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127 7 Joias: novos paradigmas para novos tempos Values are now linked to brand reality, and a brand is no longer simply selling a jewel but selling confidence and continuity, expression and experience. Swarovski 382 Com a crescente incorporação do Design ao processo de configuração das joias, surgiu um novo paradigma projetual para o setor. O Design abriu caminho para o posicionamento da joia brasileira no mercado mundial e para um novo profissional de criação de joias, com responsabilidades até então direcionadas para outras áreas e competências. No entanto, o avanço ainda não foi suficiente para posicionar o Design dentro da empresa, considerando toda a abrangência e multidisciplinaridade inerentes às suas atividades. Na joalheria 383 , o alto custo decorrente do valor do ouro, dos diamantes e demais pedras preciosas acaba ocasionando uma redução no ritmo dos lançamentos de novidades e/ou inovações. O que se percebe com mais evidência é um desdobramento das ideias que fazem sucesso. Embora o setor joalheiro tenha investido tanto em tecnologia como em inovação em design, esse investimento tem sido impulsionado principalmente pela reação às mudanças do mercado, mesmo que imediata, do que pela adoção de ações estrategicamente ousadas e antecipatórias. É crescente o reconhecimento de que as joias estão entre as mais poderosas expressões do estilo individual. Em consequência, a joalheria uniu-se ao design na busca por estilos que correspondam a essa diversidade de expressões. Segundo a Swarovsky 384 , as demandas da camada top do mercado indivíduos de alto poder aquisitivo têm motivado as indústrias no mundo com seus gostos cultivados e sofisticados. Ainda segundo a Swarovsky, ao tocar o espírito universal do slow design 385 , as joias estão alcançando uma nova temporalidade e status; é a intemporalidade dos valores duradouros, do design eterno que revisita e moderniza a essência da fina joalheria. Neste sentido, cabe salientar a crescente valorização dos aspectos simbólicos das joias. Da antiguidade ao mundo contemporâneo, esses valores ampliaram os seus significados. Poder, riqueza, prestígio, fidelidade, amor, 382 SWAROVSKY, 2009, p.07 (Os valores estão agora ligados à realidade de brand, e branding não é simplesmente vender uma joia, mas vender confiança e continuidade, expressão e experiência.) Tradução Nossa. 383 Segundo a experiência da pesquisadora no setor. 384 SWAROVSKY, 2009. 385 O slow design está focado na ideia de bem estar e foi concebido com o objetivo de transformar a visão atual sobre o consumo e o materialismo. Diz respeito à descoberta de novas formas de viver, trabalhar e se divertir, respeitando a condição humana, a biodiversidade e a natureza finita dos recursos do planeta. (FUAD-LUKE, 2004/2005).

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7 Joias: novos paradigmas para novos tempos

Values are now linked to brand reality, and a brand is no longer simply selling a jewel but selling confidence and continuity, expression and experience.

Swarovski382

Com a crescente incorporação do Design ao processo de configuração das

joias, surgiu um novo paradigma projetual para o setor. O Design abriu caminho

para o posicionamento da joia brasileira no mercado mundial e para um novo

profissional de criação de joias, com responsabilidades até então direcionadas

para outras áreas e competências. No entanto, o avanço ainda não foi suficiente

para posicionar o Design dentro da empresa, considerando toda a abrangência e

multidisciplinaridade inerentes às suas atividades.

Na joalheria383, o alto custo decorrente do valor do ouro, dos diamantes e

demais pedras preciosas acaba ocasionando uma redução no ritmo dos

lançamentos de novidades e/ou inovações. O que se percebe com mais

evidência é um desdobramento das ideias que fazem sucesso. Embora o setor

joalheiro tenha investido tanto em tecnologia como em inovação em design, esse

investimento tem sido impulsionado principalmente pela reação às mudanças do

mercado, mesmo que imediata, do que pela adoção de ações estrategicamente

ousadas e antecipatórias.

É crescente o reconhecimento de que as joias estão entre as mais

poderosas expressões do estilo individual. Em consequência, a joalheria uniu-se

ao design na busca por estilos que correspondam a essa diversidade de

expressões. Segundo a Swarovsky384, as demandas da camada top do mercado

– indivíduos de alto poder aquisitivo – têm motivado as indústrias no mundo com

seus gostos cultivados e sofisticados. Ainda segundo a Swarovsky, ao tocar o

espírito universal do slow design385, as joias estão alcançando uma nova

temporalidade e status; é a intemporalidade dos valores duradouros, do design

eterno que revisita e moderniza a essência da fina joalheria.

Neste sentido, cabe salientar a crescente valorização dos aspectos

simbólicos das joias. Da antiguidade ao mundo contemporâneo, esses valores

ampliaram os seus significados. Poder, riqueza, prestígio, fidelidade, amor,

382

SWAROVSKY, 2009, p.07 (Os valores estão agora ligados à realidade de brand, e branding já

não é simplesmente vender uma joia, mas vender confiança e continuidade, expressão e experiência.) Tradução Nossa. 383

Segundo a experiência da pesquisadora no setor. 384

SWAROVSKY, 2009. 385

O slow design está focado na ideia de bem estar e foi concebido com o objetivo de transformar a visão atual sobre o consumo e o materialismo. Diz respeito à descoberta de novas formas de viver, trabalhar e se divertir, respeitando a condição humana, a biodiversidade e a natureza finita dos recursos do planeta. (FUAD-LUKE, 2004/2005).

