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RDS VI (2014), 2, 411‑443 O contrato de swap de taxas de juro e os instrumentos derivados financeiros à luz do recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Outubro, de 2013: a “alteração anormal das circunstâncias ” e as categorias doutrinais norte‑americanas da “unconscionability ” e da “ bounded rationality ”: um “estranho caso” de aliança luso‑americana? * DR. HUGO LUZ DOS SANTOS Sumário: I) Introdução. II) Breve descrição dos contratos cambiais. III) Breve descrição dos instrumentos derivados financeiros e a directiva comunitária dos mercados de instrumentos financeiros (DMIF): 1) A função económica dos derivados financeiros – o caso do “empty voting” e a “titularidade indirecta de acções e exercício de direito de voto” como expressão do perigo (potencial) da finalidade especulativa adstrita aos contratos de swap. IV) Os diversos tipos de derivados financeiros, com destaque para os swaps de taxa de juro. V) O regime jurídico‑civil da alteração anormal das circunstâncias (artigo 437.º, do Código Civil): as figuras doutrinais norte‑americanas da “unconscionability” e da bounded rationality” e breve enquadramento dogmático à luz dos princípios de Direito Europeu dos Contratos (DCFR) (Draft Common Frame of Reference), nomeadamente da figura da “ inexigibilidade”. I O tema dos derivados financeiros tem um assinalável impacto na economia mundial. Na verdade, sobretudo por pressão da crise financeira, tanto os derivados de acções como os derivados de crédito vêm, no entanto, ganhando um lugar de relevo como problema regulativo, seja na Europa – com inúmeras iniciativas * Este artigo doutrinal segue as regras anteriores ao novo acordo ortográfico.

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O contrato de swap de taxas de juro e os instrumentos derivados financeiros à luz do recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Outubro, de 2013: a “alteração anormal das circunstâncias” e as categorias doutrinais norte‑americanas da “unconscionability” e da “bounded rationality”: um “estranho caso” de aliança luso‑americana?*

dR. HUGo LUz dos santos

sumário: I) Introdução. II) Breve descrição dos contratos cambiais. III) Breve descrição dos instrumentos derivados financeiros e a directiva comunitária dos mercados de instrumentos financeiros (DMIF): 1) A função económica dos derivados financeiros – o caso do “empty voting” e a “titularidade indirecta de acções e exercício de direito de voto” como expressão do perigo (potencial) da finalidade especulativa adstrita aos contratos de swap. IV) Os diversos tipos de derivados financeiros, com destaque para os swaps de taxa de juro. V) O regime jurídico‑civil da alteração anormal das circunstâncias (artigo 437.º, do Código Civil): as figuras doutrinais norte‑americanas da “unconscionability” e da “bounded rationality” e breve enquadramento dogmático à luz dos princípios de Direito Europeu dos Contratos (DCFR) (Draft Common Frame of Reference), nomeadamente da figura da “inexigibilidade”.

i

o tema dos derivados financeiros tem um assinalável impacto na economia mundial.

na verdade, sobretudo por pressão da crise financeira, tanto os derivados de acções como os derivados de crédito vêm, no entanto, ganhando um lugar de relevo como problema regulativo, seja na europa – com inúmeras iniciativas

* este artigo doutrinal segue as regras anteriores ao novo acordo ortográfico.

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legislativas –, seja nos estados Unidos da américa, onde o Dodd ‑Frank Act (D.F.A.)1 procurou eliminar diversas lacunas respeitantes a instrumentos deri‑vados financeiros “exóticos” que permitiam práticas abusivas das entidades bancárias permanecessem por identificar e regular.

É sobre essas práticas abusivas, concretamente na modalidade de contrato de swap de taxas de juros, que se debruçou o acórdão do supremo tribunal de Justiça, de 10 de outubro de 2013, com o qual se concorda inteiramente, cuja dilucidação teórico ‑prática, mormente do ponto de vista do direito compa‑rado, nos propomos realizar.

ii

denominam ‑se por contratos cambiais2 («exchange currency agreements», «Divisengesschäfte», «contrats de change») os negócios jurídicos realizados pelos bancos ou outras entidades, por conta própria ou dos seus clientes, que têm por objecto a troca de quantia em dinheiro, expressa numa determinada moeda, por outra quantia pecuniária expressa numa outra moeda com curso legal num sistema financeiro3‑4.

o regime jurídico das operações bancárias encontra ‑se previsto no decreto‑‑Lei n.º 295/2003, de 21 de novembro, sendo ainda de ter em linha de conta os avisos do Banco de Portugal n.º 1/99, de 15 de Janeiro e n.º 13/2003, de 16 dezembro: estão aqui abrangidas a compra e venda de moeda de moeda estrangeira, as transferências expressas em moeda estrangeira para liquidação de operações económicas e financeiras com o exterior, e outras operações equi‑paradas (relativas a contas nacionais de não ‑residentes e contas no estrangeiro de residentes). não obstante a liberalização do mercado cambial, o comércio profissional continua reservado às instituições de crédito e às agências de câmbios [artigos 4.º, n.º 1, alínea f ), e 6.º, n.º 1, alínea i), do RGicsF, artigos 9.º e 10.º,

1 v. charles Murdock, «The Dodd‑Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act: What Caused The Financial Crisis and Will Dodd‑Frank Prevent Future Crisis?», in s.M.U. Law Review, 1243 (2011), passim.2 seguiremos de muito perto, mesmo textualmente, o brilhante artigo doutrinal de José engrácia antunes, «Contratos Bancários», in estudos em Homenagem ao Professor doutor carlos Ferreira de almeida, vol. ii, comissão organizadora: José Lebre de Freitas, Rui Pinto duarte, assunção cristas, vítor Pereira das neves, Marta tavares de almeida, coimbra, almedina (2011), 149 ‑152. 3 v., na doutrina norte‑americana, Brian coyle, «Foreign Exchange Markets», Glen Lake Publishing, chicago (2000), passim.4 v., na doutrina alemã, Werner ebke, «Internationales Devisenrecht», RuW, Heidelberg (1991), passim.

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do decreto ‑Lei n.º 295/2003, de 21 de novembro, decreto ‑Lei n.º 3/94, de 11 de janeiro, aviso do Banco de Portugal n.º 13/2003, de 16 de dezembro)5.

entre as principais modalidades de contratos cambiais, refiram ‑se os contratos à vista e a prazo, com especial relevo para os futuros, as opções e os “swaps” cambiais.

os contratos cambiais à vista («spot exchange agreements») e a prazo («forward exchange agreements») são contratos de compra e venda ou permuta de moeda estrangeira, celebrados entre um banco e os clientes residentes ou não ‑resi‑dentes, a contado (à vista) ou num prazo superior a dois dias úteis (a prazo), a uma taxa de câmbio previamente determinada6.

os contratos cambiais à vista e a prazo perseguem, em regra, diferentes fina‑lidades. ao passo que os primeiros visam usualmente a conversão imediata de moeda nacional (com curso legal em Portugal) por divisas (moeda estrangeira), ou de uma divisa por outra, os últimos perseguem primacialmente uma finali‑dade de cobertura de risco de variação da taxa de câmbio de uma divisa («hedging»)7‑8‑9‑10, além de finalidades especulativas: por exemplo, se um empresário português adquirir uma frota de veículos a uma empresa automóvel norte ‑americana a ser entregue em data futura, pode logo fixar o montante do preço em dólares e a correspondente taxa de câmbio relativamente ao euro («forward rate»), apesar de o pagamento ao vendedor ocorrer apenas na data da referida entrega – assim renunciando a eventuais mais – valias (se a cotação do dólar subir) mas também protegendo ‑se contra quaisquer perdas (no caso oposto)11‑12.

os futuros cambiais («exchange futures») são contratos padronizados e negociáveis em mercado organizado, através dos quais as partes se obrigam, por um taxa de câmbio neles convencionada, a comprar e vender uma determinada divisa em data futura previamente acordada. as opções cambiais («exchange options») são

5 neste sentido, José engrácia antunes, «Contratos Bancários», cit., 150.6 v., na doutrina italiana, R. cavallo Borgia, «Le Operazioni su Rischio di Cambio», in Francesco Galgano (dir.), I Contratti del Commercio, dell’Industria e del Mercato Finanziario, vol. iii, 2395 ‑2439, Utet, torino (1995).7 sobre os hedge funds no contexto da crise financeira de 2007/2010, tiaGo Bessa, «Crise, Regulação e Supervisão de Hedge Funds», in Revista de direito das sociedades, ano ii (2010) – n.º 3 ‑4, director: antónio Menezes cordeiro, coimbra, almedina (2011), 853 ‑869.8 sobre esta matéria, na doutrina portuguesa, José engrácia antunes, «Os “Hedge Funds” e o Governo das Sociedades», in aavv, Direitos dos Valores Mobiliários, vol. iX (2010), 9 ‑70.9 v. Gabriela Figueiredo dias, «Regulação e Supervisão de Hedge Funds: Percurso, Oportunidade e Tendências», in aavv, Direitos dos Valores Mobiliários, vol. viii (2008), em especial, 65 ‑81;10 v. na doutrina estrangeira, iain cullen, «Hedge Funds: Structure and Documentation», in aavv, Hedge Funds: Law and Regulation, coord., iain cullen e Helen Parry (2001), 141 ‑157.11 neste sentido, José engrácia antunes, «Contratos Bancários», cit., 151.12 v., na doutrina norte ‑americana, dili Ghosch/ephraim clarck, «Arbitrage, Hedging, and Speculation: The Foreign Exchange Market», Praeger, new York (2004), passim.

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contratos negociados em mercado organizado ou ao balcão dos bancos, pelos quais uma parte fica investida do direito potestativo de comprar ou vender uma determinada divisa , por um taxa de câmbio convencionada e durante um determinado tempo. Finalmente, os «swaps» cambiais («foreign exchange swaps») são contratos individualizados e compra e venda simultâneas de uma determi‑nada divisa, sendo uma das transacções realizada a pronta e a outra a prazo13.

os futuros e as opções cambiais são, no fundo, modalidades específicas dos contratos cambiais a prazo – contradistinguindo ‑se, fundamentalmente, pelo carácter padronizado e organizado da contratação, que se processa através de intermediários autorizados no quadro de mercados regulamentados [artigos 3.º e 9.º, n.º 2, alínea b), do decreto ‑Lei n.º 250/2000, de 13 de outubro], e não de forma individualizada e directa entre as partes («over ‑the ‑counter») –, ao passo que os «swaps» cambiais representam uma modalidade mista ou híbrida, a meio caminho entre os contratos à vista e prazo14.

iii

o direito comercial sempre foi um «direito de ponta» na criação de meca‑nismos facilitadores da vida comercial.

a principal fonte do conceito de instrumentos financeiros encontra ‑se na directiva relativa aos instrumentos financeiros – directiva 2004/39/ce, de 21 de abril de 2004, denominada abreviadamente dMiF, que não define o conceito de instrumentos financeiros, limitando ‑se, no ponto 17) do n.º 1 do artigo 4.º a remeter para a secção c do anexo i, onde se encontra uma enume‑ração não exaustiva, prevendo ‑se no n.º 2 do mesmo artigo que a comissão europeia venha a clarificar a definição.

o código de valores Mobiliários, na sua versão originária, não contem‑plava o conceito de instrumento financeiro, embora a ele fizesse referência, em extensão dos valores mobiliários15.

com a transposição da directiva dMiF pelo decreto ‑Lei 357 ‑a/2007, de 31 de outubro, o artigo 2.º, n.º 2 do código de valores Mobiliários passou a

13 neste sentido, José engrácia antunes, «Os Derivados Financeiros», in cadernos do Mercado de valores Mobiliários, n.º 30 (2008), pp.91 ‑136, especialmente, 111 ss.14 neste sentido, José engrácia antunes, «Contratos Bancários», cit., 151 ‑152.15 seguiremos de muito perto, mesmo textualmente, o notável artigo doutrinal de antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, vol. ii, comissão organizadora: José Lebre de Freitas, Rui Pinto duarte, assunção cristas, vítor Pereira das neves, Marta tavares de almeida, coimbra, almedina (2011), 37 ‑69.

