27
ISSN 0034.8007 – RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011 Administração pública deve aplicar a lei fundamental de ofício e deixar de aplicar regras inconstitucionais, quando cumpri- las significar improbidade por quebra de princípios * Public administration must apply the basic law ex officio and cease applying inconstitutional rules when complying it entails improbity for breach of principles Juarez Freitas** * Artigo recebido em setembro de 2011 e aprovado em setembro de 2011. ** Professor titular do Mestrado e do Doutorado em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), professor de direito administrativo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Presidente do Instituto Brasileiro de Altos Estudos de Direito Público. Pós-doutorado na Universidade Estatal de Milão. Tendo sido presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, é membro do Conselho Nato do IBDA. Pesquisador visitan- te na Universidade de Oxford e visiting scholar na Universidade de Columbia. É codiretor de tese na Universidade Paris II. É presidente do Conselho Editorial da revista Interesse Público. Membro da Comissão Especial de Combate à Corrupção do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), advogado, consultor e parecerista.

7351_1

Embed Size (px)

DESCRIPTION

x

Citation preview

  • ISSN 0034.8007 rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio e deixar de aplicar regras inconstitucionais, quando cumpri-las significar improbidade por quebra de princpios*

    public administration must apply the basic law ex officio and cease applying inconstitutional rules when complying it entails improbity for breach of principles

    Juarez Freitas**

    * Artigo recebido em setembro de 2011 e aprovado em setembro de 2011.** Professor titular do Mestrado e do Doutorado em Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), professor de direito administrativo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Presidente do Instituto Brasileiro de Altos Estudos de Direito Pblico. Ps-doutorado na Universidade Estatal de Milo. Tendo sido presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, membro do Conselho Nato do IBDA. Pesquisador visitan-te na Universidade de Oxford e visiting scholar na Universidade de Columbia. codiretor de tese na Universidade Paris II. presidente do Conselho Editorial da revista Interesse Pblico. Membro da Comisso Especial de Combate Corrupo do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), advogado, consultor e parecerista.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo142

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    Resumo

    A administrao pblica tem o dever ex officio de proteger os direitos constitucionais e a moralidade. Tais deveres presumem amplificao do autocontrole, respeito s decises judiciais consolidadas e favorecem a assertiva do princpio da deferncia. A tarefa de evitar a deflao cons-titucional para todos os agentes do Estado, de acordo com suas atribui-es, e representa o aspecto crucial do novo direito administrativo. Em outras palavras, a constitucionalidade dos atos administrativos alm do cumprimento das regras jurdicas precisa ser assegurada e garantida pelo Estado, incluindo a administrao pblica. O controle, em ltima ins-tncia, permanece do Judicirio. Isto , o controle de constitucionalidade no se torna fraco, mas articula, de forma integrada, o controle sistemtico que no permite a inatividade ou a omisso violadora da Constituio e, ao mesmo tempo, direciona as melhores energias em direo s priorida-des fundamentais da repblica.

    PalavRas-chave

    Probidade administrativa controle ex officio de constitucionalidade administrao pblica princpios e direitos fundamentais princpio da moralidade

    abstRact

    The public administration has the ex officio duty of protecting constitution-al rights and morality. Such duty presumes amplification of selfcontrol, respect of consolidated judicial decisions and favors the assertion of the deference principle. The task of avoiding the constitutional deflation is for all State agents and, according to their attributions, represents a crucial aspect of the new administrative law. In other words, the constitutionality of administrative acts besides their compliance with legal rules needs to be insured and guaranteed by the whole State, including public admin-istration. The ultimate control remains with the Judiciary, that is, the judicial review does not get weak, but articulates, in an integrated way, the systematic control that doesnt allow the inactivity or violatory omission of the Constitution and, at the same time, directs the best energies towards the fundamental republican priorities.

  • JUarEz FrEItaS | administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio 143

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    Key-woRds

    Administrative probity ex officio constitutionality control public ad-ministration fundamental principle and rights principle of morality

    1. Introduo

    O Estado-administrao tem o dever de aplicar a lei fundamental de of-cio e, simultaneamente, deixar de aplicar as regras inconstitucionais, quando cumpri-las significar improbidade administrativa por violao a princpios constitucionais: eis a ideia-chave. Assumir tal premissa implica, de um lado, a ousadia de aceitar modificao do conceito tradicional de controle da consti-tucionalidade, para alm do sentido especificamente judicial de declarar a nu-lidade de leis e atos normativos. De outro lado, significa admitir que o agente pblico pode-deve justificadamente deixar de cumprir ordens manifestamen-te inconstitucionais, sempre que o cumprimento acarretar improbidade admi-nistrativa. Integra-se, assim, (a) o sentido de cautelarmente, em circunstncias excepcionais e com a cogente motivao, a administrao pblica deixar de aplicar determinadas leis, com fundamento em inconstitucionalidade, embo-ra, de passagem, seja til esclarecer que deixar de aplicar e declarar a nulidade de leis so operaes rigorosamente distintas e inconfundveis. Ou seja, no se pretende que a administrao declare a nulidade, porm to somente que deixe de aplicar leis inconstitucionais ou de cumprir ordens manifestamente mutiladoras dos princpios constitucionais. Incorpora-se, ainda, ao conceito enriquecido de controle da constitucionalidade, (b) o sentido de que admi-nistrao pblica, no exerccio de guarda da Carta (CF, art. 23), cumpre, de ofcio, no mbito dos controles interno e externo, detectar e coibir as omisses e inrcias inconstitucionais, as quais contribuem decisivamente para o atual quadro de inconstitucionalidades disseminadas.

    Imagine-se, por exemplo, uma lei indecente que liberasse o trfico de in-fluncias. Um chefe inescrupuloso de repartio resolve cumpri-la, emitindo ordem com base no trfico de influncias. Deveria o subordinado deixar de cumprir semelhante ordem? Sim, precisaria faz-lo, alegando conflito com a Constituio e com a lei de improbidade (lei no 8.429/1992, art. 11). Todavia, como esta ltima regra ordinria, o critrio cronolgico no ajudaria muito. Por esse motivo, o agente precisaria aduzir: resiste a cumprir ordem manifes-tamente inconstitucional, por se tratar de violao flagrante ao princpio da

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo144

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    moralidade, cuja eficcia imediata independe das leis, eis que brota direta-mente da Constituio.

    Por outras palavras, o agente pblico no mais deve ser condescendente ou cmplice das inconstitucionalidades, por ao ou por omisso. seu in-declinvel papel zelar pela eficcia direta e imediata dos princpios e direitos fundamentais, cuidando de adotar providncias (preferencialmente cautela-res) contra leis esprias que ostensivamente inviabilizam tal eficcia, quando a interpretao conforme ou a abertura de excees no resolver o proble-ma. E tambm tarefa sua adotar atitude implementadora da Carta, indepen-dentemente de regulamentao legal, postura que nada tem de usurpatria, desde que levada a efeito com a imprescindvel prudncia, que favorece a aplicabilidade direta dos direitos fundamentais (como requerido pelo art. 5o, 1o, da CF). Com efeito, a tarefa de evitar a deflao constitucional de todos os agentes do Estado (no somente dos juzes) e representa, nos dias que passam, aspecto crucial do novo direito administrativo, imantado pelo direito fundamental boa administrao pblica, na empreitada de correo das falhas de mercado e de governo.

    Nessa linha, a constitucionalidade dos atos administrativos e dos atos legais nos quais se baseiamacima da simples e reducionista pretenso de conformidade passiva e automtica com as regras legais , passa a ser mis-so do Estado inteiro e da sociedade. Certo: o controle ltimo, por fora do art. 5o, XXXV, da Constituio, permanecer com o Poder Judicirio, pois no se almeja debilitar o judicial review. O que se defende , de modo integrado, o controle sistemtico e ampliado de constitucionalidade, apto a combater as inconstitucionalidades comissivas e, ao mesmo tempo, impedir a recorrente inrcia violadora da Constituio, de maneira a enderear as prticas admi-nistrativas s prioridades republicanas.

    Bem por isso, o controle administrativo de constitucionalidade, sem dis-farce e em toda luz, pode ser traduzido como guarda de ofcio da constitucionali-dade pelo Estado-administrao, pea inextirpvel do controle de conformidade no apenas com o princpio da legalidade, mas com todos os princpios, obje-tivos e regras, que compem o bloco substancial de constitucionalidade.

    No custa reiterar que tal controle tecnicamente distinto do controle peculiar (difuso e concentrado) de constitucionalidade, levado a efeito pelo Estado-juiz. No se trata, no mbito do Estado-administrao, de declarar a nulidade de leis ou de atos normativos, mas de, no exerccio dos controles externo e interno, deixar de ser artfice, por ao ou omisso, das inconstitu-cionalidades. Ressalva feita, tudo recomenda que a guarda da constituciona-

  • JUarEz FrEItaS | administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio 145

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    lidade passe a ser assimilada como tarefa tambm da administrao pblica, sob pena de kafkiano e desolado alheamento das exigncias do melhor cons-titucionalismo de ponta.

