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145 8 Cenários: o que o futuro nos reserva? O maior desafio à nossa frente nos níveis pessoal, organizacional e social é dominar a aceleração de nosso próprio poder antes de sermos exterminados por ele. Peter Schwartz 396 Este capítulo trata da descrição do pré-teste realizado com a equipe de pesquisadores do Núcleo de Cenários Futuros da PUC-Rio e do workshop de construção de cenários aplicado na empresa Seven (fabricante de joias), situada em São José do Rio Preto / SP, que se disponibilizou a participar da proposta desta tese. Em paralelo, houve a oportunidade de uma segunda verificação, através da participação e suporte dado à mestranda Julia Bonecker (PUC-Rio) durante o workshop realizado na Renner (moda), em Porto Alegre, em 6 de Junho de 2011. Porém, esse workshop não será descrito neste trabalho por não fazer parte da proposta, sendo entendido apenas como mais uma oportunidade para validação das técnicas adotadas. Vale ressaltar alguns pontos importantes, cuja observância foi recomendada por Fahey e Randall 397 , para o sucesso de um workshop de cenário: Foco: durante a construção dos cenários, não se deve perder de vista o contexto da questão central. Simplicidade: embora a inteligência e a criatividade ajudem a compor as interações entre as forças motrizes chaves e a enriquecer uma escrita criativa, é importante atentar para os atores e demais variáveis, cujas ações também interferem no desenrolar do enredo. Interatividade: um workshop de cenário é uma das grandes e, talvez, raras oportunidades de se proporcionar a interação entre membros de uma equipe base dentro da empresa. Tempo para planejamento: é importante selecionar a equipe com antecedência e realizar pequenas entrevistas com cada membro para deixá-los a par da metodologia e objetivos da construção de cenários. A figura a seguir (Figura 12) apresenta um resumo do processo de construção de cenários, cujas etapas foram configuradas a partir da combinação dos métodos descritos no item 6.6.1, considerando todos os fatores chaves 396 SCHWARTZ, 2003, p.26. 397 FAHEY e RANDALL, op.cit., p.75

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8 Cenários: o que o futuro nos reserva? O maior desafio à nossa frente – nos níveis pessoal, organizacional e social – é dominar a aceleração de nosso próprio poder antes de sermos exterminados por ele.

Peter Schwartz396

Este capítulo trata da descrição do pré-teste realizado com a equipe de

pesquisadores do Núcleo de Cenários Futuros da PUC-Rio e do workshop de

construção de cenários aplicado na empresa Seven (fabricante de joias), situada

em São José do Rio Preto / SP, que se disponibilizou a participar da proposta

desta tese. Em paralelo, houve a oportunidade de uma segunda verificação,

através da participação e suporte dado à mestranda Julia Bonecker (PUC-Rio)

durante o workshop realizado na Renner (moda), em Porto Alegre, em 6 de

Junho de 2011. Porém, esse workshop não será descrito neste trabalho por não

fazer parte da proposta, sendo entendido apenas como mais uma oportunidade

para validação das técnicas adotadas.

Vale ressaltar alguns pontos importantes, cuja observância foi

recomendada por Fahey e Randall397, para o sucesso de um workshop de

cenário:

Foco: durante a construção dos cenários, não se deve perder de vista o

contexto da questão central.

Simplicidade: embora a inteligência e a criatividade ajudem a compor as

interações entre as forças motrizes chaves e a enriquecer uma escrita

criativa, é importante atentar para os atores e demais variáveis, cujas

ações também interferem no desenrolar do enredo.

Interatividade: um workshop de cenário é uma das grandes e, talvez, raras

oportunidades de se proporcionar a interação entre membros de uma

equipe base dentro da empresa.

Tempo para planejamento: é importante selecionar a equipe com

antecedência e realizar pequenas entrevistas com cada membro para

deixá-los a par da metodologia e objetivos da construção de cenários.

A figura a seguir (Figura 12) apresenta um resumo do processo de

construção de cenários, cujas etapas foram configuradas a partir da combinação

dos métodos descritos no item 6.6.1, considerando todos os fatores chaves

396

SCHWARTZ, 2003, p.26. 397

FAHEY e RANDALL, op.cit., p.75

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citados no item 6.4. Este modelo é o ponto de partida para o método proposto e

testado no workshop realizado e descrito neste capítulo.

Fase 1: identificação da questão central (escopo do cenário; tema)

Fase 2: análise do ambiente atual - coleta de dados sobre o tema a ser

trabalhado e sua organização através de uma Matriz de Categorização

(Matriz 1);

Fase 3: análise dos fatores chave - identificação dos elementos pré-

determinados, forças motrizes e atores que podem impactar e influenciar a

questão central; seleção das forças motrizes identificadas no

macroambiente e os atores (microambiente) que têm relação com a

questão central;

Fase 4: análise e seleção de condicionantes do futuro – cruzamento de

dados - Matriz de Análise Estrutural (Matriz 2), Matriz de Influência Atores x

Forças Motrizes (Matriz 3); Matriz de Classificação das Forças Motrizes

Figura 12: Resumo das etapas para construção de cenários

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(Matriz 4 e 5) para hierarquização das forças motrizes anteriormente

identificadas por grau de impacto, incerteza e imprevisibilidade;

Fase 5: construção e descrição de cenários alternativos - Matriz de

Cenários (Matriz 6), partindo das forças motrizes e atores já identificados.

Selecionar as forças motrizes que atuarão diretamente na construção dos

cenários (mais impactantes e mais imprevisíveis), gerando os eixos

ortogonais que irão comandar os cenários; seleção da lógica dos cenários

(indutiva ou dedutiva) e enredos (simples ou sutis); construção das

narrativas;

Fase 6: análise das opções e implicações - seleção do cenário que se

encontra mais próximo do curso da história ou mais plausível e/ou

desejado – identificação de oportunidades;

Fase 7: decisões estratégicas - análise das oportunidades identificadas e

estabelecimento e monitoramento de estratégias.