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honra, distinção, magia, humor, juventude ou sedução são alguns deles. Esses

significados não surgem aleatoriamente, mas expressam as expectativas e

necessidades dos indivíduos de cada tempo.

Já há alguns anos a joalheria vem se deparando com uma nova realidade e, quem sabe mesmo, uma revalorização de seu estatuto enquanto objeto simbólico. Depois de viver um longo período como objeto-investimento, a jóia redescobriu e resgatou seus outros papéis, abrindo-se para performances cada vez mais diversificadas.

386

Para evidenciar esses atributos intangíveis, os designers precisam ir além

dos aspectos físicos das joias, como usabilidade, ergonomia, escolha de

materiais e processos de produção. É necessário captar e compreender as

emoções do consumidor, o que é importante, o que emociona, o sentimento que

pode despertar o desejo de querer ter, possuir. A joia precisa dialogar com o

consumidor e celebrar sua vida, seus momentos particulares.

Atualmente, cada indivíduo tem liberdade para transformar pequenos

acontecimentos de seu dia a dia em eventos especiais. Em cada um deles a

joalheria pode estar presente, eternizando-os e traduzindo em ouro e pedras

preciosas os mais diversos sentimentos e emoções que o ser humano

experimenta ao longo de sua vida. Por isso a grande alta de joias que

representam os ritos de passagem, tanto os mais tradicionais como nascimento,

batizado, noivado, casamento, dia das mães, namorados e formatura, como

outros mais pessoais, como o primeiro beijo, o primeiro carro, ou até mesmo a

separação.

7.1 O cenário atual

Nos dias 15 e 16 de junho de 2010, aconteceu no Rio de Janeiro o

Encontro Nacional do Setor de Gemas, Joias e Afins, uma realização do Instituto

Brasileiro de Gemas & Metais Preciosos - IBGM, com apoio da Associação de

Joalheiros do Rio de Janeiro - AJORIO e patrocínio do SEBRAE/RJ. Nesta

oportunidade, o presidente do IBGM, Hécliton Santini, apresentou um painel

sobre o mercado mundial de joias, com uma análise comparativa entre os

principais competidores sob a perspectiva do consumidor: França, Itália, Índia,

Hong Kong/China, Tailândia, Estados Unidos e Brasil.

386

CAMPOS, 2007, p.72.

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O IBGM disponibilizou o material desse painel para fundamentar esta

pesquisa e contribuir para a construção do cenário atual do setor joalheiro

brasileiro. Na figura abaixo (Figura 10), pode-se observar o posicionamento dos

países enquanto produtores de joias, entre a produção em massa e a alta

joalheria européia, assim como a brecha de oportunidade onde as empresas

brasileiras podem se inserir. Segundo a pesquisa, essa inserção será possível

se as empresas tiverem como foco o fashion design, a utilização de gemas

coradas, o aprimoramento da qualidade e das técnicas de fabricação, o

consumidor, o investimento em branding387, o custo x benefício e a aplicação dos

conceitos de sustentabilidade e ecologia à cadeia produtiva de joias.

A figura a seguir (Figura 11) apresenta o posicionamento dos países citados,

considerando os valores relacionados à acessibilidade das joias (design,

conceitos e preços mais acessíveis), à dificuldade de acesso (preços altos,

design e conceitos mais complexos e sofisticados) e o foco na produção em

massa ou no design (design mais exclusivo). Neste mapa, o Brasil aparece no

quadrante design, porém num ponto intermediário entre o distante e o acessível.

O direcionamento estratégico aponta para a busca de uma maior acessibilidade

para as joias brasileiras através do design.

387

MARTINS, da GlobalBrands. Branding “é o conjunto de ações ligadas à administração das marcas”, que as levam além da sua natureza econômica, passando a fazer parte da cultura, influenciando e simplificando a vida de todos.

Figura 10: Cenário atual do setor joalheiro mundial (dados fornecidos pelo IBGM/2010)

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O curioso deste mapa é o manifesto entendimento do setor joalheiro sobre

o Design, colocando-o em contraposição à produção em massa. Como foi

tratado no Capítulo 5, o termo Design está sendo empregado neste mapa como

adjetivo, um valor de diferenciação entre o exclusivo (neste caso, design) e os

produtos produzidos em larga escala (considerados aqui não design?). Essa

abordagem, embora equivocada, não invalida a análise e serve como exemplo

do quanto o Design ainda não foi compreendido em todo o seu significado e

abrangência.

Segundo a análise apresentada pelo IBGM, a marca da joia brasileira tem

em sua essência as gemas coradas, que celebram a moda e o estilo, com boa

percepção de valor. Como pontos fortes, a joia brasileira apresenta um design

diferenciado, a alegria, o colorido e uma brasilidade moderna que tem

despertado o interesse, principalmente de países europeus. Como pontos fracos,

foram identificados o reduzido número de marcas nacionais e a pouca percepção

dos consumidores sobre os valores tangíveis e intangíveis das joias.

