores, pois a assistência dos doadores tende muitas vezes a favorecer os actores e mecanismos Estatais sob o seu raio de controlo. Isto limita a voz efectiva e reduz os prospectos de uma responsabilização efectiva. Daí que, para se obterem efeitos directos em V&R, os doadores têm de encontrar formas de apoiar tanto canais de V&R Estatais como não Estatais, assegurando que os mecanismos necessários sejam criados e funcionem, ao mesmo tempo em que os actores Estatais e não Estatais possam interagir de forma balanceada e não hierarquizada, permitindo o erguer de uma voz efectiva por parte dos actores sociais relevantes, combinada com uma verdadeira responsabilização dos actores Estatais.

A tentativa de classificar os casos de intervenções analisados em três categorias visa chamar a atenção para as características e necessidade específica de garantir o estabelecimento de interligações de modo a conseguir-se impacto sobre efeitos de desenvolvimento geral. O que é necessário é uma definição clara de indicadores de desenvolvimento em função dos quais alguns dos efeitos podem ser medidos.

41 O objective geral do projecto é melhorar as condições ambientais; o desenvolvimento de mecanismos efectivos para uma participação activa das comunidades urbanas é uma forma de se atingir este objectivo, tal como se afirma no objective 3 do projecto. Para mais detalhes, veja-se o Anexo D2.

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5 Conclusões Com base na apresentação e discussão dos resultados do estudo no capítulo anterior, as conclusões decorrentes do ENC são tiradas e apresentadas de acordo com as quatro perguntas42 gerais da avaliação, que se relacionam com:

• Canais, mecanismos e processos • Resultados e efeitos • Caminhos em direcção a efeitos de desenvolvimento geral • V&R e efectividade da ajuda

5.1 Canais, mecanismos e processos Voz e responsabilização são muitas vezes separados. No significado contextual de voz e responsabilização, os dois conceitos estão interligados e operam em interacção dialéctica. Os estudos de caso mostraram que V&R são muitas vezes separados, ou seja, as intervenções tendem a apoiar ou a voz ou a responsabilização, tendo como base a escolha do actor e/ou o contexto em que são aplicados. Como consequência, o processo interactivo, que pode levar a resultados em termos de mudança na prática, ou é difícil de seguir ou permanece frouxo. As intervenções apoiando a voz através, por exemplo, da capacitação de MPs (AWEPA), membros de conselhos rurais (DEDINA) ou através de capacitação institucional de organizações de fiscalização (CIP) devem ser vistas em função do espaço existente para o uso da voz para exigir a responsabilização. A articulação com o governo é crucial para que a voz leve à responsabilização. Nos casos em que a articulação está em foco (OP/OD), o desequilíbrio na estrutura de poder e a dominância do governo colocam um obstáculo à V&R.

Mecanismos de V&R do Governo-PPAs ao nível central tendem a estar mais virados para a responsabilização do que para a voz. As intervenções de V&R que apoiam mecanismos ao nível central (Tribunal Administrativo) na disponibilização de documentação e informação não garantem que a informação seja disseminada e usada. Para que ocorra a responsabilização do governo, é necessário que esta responsabilização seja de facto exigida. As revisões conjuntas e a melhoria de sistemas de gestão das finanças públicas estão todos virados para a provisão de uma plataforma para a responsabilização, e não necessariamente para a existência ou fortalecimento da voz. É um risco que a pressão dos doadores sobre o Governo possa substituir a responsabilização do governo perante o seu próprio eleitorado, uma vez que a responsabilização é muitas vezes orientada para os doadores e menos para o Parlamento ou para os cidadãos como tal.