Cabe observar que as fases de 1 a 4 tratam do cenário atual pesquisado,

base para a prospecção dos futuros possíveis, que tem início a partir da fase 5.

Segundo Searce,

The exercise may sound simple – and in many cases it is. But the results are often surprising and profound. In the process of adding detail and color to each future, new issues or strategic concerns rise to the surface, and old issues get

reframed.398

8.1 O pré-teste

O pré-teste foi realizado na PUC-Rio, em 28 de dezembro de 2010, em

forma de um workshop de um dia, com a participação dos pesquisadores do

Núcleo de Cenários Futuros da PUC-Rio (Aline Monçores, Cidda Siqueira, Flávia

Mendonça e Julia Bonecker) e do coordenador do Núcleo, Cláudio Magalhães. O

tema para a construção dos cenários foi Energia Criativa na América Latina. O

grupo teve como pré-tarefa coletar informações/notícias sobre o assunto, que

398

SEARCE, et al. 2004, p.8 (O exercício pode parecer simples e, em muitos casos, ele é. Mas os resultados são surpreendentes e profundos. Ao adicionar detalhes e cores em cada futuro durante o processo, novos problemas ou preocupações estratégicas podem subir à superfície, e antigas

questões podem ser reformuladas) Tradução nossa.

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foram compartilhadas através do banco de dados via internet:

www.evernote.com.

Como primeira tarefa do workshop, o grupo analisou o material coletado e

preencheu a Matriz de Categorização. Por falta de controle do tempo, essa etapa

estendeu-se por toda a parte da manhã. No momento do pré-teste, a

metodologia proposta para a construção de cenários estava bastante

simplificada. Por este motivo, a segunda tarefa a ser realizada já compreendia a

seleção das forças motrizes para a composição dos eixos da Matriz de Cenários.

Na parte da tarde, foi proposto um brainstorming para extrapolação de

ideias a partir das três forças motrizes selecionadas, anotando-se os impactos e

consequências futuras de cada uma delas. As forças motrizes selecionadas

foram:

Social: Locais de tolerância

Econômico: Rede colaborativa.

Cultural: Expressividade bruta / tosca.

Porém, o workshop foi encerrado sem que fosse possível completar o

proposto, em decorrência da falta de tempo. Observações:

Nem todos os participantes fizeram pesquisa e forneceram informações

para o traçado do cenário atual, o que prejudicou bastante o conteúdo a

ser analisado.

O tempo reservado para o workshop não foi suficiente para o cumprimento

das tarefas.

Observou-se a falta de algumas atividades entre a categorização e a

delimitação dos eixos, a fim de realizar uma análise e um cruzamento dos

dados levantados com mais profundidade.

Em decorrência das falhas percebidas nesse pré-teste, houve uma revisão

das técnicas propostas, o que levou ao emprego de algumas matrizes

sugeridas por Marcial e Grumbach, Peter Schwartz e Godet (as matrizes

foram descritas no item 6.6.2).

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8.2 Workshop: prospectando o futuro

Usar cenários é ensaiar o futuro. Peter Schwartz

399

O workshop foi realizado na empresa Seven (fabricante de joias), em São

José do Rio Preto / SP, nos dias 4 e 5 de maio de 2011. O grupo contou com a

participação do empresário Sergio Iorio, três designers da área de

desenvolvimento de produto – Ana Carla Torraca, Estela Spagnol e Liara

Takemoto –, um designer da área de comunicação visual – Helder Monteiro –,

um profissional da área de marketing – Leandro Cortez – e a

pesquisadora/facilitadora, num total de sete pessoas. O workshop durou um dia

e meio.

Com uma semana de antecedência, foi enviado à equipe um relatório com

os dados levantados nesta pesquisa, citados no Capítulo 6. Sobre os dados,

cabe observar que os mesmos foram, em grande parte, levantados pela

pesquisadora através das entrevistas a especialistas (Anexos 1 e 2) e dados

disponibilizados pelo IBGM. Essa base de dados serviu para que a equipe

pudesse fazer uma reflexão inicial sobre o cenário atual. Outros dados foram

inseridos durante as discussões na primeira parte do workshop, conforme ponto

de vista e experiência dos participantes.

O primeiro dia foi dedicado às atividades que abrangem da Fase 1 à Fase

4, com a análise e categorização dos dados coletados, preenchimento das

Matrizes de Análise Estrutural e Influências Atores x Forças Motrizes, e da

Classificação das Forças Motrizes, etapas descritas no Capítulo 6, item 6.6.2. O

segundo dia foi dedicado exclusivamente à construção dos cenários.

8.2.1 Fase 1 O tema selecionado pela equipe para a construção dos cenários foi As

joias e os novos objetos de desejo, considerando-se a oportunidade de se

analisar alguns problemas levantados na coleta de dados, como as

interferências que os produtos substitutos e competidores estão exercendo e

exercerão sobre o consumo de joias, o comportamento do consumidor de joias,

o surgimento de novos grupos de consumo, o design, a tecnologia e novas

estéticas, novas linguagens de acesso e campanhas de marketing, entre outros.

399

SCHWARTZ, 2006, p.162.