    Desde logo, convm esclarecer (para evitar possvel mal-entendido): no estgio atual, no se preconiza o controle administrativo de constitucionalida-de empreendido, por assim dizer, pelo guarda de trnsito, a quem incumbe, antes de mais, cumprir zelosamente a lei, embora sem descurar dos demais princpios. O que se colima, no presente estudo, acentuar que, observadas as intransponveis atribuies e sem letargia administrativa, a guarda da Cons-tituio jamais se deve cingir s Cortes judiciais, embora a elas, em nosso sistema, incumba controle caracterstico e cabal. Nessa perspectiva, imperativo tecer, com o austero resguardo das competncias, uma rede de controle sinrgico de constitucionalidade, a cargo do Estado inteiro e da sociedade, de sorte a reali-zar indita sindicabilidade integrada externa, interna, jurisdicional e social da gesto pblica brasileira.

    Vale dizer, o controle da juridicidade constitucional, simultaneamente avesso a automatismos subalternos e discricionariedade opressora,1 viabi-liza, sem levante ou sedio, novo e promissor esquadro constitucional, no terreno das relaes de administrao. Deveria ser manifesto, quando quase ningum mais defende concepo restrita de legalidade ou vazia de normas programticas,2 que o Estado-administrao, para no ser desertor e refra-trio, necessita cooperar, incisa e sistematicamente, para o xito do controle da legalidade, mas no s. Respeitadas as especificidades, em vez do culto timorato s regras legais, dever ensejar, com eficincia (CF, art. 37), eficcia (CF, art. 74) e sustentabilidade (CF, arts. 3o, 170 e 225), que a Constituio, por assim dizer, administre.

    No se trata, desse modo, de propor usurpao de qualquer matiz, mas de vivamente realar que

    (a) ao Estado-administrao incumbe realizar muito mais do que o sim-ples controle da legalidade, pois, por exemplo, chamado a empreender o

    1 Sobre o tema, ver: FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princpios fundamentais. 4. ed. So Paulo: Malheiros, 2009. Cap. 1, p. 48. Ainda: A tarefa mais produtiva do controle sis-temtico das relaes administrativas consiste em bem hierarquizar as escolhas administrativas, com eficincia, economicidade, eficcia, preveno e precauo, de maneira que a Constituio administre (p. 151). Ver, ainda: _____. Sustentabilidade: direito ao futuro. BH: Frum, 2011 (sobre o princpio constitucional da sustentabilidade e suas aplicaes em vrios campos do direito).2 Ver, sobre as falhas do legalismo, para ilustrar, o testemunho do juiz Richard Posner em How judges think. Cambridge: Harvad Univesrsity Press, 2008. p. 47: legalist methods fail in many cases [...].

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo14

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    controle previsto, de modo expresso, no art. 74 da CF: o controle precisa ser de eficcia (no simples aptido para produzir efeitos jurdicos, mas concreti-zao de objetivos fundamentais), o que acrescenta ineliminvel cuidado com impostergvel gama de deveres estatudos pela Constituio, assim os rela-cionados sade (exs.: dever de fornecimento tempestivo de remdios3 para os carentes e dever de remover as pessoas das reas de risco) e educao (exs.: dever de matricular as crianas em escolas de qualidade4 e implemen-tao de programas de atendimento s crianas vtimas de abusos de qual-quer natureza). Mais: admite-se, em circunstncias excepcionais,o bloqueio de recursos pblicos,5 a despeito da regra do art. 100, da CF, justamente para fazer valer (topicamente) determinado direito fundamental. Cede a regra hierarquizao tpico-sistemtica dos direitos fundamentais. que, nesses casos, no cabe invocao, sem os correspondentes e redobrados nus argu-mentativos, da reserva do possvel ou da discricionariedade administrativa. A Carta, segundo a melhor inteleco, determina nutrir reservas reserva do possvel e perceber que toda discricionariedade, em nosso modelo, vinculase aos princpios e direitos fundamentais. Ora bem, como toda discricionariedade en-contra-se vinculada, inexiste espao lcito para a discricionariedade pura6 ou exclusivamente poltica, que nada mais do que o ninho de arbitrariedades por ao ou por omisso.

    (b) ao Estado-administrao, nas fronteiras e nos marcos constitucionais, mxime por meio dos integrantes das carreiras de Estado, cumpre levar a cabo o controle administrativo de constitucionalidade de ofcio, se possvel de ndo-le cautelar, que permita motivadamente at a inaplicabilidade de lei ou de ato administrativo normativo, como sinal enftico da vinculao ao mandamento explcito de guarda da Constituio.7

    3 Ver, por exemplo, RE 271286 AgR/RS, rel. min. Celso de Mello, em cuja ementa se l: O carter programtico da regra inscrita no art. 196 da Carta Poltica que tem por destinatrios todos os entes polticos que compem, no plano institucional, a organizao federativa do Estado brasilei-ro no pode converter-se em promessa constitucional inconsequente [...].4 Ver ARE 639337/SP, rel. min. Celso de Mello, em cuja ementa se l: A educao infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criana, no se expe, em seu processo de con-cretizao, a avaliaes meramente discricionrias da Administrao Pblica, nem se subordina a razes de puro pragmatismo governamental.5 Ver, para ilustrar, AI 553712 AgR/RS, rel. min. Ricardo lewandowski: Possibilidade de blo-queio de valores a fim de assegurar o fornecimento gratuito de medicamentos em favor de pes-soas hipossuficientes. Sobre o combate inrcia inconstitucional, ver o referencial julgamento do RE 482.611/ SC, rel. min. Celso de Mello.6 Ver, sobre o tema da discricionariedade administrativa vinculada aos princpios e direitos fun-damentais: Freitas, O controle dos atos administrativos e os princpios fundamentais, op. cit.7 No h, a rigor, discrepncia com a lio clssica de Miguel Seabra Fagundes (Controle dos atos administrativos pelo Poder Judicirio. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 4-5), no sentido de que admi-

  • JUarEz FrEItaS | administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio 14

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    (c) ao Estado-administrao cumpre fortalecer, no mbito da fiscalizao dos atos e processos administrativos, a eficcia direta e imediata do direito fundamental boa administrao pblica, com simtrica e proporcional sin-dicabilidade das polticas pblicas, voltadas correo das falhas de mercado e de governo, no momento agudo de transformao das funes do Estado.8 Em suma, sem omissivismo rendilhado e assumida, na devida conta, a totali-dade dos princpios regentes das relaes administrativas, com destaque para os (negligenciados) princpios da sustentabilidade e da probidade.

    2. o estado-administrao e o controle ampliado da constitucionalidade

    luz desses precisos termos, intenta-se a guarda administrativa da Cons-tituio (afastada a concepo unicntrica de Estado9 e evitada a consti-tucionalizao exacerbada).10 Tudo sem prejuzo da persistncia do Poder Judicirio, em nosso modelo, na condio de controlador ltimo,11 alicer-ado em clusula ptrea e intangvel (CF, art. 5o, XXXV), da qual emanam consequncias de monta, a saber: (i) o controle judicial ltimo (nem sempre

    nistrar aplicar a lei de ofcio. Apenas se explicita que, para alm disso e de modo mais abran-gente, bem administrar aplicar a lei Fundamental de ofcio.8 Ver: TANZI, Vito. Goverment versus markets: the changing economic role of the State. New York: Cambridge University Press, 2011.9 Ver BOBBIO, Norberto. O filsofo e a poltica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003. p. 270: A ideia de supremacia da lei foi a concluso necessria de uma concepo unicntrica de Estado, que encon-trou sua formulao mais acabada no leviat de Hobbes. Esta concepo, por sua vez, decorria da convico de que o Estado estava destinado a dominar, e at mesmo suprimir, os sistemas inferiores (Hobbes), as sociedades parciais (Rousseau) e os rgos intermedirios. Todavia o de-senvolvimento poltico seguiu um caminho oposto [...] quanto mais desenvolvidos econmica e socialmente so os Estados contemporneos tanto mais se tornam policntricos [...].10 Quadra referir a expresso de Lus Roberto Barroso que, no sem antes identificar o efeito expansivo das normas constitucionais como fenmeno positivo, manifesta preocupao com os riscos da constitucionalizao excessiva: Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2009. p. 391. Fora sublinhar, entretanto, que a defesa da guarda da constitucionalidade por todos os poderes e pela sociedade, empreendida aqui, reala a dimenso positiva do fenmeno e tende, em instncia ltima, a favorecer o princpio da deferncia.11 Sem que a presente abordagem represente endosso, portanto, posio extremada de Mark Tushnet de populismo constitucional. Ver: Taking the constitution away from the courts. Princeton: Princeton University Press, 1999, especialmente Caps. 7 e 8. Aqui, prope-se ampliar a guarda da constitucionalidade, incluir a administrao e a sociedade, sem debilitar o controle judicial, nem cair em populismo simplificado de qualquer natureza. Para refletir, em acrscimo, sobre o tema, ver: PERRY, Michael. Protegendo direitos humanos constitucionalmente entricheirados: que papel deve a Suprema Corte desempenhar? In: TAVARES, Andr Ramos (Org.). Justia cons-titucional. Belo Horizonte: Frum, 2007. p. 83-151.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo148

