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RESUMO FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972. STULTIFERA NAVIS No início da obra Foucault relata alguns eventos incididos no final da Idade Média, na qual ocorre um estranho desaparecimento da Lepra. Tal acontecimento não representava o efeito da cura exercido pelas práticas médicas da época, mas sim uma substituição dos leprosos pelos incuráveis e loucos. Na paisagem imaginária da Renascença surgem as Naus dos Loucos. Esses barcos levavam os insanos em busca da razão de uma cidade para outra, evitando assim a presença destes no convívio social. Em algumas cidades da Europa existiram alguns lugares de detenção para os insanos, como a conhecida Torre dos Loucos de Caen. Em Nuremberg, os loucos eram chicoteados publicamente e jogados na prisão. No entanto, havia pessoas que ofereciam auxílio a favor deles, através dos lugares de peregrinação. No fim da Idade Média, a loucura se faz presente no teatro e nas discussões acadêmicas. Diante de tantos discursos e questionamentos acerca da insanidade, no século XV ela passa a assombrar a imaginação do homem da época, havendo uma substituição do tema da morte pelo da loucura. Em contrapartida, aos poucos a loucura tornava-se um fascínio para o homem. No entanto, Foucault acredita que a loucura não fascina, mas sim atrai. Para o autor, ela surge para o homem como uma miragem, sem enigmas ocultos; ela é um relacionamento que o homem mantém consigo mesmo. Além disso, a loucura é capaz de conduzir tudo que existe de fácil, de alegre e de ligeiro no mundo.

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RESUMO

FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo:

Editora Perspectiva, 1972.

STULTIFERA NAVIS

No início da obra Foucault relata alguns eventos incididos no final da Idade

Média, na qual ocorre um estranho desaparecimento da Lepra. Tal

acontecimento não representava o efeito da cura exercido pelas práticas

médicas da época, mas sim uma substituição dos leprosos pelos incuráveis e

loucos.

Na paisagem imaginária da Renascença surgem as Naus dos Loucos. Esses

barcos levavam os insanos em busca da razão de uma cidade para outra,

evitando assim a presença destes no convívio social. Em algumas cidades da

Europa existiram alguns lugares de detenção para os insanos, como a

conhecida Torre dos Loucos de Caen. Em Nuremberg, os loucos eram

chicoteados publicamente e jogados na prisão. No entanto, havia pessoas que

ofereciam auxílio a favor deles, através dos lugares de peregrinação.

No fim da Idade Média, a loucura se faz presente no teatro e nas discussões

acadêmicas. Diante de tantos discursos e questionamentos acerca da

insanidade, no século XV ela passa a assombrar a imaginação do homem da

época, havendo uma substituição do tema da morte pelo da loucura.

Em contrapartida, aos poucos a loucura tornava-se um fascínio para o homem.

No entanto, Foucault acredita que a loucura não fascina, mas sim atrai. Para o

autor, ela surge para o homem como uma miragem, sem enigmas ocultos; ela

é um relacionamento que o homem mantém consigo mesmo. Além disso, a

loucura é capaz de conduzir tudo que existe de fácil, de alegre e de ligeiro no

mundo.

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Na era Clássica, a loucura passa a ser considerada e entendida apenas em

relação à razão, pois acreditava-se que toda loucura era composta por uma

razão que a julgava e controlava. A loucura só tinha sentido e valor no campo

da razão. Diante disso, o tema da loucura assume presença na literatura em

meados do século XVI e começo do século XVII, nas importantes obras de

Shakespeare e Cervantes.

E é a partir do século XVII que será estabelecida uma relação entre a loucura e

o internamento. O internamento era considerado uma estrutura quase jurídica,

onde se julgava e condenava. Esses lugares estavam longe de ser um

estabelecimento médico. De certa forma, o Classicismo inventou o

internamento.

O louco, portanto, passa a ser excluído da sociedade, tendo seu lugar ao lado

dos pobres. A loucura agora é percebida no horizonte social da pobreza.