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8.2.2 Fase 2 Inicialmente, as forças motrizes foram organizadas em sete categorias,

através da Matriz de Categorização (Matriz 7): tecnologia/produção (acesso à

tecnologia, tecnologia e qualidade, tecnologia e prazo de entrega), design

(valorização, aspectos intangíveis, função/beleza, versatilidade, interferência dos

aspectos econômicos etc.), economia (tributação, alta do ouro, crises

financeiras, informalidade, desvalorização da moeda etc.), concorrência/produtos

substitutos (produtos tecnológicos, cirurgia plástica, viagem, produtos de grife

como sapatos e bolsas, joias de prata, produto importado400, principalmente o

chinês etc.), qualificação (dos profissionais de produção e design aos

representantes e varejistas), marketing (campanhas de construção da marca,

comunicação com o consumidor final, comunicação dos aspectos simbólicos das

joias, englobando o tema da coleção e valores emocionais, apelo emocional x

apelo financeiro etc.), logística (segurança, transporte, pontos de apoio).

Tecnologia/ Produção

Design Economia Concorrência

/ produtos substitutos

Qualificação profissional

Marketing Logística

acesso à

tecnologia valorização tributação

produtos

tecnológicos produção

Campanhas de

construção de marca

Segurança

tecnologia e qualidade

aspectos intangíveis

alta do ouro cirurgia plástica design Comunicação

com o consumidor final

Transporte

tecnologia e

prazo de entrega

função/beleza crises

financeiras viagem representantes

Comunicação dos aspectos

simbólicos das joias / valores emocionais

Pontos de

apoio

versatilidade informalidade produtos de

grife (sapatos,

bolsas)

varejistas Apelo emocional

x apelo

financeiro

interferência dos aspectos

econômicos

desvalorização

da moeda joias de prata

produto

importado

Os atores identificados como mais significativos para dinamizar o enredo

dos cenários foram: o empresário, a equipe de design de joias, a equipe de

produção, a equipe de marketing, os representantes, os varejistas (lojista e

sacoleira) e o consumidor final (Quadro 13).

400

O termo importado em itálico refere-se não só à importação legal, mas à prática do contrabando, principalmente de produtos chineses, que ainda é muito representativa no Brasil, prejudicando fortemente o comércio legal.

Matriz 7: Aplicação da Matriz de Categorização

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Atores

Ambiente Interno Ambiente Intermediário Ambiente Externo

Empresário Representantes Varejistas

Equipe de design de joias Consumidor final

Equipe de produção

Equipe de marketing

8.2.3 Fase 3 Nesta fase, o grupo classificou os fatores-chaves, identificando os

elementos pré-determinados, forças motrizes (tendências de peso, fatos

portadores de futuro, incertezas críticas, surpresas inevitáveis e wild cards) e

atores que poderiam impactar e influenciar a questão central.

A matriz a seguir (Matriz 8) mostra a classificação dos principais elementos

predeterminados e forças motrizes levantadas, considerando os dados

coletados.

8.2.4 Fase 4 Para a elaboração da Matriz de Análise Estrutural (Matriz 9), foram

selecionadas sete forças motrizes, uma de cada categoria, por sugestão da

equipe.

Tendência de peso

Elemento predeterminado

Fato portador de futuro

Incerteza crítica Surpresa inevitável

Coringas ou Wild Cards

Formalização do setor

Tecnologia na produção

O fator econômico

influenciando o design

Qualificação dos varejistas e

representantes

Variação do preço do ouro

Uso do ouro

Uso de diamantes

Indústrias virando varejo

Lançamento de produtos

substitutos / concorrência

Comunicação da marca ao cliente

final

Transporte e segurança

Bloqueio de importados

Escassez ou abundância do

ouro e diamantes

Matriz 8: Classificação dos fatores-chave

Quadro 13: Seleção dos atores – ambientes interno/externo/intermediário

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A partir dessa Matriz, concluiu-se que, dentro do contexto analisado, os

produtos substitutos/concorrência seria a variável de maior motricidade, ou seja,

com mais possibilidades de impulsionar as demais. Por outro lado, a

comunicação da marca ao público final seria a variável mais dependente,

sofrendo influências das demais forças motrizes, com exceção do item

informalidade, cuja movimentação não afetaria diretamente o alcance da

comunicação da marca ao cliente final, segundo opinião da equipe.

Para a Matriz de Influências Atores x Força Motriz, as sete forças motrizes

selecionadas foram cruzadas com os sete atores relacionados na fase anterior.

Tecnologia produção

Design e fator

econômico Informalidade

Produtos Substitutos/ concorrência

Falta de qualificação

varejista

Comunicação da marca

Transporte/ segurança

M

Tecnologia produção

0 1 0 0 1 1 0 3

Design e fator econômico

1 0 0 1 1 1 0 4

Informalidade 0 1 0 1 0 0 1 3

Produtos substitutos

concorrência 0 1 1 0 1 1 1 5

Falta de qualificação

varejista 0 0 0 0 0 1 0 1

Comunicação da marca

0 0 0 1 0 0 0 1

Transporte/ segurança

0 0 1 0 0 1 0 2

D 1 3 2 3 3 5 2

Tecnologia produção

Design e fator

econômico Informalidade

Produtos Substitutos/

concorrência

Falta de qualificação

varejista

Comunicação da marca

Transporte/ segurança M

Designer de joias 1 1 0 0 0 1 0 3

Empresário 1 1 1 0 1 1 1 6

Equipe de Marketing 0 1 0 1 1 1 0 4

Representante 0 1 1 1 1 0 0 4

Produção 1 1 0 0 0 1 0 3

Cliente Final 1 1 0 1 1 1 0 5

Varejista/ sacoleira 1 1 1 1 1 1 0 6

D 5 7 3 4 5 6 1

Matriz 9: Aplicação da Matriz de Análise Estrutural, com as forças motrizes selecionadas.