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enunciar os instrumentos financeiros, por remissão para a as alíneas a) e f ) do mesmo artigo, nos termos seguintes:

a) os valores mobiliários e as ofertas públicas a estes respeitantes;b) os instrumentos do mercado monetário, com excepção dos meios de paga‑

mento;c) os instrumentos derivados para a transferência do risco de crédito;d) os contratos diferenciais;e) as opções, os futuros, os swaps, os contratos a prazo e quaisquer outros con‑

tratos derivados relativos a: i) valores mobiliários, divisas, taxas de juro ou de rendibilidade ou relati‑

vos a outros instrumentos derivados, índices financeiros ou indicadores financeiros, com liquidação física ou financeira;

ii) Mercadorias, variáveis climáticas, tarifas de fretes, licenças de emissão, taxas de inflação ou quaisquer outras económicas oficiais, com liquidação financeira ainda que por opção de uma das partes;

iii) Mercadorias, com liquidação física, desde que sejam transaccionados em mercado regulamentado ou em sistema de negociação multilateral ou, não se destinando a finalidade comercial, tenham características análogas às de outros instrumentos financeiros derivados nos termos do artigo 38.º, do Regulamento (ce) n.º 1287/2006, de 10 de agosto;

f ) Quaisquer outros contratos derivados, nomeadamente os relativos a qualquer dos elementos indicados no artigo 39.º do Regulamento (ce) n.º 1287/2006, de 10 de agosto, da comissão, de 10 de agosto, desde que tenham caracte‑rísticas análogas às de outros instrumentos financeiros derivados nos termos do artigo 38.º do mesmo diploma.

Por conseguinte, a enumeração constante do artigo 2.º do código de valores Mobiliários – assim como da directiva relativa aos instrumentos financeiros – directiva 2004/39/ce, de 21 de abril de 2004, denominada abreviadamente dMiF16 – pode reconduzir ‑se a três categorias fundamentais: os valores mobi‑liários, os instrumentos do mercado monetário e os derivados.

os «contratos diferenciais» não constituem uma categoria autónoma, mas uma forma de liquidação/compensação de contratos de derivados.

Por seu lado, os «warrants», que são valores mobiliários [artigo 1.º, alínea e)], também são instrumentos financeiros derivados.

apesar da multiplicidade de formas de instrumentos derivados é possível encontrar traços comuns.

16 Para uma análise proficiente desta directiva, v. Mathilde valério, «A DMIF e a crise financeira de 2007 ‑2010. Necessidade de um novo rumo», in Revista de direito das sociedades, ano ii, n.º 3 ‑4, 2010, director: antónio Menezes cordeiro, almedina, coimbra (2010), 825 ‑833.

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na definição apresentada pelo Professor engrácia antunes: derivados são instrumentos financeiros resultantes de contratos a prazo celebrados e validados por refe‑rência a determinado activo subjacente.

Por conseguinte, os derivados são caracterizados:

– pela sua origem contratual; – por se tratar de operações a prazo;– por o seu valor se reportar a activos subjacentes17‑18.

trata ‑se sempre de contratos a prazo, por oposição a operações a contato (spot), o que implica um certo grau de riscos19, especialmente o cambial, de taxas de juro, de acções e de índices de acções, de matérias ‑primas, de mercadorias, de crédito e do próprio mercado20.

na verdade, os derivados foram concebidos para gerir riscos, mas, eles próprios envolvem novos riscos. contudo, dada a bilateralidade dos contratos, às perdas de uma parte correspondem os ganhos da contraparte e, por isso, se denominam operações de «soma zero».

Por definição, os derivados financeiros reportam ‑se sempre a «activos subja‑centes», que podem ser os mais diversos, como decorre da enumeração constante das citadas subalíneas da alínea e), do n.º 1 do artigo 2.º, ou seja, designada‑mente, valores mobiliários, divisas, taxas de juro ou rendibilidades ou relativos a outros instrumentos derivados, índices financeiros, com liquidação física ou financeira, mercadorias, variáveis climáticas, tarifas de fretes, licenças de emissão, taxas de inflação ou quaisquer outras estatísticas económicas oficiais, com liquidação financeira21.

17 neste sentido, José engrácia antunes, «Instrumentos Financeiros», coimbra, almedina, 1.ª ed. (2009), 128 ss.18 neste sentido, muito recentemente, Madalena Perestrelo de oliveira, «Instrumentos financeiros com fins de garantia e exercício de direitos sociais», in Revista de direito das sociedades, ano v (2013), número 3, director: antónio Menezes cordeiro, almedina, coimbra (2014), 544.19 neste segmento temático a questão que se coloca, e que será abordada mais detidamente infra, é a de saber qual é a medida de significado funcional que separa o «risco próprio do contrato» e o «desequilíbrio no exercício» em termos de se poder afirmar, com propriedade, que se rompeu, pelo advento de circunstâncias anormalmente mais gravosas para um dos contratantes, o equilíbrio contratual que uniu funcionalmente as partes contratantes num contrato sinalagmático, oneroso, comutativo, fundando, inerentemente, o direito de resolução da parte afectada pelo advento das referidas circunstâncias imprevisíveis.20 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 44.21 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 45.

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estes activos subjacentes podem ter natureza corpórea e liquidação física (e.g. futuros sobre matérias ‑primas e mercadorias) ou natureza incorpórea ou virtual, com liqui‑dação financeira (v.g. índices financeiros ou variáveis climáticos)22.

iii) – 1)

Quanto à sua função económica, os derivados financeiros podem ter várias causas, nomeadamente, cobertura de riscos, arbitragem e especulação.

a cobertura de riscos (hedging)23/24 reduz os riscos operacionais e financeiros a que os investidores estão expostos no caso de movimentos adversos dos preços. Por exemplo, um importador de certa matéria ‑prima recorre ao mercado de futuros para adquiri ‑la, a prazo, a um determinado preço. se na altura da liquidação, o preço de mercado for mais baixo, perderá dinheiro, mas, em contrapartida gere o risco de um eventual aumento do preço.

a arbitragem é uma estratégia para obter ganhos, sem correr riscos, tirando partido de imperfeição dos mercados e das posições relativas dos participantes nesses mercados, beneficiando reciprocamente das condições mais favoráveis, por exemplo, através de swaps.

a especulação é uma forma de investimento agressivo, onde o investidor assume riscos substanciais em troca de lucros mais elevados, de acordo com as suas previsões25.

importa determo ‑nos na finalidade especulativa inerente, por vezes, ao contrato de swap.

com efeito, a doutrina nacional mais recente, tem enfatizado que a espe‑culação26 tem por base, essencialmente, a intenção das partes: enquanto o jogador

22 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 45.23 v., na doutrina alemã, Urs Bertschinger, «Finanzinstrumente in der Aktienrechtsrevision – Derivate, Securities Lending and Repurchase Agreements», in szW/Rsda 2/2008 (2008), 208 ‑214.24 v., na doutrina portuguesa, ana Perestrelo de oliveira/Madalena Perestrelo de oliveira, «Derivados Financeiros e governo societário: a propósito da nova regulação mobiliária europeia e da consulta pública da ESMA», in Revista de direito das sociedades em Revista, ano iv (2012), n.º i, director: antónio Menezes cordeiro (2012), coimbra, almedina, 87; estudo a que voltaremos, pelo seu brilho e pertinência, mais à frente.25 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 45.26 dando nota, ainda que no âmbito do Repurchase agreement (promessa de recompra), da “ feição especulativa” do reporte de bolsa, o minucioso estudo de antónio Menezes cordeiro/ a. Barreto Menezes cordeiro, «Repurchase Agreement (promessa de recompra): conceito e sistematização dogmática», in Revista de direito das sociedades, ano v (2013), números 1/2, director: antónio Menezes cordeiro, coimbra, almedina (2013), 57.

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cria o risco, o especulador utiliza o risco para fins úteis ou procura precaver ‑se contra ele27.

a este respeito, é interessante referir ainda a distinção realizada pela juris‑prudência francesa que contrapõe a spéculation hasardeuse à spéculation sériouse28. Pela primeira entende ‑se independente de qualquer outro motivo que a pudesse explicar como parte de um interesse mais geral, útil ou razoável; a segunda cobre os casos em que a deliberada exposição das partes a um risco tem por base uma razoável perspectiva sobre o futuro curso dos acontecimentos adquirida esta após uma cuidadosa ponderação de todos os factores económicos relevantes29.

estará nessa posição, como no caso concreto julgado pelo supremo tribunal de Justiça, o consumidor que, ao tempo da celebração do contrato de swap, não poderia razoavelmente contar com uma alteração anormal das circunstâncias30‑31, ditada por uma crise financeira sem precedentes a nível mundial?

a essa questão voltaremos adiante quando procedermos ao cruzamento refle‑xivo entre a celebração do contrato de swap de taxa de juro e os riscos próprios do contrato, nomeadamente no que respeita entre a assimetria informativa que medeia um consumidor e uma entidade bancária (swap dealer).

27 neste sentido, Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», in cadernos de direito Privado (CDP), n.º 42, abril/Junho de 2013 (2013), ceJUR, Braga, 9.28 Para esta distinção v. Paul Goris, «A future for swap‑assurance? An equity in the border areas of swap and insurance», in intl. B. Law Journal, 469 (1994), 471 ‑472.29 neste sentido, Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., 9.30 Muito recentemente, em anotação ao presente aresto, rejeitando a tese da aplicabilidade do instituto jurídico da alteração anormal das circunstâncias, referindo, para o efeito, que “o desequilíbrio funcional (superveniente) não é mais do que o prolongamento do desequilíbrio genético, querido e estipulado pelas partes ab initio para por definição valer in futurum durante o prazo contratado no swap. É assim nos contratos aleatórios, em que só finalmente se sabe quem ganha e quem perde e o “preço” é quantificado de antemão (na formação do contrato) em função do risco coberto pela concreta vontade das partes (risk edger e risk taker)”; neste sentido, João calvão da silva, «Swap de taxa de juro: inaplicabilidade do regime da alteração das circunstâncias», in Revista de Legislação e Jurisprudência (RLJ), ano 143.º, n.º 3986, Maio ‑Junho de 2014, coimbra editora, coimbra (2014), 365.31 no mesmo sentido da doutrina professada na nota anterior, e também em anotação ao presente aresto, muito recentemente, afirmando, a esse propósito, que “pela nossa parte, cremos que, mesmo quando se vislumbre no art.º 437.º, do CC uma pura manifestação da boa fé, a natureza dos contratos de swap de taxa de juro, bem como o fundamento e os requisitos do art.º 437.º, do CC levantam dificuldades na aplicação deste instituto àqueles contratos, nas situações em que a circunstância que se alterou diga respeito a variações da taxa de juro semelhantes às verificadas no caso julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça. É que o desequilíbrio superveniente verificado parece dizer respeito ao próprio desequilíbrio que as partes aceitaram e contratualizaram, através do swap”; neste sentido, catarina Monteiro Pires, «Entre um modelo corretivo e um modelo informacional no direito bancário e financeiro», in cadernos de direito Privado (CDP), n.º 44, outubro/dezembro de 2013, ceJUR, Braga (2014), 14.

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Por ora, e pugnando por enfatizar o perigo (potencial) da utilização menos escrupulosa dos derivados financeiros, mormente dos derivados de crédito (Credit Default Swaps – CDS) e dos equity swaps, ilustraremos esse perigo com o chamamento à colação de questões de governo societário (corporate governance), nomeadamente a (candente) questão do empty voting32‑33 (direito de voto disso‑ciado do interesse económico na sociedade comercial) que se fundam, no essencial, nos efeitos da separação entre titularidade do capital/crédito e titularidade do interesse económico.

a “revolução dos derivados” – com a divulgação de equity swaps e outros deri‑vados negociados ao balcão e o crescimento do mercado de empréstimo de acções que tornaram mais fácil e barato separar propriedade económica e poder de voto – veio, nos termos expostos, permitir que outsiders (sujeitos sem interesse económico na sociedade comercial) exerçam o voto e que insiders obtenham mais votos do que a propriedade económica adquirindo uma influência despro‑porcionada na sociedade comercial34. se era conhecida a figura do destaque de direito de conteúdo patrimonial e se houve quem se pronunciasse em favor da equiparação a esta do destaque a direitos políticos35‑36, valia, quase incontro‑versa, uma regra de proibição de cisão do voto37‑38.