Dentre as oportunidades de mercado, a pesquisa apresentou três opções:

competir somente no preço e/ou valor contra os players (concorrentes) asiáticos;

fortalecer o foco no consumidor para competir contra o alto valor dos fabricantes

europeus; desenvolver um novo segmento baseado no design superior e na

acessibilidade. A viabilidade das oportunidades apontadas acima será discutida

Figura 11: Mapa competitivo e orientação estratégica do Brasil (segundo dados fornecidos pelo IBGM/2010)

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ao longo deste capítulo, incluindo a opinião de especialistas do setor,

empresários e diretores de design, obtida por meio de entrevistas.

Ainda segundo dados fornecidos pelo IBGM388, este era o quadro da

cadeia produtiva de joias no Brasil em 2009 (Quadro 12):

Cadeia Produtiva – Número estimado de empresas em 2009

Indústria

Lapidação/Obras de pedras 600

Joalheria ouro e prata 800

Folheados e bijuterias 2.600

Total Indústria 4.000

Varejo 14.000

Cabe ressaltar que o segmento de joias no Brasil – fabricantes e varejistas

– é formado basicamente por micro e pequenas empresas, perfazendo mais de

95% deste universo. É importante observar que muitos varejistas (joalherias) já

não dependem exclusivamente das indústrias para compor seu estoque,

desenvolvendo parte de suas coleções em oficinas próprias e/ou ourives

terceirizados. Muitas joalherias, inclusive, têm a sua própria equipe de design,

como é o caso da H. Stern, Monte Carlo, Vivara, Amsterdam, Dryzun e Antonio

Bernardo, entre outras. Em contraponto, vem surgindo o movimento de muitos

fabricantes (produtor/fornecedor) na divulgação de suas marcas diretamente ao

consumidor final ou mesmo considerando a abertura de pontos de venda de

varejo próprios.

Em fevereiro de 2010, o IBGM disponibilizou um relatório on-line traçando

um panorama sobre o setor de gemas e joias no Brasil389. Dentre os dados

levantados, aponta-se:

Grande presença de pequenas indústrias de lapidação de pedras, muitas

de fundo de quintal.

Terceirização acentuada.

Poucas indústrias integradas gerando falta de garantia de qualidade, não

cumprimento de prazos e poucas opções de lapidações diferenciadas,

388

IBGM, 2010 (A). 389

IBGM, 2010 (B).

Quadro 12: Situação da cadeia produtiva de joias no Brasil em 2009 (IBGM)

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embora o Brasil possua “capacidade e competitividade para lapidar pedras

de média e boa qualidade”. Nas pedras de baixo valor, a maioria delas

calibradas, as indústrias brasileiras não têm escala nem preços

competitivos.

Informalidade ainda bastante representativa, embora já seja inferior a 50%

do mercado (produção e comercialização).

Vendedoras autônomas informais, também chamadas de sacoleiras, ainda

com muita representatividade.

Alta carga tributária incidente sobre o setor joalheiro levando à

informalidade e à fraca competitividade com produtos estrangeiros.

Pouco acesso ao suporte de crédito, tendo em vista a alta informalidade e

balanços contábeis que não retratam a realidade das empresas.

Fortalecimento do estilo e do design de joias brasileiro, com características

próprias já reconhecidas internacionalmente.

Forte concorrência dos produtos substitutos tecnológicos, como

smartphones, i-pod, i-pad, notebooks etc.

Crescimento dos ateliês de design e lojas de varejo, que passaram a

produzir uma parte de seus produtos, concorrendo com a indústria

joalheira tradicional. Aqui, cabe ressaltar os dados fornecidos pelo IBGM

(ver figura 4): são 14.000 varejistas (potenciais compradores das 4.000

indústrias) que começam a competir com essas indústrias.

Às pesquisas apresentadas acima, é importante acrescentar os dados

levantados através de entrevistas feitas com especialistas (ver Anexo 1 e Quadro

1, no item 1.4), que complementam o cenário atual das empresas fabricantes de

joias brasileiras. Os critérios de seleção das empresas entrevistadas foram

apresentados na Introdução desta Tese, no item Metodologia.

Das nove empresas entrevistadas, duas são de pequeno porte e as

demais de médio porte. Ao serem questionadas sobre seus pontos fracos e

fortes, sete empresas citaram diretamente o design como ponto forte; nas outras

duas, o design aparece embutido em outras qualidades, como visão à frente e

estilo adotado. O presidente da Denoir aponta o design e a ética como fatores

que caminham em paralelo: “acho que não adianta ter design e não ter uma

cultura adequada; e não adianta ter uma cultura adequada e não ter design”.

Segundo ele, a ética deve estar presente na atitude tanto em relação aos

funcionários como em relação aos clientes.

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Tendo ainda o design como foco, o diretor de criação da CR Brüner

destacou a preocupação com o apuro técnico e a qualidade em cada fase da

produção. Além disso, o design deve estar “conectado com o estilo de vida e de

pensar da mulher moderna”.

Para o diretor da Vianna – empresa especializada na lapidação e produção

de joias com gemas brasileiras –, seu ponto forte é aliar este diferencial a um

design de joias único, muito particular. A empresa realiza um trabalho intensivo

para imprimir uma identidade forte à marca, através de um estilo de joias que

seja reconhecido por todos os clientes, tanto no mercado interno como externo.

Ainda com relação à identidade e ao reconhecimento da marca, o presidente da

Seven aponta a intensificação de investimentos em marketing, porque considera

este um dos pilares estratégicos da empresa.