Há também uma forte tendência para favorecer o urbano no apoio a mecanismos de V&R. O esforço visando a descentralização administrativa traduzido em termos de estabelecimento de Observatórios do Desenvolvimento para a monitoria da implementação do PARPA é um dos poucos exemplos encontrados, o que fundamenta a necessidade de descentralização de mecanismos de fiscalização. Apesar da lacuna discutida acima, a iniciativa reveste-se de oportunidades para aumentar a V&R ao nível descentralizado. O estabelecimento do PFUCT constitui um exemplo de estabelecimento de um mecanismo (de financiamento) que vai facilitar o acesso à terra a pequenos agricultores e camponeses. 42 Quadro de Avaliação, Anexo 1a, p.8

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Intervenções de V&R não Estatais ao nível local estão muitas vezes mais orientados para voz do que para responsabilização. Os esforços de capacitação de membros de conselhos locais (DEDINA) ou grupos de interesse (PFUCT) visam reforçar a voz dos cidadãos em relação ao Governo (IPCCs ou instituições governamentais provinciais). Contudo, este esforço muitas vezes não fortalece a capacidade do Governo de agir de forma responsável. Neste contexto, deve-se sublinhar que o apoio à voz nas zonas rurais é extremamente relevante, tendo em consideração o baixo nível de educação, os obstáculos decorrentes da cultura de obediência e as fortes barreiras culturas que se colocam à equidade de género.

Práticas como a cooptação de membros dos conselhos consultivos e alocação selectiva dos fundos em IPCCs estão a desequilibrar os esforços de capacitação dos membros dos conselhos para de forma activa exigirem contas aos órgãos do governo – a voz continua silenciosa e a responsabilização não é exigida. O conhecimento sobre processos políticos (ou seja, as dinâmicas informais subjacentes e as relações de poder) é essencial para que se alcance um resultado genuíno em termos de V&R melhoradas. É importante compreender o contexto de modo a desenharem-se intervenções apropriadas de V&R.

Conferir às mulheres oportunidades para uma voz activa é uma questão que permeia muitas intervenções de V&R. Por exemplo, actividades na área de capacitação de políticos, apoio a OSCs e redes, órgãos de comunicação social, reforma do sector público, etc. deviam manter o enfoque sobre o género de modo a garantir que se crie um espaço específico para as mulheres fazerem ouvir a sua voz. Os estudos de caso mostraram que mecanismos como IPCCs, ao nível local, e o Parlamento, ao nível nacional, abrem espaço às mulheres para elas participarem activamente e abrem a possibilidade de elas fazerem ouvir as suas opiniões e prioridades.

5.2 Resultados e efeitos Para que tenha impacto, o apoio a actores de V&R deve ser integrado num contexto mais amplo. Resultados em termos de, por exemplo, disponibilização de documentação e informação que possa ser usada para exigir a responsabilização das instituições governamentais, foram verificados nos casos, por exemplo, do Tribunal Administrativo e CIP. Foram também atestados resultados em termos de uma maior participação no seio dos cidadãos das zonas rurais, com o estabelecimento de IPCCs e programas de capacitação. Contudo, é um facto que o âmbito de V&R para estes resultados é limitado se não se relacionar com outros processos na sociedade. Para que isto aconteça, a responsabilização horizontal bem como intervenções coerentes são importantes.

Uma presunção nos estudos de caso integrados nesta avaliação é que o baixo nível de capacidades cerceia o desenvolvimento. Não há dúvidas que o desenvolvimento de capacidades é uma acção extremamente relevante e importante, mas é também evidente que deve merecer seguimento e ser consistente com outras actividades. No caso do Projecto de Gestão Ambiental Urbana, a capacitação de membros do conselho municipal teve poucos resultados em termos de maior V&R dado o impasse

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político em relação à Administração Distrital. A capacitação de MPs através do programa da AWEPA pode correr o risco de não ter um impacto de longo prazo caso não se incluam também outros intervenientes, como o pessoal permanente da AR. Um aspecto comum a extrair destes exemplos é que o modelo de mudança deve assentar sobre uma análise e entendimento do contexto de modo que seja suficientemente claro.

Os doadores têm uma importante oportunidade para influenciar o desenvolvimento de uma sociedade civil dinâmica e crítica através de um apoio acrescido a actores e mecanismos da sociedade civil. Os doadores jogam um papel importante na relação com o Governo, como parceiros que advogam constantemente a promoção da democracia. O risco é que o grande enfoque sobre a relação de governo-para-governo ofusca a necessidade de desenvolvimento de uma sociedade civil activa e independente. Isto é reforçado ainda mais pela preocupação dos doadores de reduzir os custos administrativos, o que muitas vezes leva à redução do apoio em termos de tempo e recursos às OSCs. A dependência das OSCs em relação ao apoio financeiro dos doadores ou de fontes moçambicanas representa uma ameaça à sua independência de expressão e aumenta o risco de cooptação. A diversificação de fontes de financiamento é essencial neste contexto, e os doadores podem facilitar isto.