32 sobre o empty voting, na doutrina estrangeira, HenRY t.c. HU/BeRnaRd BLacK, «Hedge Funds, Insiders, and Empty Voting: Decoupling of Economic and Voting Ownership in Public Companies», in Journal of corporate Finance, vol. 13 (2007), 343 ‑367.33 neste sentido, muito recentemente, Madalena Perestrelo de oliveira, «Instrumentos financeiros com fins de garantia e exercício de direitos sociais», cit., 558 ‑559.34 v. ana Perestrelo de oliveira/Madalena Perestrelo de oliveira, «Derivados Financeiros e governo societário: a propósito da nova regulação mobiliária europeia e da consulta pública da ESMA», cit., 57.35 neste sentido, José Marques estaca, «O destaque dos direitos de voto em face do código de valores mobiliários», in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Oliveira de Ascensão, vol. ii, coimbra, almedina (2008), 1347 ‑1361, que procura demonstrar a inexistência de uma regra de indissociabilidade do direito de voto da participação social.36 v. tiago arnould, «O destaque do direito aos lucros: esvaziamento do direito de voto e titularidade oculta», in Revista de direito das sociedades, ano v (2013), números 1/2, director: antónio Menezes cordeiro, coimbra, almedina (2013), 370 ‑372.37 v. ana Perestrelo de oliveira/Madalena Perestrelo de oliveira, «Derivados Financeiros e governo societário: a propósito da nova regulação mobiliária europeia e da consulta pública da ESMA», cit., 57.38 v. nuno trigo dos Reis, «As obrigações de votar segundo instruções de terceiro no direito das sociedades», in Revista de direito das sociedades, ano iii (2011), n.º 2, director: antónio Menezes cordeiro, coimbra, almedina, 2011, 403 ‑572. no entendimento do autor, os terceiros não comungam da finalidade societária comum nem suportam o inerente risco. Mais à frente, sustenta o autor que, é a proibição de renúncia antecipada a direitos (artigo 809.º, do código civil) que explica que o sócio não possa autorizar terceiros a determinar o sentido do seu voto, independentemente dos casos em que se suscite. o problema restringe ‑se, pois, à obrigação de voto de conteúdo indeterminado, pois, na hipótese inversa, há apenas uma determinação antecipada do sentido de voto.

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trata ‑se de situações, em síntese, em que a titularidade dos valores mobi‑liários surge dissociada do resultado económico (i.e. risco de investimento)39 que é integralmente repercutido na esfera jurídica de terceiro, mediante a estipu‑lação de um programa contratual destinado a regular a actuação do intermediário financeiro na vigência do programa contratual40.

na base destas cadeias de titularidade indirecta está sempre uma conta de registo individualizado41‑42 aberta em nome de um intermediário financeiro. Por norma, esta conta de registo individualizado (artigo 61.º, da código de valores Mobiliários) é uma conta omnibus43 – também designada de conta jumbo ou conta global – onde estão inscritos de forma indistinta, valores mobiliários detidos por conta de múltiplos investidores44, o que é feito para aproveitar os benefícios e a flexibilidade operacional às práticas de securities pooling45‑46. esta conta de base é

39 em artigo doutrinal recente, discreteando sobre a titularidade indirecta de valores mobiliários e sobre o exercício de direitos de voto nas sociedades cotadas, no quadro das alterações introduzidas pelo decreto ‑Lei n.º 49/2010, de 19 de Maio, antónio Menezes cordeiro, «Novas regras sobre assembleias gerais: a reforma de 2010», in Revista de direito das sociedades, ano ii (2010), números 1/2, director: antónio Menezes cordeiro, coimbra, almedina (2010), 32 ‑33.40 v. o notável estudo de andré Figueiredo, «O negócio fiduciário perante terceiros. Com aplicação especial na gestão de valores mobiliários», tese de doutoramento, colecção teses, coimbra, almedina (2012), 405 ss.41 v., na doutrina italiana, sobre a questão da determinação da legitimidade do acionista para o exercício do direito de voto com referência a uma data de registo, à semelhança do que sucede nos estados Unidos, no Reino Unido e em espanha; nicola di Luca, «Titolarità vs. Legittimazione: a proposito di record date, empty voting e “proprietà nacosta” di azioni», in Rivista di diritto societário 2010/2012, 312 ss.42 v., na doutrina nacional, sobre o sistema de record date; Paula costa e silva, «O conceito de acionista e o sistema de record date», in aavv, direito dos valores Mobiliários, vol. iii, coimbra, coimbra editora (2008), 447 ‑460.43 v. na doutrina espanhola, santillán, «Cuentas ómnibus y regímen de separación del artigo 80 LC», in RdcP, n.º 10 (2009), 215 ss.44 v. na doutrina anglo‑saxónica, dirk zetzsche, «Shareholder Passivity, Cross‑Border Voting and The Shareholder Rights Directive», in Journal of corporate Law studies, vol. 8 ‑2 (2008), 291 ss.45 noutro plano, é importante referir as dark pools, que consistem em redes privadas de transacção electrónica mantidas tipicamente por grandes bancos ou empresas seguradoras, onde os instrumentos financeiros são comprados e vendidos pelos clientes destas empresas. todas as operações são processadas sob o controlo do banco e não são objecto de publicação. não se sabe, por isso, quem compra e quem vende as acções nem o volume das acções transaccionado. Para além dos lucros fornecidos aos operadores, as dark pools permitem aos investidores institucionais fazer grandes transacções evitando a inerente publicidade e sem alterar os preços no mercado; sobre este fenómeno, v. ana Perestrelo de oliveira/Madalena Perestrelo de oliveira, «Derivados Financeiros e governo societário: a propósito da nova regulação mobiliária europeia e da consulta pública da ESMA», cit., 76, nota 68.46 neste sentido, v. andré Figueiredo, «Titularidade indirecta de acções e exercício de direitos de voto» in Revista de direito das sociedades, ano iv (2012), n.º 3, director: antónio Menezes cordeiro, coimbra, almedina (2012), 520.

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depois desdobrada em sucessivos registos e contas ‑espelho, mantidas directamente em nome do investidor ou, nas hipóteses de maior complexidade, em nome ainda de outros intermediários, mas que constituem, na verdade, meros registos internos dos intermediários financeiros, não se confundindo com as contas de titularidade que o quadro legal reconhece (em concreto, com as contas refe‑ridas no artigo 61.º, do cdvM), nem integrando, naturalmente, o sistema de contas desenhado pelo código de valores Mobiliários47.

os investidores não são reconhecidos como contitulares daquela conta de registo, que não constitui, portanto, uma conta colectiva48. eles são, na verdade, titulares de posições jurídicas derivadas, que reflectem, sucessivamente, o conteúdo – patrimonial e social – dos valores mobiliários na conta base.

Para ilustrar o (perigo) de manipulação do direito de voto com recurso a instrumentos derivados financeiros, mormente os equity swap, e da finalidade especulativa a que lhes subjaz, tomemos como exemplo o sobejamente conhe‑cido caso Mylan.

a Perry Corp, um hedge fund, detinha sete milhões de acções da King Pharmaceuticals. no final de 2004, a Mylan Laboratories anuncia que pretende comprar a sua rival King Pharmaceuticals por um preço substancialmente supe‑rior ao valor de mercado, provocando com a notícia uma abrupta descida na cotação das suas acções.

Perante esta queda, a aprovação dos accionistas, necessária para que o negócio se concretizasse, tornou ‑se improvável, cenário que não favorecia a Perry Corp, acionista da King Pharmaceuticals, cujo interesse económico se dirigia à realização do negócio. Para garantir que assim sucedia, adquiriu 9,9 % da Mylan Labora‑tories, tornando ‑se no seu maior acionista e assegurando o inerente direito de voto. Previsivelmente, com a aprovação da aquisição da King Pharmaceuticals, a cotação destas acções desceria, pelo que a Perry Corp segurou o risco associado às acções recentemente adquiridas, celebrando, para tal, um equity swap. com este negócio consegue transferir os resultados negativos da sua posição de acionista, sem, no entanto, perder a titularidade das acções e o direito de voto. Fica, pois, titular da posição curta ou interest leg, i.e., tem mais votos na Mylan Laboratories do que interesse económico, enquanto que a contraparte fica titular da posição

47 neste sentido, v. andré Figueiredo, «Titularidade indirecta de acções e exercício de direitos de voto», cit., 520.48 na medida em que não consubstanciam contas de valores mobiliários abertas em nome de duas ou mais pessoas singulares [artigo 57.º, artigo 68.º, n.º 1, alínea a), artigo 74.º, n.º 2, todos do cdvM], estando, ao invés, abertas em nome do intermediário financeiro, e apenas em seu nome; sobre as contas colectivas, v. conceição nunes, «Contas colectivas de valores mobiliários», in direito dos valores Mobiliários, vol. vi, coimbra, coimbra editora (2006), 275 ss.

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longa, long leg ou equity leg, de tal maneira que, embora não tenha direitos de voto, tem interesse económico na Mylan Laboratories49.

como está bem de ver, o incentivo para a celebração deste negócio apenas poderá resultar de uma estratégia especulativa da parte que fica com a equity leg. esta encontra ‑se, agora, na posse de informações privilegiadas. enquanto que o resto do mercado calculará que a compra da King Pharmaceuticals não será aprovada pelos accionistas receosos perante a potencial desvalorização da Mylan Laboratories, o titular da posição longa (equity leg) conhece a estratégia da Perry Corp, que lucrará com a compra da King Pharmaceuticals e que não sofre as consequências da desvalorização da Mylan Laboratories por ter segu‑rado a sua posição. Utilizando a informação a seu favor, o titular da posição longa (equity leg) tenderá a vender a50 descoberto (naked short selling)51‑52 as acções da Mylan Laboratories. Quando a Perry Corp, enquanto acionista da Mylan, tiver votado favoravelmente a compra e a cotação das acções descer, o titular da long leg compra as acções desta empresa a um preço consideravelmente mais baixo, entregando ‑as ao comprador a descoberto.

nesta situação, a Mylan Laboratories é a host company, ou seja, a empresa onde ocorre a votação. Mas, como um dos accionistas com direito de voto – Perry Corp – é titular de related non ‑host assets, i.e. de acções de outra empresa cujo valor depende, de alguma forma, do valor das acções da host company, o seu interesse económico global dependerá sempre da conjugação destes dois valores, não podendo ser considerado, de forma separada, apenas o seu interesse na Mylan Laboratories. em concreto, a Perry Corp, apesar de ser titular de direitos de voto na Mylan Laboratories, tem nesta empresa um interesse económico negativo: lucrará tanto mais quanto maior for o valor pago para comprar a empresa concorrente.

como se deixou antecipado, nestes casos, como noutros, o empty voting, é produto a utilização (diríamos, disfuncional) dos derivados financeiros, mormente os equity swaps, que permitem transferir o risco para terceiros, utilizando ‑se, de

49 v. ana Perestrelo de oliveira/Madalena Perestrelo de oliveira, «Derivados Financeiros e governo societário: a propósito da nova regulação mobiliária europeia e da consulta pública da ESMA», cit., 59 ‑61, que vimos seguindo de muito perto, mesmo textualmente.50 v. ana Perestrelo de oliveira/Madalena Perestrelo de oliveira, «Derivados Financeiros e governo societário: a propósito da nova regulação mobiliária europeia e da consulta pública da ESMA», cit., 59 ‑61, que vimos seguindo de muito perto, mesmo textualmente.51 v. cristina sofia dias, «Notas breves a propósito do Regulamento sobre short selling e credit default swaps», in cadernos do Mercado de valores Mobiliários (2011), n.º 39.52 Que constituem, no entendimento da doutrina norte ‑americana, a “speculative instrument”, v. charles Murdock, «The Dodd‑Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act: What Caused The Financial Crisis and Will Dodd‑Frank Prevent Future Crisis?», in s.M.U. Law Review, 1243 (2011), 138.

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permeio, uma estratégia puramente especulativa, permitindo aplicações destinadas a explorar as ineficiências dos mercados ou discrepâncias de preços dos activos subjacentes (arbitragem), comprando e vendendo simultaneamente o mesmo activo a diferentes preços para obter um ganho53.

iv

conforme decorre do artigo 2.º, n.º 1, do código de valores Mobiliários os principais tipos de derivados financeiros são os futuros, as opções e os swaps, para além de outros contratos a prazo.

os futuros, que foram concebidos principalmente para a cobertura de riscos (hedging), são contratos a prazo padronizados, negociáveis em mercado orga‑nizado, que conferem posições obrigacionais de compra e de venda de deter‑minado activo subjacente, por um preço previamente fixado, a executar numa data futura (vencimento) mediante liquidação física ou financeira. os activos subjacentes, podem ter uma diversidade de objectos, desde valores mobiliários, índices, matérias ‑primas ou mercadorias54.

o comprador assume uma posição longa (long leg), enquanto que o vendedor uma posição curta (interest leg). na data do vencimento, o comprador tem a obri‑gação de comprar o activo subjacente ao preço convencionado (liquidação finan‑ceira). Por sua vez, o vendedor assume a obrigação de vender o activo subjacente ao preço contratado ou de receber a diferença, conforme a forma de liquidação55.

as opções, que são especialmente utilizadas para a gestão de riscos cambiais, são também contratos a prazo que atribuem a uma das partes, mediante o paga‑mento de um prémio inicial, o direito potestativo de compra ou de venda, na data de vencimento, de um certo activo subjacente por um preço previamente fixado.

são designados derivados não lineares, contrapondo aos derivados lineares, pela assimetria existente entre as partes contratantes, uma vez que uma das partes tem o direito potestativo, mas não a obrigação, de compra ou venda e a outra parte fica na correspondente situação de sujeição da data de venda ou da compra do activo subjacente56.