A GRANDE INTERNAÇÃO

Foucault inicia este capítulo com a apresentação do raciocínio cartesiano

desenvolvido por Descartes. Para Foucault, trata-se de uma passagem

decisiva, pois é o anunciado do “golpe de força” da razão, com a expulsão da

possibilidade da loucura para fora do pensamento como tal.

De acordo com a visão do autor, na metade do século XVII foi estabelecida

uma ligação entre a loucura e o internamento. Nesse período houve a

construção de vastas casas para alocar os loucos.

O internamento é importante para Foucault por duas razões: (1) o fato de ele

ser a estrutura mais visível da experiência clássica da loucura e, (2) porque

será exatamente ele que provocará o escândalo quando essa experiência

desaparecer da cultura européia no século XIX, com influências de Pinel e

Tuke, através a idéia de uma libertação dos loucos do internamento.

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Foucault enfatiza no texto a racionalidade desse internamento (também

identificado como Hospital Geral), tentando entender suas práticas específicas.

Além disso, o autor se dedica ao estudo do internamento do século XVII,

relacionando-o com uma estrutura semijurídica e administrativa (pois decide,

julga e executa ações), e não como uma instituição médica.

Para o autor, o internamento foi criado pelo Classicismo, da mesma forma que

a Idade médica inventou a segregação dos considerados leprosos.

O internamento foi criado para uma segregação dos loucos e dos ociosos. E

isso aconteceu porque surgiu uma sensibilização social em relação à miséria e

aos deveres da assistência. Ou seja, a prática da internação passou a designar

uma nova reação à miséria, um novo relacionamento do homem com aquilo

que pode haver de desumano na sua existência. Diante disso, a oposição entre

os bons e os maus pobres são fundamentais no que se refere à estrutura do

internamento. Se antes o louco era acolhido pela sociedade, agora ele será

excluído, pois ele perturba a ordem do espaço social.

Ao contrário do que se pensava, não havia um sentimento de benevolência da

sociedade em relação ao internamento, mas sim uma preocupação

sociopolítica. O internamento servia para reabsorver os desocupados e

proteger a sociedade contra as revoltas, fora dos períodos de crise ele servia

para fornecer mão-de-obra barata. E é por isso que, para Foucault, a

internação pode ser considerada uma criação da institucional, mas que sua

amplitude não permite uma comparação com uma prisão.

Não obstante, ao final do século XVIII e principalmente a partir do século XIX a

confusão entre criminosos e loucos provocará espantos. Diante disso, as casas

de internamento, avaliadas a partir de seu valor funcional, podem ser

consideradas um fracasso. E isso se comprovou com o desaparecimento

destas em quase toda a Europa no século XIX.

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O MUNDO CORRECIONAL

É sabido que, em suas formas mais primitivas, o internamento funcionou como

mecanismo social, permitindo um isolamento daquelas pessoas indesejadas e,

como o próprio Foucault descreve, “a-sociais”. A idade média contribuiu para

essa visão da loucura, entendendo-a como uma desordem social e uma

ameaça para o Estado.

No entanto, após um processo de exclusão despercebida, a sociedade deu-se

conta de que o internamento não representou somente um papel negativo de

exclusão, mas sim um papel positivo de organização. Ele possibilitou a

reorganização do mundo ético, novas linhas de divisão entre o bem e o mal e

um estabelecimento de novas normas na integração social.

Foucault enfatiza também em alguns trechos o funcionamento dos Hospitais

Gerais no século XVII. Percebe-se que neles não havia um isolamento

terapêutico, mas sim uma segregação dos loucos e dos doentes venéreos. Os

médicos eram proibidos de reconhecer e curar os doentes. Nessa época, a

loucura é relacionada ao pecado. E é por isso que será estabelecida, por

séculos, uma aliança entre o desatino e a culpabilidade. Como conseqüência,

os loucos são castigados nos hospitais para pagarem seus pecados; e só

depois de terem acertado as contas com Deus o paciente é declarado curado e

mandado embora.

Diante do que foi exposto, fica claro que a internação do século XVII tornou

possível o estabelecimento de remédios morais (castigos e terapêuticas), que

se tornaram atividade principal dos primeiros asilos, no século XIX.