O Moçambique rural e urbano representam duas realidades diferentes. Os actores e mecanismos formais e urbanos de V&R têm beneficiado mais do apoio dos doadores, por exemplo, através de revisões de pares, apoio ao orçamento geral, mecanismos de fiscalização, etc. Do mesmo modo, os actores não Estatais sedeados nas cidades (CIP, LDH) beneficiam do apoio dos doadores. Como consequência, as oportunidades e pontos de entrada ao nível central são melhor explorados do que aqueles referentes às zonas rurais. Apesar de haver muitos programas de desenvolvimento distrital, as comunidades rurais e actores rurais não Estatais continuam a não ser privilegiados quanto à V&R, não apenas dado o número de intervenções que é relativamente menor mas também devido ao contexto sócio-económico que é também diferente. O espaço para o exercício crítico da voz é maior ao nível nacional, daí a necessidade de se fortalecer a voz ao nível local seja maior ainda. As estruturas de poder tradicional bem como a estrutura hierárquica partidária influenciam negativamente a possibilidade de operar ao nível local tanto por parte dos órgãos de comunicação social como das OSCs.

Este ENC não forneceu substancial evidência sobre a atenção especial prestada à componente de género de V&R. Contudo, para se dar às mulheres a oportunidade de elas veicularem as suas opiniões e influenciar o desenvolvimento aos níveis nacional e local, é preciso que se tomem medidas específicas a todos os níveis. As áreas chave a visar são as OSCs, a participação política das mulheres, instituições preocupadas com as condições das mulheres, integração da questão de género nas estratégias de redução da pobreza e iniciativas orçamentais ligadas ao género.43

5.3 Caminhos em direcção a efeitos de desenvolvimento geral É claramente mais fácil estabelecer a ligação entre V&R e resultados de desenvolvimento geral em intervenções patrocinadas por PPAs do que em intervenções envolvendo actores não Estatais. O apoio ao orçamento geral foi apontado pelos doadores-GNA como propiciando o ambiente de V&R no geral, uma vez que pressupõe sistemas de gestão transparentes e com mecanismos claros de prestação de contas. Os exemplos extraídos do estudo de caso do Tribunal Administrativo também sustentam a importância de mecanismos centrais de fiscalização, como um elemento importante de um apoio global a iniciativas de V&R. O apoio a actores não Estatais não se liga facilmente a efeitos de desenvolvimento

43 Gender Equality and Women's Empowerment, Documento de trabalho do DFID, Março de 2005.

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geral. Os actores não Estatais são relativamente mais sensíveis a mudanças e tendências no ambiente político e também dependem da interacção com o Governo.

Em termos económicos, a relação entre intervenções de V&R e redução da pobreza não é muito clara. É comum o reconhecimento da presunção de que uma sociedade democrática oferece um ambiente propício para a redução da pobreza. As intervenções de V&R visam contribuir para a edificação de estruturas democráticas. As intervenções de V&R lidam principalmente com aspectos não económicos da pobreza, por exemplo, direitos democráticos e acesso a serviços sociais e informação, mas também abrem oportunidades soberanas de acesso ao desenvolvimento económico. Ao nível local, o acesso ao fundo de desenvolvimento de 7 milhões por parte de cidadãos rurais e o enfoque do PFUCT sobre facilitação de acesso à terra são exemplos de uma abordagem económica ou da dimensão económica da intervenção de V&R. Todavia, a partir dos casos estudados, não foi possível demonstrar qualquer tipo de ligação directa entre intervenções de V&R e redução (económica) da pobreza.

Há mudanças substanciais em termos de política, prática e comportamento, mas menos em relações de poder. As políticas e planos de desenvolvimento global influenciados por agendas internacionais e orientadas para os doadores têm impacto sobre o desenvolvimento de políticas globais e planos governamentais. Contudo, questiona-se até que ponto as relações de poder subjacentes são influenciadas a favor de um verdadeiro desenvolvimento democrático. Análises de relações de poder aos níveis nacional e local mostraram que, apesar dos discurso oficial ser a favor da democracia, as afiliações partidárias e estruturas de poder tradicional estão entrelaçadas e continuam a dominar sobremaneira a arena de tomada de decisão em Moçambique.