53 v. João calvão da silva, «Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo ou aposta», in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 142, n.º 3979, Março‑‑abril 2013 (2013), coimbra, coimbra editora, 264.54 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 46.55 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 46.56 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 48.

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o titular da opção de compra (call option) tem uma expectativa de subida das cotações do activo subjacente e obterá um ganho se esta se confirmar na data de vencimento.

se, pelo contrário, ocorrer uma descida de cotações, naturalmente não exercerá a opção e apenas perde o valor do prémio pago (preço da opção).

Por seu lado, o titular da opção de venda (put option) tem expectativas de descida das cotações, e, se esta se verificar, controla o risco da correspondente desvalorização do activo subjacente, podendo vendê ‑lo ao preço convencionado57.

as opções sobre acções designam ‑se stock options58, sobre obrigações bond options, sobre divisas currency options, sobre taxas de juro interest rate options, sobre índices bolsistas index options e sobre mercadorias commodity options59.

os forwards, que apresentam algumas semelhanças com os swaps60, embora sejam contratos a prazo com características idênticas aos futuros, distinguem ‑se destes porque são negociados fora dos mercados organizados, em mercado de balcão (over the counter – otc).

Merecem especial referência os forwards sobre divisas, designados por forward exchange agreements (FXa’s) e sobre taxas de juro (FRas ou forward rate agree‑ments) em que as partes se comprometem reciprocamente a pagar a diferença

57 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 48.58 Paralelamente a este plano, vai ‑se afirmando, no contexto europeu, a importância vital das tracking stocks (acções sectoriais) que se caracterizam por terem uma performance que é avaliada em função do desenvolvimento apresentado pelos resultados económicos de uma área, ou sector de actividade económica, de uma empresa com várias actividades ou empresa diversificada; v., na doutrina alemã, sandra thiel, «Spartenaktien fur Deustsche Aktiengesellschaften», carl Heymanns verlag, Köln‑Berlin ‑Bonn ‑München, 2001, 7 ss.; MaRtin tonneR, «Tracking Stocks: Zulassigkeit und Gestaltungsmoglichkeiten von Geschaftsbereichsaktien nach Deustschem Aktienrecht», carl Heymanns verlag, Köln‑Berlin ‑Bonn ‑München, 2002, 5 ss.; embora as tracking stocks (acções sectoriais) traduzam a existência de uma participação social no capital da sociedade comercial como um todo (GesamtGesellschaft), e não apenas no sector de referência – que não ganha autonomia financeira –, os direitos patrimoniais que lhe estão adstritos não se reportam à globalidade da actividade económica societária, embora sejam por ela influenciados, mas apenas ao sector que foram afectas; v. neste preciso sentido, que seguimos textualmente, Fátima Gomes, «As “tracking stocks” como categoria de acções e a sua compatibilidade com o ordenamento jurídico português», in direito das sociedades em Revista (DSR), setembro de 2010, ano 2, vol. 4, semestral, coimbra, almedina (2010), 79. 59 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 48.60 sobre os pontos de contacto e sobre os pontos de afastamento de ambos os instrumentos financeiros, v. Maria clara calheiros, «O Contrato de Swap», Boletim da Faculdade de direito da Universidade de coimbra, n.º 51, Stvdia Ivridica, dissertação de Mestrado, coimbra, coimbra editora (2000), 114 ss.

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entre uma taxa convencionada e a taxa em vigor no mercado numa data futura sobre um capital fictício (notional)61.

Finalmente, os swaps podem ser definidos como “uma família de contratos, pelos quais se estabelece entre as partes uma obrigação recíproca de pagar, de acordo com modalidades pré ‑estabelecidas, na mesma divisa ou em diferentes divisas62, certas quan‑tias de dinheiro calculadas por referência aos fluxos financeiros ligados a activos e passivos monetários, reais ou físicos, ditos subjacentes”63‑64.

Há, no entanto, que precisar que os pagamentos podem ser em fluxos perió‑dicos ou em liquidação final (swaps a coupon zero).

Por outro lado, os activos subjacentes são meramente nocionais, isto é, são apenas valores de referência (notionals), não sendo objecto de transmissão entre as partes.

os activos subjacentes, contudo, devem ter características idênticas, isto é, um swap deve basear ‑se em activos nocionais de igual montante e com os mesmos vencimentos, embora com taxas diferentes65.

Refira ‑se que, como os swaps não são negociados em mercado organizado, é necessária a intervenção dos Bancos e de outros intermediários financeiros (swap dealers) na sua formação (over the counter – otc)66, uma vez que é muito difícil que duas empresas conheçam as necessidades recíprocas para, entre si, contratarem um swap. os Bancos intervêm, então, abrindo posições (swap brokers) e procurando uma contraparte, recebendo uma comissão pela conclusão do negócio. Mas, na procura de maiores receitas, os Bancos transformam ‑se em swap dealers intermediando os fluxos financeiros mediante um bid ‑ask ‑ spread, ou, mesmo, figurando como contraparte67.

61 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 49.62 a noção taxionómica foi originariamente cunhada, na doutrina francesa, por Pierre ‑antoine Boulat/Yves Perre, «Les Swap, technique contractuelle et regime juridique», Masson, Paris (1992), 28.63 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 51.64 neste sentido, com algumas diferenças terminológicas, nomeadamente no que respeita às modalidades de swaps em sentido próprio e em sentido impróprio, que seguiremos em texto, Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., 4.65 neste sentido, na doutrina francesa, v. Joseph ‑Benjamin Mojuyé, «Le Droit dês Produits Financiers (Swaps, Options; Futures) en France et Aux Etats‑Unis» (2008), pp, 270.66 advogando, contudo, que “all standardized OTC (over‑the‑counter) derivative contracts should be traded on exchanges or electronic trading plattforms”; v., na doutrina norte‑americana, James schwartz, «The CFT’S Cross‑Border Guidance for Swaps and Substituted Compliance Regime», in Harvard Law Review, vol. 4 (2013), 52.67 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 51.

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Relativamente aos diversos tipos de swaps, em sentido próprio, refira ‑se os seguintes:

– Swap de taxa de juro

1) troca periódica de juros vencidos de um empréstimo a taxa fixa por juros vencidos de um empréstimo de taxa variável, sendo ambas as quantias em causa expressas na mesma moeda. e.g. juros correspondentes a empréstimo em escudos a 10 % por juros relativos a empréstimo em escudos, indexado à taxa base dos empréstimos bancários68.

2) troca periódica de juros vencidos de um empréstimo a taxa variável por juros vencidos de um empréstimo também contraído a taxa variável, mas indexada a diferente mecanismo de variação. e.g., juros correspondentes a empréstimo em escudos indexado à taxa de base dos empréstimos bancários por juros relativos a empréstimo em escudos à taxa de juro praticada no mercado intercambiário69.

neste tipo de contratos estão, pois, presentes os elementos fundamentais do swap de taxas de juro: data da celebração; capital nominal ou capital de refe‑rência, para permitira contagem dos juros; dies a quo dos juros; data do venci‑mento ou termo do contrato; datas de pagamentos, em que são permutados os juros; o valor da taxa fixa; tecto máximo da taxa variável; taxa de referência a utilizar como taxa variável – a euribor a três, seis ou doze meses70.

– Swap de divisas

3) troca de capital e juro periódicos de um empréstimo a taxa fixa contraído em certa divisa por capital e juros periódicos de um empréstimo contraído em diferente divisa; as taxas de juro fixas dos empréstimos intercambiados reflec‑tirão as correspondentes aos empréstimos expressos nas divisas respectivas. v.g. empréstimo em dólares a 10 % por empréstimo em euros a 8 %71.

– Swap combinados de divisas e de taxa de juro

4) troca de capital e juros periódicos de um empréstimo a taxa variável expresso em certa divisa por capital e juros periódicos de um empréstimo a taxa variável expresso em diferente divisa; as bases de definição das respectivas taxas

68 v. Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., 4.69 v. Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., 4.70 v. João calvão da silva, «Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo ou aposta», cit., 264.71 v. Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., 4.

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variáveis serão, em geral, as que se estabelecem habitualmente nos mercados financeiros correspondentes aos empréstimos em cada uma das divisas72.

5) troca de capital e juros periódicos de um empréstimo a taxa fixa expresso em determinada divisa por capital e juros periódicos de um empréstimo a taxa variável contraído em diferente divisa73.

a este conjunto de variantes do swap, mais básicas (de que o plain vanilla é exemplo paradigmático) cedo se foram juntando outras modalidades, sendo certo que as suas características não coincidem já com muitos destes traços carac‑terísticos. Por isso a doutrina tem optado por designá ‑las como modalidades de swap em sentido impróprio74‑75. tal é o caso dos equity swap, dos commodity swap, e dos credit default swaps.

os swaps de valores mobiliários (equity swap), acima referidos, são contratos a prazo em que as partes trocam fluxos financeiros com rendimento variável (acções, carteira de acções ou índices de acções) por fluxos de outros instru‑mentos com rendimentos fixos (p. ex. obrigações com taxa fixa) ou instrumentos com uma estrutura diferente. os fluxos financeiros das acções ou índices são determinados pela variação de cotações bolsistas76.

os equity swaps têm várias utilizações, como sejam a gestão de riscos de instrumentos com rendimentos variáveis, a diversificação de investimentos em carteiras sem venda de posições, investimento indirecto com baixo custo, sem ser necessário a posse de acções e acesso a mercados emergentes ou com restrições regulamentáveis difíceis de ultrapassar77.

os power swaps, por seu turno, são utilizados como meio especulativo quando se deseja aumentar a exposição no mercado accionista na expectativa de um aumento de preços.

nos swaps sobre matérias ‑primas (commodity swaps)78 as partes contratam a troca de fluxos financeiros calculados sobre os diferenciais entre um preço fixo predeterminado e o preço flutuante de mercado em cada data de venci‑mento, com base num certo montante nocional de uma matéria ‑prima ou mercadoria (commodities).

72 v. Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., 4.73 v. Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., 4.74 v., na doutrina espanhola, claudi Rossell, «Aspectos juridicos del contrato internacional de swap», Barcelona, Bosch (1999), 62 ss.75 v. Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., 5.76 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 53.77 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 53.78 Muito recentemente, na doutrina norte‑americana, sobre as modalidades de Swaps, no âmbito da otc swap clearing Rules, v. Paul Watterson/Joseph suh/craig stein, «Margin Costs of OTC Swap Clearing Rules», in Harvard Bunisess Law Review online, vol. 3 (2013), 152 ‑159.

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428 Hugo Luz dos Santos

os commodity swaps, à semelhança dos futuros, servem para cobertura de riscos (hedging). assim, de um lado, os compradores (geralmente uma empresa industrial) fixam um preço a pagar.

Por outro lado, os produtores desejam fixar um preço máximo a receber. durante a vigência do swap serão efectuados pagamentos regulares de fluxos financeiros determinados em função da variação dos preços no mercado da matéria ‑prima em causa. no caso de os preços de mercado baixarem em relação ao preço fixado pelo comprador, este terá efectuar pagamentos da diferença à contraparte. Mas, se, pelo contrário, os preços de mercado subirem, a empresa receberá a diferença. Por seu lado, os produtores, a montante, terão de efectuar pagamentos dos diferenciais à contraparte se o preço das mercadorias baixar em relação ao preço fixado receberá as diferenças se o preço vier a aumentar79.

os credit default swaps (cds) são contratos derivados de crédito80 em que uma das partes (comprador de protecção) transfere o risco de crédito associado a um activo subja‑cente – de que pode não ser titular – para uma outra parte (vendedor de protecção), mediante o pagamento de uma importância (prémio) – único, à cabeça, ou faseado – a qual assume o risco do incumprimento do crédito do activo subjacente

79 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 54.80 no que respeita aos derivados de crédito, são problemáticos, sobretudo, os (cds) credit default swaps e os cdos (collateralized debt obligations), sejam cash cdos ou cdos sintéticos: no primeiro caso, o originador, v.g., Banco, tem um portfólio de activos (créditos hipotecários, títulos de dívida), que vende ao sPv (special purpose vehicle, que pode ser um trust, uma sociedade ou outra entidade normalmente domiciliada num paraíso fiscal e regulatório) e assim elimina esses valores das suas contas, recebe os valores considerados e transfere o risco; o sPv, por seu lado, emite e vende títulos aos investidores (securitization), representativos de diferentes tranches (senior, junior); no segundo caso, em vez de vender os activos que integram o portfólio compra protecção através de cds, mediante o pagamento de um prémio, que é depositado junto de um trustee para garantir a obrigação; o sPv emite títulos que são comprados pelos investidores (também depositados juntos de um trustee e contribuem para a garantia). em caso de incumprimento, primeiro é pago o Banco (comprador de protecção), depois a dívida “senior” e a dívida “ júnior”, estando, assim, os investidores expostos ao risco de incumprimento. Lembre ‑se, a título de exemplo das dificuldades criadas por estes instrumentos, o caso do Goldman sachs, em que esta instituição financeira, titular de uma carteira de activos que incluía créditos hipotecários, para se proteger contra o risco de queda do mercado imobiliário, celebrou cdos sintéticos. criou para o efeito a abacus (sPv), com quem celebrou cdss, comprando protecção. o abacus 2007 emitiu e vendeu títulos (aaa) aos investidores (iKB, aca). os activos que integravam a carteira eram escolhidos por Paulson, director de um hedge fund, que identificou mais de 100 obrigações que iriam sofrer eventos de crédito. Paulson tinha interesses contrários aos dos investidores e sabia que estes iriam ter prejuízos. nada foi divulgado aos investidores. também o colapso do aiG foi causado em boa parte pelo seu portfólio de cds; v., por todos, que aqui se seguiu textualmente, ana Perestrelo de oliveira/Madalena Perestrelo de oliveira, «Derivados Financeiros e governo societário: a propósito da nova regulação mobiliária europeia e da consulta pública da ESMA», cit., 50, nota 2.