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    no sentido cronolgico, uma vez que a ameaa leso pode-deve ser afasta-da) faz as vezes de legislador negativo. Nada obstante, em face da inrcia (omisso imotivada e injustificvel) do Poder Legislativo, pode aditar regras at que o outro poder desempenhe o seu papel constitucional; (ii) o contro-le judicial ltimo faz as vezes de administrador negativo, com a misso de escoimar, em tempo til, todos os vcios administrativos insuscetveis de convalidao, em que pese a admissibilidade de preservao de efeitos, con-dio rigorosa de que a exceo sirva efetivao (aparentemente paradoxal) dos objetivos fundamentais da Carta. Todavia, no caso de apatia ou omisso desproporcional (antijurdica, por definio) do Estado-administrao, isto , perante inrcia objetivamente descumpridora dos deveres administrativos, ao Poder Judicirio cumpre diligentemente tomar as medidas cabveis para que a tutela seja acatada, a ponto de em situao-limite paralisar transitoria-mente determinada regra, vista das exigncias do caso. Como salientado, o Estado-juiz pode-deve conceder a antecipao de tutela contra o Poder Pbli-co, em prol de princpio fundamental hierarquizvel topicamente como mais relevante. o Estado-juiz emprestando efetividade, sem protagonismo extre-mista, ao direito fundamental boa administrao pblica, entendido como direito fundamental administrao pblica eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparncia, motivao, imparcialidade e respeito moralidade, participao social e plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas;12 (iii) o controle judicial ltimo deve, ao mximo, respeitar as decises dos outros poderes (em funo do princpio da deferncia), salvo se insanveis e claramente13 incompatveis com o todo do sistema constitucional, assumido o pressuposto (juris tantum) de que os de-mais poderes cuidam ou deveriam cuidar, enrgica e zelosamente, da digni-dade do sistema constitucional. Naturalmente, sem que a deferncia acarrete atitude condescendente ou negligente em face da inrcia inconstitucional.

    Convm remarcar: a Constituio Federal, compreendida sem a falcia da desintegrao,14 revela-se altamente inclusiva em matria de controle da cons-titucionalidade, ao estabelecer a competncia comum da Unio, dos estados,

    12 Ver: FREITAS. Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental boa administrao pblica. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 2009. p. 22 e ss.13 A propsito, fora lembrar, sem endossar plenamente sua noo hermenutica de clareza, a observao clssica, a ser prudentemente filtrada, de James Thayer: The origin and scope of the American doctrine of constitutional law. Harvard Law Review, v. VII, p. 129-156, 1893-94.14 Sobre a falcia de dis-integration, ver: TRIBE, laurence; DORF, Michael. On reading the Constitu-tion. Cambridge: Harvard University Press, 1991. p. 20.

  • JUarEz FrEItaS | administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio 149

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    do Distrito Federal e dos municpios para zelar pela guarda da Constituio, das leis e das instituies democrticas (CF, art. 23, I). Decerto, ao faz-lo, no pretendeu o constituinte que a tarefas e concentrasse, com exclusivida-de, no Poder Judicirio, mas almejou o controle ampliado de juridicidade ou legitimidade15 constitucional, isto , ocontrole mais eficiente e eficaz, de sorte a favorecer, ao menos em tese, os resultados legislativos e administrativos em consonncia com os objetivos fundamentais da repblica, mediante uni-versal e emancipacionista resguardo dos direitos em geral, no apenas dos direitosentricheirados.16

    A ltima assertiva, por suposto, merece acolhida sem o previsvel entra-ve das pr-compreenses contaminadas por temores superdimensionados de que, uma vez abolida a escravatura do administrador s regras legais incons-titucionais, poderia sobrevir o caos. Ao revs: caos , sob vrios aspectos, o que existe hoje. Numa leitura tpico-sistemtica,17 ao Estado-administrao-cumpre, sem desbordar, o dever de efetuar, de ofcio, o controle de conformi-dade dos atos administrativos com a Constituio, justamente para assegu-rar a eficcia direta e imediata do direito fundamental boa administrao pblica. Ou seja, agrega-se dever, no se suprime a relevncia do princpio da legalidade, compreendido no crculo concntrico dos demais princpios. O mero reconhecimento que se aceita, em tese, de defeasibilty, no como propriedade objetiva, mas aplicvel ao modo de interpretar as regras (as quais tambm comportariam exceo justificada, no somente os princpios) , em-bora represente avano em matria de compreenso sistemtica, estratgia, no raro, insuficiente. Alm disso, preconizar que o administrador, astucio-samente, realizaria o controle oblquo de constitucionalidade, via dilatao do princpio da legalidade, pode ser uma trilha sedutora, porm no parece ir ao fundo da questo. De outra parte, insistir que o administrador pbli-co tente contornar o problema do cumprimento de ordem manifestamente inconstitucional, via interpretao conforme, soluo demasiado precria, ao menos em situaes extremas e pouco rotineiras. O que deve ser aceito, sem vacilao: fidelidade lei s faz sentido como fidelidade Constituio,

    15 Sobre o princpio da legitimidade, ver art. 70, da CF, que o acolheu expressamente.16 Sobre entrechment entendido como proibio de retrocesso e tutela mnima dos direitos funda-mentais, ver: AGRA, Walber. O entrechment como condio para a efetivao dos direitos funda-mentais. In: TAVARES, Andr Ramos (Org.). Justia constitucional. Belo Horizonte: Frum, 2007. p. 23-41.17 Ver: FREITAS, Juarez. A interpretao sistemtica do direito. 5. ed. So Paulo: Malheiros, 2010. Defende a essencial identidade do pensamento sistemtico e da tpica.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo150

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    porque situaes h em que o mais correto deixar de cumprir a lei para bem cumprir a lei Fundamental.18

    Portanto, inescapvel o desafio (ao mesmo tempo, pragmtico e deon-tolgico)19 de costurar, com vigor, o movimento dialgico de afirmao do Estado-administrao vinculado Carta e livre da glacial indiferena com a cultura do inconstitucionalismo. Nesse aspecto, entende-se o controle ou a guarda da constitucionalidade como20 irrenuncivel misso tambm da admi-nistrao pblica, sem prejuzo do carter especfico do controle jurisdicional e do controle exercido pelo Poder legislativo e pela sociedade.21

    Note-se: ainda quem defenda a tese de que o controle de constitucio-nalidade da lei ou dos atos normativos seria de competncia exclusiva do Poder Judicirio, forado a conceder que os poderes Executivo e legislati-vo podem determinar aos seus rgos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com fora de lei que considerem inconsti-tucionais.22 Ora, deixar de aplicar lei ou ato normativo, com fundamento em inconstitucionalidade, nada mais representa do que admitir a necessidade de acepo ampliada do controle de constitucionalidade, nos moldes preconiza-dos.

    Outras vozes respeitveis entendem que os rgos administrativos, sem deixarem de estar vinculados Constituio, encontram-se diretamen-te e primariamente subordinados lei; todavia, so forados a admitir, em carter excepcional, excees para a devida resistncia contra leis injustas ou manifestamente negadoras de direitos fundamentais. que, conquan-to queiram dar nfase ao controle de legalidade (temerosos do excesso de poderes dos agentes executivos), no podem deixar de reconhecer circuns-

    18 Ver: GASPARETTO, Patrick Roberto. A administrao pblica frente lei inconstitucional. Belo Ho-rizonte: Frum, 2011. p. 180, esclarecendo que tal opo no reconhece aos rgos administrati-vos um poder genrico de fiscalizao e controle de constitucionalidade, sendo que to somente a errnea interpretao conferir funo administrativa tarefa tipicamente jurisdicional. Na mesma linha, ver: REAlE, Miguel. Inexecuo, pelo Executivo, de lei que entenda inconstitu-cional. Arquivos do Ministrio da Justia, Rio de Janeiro, n. 95, p. 45, 1965. A propsito, no sentido de caber ao executivo reverenciar, acima de tudo, a Constituio, ver: BARROSO, lus Roberto. Poder Executivo: lei inconstitucional, descumprimento. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 181/182, p. 397, 1990.19 Sobre os modelos deontolgico e consequencialista, como no reciprocamente excludentes, ver, por exemplo: GUASTINI, Riccardo. Das fontes s normas. So Paulo: Quartier latin, 2005. p. 239.20 Ver: OTERO, Paulo. Legalidade e administrao pblica: o sentido da vinculao jurdica juridi-cidade. Coimbra: Almedina, 2007. p. 678-671.21 Ver: HBERlE, Peter. Jurisdio constitucional como fora poltica. In: TAVARES, Andr Ra-mos (Org.). Justia constitucional. Belo Horizonte: Frum, 2007. p. 81: No apenas a jurisdio constitucional, mas todos ns somos, politicamente, guardies da Constituio.22 Ver Adin 221, rel. min. Moreira Alves.