As intervenções de V&R apoiam o desenvolvimento da democracia. Directa ou indirectamente, as intervenções de V&R apoiadas por doadores têm estado a promover o processo democrático em termos de melhorar a disponibilidade de informação e transparência, introduzindo revisões conjuntas e auscultações institucionalizadas à sociedade civil, apoiando o estabelecimento de mecanismos como as IPCCs e municípios, bem como as OSCs e os meios de comunicação social. Estas actividades estão a caminhar na direcção certa, embora haja ainda um vasto espaço para a exploração de oportunidades que levem a uma mais activa V&R, em especial ao nível local.

5.4 V&R e efectividade da ajuda O esforço por uma articulação no seio dos doadores leva a que haja uma tendência para se favorecer o governo na assistência ao desenvolvimento, o que tem impacto sobre as oportunidades de V&R. Isto é reforçado pelo ambiente político e legal, em que o Governo procura colocar as OSCs no papel de agências de implementação associadas a sectores específicos, ao invés de reconhecer o seu papel como actores políticos, ou seja, como agentes de advocacia e fiscalização política. Isto ficou evidente na experiência dos Observatórios do Desenvolvimento, onde as OSCs e ONGs são indirectamente obrigadas a prestar contas em relação à sua contribuição na implementação de planos de desenvolvimento governamentais.

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A harmonização do apoio dos doadores e a crescente exigência de efectividade levam a que se privilegiem grandes programas sectoriais, apoio ao orçamento geral e, como consequência, pouca atenção se dá a intervenções de menor escala no campo da sociedade civil. Há espaço para a harmonização do apoio à sociedade civil e o exemplo dos esforços conjuntos empreendidos pelos doadores, por exemplo, através do CIP e PFUCT e outras iniciativas, representam uma tendência positiva em direcção à harmonização do apoio à sociedade civil.

As intervenções de V&R são por natureza políticas e lidam com processos na sociedade. A exigência de resultados palpáveis é também extremamente relevante para o processo político, mas muitas vezes é difícil de se satisfazer. A disponibilidade de informação e documentação, o estabelecimento de mecanismos de fiscalização, o debate caloroso e o enfoque público sobre a corrupção, a participação activa dos cidadãos das zonas rurais em IPCCs resultam todos de intervenções de V&R. Não obstante as limitações e constrangimentos identificados, regista-se um impacto positivo das intervenções apoiadas pela agenda de ajuda internacional.

Os doadores têm sido criticados por não assumirem as consequências de responsabilizarem o Governo de Moçambique em casos de corrupção.44 A responsabilização mútua é extremamente importante e a representatividade da sociedade civil vê a relutância dos doadores de não aplicarem sanções ao Governo como uma ameaça ao desenvolvimento democrático.

Isto leva à consideração sobre a necessidade de os moçambicanos se apropriarem das intervenções de V&R. Voz é por natureza crítica e exigente. Para que um governo oiça a voz dos cidadãos, é necessário que o seu papel numa sociedade democrática seja verdadeiramente aceite. Para um governo aceitar ser responsabilizado pelas suas acções, o reconhecimento dos valores da transparência e responsabilização é um pré-requisito necessário. Estes processos políticos nem sempre são lineares e ainda há um longo caminho a percorrer até que o Governo de Moçambique se aproprie verdadeiramente das intervenções de V&R. Contudo, a apropriação moçambicana é também uma questão relacionada com a sociedade civil e actores não Estatais, que muitas vezes representam a voz crítica. Assegurar espaço para que esta voz se faça ouvir é parte importante de assegurar a apropriação nacional.