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Por conseguinte, os credit default swaps (cds) são geralmente reservados a insti‑tuições com elevado grau de rating81‑82‑83.

os contratos derivados de crédito estão, muitas vezes, associados à titulari‑zação de créditos84‑85 que transforma estes em títulos negociáveis (securities), dispo‑níveis para a venda a investidores, nomeadamente os empréstimos hipotecáveis (mortgage ‑backed securites), nomeadamente através de veículos de titularização (special purpose vehicles – sPvs), que, na lei portuguesa, podem ser organismos de investimento colectivo (oics) ou sociedades de titularização.

esta operação permite ao Banco originário (originator) transferir o risco e obter o valor actual dos fluxos de tesouraria do empréstimo principal. associada a um cds reduz a exposição do Banco originário e melhora a sua relação de capitais próprios para concessão de novos empréstimos. com o desenvolvi‑mento destas operações, credit default swaps (cds) estenderam ‑se, muitas vezes, a produtos estruturados com referência a um conjunto de entidades ou activos subjacentes (basket default swaps)86.

segue ‑se daqui, e no que respeita, concretamente, aos swaps de taxas de juro, modalidade em apreço no acórdão do supremo tribunal de Justiça, de 10 de outubro de 2013, que podendo revestir natureza real ou meramente nocional (virtual, hipotética ou nominal) o activo subjacente, o contrato de permuta da taxa de juro em apreço é absolutamente legal e lícito.

com efeito, as duas partes assumiram a recíproca obrigação de trocar pagamentos periódicos de juros, calculados sobre um capital de referência – o chamado capital nominal ou nocional – pelo período de duração do contrato de swap. os juros a permutar são calculados com modalidades diferentes, grosso

81 sobre o Regulamento 1060/2009, de 16 de setembro de 2009, v., isabel alexandre/ana diniz, «O Regulamento (CE) n.º 1060/2009 e o problema da qualidade e da necessidade das notações de risco: o caso particular da dívida soberana», in Revista do Ministério Público, n.º 128 (outubro/dezembro de 2011), coimbra editora, coimbra (2011), passim.82 v. no âmbito da responsabilidade civil das agências de notação de risco perante os investidores, Margarida azevedo de almeida, «A responsabilidade civil perante os investidores por realização defeituosa de relatórios de auditoria, recomendações de investimento e relatórios de notação de risco», in cadernos de direito dos valores Mobiliários, n.º 36 (2010), 27.83 aludindo à “terceira via da responsabilidade civil” – culpa in contrahendo de terceiro – daquele que condiciona com autonomia e independência uma decisão de contratar do investidor; v. Manuel carneiro da Frada, «Sociedades e notação do risco (rating) – A protecção dos investidores», in ii congresso de direito das sociedades em Revista, novembro de 2012, coimbra, almedina (2012), 345.84 v. João calvão da silva, «Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo ou aposta», cit., 263.85 v. João calvão da silva, «Titul(ariz)ação de Créditos. Securitization», 2.ª ed., coimbra, almedina (2005), 135 ss.86 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 55.

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modo uma parte paga a taxa variável, a oscilação de euribor a três meses, e recebe pagamentos em taxa fixa. em causa sempre e só o pagamento recíproco de juros: no interest rate swap o capital é meramente nominal ou nocional, não sendo trocado entre as partes.

naturalmente, estas prestações aleatórias e recíprocas do swap são determinadas por facto exterior ao contrato e estranho à vontade das partes – a flutuação da Euribor a três meses – não se sabendo, no momento da conclusão do contrato, se acabará por verificar ‑se uma vantagem e a parte que dela beneficiará por compensação.

É esta bilateralidade da “álea” que caracteriza o swap de taxa de juro: a distribuição entre as partes das prestações principais e a determinação dos seus quantitativos dependem de acontecimento futuro e incerto, não influenciável pelos contraentes87.

ora se assim é, e revertendo aos factos que estiveram na base do acórdão do supremo tribunal de Justiça, coloca ‑se a questão de saber se, assente a natureza de contrato sinalagmático88, oneroso e comutativo89‑90‑91‑92‑93 dogmatica‑mente cunhado ao contrato de swap de taxas de juro, é possível aplicar a este tipo de contrato o regime do artigo 437.º, do código civil sobre a resolução do contrato com base na alteração das circunstâncias94.

É essa questão que será analisada seguidamente de forma mais detida.

87 v. João calvão da silva, «Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo ou aposta», cit., 264.88 neste sentido, José engrácia antunes, Instrumentos Financeiros, almedina, coimbra, 2.ª ed. (2014), 161.89 no sentido que o contrato de swap se trata de um contrato aleatório, v. Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., 7.90 no sentido que o contrato de swap se trata de um contrato aleatório, v. João calvão da silva, «Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo ou aposta», cit., 265.91 Referindo que o contrato de swap “é um contrato comutativo” e que está, pois, sujeito à alteração anormal das circunstâncias (artigo 437.º, do cc); v. antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 66.92 Referindo que o contrato de swap “é um contrato comutativo”, o acórdão do supremo tribunal de Justiça, de 10 de outubro de 2013, relatado pelo exmo. senhor conselheiro Granja da Fonseca, disponível em www.dgsi.pt., que vimos analisando.93 no sentido que o contrato de swap se trata de um contrato aleatório, monograficamente, v. Hélder M. Mourato, «O contrato de swap de taxa de juro», tese de Mestrado, almedina, coimbra (2014), 54.94 Recentemente a doutrina norte ‑americana, na sequência da insolvência da Lehman Brothers Financing, por força, justamente, do elevado número de cdss (credit default swaps) que esta detinha no seu porfólio de activos, dissertou acerca do fenómeno da “re ‑hypothecation of the colateral” que foram parcialmente responsáveis pelas avultas perdas sofridas pela Lehman; v. Walters, «One Lehman Lesson: The Perils of Re ‑hypothecation», in Wall street Journal (2008), 12.

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v)

no que respeita às consequências da crise financeira de 2007/2009 na economia global do contrato de swap de taxas de juro, mormente no que tange à descida abrupta das taxas de juro, que se projectou explicitamente num desequi‑líbrio do programa contratual inicialmente desenhado pelas partes contraentes, consubstanciado num aumento desmesurado dos pagamentos periódicos reali‑zados por uma das partes (o autor) à contraparte (o réu), vale a pena, com a devida vénia, retomar a ideia reitora que norteou o supremo tribunal de Justiça.

com efeito, a esse respeito95, o supremo tribunal de Justiça afirmou que “ao contrário do que as expectativas anunciavam, retira ‑se ainda dos factos provados que, a partir do mês de Janeiro do ano de 2009, a taxa de juro começou a descer e a descer a um ritmo acelerado, ultrapassando mesmo o limite/barreira dos 3,95% contratado.

Ora, se não era tolerável para o réu suportar uma taxa de juro que ultrapassasse a barreira dos 5, 15%, também não era tolerável obrigar a autora a suportar uma taxa de juro abaixo dos 3,95%, ultrapassando o limite/barreira contratado, suportando ambas as partes o mesmo risco.

Esta repentina e acentuada descida da taxa de juros foi uma consequência da crise económica e financeira, que se instalou a partir de Setembro de 2008, que não era de modo algum previsível, reflectindo ‑se directa e intrinsecamente no contrato de swap de taxa de juro, que tinha precisamente na sua essência e base a taxa de juro”.

como realçou o supremo tribunal de Justiça, “o referido contrato sofreu, por esse efeito, um grande e repentino desequilíbrio, verificando ‑se que a autora, no curto espaço de três meses, passou a ter um encargo e um prejuízo consideravelmente grave decorrente desse contrato”.

coloca ‑se, então, afirmou o supremo tribunal de Justiça, a questão de saber “se a actual crise financeira representa uma grande alteração das circunstâncias e, em caso afirmativo, se a mencionada repentina e acentuada descida da taxa de juro cabe dentro do risco próprio do contrato celebrado”.

95 não analisaremos autonomamente, por considerarmos, pelas razões que acima melhor se deixam expressas, perfeitamente legal e lícita a formação e celebração dos contratos swap de taxas de juro, a também ela (candente) questão da arguição da excepção do jogo ou aposta (artigo 1245.º, do código civil) que tem sido realizada pelos réus em sede dos (vários) contratos de swap de taxa de juro que têm sido analisados em juízo, e que tem merecido a desaprovação explícita da doutrina nacional; v. Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., 7 ‑9; v. João calvão da silva, «Swap de taxa de juro: sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo ou aposta», cit., 265 ‑269; v. antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 66; v. Hélder M. Mourato, «O contrato de swap de taxa de juro», cit., 68 ‑78, para cuja leitura e análise se remete.

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o supremo tribunal de Justiça, ancorando ‑se na doutrina professada por carneiro da Frada96, enfatizou que “a actual crise financeira representa uma grande alteração das circunstâncias97‑98‑99, a forma inopinada e profunda, como a actual crise eclodiu, com a surpresa de muitos ou de quase todos, mesmo especialistas, parece apontar nesse sentido. Entre os factores a ponderar, há que considerar a dimensão da sua ocorrência, a sua não antecipabilidade generalizada e o facto de radicar em causas interdependentes múltiplas que ultrapassam o poder de actuação e influência dos actores económicos singu‑lares (por mais ponderosos que sejam) e se protejam mesmo, como crise global, para além dos limites dos países e das várias zonas económicas do planeta”100.

esta linha de argumentação seguida pelo supremo tribunal de Justiça tem, na nossa óptica, solvabilidade constitucional, legal e doutrinal.

na verdade, na formação e celebração de um contrato de swap de taxas de juro, existe uma deliberada exposição das partes a um risco tem por base uma razoável perspectiva sobre o futuro curso dos acontecimentos, adquirida esta após uma “cuidadosa” ponderação de todos os factores económicos relevantes101.

todavia, a montante, essa perspectiva sobre o futuro curso dos acontecimentos estará, à partida, desequilibrada quando, como no caso concreto, os instru‑mentos financeiros derivados são negociados no mercado financeiro de balcão (over‑the‑counter), uma vez que existe aí uma maior tendência para assimetrias

96 neste sentido, Manuel carneiro da Frada, «Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. Contratos de gestão de carteiras», in estudos em Homenagem ao Prof. doutor sérvulo correia, vol. iii, edição da Faculdade de direito da Universidade de coimbra, coimbra editora, coimbra, 2010, 453 ‑502.97 sobre a densificação do conceito impreciso – tipo “alteração anormal das circunstâncias”; v. acórdão do supremo tribunal de Justiça, de 23/01/2014, relatado pelo exmo. senhor conselheiro Granja da Fonseca, disponível em www.dgsi.pt. 98 sobre a densificação do conceito impreciso – tipo “alteração anormal das circunstâncias” à luz do direito brasileiro; v., Álvaro villaça azevedo, «Inaplicabilidade da Teoria da Imprevisão e Onerosidade Excessiva na Extinção dos Contratos», in estudos em Homenagem ao Prof. doutor Jorge Miranda, História do direito, Filosofia do direito e direito comparado/direito civil e direito Processual civil/direito Penal e direito Processual Penal/direito comercial/direito do trabalho/direito Universitário, edição da Faculdade de direito da Universidade de Lisboa, coimbra editora, 2012, 427 ‑442.99 neste sentido, Manuel carneiro da Frada, «Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. Contratos de gestão de carteiras», cit., 492 ‑494.100 neste sentido, José Lebre de Freitas, «Contrato de SWAP meramente especulativo – regimes de validade e alteração das circunstâncias», in Revista da ordem dos advogados (Roa), ano 72 (2012), 965 ‑968.101 v. Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., 9.