Como ponto fraco, cada empresa apresentou preocupações distintas,

como falta de capital para investimentos, necessidade de melhoria no

relacionamento com clientes e problemas de qualidade x prazo de entrega. O

diretor de criação da Manoel Bernardes aponta também questões relativas às

dimensões do nicho da empresa e aos aspectos intangíveis das joias:

Eu acho que o nosso produto está posicionado para um nicho de mercado. Então ele tem uma gama de oferta menor, não é um produto universal. Exige que o cliente compreenda a linguagem e faça esforços no sentido de posicionar esse produto dentro da própria loja. Se ele não fizer, perde grande parte do composto de design, do atributo importante que ele tem, já que o maior atributo não é o preço competitivo.

Para o diretor, a informalidade impede a profissionalização, o acesso à

tecnologia e à formação de uma equipe interna de profissionais. O grande

problema é pensar à curto prazo.

Questionadas sobre o conhecimento de seu público alvo, todas as

empresas responderam afirmativamente, ou seja, que têm esse público bem

focado, com seus produtos desenvolvidos para atendê-lo. O presidente da

Danielle chama a atenção para a transferência de poder da indústria para o

varejo:

E o que eu percebo hoje é essa transferência do poder para o varejo: ele me diz como quer comprar, como quer pagar, de que forma quer trabalhar [...]. E isso de certa forma tem fragilizado a indústria. O que eu vejo [...] é o consumidor tomando total domínio dessa situação. Agora, o varejo está refém do consumidor. Ele entra na internet, se instrui, se informa. Ele está pronto pra comprar.

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Sobre os não clientes, a maioria das empresas citou aqueles que não

correspondem ao perfil do seu público alvo. A diretora e designer da Marcia Mór,

por exemplo, tem suas joias focadas para a mulher que tem tudo, que não mede

recursos quando encontra o que quer. Para ela, o não cliente seria o iniciante,

aquele que ainda tem medo da joia.

As pessoas têm medo da joia. Imagine uma pessoa que tenta entrar numa joalheria e tem medo. Não tem noção de valor e de possibilidades. Daí que entram nessas empresas que oferecem facilidades e introduzem a pessoa no mundo das joias. Porque isso é um rio que você entra com um barquinho até chegar ao Amazonas. Se você não entrar num barquinho naquele riachinho, nunca chega ao Amazonas, nunca! Isso é um caminho.

Cabe aqui ressaltar que os jovens também estão incluídos na categoria

iniciante. Os jovens podem ser considerados um dos grandes grupos de não

clientes com potencial para serem trabalhados e introduzidos no mundo das

joias pela maioria das empresas. O público jovem é assim definido pelo

presidente da Danielle:

O público jovem com o qual eu me relaciono não sabe nem o que é loja! É quase uma heresia falar que ele tem que ir lá e comprar alguma coisa. Ele compra tudo pela internet. Bebida, comida, roupa, livros, computadores, a joia. É uma falsa ilusão acreditar em uma frase ainda colocada: “não, a joia é diferente, quero pegar, quero sentir... quero não sei o que...”. Eu acho que o público jovem é muito mais bem resolvido nessa história.

Sobre os produtos substitutos, além daqueles já citados na pesquisa do

IBGM apresentada acima, englobando os tecnológicos, as viagens apareceram

como uma grande concorrente, além de carros e produtos de grifes –

principalmente bolsas. Sobre o assunto, o diretor de criação da Manoel

Bernardes tece o seguinte comentário:

Acho que a gente tem algumas áreas em que esses produtos se localizam. Se nós falarmos em termos do público masculino, ou um público jovem, a tecnologia é um forte fator competitivo. As novas tecnologias, seja o celular, seja o i-pod, seja qualquer base tecnológica que represente modernidade e inserção no grupo. Se é um público feminino, eu acho que tem hoje um produto que simbolicamente tem ocupado muito espaço, que são as bolsas. As bolsas e calçados. Tanto é que a gente hoje nota um grande interesse por calçados. Os calçados passaram a ter assinatura. [...] tanto a bolsa quanto o calçado têm a possibilidade de ter um caráter erotizante muito mais forte, muito mais percebido do que o conteúdo das joias. Para o apelo feminino, isso tem um certo perfil que é muito importante: esse caráter de objeto de desejo. Eu acho que o calçado e a bolsa têm fetiches mais claros, mais poderosos do que as joias.

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Essa última observação surpreende e preocupa, considerando que a joia é

vista como um dos maiores objetos simbólicos que permeia a história das

civilizações. A perda dessa posição para objetos da cultura contemporânea,

como os tecnológicos e acessórios de moda, sinaliza que a joalheria precisa

renovar a divulgação de seus valores, sejam eles tangíveis ou intangíveis, para

seus clientes e, principalmente, seus atuais não clientes.

Ainda sobre a ênfase nos apelos funcionais (tangíveis) ou emocionais

(intangíveis) de seus produtos no mercado, quatro empresas responderam

ambos e as demais apontaram os aspectos emocionais como fundamentais. No

entanto, cabe aqui ressaltar que, embora os aspectos emocionais estejam

presentes tanto na fase da conceituação e desenvolvimento da coleção como

em sua apresentação aos lojistas/sacoleiras, na maioria das vezes esses valores

não chegam ao cliente final.