44 Veja-se o Anexo F: Notas sobre o Workshop com os Intervenientes, por exemplo, o caso do Ministério da Educação.

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6 Recomendações As recomendações são baseadas nas conclusões e resultados extraídos da avaliação de Voz e Responsabilização dos Cidadãos em Moçambique. Remete-se especialmente para o Capítulo 4.1: Oportunidades, constrangimentos e pontos de entrada, uma vez que estes pontos oferecem as bases para o desenvolvimento de novas intervenções de V&R. As recomendações são colocadas ao nível mais geral, uma vez que não é propósito deste exercício avançar com recomendações específicas em relação aos casos de intervenção a partir dos quais foi extraída a evidência empírica. Esta metodologia foi questionada durante a avaliação, não menos por muitos dos representantes das intervenções de V&R, que disponibilizaram tempo e recursos à equipa de pesquisa. As recomendações podem parecer óbvias e terra-a-terra, mas oferecem uma qualificação baseada em evidência de V&R em Moçambique. As recomendações oferecem subsídios válidos que podem ser usados para a documentação de correlações assumidas e subsídios a usar no desenvolvimento de estratégias específicas de V&R.

No último workshop de balanço com os intervenientes, realizado em Maputo, em Janeiro de 2008, os participantes contribuíram na elaboração de uma pequena listagem das três principais constatações e recomendações chave do estudo.45 A acrescentar às recomendações decorrentes das constatações e conclusões, esta contribuição vai ser usada no que se segue. As recomendações são estruturadas de acordo com as três categorias principais: abordagens gerais de V&R, questões operacionais e diálogo sobre políticas.

6.1 Abordagens gerais de V&A Uma das recomendações gerais é a necessidade da análise contextual para que os doadores compreendam os mecanismos da sociedade moçambicana. Esta recomendação foi confirmada pelos diferentes intervenientes e reforçada no workshop de Janeiro. Os participantes ao workshop apontaram para a existência de “dois Moçambique”, ou seja, o ambiente governo-doador circunscrito à capital e o Moçambique rural e provincial, onde as relações de poder subjacentes têm forte influência e onde as normas e valores políticos são diferentes dos encontrados em Maputo. É essencial conhecer o contexto, incluindo a tomada de consciência sobre as estruturas de poder informal subjacentes, que influenciam a forma como as estruturas de poder formal operam. Isto inclui, por exemplo, o conhecimento sobre a estrutura política, o risco de cooptação, consequências do antagonismo partidário, cultura política, bem como a história específica do local em questão. Relacionado com isto está também a questão de se lidar com a corrupção como um ponto de entrada para a promoção de V&R.

Tanto os doadores como os informantes chave destacaram os problemas relacionados com a capacidade analítica interna e constante rotação de pessoal (internacional). A equipa recomenda que os doadores assegurem que haja disponibilidade de capacidade suficiente para lidar com a complexa análise contextual e desenho de acções de capacitação adequadas, incluindo assegurar a memória/histórico institucional.

A sinergia é a essência do conceito V&R, o processo dialéctico entre as duas partes: aqueles que fazem ouvir as suas opiniões e exigências e aqueles que são responsabilizados ou prestem contas. É no processo sinérgico que se fundam os alicerces para a edificação de uma sociedade democrática. V&R 45 Veja-se o Anexo F: Workshop com os Intervenientes.

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são processos colectivos, envolvendo ao mesmo tempo vários actores e mecanismos. A articulação com o governo é crucial para que a voz leve à responsabilização. Por isso é importante assegurar que iniciativas de governo-para-governo viradas para o sector público não ponham de lado o apoio a uma sociedade civil independente. O apoio ao orçamento geral e aos orçamentos sectoriais não deve excluir o apoio a OSCs, órgãos de comunicação social, sindicatos de trabalhadores e outros actores não Estatais. É particularmente importante que estes actores sejam apoiados de pleno direito através de iniciativas de capacitação.

As intervenções de V&R devem ser consideradas um aspecto vital dos esforços gerais visando a redução da pobreza, reconhecendo o papel da democracia na criação de um ambiente propício para a redução da pobreza. Neste contexto, deve-se prestar especial atenção à integração de questões de género em intervenções de V&R já desde a fase de desenho, assegurando-se que acções específicas sejam levadas a cabo para a promoção do acesso à voz e influência por parte das mulheres.