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informativas102, com vantagem para as instituições financeiras (v.g. os Bancos), para a qual contribuem um feixe de factores que vão desde a complexidade dos instrumentos financeiros derivados em causa103, ao custo desigual da informação104‑105 para cada uma das partes106.

Naturaliter, se existe um error in futurum de uma das partes contraentes (a parte mais débil, que, na qualidade de consumidor107‑108‑109, impende o gravame da assimetria infor‑mativa acima frisada), no sentido de que houve uma evolução das circunstâncias diferente110

102 neste preciso sentido, na doutrina alemã, Weller, «Die Dogmatik des Anlageberratungsvertrags – Legitimation der strengen Rechtsprechungslinie von Bond bis Ille.//Deutsbank», ZBB (2011), 191 ss.103 neste sentido, antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 42.104 a questão do “custo desigual da informação para cada uma das partes”, terá um tratamento analítico mais detido em sede da categoria doutrinal norte ‑americana da “bounded rationality” das partes contraentes aquando da celebração do contrato de swap.105 neste sentido, na jurisprudência alemã, o acórdão do supremo tribunal Federal alemão (BGH), de 22 de Março de 2011.106 v. Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., 9.107 neste contexto e a este propósito devem mencionar ‑se os contratos de adesão, designadamente os que são celebrados, como nos contratos de swap de taxa de juro, através de condições ou cláusulas contratuais gerais; nestes casos, sob a bandeira da tutela do consumidor, ainda que com uma posição mais alargada: defesa do aderente, independentemente da qualidade em que intervenha, e, de algum modo, defesa, até do próprio mecanismo contratual, sendo certo que, em sede de proibição relativa, atenta ‑se ao quadro negocial padronizado (artigos 19.º a 22.º, da LccG), bem como, num plano geral, a referida lei dispõe de uma cláusula geral assente no princípio da boa fé, perante o qual, tendo em conta as circunstâncias, toda e qualquer cláusula terá de justificar ‑se; v. antónio Pinto Monteiro, «A contratação em massa e a protecção do consumidor numa economia globalizada», in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Doutor José Lebre de Freitas, comissão organizadora: armando Marques Guedes; Maria Helena Brito; ana Prata; Rui Pinto duarte; Mariana Franca Gouveia, vol. i, coimbra, coimbra editora (2013), 253.108 É, pois, teleologia da Lei das cláusulas contratuais Gerais (LccG), proteger a parte contratualmente mais carecida de tutela, i.e., a mais débil, rectius, o consumidor; v., ainda que no âmbito temático da protecção do promitente ‑adquirente em sede de insolvência do promitente‑‑vendedor, em sede de um contrato ‑promessa sinalizado com tradição da coisa, tutelado pelo direito real de garantia (o direito de retenção) (artigo 755.º, n.º 1, alínea f ), do código civil); Miguel Pestana de vasconcelos, «Direito de retenção, contrato ‑promessa e insolvência», in cadernos de direito Privado (CDP), n.º 33, Janeiro/Março de 2011, ceJUR, Braga (2011), 25.109 a constituição Portuguesa (artigo 60.º, n.º 1, da cRP) tem, ao menos formalmente, em muito boa conta os consumidores, pois estes apresentam ‑se aí seja como titulares de direitos fundamentais, em sede da constituição da pessoa (direitos e deveres fundamentais), seja como destinatários de incumbências prioritárias do estado em sede de constituição económica (organização económica); v. José casalta nabais, «Estatuto constitucional dos consumidores», in Revista de Legislação e Jurisprudência (RLJ), ano 138.º, Janeiro ‑Fevereiro de 2009, n.º 3954, coimbra, coimbra editora (2009), 137.110 v., sobre esta questão, na doutrina alemã, Ulrich Huber, «Verpflichtungszweck, Vertragsinhalt und Geschäftsgrunlage», in Juristische schulung ( JUS) (1972), 64 ‑67.

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da que fora inicialmente prevista pelas partes contraentes111‑112, uma vez provado o desaparecimento da base do negócio, e uma vez tidos por provados os requisitos do artigo 437.º para efeitos de anulação por erro113, ter ‑se ‑á, como aconteceu no caso concreto, de dar igualmente como provada a verificação desses requi‑sitos para efeitos de resolução do contrato por aplicação directa da mesma norma114. É igualmente esta a doutrina consagrada em recentes textos internacionais115.

a respeito do artigo 437.º, n.º 1, do código civil, a posição dominante na doutrina nacional polariza ‑se no sentido da modificação/adaptação do contrato. neste sentido inclinam ‑se Pedro Pais de vasconcelos116, oliveira ascensão117, Manuel carneiro da Frada118, e antónio Menezes cordeiro119, e, mais recen‑temente, nuno Manuel Pinto de oliveira120.

111 v., sobre o error in futurum, que serve de fundamento à resolução do contrato por alteração das circunstâncias (artigo 437.º, do código civil), que tem sido perfilhado pela mais autorizada doutrina nacional, e que aqui, com a devida vénia, seguimos; antónio Pinto Monteiro, «Anotação aos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Fevereiro de 1971 e de 02 de Novembro de 1977», in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 131.º, 190 ss; «Anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08 de Maio de 1986», in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134.º, 280 ss; mais recentemente, «Erro e Vinculação Negocial (a propósito da aplicação do bem a fim diferente do declarado)», coimbra, almedina, 2002; «Erro e Teoria da Imprevisão», in estudos do direito do consumidor, n.º 6, centro de estudos de direito de consumo da Faculdade de direito de direito de coimbra, coimbra, 2004, 319 ss; «Anotação ao Acórdão de 09 de Maio de 2006 (Mudança de destino do bem vendido e resolução do contrato por violação de deveres laterais)», in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 136.º, n.º 3943, Março‑abril de 2007, coimbra, coimbra editora, 2007, 248 ss.112 a doutrina norte‑americana faz aqui apelo ao “foreseeability test concerning the general state of knowledge at the time of creation”; v. eric a. Posner, «Contract law in the welfare state: A defense of he unconscionability doctrine, usury laws, and related limitations on the freedom to contract», in Journal of Legal studies 284 (1995), 312 ss.113 Recorde ‑se que o artigo 252.º, n.º 2,do código civil, no que respeita aos pressupostos de aplicação desta norma, remete para os pressupostos do artigo 437.º, do código civil.114 v. antónio Pinto Monteiro, «Anotação ao Acórdão de 09 de Maio de 2006 (Mudança de destino do bem vendido e resolução do contrato por violação de deveres laterais)», in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 136.º, n.º 3943, Março‑abril de 2007, coimbra, coimbra editora (2007), 248.115 v. os artigos 3.4 e 3.5.1 dos Princípios UNIDROIT, bem como o artigo 228.º,n.º 2, do Livro 6 do código civil Holandês; apud antónio Pinto Monteiro, «Anotação ao Acórdão de 09 de Maio de 2006 (Mudança de destino do bem vendido e resolução do contrato por violação de deveres laterais)», cit., 248.116 v. Pedro Pais de vasconcelos, «Teoria Geral do Direito Civil», coimbra, almedina (2012), 7.ª ed., 325.117 v. José de oliveira ascensão, «Direito Civil. Teoria Geral», vol. iii, Relações e situações Jurídicas coimbra, coimbra editora (2002), 7.ª ed., 207 ‑208.118 v., Manuel carneiro da Frada, «Crise Mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósitos e contratos de gestão de carteiras», in Revista da ordem dos advogados (Roa) (2009), 633 ss.119 v. antónio Menezes cordeiro, «Da boa fé no direito civil», dissertação de doutoramento, colecção teses, coimbra, almedina (2001), vol. ii, reimpressão, 350, nota 1. 120 Que refere expressamente que “estando preenchidos os pressupostos de uma alteração das circunstâncias, há um dever jurídico de (re)negociação do contrato”; neste sentido, o brilhante artigo doutrinal de nuno Manuel Pinto de oliveira, «Responsabilidade pela perda de chance de revitalização?», in ii congresso de direito da insolvência, coordenadora: catarina serra, almedina, coimbra (2014), 164.

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em estudo recente, catarina Monteiro Pires considerou, com excelentes argumentos, que, nas situações em que tanto a modificação quanto a resolução sejam abstractamente convocáveis, o artigo 437.º, n.º 2, do código civil só concede à parte não afectada a faculdade de se opor ao pedido de resolução, declarando aceitar a modificação do contrato, se esta solução for concretamente exigível a ambas as partes121. a modificação e a liquidação são ambas consequências da inexigibilidade da manutenção do vínculo originário122‑123.

no contexto europeu do direito dos contratos, mais propriamente em sede do Draft Common Frame of Reference do direito europeu dos contratos (dcFR)124‑125‑126, o legislador veio atribuir às partes o risco de incumprimento das obrigações que assumem, quando esse risco seja previsível127.

deste modo, e fazendo uma aproximação ao instituto jurídico da alte‑ração das circunstâncias (artigo 437.º, do código civil), o legislador europeu consagrou expressamente a injustiça material128 (artigo 1.110/2) – que pode

121 v. catarina Monteiro Pires, «Efeitos da alteração das circunstâncias», in Revista O Direito, ano 145.º, n.º i/ii, coimbra, almedina (2013), 185.122 v. catarina Monteiro Pires, «Efeitos da alteração das circunstâncias», cit., 185.123 em sentido próximo, se bem captámos o seu pensamento, neste sentido, Manuel carneiro da Frada, «Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. Contratos de gestão de carteiras», cit., 497 ‑503. 124 trata ‑se de um documento doutrinário, que se assemelha estruturalmente a um código civil de matriz continental, embora materialmente contenha soluções que resultam de uma síntese dos diversos modelos europeus; v., na doutrina estrangeira, c. von Bar/Heale et alii «Draft Common Frame of Reference (DCFR). Principles, Definitions and Model Rules of European Private Law», c. von Bar e e. clive (ed.), Full edition, vol. ii, selllier, Munique, 2009, 15 ss.; F. Gómez, «The Harmonization of Contract Law through European Rules: a Law and Economics Perspective», eRcL, vol. iv, 2008, n.º 2, 89; F. chirico, «The function of European Contract Law: an economic analysis», in economic analysis of the DCFR. The work of the Economic Impact Group within CoPECL», P. Larrouche and chirico (eds.), sellier, Munique, 2010, 26 ‑29; na doutrina portuguesa, v. calvão da silva, «Bicentenário do Code Civil (O Código Civil e a Europa: influência e modernidade)», in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 134.º (2002), 272 ‑273.125 na doutrina alemã, v. christian von Bar, «Die Äquivalente des Common Law fur das kontinentaleuropäische Konzept der berechtigten Geschäftsfuhrung ohne Auftrag», in Festschrift für Werner Lorenz, München (2001), 441 ‑461.126 com muito interesse, ainda que noutro âmbito temático, v. José carlos de Medeiros nóbrega, «O direito à remuneração na gestão de negócios: um exemplo de estudo à luz do direito Português e do Projecto de Quadro Comum de Referência (DCFR)», in estudos sobre incumprimento do contrato, coordenadora: Maria olinda Garcia, coimbra, coimbra editora/Wolters Kluwer (2011), 30 ‑50.127 v. o mui laborioso estudo de Ricardo Bernardes, «A problemática da culpa na responsabilidade obrigacional no DCFR», in Revista O Direito, ano 145.º, n.º i/ii, coimbra, almedina, 82013), 303.128 Referindo que a “ justiça constitui um dos pilares da teoria dos contratos (….) no contexto “da inexigibilidade de cumprimento de certas obrigações”; v. Manuel carneiro da Frada, «Sobre a interpretação do contrato», in Revista O Direito, ano 144.º, vol. iii, 2012, almedina, coimbra (2012), 506.