  • JUarEz FrEItaS | administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio 151

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    tncias excepcionais que justificam que o administrador pblico deixe de aplicar lei inconstitucional.

    Trata-se, ento, a partir do alargamento conceitual do controle de consti-tucionalidade, de pretender que o controle da gesto pblica, hoje censurado e tmido, no d parte de fraco, rompa com os lugares comuns da gesto des-leixada e, acima de tudo, assuma o compromisso com a renovada cidadania-ativa e,23 em ltima anlise, com a primazia da Constituio, acima das regras e do mito da subsuno automtica e passiva das leis ao caso. Existe, pois, o dever tico-jurdico incontornvel de, motivadamente, no obedecer ordens ilegais e, com muito mais razo, ordens manifestamente inconstitucionais.

    Eis o ponto fulcral: mister evoluir, no mbito das relaes de administra-o, para o constitucionalismo, o que supe admitir que o administrador no pode agir como servo da lei inconstitucional. Quer dizer, todos os progressos hermenuticos realizados, na tarefa inconclusa, para tornar o juiz mais ativis-ta da Constituio devem agora ser empregados para converter o administra-dor pblico em ativista da Carta, sob pena de nunca se ver instaurada, entre ns, a cultura robusta de apreo aos direitos fundamentais.

    Com tais observaes em mente, convm ter presente que o exerccio sis-temtico do controle dos atos e processos administrativos24 reclama assimilar, vista de todos, que o agente pblico no pode ser atado ao jugo do medo de emitir juzo sobre constitucionalidade. Afinal, agir de acordo com ordem manifestamente inconstitucional pode configurar, no limite, improbidade ad-ministrativa por violao aos princpios, espcie que abrange qualquer ao ou omisso que viole os deveres de moralidade, para alm da legalidade.25

    De fato, mltiplas esferas mostram-se imprescindveis ao controle assim concebido, embora se encontrem tmidas e desarticuladas, no combate onda gigante de inconstitucionalidades dolosas ou culposas, perpetradas pelo Es-tado-administrao e pelo Estado-legislador. Sair desse quadro montono de negligncia sistmica supe enfrentar a crnica falta de controle da legi-timidade constitucional de leis e atos normativos pela prpria administrao

    23 Sobre o tema da nova cidadania, ver, por exemplo: CHEVAlIER, Jacques. O Estado ps-moder-no. Belo Horizonte: Frum, 2009. p. 257.24 Ver: Freitas, O controle dos atos administrativos e os princpios fundamentais, op. cit, cap.1, no qual, alm de estabelecer a tbua dos princpios que devem reger tal controle, constam as principais transformaes paradigmticas do direito administrativo.25 Ver lei no 8.429/1992, art. 11, segundo o qual constitui ato de improbidade administrativa aque-le que atenta contra os princpios da administrao pblica, mediante qualquer ao ou omisso que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade s instituies.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo152

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    pblica, negligncia que s tem produzido torrentes de processos judiciais repetitivos e quase infindveis.

    Nessa medida, desde que assimilada com boa-f e acurcia, a noo larga de guarda administrativa da constitucionalidade no implica jamais excesso nem invaso. No conspira contra a segurana jurdica, e ainda a fortalece. Em lugar, pois, de retrocesso, como se insinua em algumas decises liminares do STF, dever-se-ia ampliar a noo de controle de constitucionalidade, num avano potencialmente corretivo da performance da maquinaria do Estado, ao reconhecer que todos os poderes tm a misso de realizar (por exemplo, por meio de smulas administrativas vinculantes), com temperamentos e nos limites das respectivas atribuies, a proteo mais efetiva da Constituio.

    Para ilustrar: tome-se o papel do Estado-administrao no resguardo da constitucionalidade no bojo de processo administrativo fiscal. O diploma federal de regncia, Decreto no 70.235/1972 (com significativas alteraes in-troduzidas em 2009, notadamente pela incluso do art. 26-A), estatui, prima facie, que se encontra vedado aos rgos de julgamento afastar a aplicao ou deixar de observar lei, tratado ou decreto, sob fundamento de inconstitu-cionalidade.Contudo, ao contrrio do que poderia inferir o intrprete ligeiro, constata-se, no 6o do mesmo dispositivo,26 que tal vedao no se aplica aos casos de lei ou ato normativo que j tenham sofrido declarao de inconstitu-cionalidadepor deciso definitiva plenria do Supremo Tribunal Federal (in-dependentemente da existncia de smula vinculante do STF). Tampouco se aplica a vedao quando fundamentem crdito tributrio objeto de dispensa legal de constituio ou de ato declaratrio do procurador-geral da Fazen-da Nacional,27 smula da AGU28 ou, ainda, pareceres do advogado geral da Unio, aprovados pelo presidente da Repblica.29

    Em outro dizer, transparece da leitura do texto normativo a inferncia de que a pr-compreenso dogmtica, segundo a qual no se toleraria o julga-mento, no processo administrativo fiscal, com base em inconstitucionalidade, jamais pode ser acolhida, sem excees importantes. H, com efeito, situaes nas quais, observadas condies, dever deixar de aplicar a lei, sob funda-mento de inconstitucionalidade. Plausvel e imperioso que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais expea smulas vinculantes, que con-

    26 Inserido pela lei no 11.941, de 2009.27 Nos termos dos arts. 18 e 19 da lei no 10.522/2002.28 Nos termos do art. 43 da lei Complementar no 73/1993.29 Nos termos do art. 40 da lei Complementar no 73/1993.

  • JUarEz FrEItaS | administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio 153

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    templem as situaes aludidas, no desiderato de tutela administrativa clere, econmica e improtelvel da Constituio e das leis. Mais: resta ou deveria restar acima de dvida razovel, nas hipteses estampadas no art. 26-A, que, a contrario sensu, faz-se obrigatrio o julgamento administrativo que proteja o sistema constitucional contra regras havidas como categoricamente incompa-tveis com a Constituio, observadas as cautelas da motivao madura e da probidade.

    Desse modo, ainda que fora da presena de smula vinculante do STF a respeito, inquestionvel (a) a vinculao do Estado-administrao s deci-ses definitivas plenrias do STF (salvo resistncia devidamente motivada) e (b) o dever de produzir smulas administrativas e pareceres que disponham sobre matria de constitucionalidade, nos moldes traados. Pois bem: qual o nome disso? Guarda da juridicidade constitucional ou, dito sem meias pa-lavras, controle ampliado da constitucionalidade, emitido, por meio de juzo sobre a inconstitucionalidade, pelo prprio Estado-administrao, no bojo de processo administrativo, no qual se impe, justificadamente, a inaplicao de lei ou decreto por vcio de estridente afronta lei Maior.

    Como decorre do elucidativo exemplo, a guarda administrativa da cons-titucionalidade contribui para o fim da omisso nefasta da administrao p-blica, no tocante utilizao dos legtimos mecanismos de defesa imunol-gica dos princpios, objetivos e direitos fundamentais. Mas no s. Ainda para ilustrar, eis outro caso emblemtico: por se tratar de uma das carreiras de Estado, a Advocacia Pblica da Unio no deve defender ato normativo que reputar incorrigvel e insanavelmente inconstitucional, esgotadas as tentati-vas de interpretao conforme, ao se manifestar obrigatoriamente no processo objetivo de controle de constitucionalidade. Bem verdade que a dico literal do art. 103, 3o da Constituio, estabelece: Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato nor-mativo, citar, previamente, o Advogado Geral da Unio, que defender o ato ou texto impugnado. No entanto, a melhor postura hermenutica no aceita o textualismo imoderado, nem o originalismo estrito.30 Amelhor inteleco sistemtica do dispositivo corre no sentido de que o advogado geral da Unio haver de defender o ato impugnado somente quando o ato for defensvel, base da Constituio. Do contrrio, resvalar-se-ia para o servilismo da car-

    30 Ver, para uma crtica aos argumentos do textualismo e do originalimo estrito, Freitas, A inter-pretao sistemtica do direito, op. cit., cap. 9.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo154

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    reira de Estado a propsitos secundrios, num fluxo ruinoso de traio dos desgnios constitucionais. Em sntese, o ato ser defendido somente quando defensvel luz da Constituio.