Sobre o assunto, a jornalista responsável pelo JoiaBr390, principal site

sobre joalheria no Brasil, observa que os apelos deveriam ser emocionais,

porém, o que se vê nas campanhas é a ênfase nos descontos ou na imagem de

famosos, “que nem sempre dão o retorno esperado”. Como exemplo de uma

boa campanha de joias com apelo emocional, o site cita a Tiffany e H. Stern:

Veja o que é feito pela Tiffany, só para exemplificar, que lança pequenos vídeos, como o que foi apresentado recentemente através das redes sociais, em referência à chegada da primavera no hemisfério norte e ao mês das noivas. Não há menção direta à venda de joias, mas sim a todo o clima de romance e emoção que envolve um casamento. A resposta do público, pelos comentários, tem sido muito favorável e, com certeza, as vendas de engagements rings embalados na famosa caixinha azul devem aumentar substancialmente. Aqui no Brasil, a H. Stern tem feito um bom trabalho, vide as campanhas das coleções Niemeyer e do Grupo Corpo, que têm justamente este apelo emocional, com música e dança guiando os sentidos.

Sobre a pesquisa de tendências de design e comportamento, as revistas –

principalmente as de moda – foram as mais citadas como fontes de pesquisa,

seguidas pelas viagens, cadernos de tendências, assinaturas de bureaux e

consultoria. O diretor da Vianna comentou os equívocos relacionados ao

emprego das tendências para o desenvolvimento de coleções, equívocos estes

já abordados aqui e em trabalhos anteriores da autora desta tese:

Um dos varejistas colocou que a indústria deveria estar mais próxima do lojista para entender o que o cliente dele está querendo. E eu confesso pra você que eu não estou muito interessado em oferecer para o lojista o que o cliente dele quer, não... Eu estou mais interessado em oferecer para o lojista aquilo que o cliente

390

JOIABR. Entrevista concedida em abril de 2011.

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dele não espera que vai ter! Eu acho que você estar fazendo um produto de acordo com uma tendência não é você estar fazendo o óbvio, não é você estar fazendo aquilo que a pessoa quer! É estar oferecendo, evidentemente dentro de determinado parâmetro, alguma coisa inusitada, alguma coisa nova, alguma coisa diferente.

Para ele, as tendências de moda não atingem as joias diretamente, e tanto

as joalherias como as fábricas buscam desenvolver um estilo próprio que será

reconhecido pelos clientes. Cabe ressaltar que o termo tendências de moda foi

empregado considerando-se apenas os valores estéticos como cor, forma e

estilo. Neste sentido, seria mais importante observar as tendências de

comportamento e, como observa o diretor de criação da CR Brüner, é

fundamental que os designers estejam conectados com “novas realidades, com

novas expectativas e desejos dos consumidores”. Para ele, a empresa não é

uma “mera seguidora das tendências”, pois isso poderia volatilizar a marca. A

empresa interpreta as tendências de moda e comportamento, respeitando o

conceito estético no qual ela foi criada.

Também neste sentido, a Manoel Bernardes observa que seguir

tendências é de uma complexidade muito grande: “nós estamos submetidos ao

mercado e cada vez que o mercado oscila ou altera o seu gosto, a gente tem

que, de uma certa forma, antecipar na medida do possível ou acompanhar na

medida do necessário”.

Concluindo: para as empresas entrevistadas, a manutenção da imagem da

empresa e sua percepção junto ao público consumidor são fatores fundamentais

e as tendências de design não devem ser adotadas ao pé da letra, mas

adaptadas, a fim de manter a solidez da identidade da marca.

E sobre o futuro? O que pensam e fazem as empresas com relação às

mudanças e surpresas? Traçam metas? Antecipam-se? Embora a maioria das

empresas apenas observe e se adapte às mudanças, algumas realizam

pesquisas de mercado ou acompanham os índices econômicos fornecidos pela

FIESP, por exemplo. Para o diretor da Vianna, faltam habilidades e

conhecimento das ferramentas necessárias para produzir os cenários futuros.

Prospectar futuro ainda é confundido com achismo e previsão. Por outro

lado, a atitude reativa prevalece, onde maleabilidade e agilidade são

consideradas as qualidades necessárias para uma rápida adaptação às

mudanças.

Mudanças que, neste caso, podem surpreender as empresas e paralisar o

processo, quando a atitude responsiva não é imediata, o que nem sempre é. A

crise internacional ocorrida em 2008, por exemplo, surpreendeu muitas

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empresas joalheiras, principalmente as que lidavam com o mercado externo,

afetando inclusive projetos de expansão comercial. Para o JoiaBr, “o setor

joalheiro foi um dos mais afetados pela crise financeira de 2008 e só agora, três

anos depois, dá sinais de reação”391. O JoiaBr evidencia ainda a grande

valorização do ouro, principal matéria prima do setor, que “tem forçado

mudanças no macroambiente em que se insere o setor joalheiro, definindo

volumes de produção, capital de giro, mudanças em design etc”. Além do ouro, a

alta ou a queda do dólar pode afetar diretamente o setor joalheiro, para o bem

ou para o mal, causando mudanças significativas no rumo de determinadas

empresas, como um crescimento, uma diminuição ou mesmo um fechamento. O

surgimento de concorrência externa, como foi a joia italiana na década de 1980,

e a chinesa agora, é também considerado um forte elemento de impacto para o

setor, e muitas empresas não se prepararam para isso.