6.2 Questões operacionais O conceito de V&R não é largamente aplicado no seio dos doadores-GNA. Por isso é difícil fazer o seguimento de intervenções específicas de V&R, já que raramente são tornados explícitas, mas consideradas parte de outras intervenções, que vão desde a reforma do sector público e apoio ao orçamento geral à participação comunitária ou apoio à sociedade civil. Os doadores-GNA devem adoptar o uso mais abrangente do conceito de V&R, incluindo a possibilidade de seguir de forma específica o efeito de intervenções de V&R e a sua articulação com estratégias nacionais; há necessidade não apenas de se clarificar o conceito como também de se fazer a categorização correspondente das intervenções de V&R. Isto incluiria também a formulação de indicadores de qualidade específicos para a medição de V&R, com atenção para a natureza orgânica de V&R e o processo dialéctico entre aqueles que erguem a sua voz e aqueles que são responsabilizados.

A responsabilização horizontal é um dos principais assuntos discutidos ao longo da avaliação de VCR As verificações e balanços são fracos, porque as acções de capacitação não são suficientemente coordenadas. O desenvolvimento de capacidades deve ser parte de uma estratégia global para se evitarem acções ad hoc e assegurar-se a sustentabilidade institucional. No âmbito dos PPAs e apoio directo ao orçamento, os doadores deverão contribuir para o desenho de programas que melhor integrem actores envolvidos em mecanismos de responsabilização. Deviam ser identificados os actores e mecanismos envolvidos na fiscalização do orçamento aos níveis nacional, provincial e local de modo a promover-se uma intervenção coerente e coordenada.

Devia-se também prestar atenção aos mecanismos e actores informais, uma vez que estes são muitas vezes importantes no quadro geral de V&R. Os doadores tendem – em especial depois da Declaração de Paris – a direccionar o seu apoio a mecanismos formais, prestando menos atenção a actores como as OBCs, sindicatos de trabalhadores, grupos culturais, etc.

A disponibilidade de informação não é suficiente se o acesso e capacidade para usar essa mesma informação não forem também assegurados. Foram identificados muitos exemplos de intervenções apoiados por doadores que melhoraram a disponibilização de informação chave para V&R. Contudo, para que isto tenha impacto, recomenda-se que esta componente de oferta seja combinada com intervenções orientadas para o lado da procura. A componente de procura deverá focalizar o verdadeiro acesso e uso da informação disponível, incluindo a capacidade de fazer uso da

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informação disponível. Usar e promover sinergia são aspectos importantes de V&R, uma vez que a interacção entre diferentes actores e mecanismos é a questão central para que V&R produza resultados em termos de um diálogo aberto acrescido e efeitos de desenvolvimento concretos, por exemplo, melhores serviços públicos e corrupção reduzida.

As oportunidades existentes para a melhoria de V&R não estão a ser suficientemente exploradas. Isto é o que acontece principalmente ao nível local, onde as IPCCs poderiam constituir um excelente ponto de partida para a melhoria de V&R. Tal como referido por participantes ao workshop de Janeiro: Não se concentrem apenas nos mecanismos formais de base urbana! Reconhecendo as oportunidades de IPCCs e o potencial para a promoção de estruturas democráticas, a equipa recomenda que a voz em zonas rurais seja apoiada. A equipa verificou que, através das IPCCs, as mulheres rurais fazem uso da oportunidade de participarem e, portanto, recomenda-se que se dê enfoque acrescido às oportunidades de as mulheres influenciarem as IPCCs. Dado que o discurso formal é a favor do envolvimento das mulheres, então abrir espaço para que elas façam ouvir a sua voz em público devia ser algo a ser explorado de forma sistemática através da integração de questões de género em todas as acções de V&R (por exemplo, desenvolvimento de capacidades, enfoque sobre redes de mulheres, mulheres parlamentares, sistemas de equidade de género no recrutamento de pessoal para as instituições do Estado, acesso à justiça por parte das mulheres, apenas para mencionar alguns poucos exemplos).