Matriz 10: Aplicação da Matriz de Influências Atores x Força Motriz

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Na aplicação da Matriz de Influência Atores x Forças Motrizes (Matriz 10),

concluiu-se que o empresário e o varejista (lojista/sacoleira) seriam os atores

com maior poder de influência sobre o contexto observado, seguidos do cliente

final. No índice dependência, o design e a comunicação da marca aparecem

como as forças motrizes que estão mais submetidas às decisões dos atores

considerados. Esta análise foi muito importante, não só para a compreensão da

dinâmica do cenário atual, como para a estruturação das relações que

propiciaram a construção dos cenários futuros.

Para classificar as forças motrizes por seu grau de

incerteza/imprevisibilidade e importância/impacto (Matriz 11), seguiu-se a

recomendação de Schwartz. A matriz a seguir é resultado da avaliação e ponto

de vista dos membros da equipe participante.

A classificação das forças motrizes permitiu o preenchimento da matriz

seguinte (Matriz 12), que gerou a escolha das duas forças motrizes mais

impactantes e imprevisíveis, qualidades necessárias para a geração dos eixos

da matriz de cenários, segundo Schwartz401.

401

SCHWARTZ, 2006, p.200.

Força Motriz Imprevisibilidade Impacto

Tecnologia / produção 2 5

Design e fator econômico 2 4

Informalidade 1 2

Produtos substitutos /

concorrência 3 4

Falta de qualificação

do varejista 1 4

Comunicação da marca

para o cliente final 2 5

Transporte / segurança 2 5

Matriz 11: Aplicação da Matriz de Classificação das Forças Motrizes

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Como pode ser observado (Matriz 12), três forças motrizes obtiveram o

mesmo grau de avaliação: comunicação de marca ao consumidor final,

tecnologia/produção e transporte/segurança. Após considerações, decidiu-se

pela escolha da comunicação de marca ao consumidor final como a força motriz

mais impactante e os produtos substitutos/concorrentes como a mais

imprevisível.

8.2.5 Fase 5 Com as duas forças motrizes selecionadas na fase anterior, construiu-se

os dois eixos da matriz de cenários. Os cenários construídos (Matriz 13)

consideraram essas duas forças motrizes como principais motivadores,

influenciando e sofrendo influência das demais forças e atores. Também por

consenso da equipe, decidiu-se pela construção de três cenários.

Matriz 12: Aplicação da matriz de classificação das forças motrizes

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É importante salientar que os cenários resultantes dependem da escolha

das forças motrizes para composição dos eixos na prospecção de futuros, e do

ponto de vista dos participantes do workshop e sobre a evolução das

interrelações dessas forças. As decisões sobre a evolução dessas interrelações

são resultado de um consenso entre as opiniões da equipe envolvida e não

representam a visão de todo o setor joalheiro sobre o contexto observado.

Nos cenários aqui descritos, o termo joia está se referindo às joias de ouro,

por ser o foco desta pesquisa. Os três cenários prospectados seguiram o viés

exploratório, com uma lógica indutiva, para um período entre dois e cinco anos.

8.3 A joia e os novos objetos de desejo: futuros possíveis A pergunta hoje é: qual será o futuro das joias? Num mundo em

constantes mudanças e crises financeiras, o tema da sustentabilidade leva à

reflexão sobre o destino do consumo, com todos os conceitos que o envolve,

inclusive o de desperdício. Os consumidores, suas necessidades e desejos já

não são os mesmos, e novos e surpreendentes produtos surgem no mercado

Matriz 13: Os cenários prospectados

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com forte poder de sedução, cuja sensibilidade também sofreu alterações.

Objetos, antes impensáveis, ganharam lugar de honra entre as preferências

emocionais dos consumidores, cada vez mais volúveis e ávidos por novidades.

Como enfrentar o desafio?

Os três cenários construídos apresentam três situações possíveis,

considerando as forças motrizes e atores selecionados pelo grupo participante.

Para ilustrar cada cenário, foi realizada uma simulação de situação a partir da

construção de uma marca de joias e de quatro personagens (Quadro 14).

Marca Descrição

SIX Fabricante de joias de ouro. Fornece tanto para pequenas joalherias como para rede de lojas.

Personagem Descrição

Silvia

Classe média, 55 anos, advogada, divorciada, moradora do Rio de Janeiro, mãe da Julia, gosta de moda e de sair com os amigos. Silvia é de uma geração anterior ao advento dos produtos tecnológicos pessoais, mas há muitos anos incorporou essa realidade e se atualiza constantemente para garantir um bom networking.

Julia

Filha da Silvia, 18 anos, estuda Turismo Ecológico, tem um namorado (Lucas), é ativista ambiental moderada e adora os produtos naturais, sustentáveis e reciclados. Como sua mãe, Julia gosta de moda, mas não é fashion victm. Seu namorado faz aniversário daqui a duas semanas e Julia não sabe como presenteá-lo.

Lucas

Namorado da Julia, 20 anos (quase 21), estuda Mídia Digital e é surfista nas horas vagas. Embora seja adepto da tecnologia, não abre mão dos produtos sustentáveis. É bem informado a respeito dos lançamentos e possui praticamente todos os gadgets de última geração.

Miriam

Tem 34 anos, é solteira e cursou até o nível médio. Fala inglês e trabalha como vendedora numa joalheria num grande shopping do Rio de Janeiro. Miriam gosta do estilo das joias oferecidas na loja, mas tem dificuldade em vendê-las. Seu desafio é bater as metas estipuladas pela gerente, mas seus resultados estão sempre abaixo, apesar de todo o esforço e simpatia.

Quadro 14: Quadro com a descrição dos personagens que ilustrarão os cenários, através de narrativas.

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157

8.3.1 Cenário 1: Entre tapas e beijos 402

Este é um cenário (Figura 13) onde os embates dos interesses da empresa

com a concorrência dos produtos substitutos se alternarão entre oportunidades

de mercado e a falta de iniciativas mais consistentes para o aproveitamento

dessas oportunidades. O vislumbre de bons momentos não garantirá a sua

concretização.