Segundo Hécliton Santini392, presidente do IBGM, a alta do ouro é

preocupante, pois as expectativas de curto e médio prazo ainda são de

valorização, embora em menor intensidade. Para Santini,

“o impacto do aumento do preço do ouro é o principal motivo para a acentuada queda de 33% ocorrida na fabricação mundial de jóias de ouro, entre 2005 e 2010, quando passou de 2.719 toneladas para 2.017 toneladas”.

Contudo, Santini também observa que, “em valor, houve aumento da

produção, já que o ouro se valorizou mais no período”.

O JoiaBr chama a atenção ainda para as fusões ou aquisições de

empresas, algumas tradicionais, que “têm alterado o ambiente de negócios e

criado grandes conglomerados, assim como já acontece em outros setores”.

Outro ponto levantado foi a redução do consumo de joias com gemas,

ocorrida recentemente, o que, segundo a Manoel Bernardes, a fez repensar

suas estratégias e posicionamento. Entre a permanência na já estabelecida

identidade da marca (joias com gemas brasileiras) e a abertura de novos nichos,

a empresa decidiu pela mudança:

Depois de uma reflexão interna, nós achamos que existia espaço para a gente avançar para outras propostas de combinação de joias com ouro, joias com ouro e diamantes. Porque a nossa essência não era só as pedras, era uma tecnologia, era uma inovação, era uma contemporaneidade. Se eu mantivesse esse mesmo caráter permeando outros materiais, eu estaria mantendo também a coerência de marca. Então a gente viveu um momento de reflexão, mas optou por ser num certo sentido pragmático, já que o mercado avançou. Mas a gente teve que

391

JOIABR. Entrevista concedida em abril de 2011. 392

SANTINI, H. em entrevista realizada por e-mail, em 29 de junho de 2011.

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138

questionar para ver se existia esse espaço e de que forma eu poderia adentrar esse universo, sem comprometer os atributos da marca.

Sobre as decisões estratégicas, as empresas trabalham com um ano de

antecipação para um planejamento administrativo/orçamentário.

Para o presidente da Denoir, o maior equívoco é o setor acreditar que as

coisas possam voltar a ser como antes, tendo em vista a grande velocidade das

mudanças e a volatilidade da realidade, que não cessa de se atualizar. Para ele,

as empresas não estão acompanhando as mudanças na mesma velocidade em

que elas acontecem.

7.2 A inovação e o design nas empresas fabricantes de joias no Brasil – caminhos possíveis?

Quanto maior o grau de oportunidade tecnológica de um setor, mais elevado deve ser o esforço interno de P&D.

Lia Hasenclever393

Com o tema inovação presente na pauta das grandes discussões sobre

estratégia nas empresas, o setor joalheiro também tem demonstrado seu

interesse e preocupação com o acesso e a adoção das novas tecnologias,

visando um melhor posicionamento no mercado nacional e internacional.

No campo do design em geral e no design de joias em particular, o que

vemos hoje é uma aceleração dos processos de produção através das novas

tecnologias, possibilitando a sua otimização e a redução do tempo entre a

criação e a comercialização dos novos produtos. Além disso, as inovações

tecnológicas têm permitido, em muitos casos, a inovação em design, através de

novas soluções e experimentações estéticas e funcionais. Aquilo que não podia

ser modelado há cinco anos, por exemplo, hoje é prototipado ou simulado de

forma rápida e por um custo bem mais baixo.

Um dos pontos que dificultam o posicionamento competitivo das indústrias

brasileiras de joias frente ao mercado mundial é o alto índice de carga tributária

que incide sobre o setor e que acaba gerando altos custos, altos preços, pouca

margem de lucro e pouca disponibilidade para investimentos em tecnologia e

inovação.

Em entrevista à Agência Brasil, Carla Pinheiro, presidente da Associação

de Joalheiros do Estado do Rio de Janeiro (AJORIO), explica os entraves para o

393

HASENCLEVER, 2002.

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139

crescimento que o setor joalheiro sofre, ao comparar o seu alto índice de

taxação aos índices de outros produtos com os quais compete. Se comparado

com o setor joalheiro no resto do mundo, a diferença de tributação é ainda mais

elevada.

A Itália, país que competia mais fortemente com o Brasil no segmento de

joias, tinha em 2005 uma carga tributária de 20%, contra os 53% que oneravam

as jóias brasileiras. Na China, Índia e Tailândia, o setor joalheiro desponta como

uma das principais forças econômicas locais. Nesses países, a taxação diminuiu

significativamente permitindo que eles se apresentem hoje como os mais fortes

competidores. Carla Pinheiro comenta que a Tailândia praticamente zerou os

impostos para o setor.

Em novembro de 2008, o Rio de Janeiro foi palco do 1º Encontro Nacional

do Setor Joalheiro, quando se discutiu temas como informalidade, carga

tributária e oportunidades no comércio exterior, considerados fundamentais para

que o setor possa concorrer com os emergentes mercados da Ásia.