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ser reconduzido à inexigibilidade por onerosidade excessiva129‑130‑131 – e a alteração anormal das circunstâncias (artigo 1.110/2)132, conferindo ‑se especial relevo à imprevisibilidade do impedimento [artigo 1.110/3, alínea b)], em relação à parte que pretende deixar de cumprir ou ver a sua prestação modificada133‑134 com base nessa norma, exigindo ainda essa mesma parte tenha feito esforços para renegociar o contrato, para que o mesmo possa ser resolvido ou modificado pelo tribunal [artigo 1.110/3, alínea d)].

do cotejo entre os dois regimes (o da exclusão de responsabilidade e o da alteração das circunstâncias) resulta assim, como ideias reitoras, que, embora, por princípio, ninguém possa deixar de cumprir um negócio ou acto jurídico,

129 no direito italiano, o artigo 1467.º do códice civile concede à parte afectada o direito de resolução do contrato por onerosidade excessiva, estabelecendo o artigo 1458.º do mesmo diploma legal os efeitos da resolução do contrato; v. angelo Riccio, «Excessiva onerositá», in commentario del codice civile scialoja ‑Branca, org. Francesco Galgano, livro iv, Obbligazioni, artigos 1467 ‑1469, zanichelli editore, Bologna (2010), 239 ss.130 Referindo ‑se, neste âmbito temático, à inexigibilidade da prestação debitória pelo facto de o “seu cumprimento ser desrazoavelmente oneroso ou dispendioso”, assunção cristas, «Incumprimento contratual – O Código Civil Português e o DCFR – Notas comparadas», in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, vol. iii, comissão organizadora: José Lebre de Freitas; Rui Pinto duarte; assunção cristas; vítor Pereira das neves; Marta tavares de almeida, coimbra, almedina (2011), 255.131 neste sentido, à luz do direito brasileiro; v., Álvaro villaça azevedo, «Inaplicabilidade da Teoria da Imprevisão e Onerosidade Excessiva na Extinção dos Contratos», cit., 440 ‑442.132 neste sentido, afirmando que, pese embora o princípio da imutabilidade dos contratos que vigora no direito francês, tem havido abertura da jurisprudência francesa no que respeita à “admissão da obrigação das partes renegociarem de boa fé, quando as circunstâncias excepcionais e imprevisíveis alteraram o equilíbrio inicial do seu contrato»; v. o luminoso artigo doutrinal do Professor eduardo dos santos Júnior, «A imprevisão ou alteração das circunstâncias no Direito Privado Francês e as Perspectivas de Evolução em face dos Projectos de Reforma do Direito das Obrigações no Code Civil», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, História do direito, Filosofia do direito e direito comparado/direito civil e direito Processual civil/direito Penal e direito Processual Penal/direito comercial/direito do trabalho/direito Universitário, edição da Faculdade de direito da Universidade de Lisboa, coimbra editora (2012), 483.133 no direito alemão tem sido ventilada a hipótese de a parte não afectada pedir a modificação judicial do contrato. de harmonia com vários autores, o § 313 BGB habilitaria ambas as partes, e não apenas a parte lesada, a requerer judicialmente a modificação ou a resolução do contrato; v. Franz Bayreuther, «Die Durchsetzung des Anspruchs auf Vertragsanpassung beim Weg fall der Geschäftsgrundlage», nomos, Baden‑Baden, 2004, 5 ‑15; Peter Krebs, «Nomos/Kommentar BGB, Schuldrecht, Vol 2/1», nomos, Baden ‑Baden, 2. auflage (2012), em comentário ao § 313 BGB.134 no direito francês, com muito interesse, em sede de alteração das circunstâncias, o projecto Chancellerie, que inclui importantes limitações quanto à intervenção do tribunal na modif icação do contrato; v. soraya Meeki/Bénédicte Fauvarque ‑cosson, «Panorama. Contract‑Responsabilité‑Assurance», Recueil dalloz, n.º 42 (2008), 2965 ‑2969.

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mesmo que (em virtude de circunstâncias supervenientes) a sua posição se tenha agravado, tal já é possível se esse agravamento desequilibrar o negócio a ponto de a onerosidade excessiva tornar o seu cumprimento inexigível ou se aquele já não for de todo em todo possível, em virtude de um facto impeditivo que então se produziu135. Mas mesmo nessa hipótese, a liberação do devedor de prestar/do dever de indemnizar ou a modificação só terão lugar se o elemento novo que se opõe ao cumprimento (dificultando ‑o ou mesmo impossibilitando ‑o), não se situar dentro da esfera de riscos da parte136.

em relação ao risco próprio do contrato de swap de taxa de juros, trata ‑se de saber quem suporta o quê, isto é, quem assume o risco da realidade que gerou o desequilíbrio.

a este respeito, e acompanhando a doutrina muito recentemente expendida pelo Professor carlos Ferreira de almeida137, a questão a resolver consiste em averiguar a margem de risco que se situe fora dessa margem, avançando, para o efeito, critérios delimitativos, a saber:

1.º Repartição do risco conforme o que resultar da interpretação do contrato.2.º incidência tendencial do risco sobre a parte que controla (ou que até mais

“próxima” de) o factor errado ou alterado;3.º (que pode coincidir com a anterior) incidência tendencial do risco sobre

a parte a quem compete a prestação característica (o vendedor, o oferente na oferta pública de venda ou de troca de valores mobiliários; (itálico nosso) o dono da obra, quanto aos bens que põe à disposição do empreiteiro; o empreiteiro, em relação aos factores que influencia o custo da obra)138;

4.º incidência tendencial do risco sobre a parte que actua com motivação espe‑culativa; (itálico nosso).

5.º Incidência tendencial do risco sobre a parte mais forte, pelo nível de conhecimentos ou pelo poder económico ‑financeiro (itálico nosso);

6.º Repartição equitativa sempre que for possível, através da modificação, solução que precede a resolução139.

135 neste sentido, v. Ricardo Bernardes, «A problemática da culpa na responsabilidade obrigacional no DCFR», cit., 303.136 expressando a ideia de que “não se vê como não possa entender ‑se que a descida acentuada das taxas de juro não configurava um risco próprio do contrato, pois se é justamente a possibilidade que ocorra esta subida ou descida abrupta que leva à celebração do contrato de swap pelas partes”; v. Maria clara calheiros, «O contrato de swap no contexto da actual crise financeira global», cit., 12.137 v. carlos Ferreira de almeida, «Erro na base do negócio», in cadernos de direito Privado (CDP), n.º 43, Julho/setembro 2013, ceJUR, Braga (2013), 8 ‑9.138 v. carlos Ferreira de almeida, «Erro na base do negócio, cit., 8 ‑9.139 v. carlos Ferreira de almeida, «Erro na base do negócio, cit., 8 ‑9.

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no que se refere concretamente, ao ponto 5.º, e fazendo o cruzamento reflexivo com a assimetria informativa que medeia as partes contraentes do contrato de swap de taxa de juros, bem se compreende que assim seja.

na verdade, na arquitectura da escolha (choice architecture), o agente económico investe em investigação até que o custo de uma acrescida seja igual ao retorno marginal. nesse ponto, o agente económico termina a sua investigação140.

deste modelo decorre que um agente económico frequentemente adoptará decisões num estado de ignorância racional sobre as alternativas e consequências de que se poderia ter apercebido, caso a investigação tivesse continuado141‑142.

o fenómeno descrito por George stigler desempenha um papel funda‑mental em matéria de cláusulas contratuais gerais143. a opção do consumidor ou não ‑profissional (one‑shot player), por oposição ao profissional (repeat player), de não tomar conhecimento das cláusulas contratuais gerais será frequente‑mente racional144‑145.

os custos de investigação do aderente tendem a ser elevados e o seu retorno marginal tende a ser diminuto146.

Por um lado, a compreensão das cláusulas contratuais gerais reclama conhe‑cimentos jurídicos, dada a sua linguagem técnica; por outro lado, os clausulados são frequentemente extensos (as cláusulas contratuais gerais acima transcritas do acórdão do supremo tribunal de Justiça de 10 de outubro de 2013, são disso exemplo paradigmático) e redigidos em letra minúscula, em linguagem técnica dificilmente acessível a um consumidor ou não‑profissional (one‑shot

140 na doutrina norte ‑americana, v. George stigler, «The economics of information», in Journal of Political economy, vol. 69 (1961), 213 ‑225.141 neste sentido, o brilhante estudo de Pedro caetano nunes, «Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais», in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, vol. iii, comissão organizadora: José Lebre de Freitas; Rui Pinto duarte; assunção cristas; vítor Pereira das neves; Marta tavares de almeida, coimbra, almedina (2011), 524 ‑525.142 na doutrina norte ‑americana, v. a. Melvin eisenberg, «The limits of cognition and the limits of contract », in stanford Law Review, vol. 47 (1995), 214 ‑216.143 neste sentido, inclinando ‑se expressamente no sentido de que os contratos de swap são objecto de “cláusulas contratuais gerais”, v. antónio Pereira de almeida, «Instrumentos Financeiros: Os Swaps», cit., 43.144 na doutrina norte ‑americana, v. todd d. Rakoff, «Contracts of adhesion: an essay in reconstruction», in Harvard Law Review, vol. 96 (1983), 1226.145 neste sentido, v. Pedro caetano nunes, «Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais», cit., 525, que vimos acompanhando de muito perto, mesmo textualmente.146 neste sentido, muito recentemente na doutrina norte ‑americana, Joshua d. Wright/douglas H. Ginsburg, «Behavioral Law and Economics: Its origins, Fatal flaws, and Implications for liberty», in northwestern University Law Review, vol. 106, n.º 3 (2012), 23.

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player), neste sentido, afirma, com razão, a doutrina norte‑americana que o consumidor actua com a sua racionalidade limitada (bounded rationality)147‑148‑149‑150.

Por conseguinte, rejeitando a tese de que a acentuada descida das taxas de juro constitui um risco próprio um contrato de swap de juro, a incidência tendencial do risco, em sede de instrumentos derivados financeiros, e.g., os contratos de swap de taxas de juro, deverá impender sobre a parte mais forte, o que se explica, como acima se deixou sinalizado, pela assimetria informativa acerca da complexidade dos instrumentos financeiros derivados, pelo nível de literacia financeira, e pelo poder económico‑financeiro dos swap dealers (os Bancos); o que significa que é possível a resolução por alteração anormal das circunstâncias151 (artigo 437.º, n.os 1 e 2, do código civil), com base na descida acentuada das taxas de juro, consubstanciado num acréscimo sensível do montante dos pagamentos periódicos a efectuar por uma das partes contraentes à outra, no caso concreto, o consu‑midor ou não ‑profissional (one‑shot player) à entidade bancária (swap dealer).

na verdade, não é difícil captar a teleologia imanente a esta asserção.com efeito, havendo uma ligação umbilical entre o princípio da boa fé e a

formação, celebração e execução do contrato152‑153, cuja relevância se estende à

147 neste sentido, na doutrina norte ‑americana, v. Russel Korobkin, «Bounded rationality, standard forms contracts, and unconscionability», in the University of chicago Law Review, vol. 70 (2003), 1271 ‑1272.148 neste sentido, na doutrina norte ‑americana, no âmbito dos direitos de autor, v. Justin Hughes, «Copyright and its rewards foreseen and unforeseen», in Harvard Law Review, vol. 122, april 2009 (2009), number 6, 81 ‑91.149 neste sentido, na doutrina eslovena, Marko Polic, «Decision Making: between rationality and reality», in interdisciplinary description of complex systems 7 (2) (2009), 79 ‑89.150 neste sentido, na doutrina norte ‑americana, v. Brian arthur, «Complexity in Economic Theory: Inductive Reasoning and Bounded Rationality», in the american economic Review, vol. 84, issue 2, Papers and Proceedings of the Hundred and sixth annual Meeting of the american economic association (1994), 406 ‑411.151 afirmando que, ainda que noutro âmbito temático, “se o evento era imprevisível (em termos de normalidade) e não foi possível evitá ‑lo ou afastar os seus efeitos, então a imprevisibilidade ‑inevitabilidade‑‑irresistibilidade caracterizará plenamente a força maior”; v. José carlos Brandão Proença, «Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações», coimbra editora/grupo Wolters Kluwer, coimbra (2011), 167.152 neste sentido, na doutrina norte ‑americana, v. Robert s. summers, «Good Faith” in General Contract Law and the Sales Provisions of the Uniform Commercial Code», 54, virginia Law Review, 195 (1968), 345.153 neste sentido, o notável artigo doutrinal de antónio Menezes cordeiro, «O princípio da boa ‑fé e o dever de renegociação em contextos de “situação económica difícil”», in ii congresso de direito da insolvência, coordenadora: catarina serra, almedina, coimbra (2014), 11 ‑68.

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alteração anormal das circunstâncias154‑155‑156‑157, e que se prolonga durante toda a vida do programa negocial158‑159, faz sentido sustentar que da boa fé decorrem dois princípios: adequação e proporcionalidade160.

na verdade, o princípio da proporcionalidade161 pode ele próprio ser integrado num princípio amplo da boa fé.

Por essa razão se compreende que a mais autorizada doutrina considere a desproporcionalidade uma das sub ‑hipóteses do desequilíbrio no exercício, enquanto figura parcelar do abuso de direito162, nada obstando a que, em especial atenção ao equilíbrio das prestações como conteúdo do princípio da boa fé, esta cate‑goria doutrinal seja aplicada no âmbito da alteração anormal das circunstâncias (artigo 437.º, do código civil)163‑164.