Por um lado, as poucas surpresas no lançamento de produtos substitutos e

concorrentes abrirão um espaço para o posicionamento das joias; por outro, esta

oportunidade não será aproveitada devido ao baixo investimento na

comunicação da marca e, por conseqüência, na comunicação dos valores das

joias ao público final. Neste contexto, apesar de existirem poucos produtos que

possam atrair o olhar e o interesse dos consumidores, que já possuirão a maioria

deles, essa concorrência permanecerá incomodando.

Se o dólar subir, as classes B e C consumirão menos, pois tanto os

produtos tecnológicos como as joias sofrerão com a alta. Neste caso, a escala e

o peso das joias diminuirão ainda mais e as bijuterias ganharão mais força,

competindo em preço e em impacto visual.

Se houver um bloqueio aos produtos importados (principalmente

chineses), a concorrência aumentará dentro do próprio setor joalheiro, já que

não haverá um trabalho de marca expressivo a ponto de manter a empresa

numa posição dominante.

402

A música Entre Tapas e Beijos é de autoria de Nilton Lamas/Antônio Bueno, sucesso de Leandro e Leonardo (1990).

Figura 13: Cenário 1 – Entre tapas e beijos

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O aumento da adoção de tecnologias para a produção de joias resolverá a

maioria dos problemas envolvendo custo, qualidade e prazo de entrega,

elevando as chances de diferenciação de produto. Porém, o consumidor final

não perceberá essa diferença devido a pouca divulgação, visibilidade e

reconhecimento da marca pelo mercado.

Se o empresário investir em treinamento de vendedores/representantes e

qualificação de varejistas, a percepção de valor das joias (qualidade, tecnologia,

conceitos) terá mais nitidez, porém não o suficiente para dar reconhecimento à

marca, pois as fracas ações de marketing não darão suporte suficiente aos

representantes e varejistas.

Se o baixo investimento em treinamento de vendedores/representantes e

qualificação de varejistas persistir, haverá ainda menos possibilidades para a

comunicação da marca ao consumidor final. Neste caso, as joias continuarão

como comodities; o ponto forte será o preço e, em segundo lugar, a

credibilidade403. E se as joias continuarem a ser vistas como comodities, o

design ficará focado em preço, peso e atratividade, com poucas chances para

um design mais ousado e inovador. Um círculo vicioso, onde o baixo

investimento em campanhas de marketing e o fraco entendimento dos conceitos

das joias levarão à manutenção dos níveis de competição entre as joias e os

produtos substitutos.

Dentro dessa perspectiva, o não cliente deverá permanecer não cliente.

Uma história: Entre tapas e beijos!

Cena 1: Assim que a aula termina, Julia pega sua bicicleta elétrica e vai encontrar Lucas

na saída da faculdade. Ela sempre chega primeiro que o namorado, embora Lucas tenha

uma bicicleta super atual, movida a energia solar! Julia considera um luxo desnecessário

da parte dele, mas Lucas não resiste a produtos como esse e tem o discurso pronto

sobre sustentabilidade, transporte verde etc. Enquanto espera, Julia pensa sobre o

aniversário do namorado e o presente que dará a ele. Não sabe o que fazer... Lucas tem

tudo! Mais uma camisa? Uma roupa para pegar onda? Ela queria ser original, dar

alguma coisa diferente, que marcasse. Mas ultimamente tem aparecido tão poucas

novidades no mercado que possam interessar... Julia resolve pedir ajuda à sua mãe.

Cena 2: Silvia escuta o problema da filha e resolve sugerir uma joia. “Quem sabe um

pequeno pendente com alguma mensagem especial?” “Joia? Nossa, mãe... sei lá! O

Lucas não liga pra isso... o que vou dizer pra ele?” Silvia tenta argumentar, lembrando

das joias que recebeu do marido, quer dizer ex-marido, durante o namoro e início do

casamento. Ainda guarda com carinho, principalmente o anel que recebeu quando Julia

403

Entendida aqui como garantia para o teor do metal e qualidade das gemas.

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nasceu! Lindo! Mas Julia acha tudo isso um tanto desnecessário. “Se é pra ganhar

alguma coisa, tem que ser alguma coisa que ele queira muito, entendeu, mãe? Uma joia

só pra enfeitar?” Mas Silvia insiste e convence Julia a ir a uma joalheria. Só para ver...

“Mãe, não dá pra ver pela internet? Tudo vem pela internet! É mais prático!” Mas Silvia é

do tempo em que não se comprava joia sem ver, tocar, experimentar.

Cena 3: Silvia e Julia chegam à joalheria e param na vitrina para dar uma primeira

olhada. Julia está sem paciência e olha tudo contrariada. Prefere mil vezes as bijuterias

com reciclados feitas em comunidades carentes. Sempre que compra, sabe que está

ajudando alguém ou alguma causa especial. Usa com orgulho. “Mãe, vai ser tudo caro,

vamos embora”. Miriam está no interior da loja e se aproxima com um sorriso quando as

duas entram. “Como posso ajudá-las?” “O namorado da minha filha faz aniversário e ela

gostaria de dar um presente especial. O que você teria para um rapaz?” Miriam leva as

duas até um balcão e mostra sua linha masculina de pulseiras... “Nãaaaooo...”, diz Julia.

Anéis... “Nãaaaooo...” crucifixos... “Julia, este é lindo!” “Acho que não, mãe...” “E está

placa com o signo do zodíaco? É da SIX, uma marca importante, veja... “Nunca ouvi

falar!” “Quanto custa este pendente?” Miriam dá o preço e Julia se assusta: “Nossa, com

esse dinheiro eu compro o eco-phone todo em bambu que o Lucas está de olho! Ele vai

amar e é super útil!” Julia fica desatenta, fazendo contas sobre o valor do gadget e Silvia

começa a se cansar de ficar de pé em frente ao balcão tentando seduzir a filha. Pede

desculpas à Miriam, tão simpática e solícita, e resolve ir embora. Miriam perde a venda.