Em sua palestra "Como a Tailândia transformou o setor de joias e gemas

no segundo mais importante da economia do país", o empresário tailandês Prida

Tiasuwan confirmou a urgente necessidade da adequação tributária no país. Na

ocasião, Prida já via a Índia como o maior concorrente internacional para os

produtos de joalheria brasileiros. Lá, os impostos para o setor estão, hoje, em

torno de 4%. Esse valor, comparado à média atual de 42% no Brasil, deixa as

empresas nacionais em grande desvantagem, tanto para o mercado interno

(com o crescente número de importação de joias), quanto para o mercado

internacional. Comparando os mercados brasileiro, indiano, tailandês e chinês,

concluiu-se que o Brasil precisa buscar soluções para não perder a corrida para

as potências emergentes na produção e exportação de joias.

Peter Hall394 chama a atenção para o fato de que a tecnologia necessita de

um forte investimento econômico. Para a maioria das empresas do setor

joalheiro, de micro e pequeno porte, pode ser impossível investir em novas

máquinas sem a obtenção de financiamento. Desse ponto de vista, as

instituições financeiras e as operações de financiamento aparecem como prática

rotineira e necessária.

Apesar das dificuldades apresentadas, as empresas joalheiras vêm

investindo em tecnologia, pois percebem que este é o caminho em busca de um

melhor desempenho no mercado. Com exceção de duas das empresas

entrevistadas, que têm foco em joias feitas à mão, as demais empresas

394

HALL, 1994.

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140

acompanham os avanços tecnológicos a fim de reduzir custos e aumentar a

qualidade dos produtos. A diferenciação do design de joias por meio da

tecnologia ainda é pouco observada pelas empresas. Para a maioria, a

tecnologia facilita a modelagem, a produção e o acabamento, mas ainda não

chegou a influenciar o design de forma significativa. Já para o site JoiaBr, essa

influência é perceptível, pois têm chegado ao mercado peças mais bem

detalhadas e leves, resultado de boas soluções tecnológicas.

As tecnologias mais citadas, além da informatização da produção, são:

solda a laser, fresadora, impressora 3D, máquinas de produzir alianças e

fundição de última geração. Em alguns casos, o corte a laser e a injetora

pneumática também aparecem como alternativas. Novos processos nas áreas

de cravação, banhos, polimentos e acabamentos também são pesquisados e

incorporados pela maioria das empresas. Lapidações diferenciadas são bem

vindas.

Para o diretor de criação da Manoel Bernardes, um dos pontos

fundamentais é saber trabalhar com a tecnologia a favor da emoção. Para ele, a

tecnologia influenciou o design positivamente, “porque abriu novas

possibilidades construtivas que a gente não tinha quando o elemento era só

manual”. Por outro lado, o empresário observa o paradoxo gerado pela adoção

das tecnologias que, contrariamente ao prognosticado, aumentou a fase manual

do processo. De uma certa forma, a combinação de técnicas como a fundição e

o corte a laser recuperou o fazer artesanal nas fases em que “a mão do artista é

determinante”. Além desse aspecto, o presidente da Denoir destaca outro

processo onde a presença do profissional é fundamental: o domínio do sofware

3D na modelagem para prototipagem rápida. “Tenho fundição, tenho

prototipagem, tenho a fresa e tenho o homem que trabalha no software, que é

mais importante que a máquina!”, comenta.

A CR Brüner chama a atenção ainda para a recente preocupação com

questões que envolvem sustentabilidade e preservação do meio ambiente,

presentes nas novas tecnologias, principalmente em indústrias que fazem uso de

inúmeros produtos químicos.

Diante desse quadro, pode-se entender as lutas que o setor joalheiro

brasileiro tem enfrentado para superar as dificuldades na aquisição e adoção de

novas tecnologias, e para a implementação de inovação através do design.

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141

7.3 Considerações parciais

No relatório do IBGM395 mencionado acima, também foi apresentado um

Panorama Estratégico do Setor com algumas tendências e perspectivas

nacionais e internacionais identificadas nos últimos anos. Os itens relacionados

abaixo não dizem respeito a prognósticos futuros propriamente, mas a fatos que

já estão ocorrendo, seja integralmente, seja na fase inicial. Fatos que contribuem

para a construção de um cenário atual do setor joalheiro no Brasil:

Redução de valor e volume nas transações internacionais (exportações) de

joias de ouro, prata, joias folheadas e bijuterias, em decorrência da crise

financeira.

Preço do ouro em patamares elevados gerando a produção de peças mais

leves com a consequente valorização do design e a busca por materiais

não-convencionais como madeira, couro, borracha, resinas e fibras

vegetais.

Aumento do uso de gemas – diamantes, pérolas e pedras coradas –

inclusive com lapidações diferenciadas, “em detrimento de peças só de

ouro (plain gold)”.

Relativa estagnação da produção de pedras preciosas no Brasil, com a

participação crescente de concorrentes externos, principalmente de países

africanos.

Turismo interno como um dos mais importantes consumidores de joias, de

países como Turquia, Dubai, Cingapura, Egito, Marrocos, Caribe e

Indonésia.

Redução da produção e consumo de joias na Europa, principalmente na

Itália, com transferência de parte dessa produção para países com baixo

custo de mão de obra, como China, Turquia e Vietnam.

Japão e Estados Unidos tendem a um acentuado decréscimo no consumo

e importação de joias.

Países produtores/exportadores de petróleo, como Rússia, Nigéria,

Indonésia e países árabes, além da China, tendem ao crescimento

acelerado no consumo de joias.

Produtos tecnológicos, principalmente os ligados ao segmento de

comunicação, áudio e vídeo, tendem a manter sua posição como principais

concorrentes das joias.