154 neste preciso sentido, v. antónio Menezes cordeiro, «Da boa fé no direito civil», cit., 903 ss, em particular, 1006 ss.155 neste preciso sentido, v. Manuel carneiro da Frada, «Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil», dissertação de doutoramento, coleccção teses, coimbra, almedina (2004), 863.156 neste sentido, parecendo expressar adesão a essa posição doutrinal, v. catarina Monteiro Pires, «Efeitos da alteração das circunstâncias», cit., 197, nota 83.157 neste sentido, v. antónio Menezes cordeiro, «A proposta na contratação pública e a alteração das circunstâncias», in Revista “O Direito”, director: Jorge Miranda, ano 142.º, 2010, vol. iii, almedina, coimbra (2010), 286 ‑292.158 neste sentido, na doutrina norte ‑americana, v. steve J. BURton, «More on Good Faith Performance of a Contract – A reply to Professor Summers», 69, in iowa Law Review, 497 (1982), 234 ss.159 neste sentido, na doutrina norte ‑americana, discorrendo sobre a distinção entre a good faith in performance e a good faith in enforcement; v. eric G. andersen, «Good Faith in the Enforcement of Contracts», 73, in iowa Law Review 299 (1988), 35 ss.160 neste sentido, v. assunção cristas, «Incumprimento contratual – O Código Civil Português e o DCFR – Notas comparadas», cit., 261.161 entendido como um meta ‑princípio, a um segundo nível de princípios, ao lado do princípio da dignidade da pessoa humana e do princípio do Estado de Direito democrático; neste sentido, v. Mariana Melo egídio, «Análise da estrutura das normas atributivas de Direitos Fundamentais», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, vol. i, edição da Faculdade de direito da Universidade de Lisboa, coimbra editora, coimbra (2010), 626; sobre o sentido da limitação da actividade discricionária de ponderação, pelo recurso a outros princípios intermédios (mid ‑level principles); v. Keneth Henley, «Abstract Principles, Mid ‑level Principles, and the Rule of Law», in Law and Philosophy, 12, Kluwer academic Publishers (1993), 119 ss.162 neste sentido, v. antónio Menezes cordeiro, «Tratado de Direito Civil Português», i, Parte Geral, tomo iv, coimbra, almedina (2007), Reimpressão da 1.ª ed. de 2005, 345 ‑349.163 neste preciso sentido, v. assunção cristas, «Incumprimento contratual – O Código Civil Português e o DCFR – Notas comparadas», cit., 262.164 neste sentido, Manuel carneiro da Frada, «Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. Contratos de gestão de carteiras», cit., 496 ‑498.

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no fundo, o desequilíbrio no exercício motivado pela alteração anormal das circunstâncias (artigo 437.º, n.º 1, do ccc), tornou o contrato de swap de taxa de juro “unconscionable” (aquilo que choca a consciência)165‑166‑167.

o § 2 ‑302 do Uniform Commercial Code norte ‑americano consagra a cláusula geral de unconscionability, permitindo aos tribunais que não apliquem o contrato, não apliquem cláusulas contratuais ou limitem a aplicação de cláusulas contra‑tuais, quando considerem que o contrato ou qualquer cláusula contratual for unconscionable ao tempo da sua celebração168.

a cláusula geral da unconscionability possibilita quer o controlo judicial de aspectos relativos ao conteúdo das cláusulas contratuais (substantive unconscio‑nability), quer o controlo judicial de aspectos relativos à forma ou formação do contrato (procedural unconscionability)169.

o que significa que o devedor lesado pela alteração anormal das circunstâncias terá o direito potestativo de resolução170 do contrato de swap de taxas de juro, contanto que exista supervenientemente um desequilíbrio no exercício tornando inexigível171 ao mesmo o cumprimento pontual do contrato, e aqui se inclui o

165 neste preciso sentido, v. Joaquim de sousa Ribeiro, «O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual», dissertação de doutoramento, colecção teses, coimbra, almedina (1999), 328.166 a este propósito, a doutrina norte ‑americana afirma que o contrato se torna unconscionable quando contém excessively disproporcionate terms; v. Larry a. dimatteo/Bruce Louis Rich, «A consent theory of Unconscionability: An empirical Study of Law in Action», in Florida state University Law Review, vol. 33 (2006), 1073.167 a jurisprudência do supremo tribunal de Justiça dos estados Unidos (Us supreme court), perfilhou expressamente a doutrina da unconscionability, entre muitos outros, no acórdão Ohio University Bd of Trs v. Smith, 724, N.E., 2d 1155, 1161 (Ohio Ct. App 1999); e no acórdão Morrison v. Circuit City Stores, Inc, 313, F3d, 646, 666 (6 th Circ. 2003).168 neste sentido, v. Pedro caetano nunes, «Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais», cit., 517.169 na doutrina norte ‑americana, v., Joseph M. Perillo, «Calamari and Perillo on contracts», 5th edition, saint Paul, West (2003), 388 ‑389.170 neste sentido, v. nuno Manuel Pinto de oliveira, «Princípios de Direito dos Contratos», coimbra editora, coimbra (2011), 134 e 582 ss.171 o que significa que “a interpretação do contrato procura, em última análise, a “justiça contratual”, na qual está implícita a ideia de exigibilidade e, nesse sentido, de razoabilidade. Esta merece, assim, ver ‑lhe atribuído lugar central na interpretação do contrato”; v. muito recentemente, o excelente artigo doutrinal de Madalena Perestrelo de oliveira, «“A inexigibilidade” na relação contratual: interpretação do contrato e heteronomia», in Revista “O Direito”, director: Jorge Miranda, ano 145.º (2013), vol. iii, almedina, coimbra (2014), 541.

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estado Português, representado pelo Ministério Público (artigo 219.º, n.º 1, da cRP)172‑173.

Por fim, quanto aos efeitos da resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias, questão sobre a qual o supremo tribunal de Justiça também se pronunciou, resta deixar consignada a nossa concordância no que toca à aplicação do artigo 434.º, n.º 1, in fine, do código civil (que alude, para afastar a retroactividade, à «finalidade da resolução») e, ainda, perante a regra do artigo 434.º, n.º 2, do código civil (relativa aos «contratos de execução conti‑nuada ou periódica»).

Porquanto, na hipótese de alteração das circunstâncias, a resolução visa neutralizar os efeitos de uma superveniência contratual que distorceu o sentido da execução do contrato pelo que, logo, ao abrigo da ressalva fixada pela parte final do artigo 434.º, n.º 1, do cc, será possível salvaguardar os actos de cumprimento já verificados até ao momento em que a alteração de circunstâncias se tornou eficaz, o que significa que, tendo em conta o papel meramente «certificativo» do tribunal nos casos de resolução fundada (comprovadamente fundada) em alte‑ração das circunstâncias, os efeitos resolutivos produzir ‑se ‑ão a partir do momento da declaração resolutiva extrajudicial (artigo 224.º, do cc)174.

deste modo, resolvido o contrato deve ser restituído o que tiver sido rece‑bido até ao momento em que a resolução opera.

se esta restituição (em espécie) não for possível, determina o artigo 289.º, n.º 1, do cc (que é aplicável à resolução do contrato por alteração das circuns‑tâncias em virtude do disposto nos artigos 439.º e 433.º, do cc), que a parte resolvente entregue à contraparte o «valor correspondente»175‑176‑177, devendo adoptar ‑se, na esteira de Paulo Mota Pinto178, um «critério objectivo» e que será,

172 sobre a intervenção do Ministério Público, em representação do estado, na área cível, v., com muito interesse, o estudo de isabel alexandre, «Representação do Estado Português em acções cíveis», in Revista do Ministério Público (RMP), ano 33, n.º 131, coimbra editora, coimbra (2012), 14 ss.173 sobre a intervenção do Ministério Público, em representação do estado, na área administrativa, v., com muito interesse, o estudo de alexandra Leitão, «Representação do Estado Português pelo Ministério Público nos Tribunais Administrativos», in Revista Julgar, n.º 20, coimbra editora, coimbra (2013), 191 ss.174 neste sentido, v. catarina Monteiro Pires, «Efeitos da alteração das circunstâncias», cit., 190.175 sobre esta questão, mas no que respeita aos efeitos da resolução do contrato por incumprimento, v., o brilhante estudo de catarina Monteiro Pires, «A prestação restitutória em valor na resolução por incumprimento», in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Telles, almedina, coimbra (2013), 703 ss.176 neste sentido, v. catarina Monteiro Pires, «Efeitos da alteração das circunstâncias», cit., 191.177 sobre esta questão, mas no que respeita aos efeitos da resolução do contrato por incumprimento no âmbito da impossibilidade de restituição em espécie, v., o brilhante estudo de catarina Monteiro Pires, «Resolução do contrato por incumprimento e impossibilidade de restituição em espécie», in Revista O Direito, ano 144.º, vol. iii, 2012, almedina, coimbra (2013), 668 ‑669.178 neste sentido, v. Paulo Mota Pinto, «Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo», vol. ii, dissertação de doutoramento, coimbra editora, coimbra (2008), 998, nota 2790.

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443O contrato de swap de taxas de juro e os instrumentos derivados financeiros

atenta a classificação doutrinal da mesma como dívida de valor e, portanto, sujeita a actualização, por estar subtraída ao alcance do princípio nominalista179; o prin‑cípio que subjaz à doutrina norte ‑americana do gain –based damages180, ou seja, «the wrondoer is left back where he started181», o que se compreende atento o moral hazard182‑183 que impenderá, ao menos nos casos onde a finalidade especulativa mais se faça sentir, sobre a conduta do swap dealer.

Porquanto, a actuação do swap dealer está indissociavelmente ligada a uma pretensão (transpositiva) de claim for correctness184 (embora compreendendo uma claim for justifiability), entendida como moralidade deontológica185, advogando ‑se uma necessária interligação do direito com a Moral186, e uma necessária coin‑cidência dos princípios jurídicos com princípios morais187, tratando ‑se, assim, acompanhando Robert alexy, de “princípios (neste caso, o da proporcionalidade) que constituem necessariamente “razões para regras” (reasons for rules)188.

Praia da vitória (terceira, açores), 20 de dezembro de 2013 (actualizado em Julho de 2014).

179 neste sentido, muito recentemente se pronunciou, antónio Pinto Monteiro, «Dívidas de valor e restituição do preço em caso de invalidade ou de resolução do contrato», in Revista de Legislação e Jurisprudência (RLJ), ano 141.º, n.º 3971, novembro ‑dezembro de 2011, coimbra editora, coimbra (2011), 99 ‑100.180 neste sentido, na doutrina portuguesa, v. Henrique sousa antunes, «Da inclusão do lucro ilícito e de efeitos punitivos entre as consequências da responsabilidade civil extracontratual: a sua legitimação pelo dano», dissertação de doutoramento, coimbra editora, coimbra (2011), 279 ss.181 neste sentido, na doutrina norte ‑americana v. andrew Kull, «Restitution’s Outlaws», in chicago ‑Kent Law Review, vol. 87 (2003), 19.182 a recente doutrina norte ‑americana faz referência, no âmbito do direito dos contratos, a um “minimum moral virtue”; v. seana valentine shiffrin, «The divergence of contract and promise», in Harvard Law Review, n.º 3, vol. 120, January 2007 (2007), 718.183 como afirma a doutrina norte ‑americana, relativamente à origem e à razão de ser da moral hazard; “What moral hazard means is that, if you cushion the consequences of bad behavior, then you encourage that bad behavior”; v. tom Baker, «On the Genealogy of Moral Hazard», in texas Law Review, vol. 75, number 2, december 1996 (1996), 238; v. Reiner H. Kraakman, «Corporate Liabilty Strategies and the Costs of Legal Controls», in Yale Law Journal, 857, 873 ‑874 (1984), (business law and moral hazard); v. Howell e. Jackson, «The Expanding Obligations of Financial Holding Companies», in Harvard Law Review, 509, 512 (1994) (banking regulation and moral hazard).184 neste sentido, na doutrina alemã, v. Robert alexy, «Theorie der Grundrechte», suhrkamp (1996), 39 ss.185 neste sentido, v. aleksander Peczenik, «Law, Morality, Coherence and Truth», in Ratio Juris, vol. 7, number 2, July 1994 (1994), 161.186 neste sentido, referindo ‑se à “necessary connection between law and morality by way of three theses: the “incorporation thesis”; “the morality thesis” and the “correctness thesis”; v. Robert alexy, «The Argument from Injustice, A Reply to Legal Positivism», oxford University Press (2002), 70.187 neste sentido, v. John Gardner, «What Law Claims, How Law Claims», para o Fs Robert alexy, in oxford Legal studies Research Paper n. 44/2008 (2008), passim.188 neste sentido, na doutrina alemã, v. Robert alexy, «Theorie der Grundrechte», cit., 92.