Cena 4: No corredor do shopping, Julia comenta que se tivesse que comprar uma

joia iria no atelier da amiga de sua prima, que faz coisas incríveis e provavelmente mais

em conta. Enquanto fala, Julia vê um cartaz com o eco-phone. Não é exatamente uma

novidade, mas ela sabe que Lucas vai gostar. A vitrina está toda decorada com bambu e

uma placa diz que a loja foi montada com produtos reciclados. Julia está acostumada a

fazer compras pela internet, mas acaba entrando na loja com a mãe. Levam

aproximadamente duas horas experimentando todos os aparelhos, sentadas em

poltronas confortáveis. O preço do eco-phone deixa as duas em dúvida, mas consideram

a utilidade e o fato de ser em material sustentável. Julia compra o presente para Lucas!

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8.3.2 Cenário 2: A dois passos do paraíso! 404

Neste cenário (Figura 14), podemos vislumbrar uma situação ideal, onde a

empresa investirá fortemente na comunicação da marca ao consumidor final,

num ambiente de poucas surpresas advindas de produtos substitutos

concorrentes.

Com os produtos substitutos mantendo um ritmo de lançamentos

moderado, o consumidor terá suas necessidades satisfeitas nessa área,

possuindo a maioria dos produtos. Porém, ele também reconhecerá os valores

da marca (empresa de joia), o que dará uma grande vantagem para o

posicionamento competitivo das joias no mercado nacional.

Considerando a provável subida do dólar e do ouro num contexto de boa

divulgação da marca, o valor percebido da joia será um forte argumento para o

seu fortalecimento enquanto investimento. O preço/peso ficará em segundo

plano.

Se houver bloqueio dos produtos importados numa situação de bom

posicionamento da marca, as vendas tenderão a aumentar, assim como a

margem de lucro.

O forte investimento na divulgação da marca possibilitará um maior nível

de informação e qualificação dos vendedores/representantes e varejistas. Em

consequência, o valor conceitual e os atributos das joias serão trabalhados, o

que propiciará um maior reconhecimento da marca e o aumento das vendas.

404

A música A dois passos do paraíso é um sucesso da banda Blitz, de autoria de Evandro Mesquita/Ricardo Barreto (1983)

Figura 14: Cenário 2 – A dois passos do paraíso!

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Neste cenário, o incremento da adoção de tecnologias para a produção de

joias, além de resolver problemas de custo, qualidade e prazo de entrega, vai

diferenciar a marca junto ao cliente final, através de um forte trabalho de

marketing. O cliente final estará mais orientado para buscar valores nas joias,

além do preço, ou seja, na marca. Essa realidade exigirá a criação de joias com

novos atributos, e o design irá investir cada vez mais em pesquisa, para reforçar

os valores intangíveis das joias e a identidade da marca. Os temas e conceitos

ganharão destaque devido à maior percepção de seus conceitos. Um ambiente

confortável para que os designers experimentem e ousem mais.

Haverá também uma tendência à “inversão da demanda”, com o

consumidor buscando e não mais a loja oferecendo. A solução será o

crescimento da estratégia de desenvolvimento de linhas exclusivas para os

varejistas.

Esta é uma boa oportunidade para se trabalhar os não clientes, buscando

formas de atraí-los para o mundo das joias!

Uma história: A dois passos do paraíso!

Cena 1: Assim que a aula termina, Julia pega sua bicicleta elétrica e vai encontrar Lucas

na saída da faculdade. Ela sempre chega primeiro que o namorado, embora Lucas tenha

uma bicicleta super atual, movida a energia solar! Julia considera um luxo desnecessário

da parte dele, mas Lucas não resiste a produtos como esse e tem o discurso pronto

sobre sustentabilidade, transporte verde etc. Enquanto espera, Julia pensa sobre o

aniversário do namorado e o presente que dará a ele. Está indecisa... Ela queria ser

original, dar alguma coisa diferente, que marcasse. Julia resolve pedir ajuda à sua mãe.

Cena 2: Silvia escuta a filha e resolve sugerir uma joia. “Quem sabe um pequeno

pendente com alguma mensagem especial?” “Joia? Será que o Lucas vai usar?” Silvia

fala sobre o aspecto afetivo das jóias (ouviu na televisão!), lembrando à Julia das joias

que recebeu do ex-marido durante o namoro e início do casamento. Ainda guarda com

carinho todas elas. O pingente recebido no primeiro dia dos namorados do casal, o

solitário que a deixou sem fala no dia do noivado e, principalmente, o anel que recebeu

quando Julia nasceu! Lindo! Julia se emociona ao lembrar do par de brincos que recebeu

de sua avó em seu aniversário e sabe que vai guardá-lo para sempre! Julia também se

lembra do vídeo da SIX que correu a internet mostrando um pingente super versátil que

troca de mensagem dependendo da ocasião e acha que Lucas iria gostar. Poderia

comprar pela internet, mas Julia tem medo de não chegar a tempo! Então resolvem ir a

uma joalheria.

Cena 3: Silvia e Julia chegam à joalheria e entram decididas. A vendedora se aproxima

com um sorriso: “Como posso ajudá-las?” “O namorado da minha filha faz aniversário e

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ela gostaria de dar um presente especial. Você tem o pendente que troca de mensagens

da SIX?” A vendedora se preocupa, pois a loja não trabalha com os produtos da SIX.