395

IBGM, 2010 (B).

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142

Presença de gemas naturais e design inovador nas bijuterias e joias

folheadas, tanto no mercado interno como no externo.

Atuação crescente de ateliers/oficinas de design e lojas de varejo na

criação e produção de joias, inclusive customizadas.

Crescimento do comércio de joias, folheados e bijuterias pela internet e

televisão, além de lojas de massa como Wal-Mart e Carrefour,

principalmente no mercado externo.

Crescente redução da informalidade no Brasil em toda a Cadeia Produtiva

de Gemas e Joias.

Crescimento da consciência dos aspectos éticos e de sustentabilidade na

produção, industrialização e comercialização de gemas e joias, no Brasil e

no mundo.

Aos empresários, foi perguntado se eles percebiam novas oportunidades

surgindo no mercado joalheiro. Foi interessante constatar que as dificuldades e

desafios prevaleceram sobre as oportunidades, o que mais uma vez comprova a

necessidade de se repensar o papel que as joias estão exercendo na vida e no

imaginário dos consumidores.

Um dos pontos positivos observado foi o reconhecimento da joia brasileira

pelo mercado internacional, decorrente de seu design único e do colorido das

gemas brasileiras. O momento é visto com otimismo, onde as oportunidades não

podem ser ignoradas.

A chegada de novas empresas e ateliers é considerada um dos caminhos

para mudanças no setor. Jovens empresários e designers trazem sangue novo

ao setor, e têm a possibilidade de rejuvenescer as joias e os conceitos com os

quais ela é trabalhada.

As dificuldades apontadas são extremamente importantes, pois sinalizam

as questões que precisam ser revistas e solucionadas. Dentre elas, destaca-se o

desejo que as indústrias têm de se conectarem diretamente com o consumidor

final, agilizando o processo e eliminando os ruídos provocados pelo varejo na

transferência de informações sobre as joias e os conceitos adotados.

Outra questão apontada é a falta de uma atitude mais severa por parte das

indústrias e do varejo com relação ao contrabando, principalmente da

mercadoria chinesa, o que ajudaria a definir melhor o panorama futuro da

joalheria brasileira.

Também não é possível falar sobre as dificuldades do setor sem citar a

necessidade de uma reforma tributária. Para os entrevistados, a reestruturação e

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o revigoramento das indústrias do setor virá através de uma reforma tributária

que torne o produto joia mais competitivo, retirando diversas empresas da

ilegalidade. A formalização do setor será sem dúvida a grande mudança, capaz

de transformar toda a cadeia do setor joalheiro.

Dentre os desafios identificados, destaca-se a relação entre as joias e o

público jovem. Embora muitos valores ligados à joalheria e aos ritos de

passagem tradicionais (um dos pontos fortes da joalheria, como noivado,

casamento, festa de debutante e formatura) estejam reconquistando sua

importância ou se transformando nas últimas gerações, outros ritos de

passagem estão surgindo, baseados em novas situações e estilos de vida. A

questão é que a joalheria ainda não se apropriou desses novos ritos, e talvez

este seja um dos motivos pelo qual as joias não estejam dialogando com

sucesso com os jovens consumidores.

A este grupo, podemos ainda acrescentar o público masculino, em sua

maioria ainda reticente ao uso de joias, o que demonstra a existência de um

grande grupo de consumidores potenciais entre os homens e os jovens abertos

ao diálogo correto. Sobre o assunto, o diretor de criação da Manoel Bernardes

lança a seguinte questão: “Então, como falar com os jovens, como competir num

ambiente de extremo hedonismo, onde o mundo virtual tem um impacto muito

grande na vida das pessoas, onde a questão da experiência sensorial ultrapassa

os limites físicos? Como a joia responde a essa demanda?” Outras perguntas de

igual importância podem se juntar à questão acima e o empresário lançou

algumas delas para reflexão:

As grandes marcas de luxo estão se apoderando do mercado através das

extensões de linhas: como as joias podem enfrentar essas grifes? As grandes

marcas também trabalham o reconhecimento de sua imagem em todas as

mídias: como a joalheria pode responder a essa questão, considerando que ela

tem pouca superfície para implantar uma marca visível ou mesmo comunicar

tendência de marca? Como a joalheria pode estar inserida num mundo cada dia

mais tecnológico? Num mundo onde as relações emocionais estão cada vez

mais frágeis e efêmeras, como posicionar as joias, já que os aspectos simbólicos

continuam sendo um dos seus maiores atributos? Estas são perguntas que, se

bem respondidas, podem levar a decisões estratégicas no futuro.

Empresas estão se unindo, a produção vem sendo terceirizada, novas

tecnologias incorporadas, consultorias contratadas, empresários e designers

investindo em especializações. Todo um cenário atual que demonstra, não só a

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necessidade, mas a vontade de se encontrar soluções em face das mudanças

que ocorrem no mundo numa velocidade incontrolável.

Como foi discutido nos Capítulos 2 e 3, para que as empresas possam

lidar com as mudanças externas é imprescindível que se realizem mudanças

internas. Ou seja, sem uma reformulação do atual modelo de liderança e de

gestão, fica difícil um novo posicionamento em face dos avanços que acontecem

no mundo.

Para o site JoiaBr, a joia brasileira está “com a faca e o queijo na mão.

Falta agora aprender a servir e a degustar”.

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