Foram identificados exemplos de intervenções de V&R cujos planos foram alterados e/ou o financiamento interrompido como resultado de mudanças em políticas ou estratégia geral por parte dos doadores. O resultado disto pode ser que os investimentos já feitos no fortalecimento de capacidades para voz e responsabilização sejam desperdiçados uma vez que não se dá continuidade aos planos inicialmente traçados. Mais ainda, isto provoca desilusão e desencorajamento no seio dos beneficiários. Por isso, a equipa recomenda que se evitem interrupções bruscas de financiamento e mudanças de planos. Associada a este assunto está a questão da adequação dos tempos de duração das intervenções de V&R. Parece que muitas das estratégias têm um horizonte de duração de 3-5 anos, o que é bastante curto numa perspectiva de V&R, em que a necessidade de desenvolvimento de capacidades, conhecimento de processos políticos e reconhecimento do papel dos actores e mecanismos informais requerem uma perspectiva de longa duração, pelo menos no horizonte de 10-15 anos.

As OSCs dependem muitas vezes do apoio financeiro ou dos doadores ou dos recursos Moçambicanos. Esta dependência representa uma ameaça à sua independência de expressão e aumenta o risco de cooptação. A edificação de uma sociedade democrática depende da existência de uma sociedade civil independente e crítica. O envolvimento de OSCs na implementação de planos sectoriais do governo é útil e uma contribuição importante na capacidade de implementação, mas este não deve ser o único papel da sociedade civil. Na actual situação política de Moçambique, isto é extremamente importante, daí que se recomende que os doadores assegurem recursos financeiros à sociedade civil para responder às necessárias actividades de advocacia e fiscalização.

A harmonização entrou para a assistência ao desenvolvimento de governo-para-governo através da adopção dos princípios da Declaração de Paris. Foram constatados casos de OSCs com pesados custos administrativos. A harmonização e coordenação não são suficientemente aplicadas quando se trata de apoiar a sociedade civil. Assim, a equipa recomenda que haja um maior nível de harmonização e articulação no apoio à sociedade civil.

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6.3 Diálogo sobre Políticas Os doadores deverão reconhecer a existência de possíveis efeitos negativos decorrentes da substancial influência que as suas alianças exercem sobre o Governo, o que se traduz em termos de exigência de responsabilização ao governo, distorcendo assim a atenção e o papel do eleitorado nacional e Parlamento. Para se assegurar que isto seja contrabalançado e que os mecanismos de responsabilização sejam fortalecidos ao invés de serem postos de lado, os doadores deverão prestar atenção para a necessidade de inversão da balança de poder, o que se pode conseguir através do apoio a intervenções de V&R que progressivamente fortaleçam os actores e mecanismos internos.

Ao prestarem apoio a instituições governamentais a diferentes níveis, os doadores deverão prestar atenção à cultura organizacional, que, ao nível local, foi descrita aqui como cultura de obediência. Mas o fenómeno está também embrenhado nas instituições governamentais aos níveis central e provincial, sendo que merece atenção especial se quiser que as reformas do sector público levem a uma situação em que V&R possam operar num processo dialéctico e democrático.

A democracia e a edificação de estruturas democráticas é parte importante do diálogo sobre políticas. O funcionamento do sistema político é um assunto delicado, no qual os doadores apenas interferem de forma hesitante. É um equilíbrio delicado procurar não perturbar os equilíbrios internos. No entanto, é importante que os doadores mantenham não apenas um diálogo sobre políticas mas também um diálogo político sobre a questão de funcionamento do sistema político, como parte importante dos esforços visando assegurar a existência de mecanismos de responsabilização a longo prazo. A este respeito, é igualmente importante o apoio a processos políticos, Parlamento, partidos políticos, MPs, sindicatos de trabalhadores, etc.

Ligada a esta recomendação está também a consideração de se manter diálogo com o Governo sobre a necessidade de uma sociedade civil dinâmica, activa em advocacia e jogando um papel de fiscalização da democracia. O desenvolvimento político actual em Moçambique, com tendências para o monopartidarismo, exige dos doadores uma forte atenção sobre a necessidade de apoiar o papel específico da sociedade civil, não apenas como agências de implementação mas também como actores políticos.

Por último, o ambiente legal que é propício, o publicamente expresso apoio à equidade de género, a agenda de Paris, o PARPA, o MARP – todos estes mecanismos e instituições existem oficialmente e constituem instrumentos de responsabilização que os doadores devem usar para manter uma política de diálogo com o governo.

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