Mesmo assim, leva as duas clientes até um balcão e tenta agradá-las com outras

sugestões. Pulseiras, pendentes, mas Julia está irredutível. Já sabe o que quer e, caso

não encontre, ainda tem a opção do eco-phone todo em bambu que o Lucas está de

olho! A vendedora perde a venda. No corredor, Julia vê o eco-phone na vitrina de uma

loja especializada, mas ainda não desistiu do pendente e se encaminha à outra joalheria.

Na vitrina, o pendente da SIX aparece em destaque. Miriam convida-as a entrar e sentar

em poltronas confortáveis. Julia comenta sobre o vídeo que viu e faz perguntas sobre a

joia: qual o material, como funciona... Miriam dá explicações sobre os atributos

tecnológicos e emocionais que envolvem o pendente, feito para sinalizar uma série de

sentimentos, dependendo da ocasião. Silvia e Julia ficam encantadas com a explicação

e decidem comprar a joia. Em pensamento, Miriam agradece ao representante da SIX

por ter fornecido todos os detalhes que a ajudaram a fechar a venda!

8.3.3 Cenário 3: Pode vir quente que eu estou fervendo! 405

Um cenário desafiante e possível (Figura 15), onde os produtos substitutos

manterão um ritmo forte de lançamentos num ambiente de alto investimento na

divulgação dos valores das joias e da marca. O alto impacto das duas forças

motrizes promoverá o aumento qualitativo do nível da concorrência e campanhas

de marketing, forçando a empresa a investir em novas tecnologias e pesquisa na

405

A música Pode vir quente que eu estou fervendo foi sucesso da Jovem Guarda, composta por Carlos Imperial/Eduardo Araújo, cantada por Erasmo Carlos (1967).

Figura 15: Cenário 3 – Pode vir quente que eu estou fervendo!

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área das comunicações (novas linguagens, novas mídias). Como conseqüência,

o consumidor estará ainda mais orientado sobre o valor da marca e propenso a

comprar joias para várias ocasiões. Porém, haverá mais pressão na tomada de

decisão de compra entre as joias e os novos e tentadores produtos substitutos.

Além de informado, o grande impacto das ofertas deixará o consumidor mais

exigente e indeciso.

Se a crise econômica no mundo levar alguns países à liberação de seus

estoques de ouro e/ou diamante, haverá uma queda no valor desses materiais.

Isso poderá provocar a popularização da joia de ouro, o aumento de sua escala,

e o aumento da concorrência e do consumo.

E se, ao contrário, houver uma escassez desses materiais, como por

exemplo, dos diamantes, poderá haver um aumento do consumo dos sintéticos.

A escassez de materiais e/ou a alta excessiva de preços retrairá o mercado das

joias de ouro, levando à expansão das bijuterias e produtos substitutos, e

exigindo por parte da empresa novas formas de abordagem nas campanhas de

marketing. Essas circunstâncias podem levar ao aumento da valorização das

joias como investimento financeiro.

Devido ao crescimento da fabricação de joias pelo varejo, haverá, por uma

questão de sobrevivência, uma tendência de algumas indústrias virarem varejo e

competirem diretamente pelo cliente final.

O intenso investimento na divulgação da marca atingirá, inevitavelmente, a

qualificação de vendedores/representantes e varejistas, o que fortalecerá a

imagem que a marca tem no mercado e o entendimento das joias como

conceito. Consequentemente, o discurso de venda ficará mais focado nos

valores intangíveis das joias e o varejista reconhecerá que a presença da marca

em seu estabelecimento pode ser um diferencial.

Os designers de joias serão desafiados a inventar novos usos e funções

para as joias, que serão mais conceituais. O desenvolvimento de joias com

funções tecnológicas poderá ser uma opção estratégica diante da forte presença

dos produtos tecnológicos competidores. Neste cenário, as joias exclusivas e

personalizadas serão uma exigência. Os avanços tecnológicos promoverão a

produção de joias cada vez mais complexas e únicas e, quem sabe, através de

impressoras de joias caseiras.

Estilo de vida e atitude serão qualidades evidenciadas nas campanhas que

atingirão o público jovem através dos atributos tecnológicos das joias. Condição

ideal para que os não clientes se tornem clientes.

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Uma história: Pode vir quente que eu estou fervendo!

Cena 1: Assim que a aula termina, Julia pega sua bicicleta elétrica e vai encontrar Lucas

na saída da faculdade. Encontra com ele no meio do caminho e os dois apostam corrida.

Ela chega primeiro, embora Lucas tenha uma bicicleta super atual, movida a energia

solar! Lucas não resiste a produtos como esse e tem o discurso pronto sobre

sustentabilidade, transporte verde etc. Julia pensa sobre o aniversário do namorado e o

presente que dará a ele. Ela queria ser original, dar alguma coisa diferente, que

marcasse. Julia resolve pedir ajuda à sua mãe.

Cena 2: Silvia escuta a filha e resolve sugerir uma joia. “Quem sabe um pequeno

pendente com alguma mensagem especial?” Silvia fala do catálogo virtual que recebeu

da SIX e sobre os aspectos afetivos e tecnológicos das jóias, aprendidos durante uma

matéria exclusiva na televisão. Julia pensa no eco-phone todo em bambu que Lucas

comentou bem empolgado e que acaba de ser lançado. Está indecisa... Tanto um quanto

o outro poderiam ser comprados pela internet, mas Julia tem medo de que não chegue a

tempo! Então resolvem ir ao shopping.