    Tal exemplo corrobora, de modo incisivo, a necessidade inegocivel de compromisso estratgico das carreiras de Estado com a guarda da constitu-cionalidade, algo que requer independncia altiva, diante dos apelos governa-mentais imediatos, no raras vezes interessados na mantena de dispositivos manifestamente viciados ou envolvidos no dolo eventual da inconstitucio-nalidade. Mais: em matria de guarda administrativa da constitucionalida-de, convm no esquecer que o veto presidencial a projeto de lei pode/deve ocorrer tambm por questes propriamente constitucionais (CF, art. 66, 1o). Certo: ainda no h lei, nesse caso. No entanto, trata-se de controle preventi-vo de constitucionalidade. No h como negar-lhe esse carter e serve como irrespondvel prova adicional de que incumbe a todos os poderes, sem exclu-so do Poder Executivo, a mais fiel e decidida tutela da constitucionalidade, inclusive em respeito ao art. 78, da CF. Desse modo, advogar que o Poder Executivo deveria apenas cuidar da legalidade, deixando aos outros poderes a preocupao com a constitucionalidade, representa perigoso conformismo com a inconstitucionalidade, numa espcie de capitulao diante da m pol-tica e do omissivismo inconstitucional.

    Consolidando: o controle de constitucionalidade no , nem seria plau-svel cogitar que fosse, uma exclusividade das cortes judiciais, assim como seria erro grave (de sinal trocado) considerar insindicveis judicialmente as polticas pblicas, tomando-as como tarefas exclusivas do Poder Executivo ou do Parlamento. A prpria opo do constituinte pelo controle externo (CF, art. 70), quanto legitimidade e economicidade dos atos administrativos, em vez de atinente s estrita legalidade, introduziu o propsito, em nosso arcabouo institucional, de dilatar o controle de constitucionalidade, no sen-tido aqui esposado. Nesse contexto, seria equvoco cancelar a Smula 347, do STF, aquela que admite que o Tribunal de Contas, no exerccio das suas atribuies, aprecie a constitucionalidade das leis e dos atos do poder pbli-co. Retrocesso, em primeiro lugar, porque se afigura irrazovel determinar que aquela Corte de Contas faa somente o controle restrito de legalidade: alis, nenhum operador jurdico se restringe s regras legais, mormente nos casos complexos. que, sem afastar esse controle, precisa fazer o controle de legitimidade, sob pena de descumprir frontalmente a Carta. Retrocesso, em segundo lugar, porque nada impede que a palavra final sobre o assunto seja dada pelo Poder Judicirio, isto , os eventuais desvios ou erros dos Tribunais

  • JUarEz FrEItaS | administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio 155

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    de Contas podero ser, tempestivamente, atacados na via judicial. Em funo disso, o que seria oportuno fazer, no mbito do STF, justamente cobrar a intensificao do controle ampliado de constitucionalidade no mbito do con-trole externo, nunca o inverso.

    No fosse o bastante para salientar a relevncia e a congruncia do controle ampliado de constitucionalidade, fora notar que, na seara do controle inter-no, segundo os ditames do art. 74, II, da CF, os poderes legislativo, Executivo e Judicirio mantero, de forma integrada, sistema de controle orientado, no apenas para comprovar a legalidade, mas para avaliar os resultados, quanto eficcia e eficincia, da gesto oramentria, financeira e patrimonial nos rgos e entidades da administrao, bem como da aplicao de recursos pblicos. Ou seja, a Constituio, s escncaras e meridianamente, determina sinergia e inte-grao dos controles na proteo da higidez dos atos administrativos, vigilncia larga para abranger o resguardo dos princpios da eficcia e da eficincia, da moralidade, da preveno, da precauo e da sustentabilidade.

    Como acentuado, a quebra desses princpios configura inconstituciona-lidade e nada a fazer para impedi-la consubstancia, em tese, improbidade administrativa, com todas as sanes correspondentes. Dito em outros ter-mos, ao controle integrado de legitimidade dos atos administrativos (inter-no, externo, social e jurisdicional) impe-se a observncia plena do princpio da eficcia, no propriamente no sentido tradicional de aptido para produ-zir efeitos no mundo jurdico, seno o de obter resultados compatveis com os objetivos fundamentais republicanos. logo, bem observadas as coisas, uma leitura includente e expansiva, em matria de controle administrativo da constitucionalidade, resulta de inarredveis pressupostos sistemticos, designadamente:

    (a) por si, a omisso no cumprimento diligente da guarda eficacial direta e

    imediata da Carta pelo Estado-administrao pode redundar em danos juridicamente injustos (violaes aos princpios fundamentais).

    (b) se e quando todos os poderes, sem exceo, observarem o dever de guarda da constitucionalidade, maior tender a ser a observncia do princpio da deferncia, segundo o qual as decises de cada poder tm de ser respei-tadas, desde que no afrontem nitidamente a Constituio. Antes disso, a aplicao do princpio da deferncia pode-se confundir com simples cum-plicidade inconstitucional.

    (c) imperativo perceber que, precisamente por efetuar a cabvel guarda da constitucionalidade, nos limites de suas atribuies, a administrao pbli-

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo15

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    ca (em sentido lato) tem de acatar (salvo nos casos de resistncia legtima) as decises definitivas ou pacificadas do Poder Judicirio, mormente em

    sede de pronunciamentos concentrados ou objetivos, nos quais inexiste, a rigor, a clssica contraposio de partes. No entanto, tambm se vincula ao decidido, em definitivo, em sede de controle difuso, isto , quando hou-ver deciso plenria definitiva do STF (independentemente da sustao de

    execuo da lei pelo Senado).

    Quadra sublinhar que o Estado-administrao, no obstante a interde-pendncia dos poderes, encontra-se obrigado a seguir a orientao do contro-lador ltimo, no apenas na hiptese da smula de que fala o art. 103-A da CF, que ostenta o efeito vinculante em relao aos demais rgos do Poder Judicirio e administrao pblica direta e indireta, nas esferas federal, es-tadual e municipal, sem prejuzo da tcnica aplicvel da distino. que, apesar de tal smula ter como um dos objetivos a interpretao e a eficcia de normas determinadas, verdadeiramente no exaure as hipteses de vincula-o, quando se assume o dever ampliado de guarda da constitucionalidade pela prpria administrao pblica.

    Com efeito, uma das hipteses de vinculao, independentemente dessa smula, reside expressamente no art. 102 da CF, 2o, consoante o qual as de-cises definitivas de mrito, proferidas pelo STF, nas aes diretas de incons-titucionalidade e nas aes declaratrias de constitucionalidade, produziro eficcia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais rgos do Poder Judicirio e administrao pblica direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.31 Claro que, na seara concentrada de controle judicial da constitucionalidade, o afastamento do mundo jurdico da norma considerada nula , como regra geral, imediato, salvo nas conhecidas excees de modulao, diferimento ou mitigao de efeitos.32 Por isso, a administrao pblica no pode praticar atos com arrimo em regra considerada inconstitu-cional pelo Supremo Tribunal, toda vez que, em definitivo e de modo plen-rio, suceder deciso declaratria do vcio, ressalvadas as modulaes.

    Convm registrar que o carter vinculante da jurisprudncia fenmeno incontendvel, ainda que merea temperamentos. Naturalmente, no se pres-creve a subsuno automtica e imponderada. Entretanto, para corroborar a

    31 Redao dada pela Emenda Constitucional no 45/2004.32 Modulao que, diga-se de passagem, pode acontecer, justificadamente, em todo e qualquer processo de controle da constitucionalidade, no apenas no concentrado.

  • JUarEz FrEItaS | administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio 15

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    vinculao da discricionariedade administrativa jurisprudncia, com o desi-derato ilustrativo, importante destacar que:

    (a) a teor do art. 741, pargrafo nico, do CPC, na execuo contra a Fazenda Pblica, os embargos podero versar sobre inexigibilidade do ttulo, con-siderado tambm inexigvel o ttulo judicial fundado em lei ou ato norma-tivo declarados inconstitucionais pelo STF, ou fundado em aplicao ou interpretao da lei ou ato normativo tidas pelo STF como incompatveis com a Constituio Federal.33

    (b) nos termos do art. 475, 3o, do CPC, no se procede o reexame necessrio de sentena proferida contra a Unio, o estado, o Distrito Federal, o muni-cpio, e as respectivas autarquias e fundaes de direito pblico, que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos execuo de dvida ativa da Fazenda Pblica (art. 585, VI, do CPC). Releva sublinhar: segundo dis-pe o 3o, tambm no se aplica o disposto neste artigo quando a sentena estiver fundada em jurisprudncia do plenrio do STF ou em smula deste tribunal ou do tribunal superior competente.