Cena 3: Assim que chegam, Silvia e Julia vêem o eco-phone na vitrina. A decoração da

loja é um convite para se entrar e testar os produtos. As duas se distraem checando os

últimos lançamentos e Julia aprova o desempenho do eco-phone, tudo bem explicado

por um vendedor bem informado. Mas Silvia recomenda à filha que só tome a decisão

depois de ver o pendente. Então as duas se encaminham para a joalheria e na vitrina um

aviso diz: Joias SIX no interior da loja. Entram decididas. Miriam se aproxima com um

sorriso: “Como posso ajudá-las?” “Gostaríamos de ver o pendente da SIX que troca de

mensagens.” A vendedora abre um sorriso e direciona as duas para um nicho da SIX,

onde está exposta a última coleção. Em destaque sobre um totem, o pendente. Julia

comenta sobre o vídeo que viu e faz perguntas sobre a joia: qual o material, como

funciona... Miriam convida-as a sentar em poltronas confortáveis e mostra o pendente,

dando explicações sobre as tecnologias empregadas (o que há de mais atual em

nanotecnologia) e os atributos emocionais que envolvem a peça, feita para sinalizar uma

série de sentimentos, dependendo da ocasião. Julia experimenta a joia e testa suas

opções. As duas ficam encantadas com a explicação, olham uma para a outra e

confessam para Miriam que estão em dúvida entre o pendente e o eco-phone. Miriam

argumenta sobre a originalidade do pendente, único no mercado a oferecer essa

tecnologia. Que este seria, sem dúvida, um presente inesquecível! Depois de confabular

com a mãe, Julia decide comprar o pendente. Miriam fica feliz por ter os produtos SIX em

sua loja e, em pensamento, agradece à empresa pelo treinamento recebido sobre o

produto, o que a ajudou a fechar a venda!

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8.4 Considerações parciais

A realização do workshop na empresa Seven foi fundamental para validar

o emprego das técnicas de construção de cenários futuros, considerando a

participação da equipe de design. Embora o tempo tenha sido suficiente para

que todas as etapas fossem realizadas, a equipe manifestou o desejo de voltar a

realizar todo o processo em outra oportunidade, por terem vislumbrado novas

abordagens para as questões levantadas.

Muito se discutiu sobre a crise econômica, a concorrência, a valorização

excessiva do ouro e as formas como o design pode atuar para vencer os

desafios impostos pelo mercado. No entanto, na prospecção de cenários, a

equipe não projetou um futuro muito distante, ficando entre 3 e 4 anos. Essa

dificuldade de extrapolação se deve, em grande parte, à falta de prática nesse

exercício. Considera-se que, quanto mais sistemática se tornar a aplicação do

método na rotina da empresa, mais rico poderá ser o resultado dos cenários.

Mentes que se exercitam, tornam-se elásticas, abertas para novas idéias e

possibilidades.

Os cenários construídos criaram um panorama sobre situações próximas e

possíveis, que permitiram a identificação e confirmação de estratégias (fases 6 e

7) a serem adotadas pela empresa. Por uma questão de sigilo, previamente

acordado com a empresa, as estratégias identificadas não foram descritas nesta

tese, preservando a autenticidade e exclusividade das mesmas.

De um modo geral, o resultado pode ser considerado positivo, deixando a

semente para novos encontros e novas reflexões sobre o presente e o futuro. As

mudanças, cada vez mais velozes, não cessam de lançar no mundo novas

crises, desafios e incertezas, que o setor joalheiro precisa enfrentar e responder.

Segundo o diretor executivo do IBGM, Écio Morais406.

As mudanças que estão afetando o mercado vieram para ficar. O modo de se fazer negócios mudou, os canais mudaram, o consumidor mudou. O avanço da economia virtual e os novos conceitos presentes na cabeça do neo consumidor, e o avanço da classe C, no caso do Brasil, colocam o setor joalheiro diante de um enorme leque de ameaças e oportunidades.

Sobre a crise que se instaura no mundo, Morais407 comenta que ela não é

apenas uma crise econômica, mas trás em seu bojo uma crise de valores. Qual

406

MORAIS, In:__ Perspectivas de curto prazo para o setor joalheiro, 2010. 407

MORAIS, In:__As voltas que o Mundo dá! Reflexões sobre a Crise, 2009.

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seria o novo padrão de consumo cujo modelo de acumulação seria sustentável?

Qual seria o valor das coisas?

Segundo Morais, para o universo joalheiro a reserva de valor é um

conceito importante, tanto o valor econômico inerente ao ouro e às gemas, como

o valor sentimental e emocional. “O capital físico, que era a variável chave do

crescimento econômico, perde lugar para o capital humano”408. Neste sentido,

não há como dissociar esses dois aspectos, igualmente fortes, das joias.

A valorização do ouro, que reage positivamente a cada manifestação de

instabilidade na economia mundial, gera retração no mercado de joias. Esse fato

propicia ainda mais a participação no mercado das joias de prata, joias folheadas

e bijuterias. Como observa Hécliton Santini409, presidente do IBGM, isso também

se deve “pelo aumento da qualidade e do impacto visual dos produtos, como

pelo aumento das classes emergentes e dos jovens, que passaram a consumir

esses produtos, muitas vezes em substituição às joias de ouro”.

Para Santini, a retração do mercado de joias de ouro é um fenômeno

mundial.

Nos últimos cinco anos, os únicos países que aumentaram sua produção de joias de ouro foram a China e a Rússia. Com a recuperação do mercado consumidor,

acredito que as joias de ouro recuperarão um pouco o espaço perdido.410

Porém, Santini vê com otimismo a posição do Brasil, considerando a

reação das indústrias nacionais para reduzir o impacto do preço do ouro, que

incorporaram novos metais e materiais ao design das joias, assim como

aumentaram o uso de gemas de cor. Neste sentido, segundo ele, o Brasil

apresenta grande vantagem comparativa. Tudo isso pode ser o prenúncio de um

futuro que, embora com ameaças e incertezas, não deixa também de acenar

com um oceano de oportunidades.

408

MORAIS, In:__ Conectividade: o caminho do futuro que já chegou, 2009. 409

SANTINI, 2011. 410

Ibidem.

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