    (c) na linha do insofismvel carter vinculante da jurisprudncia pacificada

    (embora distinto, em alguns efeitos, no caso da smula vinculante),34 cum-pre citar o art. 518 do CPC, consoante o qual interposta a apelao, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandar dar vista ao apelado para responder; contudo, no receber o recurso de apelao quando a sentena

    33 Min. Teori Zavascki bem historia a evoluo legislativa no rumo de vrios precedentes vincu-lantes (inclusive no sistema difuso), alm dos aqui citados. Com razo, considera (Ao Rescis-ria: a Smula 343 do STF e as funes institucionais do Superior Tribunal de Justia. Revista de Doutrina do STJ, Comemorativa dos 20 anos, Braslia, p. 87, 2009) que o art. 741, pargrafo nico do CPC, passou a atribuir a decises do STF sobre a inconstitucionalidade de normas (mesmo em controle difuso), a eficcia de inibir a execuo de sentenas a ele contrrias (verdadeira efic-cia rescisria), o que foi reafirmado em 2005, pelo art. 475-L, par. 1o, do CPC.34 Sobre smula vinculante, ver lei no 11.417/2006. Tal diploma acrescentou pargrafo ao art. 56 da lei no 9.784/1999 (lei de Processo Administrativo), de maneira que se o recorrente alegar que a deciso administrativa contraria enunciado da smula vinculante, caber autoridade pro-latora da deciso impugnada, se no reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso autoridade superior, as razes da aplicabilidade ou inaplicabilidade da smula, conforme o caso. Tambm houve acrscimo dos arts. 64-A e 64-B, de modo a dispor que se o recorrente alegar vio-lao de enunciado da smula vinculante, o rgo competente, para decidir o recurso, explicitar as razes da aplicabilidade ou inaplicabilidade da smula, conforme o caso. E acolhida pelo STF a reclamao fundada em violao de enunciado da smula vinculante, dar-se- cincia auto-ridade prolatora e ao rgo competente para o julgamento do recurso, que devero adequar as futuras decises administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilizao pessoal nas esferas cvel, administrativa e penal. Note-se: responsabilizao pessoal.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo158

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    estiver em conformidade com smula do Superior Tribunal de Justia (STJ) ou do STF.

    Tais ilustraes, somadas ao exemplo do art. 26-A, introduzido pela lei no 11.941/2009, so exuberantes para mostrar que existe efeito vinculante da jurisprudncia, mesmo nos casos em que no houver ensejo para o instituto da reclamao. Por outras palavras, o Estado-administrao, ao acatar, avisa-damente, as decises ltimas do Poder Judicirio em matria de constitu-cionalidade, realiza espcie de papel complementar na guarda da Constitui-o. Integra o controle de constitucionalidade, igualmente por esse ngulo. Deixa, por essa via, de engendrar o pesadelo de conflitos intertemporais, provocados pelo excesso de partidarizao dos temas administrativos, erro grave que conspira contra o amadurecimento isonmico do Estado constitucional, que reclama, vez por todas, o controle dos impulsos administrativos lesivos aos direitos fundamentais, especialmente os sociais.

    que apenas a guarda da juridicidade constitucional, levada a cabo pela administrao pblica, por iniciativa prpria (autotutela) ou por acatamento, colabora decisivamente para a tarefa de dizer no s cascatas de inconstitucio-nalidade, que atormentam a sociedade brasileira. Decerto, isso no significa endosso imposio autoritria, de cima para baixo, da jurisprudncia domi-nante. Nem se confunda, grife-se, o sustentado com qualquer defesa acrtica e cega do efeito coativo dos precedentes judiciais.

    Sem dvida, o contedo dos precedentes resta, sempre e sempre, sub-metido ao inafastvel controle judicial e reviso, a ser empreendida, sem peias ou temores exagerados, por todos os juzes (sob provocao, exatamente como sucede em relao s leis). Quadra sublinhar: em nosso sistema, apesar de tendncia perigosamente concentracionista, todo juiz guardio da Carta. Deveria ser bvio que no se pode jamais cercear ou punir o julgador pelo razovel desempenho do controle da constitucionalidade, inclusive dos pre-cedentes. De fato, a mantena do controle difuso requisito para a formao da requerida ambincia de internalizao da lei Maior, aliada autntica pos-tura constitucionalista, diretamente concretizadora dos direitos fundamen-tais de todas as dimenses, em lugar do carcomido legalismo estrito, que s tem servido para perpetuar regressividades inconfessveis. De maneira que o precedente vinculante ser, no mnimo, to questionvel como no sistema anglo-saxo, no qual o juiz mantm a liberdade para dizer a propsito da incidncia, ou no, daquele enunciado ao caso vertente, embora observados os precedentes, na maioria das vezes. A tcnica da distino tambm pode

  • JUarEz FrEItaS | administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio 159

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    ser aplicada em nosso sistema. De mais a mais, cada juiz est livre para moti-vadamente questionar, se considerar adequado faz-lo, a constitucionalidade das decises pacificadas. Entretanto, a postura consequencial esclarecida (dos juzes e, por suposto, dos administradores), no mais das vezes, deliberar a favor do precedente, isto , da preservao do sistema contra a excessiva vo-latilidade que debilita a tutela tempestiva da Constituio.

    Assentado esse aspecto, impe-se sublinhar que a vinculao do admi-nistrador pblico s diretrizes constitucionais deve acontecer, (a) de modo interventivo prprio ou (b) mediante acatamento das decises judiciais paci-ficadas, como sinal do cultivo das mentalidades cruciais35 para a sustentabili-dade constitucional, nas relaes de administrao, com vistas a obter ganhos de qualidade da gesto pblica, por intermdio do controle administrativo de constitucionalidade.

    Tudo isso, por sete argumentos principais, que convm retomar nesse momento:

    (I) porque necessrio criar um clima cultural propcio promoo da boa-f constitucional, em contraponto ao alastramento das poluentes incons-titucionalidades dolosas ou culposas.

    (II) porque se revela imprescindvel reduzir a litigiosidade, causada pelo prprio Estado-administrao, fenmeno que congestiona a pauta judi-cial e a faz morbidamente morosa. Ademais, no plano das ponderaes estatsticas, imperioso admitir que o resoluto acatamento das decises judiciais pelo Estado-administrao desafogaria os tribunais, pois no h dvida de que a administrao pblica converteu-se em grande de-mandada, num quadro que piora a j baixa confiabilidade mdia dos

    agentes polticos.(III) porque o lao voluntrio e de ofcio com a Constituio abre caminho

    para uma administrao pblica menos disruptiva e mais propensa a se deixar guiar pelo direito fundamental boa administrao pblica, voltado a resolver conflitos, preferencialmente na seara administrativa.

    Ou seja, a mais gil resoluo administrativa dos conflitos uma decor-rncia natural do aqui proposto.

    35 Ver: GARDNER, Howard. Cinco mentes para o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007. Para o autor, as mentes de cultivo crucial so: a disciplinada, a sintetizadora, a criadora, a respeitosa e a tica. Fora de dvida, todas configuram tipos de mente indispensveis ampliao preconizada de guarda da constitucionalidade, na esfera administrativa.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo10

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    (IV) porque o Estado-administrao, desde que engajado legitimamente na salvaguarda da constitucionalidade, tende a ver aplicado, igualmente em seu favor, o aludido princpio da deferncia, especialmente em ma-tria de regulao (atividade administrativa mais de Estado do que de governo), algo que tem o condo de evitar pleonasmos viciosos em ma-triade controle. Com efeito, quando todos esto igualmente comprome-tidos com a guarda da Constituio,36 renem-se as condies objetivas para instaurar estratgia convergente sobre o discurso constitucional,37 com gradativa regenerao da desgastada autoridade pblica.

    (V) porque a tardana em respeitar a Carta, a par de se mostrar contrria e lesiva durao razovel dos processos administrativos e judiciais, re-vela-se tenebrosa para os cidados vitimados pela sndrome das vitrias com sabor amargo. Nesse aspecto, atos praticados pela administrao pblica em juzo, em linha claramente discrepante com a interpretao constitucional consolidada, podem, em muitos casos, configurar inacei-tvel abuso de defesa ou revelar inadmissvel ttica protelatria (art. 273, II, do CPC), sem embargo do enquadramento eventual na hiptese de dano irreparvel ou de difcil reparao (CPC, art. 273, I). Pode-se cogitar at de antecipao da tutela contra o poder pblico,38 no se justificando conferir elastrio s restries normativas a respeito.39

    (VI) porque existe vinculao dos agentes pblicos em face das definitivas

    decises tomadas no controle difuso e no controle concentrado, quando se admite que a jurisprudncia representa momento culminante da po-

    36 Impe-se mencionar que, identicamente, ocorre o fenmeno da guarda da constitucionalidade pelo Parlamento, dada a interdependncia dos poderes (CF, art. 2o). Sim, por exemplo, o Parla-mento pode faz-lo por meio da Comisso de Constituio e Justia. Ainda no tocante ao Parla-mento: como mencionado, nos termos do art. 52, X, cabe ao Senado suspender a execuo, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por deciso definitiva do STF, em controle incidental ou difuso. Tal competncia privativa do Senado comporta parcial reviso hermenuti-ca, como sugerido, de passagem. Mais um exemplo: a deliberao de cada uma das Casas do Con-gresso Nacional sobre o mrito das medidas provisrias depende de juzo prvio sobre o atendi-mento de seus pressupostos constitucionais. So suficientes tais ilustraes sobre o controle de constitucionalidade exercitvel pelo Poder legislativo. A propsito, sobre o poder congressual de sustar atos do Poder Executivo como controle poltico de constitucionalidade, ver: FERRAZ, Anna Cndida da Cunha. Conflito entre poderes. So Paulo: RT, 1994. p. 206.37 Com acerto, no ponto, Cass Sunstein, ao dizer que fundamental reviver esse entendimento mais amplo da Constituio, que se tornou uma parte indissolvel do compromisso originrio para a democracia deliberativa. In: A Constituio parcial. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 2.38 Ver, a propsito, RE 495740, rel min. Celso de Mello.39 No se ignora o julgamento da ADC 4, pelo STF. Tampouco o art. 7o da nova lei de Mandado de Segurana.

  • JUarEz FrEItaS | administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio 11

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    sitivao do direito. Justamente em funo dessa caracterstica indelvel, impende reiterar que a jurisprudncia iterativa dos Tribunais fonte ma-terial do direito administrativo, por excelncia, inclusive no sistema roma-nstico-continental (e desde os primrdios) vincula constitucionalmente o administrador pblico, e no somente nas hipteses de smulas vincu-lantes. Tampouco se mostra ocioso reiterar que o princpio da moralidade determina que a administrao pblica atue de sorte a fazer universali-zveis suas condutas, com forte incentivo confiana legtima. Logo, no

    se admite que o Estado-administrao d o pssimo exemplo de manei-rista descaso em relao ao significado do plexo normativo, desvelado

    pelo Poder Judicirio, em definitivo, seja no controle incidental, seja no

    controle concentrado. O contrrio disso, em vrias situaes processuais, pode representar ofensa dignidade da jurisdio (CPC, art. 14: Contempt of Court),40 prtica que s tem feito onerar o errio e aumentar a percepo dos riscos associados s relaes de administrao.

    (VII) porque o administrador pblico no goza de discricionariedade pura ou ilimitada, em nenhum momento dos processos administrativos e judiciais. Encontra-se vinculado aos princpios e objetivos fundamentais. No limi-te, como destacado, a violao intencional dos princpios constitucionais pode ser traduzida como improbidade administrativa. Assim, a recusa de uma ordem discriminatria negativa ou racista, por exemplo, um dever tico-jurdico, ainda que a ordem esteja baseada em lei inconstitucional.

    Correm, em paralelo, tais argumentos nada antinmicos, notadamente para quem compreende o modo de operar e de aplicar o direito constitucional administrativo, cuja vinculao direta e imediata ao direito fundamental boa administrao pblica acarreta cogncia do plexo inteiro de princpios constitucionais que devem nortear as relaes de administrao.

    Assumido, dessa maneira, o desiderato de fazer com que a Constituio administre, fica ntido, por exemplo, que o legislador infraconstitucional errou na formulao literal do art. 77 da lei no 9.430/1996,41 ao apenas facultar

    40 Nos termos do art. 14 do CPC. 41 Dispe o art. 77 que fica o Poder Executivo autorizado a disciplinar as hipteses em que a administrao tributria federal, relativamente aos crditos tributrios baseados em dispositivo declarado inconstitucional por deciso definitiva do STF, possa: I abster-se de constitu-los; II retificar o seu valor ou declar-los extintos, de ofcio, quando houverem sido constitudos an-teriormente, ainda que inscritos em dvida ativa; III formular desistncia de aes de execuo fiscal j ajuizadas, bem como deixar de interpor recursos de decises judiciais.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo12

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    ao Poder Executivo a disciplina das hipteses em que a Administrao Tribu-tria federal, relativamente aos crditos baseados em dispositivo declarado inconstitucional por deciso definitiva do STF, possa abster-se de constitu-los. Inegvel que o significado sistemtico desse comando, base do prisma deontolgico e consequencial afinado com o controle da constitucionalida-de pela prpria administrao pblica, distinto do extrado da literalidade, donde segue o dever de ultrapassar a atecnia do legislador ordinrio. Defi-nitivamente, no se est perante uma mera faculdade do agente pblico, mas de rigoroso e indeclinvel dever. A discrio, nesse passo, resulta vinculada deciso definitiva ou indisputvel do Poder Judicirio, salvo motivao con-sistente e expressa em contrrio.

    Em igual senda e por idnticos motivos de fundo (sempre para ilustrar), no resulta minimamente aceitvel a compreenso literal do art. 4o da lei no 9.469/1997.42 Ali se diz que, no havendo a referida Smula da Advocacia Geral da Unio, o advogado geral poder dispensar a propositura de aes quando a controvrsia estiver sendo iterativamente decidida pelo STF ou pe-los tribunais superiores. Errado: tirante casos excepcionalssimos, trata-se de poder-dever. Quer dizer, a dispensa da propositura no singela faculdade do ocupante do topo dessa carreira de Estado, comprometida que deve estar, s inteiras, com o controle ampliado da constitucionalidade.

    Claro: ao se preconizar tal dever, no se propugna servilismo, nem sub-servincia, tampouco mproba prevaricao. Muito pelo contrrio. Afinal, em situaes-limite, presentes razes fortes para o convencimento sobre o desa-certo da posio jurisprudencial, revela-se, como destacado, legtimo e obri-gatrio procurar alter-la, com a suficiente motivao.43

    Como soa indisputvel, nessa altura, a vinculao do agente pblico lei e, acima disso, Constituio. Da resulta indispensvel o acatamento pela ad-ministrao pblica das pacificadas decises dos tribunais superiores, nota-damente em declaraes de inconstitucionalidade por deciso definitiva do Plenrio do STF. O maior beneficirio de semelhante postura no ser, apenas,

    42Assim dispe: No havendo Smula da Advocacia-Geral da Unio (arts. 4o, inciso XII, e 43, da lei Complementar no 73, de 1993), o advogado geral da Unio poder dispensar a propositura de aes ou a interposio de recursos judiciais quando a controvrsia jurdica estiver sendo iterati-vamente decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais Superiores. No se trata, como sustentado, de simples faculdade, mas, como regra geral, de um dever.43A teor do art. 50, VII, da lei no 9.784/1999, a motivao deve ser explcita, clara e congruente sempre que o administrador pblico deixar de aplicar jurisprudncia firmada sobre a ques-to.

  • JUarEz FrEItaS | administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio 13

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    aquele que litiga atomizadamente contra o poder pblico, mas o contribuinte e, em consequncia, o genuno interesse pblico.

    Em suma, a guarda da constitucionalidade precisa ser praticada, com ri-gor redobrado e de ofcio, pela prpria administrao pblica, no intuito de apurar a sindicabilidade dos princpios e direitos fundamentais, nas relaes administrativas. Controle de ofcio, no tocante eficcia e probidade, que implica responsvel inteligncia das regras (e das lacunas legais), sem omis-sivismo de qualquer matiz, seja na hiptesede acatamento, seja quando se mostrar necessria fundada concretizao dos direitos fundamentais, acima das leis que os violem.

    3. concluses

    Do articulado, assumida a ideia-chave de que se reconhece o controle ampliado de constitucionalidade, a cargo tambm do Estado-administrao, dos atos administrativos e dos atos normativos, impe-se, em sede conclusiva, deixar sulcado que:

    (a) Existe dever de resistir ordem manifestamente inconstitucional, quando cumpri-la, ainda que baseada em lei, representar improbidade administra-tiva por violao aos princpios constitucionais. No exagero asseverar: a falta de tutela ampliada da Constituio , antes de tudo, uma falha moral.

    (b) O controle de ofcio de constitucionalidade, na esfera administrativa, deve ser visto como diferente do controle exercido privativamente pelo Poder Judicirio. Aquele deixa de aplicar a lei ou o ato normativo com fundamento em inconstitucionalidade. Este declara a nulidade das leis ou dos atos nor-mativos, fixando os efeitos. So operaes jurdicas inconfundveis. No

    entanto, tudo recomenda que se adote uma concepo de controle de constitucionalidade que, sem prejuzo do controle judicial, seja larga e elstica o bastante para no prender macunaimicamente o administrador pblico ao dcil cumprimento, sem nenhum carter, de comandos ma-nifestamente inconstitucionais.

    (c) Uma das formas de controle de constitucionalidade, a ser efetuada pela prpria administrao (mas no s), o controle das omisses ou inrcias in-constitucionais. Em nosso ordenamento, os direitos fundamentais so do-tados de aplicabilidade direta e imediata, independentemente de regula-

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo14

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    mentao legal. Cumpre, nessa medida, permitir, por assim dizer, que a Constituio administre e concretize direitos fundamentais.

    (d) Outra das formas de realizar o controle administrativo de constituciona-lidade reside, paradoxalmente, no pronto acatamento das decises judi-ciais iterativas pela administrao pblica. Bem por isso, a administrao pblica (salvo motivo plausvel) precisa, exemplarmente, acatar os pro-nunciamentos irrecorrveis do Poder Judicirio (notadamente as decises definitivas do Plenrio do STF, no apenas em sede concentrada), sob pena

    de perecer a credibilidade do sistema inteiro de controle, dele subtraindo o hlito vital do respeito mtuo e da interdependncia dos poderes. Ade-mais, seria despropositado no acatar pronunciamentos em sede difusa, apenas com base numa carncia de manifestao suspensiva do Senado, quando, sobre a matria, o Poder Judicirio tiver iterativa e consolidada posio. Ainda: desde que largamente pacificada a orientao jurispruden-cial superior, afigura-se cristalino o dever (no mera faculdade) de acata-mento dos precedentes judiciais e da emisso clere dos atos declaratrios, pareceres normativos e smulas administrativas com acorroborao de tais diretrizes. Presente o aludido acatamento de ofcio, resultar, prova-velmente, fortalecido o princpio da deferncia. Por motivos de produti-vidade funcional do discurso deontolgico da Carta e sem menosprezar o papel da autoridade administrativa (justamente, ao revs), foroso en-tender que o legislador fecunda e parteja o preceito jurdico, mas incumbe ao Estado-juiz efetivar o controle cabal de adequao Carta. Do entendi-mento e da aceitao da intangibilidade desse ciclo, resulta aperfeioado o controle de juridicidade constitucional, incluindo aquele efetuado pela prpria administrao. Eis tarefa crucial para que o Estado-administrao aja, de ofcio, como integrante do Estado constitucional que . A no ser as-sim, a longo prazo, apresentam-se onerosssimos prejuzos (perfeitamente evitveis) para os cofres pblicos. Paga-se para compensar a maliciosa re-sistncia Carta, que produz danos irreparveis ou de difcil reparao, sobremodo quando se configura, nos processos, o carter protelatrio ou a

    litigncia de m-f.(e) Quando o Estado-administrao absorve a vinculao primeira juridi-

    cidade constitucional, cria as condies favorveis constitucionalidade, no seio das relaes administrativas. Assim como o agente pblico tem o dever de, motivadamente, recusar o cumprimento de ordem manifestamente ilegal, com

    muito mais razo, tem o dever de resistir ordem manifestamente inconstitucio-

  • JUarEz FrEItaS | administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio 15

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    nal, na defesa real da presuno de legitimidade e de constitucionalidade dos atos administrativos.

    (f) O controle ampliado da constitucionalidade, uma vez acolhido o acordo semntico proposto, deixa-se traduzir, no mbito do escrutnio e da sindi-cabilidade dos atos administrativos, como peculiar controle de conformidade dos atos administrativos com os princpios da Constituio, muito destacadamente com o princpio da moralidade. Sim, cumprir ou determinar cumprir uma ordem manifestamente inconstitucional viola, inclusive, o princpio da moralidade.

    (g) No nenhuma temeridade reconhecer que todos os poderes de Estado, em parceria com a sociedade, tm de realizar, s abertas, uma tutela sis-tmica e integrada da constitucionalidade, de molde a fazer que acontea a eficcia direta e imediata dos direitos fundamentais de vrias dimenses. Dessa maneira, o Estado-administrao tambm precisa, de maneira fun-damentada, realizar, de ofcio, o controle de constitucionalidade, em nome do direito fundamental boa administrao pblica. No significa seja dito uma vez mais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, exclusividade do Poder Judicirio, mas deixar de aplicar lei ou ato norma-tivoque inviabilizar o cumprimento da Constituio.

    (h) Constata-se, em instncia derradeira, o expressivo desafio de erigir o novo relacionamento entre a Constituio e o administrador pblico, tarefa que impli-ca a expanso da rede sinrgica e cooperativa de guarda da constituciona-lidade. Tal guarda de ofcio (que pode deixar cautelarmente de aplicar lei ou ato normativo inconstitucional, sem excluir as tcnicas da interpretao conforme ou a abertura de excees, muito menos a tomada de providncias para que a incons-titucionalidade seja afastada, em definitivo, pelo Poder Judicirio) ostenta o con-do de aperfeioar, nos limites das respectivas atribuies, a implementao dos princpios, direitos e objetivos fundamentais, no campo das relaes administrativas. Eis o robusto motivo pelo qual, no modelo brasileiro, re-vela-se, por todos os ngulos, altamente benfico assimilar, vez por todas, que bem administrar , antes de tudo, aplicar a Lei Fundamental de ofcio.

    Referncias

    AGRA, Walber. O entrechment como condio para a efetivao dos direitos fundamentais. In: TAVARES, Andr Ramos (Org.). Justia constitucional. Belo Horizonte: Frum, 2007. p. 23-41.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo1

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    BARROSO, lus Roberto. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2009.

    _____. Poder Executivo: lei inconstitucional, descumprimento. Revista de Di-reito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 181/182, 1990.

    BOBBIO, Norberto. O filsofo e a poltica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003.

    CHEVAlIER, Jacques. O Estado ps-moderno. Belo Horizonte: Frum, 2009.

    FAGUNDES, Miguel Seabra. Controle dos atos administrativos pelo Poder Judi-cirio. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

    FERRAZ, Anna Cndida da Cunha. Conflito entre poderes. So Paulo: RT, 1994.

    FREITAS, Juarez. A interpretao sistemtica do direito. 5. ed. So Paulo: Malhei-ros, 2010.

    _____. O controle dos atos administrativos e os princpios fundamentais. 4. ed. So Paulo: Malheiros, 2009.

    _____. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Frum, 2011.

    _____. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental boa administra-o pblica. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 2009.

    GARDNER, Howard. Cinco mentes para o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.

    GASPARETTO, Patrick Roberto. A administrao pblica frente lei inconstitu-cional. Belo Horizonte: Frum, 2011.

    GUASTINI, Riccardo. Das fontes s normas. So Paulo: Quartier latin, 2005.

    HBERlE, Peter. Jurisdio constitucional como fora poltica. In: TAVARES, Andr Ramos (Org.). Justia constitucional. Belo Horizonte: Frum, 2007.

    OTERO, Paulo. Legalidade e administrao pblica: o sentido da vinculao ju-rdica juridicidade. Coimbra: Almedina, 2007.

    PERRY, Michael. Protegendo direitos humanos constitucionalmente entrichei-rados: que papel deve a Suprema Corte desempenhar? In: TAVARES, Andr Ramos (Org.). Justia constitucional. Belo Horizonte: Frum, 2007. p. 83-151.

    POSNER, Richard. How judges think. Cambridge: Harvad Univesrsity Press, 2008.

    REAlE, Miguel. Inexecuo, pelo Executivo, de lei que entenda inconstitucio-nal. Arquivos do Ministrio da Justia, Rio de Janeiro, n. 95, 1965.

  • JUarEz FrEItaS | administrao pblica deve aplicar a lei fundamental de ofcio 1

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 258, p. 141-167, set./dez. 2011

    SUNSTEIN, Cass. A Constituio parcial. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

    TANZI, Vito. Goverment versus markets: the changing economic role of the State. New York: Cambridge University Press, 2011.

    THAYER, James. The origin and scope of the American doctrine of constitu-tional law. Harvard Law Review, v. VII, p. 129-156, 1893-94.

    TRIBE, laurence; DORF, Michael. On reading the Constitution. Cambridge: Harvard University Press, 1991.

    TUSHNET, Mark. Taking the constitution away from the courts. Princeton: Prince-ton University Press, 1999.

    ZAVASCKI, Teori. Ao Rescisria: a Smula 343 do STF e as funes institu-cionais do Superior Tribunal de Justia. Revista de Doutrina do STJ, Comemo-rativa dos 20 anos, Braslia, 2009.